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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE E CULTURA VISUAL
DOUTORADO
JORDANA FALCÃO TAVARES
Advergames e educação da cultura visual.
Um estudo sobre a noção de juventude em
“Mais Fanta, mais diversão”
Goiânia - 2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE E CULTURA VISUAL
DOUTORADO
Advergames e educação da cultura visual. Um estudo
sobre a noção de juventude em “Mais Fanta, mais
diversão”
Texto apresentado à banca examinadora
da Faculdade de Artes Visuais da Universidade
Federal de Goiás, por ocasião da defesa,
exigência parcial e última, para obtenção do
título de doutora em Arte e Cultura Visual, sob
orientação do prof. Dr. Raimundo Martins.
Jordana Falcão Tavares
Goiânia – 2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE E CULTURA VISUAL
Jordana Falcão Tavares
Advergames e educação da cultura visual. Um estudo sobre
a noção de juventude em “Mais Fanta, mais diversão”
TESE DE DOUTORADO
Abril de 2017
____________________________________________________________
Prof. Dr. Raimundo Martins – FAV/UFG
Orientador e presidente da banca
___________________________________________________________
Prof. Dr. Arão Nogueira Paranaguá de Santana - UFMA
Membro externo
___________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Miranda - UDELAR
Membro externo
___________________________________________________________
Prof. Dr. José Maria Gonçalves da Silva Ribeiro – FAV/UFG
Membro interno
___________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Carlos Pinheiro Ferreira – UNB
Membro externo (suplente)
___________________________________________________________
Prof. Dr. Thiago Fernando de Santanna – FAV/UFG
Membro interno (suplente)
Pela partilha e multiplicação,
Pelas falas e silêncios,
Por estar junto e dar espaço,
Minha mais sincera gratidão...
Às amarras de amor: Pablo Sérvio;
Aos nós de sangue: os Falcão;
Aos laços de afeto: Ágatha Couto, Aleksandra Oliveira, Bárbara Lyra, Celso
Lucas, Ítala Carvalho, Juliana Falcão, Leandro Abreu, Lilian Calixto, Lorena Cintra,
Mônica Lopes Lima, Paulo Passos, Pedro Henrique Andrade, Regiane Miranda,
Renato Cirino;
Aos que ataram algumas das pontas: Raimundo Martins, Mirna Anaquiri,
professor Diego e alunos do Bernardo Élis. Mariana Pajaro. Cleidson Lima.
Jullena Normando. Rone Soares;
Aos que foram se enovelando: Alex Mateus, Alice Martins, Alzira Martins, Arlete
de Castro, Camila Alves, Claúdio Aleixo, Eduardo Ávila, Fabrício Carrijo, Fernando
Miranda, Hidemi Nomura, Irene Tourinho, Keila Alves, Leda Guimarães, Marcela
Blanco, Pedro Simon, Rosana Hório, Tiago Santanna, Wesley Play Cópias, Zen
com a gente. Todos os professores, servidores e terceirizados da casa, ao núcleo
EAD/FAV, aos comparsas de pesquisa, aos alunos da UFG e todos que são
inspiração e resistência, força e leveza.
RESUMO
Esta investigação, desenvolvida entre 2013 e 2016, busca entender o conceito
de juventude e sua representação na mídia tomando como suporte teórico
reflexões do campo da Educação da Cultura Visual. Para realizar a pesquisa de
campo foi escolhido um artefato cada vez mais presente na vida dos jovens: os
videogames, mas especificamente, os advergames, jogos eletrônicos
desenvolvidos para divulgar marcas ou produtos. O trabalho de campo foi
planejado de modo a proporcionar a interação dos jovens participantes com o
advergame “Mais Fanta, mais diversão” e as campanhas publicitárias de Fanta
com o intuito de examinar seus entendimentos sobre as construções midiáticas
em torno da ideia de ser jovem. O grupo foi formado por 14 estudantes de uma
escola pública da região periférica de Goiânia com idades entre 11 e 16 anos
que opinaram sobre as narrativas e personagens dos jogos, bem como sobre
tecnologia, consumo e a noção de juventude. Os temas discutidos nos
encontros com os colaboradores constituem também o corpo desta
investigação, organizada em cinco capítulos. O primeiro, apresenta o leitor aos
conceitos de jogo e advergame. O segundo capítulo, discute princípios que
fundamentam a relação entre jogos e educação. A metodologia é descrita e
detalhada no terceiro capítulo incluindo o trabalho de campo e uma
netnografia sobre o espaço virtual dos jogos. O conceito de juventude é
abordado e discutido no capítulo quatro. O quinto e último capítulo é
composto pela análise das falas dos jovens colaboradores da investigação. Vale
ressaltar que a conclusão é um arranjo contingente que levou em consideração
as características do grupo de participantes, mas, especialmente, as várias
mudanças que se impuseram em relação ao planejamento inicial da pesquisa
alterando seu curso.
Palavras chave: Educação da Cultura Visual, juventude, videogames,
advergames.
ABSTRACT:
This investigation, developed between 2013 and 2016, try to understand the
concept of youth and its media representation taking as theoretical support
reflexions of Visual Culture Education. To perform field work was chosen an
artifact that is increasingly present in young's lifes: videogames, specifically,
advergames, electronic games designed to promote brands or productsThe field
work was planned to allow the interaction of the young participants with the
advergame "More Fanta, more fun" and Fanta advertising campaigns in order to
examine the understandings builded by the media around the idea of being
young. The group was formed by 14 students, aged between 10 and 16 years.
They were studied at a public school placed in a peripheral region of
Goiânia.They gave opinions about the narratives and characters of the games, as
well as about technology, consumption and the notion of youth. The topics
discussed at meetings with the group are also the body of this investigation,
divided into five chapters. The first chapter presents the reader to the concepts
of game and advergame. The second discusses principles that underlie the
relationship between games and education. The methodology is described and
detailed in the third chapter including fieldwork and a netnography on the
virtual space of the games. The concept of youth is addressed and discussed in
chapter four. The fifth and final chapter consists of the analysis of the lines of
young research staff. It is worth mentioning that the conclusion is an
arrangement that took into account the characteristics of the Group of
participants, but especially the various changes imposed to the initial planning
of the research by changing its course.
Key words: Visual culture education, youth, videogames, advergames.
Resumen:
Esta investigación desarrollada entre 2013 y 2016 busca entender el concepto
de juventud y su representación en los medios de comunicación con la ayuda
del campo teórico de la educación de la cultura Visual. Para se realizar esta
investigación de campo se eligió un artefacto que está cada vez más presente
en las vidas de los jóvenes: videojuegos, pero específicamente, advergames,
juegos electrónicos diseñados para promocionar marcas o productos. El trabajo
de campo fue planeado para permitir la interacción de los jóvenes participantes
con el advergame "Mais Fanta, mais diversión" y campañas de publicidad de
Fanta para examinar su comprensión acerca de las construcciones de los medios
de comunicación alrededor de la idea de ser joven. El grupo estaba formado por
14 alumnos de una escuela pública en la región periférica de Goiânia de edades
comprendida entre 10 y 16 años que dieron sus opiniones sobre los relatos y
personajes de los juegos, así como sobre la tecnología, el consumo y la noción
de juventud. Los temas tratados en las reuniones con los alumnos forman parte
también del cuerpo de esta investigación, dividida en cinco capítulos. El primer
presenta al lector a los conceptos de juego y advergame. El segundo capítulo,
aborda los principios que subyacen a la relación entre juegos y educación. La
metodología está descrita y detallada en el capítulo tercero incluyendo trabajo
de campo y una netnography en el espacio virtual de los juegos. El concepto de
juventud es tratado y discutido en el capítulo cuatro. El quinto y último capítulo
consiste en el análisis de lo que han dicho los estudiantes. Cabe destacar que la
conclusión es que un arreglo de cuotas que tuvo en cuenta las características
del grupo de participantes, pero especialmente los cambios impuestos en
relación con la planificación inicial de la investigación, cambiando su curso.
Palabras clave: Educación de la Cultura Visual, juventude, videojuegos,
advergames.
Sumário
Rótulos inaderentes. Juventude(s): do consumo à tecnologia, da diversão ao
conteúdo. ......................................................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 – TUDO ISSO É SÓ UM JOGO? Conceitos essenciais acerca dos
jogos .................................................................................................................................................. 5
1.1 “SOU UM JOGADOR, TENHO MUITAS VIDAS” – O alcance dos games na
sociedade contemporânea ........................................................................................................ 5
1.2 NOVOS BRINQUEDOS PARA NOVAS CRIANÇAS – Games, infância e
juventude ....................................................................................................................................... 11
1.3 VIVÊNCIA A PARTE DA VIDA - Conceito(s) de jogo ................................................ 13
1.4 FAZER BRINCANDO - Princípios da gamificação ..................................................... 17
1.5 A REALIDADE QUEBRADA - Por que os jogos encantam .................................... 20
1.6 VAMOS BRINCAR DE QUE? - O que se joga hoje .................................................... 27
1.7 OS 10 TOMATES – Sobre advergames ......................................................................... 29
CAPÍTULO 2 – CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS, APRENDIZADOS POSSÍVEIS.
Sobre educação e jogos ........................................................................................................... 34
2.1 VÁRIOS OBJETOS PARA UM CAMPO - culturas visuais e Cultura Visual. ........ 34
2.2 Um parêntese sobre arte, cultura visual e imagens da mídia .............................. 41
2.3 L1 + > + R1 + > - O que se aprende com os games ............................................ 50
2.4 MÁQUINAS DE ENSINAR - Games como pedagogias culturais ......................... 57
CAPÍTULO 3 – TRILHAS DO OBJETO, PASSOS DOS SUJEITOS, CAMINHOS DA
PESQUISADORA. Traçando rotas metodológicas ............................................................ 71
3.1 LOCALIZAÇÃO - Uma pesquisa qualitativa, pós-crítica ou, fazendo
bricolagem ..................................................................................................................................... 71
3.2 NEGOCIAÇÕES METODOLÓGICAS – Bricolagem ou “epistemologia da
complexidade”.............................................................................................................................. 75
3.3 IDA A CAMPO - Netnografando “Mais Fanta, mais diversão” ............................. 78
3.4 REVISANDO A ROTA – Montando um grupo focal ............................................. 100
CAPÍTULO 4 – DE/COM QUEM ESTAMOS FALANDO? Sobre a noção de
juventude .................................................................................................................................... 117
4.1 Espírito jovem - A ideia de juventude como uma condição ............................. 117
4.2 Gerando crianças - A invenção do conceito de infância .................................... 120
4.3 As crianças viram jovens - Um conceito inicial de juventude ........................... 123
4.4 Ser jovem hoje – Uma noção de juventude consolidada? ................................. 128
O sujeito na sociedade de controle ................................................................................... 130
4.5 Multiconectados - Ainda sobre a ideia de ser jovem nos dias de hoje ........ 134
4.6 Eles por eles - Os jovens colaboradores se apresentam .................................... 142
CAPÍTULO 5 – GALERA FANTA. A noção de juventude segundo Fanta .............. 146
5.1 QUEM VAI NOS GUIAR? - Declínio das instituições disciplinares ................... 147
Cadê a família? .......................................................................................................................... 148
Cadê a escola? ........................................................................................................................... 155
Cadê a igreja? ............................................................................................................................ 159
5.2 “Olha o estilão!” - Controle, consumo e identificação ........................................ 164
Consumo ostentação .............................................................................................................. 164
Origem fantástica ..................................................................................................................... 171
Personalidade produto .......................................................................................................... 174
5.3 Os playless - Imperativo do gozo, tédio e hiperestímulo. ................................. 183
Utopia, cidade multicolorida! .............................................................................................. 183
Cidade cinza ............................................................................................................................... 187
Quem quer ser playless?........................................................................................................ 189
Conclusão .................................................................................................................................... 195
Bibliografia .................................................................................................................................. 208
ANEXO I – ROTEIRO PARA REALIZAÇÃO DE GRUPO FOCAL COLETA DE DADOS
DE PESQUISA DE DOUTORADO COM ALUNOS DA ESCOLA MUNICIPAL
BERNARDO ÉLIS ........................................................................................................................ 221
ANEXO 2 – APRESENTAÇÃO DA PESQUISADORA E TERMO DE CESSÃO DE
DIREITOS ENVIADO AOS PAIS DOS ALUNOS ................................................................ 228
Lista de figuras
Figura 1 - Camiseta usada por possível jogador. Tradução: Eu não preciso de
uma vida, sou um jogador, tenho várias vidas. .................................................................. 7
Figura 2- Cosplays dos personagens do game Halo ....................................................... 8
Figura 3- Escada piano, parte do projeto ‘the fun theory’ da empresa
Volkswagem .................................................................................................................................. 19
Figura 4- Imagem do jogo World of Warcraft .................................................................. 22
Figura 5 – Imagem do jogo Super Monkey Ball 2 ........................................................... 23
Figura 6 - Imagem do jogo Farmville .................................................................................. 24
Figura 7 - Imagem do game Halo 3 ..................................................................................... 26
Figura 8 - Jogadores experimentam Spacewar ................................................................ 27
Figura 9 - Exemplo de comunicação bidirecional Autobel no Facebook ............... 31
Figura 10 - Placas publicitárias compõem o cenário em ProEvolution Soccer ..... 32
Figura 11 - Jogo dos 10 tomates ........................................................................................... 33
Figura 12 - Still Life #35, Tom Wesselmann, 1963. ......................................................... 42
Figura 13 - I Shop, therefore, I am. Barbara Kruger, 1987. ........................................... 44
Figura 14 - Outdoor do coletivo Guerrilla Girls, 2011.................................................... 45
Figura 15 - Banksy ...................................................................................................................... 46
Figura 16 - Cartucho do jogo Tetris com interveção do artista ................................. 48
Figura 17 - Jetpack girl, jogo que apresenta o artista Steph Thirion ....................... 49
Figura 18 - Long March: restart. Feng Mengbo. .............................................................. 50
Figura 19 - Imagem do jogo The Sims 2 Ikea Home Stuff. Nessa versão do jogo
é possível comprar produtos disponíveis na loja para decorar a casa virtual. ..... 53
Figura 20 - Kratus com a cabeça da Medusa em frente à Acrópole ........................ 55
Figura 21 - Imagem do jogo on line V de Vinagre. Disponível em UOL Games .. 64
Figura 22 - Imagem do jogo on line Studio Fashion. Disponível em UOL Games
........................................................................................................................................................... 67
Figura 23 - Game Detona Ralph, baseado no filme de mesmo nome .................... 68
Figura 24 - personagens de Detona Ralph: o protagonista, Vanellope e Sgt.
Calhoun ........................................................................................................................................... 69
Figura 25 - Página inicial do site de Fanta ......................................................................... 80
Figura 26 - Página inicial do site mostrando os ambientes a serem explorados 81
Figura 27 - Recorte do comic book ...................................................................................... 82
Figura 28 – Imagem do jogo Todd's van ............................................................................ 84
Figura 29 - Imagem do jogo Lola's fizz fazer .................................................................... 85
Figura 30 - Imagem do jogo Llavas twins roller .............................................................. 86
Figura 31 - Perfil do jogador ................................................................................................... 87
Figura 32 - Lola, Gigi, Todd, Floyd, Tristan e Andy ......................................................... 89
Figura 33 - Vista geral de Utopia .......................................................................................... 90
Figura 34 - Imagem do jogo Maude's cine dance .......................................................... 91
Figura 35 - Imagem do jogo Yoyo jump, da Gigi ............................................................ 92
Figura 36 - Imagem do jogo hover board rider ............................................................... 93
Figura 37 - Quarto do Floyd .................................................................................................... 94
Figura 38 - Quarto da Gigi ....................................................................................................... 95
Figura 39 - Casa do Todd ......................................................................................................... 96
Figura 40 - Cachoeira de Fanta .............................................................................................. 97
Figura 41 - Floresta de frutas .................................................................................................. 98
Figura 42 – Cidade ...................................................................................................................... 99
Figura 43 - Cena final do comic book. O guardião da torre comemora a volta da
diversão ....................................................................................................................................... 100
Figura 44 - Cartaz de apresentação de Carlos Henrique ........................................... 110
Figura 45 - Cartaz de apresentação de Janderson ....................................................... 111
Figura 46 - Cartaz de apresentação de Alana ................................................................ 111
Figura 47 - Alunos no laboratório de informática da escola .................................... 113
Figura 48 - Alunos participam da atividade de desenho ........................................... 114
Figura 49 - quadro do VT Play zone.................................................................................. 136
Figura 50 - personagens usam fone de ouvido e vídeo game portátil ou celular
........................................................................................................................................................ 138
Figura 51 - um relógio marca a intervenção homogeneizadora ........................... 139
Figura 52 - O molde torna as cabeças quadradas ....................................................... 140
Figura 53 - Celebração com o fim da homogeneidade ............................................. 141
Figura 54 - Casa da Gigi......................................................................................................... 149
Figura 55 - Desenho de Kauane ......................................................................................... 150
Figura 56 - Desenho de Ricardo ......................................................................................... 151
Figura 57 - Tela final do advergame “Salvando a fonte” .......................................... 153
Figura 58 - Cidade ideal desenhada por Adrielly ......................................................... 162
Figura 59 - Cidade ideal desenhada por Janderson .................................................... 163
Figura 60 – MC Pedrinho ....................................................................................................... 166
Figura 61 – MC Biel .................................................................................................................. 167
Figura 62 - quadro de Happyness Factory ...................................................................... 172
Figura 63 - Floyd no jogo jetpack ambientado na cachoeira .................................. 174
Figura 64 - Imagem geral de Utopia com a Vanta em primeiro plano ................ 175
Figura 65 - Emojis do Facebook ......................................................................................... 182
Figura 66 - Diálogo entre Tristan e Todd mostrado no comic book .................... 188
1
Rótulos inaderentes. Juventude(s): do consumo à
tecnologia, da diversão ao conteúdo.
Millennials, screenagers, Geração Y ou Z são alguns dos rótulos que tem
sido colados aos jovens desde que passaram a ser tanto os provedores de
conteúdo de suas famílias quanto a parcela da população que mais consome
(BORGES, 2014). Crianças, adolescentes e jovens adultos em todo o mundo nunca
tiveram tanto acesso à informação, tecnologia e crédito. Por esta razão, este
segmento da população tem despertado o interesse de empresas levando-as a
buscar estratégias publicitárias cada vez mais originais e envolventes para
fortalecer vínculos com ele. Uma das alternativas mais usadas se baseia, por um
lado, na familiaridade dos potenciais consumidores com as tecnologias e, por
outro, na importância dada por essa parcela da população à diversão e ao
entretenimento (IBOPE, 2010): os advergames.
Advergames são ações publicitárias gamificadas desenvolvidas
exclusivamente para marcas e empresas, disponibilizadas normalmente de forma
2
gratuita para seu público. Embora predominantemente on line, existem também
versões off line desses jogos que funcionam como uma opção interativa e
envolvente para fortalecer a relação público-marca. A gamificação é um fenômeno
que tem ganhado cada vez mais espaço já que o videogame é um dos principais
artefatos de lazer contemporâneo e sua indústria uma das mais rentáveis do
mundo. Gamificar, esquematicamente, é aplicar os princípios dos jogos a
atividades oferecendo diversão como recompensa a realização de tarefas e,
consequentemente, gerando engajamento do sujeito que interage.
A maciça presença dos jogos eletrônicos na sociedade contemporânea traz
a reboque dúvidas e temores sobre a conformação de um novo ambiente
midiático e as mudanças socioculturais daí advindas. Dessa preocupação surge o
interesse por investigar e perceber que sentidos os jovens atribuem às
representações de juventude criadas em uma cultura visual comercial e
gamificada, bem como verificar de que forma essa construção é recebida pelo
público ao qual se destina.
Para tanto, escolhi como praça de encontro para dialogar com os atores
que motivam esta pesquisa o universo de “Mais Fanta, mais diversão” que contem
uma série de filmes publicitários e o advergame “Salvando a fonte” da marca de
refrigerantes Fanta, da Companhia Coca Cola. Vídeos publicitários contextualizam
a narrativa do jogo virtual em que os jovens de uma cidade ideal se deparam com
um problema: o desaparecimento da diversão. Essa é a senha para que a “galera
Fanta” encare os desafios – os advergames – a fim de reestabelecer o
divertimento como ordem do lugar.
A campanha “Mais Fanta, mais diversão” reitera o papel dos jovens como
formadores de opinião e consumidores hoje. Ao examinar sua narrativa, temas
como independência financeira, família, escola, relacionamentos, entre outros,
3
vem à tona, gerando a pergunta central desta pesquisa: que sentidos/significados
são inferidos/entendidos por jogadores à representação da noção de juventude
do universo de Fanta, em especial do advergame “Salvando a fonte”?
A partir dessa questão adotei a perspectiva da educação da Cultura Visual
para me acercar do tema. A ideia foi dialogar com sujeitos entre 10 e 16 anos a
respeito de sua familiaridade com a mídia, artefatos tecnológicos em geral e
games de modo específico, questionando-os sobre seu entendimento de si
mesmos como jovens. Ao formular estas interrogações tinha em mente que
Uma proposta educativa a partir da cultura visual pode ajudar a
contextualizar os efeitos do olhar mediante práticas críticas (anti-
colonizadoras), explorar as experiências (efeitos, relações) de como o que
vemos nos conforma, nos faz ser o que os outros querem que sejamos e
poder elaborar respostas não reprodutivas frente ao efeito desses
olhares (HERNANDEZ, 2011, p.44).
Ao nos valer da Cultura Visual para trabalhar com imagens, deixamos de
nos ater a superficialidade delas para acessar as estruturas sobre as quais seus
significados são postos. Durante a investigação refleti com os participantes sobre
como e se experiências visuais como os videogames estão incidindo em seus
modos de pensar e interagir, em seu aprendizado (não escolar) e em suas relações
sociais. De certa forma, a proposta da pesquisa era também compreender o que
as experiências proporcionadas pelo jogo tem a dizer sobre os jogadores, pois
entendo que o campo
(...d)a cultura visual não seria tanto um que (objetos, imagens) ou um
como (um método para analisar ou interpretar o que vemos), pois se
constitui como um espaço de relação que traça pontes no “vazio”, que se
projeta entre o que vemos e como somos vistos pelo que vemos. A
cultura visual, quando se refere à educação, pode-se articular como um
cruzamento de relatos em rizoma (sem uma ordem pré-estabelecida)
que permite indagar sobre as maneiras culturais de olhar e seus efeitos
sobre cada um de nós. Por isso não nos enganamos e pensamos
(sabemos) que não vemos o que queremos ver, mas sim aquilo que nos
fazem ver, o que descentra a preocupação por produzir significados e a
desloca para indagar a origem – os caminhos de apropriação de sentido
4
– a partir dos quais viemos aprendendo a construir os significados; o que
nos leva a explorar as fontes das quais se nutre não apenas a nossa
maneira de ver/olhar, mas os significados que fazemos nossos e que
formam parte de outros relatos e referências culturais (HERNANDEZ,
2011, p. 34)
A relevância de tomar artefatos midiáticos, como os advergames, como
objeto de estudo incide na emergência da imagética do consumo, como admite
Duncun (2011), e na naturalização das tecnologias no cotidiano dos nascidos no
fim do século XX e começo do XXI (IBOPE, 2010). Ao considerar que a diversão
oferecida por esses jogos traz, também, conteúdos ideológicos, faz-se necessário
convidar à reflexão os sujeitos a que se destinam a fim de que reflitam
criticamente sobre as autorrepresentações que lhes são vendidas.
Várias reconfigurações foram necessárias até que esta investigação fosse
levada adiante, negociações e rearranjos descritos na metodologia. É importante
esclarecer desde já que esta pesquisa se desenvolve a partir de uma abordagem
qualitativa e pós-crítica, construindo uma metodologia alicerçada nos princípios
da bricolagem. Para aproximar-me da questão norteadora, construí uma
argumentação que se inicia no capítulo 1 com uma explanação sobre jogos e
publicidade e, também, advergames. O capítulo dois examina questões da
educação da Cultura Visual e das mídias sob a perspectiva das pedagogias
culturais. A metodologia está explicitada no terceiro capítulo, acompanhada de
uma descrição detalhada de “Mais Fanta, mais diversão”. O capítulo quatro
apresenta os conceitos de juventude e examina diferentes entendimentos dessa
ideia a partir das falas dos sujeitos colaboradores. No quinto capítulo faço uma
análise de alguns aspectos salientados pelos participantes sobre a narrativa de
Fanta, reiterando algumas observações e críticas sobre suas visões em relação à
noção de juventude contemporânea.
5
CAPÍTULO 1 – TUDO ISSO É SÓ UM JOGO?
Conceitos essenciais acerca dos jogos
1.1 “SOU UM JOGADOR, TENHO MUITAS VIDAS” – O alcance dos
games na sociedade contemporânea
Roger Silverstone (2005), com a inquietante pergunta (e título de seu livro)
“Por que estudar as mídias?”, chama atenção para o avanço de artefatos como a
TV e o computador sobre o nosso cotidiano. O autor adapta a noção de
encantamento1 de Alfred Gell às mídias, uma vez que as sociedades, inclusive a
nossa, “encontram na tecnologia uma fonte e uma esfera de magia e mistério” (p.
49). As tecnologias midiáticas, para Silverstone, tem um grande poder sobre o
nosso imaginário: causam aflição, dependência e alegria, por exemplo. Diante
disso, o autor considera ser necessário “começar a ver a tecnologia como cultura:
ver que as tecnologias, no sentido que inclui não só o quê, mas também o ‘como’
1 “Ele [Gell] a emprega para descrever as tecnologias de encantamento que os humanos criaram para ‘exercer
controle sobre as ideias e ações de outros seres humanos’ (GELL, 1988, p. 7), referindo-se com isso (...) a todos
os artefatos intelectuais e práticos que surgiram para nos permitir expressar toda a gama das paixões
humanas” (SILVERSTONE, 2005, p.49)
6
e o ‘porquê’ da máquina e seus usos, são objetos e práticas simbólicos e materiais,
estéticos e funcionais” (idem, p. 50). Incluídos como mídia e tecnologia, é preciso
lançar sobre os advergames um olhar curioso capaz de nos permitir vislumbrar
seu papel cultural na sociedade de hoje.
É exatamente sobre mídia e publicidade que esta pesquisa trata. A ideia é
perceber as construções contidas na mensagem publicitária narrada por meio do
jogo eletrônico desenvolvido para Fanta. Para isso é preciso ter em mente que o
largo alcance dos jogos eletrônicos está gerando mudanças socioculturais e
criando um novo ambiente midiático. Pode-se dizer que hoje, esses artefatos
estão inaugurando uma nova matriz cultural. Vale a pena esclarecer a noção de
cultura que utilizamos ao considerá-los artefatos culturais. Nesse sentido, tomo o
conceito de cultura como a produção social de significados que instauram formas
de vida e políticas de identidade (HALL, 1997).
Amparada por Hall e pela compreensão similar de cultura proposta por
Geertz, Shaw (2010) investiga como jornalistas e estudiosos caracterizam, a seu
modo, o que chamam de “subcultura” dos games. A autora chama atenção para o
fato de que as definições do mainstream costumam ser opostas às da academia.
Enquanto a mídia esteriotipa os jogadores como jovens, homens, brancos e
geeks2, pesquisadores (COPELAND, 2000; PHAM, 2007 apud SHAW, 2010)
afirmam que a diversidade de perfis não pode ser reduzida a essa imagem, mas,
de toda forma, concordam que é impossível negar que o universo dos gamers é
marcado pelo uso de jargões, senso de solidariedade e até modos de vestir
(idem/figura 1), ou seja, é marcado pela produção e comunhão de significados
culturais.
2 Gíria que designa pessoas excêntricas e aficionadas por tecnologias.
7
Outra amostra de como o universo dos jogadores está repleto de códigos e
experiências tanto produzidas quanto mediadas pelas tecnologias é o evento
Campus Party. Com edições brasileiras desde 2006, é descrito no site como: “o
maior acontecimento tecnológico do mundo! Criada há 16 anos na Espanha, ela
atrai anualmente geeks, nerds, empreendedores, gamers, cientistas e muitos
outros criativos que reúnem-se para acompanhar centenas de atividades sobre
Inovação, Ciência, Cultura e Entretenimento Digital” (CAMPUS PARTY, 2014). Em
convenções semelhantes à Campus Party, considerando o foco em tecnologias ou,
ainda, em cultura pop e oriental, como o festival cearense Sana, aficionados por
jogos chegam a transformar-se momentaneamente nos personagens com quem
interagem por meio da caracterização cosplay (figura 2).
Figura 1 - Camiseta usada por possível jogador.
Tradução: Eu não preciso de uma vida, sou um jogador, tenho várias vidas.
8
Figura 2- Cosplays dos personagens do game Halo
A visão sobre os games como produtos culturais tem sido assunto inclusive
do mundo da arte. Em 2012, o MOMA - Museu de Arte Moderna de Nova York -
incluiu em seu acervo pelo menos 14 títulos clássicos de jogos eletrônicos
disponíveis para que o público interagisse. A exposição apresentou os jogos como
expressões contemporâneas de design criativo, mas a curadora Paola Antonelli,
em nota na internet, revelou vê-los para além disso: “um jogo pode ser
propositalmente projetado para treinar ou educar, para induzir a emoções, testar
novas experiências ou questionar como as coisas são e pensar como elas
poderiam ser”3 (ANTONELLI, 2012).
As reações à novidade do MOMA tem gerado controvérsias. Sobre isso, o
crítico de cinema norte americano Roger Ebert, por exemplo, publicou em abril de
2010 o artigo Video games can never be art4, título que é autoexplicativo. Seu
texto responde a uma palestra proferida por Kellee Santiago, designer de games,
3 Do original: “A purposefully designed video game can be used to train and educate, to induce emotions, to
test new experiences, or to question the way things are and envision how they might be”. 4 Em livre tradução: “Videogames nunca poderão ser arte”. Disponível em <www.rogerebert.com>
9
que atesta que os videogames já são arte. Ebert afirma, entretanto, que nenhum
jogador viverá o suficiente para ver os games como arte, pois ele tende a ver a
arte como criação de um indivíduo5. Ele considera que há artistas talentosos, os
gênios, e o que faz alguns melhores que os outros é questão de gosto. Por fim,
diz que uma diferença crucial entre jogos e obras de arte é que há competição e
vitória nos primeiros, enquanto à arte só cabe a contemplação, a experiência
(EBERT, 2010 a).
Em resposta a Ebert, Mendonça e Freitas (2011) resgatam o conceito de
“experiência estética” de John Dewey (2010) para verificar as potencialidades dos
jogos digitais. De acordo com Dewey, o observador (especialmente de arte) age
sobre a produção de sentidos a partir da imagem, pois o processo de recepção é
ativo, único e pode resultar na experiência estética (idem). Segundo Mendonça e
Freitas (2011, p. 149) “para ser considerada estética, uma experiência deve assumir
uma dimensão singular ao promover o arrebatamento da criatura viva da
experiência ordinária”. Afirmam, ainda, que é possível que alguns jogos envolvam
o jogador de tal forma que lhe permita vivenciar uma experiência como a estética.
Diante das críticas, o próprio Ebert publicou três meses depois do primeiro artigo
Ok, kids, play on my Law (2010 b). Nesse texto, o crítico não volta atrás em seu
posicionamento, mas admite ter sido tolo (fool) ao falar sobre algo que
desconhece. Admite ainda que, depois das réplicas ao primeiro artigo e de ter
sido presenteado com vários games, testou Shadow of the Colossus e apreciou a
experiência. Seu novo posicionamento retoma a dúvida em torno do conceito de
arte para dizer que talvez os jogadores desfrutem nos games de sensações
semelhantes às suas ao ler/ver/ouvir certas obras, livros, filmes ou músicas que
considera arte.
5 Do original: “I tend to think of art as usually the creation of one artist.”
10
Nessa discussão cabem vários tipos de argumento, mas sua própria
existência reitera a importância dos jogos eletrônicos nas sociedades de hoje.
Assim, participando do cotidiano de pessoas de várias faixas etárias, os games
fazem parte de uma cultura visual contemporânea midiatizada, da qual falaremos
adiante. São capazes de articular significados e habitar o imaginário de tal forma
que já não é possível desconsidera-los como força e potência nas experiências
humanas (SILVESTONE, 2005).
Para Moita (2005), que estuda jogos eletrônicos relacionando-os ao
currículo, às práticas e às motivações dos jovens de hoje, o que diferencia uma
geração de outra não é somente a faixa etária, mas, principalmente, os conteúdos
que cada uma delas simboliza. A autora defende que os jogos eletrônicos
associam-se bem à imagem da juventude contemporânea, pois “representam para
a cultura lúdica infantil e juvenil não só o que há de mais moderno e inovador em
matéria de diversão eletrônica. Também aparentam ser a expressão cultural do
processo de mundialização que, em última instância, ‘co-habita e se alimenta’ das
culturas e dos imaginários locais e regionais” (ORTIZ, 1994 apud MOITA, 2005).
Rushkoff (1999, p. 33 in ALVES, 2005) chama essa juventude de
screenagers, ou geração que “(...) nasceu [a partir da] na década de 1980 e
interage com os controles remotos, joysticks, mouses, internet, pensam e
aprendem de forma diferenciada. Aprendem com a descontinuidade, aceitam que
as coisas continuem mudando sem se preocupar com um final determinístico”.
A geração screenager convive com os jogos inclusive na escola e foi a
crescente invasão dos games nas salas de aula que levou estudiosos da educação
a analisar também sua influência nesse espaço. Pesquisas constataram (CORREA e
FANTIN, 2011; MENDES, 2006) a melhora no aprendizado curricular e a aquisição
de competências cognitivas entre crianças jogadoras de games educativos. No
11
capítulo seguinte trataremos sobre a relação entre jogo e educação, entretanto,
veremos logo adiante, ainda nesse capítulo, que não são exatamente os jogos
educativos que permeiam o cotidiano dos jogadores.
Para além das consequências positivas sobre o conteúdo regular, é possível
e importante abordar os jogos eletrônicos, de todas as naturezas, e investigar seu
papel social, pois, conforme Fantin e Correa (2011, p. 11), “concebidos como
produções culturais, os videogames implicam produções de sentido que se dão a
partir da articulação das esferas de produção, mediação e recepção”. Falemos
então sobre as crianças screenagers.
1.2 NOVOS BRINQUEDOS PARA NOVAS CRIANÇAS – Games, infância e
juventude
A importância dos games como lugar de aprendizagem está sendo
intensificada pelo seu reconhecimento em instituições empresariais, militares e
por escolas que cada vez mais os utilizam como recurso pedagógico. Como
estratégia para gerar interesse e motivação, eles evocam mensagens culturais e
articulam campos de significado social através dos quais os jogadores se sentem
partícipes na arquitetura desses cenários ou gestores desse mundo imaginário.
Para Shaffer et al (2004, p. 4 e 5), isso acontece porque:
Nos mundos virtuais, aprendizes experimentam realidades concretas que
palavras e símbolos descrevem. Através dessas experiências, em
múltiplos contextos, estudantes podem entender conceitos complexos
sem perder a conexão entre ideias abstratas e os problemas reais que
podem ser usados para solucionar6.
6 Do original: “In virtual worlds, learners experience the concrete realities that words and symbols describe.
Through such experiences, across multiple contexts, learners can understand complex concepts without losing
the connection between abstract ideas and the real problems they can be used to solve”.
12
No entanto, vale salientar que não são os jogos educativos os mais
presentes no dia a dia da geração screenager. Em 2013, o título Pro Evolution
Soccer 2013 dominava o ranking dos games mais comprados (VEJA, 2013). No
ano seguinte, o site especializado em jogos eletrônicos UOL Jogos, apontou que
League os legends foi o preferido daquele ano. É claro que tais dados precisam
ser reconsiderados e atualizados com frequência haja visto sua efemeridade
diante de uma indústria em constante avanço. Junto a esses números, pesquisas
indicavam que até 2014 cerca de 70% das organizações globais já teriam ao
menos uma aplicação gameficada (PETTEY, 2011) sendo que “(...) as marcas
voltadas ao público infantil (Nestlé, Danone, McDonald’s, Burger King, Nutrexpa,
Kellogs etc.) são as principais impulsionadoras dos advergames7 e as que mais
jogos desenvolveram em seus websites8” (NOGUERO, 2010).
O interesse das empresas em desenvolver advergames para crianças se
justifica pelo fato de que 45% dos jogadores de games é menor de 18 anos
(DAHL, EAGLE e BÁEZ, 2009) e dois terços das crianças entre 5 e 14 anos que
acessam a internet, o fazem especificamente para jogar (DAHL, EAGLE E BÁEZ,
2009). Esses dados revelam que as crianças ainda são os principais usuários dessa
forma de entretenimento.
Assim como os games são companhia cada vez mais assídua das crianças, o
temor a eles é presença constante na vida de pais e educadores justamente
porque a sua inserção é mais intensa entre elas. Esta condição preocupa porque
as crianças “particularmente podem não estar aptas a identificar ou avaliar o
material; junto a isso, sua falta de habilidades cognitivas ou críticas pode torna-las
7 Junção das palavras advertising com videogame, caracteriza uma nova proposta interativa desenvolvida pela
industria publicitária para fortalecer a relação dos consumidores com as marcas. 8 No original: “De ahí que las marcas dirigidas a un público infantil (Nestlé, Danone, McDonalds, Burger King,
Nutrexpa, Kellogs, etc.) sean las principales impulsoras del advergaming y las que más juegos han
desarrollado en sus páginas web”.
13
especialmente vulneráveis às comunicações persuasivas” (DAHL, EAGLE E BÁEZ,
2009, p. 3). Analisando portarias publicadas pelo Ministério da Justiça sobre a
classificação indicativa dos jogos eletrônicos no Brasil, Alves (2005, p. 77) constata
que “os pais tem muito mais medo dos videogames do que da televisão”.
Ao falar da incidência das mídias sobre as crianças, tendo como objeto
específico as propagandas voltadas para o público infantil, Nascimento (2010)
alerta para a existência da ideia de “vulnerabilidade das crianças em relação à
publicidade”. O autor, contudo, discorda da iniciativa de preservar uma distância
ou, uma margem de segurança entre as crianças e as mídias. Ao contrário,
defende a “importância de promover discussões, de cunho pedagógico, a partir
do universo televiso, atentando para as interpretações que as crianças fazem a
partir do que assistem na TV” (p. 32).
De forma análoga, podemos dizer que mais efetivo do que evitar o acesso
das crianças aos games e advergames é incluí-las em debates sobre a recepção
dessas imagens/mensagens munindo-as de criticidade para uma interação
reflexiva. É esse o caminho que buscamos apontar nesta investigação.
1.3 VIVÊNCIA A PARTE DA VIDA - Conceito(s) de jogo
Parece consenso entre pais e educadores que é por meio da brincadeira
que as crianças descobrem o mundo e adquirem seus primeiros conhecimentos.
Antes mesmo de nascerem, seus quartos já as esperam decorados com animais de
pelúcia, bolas, carrinhos ou bonecas. Seus primeiros pertences, afora as peças de
vestuário, são os brinquedos. Na escola conhecem cores, números e partes do
corpo brincando com coleguinhas e seguem experimentando outras
possibilidades lúdicas individualmente ou em grupo: quebra-cabeças, pique-
14
esconde, damas, entre outras. Ainda na infância a brincadeira começa a aproximá-
las do mundo adulto de forma lúdica: “[o jogo] é um canal de comunicação que
permite à criança a apropriação do mundo que, a princípio, e aparentemente,
pertence somente aos adultos” (SANTOS, 2005, p. 50).
À medida que crescem, as crianças vão se interessando cada vez menos
pelos brinquedos, mas as brincadeiras continuam como parte do cotidiano juvenil:
baralho, boliche, jogos eletrônicos, esportes, jogos de/com palavras (literatura e
música) e até jogos de conquista. Esses prazeres lúdicos muitas vezes seguem
conosco por todas as etapas da vida. Existem, contudo, jogos de variadas
naturezas e ainda assim é possível classificar igualmente como jogo atividades
bem distintas, como: lançar um peão, participar de uma partida de futebol ou
jogar pôquer. O que, então, limita o que entendemos por jogo?
Em seu livro Homo Ludens, Johan Huizinga (1999) caracteriza o ser humano
não como sábio (homos sapiens), mas como jogador e toma o jogo como
elemento da cultura. Esse autor conclui que o lúdico, a brincadeira e o
divertimento são parte da natureza inclusive de espécies animais. Quando trata
dessas manifestações entre pessoas, Huizinga tenta explicar o jogo como “forma
significante, como função social” (idem, p. 6) e entende que é jogando que o ser
humano constrói e compartilha significados:
As grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são, desde o
início, inteiramente marcadas pelo jogo. Como por exemplo, no caso da
linguagem, esse primeiro e supremo instrumento que o homem forjou a
fim de poder comunicar, ensinar e comandar. (...) Na criação da fala e da
linguagem, brincando com essa maravilhosa faculdade de designar, é
como se o espírito estivesse constantemente saltando entre a matéria e
as coisas pensadas. Por detrás de toda expressão abstrata se oculta uma
metáfora, e toda metáfora é um jogo de palavras. Assim, ao dar
expressão à vida, o homem cria outro mundo, um mundo poético, ao
lado do da natureza (HUIZINGA, 1999, p.7).
15
O primeiro relato sobre a função social dos jogos, no entanto, data de mais
de três mil anos. Heródoto, geógrafo e historiador grego, descreveu como o povo
lidiano atravessou uma escassez de alimentos que durou quase duas décadas
distraindo-se com jogos de dados e bolas de gude, entre outros (MCGONIGAL,
2012). Seja real ou apócrifo (como dizem alguns historiadores), o registro
atribuído a Heródoto aborda uma preocupação que continua atual: o papel dos
jogos na sociedade.
