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Slvio de Salvo Venosa
Direito Civil
- Parte Geral -
Volume 1
4a Edio
SO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. 2004
SUMRIO
APRESENTAO, 14
PREFCIO 4 EDIO, 18
NOTA DO AUTOR 4 EDIO, 20
PARTE I INTRODUO AO DIREITO CIVIL, 20
1 Conceito de Direito, 20
1.1 Tipicidade, 23
2 Fontes do Direito, 24
2.1 Lei, 25
2.1.1 Classificao das leis, 27
2.2 Costume, 31
2.3 Doutrina, 34
2.4 Jurisprudncia, 35
2.5 Analogia, 37
2.6 Princpios gerais de Direito, 39
2.7 Eqidade, 40
3 Direito Romano, 42
3.1 Que se entende por Direito Romano - sua importncia, 42
3.2 Fases do Direito Romano - sua diviso, 44
3.2.1 Perodo Rgio, 44
3.2.2 Perodo da Repblica, 47
3.2.3 Perodo do Principado, 56
3.2.4 Perodo da Monarquia Absoluta, 58
3.3 Sistema do Ius Civile, 59
3.4 Sistema do Ius Gentium, 61
3.5 Codificao de Justiniano - outras codificaes, 62
3.5.1 Cdigo, 65
3.5.2 Digesto, 66
3.5.3 Institutas, 68
3.5.4 Novelas, 69
3.5.5 Caractersticas e importncia geral da compilao de
Justiniano, 69
3.5.6 Destino da codificao de Justiniano, 70
3.6 Direito Romano e moderno Direito Civil brasileiro, 71
4 Direito Civil, 72
4.1 Direito Privado em face do Direito Pblico, 73
4.2 Direito Civil como um ramo do Direito Privado, 76
4.3 Importncia do Direito Civil, 78
4.4 Objeto do Direito Civil, 80
4.5 Fontes do Direito Civil, 80
5 Sistemas Jurdicos, 81
5.1 Que se entende por sistema jurdico, 81
5.2 Por que estudar os fundamentos dos vrios sistemas jurdicos, 83
5.3 Sistemas jurdicos no mundo contemporneo, 85
5.3.1 Introduo ao sistema romano-germnico, 85
5.3.2 Common Law, 86
5.3.3 Relaes entre os sistemas romano-germnico e o
Common Law, 90
5.3.4 Direitos socialistas, 91
5.3.5 Sistemas filosficos e religiosos - Direito chins e Direito
japons, 93
5.4 Sistema romano-germnico: caractersticas, 95
5.4.1 Universidades, 96
5.4.2 Dos costumes codificao, 99
5.4.3 Novas tendncias, 100
6 Codificao, 101
6.1 Introduo, 101
6.1.1 Efeitos positivos e negativos da codificao, 103
6.1.2 Novos rumos da codificao, 105
6.2 Cdigo de Napoleo, 106
6.3 Cdigo alemo (BGB), 107
6.4 Outras codificaes do sculo XX, 109
6.5 Tcnicas da codificao, 110
7 Direito Civil Brasileiro, 111
7.1 Direito Civil antes do Cdigo, 111
7.2 As vrias tentativas de codificao, 112
7.3 Cdigo Civil brasileiro de 1916, 114
7.4 Tentativas de reforma legislativa, 115
PARTE II TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, 117
8 Sujeitos de Direito (I) Direito Romano, 117
8.1 Pessoa natural, 117
8.2 Homem sujeito de Direito - Status libertatis, 119
8.2.1 Escravido, 120
8.2.2 Condio de liberto - Patronato, 122
8.3 Status civitatis, 123
8.4 Status familiae, 124
9 Sujeitos de Direito (II), 126
9.1 Pessoa natural, 126
9.1.1 Direitos da personalidade, 127
9.1.2 Direito ao prprio corpo, 135
9.2 Comeo da personalidade natural, 137
9.2.1 Condio do nascituro, 138
9.3 Incapacidade absoluta no Cdigo de 1916, 140
9.3.1 Menores de dezesseis anos, 140
9.3.2 Loucos de todo gnero no Cdigo de 1916, 141
9.3.3 Surdos-mudos, 144
9.3.4 Ausentes no Cdigo de 1916, 145
9.4 Incapacidade relativa no Cdigo de 1916, 146
9.4.1 Maiores de 16 e menores de 21 anos no Cdigo de
1916, 147
9.4.2 Prdigos no Cdigo de 1916, 148
9.4.3 Silvcolas, 150
9.5 Incapacidades no atual Cdigo, 151
9.5.1 A deficincia mental, 151
9.6 Incapacidade transitria, 153
9.6.1 Surdos-mudos. Deficientes visuais. Perspectivas no atual
Cdigo, 154
9.6.2 Ausncia no atual Cdigo, 155
9.6.3 Incapacidade relativa no atual Cdigo, 156
9.6.4 Maiores de 16 e menores de 18 anos, 157
9.6.5 Prdigos no atual sistema, 157
9.7 Proteo aos incapazes, 158
9.8 Emancipao: concesso do pai, me ou tutor no Cdigo de
1916, 160
9.8.1 Outros casos de emancipao no sistema de 1916, 161
9.8.2 Emancipao no atual Cdigo, 163
9.9 Fim da personalidade natural. A morte presumida no atual Cdigo, 166
9.9.1 Comorincia, 170
9.9.2 Momento da morte, 171
9.10 Estado das pessoas, 171
9.11 Atos do Registro Civil, 174
9.11.1 Nascimentos, 176
9.11.2 bitos, 178
9.11.3 Emancipao, interdio e ausncia, 178
9.11.4 Consideraes finais, 178
10 Nome Civil das Pessoas Naturais, 187
10.1 Origens histricas, 188
10.2 Natureza jurdica, 189
10.3 Elementos integrantes do nome, 190
10.4 Nome: prenome e sobrenome. Possibilidade de alterao, 193
10.4.1 Alterao do nome da mulher e do marido, 197
10.4.2 Redesignao do estado sexual e mudana de prenome, 199
10.5 Proteo do nome, 200
11 Domiclio, 208
11.1 Domiclio no Direito Romano, 209
11.2 Domiclio, residncia e moradia, 210
11.3 Unidade, pluralidade, falta e mudana de domiclio, 212
11.4 Importncia do domiclio, 213
11.5 Espcies de domiclio, 215
11.5.1 Domiclio de eleio (foro de eleio), 218
11.6 Domiclio da pessoa jurdica, 220
12 Pessoas Jurdicas no Direito Romano, 226
12.1 Pessoa jurdica - introduo, 226
12.2 Pessoa jurdica no Direito Romano, 227
12.3 Principais pessoas jurdicas, 228
12.4 Capacidade das pessoas jurdicas no Direito Romano, 229
13 Pessoas Jurdicas, 230
13.1 Introduo, 230
13.2 Denominao, 233
13.3 Requisitos para a constituio da pessoa jurdica, 233
13.4 Natureza da pessoa jurdica, 235
13.4.1 Doutrinas da fico, 235
13.4.2 Doutrinas da realidade, 237
13.4.3 Doutrinas negativistas, 238
13.4.4 Doutrina da instituio, 239
13.4.5 Concluso, 239
13.5 Capacidade e representao da pessoa jurdica, 240
13.6 Classificao das pessoas jurdicas, 242
13.6.1 Pessoas jurdicas de Direito Privado, 243
13.6.2 Grupos com personificao anmala, 245
13.7 Patrimnio como elemento no essencial da pessoa jurdica, 250
13.8 Responsabilidade civil das pessoas jurdicas, 250
13.8.1 Evoluo doutrinria da responsabilidade civil da
administrao, 253
13.8.2 Art. 15 do Cdigo Civil de 1916. Art. 43 do atual Cdigo, 256
13.8.3 Aplicao da teoria do risco administrativo, 257
13.8.4 Responsabilidade por atos legislativos e judiciais, 257
13.8.5 Reparao do dano: ao de indenizao, 258
13.9 Nacionalidade das pessoas jurdicas, 259
13.10 Comeo da existncia legal da pessoa jurdica, 260
13.10.1 Registro da pessoa jurdica, 262
13.11 Sociedades e associaes, 264
13.11.1 Associaes, 265
13.11.2 Organizaes religiosas e partidos polticos, 272
13.12 Fundaes, 273
13.13 Transformaes e extino da pessoa jurdica, 279
13.14 Desconsiderao da pessoa jurdica, 283
14 Bens em Direito Romano, 292
14.1 Introduo, 292
14.2 As coisas in patrimnio, 292
14.2.1 Res mancipi e res nec mancipi, 293
14.2.2 Coisas corpreas e coisas incorpreas, 293
14.2.3 Mveis e imveis, 294
14.3 Coisas extra patrimonium, 295
14.3.1 Res humani iuris, 295
14.3.2 Res divini iuris, 295
14.4 Divises modernas de bens, 296
14.5 Patrimnio, 297
15 Os Bens e Sua Classificao, 298
15.1 Bens e coisas: objeto do direito, 298
15.2 Bens corpreos e incorpreos, 300
15.3 Mveis e imveis, 300
15.3.1 Regime dos bens imveis, 302
15.3.2 Regime dos bens mveis, 307
15.4 Bens fungveis e infungveis, 309
15.5 Bens consumveis e no consumveis, 311
15.6 Bens divisveis e indivisveis, 312
15.7 Bens singulares e coletivos, 313
15.8 Bens reciprocamente considerados: principais e acessrios.
Pertenas, 316
15.8.1 Frutos, produtos e rendimentos, 319
15.8.2 Benfeitorias, 320
15.9 Bens pblicos e particulares, 322
15.10 Bens que esto fora do comrcio, 324
16 Bem de Famlia, 331
16.1 Origem histrica, 331
16.2 Legislao - conceituao - natureza jurdica, 332
16.3 A Lei no 8.009, de 29-3-90, 333
16.4 Objeto e valor do bem de famlia, 335
16.5 Legitimao para a instituio e destinao do bem, 337
16.6 Requisitos, 338
16.7 Inalienabilidade e impenhorabilidade do bem de famlia. Aplicao na
Lei no 8.009, 340
16.8 Durao, 341
16.9 Processo de constituio, 343
16.10 Concluso. O bem de famlia no atual Cdigo Civil, 344
17 Fatos, Atos e Negcios Jurdicos, 353
17.1 Introduo: os fatos jurdicos, 353
17.2 Negcio jurdico, 356
17.2.1 Classificao dos negcios jurdicos, 358
17.3 Atos jurdicos no Direito Romano, 359
18 Aquisio, Modificao, Defesa e Extino dos Direitos, 363
18.1 Aquisio dos direitos, 363
18.1.1 Direitos atuais e direitos futuros, 364
18.1.2 Direitos eventuais, 366
18.1.3 Expectativas de direito, 366
18.1.4 Direitos condicionais, 366
18.2 Modificao dos direitos, 367
18.3 Defesa dos direitos, 368
18.3.1 Legtimo interesse: condies da ao, 372
18.4 Extino dos direitos, 374
19 Fenmeno da Representao no Direito: Conceito e Espcies, 378
19.1 Conceito, 378
19.2 Evoluo histrica da representao, 379
19.3 Figura do nncio, 380
19.4 Representao legal e voluntria, 381
19.5 Efeitos da representao, 383
20 Elementos do Negcio Jurdico: Planos de Existncia e Validade, 385
20.1 Elementos, pressupostos e requisitos, 385
20.2 Vontade e sua declarao, 387
20.2.1 Elementos constitutivos da declarao de vontade, 389
20.2.2 Silncio como manifestao de vontade, 391
20.3 Capacidade do agente, 392
20.3.1 Legitimao, 394
20.4 Forma, 395
20.5 Objeto, 396
20.6 Causa, 399
21 Interpretao dos Negcios Jurdicos, 402
21.1 Sentido da interpretao dos negcios jurdicos, 402
21.2 Interpretao no Cdigo Civil. A boa-f, 403
22 Defeitos dos Negcios Jurdicos O Erro, 407
22.1 Defeitos dos negcios jurdicos, 407
22.2 Erro ou ignorncia, 410
22.3 Escusabilidade do erro, 411
22.4 Erro substancial e erro acidental, 412
22.5 Erro consistente numa falsa causa, 415
22.6 Erro de fato e erro de direito, 415
22.7 Art. 141 do Cdigo Civil (art. 89 do Cdigo de 1916), 417
22.8 Art. 142 do Cdigo Civil (art. 91 do Cdigo de 1916), 417
22.9 Erro de clculo, 418
22.10 Aceitao da manifestao de vontade errnea pelo declaratrio, 418
22.11 Erro e vcios redibitrios, 418
22.12 Erro sobre o valor, 419
22.13 Conseqncias da anulao do negcio por erro - interesse negativo,
420
23 Dolo, 425
23.1 Conceito, 425
23.2 Erro e dolo, 427
23.3 Dolo e fraude, 427
23.4 Requisitos do dolo, 428
23.4.1 Dolo essencial e dolo acidental, 429
23.4.2 Dolus bonus e dolus malus, 430
23.5 Dolo positivo e dolo negativo, 431
23.6 Dolo de terceiro: diferena de tratamento da coao praticada por
terceiro no Cdigo de 1916, 432
23.7 Dolo do representante, 434
23.8 Dolo de ambas as partes, 435
24 Coao e Estado de Perigo, 437
24.1 Conceito, 437
24.2 Requisitos da coao, 438
24.2.1 Essencialidade da coao, 439
24.2.2 Inteno de coagir, 439
24.2.3 Gravidade do mal cominado, 440
24.2.4 Injustia ou ilicitude da cominao, 441
24.2.5 Dano atual ou iminente, 441
24.2.6 Justo receio de prejuzo igual, pelo menos, ao decorrente do
dano extorquido. A posio do atual Cdigo, 442
24.2.7 Ameaa de prejuzo pessoa ou bens da vtima, ou pessoas
de sua famlia, 443
24.3 O temor reverencial, 444
24.4 Coao por parte de terceiros, 445
24.5 Estado de necessidade ou estado de perigo, 446
25 Simulao, 451
25.1 Conceito, 451
25.2 Requisitos, 453
25.3 Espcies de simulao de acordo com o art. 102 do Cdigo Civil de
1916, 454
25.4 Simulao absoluta e simulao relativa, 456
25.5 Simulao maliciosa e simulao inocente, 458
25.6 Simulao e defeitos afins. Reserva mental, 459
25.7 Ao de simulao, 463
25.8 Prova da simulao, 466
25.9 Simulao no atual Cdigo Civil, 467
26 Fraude Contra Credores, 474
26.1 Introduo, 474
26.2 Noo histrica, 475
26.3 Fraude em geral, 476
26.4 Fraude contra credores, 478
26.4.1 Requisitos, 479
26.4.2 Ao pauliana, 482
26.5 Casos particulares estatudos na lei, 484
26.5.1 Outros casos particulares de fraude contra credores, 486
26.6 Fraude de execuo, 488
26.7 Ao revocatria falencial, 490
26.8 Concluso, 490
27 Leso, 495
27.1 Introduo, 495
27.2 Noo histrica, 496
27.3 Conceito e requisitos, 497
27.4 Leso e Lei de Proteo Economia Popular. Cdigo de Defesa do
Consumidor, 500
27.5 Procedimento judicial, 502
27.6 Renncia antecipada alegao de leso, 502
27.7 Prazo prescricional, 503
28 Modalidade dos Negcios Jurdicos (Elementos Acidentais dos
Negcios Jurdicos), 504
28.1 Introduo - elementos acidentais do negcio jurdico, 504
28.2 Condio, 505
28.2.1 Condies lcitas e ilcitas, 507
28.2.2 Condio potestativa, 508
28.2.3 Condio impossvel no Cdigo de 1916, 509
28.2.4 Condio resolutiva e condio suspensiva, 510
28.2.5 Implemento ou no-implemento das condies por malcia do
interessado, 511
28.2.6 Retroatividade da condio, 516
28.3 Termo, 518
28.3.1 O prazo, 519
28.4 Encargo, 521
29 Forma e Prova dos Negcios Jurdicos, 527
29.1 Conceito, valor e funo da forma, 527
29.1.1 Escritura pblica e instrumento particular, 531
29.2 Prova dos negcios jurdicos, 533
29.2.1 Meios de prova, 535
29.2.2 Confisso, 536
29.2.3 Atos processados em juzo, 538
29.2.4 Documentos pblicos ou particulares, 539
29.2.5 A prova testemunhal, 541
29.2.6 Presunes e indcios, 545
29.2.7 A percia. A inspeo judicial, 547
30 Ineficcia dos Negcios Jurdicos, 555
30.1 Introduo ao estudo das nulidades do negcio jurdico, 555
30.2 Nulidade, 556
30.2.1 Converso do negcio jurdico, 562
30.3 Anulabilidade, 564
30.3.1 Ratificao ou confirmao dos negcios anulveis, 567
30.4 Distino entre negcios nulos e negcios anulveis, 569
30.5 Problemtica da inexistncia dos negcios jurdicos, 569
31 Atos Ilcitos. Introduo. Abuso de Direito, 574
31.1 Responsabilidade civil, responsabilidade contratual e extracontratual,
574
31.2 Elementos da responsabilidade extracontratual ou aquiliana, 577
31.3 Excluso ou diminuio da responsabilidade, 582
31.4 Abuso de direito, 586
31.4.1 Conceito de abuso de direito, 587
31.4.2 Alguns exemplos significativos de abuso de direito, 588
31.4.3 Aplicao da teoria do abuso em nosso direito, 590
31.4.4 Abuso de direito no atual Cdigo Civil, 592
32 Prescrio e Decadncia, 596
32.1 Influncia do tempo nas relaes jurdicas, 596
32.2 Prescrio extintiva e prescrio aquisitiva, 597
32.3 Sntese histrica da prescrio, 598
32.4 Conceito e requisitos da prescrio, 599
32.4.1 Aes imprescritveis, 601
32.4.2 Prescrio e decadncia, 602
32.4.3 Disposies legais sobre a prescrio, 606
32.4.4 Impedimento, suspenso e interrupo da prescrio, 611
32.5 Prazos de prescrio no Cdigo de 1916, 622
32.6 Anotaes sobre prescrio e decadncia no atual Cdigo Civil, 623
BIBLIOGRAFIA, 630
NDICE REMISSIVO, 636
13
13
Nota do Autor 2 Edio
Esta segunda edio unificada de nossa obra, que teve incio nos idos de 1984,
com o primeiro volume dedicado teoria geral do Direito Civil, apresenta-se agora como
um estudo de transio entre o Cdigo de 1916, que nos acompanhou praticamente por
todo o sculo XX, e o novo Cdigo Civil, que se apresenta agora como a lei do cidado
do novo sculo. Tendo em vista o perodo de vacatio legis e o perodo mais ou menos
longo que ainda o Cdigo de 1916 influenciar o pensamento jurdico nacional, foi
mantida a mesma estrutura de captulos, que segue em princpio a ordem do velho
diploma, mas em todos os tpicos feito o exame comparado com o novo Cdigo Civil.
Sempre que necessrio, aberto um segmento autnomo para as inovaes trazidas por
essa novel lei. Procurou-se vaticinar os novos rumos da jurisprudncia no pas, embora
somente os primeiros anos de sua vigncia e os estudos das novas geraes de juristas
possam dar-nos uma noo mais clara do alcance das inovaes.
A franca acolhida desta obra pelo meio jurdico nacional, em sua 1a edio,
incentiva-nos a prosseguir na mesma senda, qual seja, apresentar um texto objetivo, sem
perda da profundidade, que cubra todo o universo do direito civil brasileiro. A idia central
de que a obra atue como instrumento til de referncia para o profissional e estudioso
do Direito em geral, como um meio orientador para os colegas professores deste imenso
pas, que tanto nos tm apoiado, e para o vasto universo de estudantes de nossas
Faculdades de Direito, cujo contato, entusiasmo e juventude servem de elixir para que
prossigamos em nossa empreitada.
Nota do Autor
A primeira edio do primeiro volume deste trabalho, dedicado teoria geral do
Direito Civil, foi por ns elaborada no j distante ano de 1984. Desde ento, vrias
edies se sucederam e tivemos a oportunidade de editar outros volumes dedicados ao
Direito Civil.
A presente edio o coroamento de nossa empreitada no sentido de trilhar
todos os compartimentos do Direito Civil. Nesta obra, em sete volumes, atualizamos os
trabalhos anteriores e introduzimos o estudo da responsabilidade civil e do direito de
famlia, todos com subsdios jurisprudenciais atualizados.
14
14
Desse modo, o estudioso desse fundamental campo jurdico, profissional ou
estudante, tem doravante em mos escritos que cobrem todo o programa bsico de
Direito Civil das faculdades do pas e as questes controvertidas fundamentais dos
diversos temas.
O primeiro volume dedicado teoria geral, com introduo aos institutos de
direito romano; o segundo volume reporta-se teoria geral das obrigaes e teoria
geral dos contratos; o terceiro estuda os contratos em espcie, obrigaes unilaterais; o
quarto refere-se responsabilidade civil; o quinto volume contm o estudo acerca dos
direitos reais; o sexto refere-se ao direito de famlia e o stimo ao direito das sucesses.
Em toda a obra, procuramos manter o mesmo enfoque, evitando longas
citaes, traduzindo eventuais textos de autores estrangeiros e apresentando questes
controvertidas na doutrina e na jurisprudncia de forma direta, sem prejuzo de sua
profundidade.
Desse modo, ainda que com certa demora, esperamos ter atingido o anseio do
prefacista, Prof. Arruda Alvim, que ficara, poca do primeiro livro, no anseio de que no
nos faltasse nimo e disposio para a consecuo da tarefa assumida.
Apresentao
A civilstica brasileira, com o lanamento desta obra, encontra-se enriquecida de
maneira toda especial.