Em busca de um conceito de jogo a partir das características desta pesquisa
chegamos ao dado por Huizinga. Sua colocação nos ajuda a compreender a
unidade existente entre o lançamento de um peão, uma partida de futebol e o
pôquer:
O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de
certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras
livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um
fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de
alegria e de uma consciência de ser diferente da ‘vida cotidiana’ (1999, p.
33).
Roger Caillois (1990) admite a definição de Huizinga e lista ainda seis
características que definem os jogos como atividade:
1) Livre: o jogador participa somente por vontade;
2) Delimitada: dentro de espaço e tempo definidos para tal;
3) Incerta: com desenrolar não definido;
4) Improdutiva: não gera bens;
5) Regulamentada: sujeita a regras claras e aceitas pelos jogadores;
6) Fictícia: a parte da vida.
Caillois (1990, p. 24), contudo, ressalva que Huizinga ao “apresentar o jogo
como uma ação destituída de qualquer interesse material exclui pura e
16
simplesmente as apostas e jogos de azar”. Para ele, ao entrarem em apostas, os
participantes se comprometem com as normas dos jogos estando sujeitos a
perder ou ganhar o que foi negociado como prêmio. Coerente com sua própria
colocação de que o jogo não gera bens e atento ainda ao que diz Huizinga sobre
a finalidade do jogo, Caillois defende que nos jogos de azar “há deslocação de
propriedade, mas não produção de bens. Dizendo melhor, esse deslocamento só
afeta os próprios jogadores e unicamente na medida em que eles aceitarão de
decisão livre, renovada a cada jogada, a eventualidade de tal transferência”
(CAILLOIS, 1990, p. 25, grifo do original). Quando os participantes – lutadores,
enxadristas, apostadores etc. – entram em confronto por uma recompensa externa
à disputa não devem ser tomados por jogadores, mas por trabalhadores.
Mcgonigal (2012), que se lança ao desenvolvimento e teorização de jogos
eletrônicos, também compartilha como Huizinga algumas definições essenciais
para o que entende por jogo, a saber:
Metas: são resultados que os jogadores devem alcançar;
Regras: limitam e orientam as ações no jogo;
Sistema de feedback: garante aos envolvidos metas alcançáveis e os estimula a
continuar na disputa;
Participação voluntária: exige a anuência dos participantes para os três itens já
listados e os coloca em nível de igualdade.
Considerando os vários entendimentos e, principalmente, a necessidade de
estabelecer um limite para o objeto desta investigação, daqui para frente
consideraremos os jogos como interações cuja participação seja voluntária, tenha
regras claras e aceitas pelos participantes, um fim em si mesmo, recompense os
envolvidos de forma material ou mesmo por sentimentos como alegria, além da
notável distinção com a vida real.
17
1.4 FAZER BRINCANDO - Princípios da gamificação
Como apresentei na sessão anterior, Huizinga (1999), Caillois (1990) e
Mcgonigal (2012) se apoiam no princípio de que os jogos praticamente
acompanham o desenvolvimento das sociedades, seja ajudando a criar e
compartilhar significados ou colaborando para a superação de momentos de
crises, por exemplo. O princípio dos jogos, portanto, não é novo e consiste em
oferecer divertimento como recompensa a quem executa determinada atividade.
Dessa forma, por meio da diversão, torna-se possível gerar um maior
envolvimento das pessoas em tarefas que se tornam gratificantes (HUIZINGA,
1999).
O emprego do princípio dos jogos a situações cotidianas tem crescido de
maneira exponencial desde o final do século XX, dando origem ao termo
gamification ou, numa versão aportuguesada, gamificação. A palavra foi usada
pela primeira vez em 2008 por empresas de mídias digitais (DETERDING et al,
2011). Seu uso é controverso gerando sentidos pejorativos que surgiram entre os
designers de jogos eletrônicos e as indústrias midiáticas (idem). Além disso, há
contradição, pelo fato de que este princípio também é aplicável a atividades não
eletrônicas.
Deterding et al (2011) apontam dois possíveis caminhos para explicar a
gamificação. Uma abordagem mais pontual a vê como uma influência dos
(video)games sobre a vida cotidiana e seus modos de interação. A outra, mais
ampla, também alicerçada sobre videogames, ressalta que o tipo de interação
promovida por eles oferece experiências positivas, motiva os jogadores a
permanecerem engajados em experiências intensas e duradouras – embora não
necessariamente experiências eletrônicas.
18
A última concepção parece ter obtido maior alcance. A empresa Bunchball
(que se apresenta como líder em gamificação no mundo), por exemplo, resume o
termo como sendo “aplicar mecanismos dos games a atividades que não são
jogos para mudar o comportamento das pessoas”9 (BUNCHBALL, 2010, p. 2) e
afirma que é possível usar tal dinâmica no mundo dos negócios, da política e da
educação, entre outros, para gerar participação e engajamento. Em seu artigo
sobre gamificação e educação, Lee & Hammer (2011) resumem o termo como
sendo a aplicação de mecanismos, dinâmica e estrutura de jogos para promover
comportamentos desejáveis e focam sua atenção nas possibilidades abertas ao
campo da educação.
A gamificação pode ser (e tem sido) aplicada a disciplinas escolares para
facilitar o aprendizado, já que por meio de jogos, sejam eles digitais ou não, os
estudantes – em vez de aprender por abstrações - aplicam os conteúdos a
situações simuladas de realidade (SHAFFER et al, 2004, p. 4 e 5). Usos industriais,
militares e acadêmicos também tem acontecido porque “simuladores de jogos são
muito eficientes (e economicamente viáveis) para o treinamento de soldados,
pilotos, motoristas, pois evitam que o ser humano coloque em risco a própria vida
em um treinamento inicial de algo perigoso e pouco conhecido” (MENDES, 2006,
p. 10).
Como recurso publicitário, exemplos de gamificação foram desenvolvidos e
postos em prática por empresas como a multinacional Volkswagem. O site da
indústria automobilística <www.thefuntheory.com> disponibilizou experiências
filmadas que mostram o divertimento levando pessoas a mudar sua relação
consigo mesmas, com o meio ambiente e esforço físico, por exemplo. Em um dos
vídeos (fig. 3) os degraus da escadaria de uma estação de metrô foram
9 No original: “gamification applies the mechanics of gaming to nongame activities to change people’s
behavior”.
19
transformados em teclas de piano que emitiam sons musicais. A ideia era
incentivar hábitos mais saudáveis como usar a escada fixa em vez da rolante.
Mesmo exigindo mais disposição, o piano se tornou preferência absoluta em
relação à escada rolante ao lado.
Por oferecer potenciais de usos variados, que englobam desde aplicações
analógicas a eletrônicas, entendo o conceito de gamificar no sentido mais amplo,
proposto por Deterding (2011), Bunchball (2011) e Lee & Hammer (2011), ou seja,
como o uso do princípio dos jogos a tarefas – sejam elas virtuais ou reais -
tornando-as prazerosas e envolventes.
Figura 3- Escada piano, parte do projeto ‘the fun theory’ da empresa Volkswagem
20
1.5 A REALIDADE QUEBRADA - Por que os jogos encantam
Ao apresentar o conceito de gamificação, trouxe ao debate a posição
consensual de pesquisadores que consideram que o jogo, por princípio, envolve
os participantes e pode guiá-los a certos comportamentos. Se a adesão dos
jogadores é inicialmente voluntária, o que os motiva a seguir jogando? O que,
depois de uma perda, os leva a entrar em outra partida? Jane Mcgonigal (2010),
pode nos ajudar a pensar sobre como os jogos encantam.
A autora inicia essa discussão apresentando a opinião do economista
Edward Castronova sobre um “êxodo em massa” da realidade. Segundo
Castronova, “centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo estão
preferindo renunciar à realidade [jogando videogames] por períodos de tempo
cada vez maiores” (apud MCGONIGAL, 2010, p. 13). Mcgonigal é taxativa ao dizer
que isso acontece por que a realidade está quebrada10, esgotou-se, não consegue
satisfazer e motivar as pessoas.
A pesquisadora, entusiasta do poder dos jogos para melhorar, de modo
geral, a vida das pessoas elenca quatro motivos pelos quais os jogos podem
proporcionar essa melhora:
1) aumentam a produtividade pelo prazer (blisfull productivity);
2) conferem otimismo imediato (urgent optimism);
3) estimulam relações sociais (social fabric);
4) proporcionam realizações com sentidos épicos (epic meaning).
Apresentando títulos de games eletrônicos para ilustrar cada um dos itens
listados anteriormente, Mcgonigal (idem) defende suas ideias. Comecemos pela
10 Reality is broken é o título original de seu livro que em português se chama A realidade em jogo.
21
produtividade prazerosa. Imagine um trabalhador cuja função é, em uma linha
de montagem de computadores, soldar as placas do processador. O funcionário,
muitas vezes, sequer conhece o modelo final do computador que ajudou a
produzir e ainda é pressionado para cumprir metas ou acelerar a produção sem
nenhuma gratificação imediata. Esse tipo de situação não o motiva, ao contrário, o
desestimula.
Em contraposição a esta situação desmotivadora, em um jogo, os esforços
do “trabalhador” são destinados a um objetivo claro e, a cada avanço ou
conquista, ele é agraciado com pontos, elementos que melhoram seu
desempenho, recompensas, vidas extras etc. Em World of Warcraft11 (figura 4), por
exemplo, a primeira tarefa do jogador é o auto aprimoramento. O personagem do
jogo precisa melhorar suas habilidades e o faz desenvolvendo talentos, buscando
armas e trabalhando sua reputação, ou seja, o esforço resulta em recompensa
imediata. “A produtividade bem-aventurada é a sensação de estar imerso em um
trabalho que produz resultados óbvios e imediatos. Quanto mais nítidos os
resultados, e quanto mais rapidamente os atingimos, mais produtivos nos
sentimos” (MCGONIGAL, 2012, p.62).
11 World of Warcrat é um jogo Massive Multiplayer on line role-playing game (MMORPG), um jogo on line de
interpretação de personagens que permite a ação simultânea de vários jogadores. Cada participante controla
um personagem com profissão definida, certas habilidades e filiado a um clã. A interação se passa num
universo fantástico em que há guerras, alianças e aventuras místicas.
22
Figura 4- Imagem do jogo World of Warcraft
Sobre o otimismo que caracteriza e acompanha os jogos, Mcgonigal
(idem) explica que um fracasso na vida normalmente nos deixa desapontados e
tristes. No entanto, se fôssemos indefinidamente bem-sucedidos nos jogos, eles
se tornariam entediantes. Como exemplo do erro positivo, a autora apresenta os
resultados de uma pesquisa desenvolvida no M.I.N.D. Lab, um centro de estudos
em psicofisiologia, sobre o jogo Super Monkey Ball 2 (fig. 5). O jogo consiste em
lançar bolas com macacos dentro em pinos de boliche, as bolas que não atingem
os pinos se rompem lançando os macacos no espaço.
A equipe da pesquisa monitorou jogadores e percebeu sua empolgação
mesmo quando erravam o alvo com a monkey ball. Essa satisfação provinha de
um fracasso espetacularmente divertido, pois o erro era recompensado por uma
divertida animação do macaco rodopiando até sumir no espaço. “Quando somos
23
lembrados de nossas próprias ações de uma forma tão positiva, é quase
impossível não nos sentirmos otimistas” (MCGONIGAL, 2012, p. 75). Falhar no
jogo nos faz confiantes sobre nossa probabilidade de sucesso, além disso, “um
fracasso divertido é uma maneira de prolongar a experiência do jogo e estender o
processo de aprendizagem” (idem), pois indica outros caminhos possíveis para
alcançar a vitória.
Figura 5 – Imagem do jogo Super Monkey Ball 2
Quando se refere a estimular relações sociais, a autora acredita que
“qualquer dupla ou grupo de pessoas que jogue sistematicamente um jogo em
conjunto, seja on line ou presencial, terá mais oportunidade de expressar
admiração mútua, se dedicar a um objetivo comum, expressar simpatia quando as
outras perderem, e, até mesmo, se apaixonar” (MCGONIGAL, 2012, p. 91). O
terreno é fértil para possibilitar o estreitamento de laços de amizade ou mesmo
amor, principalmente por que os sujeitos compartilham o mesmo propósito e
para isso precisam trocar informações, ou seja, necessitam comunicar-se.
24
O exemplo dado é Farmville (fig. 6), incluído na rede social Facebook. O
jogo consiste em gerenciar uma pequena fazenda, plantando frutas e flores,
criando animais e aumentando o tamanho da propriedade. Os jogadores podem
escolher entre os participantes, quem gostariam de ter como vizinhos, além de
oferecer e receber ajuda com a manutenção da fazendinha virtual. O jogo informa
quem colaborou de forma que o favor possa ser retribuído em troca de pontos.
“Não se trata de um bom substituto para a interação real, mas ajuda a manter
amigos e familiares em nossas vidas cotidianas. Do contrário, estaríamos muito
ocupados para permanecermos conectados” (MCGONIGAL, 2012, p. 91).
Figura 6 - Imagem do jogo Farmville
Por fim, o jogo oferece ao participante uma realização épica, a impressão
de fazer parte de algo maior que ele mesmo, uma comunidade ou uma
organização, por exemplo. Esse recurso também aparece como princípio
unificador de religiões e fraternidades, elemento que ajuda a manter o grupo
coeso. Para ilustrar essa ideia, vejamos o caso de Halo 3 (fig. 7). Os jogadores
trabalharam juntos para recrutar colaboradores, montaram estratégias e trocaram
25
dicas, para, em 2009, alcançar o feito de exterminar 10 bilhões de inimigos
virtuais. Depois da façanha, os participantes trocaram felicitações e comemoraram
sua colaboração com a certeza de que participaram de algo épico realizado pelo
grupo - mesmo se tratando de uma ação sem consequências fora do mundo
virtual.
Mcgonigal lista motivos para estar no jogo, mas Huizinga (1999)
complementa e até mesmo avança nesse processo ao discutir o momento de
culminância, o ápice do jogo: a vitória. “Jogamos ou competimos ‘por’ alguma
coisa. O objetivo pelo qual jogamos e competimos antes de mais nada e
principalmente [é] a vitória” (p. 58). Ganhar por si só já dá sensação de prazer, mas
o autor afirma ainda que é preciso “gabar-se a outros de seus êxitos” (idem, p. 57).
Caillois (1990, p. 59) reforça as palavras de Huizinga sobre a importância de
uma plateia ou adversários no desenrolar do jogo:
Por mais individual que se suponha ser o manusear do brinquedo com
que se joga: papagaio, ioiô, pião, diabolo, passavolante ou arco,
deixaríamos rapidamente de nos divertir, se acaso não houvesse nem
concorrentes nem espectadores, por imaginários que fossem. Nestes
variados exercícios surge um elemento de rivalidade já que cada um
tenta ofuscar os seus rivais, talvez invisíveis ou ausentes, realizando
inéditas proezas, aumentando a dificuldade, estabelecendo recordes
precários de tempo, velocidade, precisão e altura, alcançando a glória,
mesmo que só para si, por uma qualquer proeza difícil de igualar.
26
Figura 7 - Imagem do game Halo 3
Huizinga (1999) questiona, portanto, se é possível ganhar um jogo
individual, como Paciência, por exemplo, ou se o objetivo é apenas alcançado. Ao
ganhar e comemorar em grupo se conquista estima, prestígio, status. Nesse
sentido, seu argumento é diverso dos anteriores, mas deixa claro que o jogo
cativa pelo divertimento e recompensa por sua função social. A sociabilização é
também mencionada por Caillois (1990, p. 59) como motivação para envolver-se
no jogo, uma vez que “proprietários de brinquedos iguais reúnem-se num local
consagrado pelo hábito ou, simplesmente, que dê jeito, e é aí que avaliam a sua
habilidade, o que constitui, muitas vezes o essencial do seu prazer”.
Seja para fazer parte de um grupo, para alcançar a vitória ou para ser
otimista, o que se tem observado é um aumento progressivo do envolvimento das
pessoas com os jogos. Na próxima sessão tentarei apresentar ferramentas de
encantamento que configuram/caracterizam o conceito de lúdico nos dias de
hoje.
27
1.6 VAMOS BRINCAR DE QUE? - O que se joga hoje
Os primeiros jogos eletrônicos datam da década de 50 do século passado.
Desenvolvidos em instalações militares americanas como um exercício de
exploração das possibilidades dos computadores disponíveis nas bases daquela
época, eram muito apreciados por visitantes e funcionários, mas nunca saíram
daqueles espaços (OLIVEIRA, 2010). Foi no início dos anos 60, entretanto, que
estudantes do Massachusetts Institute of Technology criaram o Spacewar (fig. 8).
Nele, cada um dos dois jogadores controlava uma nave espacial tentando
destruir-se mutuamente num espaço sem gravidade. O jogo se tornou tão
conhecido que os computadores comercializados na época passaram a sair da
fábrica com o aplicativo já instalado (MATOS, 2012).
Figura 8 - Jogadores experimentam Spacewar
28
Desde os anos 60, os games se desenvolveram em uma sucessão
incontável de avanços tecnológicos. Tais avanços favoreceram o desenvolvimento
diversificado de jogos de vários gêneros e a incorporação de acessórios de
controle como instrumentos musicais e simuladores de voo. Os consoles agora
podem ser individuais e portáteis ou ainda podem permitir a ação de múltiplos
jogadores. Além disso, o acesso tornou-se facilitado pela possibilidade de jogar
conectado à internet ou mesmo por meio de celulares.
A partir de Spacewar as novidades no universo dos jogos eletrônicos não
param de crescer bem como a quantidade de jogadores, o tempo e a energia
investidos nessa atividade.
Jane McGonigal (2011) contabilizou que todos os jogadores de videogames
ao redor do globo, juntos, gastam atualmente 3 bilhões de horas por semana em
desafios on line. Somente no World of Warcraft (fig. 4) já foram gastos,
coletivamente, aproximadamente 6 milhões de anos jogando. O título do jogo é
tema da segunda maior enciclopédia colaborativa virtual do mundo, perdendo
apenas para a Wikipedia. A indústria cresce tão avassaladoramente que até
mesmo a movimentação financeira em torno dos games já ultrapassou a gigante
indústria do cinema (GRAU E VEIGL, 2011). Venticinque e Sollito (2012)
completam: Call of Duty 3, que narra uma guerra entre americanos e russos em
2016, vendeu só no dia de seu lançamento, em 2011, 400 milhões de dólares
enquanto o campeão de bilheterias de cinema do mesmo ano, o último filme da
série Harry Potter, arrecadou 381 milhões.
Se não é possível concluir qual é a brincadeira ou o jogo mais praticado do
mundo, diante desses dados se pode apreciar o alcance e a importância que os
jogos eletrônicos conquistaram atualmente. Eles estão fortemente presentes entre
as representações visuais que engendram o imaginário contemporâneo, operando
29
como ferramenta de interação, recreação e persuasão. Diante disso, ganha força o
argumento de Silverstone (2005, p. 49) ao afirmar que “não se deve compreender
a tecnologia apenas como máquina. Ela inclui as habilidades e competências, o
conhecimento e o desejo, sem os quais não pode funcionar”. O autor afirma ainda
que “(...) as tecnologias são coisas sociais, impregnadas pelo simbólico e
vulneráveis aos paradoxos e contradições eternas da vida social, tanto em sua
criação como em seu uso” (idem, p. 60). Pensando nisso, trataremos no próximo
tópico sobre as valorações em questão quanto ao lugar do jogo eletrônico na
sociedade de hoje. É importante ressaltar que daqui em diante a palavra jogo será
utilizada como sinômino de jogo eletrônico.
1.7 OS 10 TOMATES – Sobre advergames
Embora a palavra advergame que surge no título deste tópico já tenha sido
citada anteriormente, é nesta sessão que pretendo analisá-la/discuti-la mais
detidamente, pois é fundamental para esta investigação. Nomeados pela
aglutinação das expressões advertising e videogame, os advergames são
estratégias mercadológicas que usam jogos especialmente desenvolvidos para
promover marcas, produtos ou pontos de vista (MARKETING FURUTO, 2013).
Parreño, Pérez e García (2010) acreditam que, devido ao grande funil que
empresas e profissionais da propaganda enfrentam pela atenção do público, a
publicidade - que já buscava alternativas para além de simplesmente apresentar
as vantagens de serviços e produtos - alcançou hoje um novo paradigma: passou
a solicitar ao espectador a colaboração na construção de valores para as marcas.
Dessa forma, afirma Noguero (2010), a comunicação já há algum tempo incluiu o
engajamento do público como parte da própria mensagem.
30
A necessidade de interação encontrou na tecnologia e nas mídias sociais
campo fértil para desenvolver o advertainment. Soma das palavras advertising e
entertainment, advertainment são experiências lúdicas promovidas por empresas
para envolver seus clientes em vivências gratificantes e oferecer satisfação
pessoal. Nessa perspectiva, Noguero (2010) apresenta três novos tipos de
comunicação que se tornam possíveis: a bidirecional, a híbrida e o advergame.
Na internet e nas mídias móveis se dá a comunicação bidirecional. É o
anunciante que propõe a mensagem inicial, mas fica a cargo do espectador o
momento, o tema e a forma como se dará a comunicação (NOGUERO, 2010). Um
bom exemplo é a peça publicitária criada para a revendedora de automóveis
AUTOBEL (fig. 9) usando como recurso o álbum de fotografias da rede social
Facebook. Postados em sequência, desenhos vão evoluindo de acordo com a ação
do usuário e compondo uma animação stopmotion que mostra um personagem
entrando a pé na concessionária e saindo imediatamente com seu veículo. Para se
efetivar, a peça exige a ação do público, é seu interesse que determina a exibição
e há ainda a possibilidade direta de manifestar-se sobre o anúncio por meio de
comentários.
31
Figura 9 - Exemplo de comunicação bidirecional Autobel no Facebook
A comunicação híbrida entre anúncio e informação acontece quando o
produto ou a empresa aparecem em outras mídias que não as tradicionalmente
publicitárias. É o que o autor chama de product placement e o que poderíamos
entender, grosso modo, como posicionamento do produto. Seria algo como
merchandising em novelas, clipes ou filmes, por exemplo, bem como revistas ou
programas com temas relativos ao anunciante (NOGUERO, 2010). As
demonstrações de uso de produto que acontecem em programas diários, como
Big Brother Brasil, ilustram bem esse tipo de comunicação. Parreño, Pérez e García
(2010) entendem que esse tipo de ação também se aplica a aparição de marcas e
publicidades em jogos (fig. 10), o que pode ser considerado por alguns estudiosos
como um advergame associativo, já que a marca está apenas associada à
interação, mas não é determinante para a trama.
32
Figura 10 - Placas publicitárias compõem o cenário em ProEvolution Soccer
O advergame, por fim, é um jogo criado com a finalidade de divulgar
determinado produto, marca ou ideia. Exemplo claro das exigências por
interatividade do novo paradigma da publicidade, no advergame publicidade e
ludicidade se fundem na experiência do jogador envolvendo-o de forma que já
não é possível separar diversão e mensagem publicitária (NOGUERO, 2010). O
“Jogo dos 10 tomates”, da marca Hellmann’s, ilustra esse conceito. Nele, o jogador
é convidado a colocar personagens-tomates na embalagem. Os tomates
caracterizados como pessoas saltam de trampolins (fig. 11) até chegarem ao seu
objetivo: a bisnaga de ketchup. O caminho requer atenção do jogador ao mesmo
tempo em que, sem uma só palavra, a mensagem – cada embalagem de ketchup
contem 10 tomates - é passada.
33
Figura 11 - Jogo dos 10 tomates
O panorama descrito até o momento apresenta o cenário contemporâneo
em que crianças e videogames dividem o mesmo espaço. Elas tem sido seu
principal destinatário, mas, talvez, não tenham consciência de seu papel como
jogadores nem mesmo de seus brinquedos como meios de difusão de ideias e
valores. Pensando dessa maneira, o próximo capítulo dará seguimento a esta
discussão abordando e analisando noções importantes sobre educação. Pretendo
apresentar o modo como conteúdos não curriculares, no caso os advergames, são
capazes de ensinar e que de tipo de conteúdo estão tratando.
34
CAPÍTULO 2 – CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS,
APRENDIZADOS POSSÍVEIS. Sobre educação e
jogos
2.1 VÁRIOS OBJETOS PARA UM CAMPO - culturas visuais e Cultura
Visual.
No capítulo anterior apresentei detalhadamente os games, parte essencial
desta investigação. Nele foram apresentados os conceitos de jogo e os princípios
da gamificação. Estão postos, também, debates sobre o encantamento que os
jogos proporcionam e, consequentemente, o papel de destaque que vem
alcançando na sociedade de hoje. O panorama apresentado permite perceber que
os games tem chegado, dentre outras áreas, à educação e às artes visuais. A
invasão dos games nesses campos de estudo é uma amostra de que estamos
modificando ou sendo modificados em relação à compreensão e, em decorrência,
ao modo como lidamos com atividades cotidianas até recentemente consideradas
supérfluas ou apenas entretenimento. Neste capítulo, pretendo contextualizar
35
como transformações midiáticas e culturais vem dando forma a uma cultura visual
que nos cerca.
Quando uso a expressão cultura visual - com iniciais minúsculas - me
avizinho de Martin Jay em seus conceitos e reflexões sobre Regimes Escópicos da
Modernidade. Nele, Jay (1988, p. 31) retoma o conceito de “regime escópico” - de
Christian Metz - como “um conjunto de discursos e práticas que constituem
formas distintas de experiências visuais em circunstâncias históricas específicas”12,
para tratar dos marcos definidores sobre o que e como “ver” na modernidade. O
autor apresenta o que denomina “subculturas visuais”, que coexistiam e
contestavam-se de tal forma que proporcionaram múltiplas implicações sobre a
visão e as visualidades da modernidade em diante. Em vez de entrar no debate
proposto por Jay, me interessa destacar sua afirmação sobre o ocularcentrismo da
era moderna. Para ele, o “perspectivismo cartesiano”, a arte descritiva e o barroco
deram início a predominância do visual e elevaram a visão a sentido mestre, ou
seja, definiram, a partir de então, a primazia do olhar.
Mas é importante fazer um complemento às ideias Jay (1988) quanto à
predominância do visual a partir da era moderna. Embora a visão tenha ganhado
destaque com os três eventos citados por ele, visualidades anteriores a esse
momento histórico certamente já influenciavam percepções e pressupunham
interpretações. Tanto é assim que Mitchell (2002) rebate esse ponto, entre outros,
em seu artigo sobre as críticas feitas à Cultura Visual. Mitchell (2002) chama de
virada pictórica a predominância das mídias visuais sobre atividades verbais ou
escritas na cultura moderna. Para ele, não há uma obsessão pelo visual, como
muitos acreditam, mas “uma generalização e familiarização da presença do virtual
na realidade e no entendimento da realidade, facto que não é único do nosso
12 No original: “a set of discourses and practices constituting distinctive forms of visual experience in
historically specific circumstances” (Chaney, 2000, apud Menezes, 2003, p. 31, tradução minha).
36
tempo, mas encontra situações similares ao longo da história da humanidade,
com sintomas de pânico e euforia em torno do visual” (CAMPOS, 2002, p. 58).
Ao tomar por objeto de pesquisa a interação de jogadores com
advergames, parto do princípio de que sentidos e significados estão sendo
configurados e investigados. Dizendo de outra forma, acredito que os games,
atualmente, estão influenciando o modo “como” e o “que” olhamos, ou seja, estão
moldando uma cultura visual contemporânea midiatizada. Daí a importância de
entrarmos no debate sobre o que vem a ser cultura visual.
Artefatos e fenômenos visuais “geram padrões estéticos, comportamentais,
enfatizam determinadas identidades de gênero” (GASPAR e GARCÍA, 2010, p. 51)
direcionando por meio de imagens e experiências visuais como devemos agir e
reagir socialmente. Esse entendimento pressupõe imagens como visualidades, ou
seja, artefatos dotados de sentidos culturalmente atribuídos. Assim, “as imagens e
outras representações visuais são portadoras e mediadoras de significados e
posições discursivas que contribuem para pensar o mundo e para pensarmos a
nós mesmos como sujeitos” (HERNANDEZ, 2011, p. 33).
Histórias em quadrinhos, cinema, arte, publicidade, grafite, arquitetura,
peças de vestuário, entre tantas possibilidades, são exemplos de artefatos que
agem sobre a forma como olhamos e percebemos o mundo hoje. Isso esclarece
porque, às vezes, a cultura visual é explicada como sendo “objetos materiais,
prédios e imagens, além de meios de comunicação e eventos baseados no tempo,
produzidos pelo trabalho e imaginação humana, que tem funções estética,
simbólica, ritual ou político-ideológicas e/ou práticas que apelam
significativamente para o sentido da visão”13 (WALKER e CHAPLIN, 2002, p. 16
13 No original: “aquellos objetos materiales, edificios e imágenes, más los medios basados en el tiempo y
actuaciones, producidos por el trabajo y la imaginación humana, que sirven para fines estéticos, simbólicos,
37
apud GASPAR e GARCÍA, 2010). Entretanto, acredito que essa descrição lista
coisas/objetos que compõem (sub)culturas visuais14 com minúsculas, já que tais
artefatos tem papel importante e definido em determinados círculos sociais.
Quando instigado a delimitar cultura visual, Hernandez (2011) lista três
possibilidades que considera reducionistas e sem fronteiras bem demarcadas,
podendo se misturar entre si. O segundo de seus três conceitos15 entende a
cultura visual como “um guarda-chuva debaixo do qual se incluem imagens e
artefatos do passado e do presente que dão conta de como vemos e somos vistos
por esses objetos” (p. 33).
Esse entendimento se assemelha a uma história cultural da arte ao enfatizar
os contextos de produção, distribuição e recepção, ao mesmo tempo em que
situa o lugar onde o sujeito é colocado. Entretanto, essa posição acaba caindo
numa descrição do que é visto, já que temos a “ilusão de que dizer dá conta do
que vemos, quando na realidade, sempre vemos mais do que dizemos ver.
Esquecemos que o dizer é um caminho em direção à construção de experiências
(uma práxis) que subverte o que vemos e os efeitos do olhar” (HERNANDEZ, 2011,
p. 34).
Em seguida, Hernandez concebe a cultura visual – ainda sem caixa alta -
como “uma condição cultural que, especialmente na época atual, está marcada
por nossa relação com as tecnologias da aprendizagem e comunicação que afeta
como vemos a nós mesmos e ao mundo” e, continua, “isso significa que a cultura
visual não seria tanto um quê (objetos, imagens) ou um como (um método para
rituales o ideológico-políticos, y/o para funciones prácticas, y que apelan al sentido de la vista de manera
significativa”. 14 Ao incluir o prefixo sub não pretendo hierarquizar as culturas visuais ou inferir que haja uma hegemônica.
Ao contrátio, seu emprego nesse caso tem a intenção de nivelá-las considerando que haja muitas
coexistentes. 15 O primeiro dos apontamentos será abordado por último nesse texto por uma questão de coerência no
desenvolvimento dos argumentos.
38
analisar ou interpretar o que vemos), pois se constitui como um espaço de relação
que traça pontes no ‘vazio’ que se projeta entre o que vemos e como somos
vistos por aquilo que vemos” (2011, p. 34).
Mesmo que não sejam hegemônicas, as mídias interagem e competem
com outras coisas no panorama de uma cultura visual do nosso tempo, ou seja, na
composição de forma(s) de moldar a maneira como enxergamos e lidamos com a
realidade.
A mídia é, se nada mais, cotidiana, uma presença constante em nossa
vida diária (...) É no mundo mundano que a mídia opera de maneira mais
significativa. Ela filtra e molda realidades cotidianas, por meio de suas
representações singulares e múltiplas, fornecendo critérios, referências
para a condução da vida diária, para a produção e a manutenção do
senso comum (SILVERSTONE, 2005, p. 20).
Enquanto Silverstone elenca entre as mídias veículos analógicos, como
rádio e jornal impresso, Martins e Tourinho (2011) enfatizam suas preocupações
com as imagens em movimento e as mídias digitais que, segundo eles,
potencializam e ampliam “(...) as formas de recepção e visualidades estendendo
seu alcance e impacto para a produção e a criação” e, ainda, tornaram-se
“veículo(s) propício(s) para estimular e catalisar expectativas, desejos e sonhos de
crianças, jovens e adultos susceptíveis (...) às influências do capitalismo cultural
eletrônico” (p. 56).
Creio que a segunda reflexão sobre cultura visual proposta por Hernandez
(2011) abre espaço para situar o debate acerca dos sentidos que jogadores de
advergames dão a esses artefatos. Meu interesse é mapear os caminhos pelos
quais essas tecnologias tem atraído ou conduzido seus adeptos na relação com
eles mesmos, com outros, com o mundo e com aprendizados. Ainda de acordo
com Hernandez (2011), não estamos falando de um “quê” ou de um “como”, mas
de uma relação, uma mentalidade, um afeto.
39
Prédios, posters, filmes, desenhos, fotos, máscaras, imagens virtuais etc.,
são, enfim, objetos de interesse da Cultura Visual – agora com maiúsculas. Assim,
retomo o primeiro apontamento de Hernandez (2011), para definir a Cultura
Visual como “um campo de estudo transdisciplinar ou adisciplinar que indaga
sobre as práticas culturais do olhar e os efeitos desse olhar sobre quem vê” (p. 32).
Sem reivindicar limites disciplinares, a Cultura Visual transita pelos estudos
culturais, pelos estudos feministas, pesquisa em artes visuais, teorias sobre
fotografia e cinema, antropologia, história da arte, entre outros campos
(HERNANDEZ, 2011), buscando abordar as potencialidades de vários tipos de
imagem, artefatos e experiências para consolidar, descontruir ou questionar
processos interpretativos (NASCIMENTO, 2011).
A Cultura Visual, como campo de estudos, se aproxima da educação ao
investigar a construção de sentidos e significados advindos de experiências com
imagens e artefatos culturais predominantemente visuais16. A educação da Cultura
Visual, portanto, inclui nos seus debates, fenômenos e artefatos visuais
contemporâneos alheios ao currículo, estudando seus usos e efeitos sensíveis e
sociais. Investiga, também, a potência educativa desses artefatos para os
indivíduos, situando a escola como espaço de interseção entre alunos e
educadores, espaço onde se pode indagar, perceber e aprender através de formas
distintas de cotidianidade. Nascimento (2010, p. 213) explicita da seguinte
maneira os objetivos da educação da Cultura Visual:
É possível presumir que o [seu] interesse principal é tentar confrontar
diferentes modos de ver, dizer, pensar e fazer veiculados pelas imagens.
Questionar as interpretações existentes, atentando para as condições
históricas que contribuíram para tornar uma determinada afirmação
16 Em seu texto Show Seeing: a critique of visual culture, Mitchell (2002) responde também à crítica de que
não existem mídias exclusivamente visuais, mas apenas mistas. Para saber mais ver o artigo disponível em <
http://www.nyu.edu/classes/bkg/methods/mitchell.pdf>
40
aceitável, e criar possibilidades para que outras possam surgir são as
provocações fundamentais da Educação da Cultura Visual.
Pautados pela educação da Cultura Visual, Tourinho e Martins (2011)
concordam com Nascimento (2010) quanto à escola como local e aos professores,
mais propriamente os de arte, como mediadores das discussões sobre as imagens
cotidianas e as produções simbólicas daí depreendidas.
Essas condições e circunstâncias [emergência da imagem digital e seu
uso pelas indústrias de entretenimento] apontam para a necessidade de
formar professores de arte preparados não apenas para analisar e
interpretar imagens, artefatos artísticos e tecnológicos, mas,
especialmente, para ajudar os alunos a compreender e desenvolver uma
atitude crítica em relação à indústria da imagem e do entretenimento
(TOURINHO E MARTINS, p. 56).
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, atualmente os
estudantes brasileiros devem receber formação para uma “cultura do cidadão
contemporâneo” (BRASIL, 1997, p. 19). Ainda segundo o documento, esses
saberes devem ser oferecidos já a partir do ensino fundamental por meio de um
trabalho conjunto entre as disciplinas curriculares. Dessa forma, professores de
português, educação física e geografia, junto aos demais, devem abordar em sala
de aula assuntos como ética, meio ambiente, consumo e pluralidade cultural.
Entretanto, esses pontos são definidos como temas transversais e dirigidos
especificamente aos professores de arte, que devem:
Problematizar situações em que os alunos tenham oportunidade de
perceber a multiplicidade de pensamentos, ações, atitudes, valores e
princípios relacionados, à ética; meio ambiente; orientação sexual; saúde;
trabalho, consumo e cidadania; comunicação e tecnologia informacional;
pluralidade cultural, além de outros temas locais definidos na
organização escolar (BRASIL, 1997, p. 38).
Na prática escolar, a disciplina de artes muitas vezes engloba tanto
atividades de música, teatro e dança, quanto as artes visuais. Se a educação da
Cultura Visual se detém em abordar imagens e experiências que desencadeiem
debates sobre gênero e sexualidade, mídia e entretenimento, entre outros,
41
acredito que é preciso aproximá-las dos professores de arte visuais, encarregados
de instrumentalizar seus alunos para discussões e reflexões sobre o mundo
contemporâneo. Falarei mais sobre isso adiante.
Depois de apresentar essa modalidade de cultura visual que surge com os
games (advergames de modo específico) como o objeto desta investigação e a
Cultura Visual como terreno acadêmico da pesquisa, sigo com um esboço dos
primeiros traços deste objeto de estudo discutindo o “que” ou “como” os jogos
eletrônicos tem ensinado aos seus adeptos.
2.2 Um parêntese sobre arte, cultura visual e imagens da mídia
Não raro a Cultura Visual é acusada de rivalizar com a História da Arte
neglicenciando produções artísticas em nome de produções midiáticas, cultura de
massa etc. No tópico anterior, tentei esclarecer que esse campo de estudos não se
restringe ou privilegia determinados tipos de imagens, mas se preocupa em
verificar como são estruturadas as práticas do olhar a respeito dos artefatos
visuais. Ainda frente a esse julgamento vale lembrar que os limites do campo da
arte tem sido muitas vezes esgarçados pelos próprios artistas, curadores e críticos.
No começo do século XX, por exemplo, Duchamps subverteu a ideia do artista
como gênio criador com seus ready mades e a emblemática Fonte, de 1917. Em
meados do mesmo século, Andy Warhol transitava, sem pudores, entre
publicidade, cinema, música, galerias e museus. A produção em série e as
mercadorias de fácil consumo – como em Campbell’s soup can, de 1962, e Brillo
Box, de 1964 - marcam parte significativa de sua carreira artística.
Em se tratando de assuntos relativos a esta investigação – como
publicidade e games – não são poucos os exemplos de sua aproximação com o
42
circuito da arte. O movimento pop art foi profícuo na apropriação indireta da
linguagem da mídia pela arte: “Um dos aspectos mais característicos e
perturbadores da arte pop é que, embora figurativa, ela se mostra incapaz de usar
diretamente a imagem observada” (LUCIE-SMITH, 2006, p.122). Além do já
mencionado Warhol, na década de 60 do século passado, outros artistas pop se
valeram da estética da cultura popular (midiática) para compor seus trabalhos.
Roy Lichtenstein pintou telas baseadas em retículas de serigrafia e traços de
histórias em quadrinhos. Tom Wesselmann (fig. 12) também produziu quadros em
que registrava bens de consumo e modos de viver de seu tempo.
Figura 12 - Still Life #35, Tom Wesselmann, 1963.
Nos anos 1970, o movimento feminista ganhou força. Artistas mulheres
exploraram questões de gênero usando linguagens consideradas até então menos
43
nobres, como colagens e fotografias, e fazendo referências claras ao cinema e a
publicidade. Cindy Sherman explorou a fotografia em
uma série de autorretratos fotográficos iniciadas em 1977, mostra a
artista em poses e situações copiadas de filmes B. As referências são
cuidadosamente inespecíficas, mas Sherman apresenta as mulheres
americanas de sua geração, em geral e a si mesma, como produtos de
uma cultura saturada de imagens hollywoodianas, e por meio destas,
como vítimas da falsidade dos valores vigentes em Hollywood. Sherman
(...) levou ainda mais longe a análise de estereótipos do sexo feminino
em fotografias que parodiavam famosas pinturas dos grandes mestres e
em outras que usavam próteses médicas para construir quadros vivos
sexuais (LUCIE-SMITH, 2006, p.193).
Já Barbara Kruger usou sua experiência como editora de uma revista para
criar peças que unem fotografias (muitas vezes de arquivo) e textos enxutos
chegando “a um resultado muito semelhante ao obtido pelos criadores de
cartazes construtivistas russos” (idem, p.192). Afora as questões femininas, as
obras de Kruger apontam também para reflexões sobre consumo política (fig. 13).
44
Figura 13 - I Shop, therefore, I am. Barbara Kruger, 1987.
Se valendo de veículos notadamente comerciais, as placas de outdoor (fig.
14), em 2011, o grupo Guerrilla Girls questionou a presença do nu feminino no
Metropolitan Museu de Nova York ao invés da presença feminina no espaço com
trabalhos.
45
Figura 14 - Outdoor do coletivo Guerrilla Girls, 2011.
No Brasil, Cildo Meireles utilizou garrafas de Coca Cola em circulação no
mercado como suporte de suas inquietações no projeto “Inserções em circuitos
ideológicos”, de 1970, mostrando uma vez mais a estreita relação entre arte e
consumo. Na mesma linha, Banksy produz desde meados dos anos 2000 imagens
em grafiti que chamam a atenção para os problemas gerados pela concentração
de renda e pelo consumismo personificado em símbolos de marcas emblemáticas
(fig. 15).
46
Figura 15 - Banksy
Em se tratando de games, uma amostra de sua relação com a arte é a já
citada exposição permanente de 14 jogos eletrônicos no Museu de Arte Moderna
de Nova York, o MOMA, aberta em 2012. Se ocupar o espaço do museu com
videogames não é suficiente, podemos ilustrar a pertinência de incluí-los nos
debates sobre arte e cultura visual por meio das obras alguns artistas.
Atento ao potencial das novas tecnologias e à cultura jovem, Cory
Arcangel17 se define como artista e empreendedor que produz um “monte de
coisas”18, desde internet, arte, música etc. A última atualização do site, espaço em
que divulga seus trabalhos, traz imagens da série Screen-agers, tall boys and
17 Para saber mais sobre Cory Arcangel acesse < http://www.coryarcangel.com/> . acesso em
06/10/2016 18 Na sessão de apresentação de seu site, Arcangel escreve: I am an artist and entrepreneur living
and working in Stavanger, Norway. This is my internet home. I tend to make alot of stuff - web, fine
art, music, etc, etc.
47
whales. A exposição é composta por flutuadores em formato de macarrão
“vestidos” com objetos que caracterizam os jovens da contemporaneidade, que
Arcangel também define como screenagers. Os macarrões estão, portanto,
munidos de headphones, celulares, colares, meias e outros objetos. A relação de
Arcangel com a tecnologia está também em obras anteriores.
Em “QuickOffice”, de 2013, e “Room for squares”, de 2014, o artista usou
celulares e tablets touchscreen como suporte de seus experimentos. Ainda em
2005, sua obra Super Slow Tetris (fig. 16) foi exposta no Migros Museum für
Gegenwartskunst, de Zurique. Nela são discutidas a pressa e o imediatismo de
nosso tempo, pois o jogo - em que se deve encaixar peças a fim de formar linhas
- foi reprogramado (ou hackeado) de modo que cada bloco demora cerca de 8
horas até chegar à base da tela. Acompanhar o trajeto, segundo ele, “é
enlouquecedor” (ARCANGEL, 2015).
Entre seus vários trabalhos com videogames, Steph Thirion apresenta seu
portfólio que inclui música, fotografia e jogos eletrônicos por meio de um site19
cuja navegação acontece a medida que o usuário joga (fig. 17). Cada uma das
mídias ou informações sobre o artista são abertas quando o personagem
controlado pelo visitante aciona os comandos disponíveis.
Daniel Benmergui criou o jogo Today I die20 em que três possibilidades de
mundos (doloroso, escuro ou morto) são cenários a escolha do jogador para a
morte da personagem em 8 bits. Interessado em histórias, Benmergui está
desenvolvendo Storyteller21, jogo cuja tônica é a construção colaborativa de
narrativas.
19 <http://trsp.net/> acesso em 06/10/2016 20< http://todayidie.s3-website-us-east-1.amazonaws.com/> acesso em 06/10/2016 21 <http://www.storyteller-game.com/> acesso em 06/10/2016
48
Figura 16 - Cartucho do jogo Tetris com interveção do artista
49
Figura 17 - Jetpack girl, jogo que apresenta o artista Steph Thirion
Feng Mengbo é mais um exemplo do uso de videogames como meio
artístico. O chinês mistura jogos com questões políticas de seu país levantando
críticas sociais e convidando o público a jogar. Em 2008, seu trabalho Long March:
Restart foi exposto também no MOMA de Nova York, em uma tela gigante em
que os visitantes podiam controlar soldados do exército vermelho22.
22<http://www.moma.org/explore/inside_out/2010/02/04/new-acquisition-feng-mengbos-long-
march-restart> acesso em 06/10/2016
50
Figura 18 - Long March: restart. Feng Mengbo.
O rol de nomes que se aproximaram dos videogames ou se apropriam
deles como suporte, linguagem ou experimento artístico vai bastante além dos
elencados. Esses artistas e suas produções compõem apenas uma nota não para
justificar o interesse pelo tema, mas para afirmar sua importância no que concerne
à educação e à cultura visual contemporânea.
2.3 L1 + > + R1 + > - O que se aprende com os games
Como os games mexem com a cabeça de crianças, adolescentes e jovens,
tem sido uma preocupação entre pesquisadores de várias áreas de conhecimento,
como psicologia e educação da Cultura Visual, entre outras. A ampla pergunta
que tem norteado essas investigações é: como os games nos ensinam? A seguir,
51
apresento algumas questões recorrentes nas discussões sobre como mente e
corpo dos nativos digitais tem sido modificados por essa cultura visual.
Cláudio Mendes (2006, p. 10), ao analisar e construir relações entre jogos
eletrônicos e o conceito foucaltiano de subjetivação, lista algumas preocupações
sobre o que os games são capazes de ensinar:
(...) os jogos eletrônicos são considerados artefatos nada inocentes. Eles,
segundo a literatura, educam de alguma forma: educam para o consumo
(CABRAL, 2001); educam para a violência (CHILDREN & THE MEDIA,
2002; JOGOS DO MILÊNIO, 2001; AGUIAR, 2002); educam para os papéis
de gênero (CHILDREN & THE MEDIA, 2002). De uma forma ou de outra,
os estudiosos reafirmam seu papel pedagógico (PROVENZO JR. 1997;
LOPES, 2000; PIRES, 2002).
O autor centra sua análise nas relações que se estabelecem nas
comunidades de jogadores e seu entorno (lojas, revistas, sites e programas
dedicados a eles). Ele destaca dois aspectos da aprendizagem promovida pelos
games: Os jogos educam para o consumo à medida que hard e softwares se
tornam rapidamente obsoletos e exigem atualização, e educam o corpo
condicionando-o para uma economia de gestos e habilidades necessárias à
interação com personagens e cenários (MENDES, 2006). O primeiro aspecto é
relevante, contudo, não está intrinsicamente ligado ao uso dos jogos, mas às
indústrias que os produzem e promovem. Já o segundo aspecto, demanda um
pouco mais de atenção da minha parte.
Mendes destaca como primeiro aprendizado necessário para o jogo a
própria adaptação do corpo para captar e responder estímulos: posição das mãos
sobre os botões de comando, atenção auditiva e visual para identificar sinais
sonoros e imagéticos e interpretar suas mensagens. Para ele, o domínio de tais
técnicas conforma uma estratégia de governo, pois “a medida que o jogador
aumenta sua capacidade de dominar as proposições do jogo, este se torna cada
vez mais eficiente em educa-lo (2006, p. 72)”. Por outro lado, quanto mais hábil
52
em relação aos comandos, mais o jogador pode autogovernar-se e resistir às
formas de governo do jogo ou ainda exercer poder sobre jogadores menos
habilidosos.
Fantin e Correa (2011) também investigam e buscam identificar o que se
aprende com os videogames. As autoras destacam o domínio de uma linguagem
própria dos jogos (específica em cada título) como um aprendizado essencial para
que haja interação. A medida que os sinais (visuais, sonoros e mesmo táteis23) são
decodificados, os jogadores podem organizar ideias e prever ações, ou seja, entrar
de fato no jogo.
Na pesquisa que desenvolveram, Fantim e Correa (2011, p. 09) aproximam
os games dos hipertextos, pois os entendem como narrativas participativas em
que o interator pode atuar – mesmo que dentro de possibilidades pré-
determinadas.
Diante de tais características (hiper)textuais, específicas dos videogames,
podemos ensaiar algumas hipóteses em relação às possíveis habilidades
necessárias para o que seria um “comportamento letrado” em
videogame. Como com a leitura e escrita, os videogames envolvem um
conjunto de habilidades e competências diversas: desde a capacidade de
identificar o significado dos ícones até o planejamento de jogadas a
partir de diferentes opções.
Em sua dissertação, Correa (2010) pergunta a um grupo de estudantes do
ensino médio, sendo parte de uma escola pública e outra parte de uma particular,
o que aprendem jogando The Sims24 (fig. 19). Além de decodificar símbolos e
organizar ideias, ela identificou que os jogadores citam entre as habilidades
desenvolvidas, o reconhecimento de padrões, a orientação espacial e a seleção de
informações pertinentes frente a vários estímulos simultâneos, entre outras. A
23 Em alguns consoles, como o PlayStation, o controle vibra de acordo com a interação no jogo. 24 The Sims é um jogo on line que simula a vida real. Nele os jogadores assumem o papel de personagens
que interagem com a família, vizinhança, trabalho e outros aspectos cotidianos da vida. A primeira versão foi
lançada em 2000, hoje existem versões temáticas, como a medieval, cinema e anos 70, 80 e 90. Na versão Ikea
Home Stuff os jogadores podem mobiliar e decorar a casa com produtos disponíveis na rede lojas Ikea.
53
autora observa que a ideia de decodificar sinais se aplica, inclusive, à linguagem
em que o jogo opera, pois a aquisição de princípios de inglês (presentes em
comandos sonoros ou escritos na tela) está listada entre as competências que os
jogadores dizem trabalhar e desenvolver.
Figura 19 - Imagem do jogo The Sims 2 Ikea Home Stuff.
Nessa versão do jogo é possível comprar produtos disponíveis na loja para decorar a casa virtual.
Alves (2005, p. 209), em seu estudo sobre jogos e violência, relata sobre os
aprendizados comentados por seus colaboradores:
Percebe-se nas narrativas dos autores e atores que se aprende porque
há interação com o objeto do conhecimento, nesse caso, os games, que
demandam respostas rápidas diante de constantes desafios que exigem
soluções para os problemas, desenvolvendo estratégias, raciocínio
lógico-matemático e um pensamento hipertextual, caracterizado por
conexões e associações com diferentes janelas.
Para o médico e neurocientista Ramon Cosenza (2009) há ganhos
mensuráveis quanto à plasticidade cerebral daqueles que ele chama de nativos
54
digitais, a geração que no capítulo anterior denominamos screenagers. Cosenza
explica que essa geração tem a memória operacional25 constantemente desafiada
ao executar várias tarefas simultaneamente. Esse pesquisador apresenta dados de
um levantamento realizado em 2006 sobre a realização de atividades entre os
jovens. Enquanto realizavam as atividades escolares, 84% dos adolescentes
americanos escutavam música, 42% assistiam TV e 21% faziam duas ou mais
atividades ao mesmo tempo em que estudavam. Sabemos que a realidade norte
americana não é exatamente a mesma de outros países, mas vale ressaltar que
existem tendências comuns entre eles. Segundo o neurocientista:
O envolvimento nessa quantidade de tarefas múltiplas, com seu fluxo
contínuo de informação, requisição de ações paralelas e mudança
contínua do foco de atenção, produz alterações no cérebro dos
indivíduos que a elas se submetem. Naturalmente, com o treino, eles
passam a ter maior habilidade. Essas pessoas desenvolvem, por exemplo,
uma atenção periférica mais eficiente e conseguem responder mais
rapidamente aos estímulos visuais (COSENZA, 2009, s/p).
Mendes (2006) soma aos aprendizados que os videogames proporcionam
saberes históricos e geográficos e, ainda, saberes mitológicos e ficcionais (grifos
do original). Esses saberes estão relacionados à temática ou ao pano de fundo em
que se constrói a narrativa do jogo. Como exemplo, ele cita o Endgame - jogo no
qual 16 capitais de países da Europa estão sob ameaça terrorista e, para não
seguir pistas erradas, é preciso ter noção de suas localizações. Cita, também, God
of War – em que o jogador encarna Kratus e luta contra os deuses do Olimpo e
criaturas mitológicas (fig. 20).
É importante ressaltar que os games não são desenvolvidos com a intenção
de educar ou ensinar - exceto os jogos educativos – mas, mesmo assim, o fazem
de modo indireto. Em artigo para uma revista semanal, Venticinque e Sollitto
25 Memória operacional ou memória de trabalho é a capacidade de manter na consciência as informações
necessárias para realizar uma tarefa em andamento, como extrair o sentido geral de um parágrafo ao final de
sua leitura, por exemplo (CONSEZA, 2009).
55
(2012) apresentam exemplos de jovens que com base nos games tomaram
decisões para a vida. Foi o caso de um vestibulando que optou pelo curso de
ciências aeronáuticas a partir de sua identificação com os simuladores de voo e do
vencedor de um campeonato de jogo de corrida que tornou-se piloto profissional.
Figura 20 - Kratus com a cabeça da Medusa em frente à Acrópole
Ao abordar os aprendizados que eles proporcionam ou tornam possíveis,
estou tentando entender de que maneira essas ferramentas e temáticas
influenciam e agem sobre esse comportamento/prática cotidiano, visto que o
fenômeno da gamificação tem se mostrado efetivo.
Ao elencar informações sobre o ‘que’ e ‘como’ se pode aprender com
games, não é minha intenção ratificar uma influência positiva entre seus adeptos.
O fato é que, diante de novas mídias como computadores e consoles cada vez
mais acessíveis econômica e tecnicamente, por um lado é válido reconhecer o
56
potencial formador/educativo dos games, mas, por outro, é imprescindível
aprender a lidar com o impacto e as interferências na educação escolar/formal.
Cosenza (2009), que constata vantagens dos jogos eletrônicos para o
desenvolvimento do cérebro dos jogadores, também diagnostica, entretanto,
problemas para essa geração. Sobre a memória operacional, por exemplo, ele
afirma:
Há evidências de que a memória operacional, mesmo sendo um pouco
modificável, não consegue exceder determinados limites, pois o cérebro,
que se desenvolveu ao longo da evolução de nossa espécie em um
ambiente muito diferente daquele encontrado no mundo moderno, tem
dificuldade no processamento simultâneo de uma grande quantidade de
informações. Além disso, ele não divide a atenção, mas faz uma
alternância rápida entre os diferentes focos, o que leva a um retardo nas
respostas e a uma perda na eficiência de processamento da informação
(COSENZA, 2009, s/p).
O pesquisador também constata que há maior propensão à obesidade e
diminuição das habilidades interpessoais entre os jogadores. Observa, ainda, que
a recompensa imediata conseguida nos jogos torna os nativos digitais
impacientes no que se refere a atividades que exigem concentração, como a
leitura de textos longos e atenção durante as atividades escolares.
Sobre a falta de interesse pela escola, Lee e Hammer (2011) afirmam que,
nos Estados Unidos, todos os anos pelo menos 1,2 milhão de alunos deixam de
concluir o ensino médio e a falta de compromisso é um dos principais motivos.
No Brasil, a evasão chega a cerca de 3,5 milhões de alunos do ensino médio
(dados de 2005) e as principais justificativas são a necessidade de entrar no
mercado de trabalho, falta de transporte ou doenças, mas, também, o
desinteresse (LOPES, 2010).
As soluções para manter os alunos brasileiros dentro das escolas passam
principalmente por questões estruturais, mas é importante também criar
57
estratégias que os envolvam com o ensino e lhes recompensem de forma mais
clara do que apenas a expectativa de “um futuro melhor”. Lee e Hammer (2011)
sugerem que a gamificação do ensino pode ser de grande valia porque gera
engajamento, proporciona aprendizados aplicados e, sobretudo, valoriza o
exercício da tentativa e erro, princípio da pesquisa empírica.
Embora esteja indiretamente relacionada ao tema, a gamificação do
processo de ensino não é o foco desta investigação. Meu propósito é verificar as
implicações que os games tem para os aprendizados relacionados às novas
condições que a tecnologia cria e, de certa forma, tacitamente, impõe. Nesse
sentido, concordo com Lee e Hammer (2011) quando dizem que a “gamificação
vai fazer parte da vida dos estudantes nos próximos anos. Se pudermos guiar essa
energia, motivação e potencial dos games direto para o aprendizado, podemos
dar aos estudantes ferramentas para se tornarem recordistas na vida real26”.
Reconheço que tal afirmação carrega um tom excessivamente otimista e, em
decorrência, exige cautela e prudência. Mas, a propósito, no próximo tópico
discutirei os games como pedagogias culturais.
2.4 MÁQUINAS DE ENSINAR - Games como pedagogias culturais
Como vimos no último segmento quando nos perguntamos o que é
possível aprender com jogos eletrônicos, os videogames tem agido sobre seus
aficionados de modo a condicioná-los fisicamente para o próprio jogo, além de
favorecer a aquisição de conteúdos que servem de pano de fundo para as
narrativas e, ainda, exercitam a neuroplasticidade dos jogadores. Tais artefatos
26 No original: “Gamification will be a part of students' lives for years to come. If we can harness the energy,
motivation and sheer potential of their game-play and direct it toward learning, we can give students the
tools to become high scorers and winners in real life” (LEE and HAMMER, 2011, p. 4).
58
tem exercido também grande impacto sobre a cultura infantil e juvenil infundindo
valores e preferências, legitimando determinadas concepções pessoais, instituindo
estéticas e, sobretudo, estabelecendo e reacomodando papéis para os indivíduos
na sociedade.
Chama atenção que a imensa produção, circulação e recepção de imagens
e artefatos visuais coincidam com a emergência das novas tecnologias, o que, de
maneira irreversível, converteu a cultura dos games no principal meio no qual os
jovens produzem cultura visual, compartilham aprendizagens, aprendem sobre
eles mesmos, sobre os outros e sobre o mundo em que vivem e atuam (AGUIRRE,
2014). As novas tecnologias eletrônicas funcionam como máquinas de ensinar e
de aprender que, de maneira subliminar, enunciam estratégicas pedagógicas
inculcando valores, imagens e identidades. É importante, por isso, verificar qual o
papel desse objeto como ferramenta pedagógica, uma vez que a “pedagogia é
um conceito que enfoca os processos pelos quais se produz conhecimento”
(GIROUX e SIMON, 1994, p. 98).
Se os games são dotados de potencial pedagógico, é preciso também
definir em que espaços abordá-los. Seria a escola um desses espaços? De acordo
com os Parâmetros Curriculares Nacionais, sim. Mas em seu debate sobre a
construção de um currículo escolar, Giroux e Simon (1994) chamam a atenção
para a resistência de políticas educacionais em abrir as portas das salas de aula
para a cultura popular. Por cultura popular, entenda-se:
Os produtos [da cultura de massa] em seus respectivos circuitos de
distribuição, enfocando-os não como textos, mas como eventos. Em
outras palavras, considerar não só a oportunidade em si de acolher
determinado produto, mas também as formas como esse produto é
utilizado ou absorvido (GIROUX e SIMON, 1994, p. 109).
É possível, portanto, classificar como cultura popular programas de TV com
discursos sobre gênero ali veiculados, esquetes humorísticas da internet e suas
59
críticas explícitas, jogos eletrônicos e os apelos ao consumo neles contidos, entre
várias outras possibilidades. Os autores acreditam que para muitos educadores
prevalece o antagonismo entre cultura popular – organizada em torno do prazer –
e currículo – predominantemente instrumental. É como se a cultura popular fosse
inferior, “insignificante da vida cotidiana (...) indigna de legitimação acadêmica ou
alto prestígio social” (GIROUX e SIMON, 1994, p. 97) enquanto os saberes
curriculares servissem de base para o cumprimento das expectativas em torno de
papeis sociais/profissionais.
Giroux (1997) explica essa ruptura entre o currículo escolar e experiências
cotidianas na vida dos alunos tomando a escola como uma instituição social
ligada a aspectos econômicos e políticos do país. Para ele, existe um ensino tácito
embutido tanto nos conteúdos quanto nas relações sociais em torno da sala de
aula que reiteram certos interesses ideológicos. É o que chama de “currículo
oculto”, que “tem servido para reproduzir as ideologias tecnocráticas e
corporativistas características das sociedades dominantes” (GIROUX e MCLAREN,
1994, p. 128).
Enquanto algumas políticas educacionais ainda resguardam ideologias
dominantes e reduzem a experiência do estudante com o aprendizado ao seu
desempenho imediato, há educadores preocupados em ajudá-los “a
compreenderem que o conhecimento não é apenas variável e relacionado com os
interesses humanos, mas também deve ser examinado com respeito a suas
pretensões de validade” (GIROUX, 1997). Quando adota essa visão sobre o
conhecimento oferecido aos discentes, o professor se pauta pela “pedagogia
crítica”, passando a levar em conta as relações estabelecidas no espaço de
aprendizado, tomando as experiências dos alunos como ponto de partida para
discussões, considerando seus interesses e oportunizando a voz de cada um. “A
educação baseada em uma pedagogia crítica procura questionar de que forma
60
podemos trabalhar a construção da imaginação social em benefício da liberdade
humana” (GIROUX e SIMON, 1994, p. 99).
Giroux (1997) detalha que a pedagogia crítica passa pela análise de três
discursos particulares e relacionados: produção, texto e culturas vividas. Ao
examinar o discurso da produção, os educadores críticos atentam para a escolha
dos conteúdos e materiais que compõem a agenda curricular a fim de
compreenderem e descontruírem os significados ali encobertos. Para isso,
questionam o privilégio dado a um ou outro tema ou grupo, por exemplo.
Observações que apontam para as condições impostas ao trabalho docente e os
interesses incutidos aí.
Estreitamente relacionado ao discurso da produção está o do texto. Sua
análise consiste em evidenciar as discretas construções de valores nos conteúdos
de revistas, livros, publicidade etc. Giroux (1997, p. 140) exemplifica a aplicação da
análise de texto em dois trabalhos. O primeiro fala sobre materiais didáticos
prontos que “utilizam uma forma de tratamento que coloca os professores em
uma posição de meros implementadores do conhecimento”. No outro, um
pesquisador “analisa como a Riders Digest27 usa um tipo de representação que
minimiza a importância de ver o conhecimento em suas conexões históricas e
dialéticas”. Textos que compõem mensagens supostamente desinteressadas,
podem revelar, se olhados criticamente, o reforço de determinadas práticas
ideológicas ou políticas.
Já o discurso das culturas vividas é composto por histórias, experiências,
memórias e desejos de professores e alunos, bem como de que forma essas
vivências são criadas. Ao incluir elementos de culturas populares na pedagogia
escolar, os educadores críticos não apenas permitem a inclusão de temas
27 Publicação norte americana criada em 1922 que traz uma seleção de matérias curtas e variadas com temas
leves sobre saúde, biografias, humor etc. Sua intensão expressa é promover a leitura.
61
daqueles que constantemente são silenciados pela normatização da escola, mas
também questionam com eles como ocorre esse silenciamento. Não se trata
meramente de legitimar as produções da cultura popular presente na vida dos
alunos, mas de levá-los a identificar nelas debates limitados ou viesados em torno
de assuntos como gênero, classe e raça. “É somente partindo destas formas
subjetivas que os educadores críticos poderão desenvolver uma pedagogia que
confirme e envolva as formas contraditórias de capital cultural que constituem a
maneira como os estudantes produzem significados que legitimam formas
particulares de vida” (GIROUX, 1997, p. 141).
Diante de um cenário complexo de produção e consumo de informações e
bens pautados por recursos tecnológicos, se faz cada vez mais importante que
professores e alunos abordem juntos temas que permeiam seu dia a dia, que lhes
despertam interesse e incidem sobre suas relações afetivas e sociais. Hernandez
(2007, p. 35 e 36) acredita que educar é ir além de transmitir o conteúdo, é
aproximar o saber escolar da realidade cotidiana:
Hoje, um docente, ou qualquer pessoa interessada pela educação, que
queira compreender o que está acontecendo no mundo (...) não pode se
limitar a ‘saber a matéria’ ou a ter alguns conhecimentos de
psicopedagogia. (...) se vivemos em uma sociedade de complexidades na
qual, pela primeira vez, nos deparamos com um ciclo de renovação do
conhecimento mais curto que o ciclo de vida do indivíduo; se as
subjetividades se configuram como base de fragmentos e emergências,
requer-se não apenas uma outra proposta radical para o sistema
educativo, mas que nos apropriemos de outros saberes e de maneiras
alternativas de explorar e de interpretar a realidade, em comparação às
atuais disciplinas escolares.
Hernandez defende que os alunos se sentem mais motivados a aprender
quando conseguem traçar relações entre o que é ensinado na escola e o que
vivenciam fora dela. Por isso, acredita que o “objetivo dos educadores (...) deveria
ser o de considerar os interesses e os prazeres da cultura visual dos alunos e
alunas como possibilitadores de reflexão crítica” (2007, p. 81).
62
Dando continuidade às ideias da pedagogia crítica e considerando
exatamente produtos da cultura popular tão presentes na vida de crianças e
jovens em idade escolar, Giroux (2004) faz severas observações sobre o império
Disney, que considera fundamental para a constituição da cultura norte americana
contemporânea. Para ele, personagens e histórias normatizam papeis masculinos
e femininos, além de instituírem conceitos como família, felicidade e consumo:
(...) o império Disney deve ser visto como um empreendimento
pedagógico politicamente engajado no espaço cultural da identidade
nacional [norte americana] e na ‘instrução’ da mente das crianças. Isso
não é sugerir que haja algo sinistro por trás do que a Disney faz, mas sim
apontar para a necessidade de refletir sobre o papel da fantasia, do seio
e inocência para assegurar interesses ideológicos particulares,
legitimando relações sociais específicas e influenciando de maneira
significativa a memória pública (GIROUX, 2004, p. 106).
Essas produções estão irremediavelmente acessíveis às crianças e jovens e,
para esse pesquisador, tem tanta legitimidade e autoridade quanto os espaços
tradicionais de educação para ensinar-lhes valores e ideais. Filmes e produtos
Disney são exemplos do que Giroux (2004) denomina pedagogia cultural.
Aguirre define pedagogia cultural como sendo “um conjunto de conteúdos
formativos que não são administrados pelas vias tradicionais de educação formal,
mas sim pelos meios de comunicação de massa, basicamente” (2009, p. 165). Fica
claro que as pedagogias culturais não formam um bloco sólido de informações,
objetos ou imagens. Essa denominação é contingente e aplicável a temas que
aparecem em produtos, vídeos, histórias em quadrinhos, games, entre outros, que
contem valores políticos ou ideológicos latentes. Da mesma forma, sua
abordagem pedagógica não obedece a um método preestabelecido. Ao contrário,
cabe ao docente perceber que debates e práticas surgem a cada caso.
O que fizeram Tavin e Anderson (2010) ilustra bem o uso das pedagogias
culturais juntos aos alunos. Em seu relato, eles contam que levaram seus alunos
63
de arte, do quinto ano do ensino fundamental (em uma escola norte americana), a
analisarem filmes infantis como Pocahontas, Aladin e A Bela e a Fera
(coincidentemente todos produzidos pela Disney). Nas atividades conduzidas
pelos professores e adaptadas à linguagem dos participantes, os alunos foram
estimulados a relacionar os aspectos dos filmes com estereótipos retratados na
mídia. Com mediação dos educadores, houve, então, diálogos sobre situações
como o significado de Ariel abrir mão da própria voz em nome do amor, em A
pequena sereia, e a ausência do povo africano (ou sua substituição por macacos)
em Tarzan. Assim os alunos puderam debater sobre papeis de gênero, raça,
história e violência a partir de objetos familiares e que indubitavelmente tem
“grande impacto sobre o modo como as crianças concebem a si mesmas e aos
outros” (TAVIN E ANDERSON, 2010, p. 65).
Diante do reconhecido papel que as imagens das mídias – em nosso
recorte específico, os games - vem representando atualmente, vários teóricos
atentam para a necessidade de voltar as atenções para as novas formas de
visualização e novas ordens de visibilidade (GRAU e VEIGL, 2011) que tais
experiências visuais vem requisitando. Por isso mesmo, a proposta dessa
investigação é tomar os jogos eletrônicos cujo tema envolve mensagens
publicitárias como uma pedagogia cultural.
Em um breve exercício sobre que assuntos e dilemas poderiam despontar a
partir de games, recorri à internet para visitar e refletir sobre a estruturação dos
sites destinados a jogos on line. A internet se apresenta como espaço de grande
acessibilidade aos games, portanto, digitei a expressão “jogos on line” no portal
de busca Google e acessei o primeiro dos endereços sugeridos, no caso:
clickjogos.uol.com.br.
64
Foi possível perceber rapidamente o que sugere Mendes (2006) sobre os
jogos como ferramentas de governo que normatizam comportamentos e práticas.
Estão disponíveis nesse endereço virtual games que imitam práticas esperadas ou
desejáveis no trânsito, que ensinam a cuidar de animais de estimação e até
mesmo games simulando o comportamento de manifestantes nos protestos
nacionais ocorridos nos meses de junho e julho de 2013. No game V de Vinagre28
(figura 21) um jovem deve coletar garrafas de vinagre enquanto foge de um
policial. Se for pego, o jovem fugitivo apanha da polícia e é preso.
Figura 21 - Imagem do jogo on line V de Vinagre. Disponível em UOL Games
28 O título do jogo faz referência ao incidente em que a polícia paulistana prendeu pessoas que portavam
vinagre durante protestos (a substância minimiza os efeitos do gás lacrimogêneo) e ainda à máscara
conhecida por anonimous, muito usada em manifestações em todo o mundo e popularizada por meio do
filme V for Vendeta.
65
Nesse site, onde os jogos são apresentados por classificação, o que mais
chamou a atenção entre os itens do menu foi o que encabeça a lista: meninas.
Além de alguns outros títulos de destaque, logo abaixo, em ordem alfabética, os
jogos estão relacionados em categorias como: administrar, aventura, fazendas,
multiplayer, tiro ao alvo, entre várias outras.
Em pesquisa realizada sobre imagens levadas pelos alunos para a sala de
aula, Nunes (2010) questiona o comportamento de meninos e meninas sobre as
escolhas de materiais escolares. A autora constatou que os alunos buscam
explicitar por meio dessas escolhas suas identificações com papeis de gênero. As
garotas preferem personagens doces, tímidas e recatadas, enquanto os garotos
optam por personagens dinâmicos, fortes e superpoderosos: “as crianças
ressaltam a docilidade das personagens femininas e a agressividade dos
personagens masculinos” (NUNES, 2010, p. 75). Se esses discursos aparecem nas
falas e atos de crianças como naturalizados, nos games disponíveis no site eles
ganham mais ênfase e intensidade. Às meninas são oferecidos jogos femininos,
enquanto os meninos podem se sentir donos de todos os demais jogos, pois eles
exigem movimento, agilidade, força e precisão.
A existência de uma categoria especificamente destinada a elas deixa
evidente que são tratadas como um grupo especial ou diferenciado de jogadores.
Ao mesmo tempo em que o site as coloca no topo da lista do menu, elas são
excluídas de participar dos demais tipos de desafios eletrônicos. Selecionando
entrar no espaço virtual destinados às jogadoras, vê-se, então, um novo menu que
apresenta os títulos disponíveis para garotas. São sete os jogos em destaque e,
rapidamente, pode-se perceber que todos reiteram expectativas sociais
construídas para o gênero feminino.
66
Alguns dos exemplos que chamam a atenção são Studio Fashion (fig. 22),
jogo no qual as garotas escolhem peças de roupas que, juntas, comporão um
vestido de noiva e, Cleaning Cheerleading. Neste jogo, como líderes de torcida, as
jogadoras devem arrumar a bagunça feita pelos atletas do time de futebol da
escola. Esse dois jogos revelam claramente, conforme explica Mendes (2006),
formas de governo destinadas a orientar e formatar um tipo de conduta, a
delinear formas de comportamento social. Nesse caso, reforçam a dependência e
submissão das mulheres em relação aos homens (GOFFMAN, 2006).
Em todos os títulos propostos para meninas, em especial nos dois jogos
citados, outras características construídas como femininas ganham força.
Desenhos suaves, a predominância de tons rosados e avermelhados, corpos
delgados com curvas evidentes (seios e glúteos) e poses delicadas - joelhos
flexionados mostrando certo desequilíbrio, mãos etéreas tocando o próprio corpo
- compõem os cenários desses games. Para Goffman (2006), essas construções
reiteram, conforme mencionamos acima, o que se espera socialmente das
mulheres. Assim, tais jogos reforçam comportamentos desejados para elas – como
vaidade, habilidades culinárias e artesanais – afastando-as da possibilidade de
vivenciar outras feminilidades.
67
Figura 22 - Imagem do jogo on line Studio Fashion. Disponível em UOL Games
Entendo que os games on line exemplificados podem ser tomados como
pedagogias culturais a fim de debater papeis de gênero, pois normatizam e
revalorizam comportamentos, práticas e gostos tomados como adequados às
mulheres. Tais jogos seriam espaços pedagógicos propícios para abordar
deslocamentos conceituais, perceptivos e geracionais como, por exemplo, a ideia
de casamento como a realização máxima da mulher ou, ainda, como sendo
feminina a obrigação de realizar as tarefas domésticas, de limpeza e arrumação.
Retomando a atividade que propuseram Tavin e Anderson (2010) ao
analisarem filmes da Disney, me deparei com mais uma produção desses estúdios
para o cinema: Detona Ralph, de 2013. O filme de animação se passa numa
realidade paralela à de um fliperama. Depois que a loja fecha, os personagens dos
jogos ganham vida, saem das máquinas e circulam por uma cidade virtual. O
personagem título do game destrói janelas de prédios para que o herói Felix Jr. as
conserte. Mas, ao fim de seu expediente de trabalho, o “vilão” não consegue
68
socializar com outros habitantes de seu jogo e passa a ser evitado em outros
espaços da cidade. Cansado de ser excluído, Ralph, então, parte para outros jogos
em busca de uma medalha, artefato que provará seus méritos e permitirá seu
ingresso no grupo.
A estratégia de divulgação do filme englobou também o lançamento on
linei dos principais jogos presentes no filme, como o próprio Detona Ralph (fig.
23), Corrida Doce e Missão de Herói, além de uma versão do longa metragem em
jogo para o console Wii.
Figura 23 - Game Detona Ralph, baseado no filme de mesmo nome
A história divertida que envolve personagens pode ser usada como
pedagogia cultural, espaço estratégico para construir com os alunos/crianças uma
reflexão crítica sobre estereótipos, educação inclusiva e representações de
69
gênero29. Isso por que a trama traz, além de Ralph (fig. 24) personagem título -
não entende a ideia de mau que seus colegas tem sobre vilões – Vanellope (fig.
24), uma menina excluída por ser um tilt e Calhoun (fig. 24), militar que não é
delicada e sensível como se espera que uma mulher seja.
Figura 24 - personagens de Detona Ralph: o protagonista, Vanellope e Sgt. Calhoun
Ao convidar jogadores a questionar e discutir esses temas, podemos levá-
los a refletir sobre a forma como gostariam de, ou como podem, se relacionar
com o mundo, com a sociedade em que vivem e consigo mesmos. Debates sobre
artefatos eletrônicos como os games são propícios ao exercício da crítica. Ao
exercitá-la, crianças e jovens podem compreender como perspectivas de mundo,
de sociedade e de relações com o ‘outro’ são dispositivos culturais resultantes de
processos de construção social de significados.
29 A análise detalhada de Detona Ralph como pedagogia cultural pode ser conferida nos anais do
22º Encontro Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, disponível em <
http://anpap.org.br/anais/2013/ANAIS/ANAIS.html#>
70
Nesse sentido, podemos dizer que o exercício da crítica no trabalho
pedagógico com imagens no contexto escolar ajuda a visualizar alternativas em
relação ao pensamento hegemônico, a ampliar horizontes transformando-os em
territórios conceituais e imagéticos fecundos para a interpretação de sentidos,
significados e visualidades. Ajuda, também, a criar condições para abalar
convicções rígidas, sedimentadas, que omitem de crianças e jovens jogadores a
possibilidade de compreender que o mundo da cultura, das imagens e artefatos
visuais, ou seja, o mundo simbólico é frágil e dinâmico e, portanto, vulnerável às
investidas daqueles que tem a pretensão de prescrever receituários educacionais
para salvaguardar a escola dos demônios que rondam e/ou se manifestam como
agentes indesejáveis na cena cultural contemporânea. Para o próximo capítulo,
reservo a descrição da metodologia construída para aproximar-me do problema.
71
CAPÍTULO 3 – TRILHAS DO OBJETO, PASSOS DOS
SUJEITOS, CAMINHOS DA PESQUISADORA.
Traçando rotas metodológicas
3.1 LOCALIZAÇÃO - Uma pesquisa qualitativa, pós-crítica ou, fazendo
bricolagem
Sempre me pareceu claro que esta investigação teria um caráter qualitativo,
visto que se atem às minúcias de relatos, percepções, ideias, relações e conceitos.
Via meu objeto de pesquisa como algo dinâmico e multiconectado e, portanto,
em sintonia com a abordagem da pesquisa qualitativa, ancorada no
fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o
sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo
indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O
conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados a
uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do
processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes
significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de
significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações
(CHIZZOTTI, 1991, p. 79).
72
Restava, então, trazer essa compreensão para a estrutura da tese, de
maneira que ficasse clara, justificando a articulação desses conceitos e
argumentos. Considerando que me propus a transitar, mesmo que rapidamente,
por aspectos epistemológicos, creio que cabe aqui uma explicação sobre
diferenças entre as abordagens de pesquisa qualitativa e quantitativa.
Revisando brevemente a epistemologia das pesquisas em ciências sociais,
vê-se a influência do positivismo sobre o campo. Por volta do século XVIII,
cientistas sociais se baseavam no empirismo e assim repetiam experiências a fim
de perceber regras que normatizassem o funcionamento de fenômenos sociais.
Essa postura era influenciada pelas noções quantitativas de pesquisa, que
trabalhavam a partir de dados processando números e utilizando modelos
estatísticos para explicar os fatos (BAUER, GASKELL e ALLUM, 2002). Dessa forma,
não se atem necessariamente a detalhes, qualidades e riquezas tendendo para a
construção de generalizações (DENZIN e LINCOLN, 2007).
Impelidos pelas renovações sociais, econômicas e culturais do início do
século XX, os pesquisadores sociais gradativamente passaram a “enfatizar a
natureza socialmente construída da realidade, a íntima relação entre o
pesquisador e o que é estudado, e as limitações situacionais que influenciam a
investigação” (idem, p.23). Desse modo as pesquisas qualitativas ganharam corpo
abrindo espaço para os pontos de vistas dos indivíduos, investindo e valorizando
as descrições do mundo social e os aspectos específicos de cada caso ou situação
em contexto.
Pesquisadores que trabalham com a abordagem quantitativa, as vezes,
desdenham daqueles que utilizam abordagens qualitativas dizendo que não
produzem ciência, mas apenas visões romantizadas sobre os acontecimentos. Em
contrapartida, pesquisadores qualitativos afirmam que os pesquisadores
73
quantitativos silenciam um enorme número de vozes. Os dois tipos de
pesquisadores acreditam trabalhar pelo bem da ciência e, de fato, o fazem, mas
embasados em métodos, critérios e crenças próprias e, muitas vezes,
complementares, conforme explicam Denzin e Lincoln (2007, p. 23 – 24) ao citar
Flick:
Flick (1998, p. 2 -3) resume de uma maneira eficaz as diferenças entre
essas duas abordagens à investigação. Ele observa que a abordagem
quantitativa tem sido empregada com a finalidade de isolar “as causas e
os efeitos (...) operacionalizando as relações teóricas (...) [e] medindo e
(...) quantificando os fenômenos (...) permitindo a generalização das
descobertas” (p. 3). Mas, atualmente, esses projetos são postos em
dúvida, pois “a mudança social acelerada e a consequente diversificação
dos mundos da vida estão cada vez mais fazendo com que os
pesquisadores sociais defrontem-se com novos contextos e novas
perspectivas sociais (...), metodologias dedutivas tradicionais (...) estão
fracassando (...) e assim a pesquisa é cada vez mais obrigada a utilizar
estratégias indutivas em vez de partir de teorias e testá-las (...) o
conhecimento e a prática são estudados como conhecimento e prática
social”.
Em vez de polarizar as duas formas de fazer científico, abordagens
qualitativas e quantitativas devem operar colaborativamente no campo de
conhecimento complexo abarcado pelas ciências sociais. Se uma amostragem
muito limitada pode não ter representatividade social, por outro lado, pesquisas
englobando um grande número de colaboradores podem não dar conta de
resultados individualizados. Nesse sentido, é adequado que a pesquisa social
considere tanto as experiências vividas individualmente quanto sua importância
para o todo social. Sempre que necessário, ou possível, o pesquisador deve
mesclar resultados macro (quantitativos) com estudos micro (qualitativos), pois
não há quantificação sem interpretação, nem qualificação sem relevância para/em
um grupo ou extrato social.
Ao focar nos sentidos construídos discursivamente pelos colaboradores
sobre “Mais Fanta, mais diversão” esta investigação envereda por um viés de
74
caráter pedagógico e se embasa nos princípios da Cultura Visual30, campo que
Meyer e Paraíso (2012) não citam nominalmente como pós-estruturalista, mas
cuja familiaridade é evidente:
Sob o[s] rótulo[s] de “pós” – pós-estruturalismo, pós-modernismo, pós-
colonialismo, pós-gênero, pós-feminismo – e outras abordagens que,
mesmo não usando em seus nomes o prefixo “pós”, fizeram
deslocamentos importantes em relação às teorias críticas –
Multiculturalismo, Pensamento da Diferença, Estudos Culturais, Estudos
de Gênero, Estudos Étnicos e Raciais e Estudos Queer, entre outros
(idem, p. 17)
As autoras (2012) organizaram uma série de textos – seus e de outros
pesquisadores - que tratam basicamente do processo de coleta de dados em
pesquisas nas áreas de educação e saúde. Todavia, as abordagens revelam
afinidade e sintonia com investigações de outras áreas do conhecimento,
especialmente aquelas que estudam fenômenos complexos e não estão em busca
de resultados generalistas. As autoras esclarecem que entendem por metodologia
“um conjunto de procedimentos de coleta de informações” (idem, p.16) e
ressaltam a impossibilidade de se fixar rotinas metodológicas para pesquisas pós-
críticas:
... a maior parte das correntes denominadas pós-críticas não se refere a
um método de pesquisa, no sentido usual do termo. Algumas delas –
como os estudos culturais, os estudos queer, o pós-feminismo – dizem
explicitamente que a metodologia deve ser construída no processo de
investigação e de acordo com as necessidades colocadas pelo objeto da
pesquisa e pelas perguntas formuladas (idem, p. 15).