Slvio Venosa, magistrado e professor de Direito em So Paulo, lanou-se a
empreendimento excepcionalmente rduo, ao assumir a tarefa de escrever, ex professo,
com mo de mestre e pena agigantada, sobre todo o Direito Civil brasileiro. A tarefa de
escrever bem sabidamente pesada, que exige de quem o faz dedicao que foge ao
comum dos trabalhos da vida, supondo uma preparao prvia, a seu turno, igualmente
penosa e, possivelmente, acima de tudo, dotes intelectuais privilegiados.
Esta obra, entretanto, contm mritos que a colocam diferenciadamente em
nosso cenrio jurdico.
A empreitada levada parcialmente a cabo, com este primeiro volume, revelou
qualidades excepcionais de seu autor. Foram suas grandes virtudes de jurista e de
trabalhador infatigvel que viabilizaram a confeco da obra, em seu primeiro volume,
com as caractersticas que a enformam e lhe conferem contedo notvel.
15
15
Aponte-se, em primeiro lugar, a luminosa clareza do texto, predicado essencial
transmisso de qualquer cincia, por meio do qual tanto estudantes, quanto advogados,
juzes, membros do Ministrio Pblico e, bem assim, professores e especialistas
encontraro idias limpidamente comunicadas, sem qualquer jaa.
Em segundo lugar, remarque-se a ampla abrangncia da matria tratada. Na
verdade, encontramo-nos diante de trabalho que contm, na Parte I, perfeita e adequada
"Introduo ao Direito Civil", fornecidos que foram todos os elementos propeduticos e
teis (conceituais, histricos, filosficos, tericos e tcnicos) compreenso do que seja
o Direito Civil, atualmente, e tendo em vista a perspectiva de sua evoluo histrica.
Nessa parte se encarta, outrossim, referncia aos mais variados sistemas jurdicos, a
ensejar a concretizao consciente de que o Direito brasileiro deve ser, tambm,
analisado nesse contexto mais amplo do direito comparado. Seguem-se lies
respeitantes ao sentido e funo, para o direito, da codificao, complementadas com a
referncia s principais obras legislativas existentes, que tm servido de modelo a pases
menos desenvolvidos culturalmente, como ainda o Brasil.
Na Parte II, defrontamo-nos com a exposio sistematizada da Teoria Geral do
Direito Civil, em que despontam facetas que peculiarizam este livro, outorgando-lhe
merecimento invejvel. O autor expe o Direito Civil de forma extremamente minuciosa,
no se esquecendo o eminente especialista de fazer acompanhar sua exposio de
referncias, apropriadas e precisas a suas fontes histricas, vale dizer, ao Direito
Romano, permeando com essa mesma metodologia todo o texto, rico e claro, analtico,
no qual comparece o dever de anlise, e sinttico onde recomendvel a sntese.
Mostra-se-nos um jurista envergado e solidamente apropriado dos mais atuais
elementos de informao, primando pelo cuidado em abordar assuntos que muitas vezes
so deixados na sombra, mas que, na realidade, so possivelmente os que demandam
maior tratamento. Assim, e.g., no esmiuamento da pessoa jurdica, so expostas as
diversas concepes existentes, visualizao esta que altamente elucidativa, para se
poder compreender sua funo nos sistemas jurdicos, no se eximindo o autor de
encerrar o captulo com sua concluso pessoal, atitude conclusiva esta que marca todo o
texto. Neste tema, no lhe escapou o tratamento dos chamados "grupos com
personificao anmala" (Parte II, seo 13.6.2), ponto pouqussimo versado, mas que,
no cotidiano da vida e da vivncia diria dos Tribunais, apresenta problemas crescentes e
bastante graves, precisamente pela novidade que oferta essa problemtica,
acompanhada, entretanto, de pouco esclarecimento. No tema responsabilidade civil,
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considera, com toda a propriedade, a "aplicao da teoria do risco administrativo" ao
Direito Civil (Parte II, seo 13.8.3), uma vez que aumenta, patente, quantitativa e
qualitativamente, o espectro da responsabilidade civil, somando-se outras hipteses
responsabilidade civil, calcada na culpa ou no dolo, e, por isso mesmo, impendendo que
se expliquem e se justifiquem os fundamentos, em decorrncia dos quais foi hipertrofiada
essa responsabilidade. Ainda merece decidido aplauso o que foi escrito a respeito da
"desconsiderao da pessoa jurdica" (Parte II, seo 13.14), assunto praticamente
desconsiderado em nossa literatura ordinria e, muitas vezes, at mesmo em Tratados.
Esse assunto revela-se de suprema importncia, pela atualidade e complexidade,
extremamente intricada dos problemas que tem suscitado e que, precisamente pela
pouca informao existente, deixa perplexos os profissionais do Direito, sem padres
seguros para enquadrar essa realidade anmala e polimorfa em uma equao jurdica e
justa.
No se esquivou o ilustre privatista de nos fornecer, e funo desse novo quadro
de problemas insondados da realidade contempornea, o favor generoso de seu talento
criativo, posto a servio do Direito e da Justia, apto a dilucidar esses temas novos,
especialmente intricados. Expe de forma cintilante o estgio atual da doutrina, haurida
especialmente em fontes externas, nesses passos, merc do que, em face de tais
novidades, obturam-se algumas lacunas que existem em nossa literatura e se
instrumentam estudiosos e Tribunais com elementos mais idneos soluo dos muitos
conflitos que se instauram a propsito. Revela-se, ento, expositor corajoso e criativo,
no abdicando, diante de quaisquer dos caminhos menos cmodos, de os trilhar, seno
que transpe sobranceiramente e bem sucedidamente essas difceis novas estradas,
reveladoras dos caminhos conducentes soluo de farto temrio, quase ausente da
civilstica clssica. Ostenta-se, assim, de uma parte, como obra no s emergida da
informao clssica, mas tambm renovada em sua ambio de exaurir os meandros
mais complexos e menos visveis do Direito Civil atual, com o que, por certo, exercer
funo renovadora, por essa sua modernidade, caracterstica dos trabalhos mais
notveis.
Outro ponto alto do livro o cuidado com que enfocou o tema do negcio
jurdico. Na mesma altitude, prossegue a anlise dos rotineiramente chamados vcios do
ato jurdico (Parte II, Captulos 23 e 27), com toda a propriedade corretamente
designados vcios dos negcios jurdicos.
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Foca esse campo infindamente complexo, maculador da vontade negocial,
fornecendo no texto notcia exata de todas as mincias que, muitas vezes, escapam aos
melhores escritores. Essa totalizao do autor sobre os assuntos abordados, inclusive
este, demonstra o quanto de esforo despendeu o civilista, ajudado por seu tato de
jurisconsulto. A exposio oriunda de tal esforo, no entanto, de clareza meridiana, o
que, a seu turno, ainda que descontadas as qualidades pessoais, no particular, ter
representado outro tanto de cansao e dedicao. Vale dizer, trata-se de obra, h um
tempo, profunda e densa, mas cujo texto transparente em sua linguagem, como j se
disse, a qual, translucidamente, nos comunica conceitos exatos, merc da precedente e
exata compreenso por parte daquele que os emite.
O ilustre professor e magistrado de So Paulo mostra-se nesta sua obra, por
intermdio deste volume inaugural, como jurisconsulto completo, embora estreante nas
letras jurdicas, mas o faz, seguramente, semelhana do que o fazia o arteso
medieval, ou seja, com sua obra-prima. Ao pretender o trabalhador da Idade Mdia
ingressar numa corporao, havia de apresentar um trabalho que viria a ser seu primeiro
publicamente considerado, com suas qualidades especialmente mensuradas, para o fim
de ser admitido como mestre. Por certo, dedicava-se tanto o arteso a tal obra, com
"cuidados artesanais", que, por transposio de sentido, do cronolgico para o valorativo,
essa obra-prima, tendo originariamente significao estritamente cronolgica - primeira
obra feita para a admisso entre os artesos-mestres - passou a revestir-se o sentido de
sua obra perfeita. esse, aceita a imagem, precisamente o caso do Prof. Slvio Venosa,
que, com seu tomo inicial, comparece no mundo jurdico brasileiro com sua primeira obra-
prima, porque a ela se dedicou tal como o trabalhador medieval, e, por isso, enfileira-se,
definitivamente, entre nossos melhores civilistas.
Diga-se ademais que o Prof. Slvio Venosa homem de larga cultura jurdica, o
que, ainda, vem situ-lo em posio de notrio destaque. Ou seja, a exposio do Direito
Civil, ao longo deste primeiro volume, demonstra, alm de nos termos deparado com um
civilista altamente qualificado, estarmos diante de um cultor da cincia jurdica,
justamente por sediar os institutos e os conceitos de Direito Civil em contextura mais
iluminadora, dado que recorre a recursos outros que no os estritamente confinados ao
ius civile, vale dizer, utilizou-se dos instrumentos da filosofia do Direito e da teoria geral
do Direito.
Ainda nessa trilha de realizar algo de efetivamente completo, significativo de
metodologia exemplar e abrangente, vemos ao longo de todo o trabalho inmeras
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decises de nossos Tribunais, com o que se mostra um escritor ligado intensamente a
prxis jurisprudencial do Direito, sem cujo conhecimento impossvel desenvolver
qualquer exposio autenticamente til. A carncia de conhecimento de jurisprudncia
o fato que, segura e certamente, levar ausncia de exatido na exegese dos textos, e,
eventualmente mesmo, a desvios da exposio doutrinria. E tal ocorre porque a doutrina
tem, necessariamente, de conhecer a realidade emprica do Direito, pois que este , por
excelncia, uma cincia prtica, porque voltado para regrar as condutas das pessoas no
mundo emprico e real, e so os Tribunais que conferem s normas sua expresso final,
equalizando-as em funo da realidade da poca em que so emitidos os
pronunciamentos jurisprudenciais.
Este texto, cuja leitura recomendada com nfase, contm todos os atributos
necessrios para tornar-se um clssico do Direito Civil contemporneo. Fazemos votos
sinceros para que este profcuo trabalho prossiga em seus ulteriores volumes e que ao
Prof. Slvio Venosa no faltem o nimo e a disposio para dar consecuo tarefa
assumida, pois, vindo a lume este volume, j devedor, em nossos meios jurdicos, dos
outros de sua obra, que, seguramente, ser aguardada com a maior das expectativas,
provocada pela leitura desta parte, ora publicada.
Arruda Alvim
Professor do Curso de Mestrado e Doutorado em Direito Civil - Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo - e Desembargador Aposentado do Tribunal de
Justia de So Paulo.
* Esta apresentao foi escrita por ocasio do lanamento da edio de 1984
deste livro.
Prefcio 4a Edio
A primeira edio do primeiro volume deste trabalho, dedicado teoria geral do
Direito Civil, foi por ns elaborada no j distante ano de 1984. Desde ento, vrias
edies sucederam-se e culminaram com a nova fase da obra, que ora se apresenta
nesta terceira edio. A promulgao do novo Cdigo Civil e a concluso dos volumes
faltantes motivaram essa modificao editorial.