A dificuldade de assumir procedimentos como próprios da pesquisa pós-
crítica deriva, também, da posição de autores considerados fundamentais para as
teorias denominadas “pós”, como Foucault e Deleuze, por exemplo. Esses filósofos
contribuíram de maneira significativa para a criação de procedimentos e práticas
30 Em minha dissertação de mestrado discuto a emergência da Cultura Visual em sua relação com pós-
modernidade e as influências do pós-estruturalismo para o campo. A dissertação na íntegra está disponível
no site do Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual <www.fav.ufg.br/culturavisual>
75
de pesquisa como a arqueologia, a genealogia e a desconstrução. Ainda assim,
resistiam à ideia de estarem propondo métodos.
Posicionamentos como o de Foucault e Deleuze não são incomuns nas
investigações e no tempo em que vivemos, “tempo que gostamos de chamar de
‘pós-moderno’31, por que ele produz uma descontinuidade com muitas das crias,
criações e criaturas da modernidade” (PARAÍSO, 2012, p. 26). O tempo e as
abordagens “pós” desmancharam a noção de progresso, a racionalidade do
sujeito, a estabilidade das identidades, a linearidade da história, a solidez do
discurso cientifico. Já não há verdades, mas versões de verdade e, para acessá-las,
precisamos considerar que “mudaram as formas como vemos, ouvimos, sentimos,
fazemos e dizemos o mundo. Mudaram nossas perguntas e as coisas do mundo.
Mudaram os ‘outros’ e mudamos nós” (PARAÍSO, 2012, p. 26).
Essas mudanças tem operado na produção de conhecimento diluindo
fronteiras entre disciplinas, gerando permeabilidade inter/trans-disciplinar que
instiga uma postura de pesquisador-articulador de métodos para coleta de
informações: a bricolagem (KINCHELOE e BERRY, 2007; PARAÍSO, 2012).
3.2 NEGOCIAÇÕES METODOLÓGICAS – Bricolagem ou “epistemologia
da complexidade”
Uma preocupação crescente entre cientistas, de modo geral –
especialmente aqueles das áreas de humanas e sociais - é construir maneiras de
abordar o objeto de pesquisa de forma holística, atentos ao seu entorno e às
influências que o objeto recebe e de certa forma impõe ao redor. Esse tipo de
fazer científico não pressupõe investigadores generalistas, mas, ao contrário,
31 Minha visão sobre esse momento histórico como pós-moderno também está posto na dissertação,
disponível em <www.fav.ufg.br/culturavisual>.
76
demanda pesquisadores curiosos, capazes de entender os fenômenos em suas
relações políticas, históricas, geográficas, biológicas etc., conforme o caso. Nesse
tipo de abordagem é necessário transitar por conhecimentos e métodos
rearranjando-os de acordo com a necessidade delineada pelo objeto. Essa é a
postura do bricoleur, “palavra francesa [que] descreve um faz-tudo que lança mão
das ferramentas disponíveis para realizar uma tarefa” (KINCHELOE, 2007a, p.15).
Ao pesquisador bricoleur (ou bricolador) pós-crítico, cabe, portanto, “ouvir”
o objeto, deixando que ele se mostre e sinalize que perguntas devem ser feitas e
como perguntar. Kincheloe (idem) explica que “a bricolagem é (...) o processo de
emprego de estratégias metodológicas à medida que são necessárias no
desenrolar do contexto da situação de pesquisa” e Paraíso (2012, p. 33)
complementa estas ideias ao afirmar que “usamos tudo aquilo que nos serve, que
serve aos nossos estudos, que serve para nos informarmos sobre nosso objeto,
para encontrarmos um caminho e as condições para que algo novo seja
produzido”.
A bricolagem é um ato de negociação metodológica, uma costura de
posicionamentos teóricos, um amálgama de ferramentas epistemológicas que
resulta numa “epistemologia da complexidade” (KINCHELOE, 2007a, p. 16). Essa
negociação inclui revelar como são moldados jogos de poder, forças sociais e
elementos discursivos, tendo claro que o pesquisador também é um sujeito com
história e afetos, e que suas escolhas na pesquisa alteram profundamente sua
perspectiva sobre o objeto. A bricolagem não busca uma explicação para o
mundo, mas uma explicação para nossa relação com o mundo (idem). Nesse ato
de negociação metodológica, nós, pesquisadores
eliminamos as barreiras entre as diferentes disciplinas.
Deslocamos as linhas que separam ciência e literatura,
conhecimento e ficção, arte e ciência, filosofia e comunicação.
Explodimos as separações entre teoria e prática, discurso e
77
‘realidade’, conhecimento e saberes do senso comum,
representação e realidade. (PARAÍSO, 2012, p. 33)
Epistemologicamente, a bricolagem flerta com o construcionismo social ao
considerar que “as categorias conceituais são construções humanas” (idem, p. 22)
e, por isso, insiste no fato de que o bricoleur tenha consciência de sua própria
historicidade a fim de entender a incidência dessa historicidade na narrativa da
pesquisa. “A consciência do bricoleur acerca do construcionismo e da
historicidade ajuda-o a apontar essas omissões [na produção oficial de sentidos] e
seus efeitos nos processos de produção de conhecimento” (idem, p. 26).
Quanto à dimensão interpretativa da pesquisa, a bricolagem se fundamenta
na hermenêutica crítica e reconhece o caráter instável e, ao mesmo tempo,
revelador da linguagem:
Todos os aspectos do saber humano – também conhecido como
interpretação – são filtrados linguisticamente, fundamentados
contextualmente, saturados de poder, implicados em um
determinado processo social, moldados por formas narrativas
específicas e marcados por teorias tácitas sobre a natureza da
realidade. (KINCHELOE, 2007b, p.106)
Essa postura diante do poder desvelador da linguagem está presente
também nas ideias de autores pós-estruturalistas, vertente familiar à bricolagem.
Segundo o pós-estruturalismo, o sujeito é constituído por uma negociação
constante de posicionamentos identitários efetivados na e através da linguagem:
Eles [pós-estruturalistas] descrevem o sujeito em toda sua
complexidade histórica e cultural – um sujeito ‘descentrado’ e
dependente do sistema linguístico, um sujeito discursivamente
constituído e posicionado na interseção entre as forças libidinais e
as práticas socioculturais. (PETERS, 2000, p. 32)
Embora a bricolagem não prescreva métodos de coleta de dados, os
discursos, as falas, enfim, a linguagem, tem papel fundamental como recurso
utilizado pelo pesquisador para acessar o objeto. Assim, a interpretação tem
78
patentes inclinações hermenêuticas e passa a ser a ênfase. Mas, ao mesmo tempo,
não há pudores na hora de encontrar e juntar informações a serem analisadas:
Usamos nessa tarefa elementos da etnografia, da netnografia, na
etnografia pós-moderna. Usamos grupos focais, entrevistas, narrativas,
documentos. Juntamos materiais impressos, textos, livros, projetos.
Coletamos cartazes, desenhos, figuras, fotografias. Usamos o MSN, o
Orkut, qualquer site de relacionamento, a internet. Olhamos,
observamos, escutamos. Entrevistamos, registramos, anotamos,
gravamos, filmamos. Perguntamos, interrogamos, questionamos,
fotografamos. Olhamos professores/as, alunos/as, crianças, jovens,
adultos, meninas, meninos, branco/as, negros/as, surdos, ouvintes,
cegos, videntes, movimentos sociais. Observamos a rua, laboratórios de
ensino de ciências, pátios de recreio, salas de aulas, aulas, conversas,
brincadeiras, jogos, reuniões, quadras esportivas, encontros,
assentamentos, acampamentos, aldeias, shows, espetáculos, gestos e
mímicas. Escutamos conversas, bate-papo, discussões, aulas, músicas.
Perguntamos a pessoas, autores/as, filmes, programas televisivos,
campanhas publicitárias. Interrogamos currículos escritos, livros de
literatura, livros didáticos. Questionamos documentos de políticas,
projetos pedagógicos, projetos de intervenção, diretrizes, leis. Em
síntese, usamos tudo que acreditamos nos servir em nossas pesquisas,
fazendo bricolagem (PARAÍSO, 2012, p. 33 - 34).
Quando se faz bricolagem, a circunstância impõe ao mesmo tempo que
oferece os instrumentos de produção de dados.
Pouco a pouco minha ida a campo foi sendo mapeada. Os contornos
delimitaram uma pesquisa eminentemente qualitativa, pós-crítica, fundamentada
na bricolagem. Havia chegado o momento de buscar os equipamentos e
utensílios adequados para registrar o trabalho de campo.
3.3 IDA A CAMPO - Netnografando “Mais Fanta, mais diversão”
Foi por meio de um anúncio de televisão que conheci “Mais Fanta, mais
diversão”. As propagandas são apenas parte da campanha dos refrigerantes Fanta
que aposta na importância da diversão para seus consumidores de vários países.
A partir do VT visitei o site da empresa e constatei que a maior parte dos esforços
79
de comunicação são feitos on line. Como a campanha alcançava cerca de 180
países, foram criados conteúdos gerais e também específicos para cada país. O
site brasileiro continha um advergame com cerca de 14 etapas, além de
ambientes e situações que simulam o cotidiano dos personagens da campanha.
“Mais Fanta, mais diversão” foi se configurando como espaço adequado a
ser explorado nesta investigação já que tem como protagonistas jovens
adolescentes. Além disso, há no jogo um metadiscurso sobre tecnologia e
diversão, pois em vários momentos os jogadores podem dispor de gadgets
eletrônicos e são solicitados a realizar tarefas que se transformam em
brincadeiras.
Tinha a convicção de que antes de disparar perguntas aos colaboradores
precisava conhecer intimamente o assunto de nossos diálogos. Assim atentei para
a necessidade de proceder a uma netnografia. A etnografia virtual, netnografia ou
e-etnografia é uma versão da etnografia para o mundo da internet. Enquanto o
etnógrafo deixa sua zona de conforto em nome da imersão em uma cultura
estudada, o netnógrafo não precisa mudar-se para o ambiente a ser explorado,
mas deve mudar seu olhar sobre ele, atentando para a internet como um espaço
de geração de cultura e significativa interação social (HINE, 2000, p. 19).
Se a etnografia se ocupa “[da] interação entre o pesquisador e seus
objetos de estudo” (FONSECA, 1999 in SALES, 2012), a netnografia inclui a
observação dos espaços virtuais, a participação em comunidades ou debates de
internautas sobre o tema e o compartilhamento dos códigos simbólicos e
linguísticos do ciberespaço, por exemplo (SALES, 2012). Assim, precedendo ao
contato com os participantes da pesquisa, a netnografia dos advergames de Fanta
serviu como reconhecimento do terreno em que se localizam os sentidos de
juventude que pretendia ouvir/negociar com os colaboradores.
80
O endereço de “Mais Fanta, mais diversão” (fig. 25) na internet
<www.fanta.com.br> não privilegiava informações sobre o produto ou sobre a
empresa, mas convidava imediatamente o visitante a “embarcar numa aventura
incrível”. O banner virtual com uma imagem dos cenários dos jogos avisava: “Uma
força misteriosa acabou com a diversão do mundo. E a turma da Fanta vai precisar
da sua ajuda para trazer ela de volta”. Essa era a porta de entrada para Utopia, o
cenário em que as brincadeiras aconteciam e que descrevo detalhadamente a
seguir.
Figura 25 - Página inicial do site de Fanta
81
A “galera Fanta”, formada pelos personagens da campanha, também tinha
destaque e o internauta que clicasse sobre ela seria direcionado ao perfil de cada
personagem. Com a mesmo grau de importância está o link para receitas que
tornarão o lanche “mais divertido”. Abaixo desses espaços, havia opções menos
chamativas. Em uma delas, o visitante era convidado a conectar-se com a empresa
por meio do Facebook e, em outra, podia divertir-se com Pula Macaco, um jogo
em parceria com a fabricante de brinquedos Estrela.
Escolhendo aceitar o convite para entrar na aventura, o internauta era
transportado para uma vista panorâmica de todo o site (fig. 26). Ficavam a mostra
Utopia, a Casa do Todd, a Cachoeira, a Cidade e a Floresta de Frutas, que podem
ser selecionados com o mouse. Acima desses espaços havia um menu com as
seguintes opções: “galera Fanta”, ranking, A história da diversão – “Salvando a
fonte”, minha conta e comic book. O site não sugeria uma ordem de exploração,
entretanto, depois de visitar todos os espaços notava-se que há uma sequência
que facilitaria o entendimento da narrativa.
Figura 26 - Página inicial do site mostrando os ambientes a serem explorados
82
Comic book, o último item do menu, era uma espécie de história em
quadrinhos com diálogos não traduzidos do inglês que contavam ao visitante
tudo o que ele/ela precisa para entender aonde está indo (fig. 27). Os quadrinhos
mostravam que na cidade de Utopia há um relógio que marca a hora para a
diversão começar. Às 4 horas todos os jovens se encontravam ao redor da torre
para brincar, paquerar, dançar etc. Mas aconteceu algo misterioso e a fonte de
diversão que fazia o relógio funcionar quebrou. O guardião da torre do relógio, o
único adulto da narrativa, avisava que agora resta pouco tempo até que todos
tornem-se playless, ou sem-diversão, criaturas apáticas, entediadas e incapazes de
se divertir. Frente a esse perigo, a “galera Fanta” resolve consertar a fonte e salvar
a diversão.
Figura 27 - Recorte do comic book
Floyd distribuiu, entre os amigos, alguns gadgets que ele mesmo construiu
preocupado que todos estejam preparados para a aventura. Gigi recebeu um ioiô.
83
Andy um skate flutuante, o hovermatic. Lola ganhou o fizz fazer, o fazedor de
bolhas Fanta. Maude ficou com o tapete beat blanket que a incentiva a dançar. E
Floyd pegou a jetpack, uma mochila propulsora movida a Fanta.
Ainda na opção comic book, o visitante podia acessar um discreto menu
acima da história em quadrinhos e escolher, sobre os ícones de uma bússola, o
desenho simplificado de um dos personagens, uma caixa aberta e um ponto de
interrogação. A bússola mostrava um mapa com todos os locais pelos quais o
grupo deveria passar em busca da fonte. A caixa oferecia conteúdo extra sobre
Fanta, como os VTs da campanha, e o ponto de interrogação apresentava os
comandos de navegação naquele espaço já que os quadros da história são
passados a medida que o internauta movia a barra de rolagem com o mouse ou
com o teclado. O desenho do personagem apresentava uma ilustração de cada
um dos 9 jovens com uma breve descrição. Abaixo de 5 deles havia um joytick, o
que indicava a existência de um jogo.
O primeiro dos jogos era o Todd´s van game (fig. 28) , o jogo da van do
Todd. Antes de jogar, um pop up trazia uma ideia geral do jogo e de como jogar.
Além disso, localizava aquela ação na narrativa geral da trama. Todd e seu amigo
Tristan precisavam encontrar a turma para juntos seguirem até a fonte. O jogador
deveria controlar o carro de forma a fazê-lo voar em algumas rampas coletando
bolhas de Fanta que são seu combustível. O objetivo é ir o mais longe possível.
84
Figura 28 – Imagem do jogo Todd's van
O jogo seguinte era o da Lola com seu fizz fazer (fig. 29). Numa rua cheia
de playless, o jogador deveria mover a personagem Lola para que ela atirasse
bolhas de Fanta nos playless para que fazê-los recuperar a alegria. Ao mesmo
tempo, Lola precisava coletar recargas para seu gadget. O objetivo é conseguir
devolver o máximo de playless à normalidade enquanto houver energia para isso.
Em seguida, temos o jogo do ioiô da Gigi. A personagem deveria colher laranjas
com seu brinquedo antes que elas caíssem no chão, mas sem deixar de pegar os
relógios que atravessam a tela, pois eles garantem mais tempo no jogo. Se
perdesse um relógio ou uma laranja, o tempo de jogo diminuía. Quanto mais
frutas, mais pontos.
85
Figura 29 - Imagem do jogo Lola's fizz fazer
O próximo jogo é o jetpack do Floyd. Ele foi desafiado por Andy a chegar
ao topo da cachoeira e, para conseguir, deveria usar a mochila propulsora. O
jogador tem que levar Floyd ao cume da cachoeira no menor espaço de tempo
possível, desviando de galhos e pedras e, ainda, pegando bolhas de Fanta como
combustível. O último jogo é o das irmãs Lhavas com seus patins (fig. 30). O
jogador deveria controlar as duas patinando sincronizadamente por uma estrada.
Galhos, cavaletes e buracos devem ser evitados, bolhas e garrafas coletadas. A
ideia era ir o mais longe possível, sem acidentes.
86
Figura 30 - Imagem do jogo Llavas twins roller
A aba ranking do menu trazia listas mostrando todos os jogadores
ordenados por pontuação, da maior para a menor – com seu desempenho geral,
em cada fase (nos ambientes cidade, cachoeira etc.) ou jogo específico. Minha
conta continha os dados sobre o jogador: nome, pontos em cada fase, medalhas
conquistadas por ser o jogador que mais pontuou na semana e seu avatar
personalizado como um membro da “galera Fanta”, que entretanto não aparece
em nenhum jogo (fig. 31). O item central A história da diversão funciona apenas
para retornar à página principal.
87
Figura 31 - Perfil do jogador
A aba inicial do menu, destinada à “galera Fanta” (fig. 32), apresentava cada
um dos personagem com informações sobre sua personalidade e uma ilustração
que o caracterizava fisicamente. São, ao todo, nove personagens: Todd, o
protagonista, sua namorada Gigi e Tritan, seu melhor amigo. Maude, Andy, Lola,
Floyd e as irmãs Lhavas. Seguem, abaixo, as descrições dos personagens como
consta no site:
Os amigos são a família de Todd. Logo cedo ele se
apaixonou pela fotografia e nunca mais parou. Aos 16 anos,
ganhou do irmão a van. É com ela que leva os amigos as
parques, festas, festivais de música em toda parte.
Maude tem a mente aberta e criativa. Ela sempre gostou de
inventar brincadeiras novas. Desde cedo, um simples objeto
88
já servia de inspiração para que ela criasse um jogo
diferente. Dela, tudo se pode esperar.
Tristan tem otimismo e entusiasmo para reunir pessoas. Ele
conhece todo mundo e está em todas as festas e eventos
interessantes. Tristan tem estilo. É com Fanta que ele
consegue energia para tanta animação.
As Lhavas são irmãs gêmeas. Uma dupla misteriosas que
adora aparecer de surpresa nos momentos chave das
brincadeiras. Elas se divertem e levam os outros
personagens mais longe do que eles imaginavam ir.
Gigi é a líder do grupo. Ela formou uma turma de amigos
incríveis à sua volta e é a inspiração de todos eles. Uma
garota que vive embarcando em novas aventuras e que se
diverte com um entusiasmo contagiante.
Andy é carismático, talentoso e sabe curtir a vida. Cresceu
na praia, adora andar de skate e pegar onda. É adorado pelo
pessoal mais novo e domina o violão como poucos. Um
showman que arranca suspiro das meninas.
Floyd sempre foi mais esperto que os garotos da sua idade
na escola. Ele é o típico geek. Descolado, ele adora
tecnologia e aproveita tudo o que sabe para criar novas
brincadeiras. Floyd é nosso menino prodígio.
Lola era a caçula da casa. No meio de irmãos mais velhos
logo aprendeu a se impor para conseguir as coisas. Ela é ágil
89
e não entra para perder. Mas agora está descobrindo que
trabalhar em equipe pode ser muito melhor.
Figura 32 - Lola, Gigi, Todd, Floyd, Tristan e Andy
Conhecidos os itens do menu, passo a descrever os ambientes que
compõem o site e sediam os jogos. Utopia (fig. 33) era a cidade onde estava o
relógio que marcava a hora para a diversão começar. Quando o visitante entrava
ali, outro comic book (diferente daquele já descrito) se abria contando em
português que o relógio está quebrado e mostrando os gadgets que Floyd criou e
distribuiu para a turma.
90
Figura 33 - Vista geral de Utopia
Uma vista geral da cidade mostrava a praia, várias casas e prédios
residenciais, mas mostrava, também, outros equipamentos urbanos como um
estádio e um parque de diversões. Existiam ícones acima de alguns lugares
sinalizando ao visitante que aquele espaço guardava mais informações. Sobre o
estádio existia um ícone que, quando aberto, incentivava o jogador a praticar
exercícios físicos. Na casa de shows, estava o jogo Cine Dance da Maude (fig. 34).
A personagem fazia passos de dança movimentando-se de acordo com as
indicações que surgiam sobre o tapete. O jogador deveria repetir os passos
seguindo a mesma sequência. A cada rodada mais um passo era adicionado e o
jogo acabava quando o jogador errava a sequência ou não realizava o passo no
tempo certo.
91
Figura 34 - Imagem do jogo Maude's cine dance
No fliperama havia um jogo em que o Floyd usava sua mochila propulsora,
o Landing Jetpack. O jogador tinha que controlar o personagem fazendo-o subir
para pegar bolhas de Fanta que dão pontos. Ele deveria coletar garrafas do
refrigerante e desviar dos obstáculos. O jogador também deveria ter cuidado para
não fazer o personagem despencar de grandes alturas, pois isso danificaria o
jetpack e o faria perder o jogo.
Clicando sobre a roda gigante, tinha-se acesso ao jogo Yoyo Jump (fig. 35)
da Gigi. Ela precisava treinar para usar seu gadget cada vez melhor. Cabia ao
jogador fazê-la arremessar e prender o ioiô em pontos fixos do cenário,
movendo-se pelo ar. Assim, ela coletaria bolhas e garrafas de Fanta para ganhar
pontos e vidas. Se não conseguisse prender o brinquedo, Gigi caia e o jogador
perdia.
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Figura 35 - Imagem do jogo Yoyo jump, da Gigi
Havia, também, uma pista de skate na qual Andy usava seu hovermatic no
jogo hover board rider (fig. 36). O jogador deveria controlar o personagem dentro
da pista desviando de cones e coletando bolhas e garrafas sem deixá-lo cair.
93
Figura 36 - Imagem do jogo hover board rider
Na quadra de basquete fica o jogo Bubbles Basketball da Lola. O jogador
deveria levá-la para frente ou para trás, por meio de teclas, e usar o mouse para
que ela pudesse criar bolhas com seu fizz fazer, cujo objetivo é envolver as bolas
de tênis, volei ou basquete que quicam pela quadra. As bolas envoltas seguiam
para a cesta de basquete marcando pontos. O jogador não poderia deixar a
personagem ser atingida pelas bolas, deveria recolher as garrafas e bolhas de
Fanta para garantir energia para continuar no jogo.
Em Utopia, havia também duas casas: a do Floyd e a da Gigi. Clicando
sobre as casas, via-se, apenas, o quarto de cada personagem. Floyd é aficionado
por tecnologia e inventa dispositivos robóticos que fazem a alegria de toda a
turma. Seu quarto é repleto de artefatos tecnológicos, como um braço mecânico
feito por ele, uma TV enorme, computadores e outras máquinas (fig. 37). No
quarto da Gigi (fig. 38) há telas sobre as paredes que foram pintadas por ela, há,
também, um computador, seu principal meio de comunicação com a turma e um
94
aparelho de som, pois, para ela, dançar é uma grande fonte de diversão. Papeis e
alguns objetos fora de lugar deixam ambos os quartos ligeiramente
desarrumados.
Figura 37 - Quarto do Floyd
95
Figura 38 - Quarto da Gigi
No centro da tela do site estava a casa do Todd (fig. 39). Ela ficava fora da
cidade, no alto de uma colina. Ao clicar sobre ela, mais uma parte da história era
contada: Todd e Tristan arrumavam o carro antes de sair para encontrar o resto do
grupo, quando Todd nota o desânimo no amigo sempre tão cheio de energia e
diz que eles precisam correr para resolver a falta de diversão. A casa tinha
decoração sofisticada, com espaço para os jogos, garagem para o carro, mas não
tinha cômodos para outros familiares. Ali, o visitante era convidado a procurar
peças espalhadas pela casa para customizar a van antes de participar do jogo de
corrida. Com o carro preparado, o jogador entrava na Todd´s van race. Uma pista
de corrida circular sai da garagem da casa do Todd e, nela, havia outras vans
disputando o primeiro lugar.
96
Figura 39 - Casa do Todd
Perto da casa do Todd ficava a Cachoeira (fig. 40). Mais uma vez, uma
história em quadrinhos surgia contextualizando a situação. O grupo formado por
Maude, Gigi, Lola, Andy e Floyd estava seguindo para a fonte, mas seus gadgets
ficaram sem combustível, ou seja, sem Fanta. Para continuar, o jogador deveria
achar 8 garrafas de Fanta escondidas pelo cenário da cachoeira. Após vencer o
desafio, o jogador poderia experimentar Rise up, um jogo no qual deve ajudar
Floyd, em seu jetpack, a subir até o cume da cachoeira desviando de obstáculos e
coletando garrafas e bolhas.
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Figura 40 - Cachoeira de Fanta
Ao lado da cachoeira ficava a Floresta das Frutas (fig. 41). A história
contada nos quadrinhos explicava que Gigi se perdeu do resto da turma na
floresta, mas cachorrobô, uma invenção de Floyd, permaneceu ao seu lado para
ajudá-la a sair da cilada. O jogador deveria procurar os objetos dos amigos de
Gigi, porque, somente depois de encontra-los, poderia acessar a Fruit forest quest.
Aqui o jogador guiava Gigi pela floresta pegando bolhas que somavam pontos, ao
mesmo tempo em que procurava garrafas de Fanta em moitas para ativar o
desafio do localizador. Era preciso vencer cada desafio para que o localizador
indicasse ao cachorrobô o paradeiro dos gadgets perdidos. Eram 4 desafios, e
cada um liberava um dos equipamentos, mas todos deveriam ser recuperados
antes que o tempo acabasse.
98
Figura 41 - Floresta de frutas
O último ambiente era a Cidade (fig. 42), destruída e abandonada desde
que o relógio quebrou. O comic book contava que o grupo conseguiu sair da
floresta e chegar até a cidade, mas foi cercado por playless, aquelas figuras sem-
diversão. Acuados, eles não sabiam o que fazer, mas, felizmente, Todd chegou
com a van, tocando música, e a diversão devolveu a alegria normal aos habitantes
da cidade. Ali se podia jogar The town club, jogo no qual Tristan é o DJ e o
jogador deveria apertar as teclas indicadas para tocar notas musicais da canção
sendo executada. O objetivo era marcar o máximo de pontos dedilhando a nota
certa no momento indicado.
99
Figura 42 – Cidade
Os jogos aqui descritos não apresentam como desfecho a “galera Fanta”
consertando a fonte, mas observando o que é mostrado no comic book do menu
principal, isso acontece. Com o retorno da diversão à Utopia via-se, mais uma vez,
o único adulto da trama. O guardião da torre do relógio ficou entusiasmado com
o sucesso do grupo e os compara a heróis, assim “como ele foi um dia”,
segurando uma foto de si mesmo quando jovem (fig. 43).
100
Figura 43 - Cena final do comic book. O guardião da torre comemora a volta da diversão
3.4 REVISANDO A ROTA – Montando um grupo focal
Toda pesquisa começa com um planejamento. É preciso antes de tudo
estabelecer procedimentos, como contatos a fazer, prazos a cumprir, material a
coletar, entre outras variantes. Mas pesquisar é persistir, reinventar, por que essa
espécie de carta de navegação indica caminhos, mas não assegura que as coisas
sairão como planejado. Em alguns casos, como o caso desta investigação, ela
funcionou, ao contrário, como motivo de frustração. Meu plano de viagem inicial
foi traçado e apresentado à banca na qualificação no começo de 2014.
A ideia era contatar por e-mail jogadores que apareciam nos rankings dos
advergames de Fanta e convidá-los a responder questionários narrativos on line.
Até abril daquele ano, mais de 25 mil pessoas constavam na lista de pontuação,
bastava então entrar em contato com algumas delas. Busquei na rede social
Facebook e enviei mensagem privada com uma explanação sobre a pesquisa e o
101
convite para participar dela para cerca de 200 potenciais colaboradores. Obtive
apenas 3 respostas demonstrando interesse.
Na tentativa de aumentar as participações, retomei uma lista de contatos
fornecida no ano anterior pelo LabTime, centro de desenvolvimento de cursos e
materiais educativos para educação a distância da Universidade Federal de Goiás.
Envei e-mail para alunos de escolas públicas de todo o estado que participaram
em 2013 de um curso piloto de desenvolvimento de jogos junto ao centro. Foram
38 mensagens e mais 3 voluntários.
Além desses 6, mais um voluntário foi contatado. Em busca por
informações sobre o universo do jogo na internet, me deparei com um vídeo
postado no youtube em que um garoto, na época com 13 anos, jogava e
comentava os desafios de “Mais Fanta, mais diversão”. Também pelo site de
postagem de vídeos, mandei mensagem convidando-o a fazer parte da pesquisa.
Agora eram 7 pessoas dispostas a participar.
Era com esse grupo que daria sequência à aplicação dos questionários, não
fora a surpresa de uma reviravolta profissional. Logo após a qualificação, ainda na
mesma semana, recebi por telefone a notícia de que assumiria o cargo de técnica
em assuntos educacionais do Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM - na Cidade
de Goiás. A vaga havia sido disputada em concurso público quatro anos antes e
eu já a considerava perdida devido ao tempo decorrido. Mas, diante da
perspectiva de uma crise econômica que começava a se configurar no país e,
especialmente, considerando o panorama futuro de instabilidade profissional,
decidi tomar posse na vaga para qual havia sido convocada.
Em junho de 2014 assumi o emprego e passei a morar, de segunda a sexta-
feira, em Goiás velho, a antiga capital do estado, distante 150 km de Goiânia. Os
dois primeiros meses foram de adaptação: morar em hotel, transportar livros e
102
computador de uma cidade a outra, rotina de trabalho a cumprir, acesso instável e
limitado à internet. Era difícil pensar na pesquisa, mais difícil, ainda, realizá-la.
Depois de 4 ou 5 meses, já morando numa casa alugada e precariamente
mobiliada, comecei a voltar minha atenção atenção para a investigação. Além
dessas condições, não estava recebendo retorno dos contatos feitos com os
colaboradores. Era hora de rever o plano e adequá-lo à nova realidade.
A partir dos contatos institucionais feitos como educadora de museu com
professores da cidade de Goiás, tentei estabelecer parcerias para realizar
entrevistas e grupos focais presencialmente. A primeira instituição a ser convidada
foi a escola estadual Prof. Alcides Jubé. Na época, seu currículo incluía uma
disciplina chamada Projeto de Vida encabeçada pelos professores de geografia,
história e filosofia. Nela, os alunos do segundo ano do ensino médio trabalhavam
temas não curriculares, como gênero, mercado de trabalho, corpo etc. A ideia era
que os alunos acessassem o universo Fanta e depois participassem de uma
reflexão sobre a construção da noção/conceito de juventude. Mas a proposta
esbarrou tanto na agenda da escola (era preciso cumprir o calendário semestral)
quanto na impossibilidade de que os alunos acessassem o jogo pela internet. A
escola dispunha de poucos computadores e a conexão na cidade é ineficiente,
dificultando qualquer atividade on line. Encerrou-se então o ano de 2014, e o Jubé
– como é chamado intimamente por alunos e professores - foi descartado como
possibilidade. Mais uma vez, era preciso reconsiderar e reavaliar a situação da
pesquisa.
Conversando com colegas da cidade sobre os problemas enfrentados,
alguns sugeriram que eu procurasse a escola militar do município. Com uma
infraestrutura bem melhor que a maioria das escolas locais, o Colégio Militar João
Augusto Perillo conta com sala de informática e conexão à rede. A negociação
com a coordenação foi trabalhar com a turma do nono ano do ensino
103
fundamental na disciplina de artes e o acesso ao jogo seria feito pelos
participantes da pesquisa em casa. Questões outras emperraram a realização da
proposta: encontros semanais de apenas 50 minutos, o conteúdo do currículo da
disciplina artes a ser concluído pela professora, a demora dos pais ou
responsáveis a autorizar a participação dos alunos... O primeiro semestre de 2015
chegou ao fim, mas não foi possível realizar a produção de dados. Antes de
retornar no semestre seguinte para realizar o trabalho de campo no Colégio
Militar, descobri que o jogo “Mais Fanta, mais diversão” havia sido suspenso no
Brasil. Somente em alguns países da América Latina ainda estava disponível online
e era possível jogar. Surpresa e insegura diante dessa dificuldade, me perguntava:
Como agir a partir de agora? Haveria alguma alternativa ao meu alcance? Faria
sentido levar a versão do jogo em espanhol para a sala de aula?
Cogitei procurar colaboradores nas escolas de línguas na cidade de Goiás,
já que os alunos do colégio militar não estudam espanhol. Entretanto, os cursos
da cidade não oferecem o idioma. Mesmo sabendo da dificuldade de conciliar a
pesquisa em uma cidade com o trabalho de pesquisa em outra, insisti nesse
caminho e contatei também escolas em Goiânia nas quais os alunos tem aulas de
espanhol. Por meio de um professor de espanhol do Colégio Santo Agostinho,
apresentei à coordenação o projeto de pesquisa com a justificativa sobre a
participação específica de seus discentes. Embora receptivo, o colégio tinha o
calendário escolar fechado e as conversas com os professores ou com a
coordenação eram corridas, difíceis, devido a seus compromissos profissionais.
No final de 2015, as versões de “Mais Fanta, mais diversão” para países
latinos também não estavam mais disponíveis. Era necessário repensar não
somente o grupo, mas a maneira de acessar o tema, visto que eu já que não podia
contar com a interação dos jovens com o jogo. Junto às impossibilidades de
seguir com a pesquisa, enfrentava um momento delicado no trabalho. A vida
104
pessoal acabou sendo também abalada e desenvolvi um quadro de depressão.
Diante de tal situação, no início de 2016 protocolei junto ao IBRAM um processo
solicitando minha transferência para Goiânia. Além do estresse emocional, a
possibilidade de esse processo equivalia a instabilidade quanto à permanência em
entre Goiânia e a cidade de Goiás.
Assim que possível comecei mais uma busca por colaboradores. Fazendo
alguns ajustes à proposta inicial da pesquisas projetei a realização de grupos
focais nos quais jovens debatessem sobre o universo de Fanta na mídia (TV e
internet) e do jogo. Visitei o Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação,
também conhecida como Escola de Aplicação da Universidade Federal de Goiás,
em Goiânia. Em paralelo, mantive contato com a Escola Municipal Bernardo Élis,
também na capital, na qual fui apresentada por intermédio de uma colega do
Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual. Enquanto negociava com a
direção da Escola de Aplicação da UFG, a recepção na Escola Bernardo Élis foi
calorosa gerando expectativas positivas.
Em 08 de junho visitei, pela primeira vez, a Escola Bernardo Élis para
conversar pessoalmente com um dos coordenadores, o professor Diego Alves.
Falei sobre a investigação, explicitei detalhes sobre os procedimentos da pesquisa,
conheci as instalações e alguns professores. A escola fica no bairro São Carlos,
periferia de Goiânia, oferece o ensino fundamental e curso supletivo para jovens e
adultos. Em termos de estrutura, dispõe de 12 salas de aula, uma sala de
informática, uma sala com recursos multifuncionais (TV, vídeo etc.), um pátio
coberto e uma cozinha que fornece alimentação para os estudantes. O
coordenador me falou da dificuldade de montar o grupo com idade média entre
12 e 15 anos, pois seria necessário reunir alunos de turmas diferentes com carga
horária a cumprir em sala de aula. Mas, em contrapartida, ele apresentou o
projeto “Mais Educação”, que oferece atividades extracurriculares para que os
105
alunos permaneçam na escola no contra turno. Depois das aulas, no período entre
13h às 16h30, o professor Diego organiza exibição de filmes, projetos no
laboratório de informática, sessões de jogos, oficinas de leitura, desenho e várias
outras atividades. Segundo ele, a função principal do projeto “Mais Educação” é
manter crianças e jovens fora da rua, considerando que muitos deles ficam
sozinhos em casa enquanto os pais trabalham.
Pensando no projeto “Mais Educação”, troquei e-mails com o professor
Diego detalhando as atividades – planejamento dos encontros segue em anexo -
a serem desenvolvidas no trabalho de campo a ser realizado com os alunos da
Escola Bernardo Élis. Interessado em oferecer atividades diferentes ao grupo, ele,
por sua vez, conversou com alunos sobre o interesse em participar da pesquisa e,
assim, conseguimos formar um grupo com cerca de 15 alunos.
Como o projeto “Mais Educação” dava liberdade para abordar temas
diversificados e sem a exigência de afinidade com os conteúdos das disciplinas
curriculares, planejei a realização de um grupo focal levando em consideração o
interesse dos alunos participantes e no qual refletissem sobre a construção do
conceito de juventude a partir das propagandas e jogos de Fanta. Estava ávida
para concluir essa etapa do trabalho de campo e, desse modo, combinamos
encontros consecutivos nas tardes dos dias 20 a 24 de junho de 2016. Devido a
vários imprevistos, passíveis de acontecer em pesquisa de campo, foram
necessários mais duas sessões. Descrevo a seguir cada encontro.
20 de junho de 2016 – segunda feira
Cheguei à escola por volta das 13h10. Perdi alguns minutos tentando
encontrar o caminho até a escola e o pequeno atraso foi suficiente para criar
bastante ansiedade entre os alunos. O professor Diego me apresentou como a
106
pessoa que estava estudando jogos e me deixou sozinha com 14 alunos32: Keven
Pereira, Jonathan Ramon, Marcos Vinícius, Ricardo Rodrigues, Carlos Daniel,
Janderson Michel, Paulo Henrique, Carlos Henrique, Kauane Riberio, Otávio
Soares, Marcela Namillys, Adrielly Cristine, Alana Rodrigues e Djully Oliveira.
Ao invés de apresentar cada um dos colaboradores destacando
características que os diferenciem em entre si, preferi focar nas características que
os une, pois as singularidades vão aparecendo aos poucos nas falas e até mesmo
nos silêncios de cada um deles. A faixa etária dos estudantes variava entre 10 e 16
anos, todos moravam nas cercanias da escola, em bairros periféricos, com a
família nuclear normalmente formada por mãe, pai (em alguns casos padrasto) e
irmãos.
Os colaboradores estavam organizados em grupos de quatro em cada
mesa, mas logo transformei o arranjo em um círculo de modo que todos podiam
se ver. Apresentei-me novamente, explicando que era uma aluna de doutorado.
Detalhei da melhor maneira possível o que é um curso de mestrado e de
doutorado explicitando como cheguei até a Escola Bernardo Élis e minha
expectativa de contar com a participação deles na pesquisa que estava realizando.
Vários alunos me olhavam com curiosidade, atentos ao meu sotaque, observando
meus movimentos e acompanhando cada coisa que dizia. Na expectativa de
quebrar o gelo, deixa-los mais à vontade e criar um ambiente mais informal,
propus uma dinâmica de aproximação: sorteei pares para que eles conversassem
e se conhecessem melhor. Após algum tempo, expliquei que inverteríamos esse
processo de aproximação e conhecimento e cada um ia apresentar o colega.
Tentando criar com os alunos uma relação mais lúdica e convidativa, propus que
sentássemos no chão para a próxima etapa da atividade. Esse convite
32 No formulário de consentimento de participação, os colaboradores escolheram como queriam
ser apresentados no trabalho e todos preferiram ser tratados pelos próprios nomes.
107
surpreendeu alguns alunos que, em seguida, comentaram que de início me
acharam “metida”, mas, agora, se davam conta que eu era uma pessoa “simples,
sem frescura”.
Saquei uma caixa de fósforos e expliquei que cada aluno teria o tempo do
palito aceso para apresentar o colega. Alguns tiveram tempo apenas para dizer o
nome do colega, mas outros ofereceram, além do nome, informações sobre a
família, algumas preferências e assim por diante. A proposta de apresentação os
deixou mais a vontade para falar dos colegas e, também, conversar comigo. Após
a rodada de apresentações, me dispus a responder as questões e curiosidades
tivessem sobre mim. Foi importante observar que entre as preocupações e
interesses dos alunos estava saber a minha origem, por que mudei para Goiânia,
se era casada e se tinha filhos. Essa etapa foi encerrada com o anúncio da
merendeira de que o lanche estava servido.
A aproximação inicial tinha sido realizada e eu percebia que os alunos
continuavam curiosos, porém, agora em relação a pesquisa e às atividades que
iríamos realizar. Narrei, brevemente, as minhas tentativas frustradas de dar
continuidade a investigação e fazer o trabalho de campo - grupo focal - em
outras instituições. Falei, também, da indisponibilidade do jogo on line e como
estava planejando as atividades que seriam realizadas nos encontros. Expliquei
que as nossas conversas seriam gravadas e posteriormente transcritas. Ressaltei o
fato de que os participantes da pesquisa não deveriam se preocupar com
respostas certas, pois o meu interesse era conhecer a posição, a opinião deles
sobre as questões que serias discutidas. Fiz, ainda, a ressalva de que a participação
deles era totalmente voluntária, podiam participar ou não de alguma etapa,
podiam desistir ou continuar, conforme quisessem. Entreguei aos participantes
duas vias do Termo de Consentimento de Livre Participação (em anexo) assinadas
por mim e para ser assinada também pelos pais ou responsáveis, visto que todos
108
eram menores. Lemos o termo juntos, parte a parte, tirando dúvidas e explicando
algumas questões sobre o correto preenchimento. Por fim, distribui folhas de
cartolina, revistas e cola pela sala e pedi que criassem cartazes para se
apresentarem no dia seguinte. A ideia era que retirassem das revistas imagens
com as quais se relacionassem, fossem elas imagens de produtos, de
personalidades ou personagens.
Para evitar problemas, decidi não fazer registro gravado do primeiro
encontro porque ainda não tinha a autorização de participação com assinatura
dos pais ou responsáveis. Por volta das 15h50 encerramos o primeiro encontro e
nos despedimos com boas expectativas para o encontro seguinte. No período de
tempo que restava até 16h30, os alunos iriam assistir o filme Jumanji33.
21 de junho de 2016 – terça feira
No dia seguinte a ansiedade dos estudantes parecia ainda maior. Pelas
conversas que corriam na sala, tal ansiedade não estava era propriamente
relacionada à pesquisa e ao trabalho de campo do qual eles participariam, mas a
uma tentativa de discordar ou rejeitar proposta feita pelo professor Diego,
coordenador do projeto “Mais Educação”. Os primeiros minutos foram de
agitação total. Ao mesmo tempo em que os alunos entregavam as autorizações
de participação assinadas pelos pais, corriam, trocavam insultos e socos,
conversavam em voz alta revelando uma espécie de excitação. Pedi que se
sentassem e, aos poucos, os ruídos e a algazarra foram diminuindo embora eles
ainda continuassem visivelmente irrequietos. Propus, então, alguns momentos de
relaxamento e meditação. Coloquei uma música calma no computador, pedi que
baixassem a cabeça e respirassem fundo. Entre murmúrios e suspiros, lembrei que
ninguém era obrigado a participar da investigação. Cinco minutos depois voltei a
33 Filme de 1995 baseado no livro infantil de Chris Van Allsburg, lançado em 1982. Dirigido por Joe
Johnston e protagonizado por Robin Wlliams.
109
recolher as autorizações e entreguei novos formulários para aqueles que havia
perdido. Cada aluno apresentou o cartaz que preparou no dia anterior e falou um
pouco mais sobre si. As figuras a seguir exemplificam as colagens as colagens que
foram feitas.
A primeira colagem (fig. 44), feita por Carlos Henrique, enfatiza seu prazer
de cozinhar, sua simpatia por aves como a coruja e seu interesse representado por
um aparelho de celular, um relógio e um óculos. A segunda (fig. 45), do aluno
Janderson Michel, foi composta por personagens da mídia porque, segundo ele
mesmo, gosta muito de desenhos, quadrinhos, filmes e vídeo games. No último
dos cartazes (fig. 46), Alana Rodrigues ressaltou que fez questão de colar artefatos
considerados importantes para a mulher, incluindo vários acessórios e a imagem
de um homem.
110
Figura 44 - Cartaz de apresentação de Carlos Henrique
111
Figura 45 - Cartaz de apresentação de Janderson
Figura 46 - Cartaz de apresentação de Alana
112
Num segundo momento, expliquei que iríamos assistir algumas
propagandas de Fanta e conversar sobre algumas questões e aspectos dos vídeos.
Repeti, três vezes, a exibição do filme de 30 segundos “Manifesto à diversão” e dei
início a um debate convidando-os a se posicionar em relação perguntas como
consta na transcrição das anotações daquele dia (em anexo). Antes de começar a
gravar as atividades, pedi cooperação para mantermos silêncio. Permanecia o
mesmo grupo, exceto pela ausência de Paulo Henrique, que saiu devido à outro
compromisso na escola. Às 14h30 tivemos um intervalo de 10 minutos para o
lanche. Por volta das 14h40 retomamos a gravação das atividades. Assistimos os
vídeos “Mímica” e “Mister músculos” para dar continuidade à conversa, que
encerrou-se às 15h30, quando a turma passou para o laboratório de informática
(fig. 47). Ali, solicitei aos alunos que escrevessem por que ou como cada um se via
como jovem, o que consideravam pontos positivos e também negativos em
relação a ser jovem. Os alunos responderam rapidamente e em seguida passaram
a jogar Pipa Combate. Às 16h devolvi a turma à coordenação. Eles dariam
sequência à exibição do filme Jumanji que tinham começado a assistir no dia
anterior.
113
Figura 47 - Alunos no laboratório de informática da escola
22 de junho de 2016 – quarta feira
O terceiro dia foi, talvez, o mais conturbado. A presença do coordenador
em sala de aula deixou os alunos quietos, mas, também, pouco participativos,
intimidados, como se temessem alguma coisa. Comecei o encontro pedindo que
me explicassem, falassem sobre o game que estavam jogando no laboratório de
informática depois de escreverem como se sentiam como jovens, pontos positivos
e negativos, como eu havia solicitado. Gravei as várias posições/opiniões dos
alunos e o debate que aconteceu, mas, além do grupo estar muito calado, uma
equipe de manutenção da escola que consertava lâmpadas entrou na sala. Essa
interferência inesperada deixou os alunos ainda mais dispersos. Encerrei a
gravação com o chamado para o lanche.
114
Na volta pedi a eles que desenhassem numa folha A3 a cidade que
consideravam ideal para viver e também a casa que gostariam de ter, com
atenção especial ao quarto de cada um (fig. 48). Como exemplo, levei algumas
ilustrações de cidades e quartos retirados da internet. Por voltas das 15h50 a
maioria tinha terminado os desenhos e íamos conversar sobre os desenhos, mas
devido ao adiantado da hora preferi dar continuidade a atividade no dia seguinte
visto que os alunos estavam dessa vez muito agitados. Eles concordaram, pois
estavam ansiosos queriam concluir a exibição do filme Jumanji.
Figura 48 - Alunos participam da atividade de desenho
Vale a pena anotar, ainda, algumas observações desse dia. Num
determinado momento 8 participantes formaram 2 grupos trocando ofensas
racistas. Um garoto que sofre bullying dos colegas por seus trejeitos “afeminados”
imitava o coordenador, que é homossexual. Outro garoto discutiu com uma
115
colega sobre tatuagens, afirmando que esse tipo de registro no corpo podem
ofender as leis de deus.
23 de junho de 2016 – quinta feira
Iniciamos o encontro na quinta-feira com os alunos apresentando os
desenhos de suas cidades, casas e quartos. Como estavam inquietos, eles mesmos
sugeriram um momento de meditação. Ramom, Djully e Alana preferiram não
participar. Depois de cerca de uma hora de apresentação, descrições e detalhes
sobre suas produções, mostrei os cenários que compõem o jogo para
conversarmos sobre semelhanças e diferenças entre a cidade e as casas de “Mais
Fanta, mais diversão” e aquelas que eles haviam desenhado. Entre as ausências
citadas ficou muito claro a importância da igreja para a maior parte do grupo,
algo que me surpreendeu. Devido a várias interferências e imprevistos, não foi
possível concluir o trabalho nesse encontro e, por esta razão chegamos a um
acordo no sentido de realizar mais um encontro na segunda-feira já que na sexta
seria a festa junina na escola. Pedi ao grupo que tentasse explorar um pouco mais
sobre o universo do jogo durante o fim de semana.
27 de junho de 2016 – segunda feira
Com a proximidade das férias – a escola encerraria as atividades no dia 29
de junho – apenas cinco alunos apareceram na segunda: Carlos Daniel, Ricardo,
Kauane, Adrielly e Alana. Alguns haviam, de fato, procurado referências sobre os
personagens na internet. Nosso bate papo foi sobre os personagens e a
identificação dos alunos com eles. Com um número reduzido de participantes a
conversa foi mais tranquila e encerramos por voltas das 14h com a merenda
escolar. Os acompanhei no pátio e percebi que alguns participantes dispensaram
a merenda à espera do lanche com Fanta que encerraria nosso trabalho, conforme
havíamos combinado. No intervalo alunos que não participaram me procuraram
116
para falar da frustração de ter ficado de fora. Outros falavam que achavam que
iam jogar videogame e não só conversar sobre. Voltamos à sala às 14h30. Servi
biscoitos e refrigerante, fanta, para o grupo inicial e alguns outros participantes
do projeto “Mais Educação” que estavam presentes.
As impressões, percepções e opiniões dos alunos serão apresentadas e
discutidas no quinto capítulo, momento em que analiso o universo de “Mais
Fanta, mais diversão”.
117
CAPÍTULO 4 – DE/COM QUEM ESTAMOS
FALANDO? Sobre a noção de juventude
4.1 Espírito jovem - A ideia de juventude como uma condição
Em 2015, a soma de homens e mulheres com menos de 24 anos em todo o
mundo chegou a 42,4%. Enquanto isso, pessoas com idades entre 25 e 54 anos
somaram 40,7% e as com mais de 55 anos, 16,8% (INDEXMUNDI). Os dados
mostram que a quantidade de crianças e jovens ultrapassam o número de adultos
e de pessoas da terceira idade, se considerados separadamente. Para além dessa
impressionante expressividade numérica – mais de 3 bilhões de pessoas – a
parcela jovem da população mundial tem se destacado em termos de
importância. A geração que ainda não havia nascido quando o muro que
separava as duas Alemanhas caiu, em 1989, é filha de um momento histórico
efervescente em mudanças sociais, sobretudo motivadas por avanços
tecnológicos. Talvez apenas a industrialização - e a modernidade consequente
dela - tenham operado alterações sociais mais profundas, como veremos ao longo
118
deste capítulo, condição permitiu chegarmos a configuração do mundo em que
vivemos.
Na última metade do século XX, as pesquisas na área de informática
estavam ganhando força. O videogame, por exemplo, tem a primeira de suas
versões ainda nos anos 50 e o que conhecemos como internet era, até o fim dos
anos 60, apenas uma rede de computadores montada pelo Departamento de
Defesa dos Estados Unidos para otimizar pesquisas em tecnologia militar, àquela
época conhecida como Arpanet (CASTELLS, 2003). Menos de um século depois, os
games gozam de status cultural, como vimos no capítulo 1, e o universo virtual
reconfigurou as relações sociais, popularizou a criação, divulgação e
armazenagem de informações, nos tornou virtualmente onipresentes e cada vez
mais fascinados pelas imagens (SIBILIA, 2012).
Outros acontecimentos marcantes - notadamente perceptíveis na cultura
norte americana - como o fim da segunda grande guerra ou o declínio do
movimento hippie, também tiveram seus herdeiros, no caso, os baby boomers e
os yuppies, respectivamente. Entretanto, nenhuma geração anterior se diferenciou
tanto de sua antecessora como a juventude atual, cuja definição ainda é instável e
os rótulos múltiplos. É possível notar que a entrada no mercado de trabalho e a
autonomia financeira e marcavam o início da vida adulta de várias das gerações
anteriores. No entanto, na contemporaneidade, as pessoas tem demorado cada
vez mais a se assumirem como adultas e cultuado um estilo de vida juvenil, em
grande proporção definido pelo consumo.
Esse cenário é reiterado pela centralidade dada pela indústria cultural a
uma fatia de mercado associada ao lazer (música, cinema, TV etc.) e pelo
alargamento do tempo de formação escolar que dificulta a independência
econômica: “existe, portanto, a tendência para a manutenção de uma identidade
119
juvenil durante um período mais longo, reflexo de condições sociais que
favorecem essa juvenilidade” (CAMPOS, 2002, p. 110). O que se vê em todas as
faixas etárias é uma busca incessante por liberdade, atitude e prazer, levando
pesquisadores como a psicanalista Maria Rita Kehl (2004, p. 89 e 90) a afirmar:
“Difícil precisar o que é juventude. Quem não se considera jovem hoje em dia? O
conceito de juventude é um estado de espírito, é um jeito de corpo, é um sinal
saúde e disposição, é um perfil de consumidor, uma fatia de mercado onde todos
querem se incluir”.
Adolescência e juventude são ideias, construções conceituais. A primeira é
muito usada para se referir à puberdade, período de maturação sexual dos
indivíduos e, no discurso médico, corresponde à fase entre a infância e a vida
adulta. A outra, por seu turno, atualmente remete a um sentimento, uma atitude.
Mas os conceitos são cambiáveis se fizermos um apanhado sócio-temporal:
Para que exista juventude, devem existir, de um lado, uma série de
condições sociais (normas, comportamentos e instituições que
diferenciem os jovens de outros grupos etários) e, de outro, uma série de
imagens culturais (valores, atributos e ritos associados especificamente
aos jovens). Ambas dependem da estrutura social em conjunto, quer
dizer, as formas de subsistência, as instituições políticas e as cosmovisões
ideológicas que predominam em cada sociedade (FEIXA, 2004, p. 18 |
tradução minha)34.
Entre as novidades surgidas no fim do século passado, está, portanto, a
juventude apartada da noção de idade e lançada a uma condição quase
específica. Para entender melhor a criação e o desenvolvimento dessa categoria é
34 Do original: Para que exista la juventude, deben existir, por uma parte, uma serie de condiciones sociales
(es decir, normas, comportamentos e insituiciones que distingan a los jóvenes de otros grupos de edad) y,
por outra parte, uma serie de imágenes culturales (es decir, valores, atributos y ritos associados
especificamente a los jóvenes). Tanto unas como otras dependen de la estrutura social em su conjunto, es
decir, de las formas de subsistencia, las instituiciones políticas y las cosmovisiones ideológicas que
predominan em cada tipo de sociedade.
120
preciso voltar a um tempo em que ainda não existia o conceito de infância, tal
como conhecemos hoje, o que faremos a seguir.
4.2 Gerando crianças - A invenção do conceito de infância
A tese de que a infância não é natural, mas cultural, foi tratada pela
primeira vez pelo historiador francês Philippe Ariès (2011) em seu livro História
Social da Criança e da Família. Ariès analisa quadros, diários e trajes, entre outras
evidências, para defender que a criança foi ganhando importância junto à família
e à sociedade apenas depois da Idade Média. As publicações dos séculos XV ou
XVI já mencionavam as diferentes fases da vida humana, entretanto, as “idades da
vida” designavam terminologias eruditas, restritas aos intelectuais e estudiosos da
época. Embora alguns dos termos tenham resistido até hoje, eles não guardam o
significado de então:
As ‘idades’, ‘idades da vida’ ou ‘idades do homem’ correspondiam no
espírito de nossos ancestrais a noções positivas, tão conhecidas, tão
repetidas e tão usuais, que passaram do domínio da ciência ao da
experiência comum. Hoje em dia não temos mais ideia da importância
da noção de idade nas antigas representações do mundo. A idade do
homem era uma categoria científica da mesma ordem que o peso ou a
velocidade o são para nossos contemporâneos (ARIÈS, 2011, p. 4).
A palavra criança, por exemplo, é citada em uma publicação do século XVI
para designar uma pessoa aos 24 anos, já em outra, do século XVII, fala-se de um
jeune enfant (uma jovem criança) de 14 anos. “A ideia de infância estava ligada à
ideia de dependência. (...) Só se saía da infância ao se sair da dependência” (ARIÈS,
2011, p. 11). A associação estabelecida entre infância e dependência se reitera
pela linguagem quando eram também chamados de fils, valets e garçons aqueles
que mantinham relações feudais de dependência ou os serviçais (idem).
121
O sentido precioso de infância como se entende hoje não tinha significado
até a Idade Média devido às condições demográficas que acarretavam grande
mortalidade infantil. Era extremamente comum que bebês não chegassem aos 7
anos e sua morte era quase banal. Tanto é que Ariès (2011) se surpreende com a
precocidade do valor atribuído às crianças enquanto as condições sociais agiam
contra sua sobrevivência. Para o autor, a cristianização é responsável pela
mudança de costumes, pois se acreditava que a alma entrava no corpo com o
batismo, assim o sacramento conferia relevância divina aos pequenos, logo,
importância social.
Enquanto dependentes, as crianças possuíam também pouca diferenciação
de gênero quanto às vestimentas, até por que se acreditava que fossem alheias à
sexualidade. Se até o século XIII só existiam trajes de adultos em diferentes
tamanhos, a partir do século XVII surgem as roupas específicas de criança. Assim
que deixavam os cueiros, meninos e meninas eram metidos em saias, vestidos e
aventais:
Tornou-se impossível distinguir um menino de uma menina antes dos
quatro ou cinco anos, e esse hábito se fixou de maneira definitiva
durante cerca de dois séculos. Por volta de 1770, os meninos deixaram
de usar o vestido com gola aos quatro-cinco anos. Antes dessa idade,
porém, eles eram vestidos como meninas, e isso continuaria até o fim do
século XIX: o hábito de efeminar os meninos só desapareceria após a
Primeira Guerra Mundial, e seu abandono deve ser relacionado com o
abandono do espartilho das mulheres: uma revolução do traje que
traduz a mudança dos costumes. (...) A informação fornecida pelo traje
confirma os outros testemunhos da história dos costumes: os meninos
foram as primeiras crianças especializadas.
Em paralelo aos trajes infantis, surge também, em meados do século XV, o
zelo pela inocência infantil. Jean Charlier de Gerson, religioso e intelectual que
viveu entre os séculos XIV e XV, deu início a uma reforma moral que condenava as
brincadeiras corporais (que poderiam tornar-se sexuais) e a masturbação infantil,
censurava situações de contato entre crianças e adultos tais como dividir camas,
122
hábito corriqueiro e nunca questionado até o momento (in ARIÈS, 2011, p. 80 e
81). O pudor e a decência passaram a regular a lida com a criança de modo que
no século XVII livros eram editados para adequar-se às crianças, divertimentos
categorizados em bons e maus, criadagem e educadores deveriam vigiar as
crianças seguindo rígidos limites e com o mínimo de contato físico.
Sibilia (2012, p. 32) afirma que tanto a infância quanto a escola são produto
da modernidade: “para que houvesse escola, tinha que haver crianças; por isso
diante da necessidade histórica de realizar o projeto modernizador anunciado
pelas revoluções científicas, industriais e democráticas, foi preciso ‘inventar’ as
duas”. Para Ariès (2011), a vida escolástica também foi significativa para se
entender a invenção da infância. Na Idade Média, os colégios e escolas não eram
espaços de aprendizagem, mas lugares de formação de clérigos em que se
misturavam meninos de várias idades – as meninas eram excluídas. Para as
mulheres, a infância era normalmente mais curta, pois tinha fim com o casamento,
que podia acontecer logo aos 13 ou 14 anos.
Por volta do século XV os colégios viraram instituições educativas e a partir
daí veio a necessidade de dividir os alunos adequando o nível do mestre ao do
grupo. Aos 10 anos um garoto era considerado apto a entrar na escola do século
XVII. Antes disso seria considerado incapaz de acompanhar o conteúdo
ministrado. Desse modo, a primeira infância, aquela em que a criança é
totalmente dependente, “frágil e tola”, se prolongou até os 10 anos. Nos colégios,
mantinham-se grupos separados por idades: 10 a 14, 15 a 18 ou 19 a 25 anos.
Essas idades se encaixavam numa segunda infância que era substituída, com o fim
da formação, pela vida adulta. Nem todos tinham acesso ou interesse pela vida
escolástica, assim o período da infância era estendido até o momento em que a
criança tornava-se adulta desempenhando um serviço laboral ou militar (ARIÈS,
2011).
123
Até o século XVIII, portanto, a infância acabava com independência
econômica, no caso dos homens, ou com casamento, no caso das mulheres. Esse
cenário mudou, de acordo com Kehl (2004, p. 91), porque o “conceito de
adolescência, que se estende em certos países até o final da juventude (hoje em
dia não hesitamos em chamar adolescente a um moço de 20 anos), tem uma
origem e uma história que coincidem com a modernidade e a industrialização”. A
partir daí a juventude continuou a ser tida como o intervalo entre a infância e a
vida adulta, entretanto, não como fase de maturação física e emocional, mas
segundo um “modelo conformista de juventude, o ideal de adolescência como
período livre de responsabilidades, politicamente passivo e dócil” (FEIXA, 2004, p.
41). Feixa (2004) assegura, contudo, que cada tipo de organização social é dotado
de condições e imaginário que caracterizam sua compreensão de juventude. Esse
autor apresenta entendimentos sobre os jovens de acordo com as cosmovisões de
cada tipo de sociedade, como veremos a seguir.
4.3 As crianças viram jovens - Um conceito inicial de juventude
Embora os estudos sobre idades e fases da vida tenham sido bastante
explorados durante a Idade Média, os discursos eram predominantemente
médicos e pautados em experimentos pseudocientíficos, como relatam Feixa
(2004) e Ariés (2011). Ambos citam o Grand propriétaire de toutes les choses,
“espécie de enciclopédia dos saberes sagrado e profano” (FEIXA, 2004, p.31),
publicada na França do século XVI, como a principal fonte de informações sobre o
tema. O livro distingue as sete idades do homem, mas os limites entre elas são
relativos, pois a classificação considerava menos o tempo de vida do que as
capacidades dos indivíduos (ARIÈS, 2011).
124
Conforme já pontuou Kehl (2004), a juventude tal como compreendemos
hoje é produto da industrialização e da modernidade. Para Campos (2007), essa
juventude é uma categoria ocidental, inventada política, midiática e
academicamente no século XX despertando o interesse das ciências sociais pelo
viés da psicologia, da sociologia e da antropologia. A primeira, se preocupando
com os aspectos e enfrentamentos individuais, enquanto as demais tratando da
observação da vida social dos jovens. As investigações especificamente voltadas a
esse grupo etário ganham força a partir da segunda guerra, quando ser jovem
“entra na moda”. Feixa (2004) mostra, contudo, que, antes disso ou em outros
arranjos sociais diferentes daquele no qual estamos inseridos, o período que
precede a vida adulta já recebia atenção especial.
Em seu levantamento, Feixa (2004) apresenta estudos antropológicos de
culturas primitivas – termo que usa para referir-se a culturas sem Estado - em que
a adolescência está ligada a um segundo nascimento, uma vez que morre a
criança para nascer o adulto. Os púberes, como são designados, normalmente
são do sexo masculino e passam por ritos que marcam sua maturidade sexual e
comprovam sua competência como provedores para as futuras famílias. Embora
os rituais sejam impostos a uma faixa etária juvenil, de acordo com a visão
ocidental, nota-se que não existe uma transição clara ou imagens culturais que
diferenciem esse grupo de idade dos demais. Se não há uma ideia de jovem,
estabelecer cerimônias que marquem o fim da infância, por outro lado, funciona
para definir os papeis dos indivíduos e organizar essas sociedades:
Os sistemas de idade servem para legitimar um acesso desigual aos
recursos, às tarefas produtivas, ao mercado matrimonial e aos cargos
políticos. Poderíamos interpretá-los como categorias em trânsito
bastante formalizadas, equivalentes estruturalmente a nossa juventude,
ritualizadas mediante cerimônias de iniciação, cuja função é legitimar a
hierarquização social entre as idades impedindo o conflito aberto (pois
os jovens acabam tornando-se adultos) e assegurando a sujeição dos
mais novos às pautas sociais estabelecidas (idem, p. 25 e 26).
125
Nas sociedades em que o Estado é proeminente, como entre os antigos
gregos e romanos, a hierarquização social, a divisão de trabalho e a urbanização
possibilitaram o surgimento de um grupo etário especializado. Com alguma folga
econômica, parte da população masculina pode dedicar-se a tarefas não
produtivas e formação militar. Assim surgiu a efebia, na Atenas do século V a.C. A
instituição que em princípio dedicava-se a formar militares, logo passou a
enfatizar os aspectos educativos. Para frequentá-la era preciso dispor de tempo
livre para a formação acadêmica e o cumprimento das obrigações militares (idem,
p. 27). A imagem dos jovens efebos passou a ser vinculada ao amor erótico, a
ânsia de saber e o desejo de reforma e beleza.
Na Idade Média, como posto no tópico anterior, cria-se antes do moço, a
criança. Ariés (2011) relata que quando tornavam-se minimamente autônomos,
entre os 7 ou 9 anos, meninos e meninas deixavam suas famílias para viver com
outras a fim de serem formados em um ofício e também para aprenderem sobre
relações sociais, comportamento e demais aspectos da vida na prática. Poucas
pessoas frequentavam escolas e o ensino escolar não era restrito aos mais novos,
mas recebia e misturava gente de todas as idades. Tão logo conseguisse um ofício
e se tornasse financeiramente independente – ou casasse, no caso das garotas -, o
indivíduo chegava à vida adulta.
Durante o processo de industrialização da Europa, com o capitalismo
suplantando o feudalismo, quatro instituições sofreram significativas mudanças
que acabaram por incidir também sobre o jovem como produto desse tempo
(FEIXA, 2004). Família, escola, exército e trabalho foram reconfigurados. A família
começou a cultivar um sentimento cada vez maior de responsabilidade e respeito
pelos filhos que se tornaram dependentes moral e financeiramente por mais
tempo (ARIÈS, 2011). Junto a isso, a escola se especializou como lugar de
educação. Assim a escola se converteu em instrumento de iniciação social e
126
ganhou a responsabilidade de afastar momentaneamente os jovens do mundo
adulto ao mesmo tempo em que os preparava para ele (FEIXA, 2004).
Ainda por ocasião da modernidade, o exército garantiu seu papel na
conformação juvenil a partir da obrigatoriedade do serviço militar – instituída com
a Revolução Francesa. Longe de suas famílias, os rapazes conviviam com outros da
mesma idade e origens diversas, desse modo desenvolveu-se gradativamente a
consciência de geração. Além disso, servir às forças armadas equivalia a um rito, já
que depois desse compromisso se poderia pensar em constituir família (idem).
Por fim, a industrialização remodelou o mundo laboral. A princípio o
trabalho infantil foi bastante explorado. Os avanços técnicos – e a sua
regulamentação paulatina –, entretanto, diminuíram a necessidade de mão de
obra dispensando especialmente crianças e requisitaram mais preparação técnica.
Dessa forma, os jovens foram excluídos do mercado e voltaram para as salas de
aula. Com a necessidade de mais tempo de formação sob a tutela dos pais, dá-se
o “descobrimento” dos adolescentes na primeira metade do século XX. É por essa
época também que o conceito se democratiza abarcando pela primeira vez
mulheres e se estendendo para classes operárias e zonas rurais (idem). Para
Grossman (2010, p. 48), no século XIX, “a figura do adolescente foi balizada com
nitidez. A adolescência masculina foi definida como o período entre a primeira
comunhão e o bacharelado ou serviço militar, e a feminina entre a primeira
comunhão e o casamento”.
Campos (2007) acrescenta a tais mudanças a importância crescente dada
ao tempo e ao espaço destinados às atividades não produtivas que Dumazedier
(1988 in CAMPOS, 2007) apelidou de revolução dos tempos livres. O tempo que
essa geração não dedicava ao trabalho era usado para promover e compartilhar
outras experiências – estudos, música, esporte, lazer, por exemplo – o que acabou
127
sendo importante como “recurso para a definição das identidades sociais e
construção de estilos de vida, convertendo-se num campo de investimento
afetivo, econômico ou simbólico” (idem, p. 109).
A marcha adolescente é barrada, contudo, pela eclosão das grandes
guerras. Os homens na linha de frente e as mulheres na retaguarda sofreram
perdas e traumas que acabaram por comprometer hábitos juvenis de todas as
classes sociais. Foi como se a juventude tivesse sido roubada. Por outro lado,
participar desses feitos significou uma experiência de liberdade e maturidade em
relação ao compromisso social que cumpriram. Seu protagonismo lhes garantiu o
direito de serem tratados como adultos.
Se as guerras interromperam a jornada rumo à conquista da juventude,
depois delas o caminho estava aberto. Começando pelos Estados Unidos e se
espalhando pelo globo. Para Feixa (2004), cinco reconfigurações pós-guerra
permitiram que na metade final do século XX a juvenilidade ganhasse destaque na
sociedade. O crescimento econômico e o estado de bem-estar social privilegiaram
os jovens incrementando seu poder de compra, além de oferecer possibilidades
de formação, tempo livre e serviços específicos. Com mais dinheiro e tempo, os
jovens promoveram o enfraquecimento da autoridade familiar e outras formas
de controle, tomando, ainda que precariamente, as rédeas da própria vida. O
mercado percebeu aí uma oportunidade e segmentou o consumo produzindo
conteúdo e produtos destinados a esse público – tais como moda, lugares de ócio
etc. -, ou seja, o teenager marketing. A comunicação de massa reiterou essa
ideia legitimando a representação de uma cultura juvenil em filmes e músicas,
por exemplo. Os jovens passaram a identificar-se mais com seus pares etários do
que com membros de classes ou etnias. Essa geração vivenciou ainda a crise do
puritanismo e a revolução sexual proporcionada pelos anticoncepcionais, o que
permitiu relações afetivas outras além do casamento.
128
O papel do capitalismo na “invenção” da ideia de juventude foi, de acordo
com Kehl (2004), decisivo. Para ela, o jovem passou a ser considerado cidadão
quando percebido como consumidor em potencial: “essa longa crise, que alia o
tédio, a insatisfação sexual sob alta pressão hormonal, a dependência em relação
à família e a falta de função no espaço público, acabou por produzir o que as
pesquisas de marketing definem como nova fatia de mercado” (p. 91).
Assim como o avanço do cristianismo concorreu para o nascimento da
infância na Idade Média, a expansão econômica do pós-guerra e suas
consequências – impactando inclusive valores morais – foram determinantes para
a consolidação da ideia de juventude. Entretanto, o final do século XX trouxe
novidades que mais uma vez ressignificaram o que é ser jovem.
4.4 Ser jovem hoje – Uma noção de juventude consolidada?
A nova ordem social do pós-guerra produziu uma dilatação da
adolescência. Os jovens já não contam com fortes referências como a autoridade
parental ou mesmo estatal e, por outro lado, tem suas expressões próprias de
lazer, afetos, estilo etc. Assim, o jovem indivíduo ganha autonomia, expressividade
e costura suas identidades:
Século XXI, tempo de atrativos tecnológico e de busca desenfreada de
bens de consumo. A oferta é constante, mas nada é suficiente. Calligaris
(2000) afirma que crianças e adolescentes aprendem que há duas
qualidades subjetivas para ser reconhecido e valorizado na sociedade
atual: é necessário ser desejável e invejável. Birman (2006) considera que
existe na atualidade um alongamento da adolescência, que hoje começa
mais cedo do que outrora e que se prolonga pelo período anteriormente
denominado de idade adulta. A contemporaneidade tem como marcas a
dissolução de certezas e um estado de desamparo coletivo que implicam
uma experiência complexa e plural de adolescer (GROSSMAN, 2010, p.
50).
129
As culturas juvenis tornaram-se “um dos fenômenos mais característicos da
nossa história recente” (CAMPOS, 2007, p. 110). Vale destacar o uso do plural,
pois em comparação às outras gerações, o conceito de juventude é homogêneo,
tal como não é sólida uma ideia sobre velhice ou infância, já os conjuntos sociais a
que esses conceitos se aplicam é heterogêneo (PAIS, 1993, p. 34-35 in CAMPOS,
2007, p. 101). Assim é preciso ter em mente que não há um só modelo de ser
jovem:
Se por um lado existe uma ideia relativamente comum e uniforme sobre
jovem, com a qual todos os que se incluem nesta fase etária se
identificam minimamente, por outro lado, deparamo-nos com uma série
de variações, ramificações de um tronco comum, que marcam fronteiras
estruturais, simbólicas, econômicas, sociais, culturais, étnicas ou de
gênero entre os diferentes jovens e os grupos com que se identificam
(CAMPOS, 2007, p. 100).
As primeiras pesquisas preocupadas em entender mais sobre juventude,
realizadas ainda nos anos 1920 ou 1930, estavam profundamente vinculadas à
ideia de desvio, remetendo aos estudos sobre “grupos marginais, minorias étnicas
e culturais ou subculturas urbanas (idem, p. 96). Por volta dos anos 1970, novas
propostas de investigação sobre o tema surgem com autores ligados ao Centre
for Contemporary Cultural Studies – instituição de que descendem também os
estudos em Cultura Visual. Além de debaterem a relação entre as culturas juvenis,
os processos de produção e consumo cultural e as origens sociais, esses estudos
se ocupavam ainda da imagem dos jovens filiados ao movimento ‘punk’ ou
‘rastafari’, por exemplo (idem, p 96), sempre sob um viés político.
Por volta dos anos 1980, se renovam outra vez os olhares acadêmicos
sobre a temática e os grupos/movimentos juvenis começam a ser percebidos para
além de sua força política involuntária, mas também como relações de
identificação e pertencimento. Maffesoli descreve as tribos urbanas como
encontros afetivos e estéticos, contingentes e instáveis:
130
a ideia de tribalismo insiste ‘no aspecto coesivo da partilha
sentimental de valores, de lugares ou de ideias que estão, ao
mesmo tempo, absolutamente circunscritos (localismo) e que são
encontrados, sob diversas modulações, em numerosas
experiências sociais’ (MAFFESOLI, apud CAMPOS, 2007, p. 102).
O século XX ainda não parece um passado distante quando nem chegamos
ao final da segunda década do século seguinte. Mas as renovações tecnológicas
que se popularizavam por volta dos anos 1990 marcaram as gerações nascidas a
partir daí de forma definitiva. A era do computador de mesa da família com
acesso discado a internet transformou-se rapidamente no tempo da conexão à
rede quase ubíqua por meio de aparelhos celulares estritamente pessoais.
Sibilia (2015, p.17) reflete sobre a geração screenager, conforme
descrevemos no primeiro capítulo, tendo a certeza de que as mudanças trazidas
pelas tecnologias incidem sobre várias instâncias da vida, inclusive sobre sua
organicidade: “Hoje proliferam outros modos de ser e de narrar o que somos:
novas definições de vida, dos corpos e das subjetividades, em sintonia com as
mudanças ocorridas no campo tecnocientífico e em todos os fatores que
contribuem para alimentá-lo”. Pautada em Deleuze, a autora reflete sobre o
conceito de juventude a partir da lógica da sociedade de controle. Para entender
as implicações dessa ordem social sobre os sujeitos, vale a pena nos determos
sobre o assunto.
O sujeito na sociedade de controle
Antes de falar dos sujeitos controlados é necessário tratar da própria
invenção da noção de sujeito. Silva (2006) recorre aos estudos foucaultianos sobre
arqueologia dos saberes para explicar tal fato. Em seus estudos, Foucault busca
relações entre “as palavras e as coisas” que regem a elaboração dos
131
conhecimentos sobre óticas específicas em diferentes momentos. Assim, Foucault
identifica três epistemes: renascentista, clássica e moderna. Só quando o ser
humano passa a ser objeto do discurso de saberes, como a filosofia e a medicina,
da passagem da episteme clássica para a moderna, aparecem as condições para o
nascimento do sujeito (idem).
Cada episteme se vale de mecanismos específicos de poder que garantem
sua operacionalização. Na clássica, o rei era soberano sobre os destinos e corpos
de seus súditos. Com a emergência da epistem moderna em paralelo à
industrialização “a vida humana tornou-se alicerce dessa nova tecnologia de
poder” (SILVA, 2006, p. 81). Ao mesmo tempo em que se entende a existência do
sujeito é preciso adequá-la às demandas do capitalismo em marcha.
Com a modernidade, a queda das monarquias e a consolidação do
modelo burguês, cresce a necessidade de um poder que agisse sobre os
corpos, não para destruí-los, mas, para torná-los dóceis e úteis,
produtivos. Isso dependia da introjeção de valores que justificassem a
necessidade de uma ordem para um progresso incessante (SÉRVIO,
2015, p. 134).
Reforçando as ideias de Sérvio, Sibília (2015) afirma que instituições
modernas como escola, exército e indústria, se alinhavam para conformar cada
elemento das massas em indivíduos controlados e plenamente operantes na
sociedade como cidadãos e operários. Sem um poder centralizado, como o do rei,
cada sujeito tornou-se responsável por si mesmo, daí a urgência de conhecer e
honrar seu lugar na sociedade, ou seja, de ser autônomo e autocentrado.
Foi nesse grande espaço de controle que a subjetividade ganhou
centralidade. A subjetividade foi possível diante das técnicas
individualizantes, dos registros de informação sobre o corpo, da
necessidade de conhecer e dominar as paixões e as vontades do sujeito,
de modo a melhorar seu desempenho laboral, aumentar sua impotência
política. Nesse sentido, o controle a partir da disciplina ganhou o corpo
do homem, através do adestramento, da motilidade e do psiquismo
(SILVA, 2006, p. 82 e 83).
132
Como atesta Silva, na citação que fizemos acima, individualizar, examinar,
observar, normatizar e funcionalizar estão entre as práticas da sociedade
disciplinar que moldavam o sujeito moderno. Da arquitetura panóptica ao
gerenciamento do tempo, da etiqueta social à regulação da sexualidade, os
mecanismos de vigilância sujeitavam todas as pessoas a regras, lhes impunha
identidades fixas. As tecnologias disciplinares modelavam a vida seguindo os
preceitos modernos de ordem para o progresso:
os organismos humanos foram adestrados para alimentar as
engrenagens da produção fabril e as fileiras dos exércitos
nacionais. Por isso tais corpos não eram apenas dóceis, mas
também úteis, já que respondiam e serviam a determinados
interesses econômicos e políticos (SIBILIA, 2015, p. 32).
Reiteirando a explicação de Sibília, pode-se dizer que o modelo disciplinar
sentiu um grande baque com a “virtualização do dinheiro” (idem, p. 24). A
sociedade pós-moderna – considerando pós-modernidade como sucessão à
modernidade – ainda preserva muito da ótica moderna de produção quanto à
otimização dos processos e lucros. Entretanto, as identidades fixas, em notável
medida, atreladas à cidadania e trabalho na sociedade disciplinar, a que se
filiavam os indivíduos, caíram por terra com a crise do ideal moderno no pós-
guerra:
Contemporaneamente, o capitalismo industrial transmuta-se no
capitalismo financeiro, inaugurando a época do mercado e globalização.
A soberania do sujeito moderno dá espaço para um novo ator: as
populações. Segundo Foucault, a partir das Grandes Guerras há uma
nova construção de poder, mas não se trata da substituição das
disciplinas e, sim, de um novo tipo de poder complementar, que se torna
responsável por gerir uma sociedade em franca transformação. É a
emergência do biopoder (SILVA, 2006, p. 83).
A lógica capitalista financeira ou empresarial, como explicita Silva
apoiando-se em Foucault, fez com que a individualização – importante para o
capitalismo industrial - perdesse centralidade em nome da escala global, do
133
entendimento de padrões populacionais como fatias de mercado. O sujeito
moldado perde lugar para o modulado, capaz de escolher segundo contingências
a que ideologias e identidades se filiar e torna-se responsável por tais escolhas.
Bauman (2012) e Canclini (2006) concordam que a sociedade disciplinar composta
por trabalhadores transformou-se em uma sociedade de consumidores na qual
consumir equivale a existir. Sibilia (2015), inspirada em Deleuze, adjetiva tal
existência como a de consumidores controlados. Isso por que aparelhos
teleinformáticos conectam os sujeitos virtualmente a tudo. Para Silva (2006, p. 89),
os “homens modulados são os produtos típicos da ‘sociedade multirrede’, reitora
das formas de consumo liberalizante, tecnológico e mercadológico”. Toda e
qualquer ação por meio de computadores que fazemos são controladas, servindo
de banco de dados para empresas:
O modo de funcionamento associado aos novos dispositivos de poder é
total e constante, opera veloz e em curto prazo. Sua impulsividade e
ubiquidade costumam ignorar todas as fronteiras: atravessam espaços e
tempos, devorando tudo o que poderia ter ficado de fora e desativando
alternativas que se interpõem em seu caminho. Por isso, apesar da leveza
e dos tons coloridos com que costuma se apresentar, a nova
configuração socioeconômica e política pode ser vista como “totalitária”
num novo sentido: nada, nunca, parece estar fora de controle (SIBILIA,
2015, p. 29).
Concordando com, mas ao mesmo tempo ampliando os argumentos
utilizados por Sibília, Sérvio (2015) busca interseções entre a teoria da sociedade
do espetáculo, de Debord, e a sociedade do consumo, de Deleuze, para entender
por que a sociedade pós-moderna valoriza mais a flexibilidade, a modulação em
vez do molde. Em uma análise sucinta, podemos dizer que a sociedade do
espetáculo baseada no modelo de produção capitalista moderno uniformiza e
isola as pessoas. Seria a publicidade, como parte dessa estrutura, que
impulsionaria o consumo pressupondo desejos comuns a todos. Deleuze, por
outro lado, desconfia do conformismo e da homogeneidade da sociedade do
espetáculo, pois acredita que a sociedade de consumo vai além da conformação
134
sendo ativa nos usos dados às mercadorias e retroalimenta o mercado com
informações e oportunidades. Como afirma Sérvio (2015, p. 334):
Hoje, vigiar não significa apenas confinar, regular, mas interceptar, ver,
ouvir e interpretar. De posse desses dados, por meio de estudos
qualitativos e quantitativos, empresas buscam constantemente criar
estratégias para sobreviver em um mercado extremamente competitivo e
gerir um crescimento econômico com regularidade.
Em sintonia com as ideias de Sérvio, podemos dizer que a lógica capitalista
pós-moderna lançou em desuso o conceito moderno de propriedade, por
exemplo, já que “é uma instituição lenta demais para se ajustar à nova velocidade
da nossa cultura” (RIFKIN, apud SIBILIA, 2015, p. 5). Assim também foi desgastada
a estabilidade das identidades dando lugar à fluidez da lógica da identificação
(CAMPOS, 2007, p. 102). Se a organização social em que estamos inseridos está
pautada pelo consumo, mais vantajoso é que o mercado possa atender vários
interesses em vez de uma só demanda, visto que,
Na sociedade, a permissividade de certa flexibilidade de ação para os
indivíduos é componente que alimenta o sistema. Neste momento de
intensa flexibilidade, as massas tornam-se amostras, dados, mercados
que precisam ser rastreados, cartografados e analisados para que
padrões de comportamento possam ser percebidos (SÉRVIO, 2015, p.
333).