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Sem dvida, esta edio coroa nossa empreitada no sentido de trilhar todos os
compartimentos do Direito Civil. Esta obra, em sete volumes, encontra-se atualizada e
passa, doravante, a ter como base legislativa o Cdigo Civil de 2002, apresentando
sempre a comparao com o Cdigo de 1916, que por tantos anos ainda influenciar o
pensamento jurdico nacional. Nestes escritos, o estudante e o profissional tm uma viso
fundamental desse importante universo jurdico. Os volumes cobrem todo o programa
bsico de Direito Civil das faculdades do pas e as questes fundamentais dos diversos
temas. Sempre que possvel, existe referncia jurisprudncia e procuramos no fugir
dos temas controvertidos, apresentando-os de forma compreensvel. O atual Cdigo Civil
abre um campo vasto de discusso e problemas que somente o decorrer dos anos
poder pacificar. Sob esse ponto, procuramos apontar os caminhos que provavelmente
sero trilhados pelos nossos tribunais, embora muitas das novas discusses sejam
plenas de grande complexidade.
O primeiro volume dedicado teoria geral, com introduo aos institutos de
direito romano; o segundo volume reporta-se teoria geral das obrigaes e teoria
geral dos contratos; o terceiro estuda os contratos em espcie e obrigaes unilaterais; o
quarto refere-se responsabilidade civil; o quinto volume contm o estudo acerca dos
direitos reais; o sexto refere-se ao direito de famlia e o stimo ao direito das sucesses.
Em toda obra, procuramos manter o mesmo enfoque, evitando longas citaes,
traduzindo eventuais textos de autores estrangeiros e apresentando questes
controvertidas na doutrina e na jurisprudncia de forma direta, sem prejuzo de sua
profundidade. O leitor com maior experincia certamente notar que, em nossas linhas,
est sempre presente a vivncia do magistrado e do professor que sempre fui, e sempre
serei, e do advogado de empresa destes ltimos anos.
A franca acolhida e rpida aceitao da obra, mormente nesta nova fase, no
meio jurdico nacional incentiva-nos a prosseguir na mesma senda, qual seja, apresentar
texto objetivo, sem perda da profundidade, que cubra todo o universo do direito civil
brasileiro.
No h obra perfeita e acabada, principalmente em Direito e essencialmente
neste pas de intensa produo legislativa. O trabalho de atualizao constante. Nossa
idia no sentido de que a obra atue como instrumento til de referncia para o
profissional operador do Direito em geral, como um meio orientador para os colegas
professores deste imenso pas, que tanto nos tm apoiado, e para o vasto universo de
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estudantes de nossas Faculdades, cujo contato, entusiasmo e juventude servem de elixir
para que prossigamos nessa empreitada.
O Autor
Nota do Autor 4a Edio
A plena acolhida desta obra no meio estudantil e profissional de todo o pas nos
incentivou a manter nesta edio a mesma estrutura, introduzindo apenas algumas
modificaes e atualizaes de texto, em todos os volumes. mantida a comparao de
todos os institutos com o revogado Cdigo de 1916, que por muito tempo continuar a
gerar questes e para sempre servir de base fundamental para o estudo do Direito Civil
brasileiro.
PARTE I
INTRODUO AO DIREITO CIVIL
1- Conceito de Direito
A nossa realidade que nos cerca pode ser considerada de trs modos
diferentes: o mundo da natureza, o mundo dos valores e o mundo da cultura. Esses trs
aspectos do ordem ao caos que nos rodeia.
O mundo da natureza compreende tudo quanto existe independentemente da
atividade humana. Vigora a o princpio da causalidade, das leis naturais que no
comportam exceo, nem podem ser violadas.
As leis naturais so as leis do ser. Uma vez ocorridas determinadas
circunstncias, ocorrero inexoravelmente determinados efeitos.
No mundo dos valores, atribumos certos significados, qualidades aos fatos e
coisas que pertencem a nosso meio, a nossa vida. A tudo que nos afeta, direta ou
indiretamente, atribui-se um valor. A atribuio de valor s coisas da realidade constitui
uma necessidade vital. O homem em sociedade sente necessidade de segurana,
trabalho, cooperao, atividade de recreio, poltica, esttica, moral, religiosidade. Todas
essas necessidades so valoradas pela conduta humana. Trata-se, portanto, do aspecto
axiolgico.
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Quando dizemos que determinada pessoa boa ou m, simptica ou
antiptica, nada mais fazemos do que lhe atribuir um valor; esse valor pessoal,
podendo no ser o mesmo atribudo por outrem ou por uma coletividade.
A conduta humana no pode prescindir de uma escala de valores a reger os
atos, as aes socialmente aceitveis ou inaceitveis, de acordo com a opinio dessa
mesma sociedade. O fato de o homem atribuir valor a sua realidade vital para satisfazer
a suas prprias necessidades. Se no tivssemos continuamente carncias, no haveria
necessidade de uma escala de valores.
J o mundo da cultura o mundo das realizaes humanas.
medida que a natureza se mostra insuficiente para satisfazer s necessidades
do homem, quando sente a falta de abrigo, de instrumentos, de viver com outros seres
semelhantes, passa o homem a agir sobre os dados da natureza, por meio dos valores,
isto , necessidades para sua existncia, criando uma realidade que produto seu,
resultado de sua criatividade.
Esta breve introduo serve para posicionar o Direito como pertencente ao
mundo da cultura. Nesse mundo cultural, o homem criou vrios processos de adaptao,
esforando-se para a realizao dos seus valores. No pretendemos aqui explicar a
cincia do Direito ou o Direito em si, nem objeto dessa disciplina. necessrio, no
entanto, fixar os primeiros passos, para posicionar esse estudo.
A cultura referida abrange tanto a cultura material como a cultura espiritual. Uma
pintura, uma obra literria ou arquitetnica, uma poesia so bens culturais. A inteno
com que foram criadas que as fazem produtos da cultura humana.
A atividade valorativa ou axiolgica orientada para realizar a ordem, a segurana
e a paz social faz surgir o Direito, posicionado no mundo da cultura.
O Direito uma realidade histrica, um dado contnuo, provm da experincia.
S h uma histria e s pode haver uma acumulao de experincia valorativa na
sociedade. No existe Direito fora da sociedade (ubi societas, ibi ius, onde existe a
sociedade, existe o direito).
Da dizer-se que no Direito existe o fenmeno da alteridade, isto , da relao
jurdica. S pode haver direito onde o homem, alm de viver, convive. Um homem que
vive s, em uma ilha deserta, no alcanado, em princpio, pelo Direito, embora esse
aspecto modernamente tambm possa ser colocado em dvida. H, portanto,
particularidades que distinguem a cincia do Direito das demais.
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O Direito disciplina condutas, impondo-se como princpio da vida social. Leva as
pessoas a relacionarem-se por meio de liames de vrias naturezas, comprometendo-se
entre si. J acenamos a, portanto, com a existncia da obrigao jurdica.
Para que haja essa disciplina social, para que as condutas no tornem a
convivncia invivel, surge o conceito de norma jurdica.
A norma a expresso formal do Direito, disciplinadora das condutas e
enquadrada no Direito.
Pelo que at aqui se exps, h de se perceber a diferena marcante entre o
"ser" do mundo da natureza e o "deve ser" do mundo jurdico: um metal aquecido a
determinada temperatura muda do estado slido para o lquido. Essa disposio da
natureza imutvel. O homem que comete delito de homicdio "deve ser" punido. Pode
ocorrer que essa punio no se concretize pelos mais variados motivos: o criminoso no
foi identificado, ou agiu em legtima defesa, ou o fato ocorreu sem que houvesse a menor
culpa do indivduo.
Esta a a diferena do "ser" e do "dever ser". Este ltimo se caracteriza pela
liberdade na escolha da conduta. O mundo do "ser" do conhecimento, enquanto o
mundo do "dever ser" objeto da ao.
Entre os vrios objetivos das normas, o primordial conciliar o interesse
individual, egosta por excelncia, com o interesse coletivo. Direito ordem normativa,
um sistema de normas harmnicas entre si.
No entanto, o mundo cultural do direito no prescinde dos valores. Vive o Direito
da valorao dos fatos sociais, do qual nascem as normas, ou, como queiram, por meio
das normas que so valorados os fatos sociais.
H uma trilogia da qual no se afasta nenhuma expresso da vida jurdica: fato
social-valor-norma, na chamada Teoria Tridimensional do Direito, magistralmente descrita
por Miguel Reale (1973).
A medida de valor que se atribui ao fato transporta-se inteiramente para a
norma. Exemplo: suponha que exista nmero grande de indivduos em uma sociedade
que necessitem alugar prdios para suas moradas. Os edifcios so poucos e, havendo
muita demanda, certo que pela lei da oferta e da procura os preos dos imveis a
serem locados elevem-se. O legislador, apercebendo-se desse fato social, atribui valor
preponderante necessidade dos inquilinos, protegendo-os com uma Lei do Inquilinato,
que lhes d maior proteo em detrimento do proprietrio. H aqui um fato social
devidamente valorado que se transmutou em norma.
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No cabe aqui um aprofundamento sobre a matria, que pertence propriamente
Filosofia do Direito. O que por ora pretendemos situar o Direito, para chegar posio
do chamado Direito Civil. Essas noes introdutrias, porm, so importantes, a fim de
preparar o esprito para o que advir brevemente nessa exposio.
Complementando, importa tambm afirmar que o Direito realidade histrico-
cultural e, como j acentuamos, de natureza bilateral ou alternativa. No existe Direito
fora do mundo da cultura, que se insere em um contexto histrico, sempre na sociedade.
Por isso se diz que o direito atributivo, ou seja, consiste em um realizar
constante de valores de convivncia.
O Direito refere-se sempre ao todo social como garantia de coexistncia.
Realizar o Direito realizar a sociedade como comunidade concreta, que no se reduz a
um conglomerado amorfo de indivduos, mas forma uma ordem de cooperao, uma
comunho de fins que precisa ser ordenada. Da por que s existir Direito em sociedade.
Direito cincia do "deve ser" que se projeta necessariamente no plano da
experincia. Para cada um receber o que seu, o Direito coercvel, isto , imposto
sociedade por meio de normas da conduta.
1.1 Tipicidade
Para atingir esse objetivo do Direito, para que o Direito tenha a certeza de que
existe e deve ser cumprido, joga com predeterminaes formais de conduta, isto ,
descries legais na norma que obrigam determinado comportamento, quer sob forma
positiva, quer sob forma negativa. A isso se d o nome de tipicidade. Os fatos tpicos
existem em todas as categorias jurdicas, notando-se com mais veemncia no campo do
Direito Penal, direito punitivo por excelncia, em que as condutas criminosas, reprimidas
pela lei, so por ela descritas. S h crime se houver lei anterior que o defina.
Contudo, o fenmeno da tipicidade universal no Direito. No Direito Privado,
seus vrios institutos so delineados com uma descrio legal. Da por que a lei define o
que obrigao, o que propriedade, como se extingue a obrigao etc.
Essa predeterminao formal do Direito, essa necessidade de certeza jurdica,
para regular as aes na sociedade, vai at o ponto de exigir a constituio de um Poder
do Estado, o Poder Judicirio, cuja finalidade ditar o sentido exato das normas. Essa
funo jurisdicional existe to-s no Direito, no sendo encontrada na Moral. E
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justamente esse poder jurisdicional que aplica a coercibilidade s normas reguladoras da
sociedade.