4.5 Multiconectados - Ainda sobre a ideia de ser jovem nos dias de
hoje
Ser jovem hoje, como vimos, é estar inserido em uma sociedade cujos
fluxos financeiros são virtuais, os mercados são alimentados por informações
fornecidas voluntariamente pelos próprios consumidores como nós de redes
sociais on line, nas quais as subjetividades são exteriorizadas por meio de
símbolos. Esses fatores implicam na associação de ideologias a estéticas
135
consumíveis: o estilo de que fala Hebdige (apud CAMPOS, 2007) referindo-se aos
jovens.
A identificação das identidades socioculturais dos jovens é realizada em
grande medida, à custa da ostentação e manipulação simbólica dos tênis
Adidas ou Nike, das calças Levis, da MTV, da Shakira, dos Arcade Fire,
dos piercings ou dos fanzines, independente do local do mundo onde
tem origem como objeto ou mito coletivo (idem, p.114).
O apelo e o acesso à juventude são reforçados pelos mass media. Por meio
do consumo é possível afiliar-se a uma ideia de juventude, independente da faixa
etária. Como disse Kehl (2004), ela é só um estado de espírito que externamos. Se
antes a juventude dependia de organizações modernas como família e escola para
ser identificada, a disciplina exercida pelas instituições foi desafiada. A própria
marca de refrigerantes Fanta ironiza o fim dos cidadãos disciplinados. Uma série
de peças publicitárias da campanha “Mais Fanta, mais diversão” retratam a ruína
da disciplina. No vídeo Let them play, uma banda é calada por personagens cujas
cabeças são megafones. A cada acorde produzido pelo grupo um megafone
emite som mais alto. Até que a saxofonista turbina as notas musicais ao derramar
Fanta no instrumento. Outro músico pluga os cabos do teclado e a guitarra na
cabeça autofalante e a banda converte a censura em volume para seu som.
O VT Play zone (fig. 49) traz um guarda com cabeça de apito que silva
denunciando infrações como a música e afixando placas de proibições. Em
oposição, o personagem jovem reage rindo e desobedecendo as regras impostas
enquanto o guarda estremece contrariado. Quando uma garrafa de Fanta é
aberta, os objetos proibidos pelas placas ganham cor e movimento comemorando
o fim das interdições.
136
Figura 49 - quadro do VT Play zone
Já o comercial Flagra mostra um casal namorando na sala sendo
surpreendido pelo que se presume ser o pai da moça. Os dois se afastam na
presença do homem, mas voltam ao contato quando ele sai. Para solucionar as
interrupções, o garoto abre uma Fanta e deixa que as borbulhas da garrafa
formem uma silhueta feminina que encanta o sogro e transforma seu semblante
hostil em um sorriso. A mulher leva o disciplinador para outro cômodo dando
privacidade aos namorados.
O filme Conveyor Belt35 (fig. 50 a 53) segue rompendo a lógica do cidadão
disciplinado e introduz a figura do consumidor controlado. A peça publicitária de
35 Lançado no Reino Unido em 2008.
137
30 segundos foi lançada em 2007 ainda antes da campanha que inclui o
advergame “Salvando a fonte”. O filme mostra uma espécie de linha de produção
em que diversos personagens de animação seguem por uma esteira, sem se dar
conta, até uma prensa que os uniformiza, atribuindo-lhes uma cabeça quadrada.
Vale ressaltar que vários dos personagens portam objetos tecnológicos como um
fone de ouvido e um game boy ou celular (fig. 50), signos do controle citado por
Sibilia (2015). Além do formato quadrado das cabeças (fig. 52), é sintomático que
um grande relógio apareça sobre o molde (fig. 51), pois Sibilia (2015, p. 21) o
considera a mais emblemática das máquinas do capitalismo industrial por
controlar o tempo. A cena é uma metáfora da conformação do cidadão
disciplinado, moldado em série para se ajustar como uma peça na sociedade. Essa
lógica é subvertida por um dos personagens que usa uma garrafa de Fanta para
sabotar o mecanismo, fazendo-o retroagir e devolver a individualidade aos
sujeitos moldados. Sem slogans ou frases de efeito, a narrativa deixa claro a
importância dada à diversão e à diversidade de estilos, pois as pessoas
comemoram o fim da homogeneidade (fig. 53).
138
Figura 50 - personagens usam fone de ouvido e vídeo game portátil ou celular
139
Figura 51 - um relógio marca a intervenção homogeneizadora
140
Figura 52 - O molde torna as cabeças quadradas
141
Figura 53 - Celebração com o fim da homogeneidade
A juventude contemporânea tem íntima relação com o consumo e se
posiciona associando sua imagem a marcas, estilos e, em grande proporção, a
artefatos tecnológicos. Entre eles os games, apresentados/abordados nesta
investigação. Para Moita (2005) os videogames são símbolos de uma geração
globalizada, sem apego a tradições regionais e para a qual o lúdico está
desterritorializado.
Esses jogos representam para a cultura lúdica infantil e juvenil não só o
que há de mais moderno e inovador em matéria de diversão eletrônica.
Também aparentam ser a expressão cultural do processo de
mundialização (ORTIZ, 1994 apud MOITA, 2005).
.
Talvez atenta a essa ideia de juventude a marca de refrigerantes Fanta
tenha desenvolvido o advergame “Salvando a fonte”, universo fantástico no qual
só existem jovens e suas identidades são construídas em grande parte por suas
142
posses, predominantemente artefatos eletrônicos. Até agora miramos os jovens
de cima pra baixo, a partir de olhares teóricos e adultos. Mas, como são eles, os
protagonistas deste estudo? Reservemos a eles um espaço para dar-lhes voz.
4.6 Eles por eles - Os jovens colaboradores se apresentam
O próximo capítulo propõe uma análise de Utopia e da “galera Fanta”
enfatizando sua relação com a juventude contemporânea. É o momento em que
as falas dos colaboradores se farão presentes e suas opiniões sobre o jogo serão
confrontadas ou alinhadas com a análise que faço do universo Fanta. Antes disso,
no entanto, acredito que depois de conceituarmos a ideia de juventude é
importante traçar um paralelo entre os apontamentos de estudiosos sobre o tema
e a posição os colaboradores por si mesmos.
A partir das principais características atribuídas aos jovens no decorrer do
debate deste capítulo, podemos dizer que eles não são definidos por sua idade,
mas por um estado de espírito (KEHL, 2004) cuja expressão é vinculada ao estilo
(HEBDIGE, 1976 in CAMPOS, 2007). Eles são vistos, também, como uma
importante fatia de mercado dentro da lógica econômica e sua existência on line
fornece voluntariamente informações a esse mercado (SIBILIA, 2015; SÉRVIO,
2015). Esses aspectos estão presentes nas falas dos colaboradores, embora de
maneira um pouco dispersa, conforme registros feitos durante os encontros,
como veremos no capítulo a seguir.
No dia 21 de junho de 2016 aconteceu o segundo encontro com o grupo
focal, como descrito nos apontamentos do capítulo 3. No laboratório de
informática da Escola Municipal Bernardo Élis, os participantes foram convidados a
escrever respostas às perguntas: o que é ou como é ser jovem? O que é positivo
143
ou negativo em relação a ser jovem? Eu me considero jovem? Por que? A ideia era
que pudessem sentir-se a vontade, colocar-se sem receio em termos de possíveis
julgamentos a serem feitos pelos colegas. Meu intuito era encorajar os
participantes a descreverem sua compreensão sobre juventude de forma
espontânea antes de entrar nas questões referentes ao universo do advergame. É
importante notar que estas perguntas foram feitas aos alunos logo depois da
exibição dos VTs “Manifesto à diversão”, “Mister músculos” e Mímica36, uma
espécie de preparação que para as conversas que entabularíamos sobre o
conceito de juventude e o mundo Fanta.
Quando solicitados a refletir sobre si mesmos, a maior parte dos
participantes - faixa etária variando entre 10 e 16 anos – pareceu retroceder à
idade média, quando infância e juventude não tinham necessariamente correlação
com idade, mas equivaliam ao período em que o indivíduo dependia da família
(ARIÈS, 2011). Enquanto grande parte do grupo desvinculou o entendimento de
ser ou não jovem à idade, Adrielly foi exceção ao afirmar que: “não me considero
jovem por que eu tenho 10 anos ainda e por que eu não saio de casa sozinha com
minhas amigas” (Grupo focal realizado em 21/06/2016).
Para a maioria dos colaboradores ficou clara a importância que dão ao fato
de não serem mais identificados como crianças, ou seja, como submissos,
inexperientes ou dependentes, especialmente em relação aos seus pais. Alana, ao
se posicionar em contraposição a afirmação de Adrielly, disse: “o ruim de ser
jovem é que não somos mais a criancinha da mamãe que ela bajula tanto como
antes. Eu me considero [jovem] sim por que eu não me vejo mais aquela
36 Manifesto à diversão, de 2013, fala sobre a importância do divertimento e da imaginação para o
jovens. Em mister músculos, de 2011, dois garotos comparam-se a homens fortes dentro de um
academia e usam garrafas de Fanta sobre a roupa para simular músculos. Mímica é a animação,
lançada em 2010, em que a personagem Gigi transforma um momento constrangedor em
divertido.
144
criancinha de antes, eu já sei o que é certo ou errado (Grupo focal realizado em
21/06/2016).
Carlos Henrique manifestou opinião semelhante: “eu me considero jovem
porque já passei da idade de ser criança, pois já tenho 13 anos e já estou bem
grandinho para brincar de carrinho” (Grupo focal realizado em 21/06/2016). Sem
muita clareza sobre o que os faz jovens, os participantes tentam se diferenciar da
fase da infância assumindo comportamentos que demonstrem autossuficiência e
maturidade, mas ao mesmo tempo negando hábitos considerados pueris como,
receber carinho e cuidados da família ou até mesmo brincar.
De forma análoga, abrir mão da infância significa para muitos assumir
certas responsabilidades como preparação para a vida adulta, de modo
aproximado como sucedia aos efebos e moços, conforme pontuou Ariés (2011).
Mas ao contrário desses dois grupos, nossos jovens permanecem no seio da
família, por isso seus encargos estão normalmente relacionados a ajudar nas
atividades domésticas. Pensando em cabular eventualmente as tarefas, Marcos
afirmou que prefere não se definir como jovem: “eu gosto de ser pequeno
[criança] por que eu posso jogar bola e posso ajudar minha mãe em casa, como
lavar vasilhas. O que eu não gosto de fazer é arrumar a casa, lavar banheiro, varrer
o quintal. Só isso que eu não gosto de fazer” (Grupo focal realizado em
21/06/2016). Ao se identificar como criança, Marcos se prontifica a colaborar, mas
tenta se isentar da compulsoriedade de cumprir os compromissos. Já Michel
exemplificou as atribuições que recebe dando a entender que ao definir-se como
jovem, barganha algum tipo de autonomia em troca da realização de tarefas: “é
bom [ser jovem] por que você pode se cuidar sozinho, não é bom ser jovem por
que você tem que cuidar dos [irmãos] menores” (Grupo focal realizado em
21/06/2016).
145
Carlos Daniel pontuou que com a chegada da juventude é preciso focar no
futuro: “o ruim em ser jovem é que a gente tem que já pensar em seu futuro e
deixar de morar na casa da mãe, começar a trabalhar, [ter] mais atitude. E aí
acaba a sua vida como criança” (Grupo focal realizado em 21/06/2016). Carlos
sugere que a diversão tem fim com a infância e que a adolescência deve ser
mesmo o tempo de preparação para a vida adulta. Sua colocação se alinha com a
de Feixa (2004) acerca da juventude como um período de formação escolar (e
talvez técnica ou universitária) até a inserção no mercado de trabalho.
As características mais citadas como determinantes sobre a ideia de ser
jovem são aquelas que surgem no pós-guerra e estão relacionadas às liberdades
conquistadas por essa faixa etária (FEIXA, 2004, GROSSMAN, 2010, e CAMPOS,
2007). Além das responsabilidades, ser jovem, para essas pessoas, é sinônimo de
autonomia, como Marcela explicitou: “eu acho bom ser jovem por que eu posso
fazer coisas que eu não fazia antes, quando eu era criança, como mexer no
facebook e sair com minhas amigas” (Grupo focal realizado em 21/06/2016). A
companhia dos amigos sem supervisão talvez seja a permissão mais desejada,
pois esteve presente também nas falas de quatro dos doze colaboradores que
participaram do trabalho de campo: Alana, Adriely, Carlos e Carlos Daniel.
Como jovens, os sujeitos da pesquisa também transitaram pelos
apontamentos ressaltados pelos teóricos com os quais dialoguei no início deste
tópico. Prezam por manifestar seu estilo, estão continuamente conectados e são
ávidos consumidores. Essas características ficam claras quando eles se expressam
sobre outras questões que veremos adiante. Por ora, vale ressaltar que o
entendimento dos sujeitos participantes da pesquisa tem como ênfase dois
aspectos que parecem contraditórios: liberdade e responsabilidade, pois ainda
não tem a autonomia que almejam e já estão imbuídos de algumas das
atribuições/responsabilidades que não desejam.
146
CAPÍTULO 5 – GALERA FANTA. A noção de
juventude segundo Fanta
Depois que o universo virtual de “Salvando a fonte” e os arranjos
metodológicos foram descritos, chegamos ao jogo e seus personagens com o
intuito de relacioná-los com as pontuações feitas pelos colaboradores da
investigação. De acordo com a discussão feita anteriormente, envolvendo as peças
publicitárias Conveyor belt, Play Zone, Flagra e Let them play, a sociedade está
enfrentando uma série de mudanças que envolvem o arrefecimento de uma lógica
de produção ligada à disciplina e a ascensão de uma lógica de consumo associada
a uma nova dinâmica de controle. Assim, organizei esse tópico em três partes que
serão explicadas em seguida.
O primeiro assunto a ser tratado é o declínio das instituições
disciplinares. A consequente reconfiguração social dessas instituições é a base do
segundo item: a relação entre controle, consumo e identificação. Seguindo essa
nova lógica, outras subjetividades são desenvolvidas e privilegiadas. A juventude
147
passa a ser a representação ideal do prazer e da diversão. Imersos na atmosfera
da mídia e do consumo, os jovens se valem da hiperestimulação para aplacar a
ausência de sentido, ou seja, o vazio. Essa condição desagua num ciclo de
estímulos e enfastiamento cada vez mais intensos que nos leva ao tópico final:
imperativo do gozo, hiperestímulo e tédio. É importante ressaltar que essa
divisão é uma estratégia para organizar a análise, mas vale salientar que de
alguma maneira, por vezes, os temas ou alguns aspectos deles se sobrepõem ou
até mesmo se repetem.
5.1 QUEM VAI NOS GUIAR? - Declínio das instituições disciplinares
Durante o percurso em busca das origens da ideia/conceito de juventude
registrei várias mudanças nas formas de organização social e econômica que
acabaram por incidir sobre a sociedade como um todo e esse grupo etário de
modo específico. Instituições modernas como a escola, o exército e a família
foram determinantes para a conformação da ideia de adolescência, conforme
descrito no item 4.2, mas essas organizações também foram postas em cheque
revelando instabilidades a partir das quais os jovens continuam tendo que se
repensar.
“Salvando a fonte” é um site composto por cinco cenários interativos (fig.
16): Utopia, Casa do Todd, Cidade, Floresta de frutas e Cachoeira. Algumas
omissões revelam que o ambiente ficcional reproduz, em alguma medida, a crise
disciplinar da qual falamos ao ignorar presenças ainda comuns à juventude atual.
Provocados sobre as semelhanças e diferenças entre o mundo de “Salvando a
fonte” e a vida cotidiana, os colaboradores apontaram ausências pontuais como
aeroporto, pizzaria, delegacia e feira, entre outras. Entretanto, as ausências que
foram recorrentes em várias falas foram aquelas referentes à família, escola e
148
igreja, as quais daremos mais atenção costurando outros apontamentos
pertinentes.
Cadê a família?
A campanha, com foco nos jovens, traz poucas referências aos pais nos VTs
ou no ambiente do jogo. Nem mesmo o comic book que registra a narrativa faz
alusão à família, à escola ou a outras instituições disciplinares. A única e vaga
menção a adultos é feita por meio das casas dos personagens Gigi (fig. 54) e Floyd
que constam na vista geral de Utopia e que só permitem acesso aos espaços
privados de cada personagem: seus quartos. Daí se presume que os demais
ambientes são compartilhados por seus familiares. O projeto da casa do Todd, por
sua vez, não comporta quartos ou qualquer espaço para outros parentes. A
família, como porto seguro e medida da vida, é praticamente dispensável na
realidade utópica de Fanta.
149
Figura 54 - Casa da Gigi
No segundo encontro do grupo focal, quando o diálogo girava em torno
do VT “Manifesto à diversão”37 e a importância do divertimento na vida, Adrielly
enfatizou que a família era o mais importante para ela. No quarto encontro,
propus que os colaboradores comparassem as cidades e casas que haviam
desenhado com aquelas apresentadas por Fanta. Essa atividade deixou mais
evidente as faltas/ausências que os participantes observaram ou sentiram no jogo.
Dos 11 alunos que desenharam, 9 mencionaram a família, enquanto os outros
dois preferiram não apresentar seus desenhos.
Kauane, descreveu a casa que desenhou (fig. 55) da seguinte maneira: “tem
o meu quarto, tem a cozinha, tem a sala, tem o banheiro, a garagem, o quarto da
37 Em manifesto à diversão, a galera Fanta propaga que a diversão é o mais importante.
150
minha mãe, o quintal e a área. Ah! E o quartinho da bagunça” (Grupo focal
realizado em 23/06/2016). Entre as menções à família, apenas Ricardo fala do pai
como familiar que mora na casa que ele idealizou (fig. 56), embora em outros
momentos Ramon e Keven citem a figura paterna como presenças constantes em
suas vidas. A menção apenas às mães, na maioria das falas do grupo, reitera o
crescimento do número de mulheres como chefes de família. De acordo com o
IBGE, no ano 2000 cerca de 45 milhões de lares brasileiros eram comandados por
mulheres. Em 2010 esse número subiu para mais de 57 milhões e, segundo a
Secretaria de Políticas para as Mulheres, em 42% deles, elas vivem sem parceiros e
com os filhos.
Figura 55 - Desenho de Kauane
151
Figura 56 - Desenho de Ricardo
Perguntados sobre por que não existem adultos no universo do jogo, os
colaboradores veem essa falta como uma incongruência, uma impossibilidade.
Adrielly, por exemplo, apresentou a sua justificativa baseando-se no nome da
cidade fictícia: “lá é uma mentira, uma utopia”! Marcela, por sua vez, completou:
“uma imaginação, um sonho. O sonho de todas as crianças” (Grupo focal realizado
em 23/06/2016). Ricardo observou que, sem adultos, as crianças estariam livres
para fazer o que quisessem. Mas a primeira opinião sobre a falta de adultos como
algo positivo não demorou a ser contestada entre os próprios colegas.
Keven disse que uma cidade assim seria uma cidade sem controle. Ramon
reconheceu a importância dos pais em seu cotidiano quando perguntado sobre
quais eram os adultos mais presentes em sua vida: “meu pai e minha mãe. Por que
minha mãe faz comida (ou seja, cuida da manutenção da casa) e meu pai resolve
as coisas” (se responsabiliza pelo lado financeiro e lida com questões práticas,
152
como pequenas reformas etc.) (Grupo focal realizado em 23/06/2016). A partir
dessas falas, até Marcela repensou a função dos adultos: “os adultos... [servem]
pra dar conselho, pra várias coisas. Principalmente quando a gente tem que tomar
uma decisão errada. Eles falam: ‘minha filha, não faz isso. Isso não tá certo. Tipo
quando eu queria matar meu primo (risos) ou fugir de casa...’” (Grupo focal
realizado em 23/06/2016).
Para Sarti (2004) embora sejam únicas em sua dinâmica de funcionamento
ou composição, as famílias tem papel fundamental na vida do jovem, pois o
regulamentam socialmente:
Cada família constrói, assim, sua própria história, ou seu próprio mito,
entendido como uma formulação discursiva em que se expressam o
significado e a explicação da realidade vivida, com base nos elementos
objetiva e subjetivamente acessíveis aos indivíduos na cultura e na
sociedade em que vivem. Os mitos familiares, expressos nas histórias
contadas, cumprem a função de imprimir a marca da família, herança a
ser perpetuada (p. 118).
A partir da afirmação de Sarti podemos constatar que é em família que os
jovens dão sentidos a experiências vividas. É também na família que os jovens
exercitam a alteridade ao trazerem consigo traços de identificação com outros
grupos – compartilham interesses musicais ou esportivos, por exemplo - para o
diálogo/embate com esse núcleo:
nas relações dos jovens com a família joga um papel fundamental
a forma como esta incorpora esses ‘outros’, estranhos ao meio
familiar, que o jovem traz pra casa, por que ele neles se
reconhece, sendo parte essencial da busca de sentido para a sua
existência pessoal (idem, p. 123).
Em Utopia não há embates ou diálogos já que os protagonistas estão entre
iguais. Só um adulto aparece em toda a narrativa: o “guardião da fonte”, mas em
momento algum ele interage com os demais personagens. Isolado em uma sala
de controle, ele assiste a ação da “galera Fanta” por visores que mostram também
153
o rosto de jogadores que entraram nos desafios e seus amigos no Facebook (fig.
57). As fotos dos participantes sendo exibidas remetem ao que Sibilia (2015)
chamou de consumidores controlados, pois deixa claro que Fanta tem acesso a
suas informações e imagens disponibilizadas na rede.
Figura 57 - Tela final do advergame “Salvando a fonte”
Sérvio (2015) concorda com Sibilia (2015) no que concerne à emergência
de uma sociedade de controle. Para Sérvio, uma premissa dessa sociedade é
controlar/monitorar preferências e hábitos das pessoas para orientar a economia
no sentido de adquirir mais eficiência. Considerando que o consumo é ativo e são
os sujeitos que conferem significados outros às mercadorias – a bricolagem –, é
necessário que o mercado mantenha seu público sob exame constante para suprir
e alimentar novas demandas - a contrabricolagem:
Como afirmam Sturken e Cartright (2001), é fundamental inserir-se com
eficiência no intenso jogo de bricolagem e contrabricolagem entre
empresas e consumidores. Ao mesmo tempo em que as pessoas no
momento do consumo frequentemente subvertem das mais diversas
formas os significados originais para os quais os bens foram produzidos,
154
o mercado por sua vez aproveita-se desta criatividade estudando-a para
realimentar sua linha de produção (SÉRVIO, 2015, 334).
Para Sibilia (2015), ao contrário do que parece, não é difícil para o sistema
econômico ter acesso aos dados daqueles que transitam no mundo virtual. Por
meio das redes sociais e dos aparelhos eletrônicos, os próprios usuários tornam
pública sua inserção na sociedade de controle:
Esse meticuloso “trabalho” individual que agora realizamos, e que não
deveria ter pausa, não é empreendido em obediência à pesada
obrigação moral de cumprir regulamentos e evitar castigos, como
ocorria sob a lógica do confinamento disciplinar; ao contrário, tudo isso
hoje se faz por prazer. E desperta o interesse dos demais, tecendo-se
assim uma rede muito eficaz de permanente controle mútuo (SIBILLIA,
2015, p. 175).
A fala dos participantes da pesquisa se alinha a essa ideia quando
mencionam sua participação no Facebook entre as principais atividades que
realizam online. Quando perguntados sobre o que fazem na internet, o grupo se
dividiu. Paulo, por exemplo, afirmou que apenas joga; Adrielly, disse que fica
conectada para assistir a vídeos de youtubers e, séries, mas quando Alana revelou
que seu principal passatempo na rede é mesmo o Facebook, pelo menos mais
cinco colegas (Carlos Daniel, Adrielly, Marcela, Ramon e Carlos) concordaram.
Alana usa o site para publicar fotos que faz de si mesma e de seu cotidiano,
Ramon para “conversar com as meninas” e os demais colegas para se manterem
em contato com os amigos. Embora os usos sejam diferentes, a participação de
todos em sites como Facebook termina por transformar suas ações em dados a
serem utilizados nas páginas que visitaram voluntariando informações valiosas
para empresas anunciantes que sustentam o sistema.
155
Cadê a escola?
Quando discutimos as diversas definições sobre a ideia de juventude, vimos
que o conceito ganhou em importância quando foi tomado como um período de
formação técnica e intelectual para a entrada no mercado de trabalho. Em Utopia,
os personagens gozam de responsabilidades ou direitos como dirigir e morar
sozinho (Todd) e produzir apetrechos tecnológicos (Floyd), mas não há alusão a
instituições educacionais ou profissionais. Sibilia (2012) acredita que o
enfraquecimento do papel do Estado e o afrouxamento das instituições de
controle como a família e o professor geram um descompasso entre a realidade
dos jovens de hoje, notadamente naquilo que diz respeito ao consumo e às
tecnologias e também à escola, que permanece em grande medida, estruturada
sobre a lógica disciplinar moderna.
A geração personificada no jogo é a de nativos digitais ou screenagers,
como observamos anteriormente. Esses sujeitos, assim como os colaboradores da
pesquisa, estão constantemente conectados por meio de aparelhos celulares,
computadores ou tablets e usam a internet como um espaço tanto privado –
quando substituem os diários por blogs, por exemplo - quanto público - ao
compartilhar músicas, vídeos, imagens etc. Para Palfrey e Gasser (apud
PESCADOR, 2010) essa turma leva uma vida offline apartada da internet, mas
também online usando aparelhos como smartphones e as redes de
relacionamentos para criar personas online. Daí a urgência da maioria dos
colaboradores em se sentirem incluídos e ativos em redes sociais como Facebook
e grupos de whatsapp.
Essa representação virtual é uma exigência da sociedade de controle
baseada na lógica capitalista contemporânea em que tudo alimenta o mercado.
Assim, se o sujeito moderno era disciplinado e entre suas características desejáveis
156
estava o autocontrole e a normatização, o sujeito contemporâneo deve ser ele
mesmo gerido como marca, criando uma imagem pública por meio da qual seja
possível expressar-se (SIBILIA, 2012).
Numa sociedade fortemente midiatizada, fascinada pela incitação à
visibilidade e instada a adotar com rapidez os mais surpreendentes
avanços tecnológicos, em meio aos vertiginosos processos de
globalização de todos os mercados, entra em colapso a subjetividade
interiorizada que habitava o espírito do ‘homem-máquina’, isto é, aquele
modo de ser trabalhosamente configurado nas salas de aula e nos lares
durante os dois séculos anteriores (SIBILIA, 2012, p. 49).
Utopia é mais um espaço de atuação dessa persona online. Ali as imagens
pessoais devem ser construídas para serem consumidas por jovens. A escola
tradicional torna-se desnecessária e obsoleta nesse sentido, pois seu modelo
disciplinar pouco mudou e continua dando pouco ou nenhum espaço para
visibilidade dessas marcas pessoais em processo de autogestão. Ou, utilizando o
jargão publicitário, em “Salvando a fonte” a escola não seria o veículo certo para o
tipo de mensagem – jovialidade - que se quer transmitir ao público alvo – os
pares.
O modelo de escola que surgiu ainda na Idade Média e se massificou como
instituição disciplinar no século XIX em quase nada se atualizou. Continua
pautado na transmissão do saber do professor para o aluno, exigindo disciplina e
docilidade, se contrapondo à índole exploradora dos jovens de hoje. Mesmo
estranhando seu corpo discente da atualidade, a escola ainda é importante lugar
de aprendizado e sociabilidade (SIBILIA, 2012) e, por esta razão, merece a nossa
atenção frente aos desafios pelos quais tem passado.
Os alunos da Escola Municipal Bernardo Élis que participaram do grupo
focal, relataram em diferentes momentos que acreditam na importância da escola
para seu futuro profissional, mas confessam que entre as principais motivações
157
para continuar frequentando as aulas estão os amigos que fizeram na escola. Num
dos encontros, aconteceu o seguinte diálogo:
Pesquisadora: Então vir pra escola é importante?
Carlos: - Sim e não. É bom que a gente aprende o conteúdo que passa
na escola e brinca com os amigos. Não [é bom] por que a gente tem que
levantar cedo e ficar [até] o resto da tarde todinha... agora quando a
gente tá em casa a gente dorme até mais tarde, mas é ruim que a gente
não tá com os amigos e não aprende o que os professores passam.
(Grupo Focal realizado em 23/06/2016)
Além de Carlos, outros colaboradores – Marcela, Ricardo, Kauane, Paulo e
Michel - reconheceram a necessidade da educação formal para sua inserção no
mercado de trabalho. Adrielly, por sua vez, enfatiza que a interação social é
determinante: “eu venho sabe pra que? Se meus amigos não tivessem estudando
aqui eu não vinha na escola, mas como a gente tem que ter um futuro melhor,
né?” (Grupo Focal realizado em 23/06/2016).
A educação escolar sempre preconizou atenção e consciência pela seleção
dos estímulos aos quais deve se ater. Ler e escrever pressupõem um tempo linear
e um avanço gradativo. Mas para o sujeito contemporâneo os estímulos são
tantos e tão sucessivos que pouco chega a se alojar na consciência, suas
“vivências são dominadas pela percepção” (SIBILIA, 2012, p. 119). A lógica
predominante nos dias de hoje é o esfacelamento/fragmentação, a sobreposição,
mas sem necessariamente a composição de uma narrativa única, como nos
videogames. Em “Salvando a fonte”, por exemplo, existem algumas possibilidades
de entender os acontecimentos. Há um comic book (fig. 17 e 34) contando a
história em que tudo se baseia, mas ele tem pouco destaque porque a narrativa
usa como estratégia motivar os jogadores a recontarem a história à medida que
exploram os espaços e jogos:
no caso dos videogames, por exemplo, quando se aprende a usá-los, é
claro que ocorrem aprendizagens e pensamentos, mas estes não
158
parecem ser reflexivos, conscientes e racionais, baseados na explicação
ou na interpretação, e sim em ‘uma eficácia operativa que não necessita
de consciência’ (SIBILIA, 2012, p. 119 -120).
Esse novo jovem consumidor de Fanta tem sido rascunhado a partir da
reconfiguração socioeconômica neoliberal tanto quanto da revolução tecnológica.
Em se tratando da escola, sua dinâmica de aprendizagem é também fragmentada
e contingente, ou seja, em grande parte motivada pela necessidade de responder
a uma provocação:
Esta geração não consegue simplesmente ficar parada, sentados em seus
lugares, enquanto o professor discorre em aulas expositivas. Para eles,
por exemplo, não faz sentido ler um manual de um aplicativo ou de um
jogo para saber usá-lo. Os nativos digitais preferem, num processo de
tentativas e erro, ir se apropriando da lógica do programa ou do jogo,
para utilizá-lo. Esse processo pode revelar uma forma de aprendizagem,
que não é baseada em informações/instruções, mas numa busca que
parte daquele que precisa aprender, fuçar, explorar (PESCADOR, 2010, p.
4).
Embora não haja no cenário da educação institucionalizada o estilo de vida
encenado no advergame, “Salvando a fonte” parece ir ao encontro daquilo que os
jovens esperam e que o mercado de hoje valoriza, pois se baseia na
espontaneidade, na aprendizagem por engajamento (aprender fazendo) e na
autorrealização. No último encontro com os colaboradores, lancei ao grupo uma
pergunta sobre onde os personagens do jogo adquirem formação, dando ênfase
a atividade de Floyd, que constrói artefatos tecnológicos:
Pesquisadora: A gente falou quando conheceu o mapa que a cidade não
tem escola. Como é que eles (personagens) aprendem?
Carlos Daniel: Nas ruas, nos jogos.
Ricardo: Pode ser que ele (Floyd) é bem interessado e quer descobrir as
coisas. (Grupo Focal realizado em 27/06/2016)
Essas falas reiteram a ideia de que o mercado (e a vida) atualmente
requisita e celebra novas competências que nem sempre são adquiridas por meio
da educação formal. De acordo com Sibilia (2012, p. 48):
159
Nossa época convoca as personalidades a se exibir em telas cada vez
mais onipresentes e interconectadas. (...) os novos ritos trabalhistas
requerem outras habilidades e disposições corporais e subjetivas, ao
mesmo tempo em que desprezam certas capacidades ou aptidões antes
valorizadas, mas que são consideradas cada vez menos úteis. (...) hoje se
estimulam a criatividade e o prazer, inclusive nos ambientes laborais. E, é
claro, também nos outrora circunspectos territórios escolares. (...) Sem
esquecer, por outro lado, que tudo isso se dá numa cultura que enaltece
a busca da celebridade e a satisfação instantânea, exaltando valores
como a autoestima, a aparência juvenil e o gozo constante.
Ao omitir a escola em Utopia, Fanta não diminui a importância da
juventude como período de preparação para o mercado de trabalho, mas destaca
valores dos dias atuais em sintonia com as expectativas e demandas
contemporâneas. Sociabilização, criatividade, experimentação e realização, por
exemplo, são reafirmados como necessários para o desenvolvimento intelectual e
afetivo dos jovens, especialmente em se tratando de um espaço de interação
virtual.
Cadê a igreja?
As duas primeiras ausências citadas pelos colaboradores, família e escola,
acabam convergindo para a terceira ausência que eles apontaram: a igreja.
Admito que fui surpreendida quando reclamaram tal falta, pois, de acordo com
Sofiati (2009, p. 2), a religião tem se tornado acolhedora para os jovens que não
encontram perspectivas em outras instituições:
A condição social dos jovens na sociedade atual é uma das principais
circunstâncias desse cenário [ascensão do neopentecostalismo], já que
esta se encontra destituída de um ancoradouro seguro. Assim, também é
apresentada uma caracterização dos jovens brasileiros, com suas
necessidades e perspectivas. As estruturas sociais, políticas e culturais
encontram-se fragilizadas e uma parcela dessa juventude busca refúgio
no universo religioso. Há, atualmente, três grandes ausências na
sociedade brasileira: ausência de educação formal, de empregabilidade
possível no mercado de trabalho e a descrença no universo político. A
precariedade da educação, a restrição de emprego e o esvaziamento
160
ideológico da política colocam essa categoria social em uma situação de
grande fragilidade e falta de perspectiva para o futuro. A ida para o
religioso é uma das saídas para esse segmento social, sendo as
instituições religiosas a principal forma de organização juvenil na
sociedade brasileira atual.
Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estáticas feito em
2010 contou cerca de 35 milhões de jovens entre 15 e 24 anos no país. Nessa faixa
etária, somente pouco mais de 3.480 milhões se declararam sem religião, ou seja,
apenas por volta de 10% dos jovens não tem vínculos religiosos – embora isso
não represente participação ativa em grupos religiosos. Mesmo manifestando
uma compreensão precária sobre a função das instituições religiosas em suas
vidas, os colaboradores encontram ali grupos de interação:
Pesquisadora: E a igreja, vocês começaram a falar e não terminaram...
Quem vai a igreja?
[Quase todos levantam a mão e começam a dizer para quais igrejas vão.]
Pesquisadora: Só você, Ramon, que não vai a igreja?
Ramon sinaliza que vai sim.
Ricardo: É bom, você tira seus pecados.
Pesquisadora: E quais são os seus pecados? Pode contar?
Ricardo: Xingar, teimar com minha mãe!
Pesquisadora: Você vai a igreja? [Me dirijo ao Paulo que agora
permanece calado, mas já havia mencionado algo sobre religião]
Paulo afirma com a cabeça.
Pesquisadora: Você vai por que quer ou por que seus pais te levam?
Paulo: Por que eu quero.
Pesquisadora: Vocês tem amigos na igreja?
Paulo: Sim.
Pesquisadora: E o que vocês fazem juntos na igreja?
Paulo: A gente ora, a gente come... (Grupo Focal realizado em
23/06/2016)
161
Talvez a igreja supra a falta de espaços de sociabilidade, pois enquanto
faltam parques, praças e outros equipamentos públicos, todas as cidades do país
contam com pelo menos um espaço dedicado à religião.
Sofiati (2009) atribui o crescimento do movimento religioso entre os jovens
contemporâneos à falta de espaços para sociabilização. Nas décadas de 60 e 70
do século passado os jovens se juntavam em torno dos sindicatos e movimentos
estudantis. Nos anos 80, os encontros eram promovidos por meio de movimentos
sociais, como a pastoral da juventude. Nos anos 90, movimentos culturais e
lúdicos, como hip hop, crescem em popularidade entre os jovens. A partir dos
anos 2000, a chamada “terceira onda” os aproximou dos movimentos religiosos,
especialmente dos carismáticos e pentecostais. Santos (2005) complementa
dizendo que o avanço desse movimento tem a ver com a divulgação do sagrado
nos meios de comunicação como rádios, TVs, shows, internet etc. As mídias
tornaram o transcendente acessível e as igrejas evangélicas introduziram novas
dinâmicas – com música e danças, por exemplo - aos cultos tornando-os atrativos
aos jovens.
Na atividade de desenhar a cidade que consideravam ideal, Adrielle (fig.
56), Kauane, Janderson (fig. 58), Marcela e Keven fizeram questão de posicionar a
igreja entre as construções urbanas. Admirada com a recorrente menção ao tema,
já que não sou praticante de nenhum credo, tentei insistir sobre o assunto para
conhecer a opinião dos demais alunos e perguntei quem frequentava a igreja.
Ramon, Ricardo e Paulo reconheceram a importância da religião e afirmaram
participar de missas e cultos com as famílias.
162
Figura 58 - Cidade ideal desenhada por Adrielly
Para Santos (2005, p. 167), não “há como desconsiderar o importante
movimento produzido pelas igrejas pentecostais e neopentecostais na contenção
de problemas sociais”. As igrejas gozam de credibilidade junto às comunidades e
acabam por assumir certas responsabilidades que deveriam ser do poder público,
como tornar-se um espaço de lazer entre os jovens.
Hoje é nas igrejas que os jovens encontram espaços e pessoas com quem
podem aprender, compartilhar experiências e sentirem-se parte de algo. Quando
perguntados sobre aprendizados além dos curriculares, uma das colaboradoras
revelou competências desenvolvidas a partir da comunidade religiosa de que faz
parte:
163
Pesquisadora: E você, Kauane, aprendeu a tocar violão fora da escola?
Quem te ensinou?
Kauane: Eu fico na igreja, né? Aí o Paulo Neto (outro membro da
congregação) me ensinou. (Grupo Focal realizado em 27/06/2016)
Figura 59 - Cidade ideal desenhada por Janderson
Para Moreira (apud SOFIATI, 2009, p. 3), o “neopentecostalismo é a face
religiosa do neoliberalismo” por se colocar como uma escolha possível num
cenário que apresenta e valoriza as múltiplas possibilidades de escolhas, mas
dificulta acessos e nega oportunidades, especialmente aos mais pobres.
A adesão à religião desempenha, portanto, a importante função de conferir
pertencimento a um grupo ou a uma comunidade, lacuna cada vez mais sentida
164
na contemporaneidade. Entretanto, pode funcionar como uma nova instituição
disciplinar a medida que regula a vida prática, definindo o que é certo e errado,
“pecado e boa ação”, como falou o colaborador Ricardo em citação anterior. Essa
constatação abre um debate, entre outros, sobre laicidade na escola. Debate que
deve ser amplo ao mesmo tempo que profundo, motivo pelo qual não tratarei
esse tema aqui, pois entendo que é apenas vicinal ao assunto proposto nesta
investigação.
5.2 “Olha o estilão!” - Controle, consumo e identificação
O debate que intitula esta sessão teve início ainda no capítulo anterior,
visto que ele desponta a medida em que a sociedade disciplinar vai perdendo
espaço para a sociedade de controle. Vale retomar o determinante papel da
economia na contemporaneidade, seja controlando as pessoas para transformá-
las em potenciais consumidores, seja oferecendo possibilidades de identificação
pela associação a estilos de vida consumíveis.
Consumo ostentação
Para Canclini (2006), as identidades hoje são muito mais organizadas a
partir do consumo e dos media do que das instituições democráticas, como
ocorria na modernidade – ou na sociedade disciplinar. Assim, as representações
ou a falta delas reflete a significância atribuída a determinado grupo pelos
discursos midiáticos:
Para muitos homens e mulheres, sobretudo, jovens, as perguntas
próprias dos cidadãos (...) são respondidas antes pelo consumo
privado de bens e meios de comunicação do que pelas regras
165
abstratas da democracia ou pela participação em organizações
políticas desacreditadas. (CANCLINI, 2006, p. 14)
A observação de Canclini ficou evidente durante um dos encontros com os
participantes da pesquisa. Falávamos sobre objetos que caracterizam ser jovem
tentando fazer um paralelo entre os colaboradores e a “galera Fanta” com suas
ferramentas para salvar a fonte. Os participantes tentaram, a princípio, se manter
fieis aos equipamentos que participam do jogo:
Pesquisadora: E quais são os objetos que mais são a cara de vocês? Por
exemplo, a Adrielly já falou que gosta de patins...
Adrielly: Ioiô tb.
Pesquisadora: Não precisa ser só os que aparecem aqui não. Pode ser
também celular, por exemplo, ou coisas que vocês tem em casa.
Ricardo: Arraia!
Carlos Daniel: Boné! Tablet!
Alana: Eu sou viciada em roupas.
Kauane: Bateria (instrumento musical). (Grupo Focal realizado em
27/06/2016)
Em seguida passaram a listar marcas com as quais se identificam:
Pesquisadora: O Carlos Daniel tinha falado que gosta de roupas de
marca. Quais são as marcas que vocês mais gostam?
Alana: Quik Silver, Maresia.
Adrielly: Adidas
Ricardo: Nike
Alana: o que vocês veem em Adidas? Que marca brega! Preto e branco,
coisa de velho!
Pesquisadora: Se Adidas é marca de velho, quais são as marcas de jovem,
então?
Alana: Maresia, Nike, Quik Silver
Por que? O que faz essas marcas serem bacanas?
166
Adrielly e Ricardo: o estilo! (Grupo Focal realizado em 27/06/2016)
As marcas preferidas são eleitas a partir de uma identificação com um
modelo de juventude que a mídia promove por meio dos ídolos teens como os
alunos detalharam na sequência da conversa:
Ricardo: A Quik Silver ninguém gostava, aí o MC Pedrinho (Fig. 60)
começou a usar e todo mundo começou a usar.
Carlos Daniel: Um boné de aba reta, desde a primeira vez que eu vi, eu
queria.
Alana: Quem começou a usar a Quik Silver foi o [MC] Biel (Fig.61) que é
mais velho que o Pedrinho, viu? (Grupo focal realizado em 27/06/2016)
Figura 60 – MC Pedrinho
167
Figura 61 – MC Biel
Pedrinho e Biel fazem parte de um nicho musical conhecido por funk
ostentação. Como o nome indica, as letras e os ídolos desse estilo pregam mais
que o consumo, a exibição de bens como a máxima que toca as relações
interpessoais e os papeis de gênero. Vargas e Carvalho (2015) analisaram hits
como “Mulher do Poder”38, da MC Pocahontas, e “Onde eu chego eu paro tudo”39,
38 Trecho da música Mulher no poder, de MC Pocahontas
Ostentação, palavra que eu gosto de ouvir
Se me quer do seu lado, tem que me fazer rir
Vem me buscar de Hornet, R1, RR
Me dá condição
Deixa eu totalmente louca, chapadona de Chandon
Gosto de gastar, isso não é novidade
Hoje eu já torrei mais de 10 mil com a minha vaidade
É salão de beleza, roupa de marca, sandália de grife no pé
Bolsa da Louis Vuitton, sonho de toda mulher
39 Trecho de Onde eu chego eu paro tudo, de Boy do Charme
168
do Boy do Charme, para entender como tais discursos tem pautado a vida de seus
alunos de escolas municipais de Porto Alegre. A pesquisadora pontua que:
As músicas relacionadas ao funk ostentação traçam, em sua maioria,
narrativas acerca dos “benefícios” que o acúmulo de bens e de
patrimônio proporciona aos homens jovens: a companhia de belas
mulheres e a elevação de um status frente aos demais. O mesmo estilo
musical apresenta músicas que descrevem os desejos femininos como
unicamente relacionados à vaidade e à beleza. Nas canções, tais desejos
são atendidos, de um modo geral, por homens que pagam às mulheres
o que elas querem. Os relacionamentos afetivos também são
organizados a partir da mesma lógica; mulheres namoram homens que
"bancam" tudo o que elas desejam (VARGAS, 2015, p. 6).
Ao detalhar o modo como ídolos e suas músicas influenciam a vida jovens,
Vargas ressalta que a parte de sugerir identidades associadas a opulência e a
sexualização, o funk ostentação de certa forma legitima a criminalidade como
meio de vida. Isso porque os produtos e marcas celebrados no meio são
inacessíveis para a maioria da população, especialmente para as classes em que
esse tipo de música faz mais sucesso.
Em determinados versos da música “Onde eu chego eu paro tudo”, é
possível pensar que o uso de artefatos de marcas de grife e de
automóveis caros seja propiciado pela prática de atividades ilícitas, tais
Onde eu chego eu paro tudo
A mulherada entra em pânico
Meu cordão é um absurdo
Meu perfume é da armani
(...)
Picape cabine dupla
De jet na carroceria
Correria traz fartura
Fartura traz alegria
(...)
E no meu vocabulário
Não existe economia
Nós investe no poder
E usufruir da putaria
169
como roubos e furtos. Refiro-me aqui, especificamente, aos versos
“correria traz fartura, fortuna traz alegria” e “nós investe no poder e
usufrui da putaria”. No ambiente da periferia é de conhecimento geral
que “aqueles que fazem correria” são os sujeitos envolvidos em práticas
ilícitas, a exemplo do tráfico de drogas e do comércio de máquinas caça-
níqueis (VARGAS, 2015, p. 7).
As menções aos itens caros nas músicas do estilo não são definidoras para
sua aquisição bem como a alusão ao crime não é determinante para transgressões
entre os apreciadores do funk ostentação. É importante lembrar que ídolos como
os que foram citados e a narrativa de “Salvando a fonte” são mensagens
midiáticas que operam muito mais como uma idealização, um modelo para além
da realidade.
Nesse sentido, o jogo representa apenas uma juventude que não precisa se
dedicar a uma ocupação, de certa forma definindo o público alvo do refrigerante
como aqueles com poder de compra, mesmo que a renda não seja fruto de seu
trabalho. Isso excluiria boa parcela dos jovens brasileiros que não desfrutam
desses momentos de curtição porque dedicam seu tempo a algum tipo de
trabalho ou porque não dispõem de possibilidades de lazer pela falta de dinheiro
ou perspectivas:
A existência de tempo livre não implica necessariamente em lazer. O
tempo livre do trabalho muitas vezes pode significar o espaço de
penúria, da opressão e da falta de oportunidades. Este é o caso
dramático do desemprego e da desocupação, situação vivida por uma
expressiva parcela de jovens brasileiros. O lazer é atividade social e
historicamente condicionada pelas condições de vida material e pelo
capital cultural que constitui sujeitos e coletividades (BRENNER, DAYRELL
e CARRANO, 2008, p. 178).
A lógica da visibilidade social alcançada por meio do consumo é
reproduzida no universo virtual de Fanta, de modo que só são mostrados ali os
consumidores ideais do produto. Mas, mesmo para aqueles que não estão
representados, as imagens veiculadas pela campanha se prestam a modelos (ou
reflexo) do que os jovens querem. Conforme Kehl (2004, p. 93): “Poucos são
170
aqueles capazes de consumir todos os produtos que se oferecem ao adolescente
contemporâneo – mas imagem do adolescente consumidor, difundida pela
publicidade e pela televisão, oferece-se a identificação de todas as classes socais”.
Num determinado momento, já mencionado anteriormente, os
participantes debatiam sobre objetos que os representavam. Pipa, bonés de aba
reta, patins, ioiô, tablet e chuteiras entre outras coisas foram citados. Algumas
falas chamam a atenção para o descompasso entre a vontade de consumir e as
limitações financeiras. Keven disse: “coisa mais ruim é ir no shopping sem
dinheiro”, e Alana completou: “quando eu vou no shopping tem que ter dinheiro,
viu? (...) se for pra olhar e passar raiva, é melhor não ir”. (Grupo Focal realizado em
27/06/2016)
Feixa (1999) e Campos (2007) concordam que a juventude hoje é uma
condição que abrange muito mais que uma faixa etária. Em grande parte, por
meio do consumo, “o feito paradoxal do campo de identificações imaginárias
aberto pela cultura jovem é que convoca pessoas de todas as idades. Quanto mais
tempo pudermos nos considerar jovens hoje em dia, melhor” (KEHL, 2004, p. 93).
Ciente da demanda por jovialidade, o mercado trata de oferecer por meio de bens
a possibilidade de adotar um estilo de vida associado à juventude.
Comentando sobre marcas e produtos que preferem, Alana disparou que
os produtos da marca Adidas são “coisa de velho!”. Os colegas complementaram
dizendo que colorido e estilo é o que confere jovialidade a certas marcas, por isso
justificam, inclusive, a preferência por alguns personagens.
Pesquisadora: Esse é o Tristan.
Ricardo: Esse é top!
Carlos Daniel: Olha o estilão dele!
171
Pesquisadora: Tristan tem otimismo e entusiasmo para reunir pessoas.
Ele conhece todo mundo e está em todas as festas e eventos. Tristan tem
estilo. E é com Fanta que ele consegue energia pra tanta animação. [leio
a descrição do personagem contida no site]
Carlos Daniel: Olha eu aí, professora!
Aqui é toda a turma, cada um com seu objeto [mostro a imagem com
toda a galera Fanta].
Ricardo: Eu só não entendi a do Tristan. Ele não tem nada... (os outros
tem skate, ioiô etc.)
Pesquisadora: Ele perdeu a diversão, ele tá playless...
Carlos Daniel: É esse que tem que salvar.
Pesquisadora: Com quem vocês se parecem mais?
Carlos Daniel: Com o moreninho (Tristan). Na rua eu só uso roupa
cabulosa!
Pesquisadora: Como é roupa cabulosa? Como vc descreve? É moderna? É
colorida? É grande?
Carlos Daniel: De marca! (Grupo Focal realizado em 27/06/2016)
Origem fantástica
A mídia, por meio de campanhas publicitárias ou celebridades, funciona
tanto para elaborar valores, como explicamos acima, quanto para apagar traços
da lógica do capitalismo em nome de uma lógica do consumo simbólico
(CARRASCOZA, CASAQUI E HOFF, 2007). Ciente das implicações de ordem
econômica e até mesmo ecológica envolvidas em seus processos de produção,
Fanta oferece uma ressignificação para o feitio do refrigerante apelando para
Floresta de frutas e Cachoeira. Esses dois cenários, que compõem “Salvando a
fonte”, são recolocados como origens fantásticas da bebida.
172
Carrascoza, Casaqui e Hoff (2007) abordam uma estratégia semelhante
utilizada por Coca-cola no VT Happyness Factory (fig. 62) de 2006. No artigo, os
autores descrevem e analisam o filme em que uma linha de produção divertida
operada por criaturas ficcionais trabalham carinhosamente para gerar garrafas de
Coca-cola. Nesse caso, como em vários outros, a publicidade funciona como um
artifício para apagar os elementos reais de produção da mercadoria (idem, p. 73)
em nome de um consumo idealizado e prazeroso.
Figura 62 - quadro de Happyness Factory
Rocha (2006, p. 93) se alinha a essa posição ao afirmar que a mídia
enquadra a produção cultural e simbolicamente:
É nesse contexto da modernidade (contemporaneidade) que
aparece a indústria cultural como forma básica de distribuição dos
significados, permitindo que a produção adquira seu destino de
173
consumo. A mídia faz com que a produção possa ter sentido e,
portanto, possa ser percebida como consumo.
Nos jogos, a Floresta de frutas e a Cachoeira (fig. 63) funcionam, assim,
como uma floresta mágica, colorida e divertida, com frutas usadas no preparo da
bebida ou mesmo uma torrente de Fanta, respectivamente. A realidade da fábrica
com seus funcionários, a matéria prima e sua origem, as garrafas desde o
transporte ao descarte, são trocados pela produção encantada oferecida pela
marca, muito mais adequada ao consumo em que nada deve ser desagradável.
A esfera da produção, sem atribuição de significados, é a esfera de uma
falta que coloca na disjunção as palavras (o significado) e as coisas
(produtos e serviços). Introduzir o significado na esfera da produção
quer dizer criar um código que faça delas nascer o consumo. A produção
em si mesma não é nada, ela não diz. Em certo sentido, uma casa vazia
não é uma casa, como lembra Marshall Sahlins (1979). É preciso construir
um código, um sistema simbólico que complete os produtos e serviços,
dotando-os de sentido, sob a forma de usos, razões, desejos,
necessidades, instintos ou o que mais se queira (ROCHA, 2006, p. 101).
Entretanto, a representação do processo produtivo precisa se aproximar de
realidades conhecidas, as corporações são ressignificadas simbolicamente para se
adequarem aos ideais do consumidor, ao que ele projeta: “as imagens e
representações do mundo do trabalho estabelecem vínculo de verossimilhança,
de apropriações de traços da realidade para conotar as experiências
potencializadas do consumo de produtos” (CARRASCOZA, CASAQUI e HOFF,
2007, p. 70). Um produto que surge de cachoeiras ou florestas de um mundo
divertido deve gerar felicidade.
174
Figura 63 - Floyd no jogo jetpack ambientado na cachoeira
Personalidade produto
Voltando aos ambientes do site analisado, destaca-se ainda na Casa do
Todd o automóvel do personagem, a Vanta (que aparece na figura 62), como
exemplo de estilo de vida externado por um produto. No jogo o carro não é
apenas um meio de transporte, é também um difusor de som. Embora não tenha
reservado ocasião própria para trazer a música ao debate, revendo as transcrições
dos encontros me dei conta de que mesmo diluída, sua importância está presente
nas narrativas dos alunos. Enquanto alguns participantes revelam cantar para
espantar a tristeza, outros tomam ídolos adolescentes como referência, como
veremos adiante.
175
Quanto ao carro, na cultura norte americana, ganhá-lo é como um rito de
passagem essencial à juventude (MOBILIZE, 2013), simboliza, de certa forma,
independência em relação aos pais. O automóvel é um sonho de consumo que
representa status e liberdade “desde o início do século 20, quando Ford criou sua
montadora, os carros estão entre os bens de consumo mais desejados do mundo”
(LOUREIRO, 2013). Mas, quando falamos de jovens, brasileiros em especial, há
duas contradições nessa associação. O poder aquisitivo é uma delas, pois essa
etapa ainda é de instabilidade profissional e, portanto, financeira. A outra
contradição é a idade, já que a carteira de habilitação é concedida apenas a
maiores de 18 anos.
Figura 64 - Imagem geral de Utopia com a Vanta em primeiro plano
Entrevistas com executivos de três montadoras sediadas no país (Kia,
Chevrolet e Ford) revelam que os jovens consumidores são uma minoria que
pertence às classes A e B e ganham o veículo da família, ou já estão pela casa dos
25 anos (nem tão jovens assim?), empregados, e podem arcar com a compra de
176
um carro (REVISTA POACARROS, 2010). Levando essa informação para o âmbito
do game a discrepância fica ainda mais evidente: o único personagem que possui
carro não tem família e tampouco emprego. Essas omissões, a rigor, revelam a
idealização do período de adolescência e do próprio consumidor do refrigerante
como sem regulação parental ou compromisso laboral, mas com grande poder de
compra e disponibilidade total para a diversão.
Em contrapartida, a notícia anterior informa também que os jovens usam o
carro como espelho da personalidade. Desse modo, o uso de automóvel para
construir um personagem independente e bem sucedido socialmente é
justificado. Todd, como líder da “galera Fanta” pode contar com uma van equivale
a proporcionar aos colegas a mesma possibilidade de autonomia. Ao personalizá-
la [nos jogos relacionados], o participante tem a ilusão de estar expressando sua
individualidade por meio da construção de um estilo (CAMPOS, 2007).
Outra questão a ser discutida é o apagamento da aura em torno dos carros
como objeto de desejo, especialmente entre os jovens. Loureiro (2013 s/p.) afirma
que:
As novas gerações já não estão nem aí para motores, pistões e cilindros.
Em 1998, 64% dos americanos de até 19 anos tinham carteira de
habilitação. Em 2008, a fatia caiu para 46%. No ano passado, chegou a
28%. No Brasil, apesar de a venda de carros bater recorde atrás de
recorde, os jovens também já não se entusiasmam tanto com o volante.
Uma pesquisa da consultoria Box 1824, especializada em
comportamento, mostra que comprar um carro é prioridade para só 3%
dos jovens de 18 a 24 anos.
Seja por razões ideológicos, como o engajamento em causas ecológicas, ou
pela incapacidade de arcar com os gastos, os jovens estão cada vez menos
interessados em automóveis. Embora a inserção de um veículo na história permita
esta análise, os participantes do grupo focal não expressaram interesse por eles. A
maioria informou que sua família possui pelo menos um carro, mas ninguém
177
mencionou o objeto como sonho de consumo. Talvez pela pouca idade (a média
era 13 anos), os gadgets e a internet estão entre os objetos de consumo mais
desejados entre os participantes.
Pesquisadora: E com tecnologia, vocês mexem com tablet? Com
computador, celular, notebook? Vocês aprendem a mexer nessas coisas
onde?
Ricardo: Os caras vão na lan house aí você vê e aprende.
Adrielly: Professora, com tecnologia eu gosto muito de escutar música.
Pesquisadora: Com o que você escuta música, no mp3?
Adrielly: No youtube.
Pesquisadora: Quem tem tablet?
Todos levantam as mãos.
Pesquisadora: Vocês instalam coisas nos tablets? Quem ensinou pra
vocês?
Kauane: Minha irmã.
Alana: Sozinha.
Ricardo: Eu aprendi foi vendo as pessoas baixando.
Carlos Daniel: tem menino desse tamanhozinho (pequeno) que sabe
baixar coisas...
Alana: Minha irmã tem 7 anos e sabe mexer melhor do que eu.
Carlos Daniel: dá vergonha, não dá?
Pesquisadora: E a questão de aprender pela internet? Vocês já
aprenderam alguma coisa pela internet?
Alana: Aprendi a baixar música pelo youtube
Carlos Daniel: Aprendi a mexer no youtube, no face (facebook)..
Ricardo: Igual ao PB (point blanc - jogo), eu vi no youtube pra baixar.
GTA (grand theft auto – jogo)...
Kauane: Eu aprendi a baixar jogos, música.
Adrielly: Música e dicionário de inglês, português e espanhol (Grupo
Focal realizado em 27/06/2016).
178
Loureiro (2013) confirma que o símbolo de status transferiu-se dos carros
para os tablets e smartphones. Além disso, a noção de presença está sendo
ressignificada por meio da conectividade:
Graças à internet e às mídias sociais, mais pessoas podem se conectar
com os amigos, no trabalho ou até mesmo fazer seus trabalhos escolares
sem sair de casa, tornando-as potencialmente menos dependentes dos
carros, porém mais dependentes das traquitanas eletrônicas (MOBILIZE,
2013, s/p.).
Acrescentando à invasão das tecnologias o fim das instituições disciplinares
e das identidades fixas baseadas na família ou no trabalho, por exemplo, podemos
vislumbrar o mundo virtual como novo espaço público de constituição dos
sujeitos:
No novo ambiente, perdem sentido aqueles relatos edificantes sobre as
gestas patrióticas repletas de grandes acontecimentos e figuras
admiráveis, que pontilhavam o imaginário escolar com batalhas e
proclamações comandadas por homens ilustres, por exemplo, enquanto
cresce o interesse por uma multiplicidade de pequenas narrativas sobre
as minúcias privadas de qualquer um. Não se trata apenas do
surgimento e da veloz popularização de fenômenos como os reality
shows da televisão e a interação via internet, embora um exemplo bem
claro dessa transmutação surja neste último campo. Trata-se da “linha do
tempo” que a rede social Facebook implementou em 2011 para expor o
perfil de seus milhões de associados, convertendo a história pessoal de
cada um num breve relato audiovisual. (SIBILIA, 2012, p. 146)
A afirmação de Sibília nos ajuda a concluir que se a modernização
desmanchou o que era sólido, o período seguinte reduziu os fragmentos a
partículas. O indivíduo moderno dispunha de códigos estáveis que o
instrumentalizavam para depreender sentidos, assumir identidades e proceder à
comunicação. Entretanto, “desmorona-se a utopia da comunicação que alumiou o
sonho iluminista e sustentou o projeto moderno. Sobre as ruínas dessa ilusão, no
entanto, caberia agora inventar pequenos laços precários, mas talvez poderosos,
meramente situacionistas ou válidos para cada ocasião” (idem, p. 65).
179
O jovem contemporâneo, tal como uma marca a ser gerida, se adapta ou se
associa transitoriamente a identidades a fim de desempenhar um papel social. Sua
identidade é transitória e, por isso, a identificação em muito é definida a partir do
consumo ou dos media: “As tecnologias visuais e audiovisuais, e mais
recentemente os media digitais, são territórios onde as gerações mais jovens,
incluindo as crianças, fazem uma série de aprendizagens e adquirem
competências, constroem imagens do mundo, comunicam e experimentam
identidades” (CAMPOS, 2007, p. 115).
Hoje e cada vez mais a existência é pautada pelo engajamento em
comunidades virtuais. Essa ideia aparece nas falas dos colaboradores sobre seu
apego ao celular e à internet:
Pesquisadora: Sobre celular, alguns de vocês citaram o celular como
importante.
Adrielly: Se eu ficar um dia sem meu celular, eu acho que morro de
infarto.
Alana: Eu explodo. Quando eu tou com meu celular eu fico mais calma...
Adrielly: Uma vez eu perdi meu celular. Eu não conseguia achar. Eu fui
ficando branca, eu comecei a chorar... (Grupo Focal realizado em
27/06/2016)
A presença nas redes sociais também é citadas como ação importante
pelos colaboradores:
Pesquisadora: Todo mundo aqui tem acesso a internet em casa?
(falam ao mesmo tempo e tem opiniões divididas)
Keven: Sim, pelo celular.
Pesquisadora: O que vocês fazem pela internet?
(Falam ao mesmo tempo: vídeo, música)
Adrielly: Assisto Whyndersson Nunes (comediante e youtuber) com w. é
muito diferente... Supernatural, Estrelas, Miraculous (séries de TV).
180
(...)
Pesquisadora: Ninguém tem rede social... ?
Marcela: Facebook
Adrielly: Entra no Facebook
Carlos Daniel: eu não gosto desse treco de ... (inaudível), agora Facebook
vai.
Marcela: eu tenho Facebook, eu entro no meu whatsapp e vejo o grupo.
(Grupo Focal realizado em 27/06/2016)
Na opinião de alguns críticos, participar desse tipo de sociabilidade é
essencial para elaborar significação, embora não corresponda a criação de
sentidos. Passa muito mais por sentir-se parte de algo, “nos apropriarmos do
fluxo” (SIBILIA, 2012, p. 90 e 91):
Para a subjetividade do espectador ou usuário midiático, o sentido não é fundamental. Como dois lados da mesma moeda, hoje a estimulação é abundante, mas escasseia a capacidade de incorporar esses estímulos, que deslizam sem se assentarem na subjetividade por meio da consciência. Esse seria um dos motivos, aliás, pelos quais se revela tão importante tecer tais redes, já que estas multiplicam as conexões e permitem habitar de modo conjunto a torrente informacional, produzindo uma densidade capaz de desacelerar essa avalanche e captar de algum modo o que se sucede tão rapidamente, transformando-o em experiência.
O esvaziamento do sentido, como explica Sibília, é também o esvaziamento
da experiência de que falava Walter Benjamin pelos idos dos anos 1930, a morte
da conversação descrita por Debord nos anos 60 do século passado e o
apodrecimento da comunicação anunciada por Deleuze na década de 1990
tratavam essencialmente das mídias analógicas, mas podem ser muito bem
sentidas em tempos digitais. Assim como a industrialização cobrou o preço da
adaptação do sujeito moderno à velocidade, a pressa pegou as pessoas de
surpresa e de jeito, sendo justificada em nome das “utopias políticas, que
prometem tempos de felicidade e de fraternidade; aparece a ciência, que promete
a compreensão humana do universo; aparece a tecnologia, que promete a
emancipação do homem em relação às agruras na natureza” (LA TAILLE, 2009, p.
181
31). As palavras de ordem que impulsionavam a marcha da modernidade eram
ideias promissoras de futuro.
Para La Taille (idem), o ideário moderno chegou à década de 1970, mas foi
enfraquecendo até ser categoricamente encerrado com a derrubada das torres do
World Trade Center em 2001. Esse intervalo de tempo engloba vários
acontecimentos que concorreram para a derrocada dos grandes sistemas: fim da
União Soviética, da separação entre as Alemanhas e da proposta social-comunista,
reformas econômicas neoliberais afetando mercados e trabalhadores,
desequilíbrio climático e crise de recursos naturais. Já não há perspectivas de
futuro, tampouco referências de passado.
Por meio das redes sociais, das mensagens instantâneas ou mesmo de e-
mails, troca-se informações, posta-se imagens, registram-se encontros, presenças,
opiniões, mas não se estabelecem conversações. Escasseia a produção de sentido
e a sensação de pertencimento a algo sólido ou mesmo a um grupo:
Tem-se a impressão de que, hoje em dia, muitos dos inúmeros atos de
comunicação traduzem mais uma vontade de estar em contato com
outrem do que estabelecer trocas com ele. Por exemplo, Ana Cristina
Garcia Dias, em seu estudo sobre as motivações dos jovens usuários dos
chats na internet, verificou que, para muitos deles, não se tratava de
participar de diálogos edificantes, mas apenas de atividade de
divertimento (DIAS e LA TAILLE, 2006). É como se se tratasse de uma
grande e constante “festa”, de uma grande e constante reunião social
que se basta (LA TAILLE, 2009, p. 56).
A despreocupação com diálogos edificantes e a ênfase em atividades
apenas como divertimento, conforme explica La Taille, são características da
persona online, ou seja, a pessoa como marca que é elaborada pela participação
em grupos de discussão, como no aplicativo Whatsapp; ou em redes sociais que
se encarregam de montar painéis de interesses e estilo, como o Pinteret;
promover encontros amorosos, como o Tinder; estabelecer contatos profissionais,
como o Linked in, entre outros. A interação nesses canais, em grande medida, é
182
pautada pela associação a informação terceirizada e reação do ciclo/grupo a que
pertence. No Facebook, por exemplo, é possível fazer parte de comunidades
virtuais que tratam dos mais variados temas, desde religião, passando por música,
esporte, sexualidade e consumo, até posições políticas. Ali também existe espaço
para publicação de opiniões pessoais, que – como observo - é comumente
substituída por textos de veículos ou autores cuja credibilidade muitas vezes é
duvidosa. Há ainda o intenso compartilhamento de imagens pré-fabricadas, os
memes, que por sua vez são fragmentos de acontecimentos divulgados pela
internet. Embora os usuários possam responder às postagens, em sua grande
maioria se limitam a reagir a partir dos emojis disponibilizados (fig. 65), se
abstendo de palavras e utilizando animações pré-determinadas para expressar
emoções. Ali também pode-se ainda decidir ignorar certos tipos de informações
publicadas e até desfazer “amizades.
Figura 65 - Emojis do Facebook
A homogeneização que a modernidade tratou de impor aos indivíduos
perde força até ser totalmente desconstruída no fim do século XX.
Gradativamente a felicidade individual se sobrepõe à ordem social e a filiação às
estruturas sólidas é muito mais opcional do que compulsória. Não se trata de que
já não se aposte na família ou no trabalho, por exemplo, ou mesmo na pátria e até
na religião; porém, todas essas instâncias se converteram em opções individuais –
183
não necessariamente dadas a priori, mas adaptáveis e definíveis ao gosto de cada
um. Esses novos modos de identificação e interação social estão no que Sibilia
(2012, p. 71) identifica, em Neal Gabler, como “a conquista da realidade pelo
entretenimento”.
Para aprofundar um pouco mais nossas reflexões sobre essas questões, vamos
tratar a seguir do imperativo do gozo e suas consequências.
5.3 Os playless - Imperativo do gozo, tédio e hiperestímulo.
A narrativa que conduz “Salvando a fonte” é baseada no desaparecimento
da diversão. Em Utopia há uma torre com um relógio que marca a hora certa para
que a diversão tenha início. Entretanto, o relógio quebrou e todo o ambiente
corre o risco de cair na apatia e na falta de alegria. Nessa cidade repleta de
espaços de lazer e diversão, onde mora a “galera Fanta”, eles assumiram o
compromisso de resolver o problema que motiva o jogo.
Utopia, cidade multicolorida!
Como explica Sibilia (2015), o relógio foi adaptado desde sua origem, nos
mosteiros medievais, para o uso cotidiano a fim de conferir ritmo à lida diária e
otimizar a produtividade. Ao associar a torre do relógio ao divertimento, o jogo
subverte a lógica capitalista industrial substituindo o compromisso com o trabalho
pela recreação. Essa primeira impressão revela que, de acordo com Fanta, seria
perfeito transformar o tempo de produção em momento compulsório de lazer.
Utopia é um lugar composto por vários espaços de recreação como estádio
de futebol, parque de diversões, fliperama, pista de skate, quadra de esporte e
184
praia, além de casas e prédios. Com tantas estruturas de lazer, a cidade parece
projetada para a sociabilidade, aspecto importante para o desenvolvimento
juvenil. Segundo Brenner, Dayrell e Carrano (2008, p. 176), o tempo livre, a
diversão e a interação corroboram para a construção de identidades entre os
jovens, inclusive identidades coletivas.
Essas formas descomprometidas (atividades de lazer) possuem,
entretanto, uma grande efetividade social para o estabelecimento de
valores, conhecimentos e identidades. No espaço-tempo do lazer, os
jovens consolidam relacionamentos, consomem e (re)significam
produtos culturais, geram fruição, sentidos estéticos e processos de
identificação cultural.
Em sua análise sobre a cultura do lazer e do tempo livre, pesquisadores
(idem) revelam, contudo, que a maior parte de nossas cidades não oferece
espaços para o convívio dos jovens. No Brasil, a distribuição dos equipamentos
culturais segue as desigualdades sociais concentrando-se nas regiões mais ricas.
Ricardo marcou bem essa discrepância analisando a apresentação da cidade
fictícia:
Ricardo: - Queria morar nessa cidade
Pesquisadora: Por que você queria morar aí?
Ricardo: - Tem tudo! Tem “campinho” de ping pong. Olha lá...
(...)
Pesquisadora: O que vocês acharam daquela cidade ali?
Marcos: Muito legal!
Ricardo: De gente rica
Marcela: Eu queria morar lá...
Ricardo: Parece de gente rica, que não vai faltar nada.
Pesquisadora: Deixa te perguntar uma coisa, Ricardo. Como é cidade de
gente pobre?
Paulo: Rua esburacada.
185
Keven: Favela.
Ricardo: Igual lá no JK [Juscelino Kubistchek, setor vizinho]. No JK não
tem asfalto...
Carlos: [Tem] lixo.
Ricardo: Água tem que ser de poço ou então tem que ter ligação urbana
pra lá. E olha lá se água vai pra lá, por que é fraquinha. Quando chove é
só barro. Pra você vir pra escola tem que por sacola nos pés..
Alguns colegas riem!!!
Ricardo: É! Eu não vou vir com os pés sujos. (Grupo Focal realizado em
2/3/06/2016)
De acordo com pesquisas do IBGE (2012), de 5.565 municípios brasileiros
menos de 2.000 possuem centros culturais, por volta de 1.400 tem teatro, a oferta
de cinemas nem chega a 600 deles e só há shoppings em cerca de 350. As
bibliotecas e as quadras de esporte são os equipamentos mais comuns, existindo
em quase 5.400 e 4.900 cidades respectivamente. Para a maioria dos jovens
brasileiros, um lugar como o do jogo é mesmo uma utopia.
Fazem parte do cenário ainda a Floresta das frutas e a Cachoeira. Ambas
são opções para curtir a natureza disponíveis no jogo, já que nelas há fases
relacionadas à busca da diversão. Entretanto, as interações concentram-se mesmo
sobre o espaço urbano acompanhando os dados que indicam a concentração de
jovens nas áreas urbanas é de 81% (FRIGOTTO, 2004) e, ainda, sua preferência por
atividades eletrônicas, como apontamos até aqui.
Reiterando o destaque dado à diversão, a casa do Todd se sobressai como
parte do ambiente do jogo. O espaço, assim como Utopia, é projetado para o
entretenimento formado por duas salas, cozinha, quarto, espaço de jogos,
garagem, piscina e uma pista de corrida. É importante assinalar a presença de
vários apetrechos destinados à distração, como TVs, aparelhos de som, jogos
estilo pinball e mesa de ping pong numa sala de jogos, bicicleta e equipamentos
186
para customizar veículos na garagem. Mais uma vez, bens de consumo são
utilizados para oferecer uma vinculação identitária ao personagem associando-o à
ideia de juventude.
A falta de autoridades e o convite ao divertimento agem em favor do
imperativo do gozo. Pela perspectiva da psicanalista Maria Rita Kehl no
consultório, para a juventude sem tutoria, tem sido angustiante – e não prazeroso
– ser colocado no centro da sociedade. As falas dos participantes se dividem
quando o assunto é a falta de supervisão adulta. Em princípio, acreditavam que
aproveitariam, mas logo se deram conta que sentiriam falta:
Ricardo: Pras crianças deve ser uma diversão, não ter os pais. Fazer o
que eles quiserem...
Adrielly: Eu acho que eu não viveria sem meus pais. Sem minha mãe, né?
Sem meu pai eu até que viveria
Pesquisadora: Como é que seria um lugar que só tivesse criança, não
tivesse adulto nenhum?
Adrielly, Marcela e Ricardo riem e falam ao mesmo tempo.
Keven: Sem controle!
Pesquisadora: Os adultos então servem para controlar?
Carlos Daniel: É, controlar.
Keven: Se não nós se mata (sic.)
Carlos: Ia ter liberdade
Pesquisadora: Ia ter liberdade demais?
Adrielly: Ia virar bagunça
Marcela: As vezes até com a minha mãe eu acabo dando muita
liberdade...
Marcos: Se nessa cidade não tivesse nenhum adulto ia ser bom demais, a
gente podia pegar tudo o que quisesse.
Adrielly: Ia ser horrível. Se a gente não soubesse fazer comida ia morrer
de fome... (Grupo Focal realizado em 23/06/2016)
187
O imperativo do gozo faz parte dos jovens tentarem escapar da
adolescência ao não corresponderem aos ideais que lhes são impostos. Por outro
lado, ninguém quer crescer, pois “como ingressar no mundo adulto onde nenhum
adulto quer viver?” (KEHL, 2004, p. 97). Se os adultos perseguem o ideal de
juventude e deixam de definir referências ou limites para os jovens, a “vaga de
‘adulto’, na nossa cultura, está desocupada” (idem, p. 96). O que parece liberdade
termina em omissão por deixar os adolescentes desamparados. Essa lacuna de
valores e transmissão de experiências pode ser ocupada por “razões de mercado”
(idem, p. 97) ou serem pautadas pelas representações midiáticas.
Cidade cinza
Antagônica à Utopia, existe a Cidade, outro centro urbano que aparece na
base da tela e é bem menor que Utopia ou, apenas um recorte no mapa. Os
prédios e as quadras, de basquete e futebol, estão em ruínas. Uma nuvem escura
se desloca para encobri-la, não há sinal de vida nem mesmo cores em nenhum
lugar. A história em quadrinhos 40 (fig. 66) conta que, com o defeito na torre do
relógio, a falta de diversão que ameaça Utopia já se instalou na Cidade. Seus
habitantes se transformaram em playless, ou seja, pessoas sem-diversão, pessoas
cinza incapazes de divertir-se, interagir e demonstrar empolgação. Para evitar que
o tédio e a “chatice” se espalhem, jogadores e a “galera Fanta” devem salvar a
fonte.
40 Tradução do diálogo:
Todd: - Cara, o que está acontecendo com seu braço?
Tristan: - Não sei. Sei lá!
Todd: - Sei lá!? Está cinza como minha avó!
Tristan: suspira.
Todd: Bem, deite-se ou qualquer coisa. Eu vou acabar com isso.
188
Figura 66 - Diálogo entre Tristan e Todd mostrado no comic book
A associação da cor cinza com o tédio remete às observações feitas por
Singer (2010) em sua análise sobre o sensacionalismo nas mídias modernas. Para
ele, a modernidade inaugurou um período em que a atenção das pessoas
requisitava cada vez mais estímulos para ser conquistada. Como resultado, a
apatia frente ao excesso de excitação também se tornou comum.
As tentativas de compreender o sensacionalismo popular como um
sintoma da vida moderna também ocasionaram uma crença difundida
sobre as consequências fisiológicas da superestimulação nervosa. (...) A
ideia era de que os nervos humanos eram sujeitados ao desgaste físico e
tornavam-se mais fracos, lentos e progressivamente menos sensíveis
quando estamos expostos a muitos estímulos. “Nervos excitados e
esgotados” criaram um modo de percepção “fatigada” ou “blasé” que
imaginava o mundo “em um tom uniformemente insípido e cinzento”.
Sensações cada vez mais fortes eram necessárias para penetrar os
sentidos atenuados, para formar uma impressão e redespertar uma
percepção (SINGER, 2010, p. 118).
O autor continua a análise explicando que industrialização, urbanização e
crescimento populacional incidiram sobre as subjetividades por meio de choques
189
físicos pela sobrecarga nos sentidos. A intensidade do trânsito, concentração de
pessoas, excesso de placas, sons, barulhos etc., atordoavam e requisitavam
atenção seletiva: “a modernidade implicou um mundo fenomenal –
especificamente urbano – que era marcadamente mais rápido, caótico,
fragmentado e desorientador do que as fases anteriores da cultura humana”
(idem, p. 96). Mais do que adestrar o corpo para a funcionalidade fabril, a
modernidade imprimiu um novo ritmo ao modo de entender e reagir aos
estímulos sensoriais: “o organismo mudou de marcha, por assim dizer,
sincronizando-se ao mundo acelerado” (SINGER, 2010, p. 117). Condicionados à
cadência frenética e fracionada das linhas de produção, os indivíduos
necessitavam de experiências excitantes para compensar o tédio de um trabalho
burocratizado e vazio. Essa compensação, entretanto, deveria basear-se no
“empobrecimento da experiência estética da modernidade” (idem) sendo
igualmente rápida e superficial. Daí o cinema ter sido designado por Walter
Benjamin como um sinal dos tempos modernos.
As pessoas, alheias ao sentido do trabalho e do divertimento, requisitavam
estímulos ainda mais potentes alternando tédio e excitação em graus cada vez
maiores. Contra o enfastiamento, o hiperestímulo, entretanto, pode também não
ser a compensação adequada.
Quem quer ser playless?
La Taille (2009) explica que se o indivíduo não consegue atribuir sentido às
coisas, pode tornar-se apático ou depressivo, mas afirma, também, que o excesso
de estímulos pode levar a uma busca ainda mais complexa:
Várias razões podem levar alguém a associar sua vida ao tédio. Às vezes,
trata-se de um destino infeliz que prendeu a pessoa a atividades
190
repetitivas e sem interesse, um destino que a desviou de lugares, de
pessoas, de trabalhos mais ricos. Todavia, não apenas os destinos cruéis
podem trazer o tédio. Até mesmo com a possibilidade de realizar
atividades variadas, conhecer pessoas e lugares diferentes, é possível
sentir tédio por que a vida carece de sentido. Nesse caso: cai-se na
melancolia, na depressão. Ou então, para fugir desse mal, procura-se
ocupar freneticamente o tempo, correr de lá pra cá, realizar mil
atividades diferentes, verificar a cada hora de chegam e-mails, recados,
torpedos, toda hora mandar e-mails, mensagens, torpedos, ligar do
celular para falar qualquer detalhe, manter incessantemente a televisão
ligada na esperança de que notícias graves façam cair do céu um novo
assunto que dará a impressão de viver intensamente por alguns dias,
comer, malhar, comer novamente, divertir-se, desviar constantemente a
atenção com pequenas atividades justapostas (LA TAILLE, 2009, p. 17).
Por meio de exemplos, os colaboradores reforçam com os argumentos de
La Taille ao dizerem que precisam ocupar seu tempo para não se sentirem
entediados:
Pesquisadora: Eu queria saber de vocês como é que as pessoas perdem a
diversão no cotidiano, o que faz elas ficarem sem diversão, ficarem
playless.
Carlos Daniel: Ficar em casa sem fazer nada.
Adrielly: Dá preguiça!
Michel: Ficar sem conversar, não tem nada pra fazer, não pode se
divertir...
Pesquisadora: Ficar sem conversar, não ter o que fazer... como vocês se
sentem?
Adrielly: Meio sem... com tédio. Quando eu tou com tédio, eu começo a
bater nas coisas, começo a bater nos trem tudo (sic).
Ricardo: Quando eu tou com tédio, eu começo a erguer arraia.
Pesquisadora: Então vc combate o tédio erguendo arraia, brincando, se
divertindo... então é ruim ficar entendiado?
Todos: sim!
Adrielly: É horrível! A gente ficar sem fazer nada... (Grupo Focal realizado
em 21/06/2016)
As mudanças trazidas com a modernidade e a industrialização, naquilo que
diz respeito à atenção e apatia, se intensificaram na contemporaneidade. As
191
subjetividades modulares da sociedade de controle dispõem ainda de mais
incitações seja pelos apelos ao consumo, seja pelas demandas das tecnologias
midiáticas, ou mais, pela junção de ambas. É possível e necessário adotar estilos
de vida a venda, é importante gerir a si mesmo como marca. Como parte da
cadeia de consumo, é necessário vender-se como bem sucedido, feliz, de
preferência de forma imediata e permanentemente:
As novas subjetividades em formação são fundadas na cultura do
imediatismo, da possibilidade da obtenção do prazer contínuo e de uma
temporalidade instantânea. É a cultura do "aqui e agora" que liga a
promessa de um estado de bem-estar eufórico, em que não é permitido
sentir-se triste ou angustiado. E para esses "pecados" contemporâneos
há ainda a garantia da medicalização, das "pílulas de felicidade", que
oferecem a tentadora possibilidade de recusa à dor e, de quebra, de
regresso ao consumo. Esta é a lógica dessa sociedade: é possível ter
acesso a qualquer escolha, desde que seja no interior do consumo
(SILVA, 2006, p. 89 - 90).
Concordando com Silva, ao detalhar a formação de subjetividades
baseadas na cultura do imediatismo e associadas a expectativa de prazer
contínuo, podemos dizer que os jovens de hoje são incessantemente convocados
ao gozo, porém, sentem-se incapazes de desfrutá-lo e, consequentemente,
frustrados. Essas condições contribuem para leva-los a situações extremas nas
quais tem sido os protagonistas de crescentes índices de suicídio:
O último quarto do século XX alterou drasticamente uma relação que
mais de 150 anos de estatística haviam incitado a interpretar como
universal: o crescimento regular da taxa de suicídios com o aumento da
idade (...) a taxa de suicídio entre os jovens de 15 a 24 anos triplicou na
segunda metade do século XX, enquanto, no mesmo período de tempo,
o suicídio de adultos e de pessoas idosas diminuiu (BAWDELOT e
ESTABLET, 2006 in LA TAILLE, 2009, p. 70)
Carlos, falando de modo exagerado e em tom de brincadeira, surpreendeu
o grupo ao revelar como se sente quando está longe dos colegas e da escola:
“todas as férias dá um tédio, dá vontade de morrer”. A turma parece concordar
192
com o imperativo da diversão proposto no jogo e isso fica evidente no seguinte
diálogo:
Pesquisadora: Vocês falaram antes que a diversão é importante. E a falta
de diversão, se sentir as vezes sem alegria, é importante?