Esse fato tpico que d origem s relaes jurdicas tambm denominado fato
jurgeno ou fato gerador (embora esta ltima expresso seja consagrada no Direito
Tributrio, seu sentido idntico).
Na maioria das vezes, o fato tpico, ou seja, a descrio legal de uma conduta,
predetermina uma ao do indivduo, quer para permitir que ele aja de uma forma, quer
para proibir determinada ao.
Quando o Cdigo Penal, no art. 121, afirma "matar algum", est definindo um
fato tpico. Todo aquele que praticar essa conduta de matar algum pode, deve ser
condenado, sem que se afirme que isso venha a ocorrer. Quando o Cdigo Civil afirma,
no art. 1.267, que "a propriedade das coisas no se transfere pelos negcios jurdicos
antes da tradio" (antigo, art. 620), isso quer dizer que h uma tipicidade na conduta
para entregar as coisas adquiridas pelo contrato, pois a propriedade s ocorre com a
entrega (tradio) da coisa mvel. Qualquer outra conduta ser atpica, isto , contrria
disposio da norma, e sofrer uma reprimenda, no caso, uma reprimenda civil.
2- Fontes do Direito
A expresso fontes do Direito tem dois sentidos: origem histrica ou diferentes
maneiras de realizao do Direito. Aqui, no sentido que ora interessa, temos o aspecto de
fonte criadora do Direito.
No incio da evoluo social, residia nos costumes a principal fonte.
Posteriormente, a lei ganha foros de fonte principal. Sob esses dois aspectos, decorrem
os dois principais sistemas atuais: o sistema do direito costumeiro do Common Law e o
sistema romano-germnico, que o nosso, dos quais nos ocuparemos mais detidamente
a seguir.
A lei de Introduo ao Cdigo Civil (Decreto-lei no 4.657, de 4-9-42), no
simplesmente uma introduo ao Cdigo Civil, mas a todo ordenamento jurdico
brasileiro; apresenta em seu art. 4o, como fontes de Direito: a lei, a analogia, os
costumes e os princpios gerais de Direito. Continua em vigor mesmo perante o Cdigo
Civil de 2002 e com ele se harmoniza perfeitamente.
Miguel Reale (1973:164) entende por fonte do Direito, no aspecto que nos
interessa, "os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurdicas se positivam
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com legtima fora obrigatria, isto , com vigncia e eficcia". H, destarte, necessidade
de um poder que d validade a essas fontes como normas.
Cumpre examinar de que fontes brota o Direito.
necessrio distinguir as fontes diretas, ou seja, as que de per si tm fora
suficiente para gerar a regra jurdica, as quais podem ser denominadas, segundo a
doutrina tradicional, fontes imediatas ou primrias. Ao lado dessas, h as denominadas
fontes mediatas ou secundrias, as que no tm a fora das primeiras, mas esclarecem
os espritos dos aplicadores da lei e servem de precioso substrato para a compreenso e
aplicao global do Direito.
Como fontes primrias ou formais, a maioria da doutrina estatui a lei e o
costume. Como fontes mediatas ou secundrias devem ser citadas, sem unanimidade
entre os juristas, a doutrina, a jurisprudncia, a analogia, os princpios gerais de Direito e
a eqidade.
Entendendo-se, contudo, a fonte formal do Direito como modo de expresso do
Direito Positivo, s a lei e o costume podem assim ser considerados. Os outros institutos
gravitam em torno da noo de estratgias para a aplicao do Direito.
importante fixar de plano que no universo jurdico atual coexistem duas
grandes famlias jurdicas (sistemas). O sistema denominado romano-germnico, em que
tem cabal proeminncia a lei escrita, e o sistema do Common Law, dos pases de lngua
inglesa ou de colonizao inglesa, em geral, que um sistema, basicamente, de direito
no escrito, vazado em normas costumeiras e precedentes.
Note, ainda, que, embora nosso ordenamento de leis seja escrito, legalmente se
reconhecem outras fontes, como vimos no citado art. 4o da Lei de Introduo ao Cdigo
Civil.
2.1 Lei
No tocante etimologia da palavra lei, h duas explicaes tcnicas: ou a
palavra originria do verbo legere = ler; ou decorre do verbo ligare, e de notar que
legere tambm significa eleger, escolher. Da se inferir que se chama lei por se tratar da
escolha de determinada norma, regra, dentro de um conjunto.
Todo doutrinador apresenta um conceito prprio de lei, mas no podemos fugir a
seus caracteres estveis e permanentes em qualquer definio que elaborarmos.
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Primeiramente, temos de afastar da denominao lei as leis naturais. Aqui,
importa a regra jurdica, como lei do "dever ser".
"Nesse mbito, podemos conceituar lei como uma regra geral de direito, abstrata
e permanente, dotada de sano, expressa pela vontade de uma autoridade competente,
de cunho obrigatrio e de forma escrita."
necessrio o estudo de cada um desses caractersticos:
A lei uma regra geral, no se dirige a um caso particular, mas a um nmero
indeterminado de indivduos. dirigida a todos os casos que se colocam em sua
tipicidade. Contudo, o domnio de alcance da lei pode ser maior ou menor, sem que isso
descaracterize a generalidade. O comando que emana de um poder dirigido a uma nica
pessoa no pode ser caracterizado, de acordo com o que aqui foi afirmado, como lei
propriamente dita.
Dessa generalidade da lei decorrem dois outros caracteres tambm importantes,
uma vez que a lei uma regra abstrata e permanente.
regra abstrata porque regula uma situao jurdica abstrata. O legislador tem
em mira condutas sociais futuras a serem alcanadas pela lei. Ela ser aplicada a todas
as situaes concretas que se subsumirem em sua descrio. No dizer de Brethe de La
Gressaye e Laborde Lacoste (1947:198), reside a, ao mesmo tempo, a fora e a
fraqueza da lei.
a fora porque facilita o pr-ordenamento das condutas sociais, simplificando
o trabalho do juiz que, em sua atividade mais simples, aplicar a lei ao caso concreto que
lhe apresentado.
Todavia, por outro lado, a lei no apresenta flexibilidade por si prpria, nem
sempre se aplicar adequadamente ao caso concreto, uma vez que as situaes fticas
so infinitas e o comando da lei abstrato. Isso faz, com freqncia, o juiz agir
rigorosamente dentro da chamada "letra da lei", arriscando-se a praticar uma injustia
(summus ius, summa iniuria), ou ento o juiz tenta dar um matiz diferente norma que se
lhe apresente para adequ-la ao caso em julgamento. As duas posies do magistrado,
a, so filosficas. Seu estudo foge ao objetivo deste livro, se bem que o registro da
problemtica, j de plano, deve ser feito. Quando tratamos da questo da interpretao,
retornaremos ao tema.
A lei tem tambm o carter de permanncia. Mesmo nas chamadas leis
temporrias (examinadas a seguir), existe o sentido de a lei reger todos os casos
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aplicveis indefinidamente, at ser revogada, ou seja, at deixar de ser obrigatria.
Melhor dizendo, os efeitos da aplicao da lei so permanentes.
A lei deve emanar de um poder competente. A estrutura do Estado dir qual o
poder competente para expressar determinada lei. Havendo separao de poderes, como
em nossa Constituio, em regra geral, cabe ao Poder Legislativo promulgar leis;
contudo, o Poder Executivo tem o poder de edit-las em determinadas matrias, e at
mesmo o Poder Judicirio, sob determinadas circunstncias.
A sano, como elemento constrangedor, obriga o indivduo a fazer o que a lei
determina, de modo direto ou indireto. No Direito Repressivo, a sano sempre direta.
O Cdigo Penal obriga a no matar e impe uma pena a quem praticar crime de
homicdio. J no Direito Privado, a sano atuar, em geral, de forma indireta: se para um
contrato for exigida a presena de duas testemunhas, sua ausncia poder acarretar a
anulao do contrato, se for esse o interesse de uma das partes. E por meio da sano,
elemento constritivo para o cumprimento, que a lei torna-se conseqentemente
obrigatria, pois de nada adiantaria a obrigatoriedade se no houvesse uma reprimenda
para seu no-cumprimento.
No que tange fora obrigatria da lei, da tradio diz-la como decorrente
dos princpios de justia e do poder do legislador. A matria referente obrigatoriedade
da lei, contudo, pertence a outras cincias jurdicas.
A lei apresentada por uma frmula escrita, em geral, imperativa e categrica.
Como j expusemos, reside na escrita a diferena bsica de nosso sistema com relao
ao direito costumeiro.
Tomando-se o Cdigo Civil, vemos que a obra dividida em Partes Geral e
Especial, livros, ttulos, captulos, sees, artigos etc. Essa diviso visa dar melhor
compreenso lei, que ter mais ou menos divises, de acordo com sua complexidade,
facilitando assim as citaes.
2.1.1 Classificao das Leis
Quanto origem legislativa de onde promanam, as leis so federais, estaduais e
municipais. No Estado federativo, existe uma hierarquia de leis: no conflito entre elas, na
ordem enunciada, tm preferncia as leis federais s estaduais e estas s municipais.
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Quanto durao, as leis so temporrias e permanentes. As leis temporrias,
exceo no ordenamento jurdico, j nascem com um tempo determinado de vigncia.
Geralmente, surgem para atender a uma situao circunstancial ou de emergncia.
As leis permanentes so editadas para vigorar por tempo indeterminado,
deixando de ter vigncia apenas mediante outro ato legislativo que as revogue. J as leis
temporrias deixam automaticamente de ter eficcia, ou cessada a situao para qual
foram criadas, ou com o implemento da condio, ou com o advento do termo nelas
expresso, ou em lei posterior.
Quanto amplitude ou ao alcance, as leis so gerais, especiais, excepcionais e
singulares.
Gerais so as leis que disciplinam um nmero indeterminado de pessoas e
atingem uma gama de situaes genricas. O Cdigo Civil brasileiro exemplo de lei
geral.
So consideradas especiais as leis que regulam matrias com critrios
particulares, diversos das leis gerais. Exemplo disso a Lei do Inquilinato (Lei no 8.245,
de 18-10-91), que cuida diferentemente do Cdigo Civil a respeito da locao de imveis.
So consideradas leis excepcionais, no dizer de Orlando Gomes (1983:53), as
que "regulam, por modo contrrio ao estabelecido na lei geral, fatos ou relaes jurdicas
que, por sua natureza, estariam compreendidos nela". Os atos institucionais suprimiram
muitas das garantias constitucionais e so exemplos tpicos de leis excepcionais.
No devemos confundir, porm, a lei especial, em que o legislador tem por bem
regular diferentemente um conjunto de relaes jurdicas, com a lei excepcional, pois esta
contraria, geralmente, todo um sistema preestabelecido.
A denominada lei singular s pode ser assim rotulada para compreenso
didtica. Vimos que a lei tem o carter de generalidade. Um decreto que nomeia ou
demite um funcionrio pblico um ato legislativo, mas s impropriamente pode ser
chamado lei.
Segundo sua fora obrigatria, as leis so cogentes e dispositivas.
So cogentes as normas que se impem por si mesmas, ficando excludo
qualquer arbtrio individual. So aplicadas ainda que pessoas eventualmente beneficiadas
no desejassem delas valer-se. exemplo de norma cogente o princpio da imutabilidade
de bens no casamento no Cdigo de 1916, princpio que se altera no novo Cdigo, ou a
regra que impe a presena de cinco testemunhas no testamento tambm no Cdigo de
1916. No Cdigo de 2002 o nmero de testemunhas exigido para esse ato menor.
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cada vez maior o nmero de normas cogentes, pois a todo o momento o
Estado intervm na relao de particulares. O fenmeno da constante publicizao do
Direito Privado ser ainda referido nesta obra.
Nas leis cogentes, as partes no podem dispor diferentemente. Atuam as
normas cogentes com proeminncia nas relaes de direito de famlia.
As normas dispositivas impem-se supletivamente s partes. Cabe aos
interessados valerem-se delas ou no. Na ausncia da vontade das partes, essas leis
so chamadas a atuar, sendo ento obrigatoriamente aplicadas pelo juiz. no campo do
Direito das Obrigaes que essas normas tm maior mbito de atuao. Como assevera
Serpa Lopes (1962, v. 1:49), para editar tais leis o legislador inspira-se em duas idias:
"A primeira consiste em reproduzir a vontade presumida das partes,
regulamentando a relao jurdica, como se os interessados a houvessem confeccionado,
eles prprios; a segunda, considerando antes de tudo as tradies, os costumes, os
hbitos de interesse geral, como no caso em que se estabelece um determinado regime
de bens no casamento, na ausncia de pacto antenupcial".
Como j dissemos, cada vez mais se reduz o campo das leis dispositivas.
Nem sempre fcil, primeira vista, distinguir uma norma cogente de uma
norma dispositiva. Impe-se, em cada caso, examinar a finalidade da lei e a inteno do
legislador, dentro do conjunto da situao jurdica enfocada, pois raramente o legislador
expresso no atinente a uma disposio cogente. Geralmente, se se tratar da tutela de
interesses gerais, garantias de liberdades ou proteo da famlia, por exemplo, a norma
ser cogente. Quando o interesse meramente individual, a norma dispositiva.
Paralelamente ao tema de normas cogentes, importante lembrar o conceito de
ordem pblica. As leis de ordem pblica so normas a que, em regra, o Estado d maior
relevo, dada sua natureza especial de tutela jurdica e finalidade social. So princpios de
Direito Privado que atuam na tutela do interesse coletivo. Seus efeitos e sua
conceituao muito se aproximam das normas cogentes, no havendo razo para no
aproximarmos os dois institutos. A dificuldade maior reside no conceito exato de "ordem
pblica", que extravasa o campo do Direito Privado e motivo de divergncia por parte
de muitos autores. A melhor soluo a ser apresentada nesta introduo equipararmos
as normas cogentes, impositivas ou absolutas, s leis de ordem pblica, como faz Maria
Helena Diniz (1982, v. 1:28). Serpa Lopes (1962, v. 1:56) diverge dessa equiparao
sem, porm, apresentar os fundamentos dessa discrepncia.
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Quando o legislador valora determinada conduta de molde a entender que o
particular no pode afastar-se dela, passa a tutelar interesses fundamentais, diretamente
ligados ao bem comum.
As dificuldades de conceituar ordem pblica, acentuadas por Colin e Capitant
(1934:10), so matria para outros campos da Cincia Jurdica.
Quanto sano, as leis podem ser perfeitas, mais que perfeitas, menos que
perfeitas e imperfeitas.
Perfeitas so aquelas cuja infringncia importa em sano de nulidade, ou
possibilidade de anulao do ato praticado. Exemplo dessa modalidade a disposio
que exige cinco testemunhas, no Cdigo de 1916, para a feitura do testamento:
desobedecido o princpio legal, o testamento nulo. Doutra parte, o ato praticado com
dolo (art. 145 do atual Cdigo; art. 92 do Cdigo Civil de 1916) fica sujeito anulao,
dependendo da iniciativa da parte interessada.
Mais que perfeitas so as normas cuja violao d margem a duas sanes, a
nulidade do ato praticado, com possibilidade de restabelecimento do ato anterior e
tambm uma pena ao transgressor. A disposio do art. 1.521, VI, do novo Cdigo (art.
183, VI, do Cdigo de 1916) estabelece que no podem casar as pessoas casadas. A
transgresso desse dispositivo faz com que se decrete a nulidade do casamento (art.
1.548, inciso II, no novo Cdigo; antigo, art. 207), sem prejuzo de punio penal ao
infrator (art. 235 do Cdigo Penal, crime de bigamia).
So menos que perfeitas as leis que trazem sano incompleta ou inadequada.
O ato vale, mas com sano parcial, como a hiptese da viva ou vivo que contrai
novo matrimnio, tendo prole do consrcio anterior, no fazendo inventrio do cnjuge
falecido. O novo casamento ser vlido, mas perder a mulher o usufruto dos bens dos
filhos menores, alm de se casar obrigatoriamente no regime de separao de bens (arts.
225 e 226 do Cdigo Civil de 1916; atual, art. 1.641, I).
So leis imperfeitas as que prescrevem uma conduta sem impor sano. No
existe nulidade para o ato, nem qualquer punio. Exemplo dessa espcie a que
determina prazo de 30 dias, a contar da abertura da sucesso, para o incio do processo
do inventrio (art. 983 do CPC). No obstante isso, leis estaduais cominaram multa pela
desobedincia do prazo ou perda de incentivo fiscal e foram admitidas pela
jurisprudncia, o que no desnatura o exemplo (ver Smula 542 do Supremo Tribunal
Federal). Outro exemplo o das dvidas prescritas e de jogo (obrigaes naturais). Essas
dvidas devem ser pagas, porm o ordenamento no concede meio jurdico de obrigar o
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pagamento (art. 814 do atual Cdigo; antigo, art. 1.477). Como toda obrigao natural,
seu pagamento bom e perfeito e no pode ser repetido (requerida a devoluo do que
foi pago); no entanto, no tem o credor ao judicial para obter o cumprimento dessas
obrigaes.
No conceito lato de lei, so includos tambm os decretos e regulamentos, mas
em sentido estrito no se amoldam situao aqui enfocada.
2.2 Costume
Sem que possamos precisar exatamente a origem nem seus autores, o uso
reiterado de uma conduta perfaz o costume. Forma-se ele paulatinamente, quase
imperceptivelmente. Chega, porm, a determinado momento, em que aquela prtica
reiterada tida por obrigatria.
difcil dar uma prova concreta de sua existncia, custoso buscar a gnese
de sua elaborao e, na grande maioria das vezes, difcil provar sua presena,
mormente nos sistemas de direito escrito.
Brota o costume da prpria sociedade, da repetio de usos de determinada
parcela do corpo social. Quando o uso se torna obrigatrio, converte-se em costume.
Seu papel de fonte criadora do Direito nas primitivas sociedades, como bvio,
foi muito grande. Todos os grandes sistemas jurdicos da Antigidade foram condensados
de costumes.
Note que nem todo uso costume. O costume um uso considerado
juridicamente obrigatrio. Para isso, so necessrias determinadas caractersticas.
Exige-se que o costume seja geral, isto , largamente disseminado no meio
social, observado por um nmero grande de sujeitos. No necessrio que toda a
sociedade ou que todo o pas observe o costume. Alis, raro que isso ocorra. Em geral,
o costume setorizado numa parcela da sociedade.
necessrio que o costume tenha certo lapso de tempo, pois deve constituir-se
em um hbito arraigado, bem estabelecido.
Ademais, deve o costume ser constante, repetitivo na parcela da sociedade que
o utiliza.
Para converter-se em fonte do Direito, dois requisitos so imprescindveis ao
costume: um de ordem objetiva (o uso, a exterioridade do instituto, o que palpvel e
percebido pelos sentidos), outro de ordem subjetiva (ou seja, a conscincia coletiva de
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que aquela prtica obrigatria). este ltimo aspecto que, na realidade, distingue o
costume de outras prticas reiteradas, de ordem moral ou religiosa ou de simples hbitos
sociais.
No se confunde o costume com as chamadas "clusulas de estilo", simples
praxe ou repetio automtica, inserida nos contratos.
O fundamento jurdico do instituto controvertido. Para uns, a vontade ttica
do prprio legislador, para outros a conscincia popular. Parece, no entanto, ser a
conscincia da obrigatoriedade que d fora ao costume.
Quando esse uso reiterado e consciente aceito pelos tribunais, estar
solidificada uma fonte do direito. Pode tambm o legislador transformar em lei um
costume, mas ento o enfoque passa a ser diferente, pois, em ltima anlise, j se estar
perante uma lei e no mais diante de um costume.
pequena a influncia do costume nos sistemas de direito escrito, mas no se
pode subestimar sua influncia, que tem crescido consideravelmente. A lei no tem o
condo de ser a fonte nica do direito. O costume, por vezes, torna-se instrumento
precioso no preenchimento de lacunas no direito escrito.
No direito contratual ou lei entre partes, o recurso ao costume das partes e do
local onde foi celebrado o contrato ser meio importante de sua interpretao. O atual
Cdigo Civil, mais do que o estatuto anterior, acentua a utilizao do costume como fonte
subsidiria de interpretao em vrias oportunidades (arts. 569, II, arts. 596, 599, 615,
965, I, art. 1.297, 1o), atribuindo ao juiz sua conceituao.
Se levarmos em conta nosso sistema de direito escrito, apesar de na Teoria
Geral do Direito o costume ser considerado fonte principal, segundo o art. 4o da Lei de
Introduo ao Cdigo Civil, ele fonte formal, mas fonte subsidiria, uma vez que o
legislador dispe que, na omisso da lei, o juiz decidir de acordo com a analogia, os
costumes e os princpios gerais de Direito. Portanto, temos lei para erigir o costume em
fonte do Direito, ao contrrio do que ocorre em outras legislaes.
Considerado fonte subsidiria, o costume dever girar em torno da lei. Portanto,
no pode o costume contrariar a lei, que s pode ser substituda por outra lei.
Os costumes podem ser secundum legem, praeter legem e contra legem.
O costume secundum legem j foi erigido em lei e, portanto, perdeu a
caracterstica de costume propriamente dito.
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O costume praeter legem exatamente aquele referido no art. 4o da Lei de
Introduo ao Cdigo Civil, ou seja, o que serve para preencher lacunas, um dos
recursos de que se serve o juiz para sentenciar quando a lei for omissa.
O costume contra legem o que se ope ao dispositivo de uma lei,
denominando-se costume ab-rogatrio; quando torna uma lei no utilizada, denomina-se
desuso.
Discute-se a possibilidade de admisso de costumes contra a lei. H opinies
favorveis pela afirmativa. Entretanto, deve prevalecer a opinio de que a lei suprema,
no se podendo reconhecer validade ao costume contrrio norma, pois no caso haveria
instabilidade no sistema (cf. Pereira, 1978, v. 1:75; Gomes, 1983:81; Monteiro, 1977, v.