Adrielly: Não!
Carlos: É um desastre... (Grupo focal realizado em 21/06/2016)
Entretanto, os alunos admitem que é preciso se permitir ficar triste em
alguns momentos.
Pesquisadora: O Carlos tinha falado antes que as vezes quando seu
bichinho de estimação tá doente ou quando alguém da sua família
morre, a gente fica triste. Esse momento é importante ou é melhor
superar o mais rápido possível?
Carlos: Superar o mais rápido possível!
Marcela: Algumas vezes na vida é importante. Você começa a pensar no
que vc fez de ruim também. Mas assim, tem gente que fica triste todos
os dias...
Carlos: É depressão.
(...)
Adrielly: Tem vez que eu fico sozinha em casa e eu começo a dançar no
meio da casa.
Pesquisadora: Pra espantar a tristeza?
Adrielly: aham!
Pesquisadora: Alguem de vocês já se sentiu entendiado por alguma coisa
que aconteceu, tipo um cachorro que morreu ou alguém da família?
Marcela: Meu cachorro ficou doente... eu fiquei triste.
Pesquisadora: Fala Alana... você estava dizendo que se sentiu triste...
Alana: Quando eu perdi meu avô e uma amiga. Eu fiquei triste.
Pesquisadora: Como foi?
Alana: Eu fiquei abalada, ora. (Grupo Focal realizado em 21/06/2016)
193
Agem a favor do aumento de suicídio entre jovens condições sociais como
o aumento de divórcios, a perda do sentimento de pertencimento e o
enfraquecimento de valores tradicionais, traços da vida que levamos hoje. Não é
contraditório, portanto, que em uma sociedade em que existir equivale a consumir
e a construir uma personalidade virtual feliz, deprimir-se, intimidar-se ou falhar
diante desse imperativo seja vergonhoso.
Alguns dos autores convidados ao nosso debate concordam que o modo
de (con)viver atualmente é responsável por criar e ao mesmo tempo excluir quem
não se ajusta a lógica desejada do gozo, da satisfação e do divertimento. Para La
Taille (2009, p. 19):
Sentir-se infeliz é visto mais como incompetência social do que como
resultado de uma tomada de decisão implacável. Sentir tédio é visto
mais como fraqueza de caráter do que como humilde reconhecimento
do vazio da vida. No entanto, como bem afirma Minois (2005, p. 388) em
seu belo livro sobre melancolia: “o contexto sociocultural
contemporâneo produz depressivos e, ao mesmo tempo, os exclui”.
Sibilia (2012), ao falar dos problemas enfrentados pela escola frente ao
alunado de hoje, chama a atenção também para os alunos menos “performáticos”
nas salas de aula e a transformação de traços de personalidade em desvios: “aloja-
se também o problema da timidez com uma ‘falha’ cada vez mais intolerável, que
chegou a ser catalogada como patologia passível de tratamento neuroquímico”
(p. 73). Os próprios colegas apontaram um dos participantes da pesquisa como
discrepante por ser pouco expansivo:
Pesquisadora: Vocês conhecem alguém que se sente triste, entediado?
Paulo: Os roqueiros (apontando pra Alana)
Carlos Daniel: É mesmo, só anda de preto!
Alana, você se sente triste, entendiada?
Alana permanece calada....
194
Adrielly: Eu não sou triste e entediada não...
Carlos Daniel e Paulo: O Otavinho, olha aí o Otávio.
Marcos: (Apontando Otávio) Olha aqui tia, ele não é triste não, só não
fala nada. (Grupo Focal realizado em 21/06/2016)
O universo de Fanta é ele mesmo baseado na lógica dos incessantes
estímulos em que o tédio e a tristeza são rechaçados. Indivíduos apáticos,
entediados ou deprimidos são representados por Fanta como playless. Em Utopia,
a alegria é imperativa, perde-la é motivo de preocupação, daí a necessidade de
salvá-los. De acordo com a premissa do jogo é necessário tirá-los desse estado
acinzentado. Ao mesmo tempo, a alegria deve ser constante, contagiante e
redentora. A partir da expectativa do consumidor para gozar, o advergame
“Salvando a fonte” convoca os consumidores a fazer de Fanta um item mágico
capaz de protege-los do temível tédio e até mesmo devolver prazer àqueles que
encontram-se sem diversão.
195
Conclusão
Vários são os vieses possíveis para abordar um tema. Desde a localização
do ponto de partida, passando pelas idiossincrasias de quem estuda e se
aprofunda no tema até a definição de um objetivo final, são inúmeras as
combinações possíveis. Em se tratando de jogos eletrônicos, há estudos sobre
características técnicas – como programação ou uso de tecnologias específicas -,
pesquisas que se detém em seus aspectos financeiros focando nas estratégias de
comunicação ou distribuição, por exemplo. Com frequência essas particularidades
são abordadas e incluídas em investigações sobre games mesmo quando elas não
se configuram como foco. Da mesma forma, é necessário ter em mente que cada
abordagem metodológica se constrói a partir de escolhas e exclusões. Assim
outros leitores desta investigação poderão apontar faltas, reivindicar ausências
que tenham sentido ou, ainda, excessos que julguem desnecessários.
Dito isto, retomemos o objetivo desta pesquisa como definido na
introdução e o modo como permeou as diferentes etapas da investigação e o seu
196
desenvolvimento: perceber que sentidos os jovens atribuem às representações, ao
conceito de juventude criados em uma cultura visual comercial e gamificada, bem
como verificar de que forma essa construção é recebida pelo público a que se
destina.
Vale salientar que esta investigação se alinha às reflexões que configuram o
campo de estudos da Cultura Visual quando propõe que imagens e experiências
centradas no olhar - não apenas aquelas consideradas hegemônicas - sejam
assuntos de conversas com estudantes. Para este campo do conhecimento,
debates sobre assuntos e objetos que fazem parte do cotidiano de alunos podem
levar os jovens a refletir sobre os valores tácitos que esses artefatos insinuam,
carregam, assim como podem, também, ajudá-los a perceber o que objetos,
experiências e artefatos podem revelar sobre si mesmos como sujeitos.
Os limites [entre conteúdos curriculares e artefatos midiáticos] não
deveriam ser colocados pelo grau de popularidade ou de aceitação que
as práticas culturais venham a ter nos entornos mediáticos ou de poder,
mas pela capacidade de entrelaçar sujeitos em experiências
educacionais, pela capacidade de proporcionar transformações pessoais,
de formar critério, de enriquecer a experiência estética, de ampliar o
conhecimento de si mesmo e dos outros, pela possibilidade de gerar
tramas com causas próprias e alheias ou de suscitar o ânimo compassivo.
Em suma a capacidade de contribuir para isso que tantas vezes se
denomina como a construção identitária. E para esse fim, as artes visuais
têm potencial que nem a escola, nem a educação, em geral, chegaram a
explorar suficientemente. É momento portanto de redefinir a educação
nas artes visuais nessa direção e de aproveitar as suas possibilidades
pedagógicas para afrontar, criticamente, a estreiteza da estereotipante
redudância temática, ideológica e estética da cultura de massa (AGUIRRE,
2009, p. 166 e 167).
Apoiando-me nos conceitos e argumentos desenvolvidos por Aguirre,
busquei me aproximar do propósito estabelecido entendendo que seria
necessário me deter em algumas ideias que culminaram na elaboração dos
capítulos que dão corpo a esta tese. Empreitada que tentei sintetizar na seguinte
pergunta: que sentidos/significados são inferidos/entendidos por jogadores à
representação de juventude do universo de Fanta, em especial do advergame
197
“Salvando a fonte”? Conceitos de jogos, os games e seu alcance, concepções
acerca de juventude, seu escopo na contemporaneidade, Cultura Visual e
educação foram, portanto, veios por onde, gradativamente, organizei percepções,
leituras, críticas e argumentos para desenvolver a questão central.
Além de abordagens alternativas que podem ser construídas em torno do
tema, podem existir, ainda, variações dentro da mesma abordagem. Antes de
projetar resultados e tentar chegar a uma conclusão a partir dos dados
produzidos e analisados, ressalto que este estudo – qualitativo e focado em
narrativas pessoais sobre o tema – é, ele mesmo, uma contingência, um registro
de trabalho de campo em contexto temporal e social específicos. Outro, ou
dizendo melhor, um novo estudo sobre o tema estudo, poderia chegar a outras
conclusões a partir das mesmas imagens. Isso porque usei como elemento
detonador de diálogos jogos e filmes publicitários, artefatos cuja estrutura é fixa.
Mas os diálogos, exemplos, ideias, foram emitidos por indivíduos a partir das suas
próprias experiências, jovens cheios de crenças, hábitos, informações, saberes,
traumas e preferências. Se o grupo focal tivesse sido realizado com alunos de uma
escola particular da capital ou de uma escola pública de uma cidade do interior,
outros pontos de vista e experiências poderiam ter sido suscitados reconfigurando
os dados, os apontamentos e, em decorrência, os resultados.
Os atores da cena que compõe este estudo são jovens entre 11 e 16 anos,
estudantes de uma escola pública da periferia de Goiânia. Embora não tenham
sido apresentados individualmente, cada sujeito é definido por trajetórias,
experiências e histórias pessoais que incidem sobre sua visão das narrativas do
jogo. O grupo tem em comum as marcas de suas condições sociais que incluem
restrito acesso à educação, saúde, consumo e tecnologia. O grupo de
participantes da pesquisa foi composto exclusivamente por jovens moradores da
periferia da cidade cuja renda familiar limitada dificulta tanto a posse de
198
videogames e computadores, quanto a apreciação/consumo de produtos que são
apresentados/utilizados no jogo em questão. Esta percepção, agora tão clara,
surgiu durante a pesquisa de campo quando registrei a fala espontânea do
colaborador Ricardo Rodrigues41. Ele disse que gostaria de morar numa cidade
como Utopia com infraestrutura não somente de lazer, mas com infraestrutura de
coisas básicas das quais sente falta como saneamento e água encanada.
Quando solicitados a responder o que entendem por ser jovem, os
participantes indicaram que enxergam a si mesmos como jovens por
enquadrarem-se dentro do estilo próprio da sua faixa etária, participarem de uma
realidade on line vivenciada essencialmente por meio das redes sociais e pelo afã
de consumir. Além disso, experimentam uma contraditória sensação de que sobre
a liberdade da juventude pesam responsabilidades que exigem abrir mão da
infância.
Nas interpretações feitas pelos colaboradores em relação aos discursos em
torno de “Mais Fanta, mais diversão” pude perceber uma série de conflitos
importantes. Por um lado, vídeos e jogos de Fanta reforçam a análise de críticos
culturais, como Deleuze e Sibilia, de que estamos vivenciando novas formas de
relações de poder baseadas processos característicos da sociedade de controle,
em detrimento das lógicas próprias das instituições disciplinares. Nesse sentido,
como os jovens colaboradores identificaram, o mundo utópico de Fanta dispensa
menções à família e, em especial, à figura dos adultos, assim como à escola e à
igreja.
Pode-se supor que em um universo que alimenta o sonho da diversão
continuamente, tais instituições poderiam atuar como limites/barreiras ao desejo.
Cabe destacar, contudo, que embora os alunos tenham compreendido o lado
41 A fala completa de Ricardo aparece no item 5.3, do capítulo 5.
199
atraente desta proposta, eles próprios não tardaram a fazer questionamentos.
Como vimos, embora eles ressaltem que vão à escola principalmente para
encontrar os amigos, compreendem o valor da formação escolar. Reforçaram,
ainda, a importância dos pais e da igreja como uma espécie de baliza, de
referência nas suas relações com essas instituições e com o mundo. Nesses
círculos, ambientes, admitem sentem-se seguros, aprendem valores, recebem
conselhos e ensinamentos, carinho e cuidado, e até limites diante de excessos,
quando necessário.
Foi importante dar-me conta de que esses adolescentes não vislumbram
como ideal possível uma vida baseada unicamente no tipo de hedonismo
proposto por Fanta. Por isso, revelaram a importância que conferem às
instituições religiosas como um “ancoradouro seguro”, em sintonia com Sofiati
(2009, p.2). Ainda em relação à igreja, observei essa instituição não representa
para eles apenas um espaço de submissão a uma “disciplina espiritualizada”, mas,
principalmente, um lugar de convívio e expressão social. Essa revelação deixa
evidente que instituições de poder conseguem atuar por meio de estratégias
outras, complexas e sedutoras. Também é importante destacar que essas
instituições não se colocam necessariamente contra a lógica do gozo, condição na
qual o mercado opera e ao mesmo tempo depende ao explorar uma realidade
utópica baseada no consumo. Pode-se dizer que em uma sociedade neoliberal,
marcada por amplas desigualdades econômicas, instituições disciplinares como as
igrejas, cumprem uma função especial no sentido de manter a ordem social, uma
vez que nem todos os jovens tem ou terão o mesmo poder de consumir. A ética
religiosa, especialmente a cristã, amiúde age não apenas incentivando o espírito
de resignação diante da desigualdade, mas atua, também, em prol do valor e
mérito do trabalho, reforçando a ideia de posse de objetos como uma benção,
uma recompensa pelo sentimento de submissão a essa condição.
200
Para os adolescentes que participaram da investigação a obediência aos
pais e a igreja não implica em impedimento de desejar objetos/artefatos/gadgets
de consumo. Partindo da relação que os personagens de “Mais Fanta, Mais
Diversão” estabelecem com seus equipamentos foi possível discutir como os
colaboradores veem a si próprios a partir de determinados produtos. Fica
evidente a atenção que eles dispensam às construções midiáticas como modelo a
ser seguido, estejam elas presentes em propagandas, programas de TV ou no
modo de se comportar e vestir de ídolos da música.
Entre as celebridades que eles admiram, sobressaem nomes do chamado
funk ostentação – conforme discutido no item 5.2. Os ídolos teens desse nicho de
mercado da música definem tendências acerca de que produtos ou marcas
consumir, bem como os padrões de beleza e atitude desejados. A forma com que
os participantes se relacionam com esses bens e os celebram nas canções diz
muito sobre o consumo como diretriz dessa geração. Ao mesmo tempo, é
intrigante constatar o gosto dos colaboradores pelo funk ostentação e a
relevância que dão a igreja. Isso por que esse estilo de música se constrói a partir
de conteúdos eróticos explícitos aludindo e, por vezes, descrevendo atos
considerados ilícitos, incompatíveis com os códigos de conduta religiosa que
pressupõem retidão e, com muita frequência, castidade.
Por meio de personalidades como MC Biel e MC Pedrinho, ficou evidente
que os adolescentes conhecem não somente as músicas e danças, mas inúmeros
objetos de desejo. Objetos que passam a funcionar como marcadores do que
significa ter estilo, expressão a qual associam o conceito de ser jovem. Assim, a
ideia de juventude passa a ser uma representação ideal do prazer e da diversão,
associando e descriminado determinadas marcas de produtos como sendo de
adultos, ou seja, coisas chatas. Esses jovens também compreendem que para
exibir uma performance jovial necessitam esses bens de consumo sujeitos às
201
ondas da moda, que se renovam a cada clipe que é lançado pelas jovens
celebridades.
Fica evidente na fala dos colaboradores que a publicidade não é o único
discurso a persuadi-los para o consumo. Ou melhor, talvez seja o caso de
considerar, como dizia Guy Debord (apud SÉRVIO, 2015), que esta função
publicitária impregna a mídia em seus mais variados produtos. Nesse ambiente
midiático marcado por narrativas publicitárias, mesmo os jovens mais pobres
dominam os nomes de marcas e discutem seus significados. Entretanto, foi
impactante vê-los lamentar as dores de ir ao shopping sem ter dinheiro. Neste
ambiente de consumo, vaidade e ostentação, os significados dos objetos de
consumo devem ser difundidos para todo o público, pois só assim podem
funcionar como símbolo de status, gerando a glória aos que os ostentam e a
inveja aqueles que podem apenas desejá-los.
O status, obviamente, não é o único motivador de seus desejos. O relevante
papel que eles dão a celulares e tablets explica-se, em parte, pelo desejo de estar
em contato com os pares e sentir-se parte de um grupo. Fazendo uma analogia,
podemos relacionar o interesse que, em certa medida, explica a importância que
os colaboradores dão à igreja - pertencer a um coletivo ou participar de grupos
de jovens -, com o interesse que justifica o valor que eles dão a artefatos
tecnológicos e serviços como a internet. Como os personagens de “Mais Fanta,
mais diversão”, que exibem seus celulares, os participantes da pesquisa se
identificaram com a importância de ter amigos, cultivar amizades. O acesso à
tecnologia, exigência para que eles possam acessar o advergame de Fanta, surge
como um novo parâmetro social importante. Como diz Canclini (2006), estar
conectado e nunca fora da rede é mais um imperativo para estar na modernidade.
Os efeitos subjetivos dessa necessidade são claramente observados nos relatos de
202
pânico e tristeza dos jovens colaboradores, sentimentos que vivenciam quando,
por algum motivo, ficam sem seus celulares.
Ao comparar a fictícia cidade de Utopia com os bairros que habitam, os
alunos destacaram a diferença patente em relação ao primeiro ambiente -
descrito como sendo de pessoas ricas. Lembraram que alguns moram em bairros
onde não há asfalto, nem mesmo abastecimento regular de água. Diante dessas
faltas básicas, chama atenção a existência de tantos espaços de entretenimento
em Utopia. Essas ausências, comuns no cotidiano dos alunos, pode justificar a
importância que eles dão à diversão e a imersão que vivenciam através de seus
aparelhos celulares. Fora do mundo digital, na cidade real, eles tem poucos
espaços para recreação e, além disso, se deparam com a insegurança que ronda
os lugares públicos de entretenimento. Assim, o mundo digital passa a suprir
essas faltas.
A realidade de experiências enfadonhas nas vidas desses alunos os levou a
compreender, de forma imediata, a relação que “Mais Fanta, mais diversão”
estabelece entre os persoagens playless e suas sensações de tédio, tristeza e
depressão. É notório o quanto o mundo de diversão proposto por Fanta, em
Utopia, pode ser sedutor para os jovens. Não sem razão, os olhos dos
colaboradores brilhavam ao fantasiar viver em uma cidade com tantas
oportunidades e espaços para lazer.
Quando provocados a refletir sobre o valor das experiências de tristeza
ficou explícito o desconforto. Foram poucos os alunos que descreveram como
sendo natural estar triste em alguns momentos, mas rapidamente fizeram a
ressalva de que não se deve ficar triste por muito tempo e é necessário encontrar
estratégias para voltar a ser feliz. Nesse sentido, “Mais Fanta, mais diversão” além
de prometer a felicidade através do consumo de Fanta, o advergame expressa
uma lógica cultural que entende o gozo como um imperativo, a felicidade como
203
uma obrigação, a tristeza e o tédio como um problema. Essa lógica está associada
ao um consumismo que não é estimulado exclusivamente por este aspecto da
vida. Daí, talvez, a impressão deixada pelos adolescentes de que estar triste é algo
vergonhoso e que pode levá-los a sofrer a rejeição dos pares.
Reconheço que este é um tema delicado e não é a minha intenção propor
que a infelicidade deveria ser um objetivo. Contudo, compreendo que negar a
realidade da tristeza, escamoteá-la por meio de paliativos, pode ser ainda mais
prejudicial. Faz muito mais sentido para o bem estar desses jovens que seus
bairros recebam as melhorias de infraestrutura necessárias, inibindo a sem que
eles tenham que usar como escape para eese tipocompra de um boné ou
consumir refrigerante, por mais que sejam levados a alimentar sonhos em torno
destes produtos. Esta ressalva justifica-se ainda mais considerando que estas
fantasias promovem mais competição e comparação e do que colaboração e
solidariedade.
Em relação a aspectos estruturais da vida contemporânea, é importante
questionar o quanto a contemporaneidade age para estimular o tédio, dando aos
jovens poucas expectativas plausíveis. Ocupar o tempo com qualquer tipo de
estímulo pode não ser apenas um desejo de felicidade, mas a necessidade de
escapar do sentimento de infelicidade, de frustração e desânimo que de outra
forma não poderia ser enfrentado. Essa contradição promove uma escalada da
expectativa de gozo ao mesmo tempo em que não alimenta esperanças e cria
obrigações. À velocidade e intensidade da vida, reconhecidamente estressante,
somam-se os hiperestímulos das imagens de informação, persuasão,
entretenimento, imagens cada vez mais impactantes, disputando umas contra as
outras a atenção cada vez mais fatigada de jovens e adolescentes. Assim como
nas experiências com narcóticos, o corpo dos jovens passa a exigir sempre mais
204
estímulos em meio a uma conjuntura social permeada por instabilidades e
desigualdade.
É importante duvidar do imperativo da felicidade e do modo como a
sociedade de consumo propõe essa satisfação. A relação que estabelecemos com
as imagens e artefatos da mídia deve ser, ela mesma, objeto de questionamento
crítico ao considerarmos o lugar dos jovens no contexto contemporâneo e o
conceito de juventude como uma ideia amplamente associada a esses jogos e
tramas culturais. Se a mídia se presta a criar modelos e padrões para o que espera
que sejamos e tenhamos, os jovens tem também consciência das falácias que suas
mensagens propõem. Tanto é assim que no último encontro, quando pedi que
avaliassem as atividades e as tardes que passamos juntos, eles falaram, a seu
modo, de maneira espontânea e descompromissada, sobre as dissonâncias entre
aquilo que prometem as mensagens publicitárias e a realidade de suas vidas.
Mostraram que são capazes de por em dúvida, criticar, aquilo que a mídia lhes
oferece:
Pesquisadora: Para encerrar, eu queria saber de vocês opiniões sobre o
trabalho que realizamos juntos. Sobre a Fanta, sobre as coisas que a
gente conversou...
Carlos Daniel: Foi legal, a gente expressou os sentimentos...
Ricardo: Eu acho que a Fanta tem a propaganda mais legal, tipo com
desenho animado...
Carlos Daniel: Só que dura pouco (o acesso ao site)
Ricardo: A Coca-cola pega personagens virtuais (na verdade, se refere a
pessoas reais, atores) pra fazer a propaganda. Ela fala que com Coca-cola
você pode ter um amor...
Pesquisadora: O que vocês acham dessa mensagem como a que o
Ricardo citou, que com Coca-cola a gente pode ter um amor?
Ricardo: Sempre. Em todas as propagandas tem!
Pesquisadora: O que vocês acham dessas mensagens?
205
Alana: Eu acho mentira a questão da Coca-cola com o amor. Por que é
mentira! Meu pai toma esses trens todo dia e não ama nem ele mesmo.
Ricardo: Olha essa Coca-cola verde (Coca-cola Stevia, recém lançada no
país). O cara toma e conhece uma menina. Na propaganda passada (no
trecho inicial do VT), ele arruma um amor. A Coca-cola quebra e ele
separa. Depois ele compra outra Coca-cola de novo, bebe e oferece pra
ela e volta!
Pesquisadora: Não é assim na vida real?
Ricardo: Não!
Alana: Que nem a propaganda do Boticário pro dia dos namorados. A
mulher compra um perfume pro homem pro dia dos namorados. Eles se
beijam. Que mentira! Como é que um cara que nunca viu a mulher... Não
sabe nem de onde é aquela mulher, vai lá e beija ela! É mentira esse
trem! (grupo focal realizado em 27/06/2017)
O trabalho com sujeitos jovens revelou não somente a necessidade de
negociar para encorajá-los a falar, mas sobretudo a importância de ajuda-los a
desenvolver habilidades para ler nas entrelinhas e criticar suas próprias opiniões.
Suas falas, por vezes, podem parecer inocentes ou desconexas, mas a um olhar
mais acurado, ficam evidentes reflexões pertinentes sobre suas experiências, sobre
o que sentem e o que pensam. O diálogo acima mostra a preocupação deles com
representações irreais de situações propostas em peças comerciais, mas, para
além disso, aponta para uma potência crítica no modo de interpretar imagens e
objetos da cultura da mídia.
Esta imersão na pesquisa de campo realizada com os alunos da Escola
Municipal Bernardo Élis me alertou particularmente para a importância dos
professores – desde aqueles que se dedicam ao ensino básico quanto aqueles que
atuam na universidade – experimentarem vivências na escola fundamental e
pública. Essa aproximação oferece ao pesquisador a oportunidade de entender
um pouco sobre a realidade e as condições em que vive a maioria dos
adolescentes e jovens nas grandes cidades do país ao mesmo tempo em nos faz
206
pensar sobre a utilidade prática da pesquisa: “de que vale meu trabalho para essas
pessoas?” – como eu mesma pensei.
Concordo com Aguirre (2009, p. 166 e 167) quando afirma que levar
imagens, sejam artísticas ou cotidianas, não é suficiente para melhorar os
ensinamentos oferecidos nas escolas.
É ilusório pensar que, devido ao fato da cultura visual em seu conjunto,
ou das artes, ganharem presença na escola, fica garantida a solução dos
problemas de aprendizagem ou da construção de uma identidade.
Podem ajudar a incrementar os conhecimentos sobre arte, obviamente,
mas em nosso estudo pudemos constatar que o fato de frequentar
cursos de arte, sejam de música, no conservatório, ou especializados em
artes visuais, não tem como consequência necessária uma sensibilidade
estética maior, uma integração dos produtos da cultura canônica nos
imaginários juvenis e, muito menos, um uso mais crítico dos artefatos
estéticos da cultura midiática. (...) Mas o problema é que, para superar a
distância, hoje quase insuperável, entre esses mundos (escola x cultura
juvenil), não é suficiente “escolarizar”, voluntariosamente, a cultura de
rua.
(...)
O que precisamos é promover a análise crítica entre os estudantes,
colocando-os em relação com outras formas culturais do seu próprio
entorno, com as formas mais tradicionais da cultura artística canônica e
com a de outros entornos culturais distintos. Assim, colocar em marcha
um novo imaginário para a reestruturação disciplinar e uma
transformação dos objetivos formativos.
Se não é bastante promover reflexões como as que foram desenvolvidas
com os participantes desta pesquisa, podemos oferecer aos alunos a experiência
de aguçar seus pensamentos sobre as imagens e artefatos que os rodeiam. Não
se trata, como colocam Tavin e Anderson (2010, p. 67) de “um apelo aos
professores para que se tornem terroristas psíquicos, a destruírem o verdadeiro
prazer que os alunos sentem em relação à cultura popular. Esta oferece
oportunidades consideráveis de fuga, fantasia, alegria e sonhos”, especialmente
frente à realidade de um cotidiano cada vez mais difícil e hostil. Mas, é possível
conciliar a ludicidade contida em imagens e objetos da mídia e momentos de
207
diversão acompanhado por reflexões que estimulem a construção de uma visão
crítica do mundo, da vida, da escola.
Mergulhar, mesmo que brevemente nas práticas do dia a dia e no chão da
escola, me motivou a conhecer mais de perto os sujeitos que contribuíram com
suas percepções, experiências e opiniões para esta investigação. Aprendi com eles,
como imagino que aprendem os pesquisadores que atuam na área de educação –
a refletir com mais clareza sobre como se dá a minha prática docente e minha
atuação no mundo como sujeito.
Estou convencida de que a ideia/conceito de juventude e sua
representação midiática depende do ponto de vista de quem pergunta e,
principalmente, da posição de quem responde, a partir de contextos específicos e
de experiências vividas em relação ao tema. Em se tratando de uma investigação
baseada nos estudos de Cultura Visual, a experiência visual tomada como mote
para deflagrar as discussões e análises desenvolvidas nesta investigação deve,
também, ser considerada ao final deste trabalho porque, “aquilo que é visto atua
como espelho de quem vê” (HERNANDEZ, 2011, p. 35).
208
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terra.html> Acesso em 12/03/2014.
221
ANEXO I – ROTEIRO PARA REALIZAÇÃO DE GRUPO FOCAL COLETA DE
DADOS DE PESQUISA DE DOUTORADO COM ALUNOS DA ESCOLA
MUNICIPAL BERNARDO ÉLIS
TÍTULO DA PESQUISA: Advergames e educação da cultura visual. Um estudo sobre
a noção de juventude em “Mais Fanta, mais diversão”
PESQUISADORA: Jordana Falcão
Pesquisa de doutorado realizada junto ao Programa de Pós-graduação em Arte e
Cultura visual da Faculdade de Artes Visuais da UFG sob orientação do prof. Dr.
Raimundo Martins.
PERÍODO: 20 a 27/06/2016 – segunda a segunda - 13h às 14h30 e 15h às 16h30
ENCONTRO 1 (20/06/16) – Apresentações e auto-imagem.
O primeiro encontro tem por finalidade contextualizar o trabalho e criar
conexão entre a pesquisadora e o grupo. Assim, reservamos a primeira parte do
encontro para apresentação da pesquisadora, da pesquisa, dos alunos e do
desenvolvimento do trabalho como um todo. Nesse momento, os alunos devem
receber o termo de consentimento a ser assinado por seus responsáveis e que é
imprescindível para sua continuação na pesquisa. Na segunda parte do encontro,
a turma vai criar representações visuais como auto-imagem.
OBJETIVOS:
• Apresentar a pesquisa e a pesquisadora à turma;
• Conhecer cada participante;
• Promover um debate sobre autorrepresentação por meio de imagens.
CONTEÚDOS:
222
• Referentes à pesquisa, como a noção de juventude e jogos eletrônicos;
• Auto-imagem.
RECURSOS:
• Cartolinas;
• Cola;
• Tesouras;
• Lápis de cor, canetas coloridas, giz de cera etc;
• Revistas, papeis coloridos, cartazes e impressos em geral.
METODOLOGIA:
Etapa 1 (13h às 14h30) – O encontro tem início com a apresentação da
pesquisadora. Além de de falar de si, a pesquisadora deve contextualizar a
pesquisa de doutorado, falar da relação da universidade com a escola e, por fim,
chegar ao tema: juventude e jogos eletrônicos. Na sequência os alunos serão
convidados a participar e para se apresentarem. Para quebrar o gelo, a proposta é
que se formem pares e cada dupla converse por 5 minutos em média para se
conhecer. Depois cada um apresenta o outro à pesquisadora. Antes de encerrar, a
pesquisadora falará sobre o termo de consentimento de participação como
determinante para a participação na pesquisa.
Etapa 2 (15h às 16h30) - Após as devidas apresentações, os alunos serão
convidados a construir representações visuais com auto-imagens. A pesquisadora
disponibilizará materiais para que cada participante possa elaborar desenhos,
colagens etc. expressando como se vêem. Os participantes podem também usar
outros recursos como artefatos de que disponham, estampas, adesivos etc. Após a
produção das auto-imagens, os participantes apresentarão suas produções ao
grupo comentando os sentidos que construíram para si mesmos ou, sobre si
mesmos. As falas serão gravadas como material de análise da pesquisa.
ENCONTRO 2 (21/06/16) – Mais Fanta, mais diversão
223
Já tendo entendido os procedimentos da pesquisa, o grupo será
apresentado ao universo do jogo que serve de ponto de partida para as questões
levantadas pela pesquisadora. No segundo encontro os participantes vão
conhecer peças publicitárias de Fanta e iniciar conversas sobre sua narrativa. As
falas serão gravadas como material de análise da pesquisa.
OBJETIVOS:
• Contextualizar o universo de Mais Fanta, mais diversão;
• Debater sobre a narrativa proposta pelo jogo;
• Abordar a alegria e o divertimento tal como representados pelo jogo em
sua relação com os colaboradores.
CONTEÚDOS:
• VT publicitários, sites etc. referentes a Mais Fanta, Mais diversão;
RECURSOS (verificar o que a escola dispõe):
• TV ou projetor (data show);
• Caixas de som;
• Computadores com acesso a internet.
METODOLOGIA:
Etapa 1 (13h às 14h30) – A fim de inteirar os alunos sobre o jogo e os
personagens desenvolvidos para Fanta, a pesquisadora vai apresentar o site, a
narrativa do jogo, VTs publicitários, personagens etc. Os alunos poderão procurar
mais informações sobre Mais Fanta, mais diversão na internet usando os
computadores da escola.
Etapa 2 (15h às 16h30) – Já familiarizados com o tema, jogos, personagens,
os participantes serão convidados a opinar sobre o universo de Mais Fanta, mais
diversão. A ideia é fazer blocos de perguntas por temas e o primeiro é diversão.
224
As seguintes questões vão mediar a conversa que será gravada como material de
análise para a pesquisa:
1. Com base no site, na narrativa do jogo e dos Vts publicitários quais os valores e
atitudes mais importantes pra galera Fanta?
2. Que valores e atitudes fazem parte do seu cotidiano como jovem? Pode narrar
um exemplo da importância disso na sua vida?
3. Nos jogos, a galera Fanta tenta concertar o relógio que é fonte de diversão.
Qual o papel da diversão na sua vida?
4. Quais são as suas principais fontes de diversão? Explique porque.
ENCONTRO 3 (23/06/16) – Galera Fanta e playless
O terceiro encontro dá continuidade aos debates iniciados no anterior. Para
esse momento focaremos nos personagens que aparecem no jogo - galera Fanta
e playless - fazendo relações entre tecnologia, sociabilidade e apatia (ou
depressão) conforme descrito a seguir. As falas serão gravadas como material de
análise para a pesquisa.
OBJETIVOS:
• A partir da galera Fanta debater sobre o papel das tecnologias e das
relações sociais na vida dos jovens;
• A partir dos playless debater sobre apatia e depressão em suas
manifestações na juventude.
CONTEÚDOS:
• VT publicitários, sites etc. referentes a Mais Fanta, Mais diversão;
RECURSOS:
• Computadores com acesso a internet.
METODOLOGIA:
Etapa 1 (13h às 14h30) – A proposta é iniciar um diálogo sobre a noção de
juventude, tecnologia, sociabilidade, diversão etc pela caracterização da galera
225
Fanta. Os participantes devem falar sobre sua identificação ou não com os
personagens a partir das seguintes perguntas:
1. A galera Fanta é formada por gente com características marcantes, como o
Floyd que adora tecnologia ou a Maude que ama dançar. Pra você, a galera
Fanta representa bem o que é ser jovem? Por que?
2. Você se identifica com algum (ou mais de um) dos personagens? Pode
contar algum acontecimento que mostre isso?
3. Cada personagem tem seu acessório que une tecnologia e diversão, como
o ioiô da Gigi ou Jetpac do Floyd. Eletrônicos como smartphone e tablets
ou objetos “de diversão” como skate ou videogames fazem parte da sua
vida? Quais?
4. Tente descrever uma situação que mostre o que esses acessórios dizem
sobre você, sobre sua personalidade.
Etapa 2 (15h às 16h30) – No momento seguinte, semelhante ao anterior, os
participantes serão perguntados sobre sua identificação ou não com os playless.
As perguntas abaixo darão início à conversa:
5. Em alguns ambientes do game aparecem pessoas que não conseguem se
divertir, os“playless”. Para você, quem seriam os “playless” da vida real?
Explique ou dê algum exemplo!
6. Em algum momento você se sente como um “playless”? Pode descrever
uma situação em que isso acontece?
7. O que você acha dos playless? É normal sentir-se assim ou é necessário
superar esse sentimento?
8. Você acha que convive mais playless ou pessoas alegres como a Galera
Fanta?
ENCONTRO 4 (24/06/16) – Identificações e discrepâncias
O quarto encontro encerra a atividade e será dividido em 3 etapas.
Dedicaremos a primeira a tratar sobre as ausências sentidas na construção do
jogo (tais como família e escola). Na etapa seguinte, faremos um balanço sobre as
representações de juventude proposta pelo jogo a fim de descartar as
226
identificações e as discrepâncias sentidas entre os colaboradores e os
personagens. Por fim, faremos um lanche e conversaremos sobre a experiência na
escola.
OBJETIVOS:
• Verificar que temas os participantes apontam como ausentes na
representação da noção/ideia de juventude proposta por Fanta;
• Destacar a identificação ou não do grupo de jovens participantes com a
ideia de juventude apresentada no jogo.
• Encerrar a atividade com um momento de integração.
CONTEÚDOS:
• VT publicitários, sites etc. referentes a Mais Fanta, Mais diversão;
RECURSOS:
• Computadores com acesso a internet.
METODOLOGIA:
Etapa 1 (13h às 14h00) – Tendo guiado as conversas sobre as temáticas
apresentadas por Mais Fanta, mais diversão, a proposta é instigar os participantes
sobre as ausências sentidas no jogo de elementos que fazem parte de sua
realidade. A expectativa é que o próprio grupo cite escola, família, entre outros
temas, por isso não há perguntas pré-estabelecidas para esse momento.
Etapa 2 (14h30 às 16h00) – Na etapa seguinte, os colaboradores vão
retomar a primeira atividade de produzir auto-imagens. A ideia agora é elaborar
personagens a serem propostos para marca e que acreditam ser mais
representativos de sua própria realidade. Os participantes apresentarão suas
produções ao grupo, como fizeram no atividade do primeiro dia.
Etapa 3 (16h às 16h30) – Finalizando a participação da pesquisadora e dos
colaboradores, reservaremos um momento em que todos serão convidados a falar
227
sobre a experiência, os aprendizados, opiniões, impressões etc. Encerraremos com
um lanche proporcionado pela pesquisadora.
228
ANEXO 2 – APRESENTAÇÃO DA PESQUISADORA E TERMO DE CESSÃO
DE DIREITOS ENVIADO AOS PAIS DOS ALUNOS
TÍTULO DA PESQUISA: Advergames e educação da cultura visual. Um estudo sobre a
juventude em Mais Fanta, mais diversão
PESQUISADORA: Jordana Falcão
APRESENTAÇÃO: Olá, me chamo Jordana Falcão e sou aluna do doutorado em
arte da UFG. Quero convidar seu filho ou filha para participar da minha pesquisa.
Estou estudando como os jovens são retratados na campanha publicitária da
Fanta chamada Mais Fanta, mais diversão. Essa campanha tem propagandas de TV
e jogos na internet – os advergames - que vou apresentar a quem quiser e puder
participar da pesquisa. A participação do seu filho ou filha acontece por meio de
questionários em que faço perguntas sobre o que ele acha dos jogos, dos
personagens e da mensagem da campanha, por exemplo.
Todas as etapas da pesquisa vão acontecer no espaço da escola e com
supervisão de professor. Para que ele ou ela participe é necessário ter a
autorização assinada pelos pais ou responsáveis. Essa autorização descreve a
pesquisa, garante que é um trabalho sério e dá informações sobre mim, a
pesquisadora. Também registra que ele ou ela está participando por vontade e
que pode sair do estudo a qualquer momento se desejar.
Espero contar com a opinião do seu filho ou filha para minha pesquisa e
me coloco a disposição para conversar e esclarecer sobre o que você, como
responsável, ou ele ou ela, como participantes, precisem saber.
Jordana Falcão
_________________________________
229
230
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO - CESSÃO DE
DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO.
1. Pelo presente documento, Eu, ____________________________________________,
RG____________________, responsável legal por
___________________________________,transfiro, gratuitamente, em caráter universal
e definitivo, a Jordana Falcão Tavares a totalidade de seus direitos patrimoniais de autor(a)
sobre as informações condecidadas por meio de questionário como parte de sua pesquisa
de doutorado que tem por tema: Advergames e educação da cultura visual. Um estudo
sobre a juventude em Mais Fanta, mais diversão
2. Deixo Jordana Falcão Tavares autorizada a utilizar o depoimento cedido, no que todo
ou em parte, editado ou integral, inclusive cedendo seus direitos a terceiros, no Brasil e ou
no exterior.
3. Declaro que a participação do(a) colaborador(a) é voluntária, tendo total confiabilidade
na investigadora e permitindo que seja utilizado seu relato (parcial ou total) no resultado
da pesquisa, por tempo indeterminado. O(a) colaborador(a) concorda em ter seu
nome/pseudônimo citado por ocasião de qualquer utilização, sendo identificado(a) como:
____________________________.
4. Afirmo que tenho conhecimento sobre a pesquisa, do qual o relato do(a) colaborador(a)
faz parte, declaro estar ciente que ele(a) pode recusar-se a responder qualquer
questionamento, bem como a continuar participando da pesquisa, retirando seu
consentimento em qualquer momento.
5. Asseguro ter sido esclarecido(a) sobre os procedimentos e desenvolvimento da pesquisa
da doutoranda Jordana Falcão Tavares, uma pesquisa sobre a representação de juventude
nos advergames de Fanta, entre os anos de 2013 e 2017, vinculada ao Programa de Pós-
Graduação em Arte e Cultura Visual FAV/UFG, sob orientação do professor dr.
Raimundo Martins.
6. Responsabilizo-me a buscar esclarecimentos sobre a investigação com a pesquisadora,
tendo a certeza de em qualquer momento ela estará disponível a explicar eventuais
dúvidas existentes.
7. Informações sobre a pesquisadora:
Jordana Falcão Tavares, RG. 97006034201 SSP CE, CPF 654.004.453-49
Endereço: R. Dona Stela, 422, Ap. 706A, Negrão de Lima, Goiânia - Goiás
Telefone: (62) 98191.0768 E-mail: falecomjordana@gmail.com
Sendo esta a forma legítima e eficaz que representa legalmente os nossos interesses,
assinam o presente documento em duas vias de igual teor e para só um efeito.
Goiânia, _____ de __________ de 20___
__________________________________________
Pesquisadora
Goiânia, _____ de __________ de 20___
____________________________________________
Responsável pelo colaborador
231
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