1:19).
Alguns autores vem no art. 5o da Lei de Introduo ao Cdigo Civil uma vlvula
que permite ao juiz aplicar o costume contra a disposio da lei. Diz esse dispositivo: "Na
aplicao da lei, o juiz atender aos fins sociais a que ela se dirige e s exigncias do
bem comum." De qualquer modo, mesmo aqueles que admitem o costume ab-rogatrio
procedem sempre em carter de exceo. O prprio Clvis Bevilqua afirma que o
costume aplicado nessa forma seria inconveniente por tirar do aparelho jurdico a
supremacia da lei e a certeza das prescries legais, mas conclui:
"Todavia, se o legislador for imprevidente em desenvolver a legislao nacional
de harmonia com as transformaes econmicas, intelectuais e morais operadas no pas,
casos excepcionais haver em que, apesar da declarao peremptria da ineficcia ab-
rogatria do costume, este prevalea CONTRA LEGEM, porque a desdia ou a
incapacidade do poder legislativo determinou um regresso parcial da sociedade da
poca, em que o costume exercia, em sua plenitude, a funo de revelar o direito, e
porque as foras vivas da nao se divorciam, nesse caso, das normas estabelecidas na
lei escrita" (Bevilqua, 1980:39).
Maria Helena Diniz (1981:179), em sua obra As lacunas no direito, menciona
caso jurisprudencial de So Paulo em que se julgou com o costume contra legem,
justamente pelos fundamentos apresentados por Clvis.
Entre ns, a maior repercusso dos costumes no Direito Comercial, em que se
apresentam como fonte suplementar de maior aplicao que no Direito Civil.
No estgio atual de nosso direito, porm, o papel do costume diminuto,
mormente devido inelutvel expanso legislativa, pletora de leis, que limita a fora
criadora dos costumes.
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2.3 Doutrina
A doutrina o trabalho dos juristas, dos estudiosos do Direito dentro dos
campos tcnico, cientfico e filosfico.
H discusso a respeito de consider-las ou no fonte do Direito.
Indubitavelmente no passado, antes de nossa codificao ou nos primrdios dela, as
decises dos juzes e tribunais recorriam aos ensinamentos dos mestres. Hoje, a doutrina
no to utilizada ou no to citada pelos pretrios, mas no resta a menor dvida de
que na doutrina o Direito inspira-se, ora aclarando textos, ora sugerindo reformas, ora
importando institutos e aclimatizando-os a nossas necessidades fticas. Os estudos dos
juristas esto sempre ventilando a jurisprudncia e, portanto, a aplicao do Direito.
fora de dvida que o trabalho doutrinrio fonte subsidiria de Direito.
Muitos dos temas estudados no curso de Direito Civil e depois erigidos como
princpios legais so obra de monumentais trabalhos doutrinrios, como, por exemplo, a
modificao de tratamento dos companheiros na unio estvel; dos filhos adotivos e
adulterinos; a indenizao por danos morais; os novos rumos da responsabilidade civil
em geral etc.
O valor da obra jurdica baseia-se no fato de no se limitar a repetir conceitos
estratificados no sistema, mas de buscar novas solues, avaliar as solues do direito
comparado, criticar a injustia e lacunas de nosso sistema legislativo, enfim, preparar o
esprito do legislador para as reformas que se fizerem necessrias e dar alento ao
julgador para partir para vos mais elevados, no os deixando relegados a meros
escravos aplicadores da lei ou seguidores de conceitos ultrapassados pela era de
desenvolvimento tecnolgico e social ciclpico em que vivemos.
A doutrina, portanto, do escrito ou manual mais singelo da mais profunda
monografia, traz sempre um novo sopro aplicao do Direito. a chamada autoridade
moral da doutrina.
Somente por intermdio da obra de estudiosos temos acesso a uma viso
sistemtica do Direito. A simples leitura dos textos legais, por si s, parece um corpo sem
alma, por vezes complexo e inatingvel.
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Como lembra Orlando Gomes (1983:64), a influncia da doutrina percebida
em trs sentidos fundamentais:
"(1o) pelo ensino ministrado nas Faculdades de Direito; (2o) sobre o legislador;
(3o) sobre o juiz. Pelo ensino, formam-se os magistrados e advogados, que se preparam
para o exerccio dessas profisses pelo conhecimento dos conceitos e teorias
indispensveis compreenso dos sistemas de direito positivo. Inegvel, por outro lado,
a influncia da obra dos jurisconsultos sobre os legisladores, que, no raro, vo buscar,
no ensinamento dos doutores, os elementos para legiferar. E, por fim, notvel a sua
projeo na jurisprudncia, no s porque proporciona fundamentos aos julgados, como
porque, atravs da crtica doutrinria, se modifica freqentemente a orientao dos
tribunais."
pela doutrina que se forjam o vocabulrio e os conceitos jurdicos,
importantssimos para a exata compreenso da cincia.
Importante notar que as obras dos juristas latinos caracterizam-se, em sua
grande maioria, por um dogmatismo praticamente desvinculado da jurisprudncia,
embora essa tendncia tenha diminudo em anos mais recentes. E exatamente esse
dogmatismo que influencia a aplicao do Direito pelos tribunais, tornando a doutrina
importante fonte subsidiria. A obra doutrinria que simplesmente se curva perante a
jurisprudncia majoritria sectria e no inovadora, no cumprindo seu importante
papel revitalizador do Direito.
2.4 Jurisprudncia
Modernamente, aplicado o nome jurisprudncia ao conjunto de decises dos
tribunais, ou uma srie de decises similares sobre uma mesma matria. A jurisprudncia
nunca constituda de um nico julgado, mas de uma pluralidade de decises.
O termo jurisprudncia, no Direito antigo, significava a sabedoria dos prudentes,
os sbios do direito. Significava a Cincia do Direito, e ainda hoje pode ser empregada
nesse sentido, mas fora do campo que tratamos.
A jurisprudncia, como um conjunto de decises, forma-se mediante o trabalho
diuturno dos tribunais. o prprio direito ao vivo, cabendo-lhe o importante papel de
preencher lacunas do ordenamento nos casos concretos.
Os julgados no tm fora vinculativa. No pode ser considerada a
jurisprudncia como uma fonte primria do Direito. Contudo, inelutvel que um conjunto
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de decises sobre uma matria, no mesmo sentido, influa na mente do julgador que
tende a julgar de igual maneira. Entretanto, no devemos olvidar que o juiz julga de
acordo com a lei e no pode faz-lo, em geral, contra a lei, alm do que o julgado s tem
efeito entre as partes envolvidas no processo.
Outro aspecto importante que a jurisprudncia orienta o legislador, quando
procura dar colorao diversa interpretao de uma norma, ou quando preenche uma
lacuna.
A jurisprudncia no est mencionada na lei como fonte, mas sua importncia
como tal, ainda que subsidiria, inarredvel. uma fonte informativa. As leis
envelhecem, perdem a atualidade e distanciam-se dos fatos sociais para as quais foram
editadas. Cumpre jurisprudncia atualizar o entendimento da lei, dando-lhe uma
interpretao atual que atenda s necessidades do momento do julgamento. Por isso,
entendemos que a jurisprudncia dinmica. O juiz deve ser um arguto pesquisador das
necessidades sociais, julgando como um homem de seu tempo, no se prendendo a
ditames do passado. A se coloca toda a grandeza do papel da jurisprudncia.
Embora no caiba aos tribunais ditar normas, opera-se paulatinamente no pas
um deslocamento da viso judicial, com a expedio de smulas de jurisprudncia dos
Tribunais, em especial do precursor que foi o Supremo Tribunal Federal. A invocao da
smula, um enunciado que resume uma tendncia sobre determinada matria, decidida
contnua e reiteradamente pelo Tribunal, acaba sendo verdadeira fonte formal.
Cientificamente, no pode ser assim considerada, mas, na prtica, as smulas do
Supremo Tribunal Federal se, por um lado, tiveram o condo de dar certeza a
determinada forma de decidir, por outro lado, colocam em choque a verdadeira finalidade
dos julgados dos tribunais que no podem estratificar suas formas de julgar. Entendemos,
para evitar o entrave mencionado, que no devem o doutrinador e muito menos o juiz e o
advogado se acomodar perante um enunciado de smula, se os fatos sociais
demonstrarem que, como as leis, aquela forma de decidir j no atende mais s
necessidades sociais.
Sob esse prisma, coloca-se a maior crtica para os que defendem a denominada
smula vinculante. Com base no forte argumento de desafogar a pletora de feitos nos
tribunais, postula-se que os casos repetitivos e idnticos recebam uma smula que
obrigatoriamente deve ser seguida pelos julgadores de instncia inferior, autorizando-se
assim o julgamento coletivo de inmeros processos. Se, por um lado, a smula vinculante
permite o julgamento rpido e simultneo de centenas de processos, por outro, corre-se o
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risco de petrificar o poder criativo dos tribunais, principalmente dos juzes de primeira
instncia, primeiros receptculos das modificaes sociais. A matria ainda est em
discusso e continua a causar celeuma. Sem dvida, sente-se constante necessidade de
agilizar os julgamentos; contudo, a instituio de smulas vinculantes no pode ir ao
ponto de estabelecer um permanente amordaamento do poder criativo dos julgados.
H vrios repertrios de jurisprudncia publicados no pas com cunho oficial.
Citemos, para exemplificar, as tradicionais Revista dos Tribunais e a Revista Forense.
Afora essas, que procuram selecionar mensalmente os julgados dignos de nota nos
vrios campos do Direito, h muitas outras, tais como as publicaes oficiais dos
tribunais, como a Revista Trimestral de Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justia, alm das publicaes oficiais dos Tribunais dos Estados e
mais as revistas setorizadas de acordo com cada campo jurdico. Toda essa
jurisprudncia est atualmente informatizada, pelas editoras e pelos tribunais do pas,
dispensando-se, na maioria das vezes, a outrora cansativa consulta a repertrios
impressos, bastando o acesso rede de computadores. Essa informao importante
para aquele que se inicia no trato das primeiras linhas jurdicas, pois no h estudo do
Direito, no h doutrinador completo, no h advogado solerte ou juiz competente que
possa prescindir de uma atualizao contnua com os julgados dos tribunais, mormente
no tocante ao campo jurdico em que se especializar.
Ademais, essencial que o professor, na sala de aula, no se limite a expor os
dogmas do Direito, mas que vincule esses ensinamentos ao direito vivo, a ilustraes de
casos prticos, decididos pelos tribunais.
2.5 Analogia
O ideal seria o ordenamento jurdico preencher todos os acontecimentos da
sociedade. No , como vimos, o que ocorre.
O juiz no pode, em hiptese alguma, deixar de proferir deciso nas causas que
lhe so apresentadas. Na falta de lei que regule a matria, recorre s fontes subsidirias,
entre as quais podemos colocar a analogia. Na realidade, a analogia no constitui
propriamente uma tcnica de interpretao, como a princpio possa parecer, mas
verdadeira fonte do Direito, ainda que subsidiria e assim tida pelo legislador no art. 4o
da Lei de Introduo ao Cdigo Civil.
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Trata-se de um processo de raciocnio lgico pelo qual o juiz estende um
preceito legal a casos no diretamente compreendidos na descrio legal. O juiz
pesquisa a vontade da lei, para transport-la aos casos que a letra do texto no havia
compreendido.
Para que esse processo tenha cabimento, necessria a omisso no
ordenamento.
A analogia pode operar de duas formas: analogia legal e analogia jurdica.
Na analogia legal, o aplicador do Direito busca uma norma que se aplique a
casos semelhantes. Como no caso do leasing, ou arrendamento mercantil, que uma
locao com opo de compra da coisa locada, no final do contrato. Na hiptese de
omisso do texto legal, o intrprete poderia valer-se dos princpios da compra e venda e
da locao para dar soluo ao problema. O intrprete procura institutos que tm
semelhana com a situao sob enfoque.
No logrando o intrprete um texto semelhante para aplicar ao caso sob exame,
ou ento sendo os textos semelhantes insuficientes, recorre a um raciocnio mais
profundo e complexo. Tenta extrair do pensamento dominante em um conjunto de
normas uma concluso particular para o caso em exame. Essa chamada analogia
jurdica.
A analogia um processo de semelhana, mas, especialmente a analogia
jurdica, requer cuidado maior do intrprete e conhecimento profundo da cincia a que se
dedica.
Para o uso da analogia, necessrio que haja lacuna na lei e semelhana com
a relao no imaginada pelo legislador. A seguir, no derradeiro passo do raciocnio, o
intrprete procura uma razo de identidade entre a norma encontrada, ou o conjunto de
normas, e o caso contemplado.1
A utilizao da tcnica analgica para o preenchimento de lacunas presta
grandes servios, mas s pode ser utilizada com eficincia quando o aplicador no foge
ratio legis aplicada, quando ento daria amplitude perigosa ao princpio, arriscando-se a
julgar contra a lei.
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2.6 Princpios Gerais de Direito
Conceituar princpios gerais de direito uma tarefa rdua que se perde em um
sem-nmero de teorias de ordem filosfica, incompatveis com os propsitos do presente
livro.
O legislador, enfim, coloca os princpios gerais de direito como fonte subsidiria,
no decantado art. 4o da Lei de Introduo ao Cdigo Civil.
Por esses princpios, o intrprete investiga o pensamento mais alto da cultura
jurdica universal, buscando uma orientao geral do pensamento jurdico.
Cada autor, dentro de vrias correntes, procura dar sua prpria explicao sobre
o tema.
tarefa intil, por ser impossvel, definir o que sejam esses princpios. So
regras oriundas da abstrao lgica do que constitui o substrato comum do Direito. Por
ser um instrumento to amplo e de tamanha profundidade, sua utilizao difcil por
parte do julgador, pois requer traquejo com conceitos abstratos e concretos do Direito e
alto nvel cultural.
Para citar algumas correntes, ora os autores propendem para identific-los com
o Direito Natural, ora com princpios de eqidade, ora com princpios fundamentais da
organizao social e poltica do Estado.
De plano, podemos enfatizar sua reconhecida importncia pelo prprio
legislador no s como fonte, isto , normas inspiradoras para a aplicao do Direito, mas
tambm como fonte inspiradora da atividade legislativa e administrativa do Estado.
Joo Franzen de Lima (1977, v. 1:35) prope o critrio j coimado por Clvis
Bevilqua, invocando os famosos brocardos de Ulpiano ao expor os iuris praecepta, que
podem resumir toda uma filosofia, em um plano global do Direito: honeste vivere,
neminem laedere, suum cuique tribuere. Viver honestamente, no lesar a ningum e dar
a cada um aquilo que seu. A invocao desses princpios pelo julgador, na lacuna da
lei, ou mesmo em sua interpretao, constitui um ideal da mais alta justia.
Propendemos para a opinio de que existe um valor coercitivo nesses elevados
princpios.
No podemos dizer, contudo, que a enunciao desses princpios possa ser
exaustiva. Mesmo os autores que entendem que tais elementos decorrem do Direito
Natural, o que tambm uma realidade, compreendem que o Direito Natural apenas
auxilia na compreenso do instituto, mas no esgota a matria.
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Rubens Limongi Frana (1971:201), em alentada monografia, apresenta vrias
concluses, mas acaba por aceitar a idia de fundamentar os princpios no Direito Natural
e de explicit-los, ad exemplum, pelos preceitos jurdicos enumerados, fazendo
acrescentar outros brocardos romanos, particularizados a determinadas situaes.
Conclui, no entanto, o monografista, nessa sua obra, que, uma vez que o aplicador do
direito atinja a compreenso de um desses princpios, esse trabalho orienta-lhe a idia
suprema do justo.
2.7 Eqidade
Eqidade uma forma de manifestao de justia que tem o condo de atenuar
a rudeza de uma regra jurdica. Como informam Stolze Gagliano e Pamplona Filho, a
eqidade, na concepo aristotlica, a "justia do caso concreto" (2002:25).
Na realidade, o conceito de eqidade no se afasta do contedo do prprio
Direito, pois, enquanto o Direito regula a sociedade com normas gerais do justo e
eqitativo, a eqidade procura adaptar essas normas a um caso concreto.
So freqentes as situaes com que se defronta o juiz ao ter de aplicar uma lei,
oportunidade em que percebe que, no caso concreto, se afasta da noo do que justo.
O trabalho de aplicao por eqidade de exatamente aparar as arestas na aplicao da
lei para que uma injustia no seja cometida. A eqidade um labor de abrandamento da
norma jurdica no caso concreto.
Tratamos aqui da eqidade na aplicao do Direito e em sua interpretao, se
bem que o legislador no pode olvidar seus princpios, em que a eqidade
necessariamente deve ser utilizada para que a lei surja no sentido da justia.
A eqidade no s abrandamento de uma norma em um caso concreto, como
tambm sentimento que brota do mago do julgador. Como seu conceito filosfico, d
margem a vrias concepes.
O Cdigo Civil brasileiro de 1916 no se referiu diretamente eqidade, que
no propriamente uma fonte de direito, mas um recurso, por vezes deveras necessrio,
para que no ocorra o que Ccero j denominava summum ius, summa iniuria, isto , que
a aplicao cega da lei leve a uma iniqidade.
Nosso Cdigo Civil de 1916 no ignorava, no entanto, a eqidade, pois a ela se
referia no art. 1.040, IV, permitindo que se autorizem os rbitros, no compromisso (juzo
arbitral), a decidirem por "eqidade"; no art. 1.456, a ela tambm se referia ao tratar da
interpretao de aspecto de contrato de seguro. Alis, da tradio do instituto da
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arbitragem que as partes possam autorizar os rbitros a decidir por eqidade, como
consta de nossa atual lei sobre a matria (art. 11, II, da Lei no 9.307/96). Entenda-se,
porm, que a eqidade antes de mais nada uma posio filosfica a que cada aplicador
do direito dar uma valorao prpria, mas com a mesma finalidade de abrandamento da
norma. Indubitavelmente, h muito de subjetivismo do intrprete em sua utilizao.
Vale a pena lembrar, contudo, que, se a eqidade no mencionada como
forma direta de julgamento no Cdigo de 2002, este estatuto menciona em mais de uma
oportunidade a fixao da indenizao de forma eqitativa, o que implica um raciocnio
por eqidade por parte do magistrado. A esse respeito diga-se que, no sistema de 1916,
o valor do prejuzo, na responsabilidade civil, sempre foi tido como o valor a ser
indenizado. Essa regra geral exposta no caput do art. 944: "A indenizao mede-se
pela extenso do dano." No entanto, o pargrafo nico desse dispositivo aduz: "Se
houver excessiva desproporo entre a gravidade da culpa e o dano, poder o juiz
reduzir, eqitativamente, a indenizao." Nesta ltima hiptese, em sntese, aplicar o
juiz a eqidade. No mesmo diapaso colocada a indenizao carreada ao incapaz,
conforme o art. 928, matria qual retornaremos no estudo da responsabilidade civil.
No Cdigo de Processo Civil pode ser lembrada a hiptese prevista no art. 20,
quanto fixao de honorrios de advogado nas causas de pequeno valor, nas de valor
inestimvel, nas em que no houver condenao ou em que for vencida a Fazenda
Pblica e nas execues, embargadas ou no, "em que se delega ao prudente arbtrio do
julgador a estipulao do quantum debeatur", como recordam Stolze Gagliano e
Pamplona Filho (2002:26). Esses autores tambm recordam que nos procedimentos de
jurisdio voluntria o juiz no obrigado a observar critrio da legalidade estrita,
podendo adotar, em cada caso, a soluo que reputar mais conveniente ou oportuna (art.
1.109 do CPC).
Na realidade, sintetiza-se que a eqidade se traduz na busca constante e
permanente do julgador da melhor interpretao legal e da melhor deciso para o caso
concreto. Trata-se, como se v, de um raciocnio que busca a adequao da norma ao
caso concreto. Em momento algum, porm, salvo quando expressamente autorizado pela
lei, pode o julgador decidir exclusivamente pelo critrio do justo e do equnime,
abandonando o texto legal, sob o risco de converter-se em legislador.
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3 DIREITO ROMANO
3.1 Que se Entende por Direito Romano - sua Importncia
Denomina-se Direito Romano, em geral, o complexo de normas jurdicas que
vigorou em Roma e nos pases dominados pelos romanos h 2000 anos,
aproximadamente.
Aqui, no se pretende apresentar um curso de Direito Romano. A matria
exposta visa dar ao iniciante a noo da mater do Direito Civil e dos fundamentos
principais do Direito em geral. No s isso, a inteno fazer breve relato do que foi a
evoluo do Direito Romano, perfunctoriamente sob o aspecto histrico, como um
preparo, um antecedente lgico e necessrio para o incio do estudo do Direito Civil.
Se necessrio justificar a todo momento ou discutir sobre a utilidade do Direito
Romano, porque h opositores a seu estudo. Invoca-se sempre a inutilidade do estudo
de uma legislao morta para justificar o desaparecimento de maior preocupao com a
matria.
Os Estados de direito ocidental, como o nosso, herdaram sua estrutura jurdica
do Direito Romano.
O Direito Romano nunca morreu; mesmo aps as invases brbaras, continuou
a ser aplicado por aqueles que subjugaram Roma. Suas instituies revelaram-se como
uma arte completa e uma cincia perfeita. Suas mximas fornecem, at hoje, ao direito
moderno, um manancial inesgotvel de resultados inocentes.
Ao pesquisar as origens de nosso Direito, inevitavelmente retornamos s fontes
romanas.
No existe, doutra parte, nenhuma legislao antiga to conhecida como a
romana. Os monumentos legislativos e doutrinrios que chegaram at ns permitem um
seguimento das variaes do Direito Romano, de suas origens at a poca moderna e,
raramente, tais variaes deixam de afetar o direito que ora aplicam
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