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Rogério Pereira dos Santos
Políticas Públicas em Espaços Residenciais Segregados
na Cidade do Rio de Janeiro: O Complexo da Maré
Profº Drº Miguel Angelo Ribeiro
Rio de Janeiro2009
Universidade do Estado do Rio de JaneiroCentro de Tecnologia e Ciências – Instituto de Geografia
Coordenação de Pós-GraduaçãoEspecialização em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro
2
Rogério Pereira dos Santos
Políticas Públicas em Espaços Residenciais Segregados na Cidade doRio de Janeiro: O Complexo da Maré
Monografia apresentada ao corpo docente do Departamento de Geografia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em
Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro.
BANCA EXAMINADORA
------------------------------------------------------------------------------------------------Prof. Dr. Miguel Angelo Ribeiro (Orientador/Presidente da Banca)
Instituto de Geografia - UERJ
------------------------------------------------------------------------------------------------ Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus
Instituto de Geografia - UERJ
------------------------------------------------------------------------------------------------ Prof. Dr. João Baptista Ferreira de Mello
Instituto de Geografia - UERJ
Rio de Janeiro2009
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Agradecimentos
Ao maior de todos os fenômenos religiosos deste universo, por ter me aberto as portas
do meio científico através das pesquisas que venho desenvolvendo, pois sem essa
oportunidade eu não poderia ter tornado o sonho de prosseguir meus estudos, uma realidade.
Ao professor Miguel Angelo Ribeiro, por ter aceitado esse desafio que foi orientar-me
nesta pesquisa, e pelas sugestões e auxílio dadas durante nossos encontros e nas disciplinas
ministradas em sala de aula por ele nesses dezoito meses.
Aos professores do Departamento de Pós Graduação em Geografia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro pela oportunidade de fazer parte da turma de 2008 do Curso de
Especialização em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro, em especial a Gilmar
Mascarenhas de Jesus e João Baptista Ferreira de Mello, que muito contribuíram para o meu
aperfeiçoamento educacional.
Aos alunos da turma de Especialização em Políticas Territoriais que conheci durante
esses dezoito meses de convívio, em especial a Victor Baroni e Vanessa Telles - e seus
churrascos!
À secretária do Departamento de Pós Graduação de Geografia srª Alice que vem ao
longo dos anos prestando um ótimo serviço aos (desesperados) alunos sempre com dedicação
e bom humor. Valeu Alice.
Gostaria de aproveitar o momento para agradecer, em especial, à todos aqueles
pesquisadores acadêmicos que, como eu, moram em comunidades carentes e que fazem de
sua ‘luta de vida’ um estímulo a mais no momento da produção de seus trabalhos acadêmicos
onde enaltecem o seu ‘local de origem”: a Favela. A favela têm vozes!
Ao meu “compadre” e amigo Eliano pelas imprescindíveis ajudas durante esta pesquisa.
Dedico este trabalho em nome dos meus entes queridos já falecidos: meu irmão José
Rinaldo Pereira dos Santos e ao meu pai Edésio Pereira dos Santos (Quantas saudades!!). E
em especial a minha filha Ellen Ferreira Pereira dos Santos que tem sido o meu ponto de
equilíbrio nesta vida: papai lhe ama bebê!
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As comunidades que formam o complexo [da Maré] têmcaracterísticas e processos espaciais bem distintos, que vão do maisplanejado ao mais espontâneo, do mais regular ao mais irregular, domais formal ao mais informal, do mais projetado ao mais livre. Asdiferenças entre as formas, que hoje constituem uma diversidade muitorica, se deram por vários fatores: a história de cada ocupação, ascaracterísticas do sítio, as questões de propriedade, as origens dapopulação, a organização da comunidade, os contextos políticos esociais. Uma grande gama de formas espaciais pode ser encontrada naMaré, uma gradação que vai, por exemplo, dos estreitos becoslabirínticos do Morro do Timbáu às ruas mais amplas e lineares daNova Holanda, das habitações fragmentárias da Baixa do Sapateiro atéos prédios modernistas do Conjunto do Pinheiro. As diferentescomunidades são tão distintas como os diferentes bairros de umacidade formal e chegam a ter identidades próprias, que constituem,todas juntas, a cultura multifacetada da Maré (JACQUES, 2002 p.22).
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Resumo
Esta monografia final do Curso de Especialização em Políticas Territoriais no Estado
do Rio de Janeiro tem como tema central as políticas públicas em âmbito habitacional que
foram implementadas na Cidade do Rio de Janeiro, tendo como recorte espacial o período que
envolve – com mais fervor – às discussões que abrangem a crise habitacional (1850/1870) e,
um pouco mais adiante, a erradicação dos cortiços e favelas e as precárias condições de
habitabilidade na urbe carioca, até o Programa Favela-Bairro elaborado pela Prefeitura da
Cidade do Rio de Janeiro, última intervenção governamental.
As áreas residenciais segregadas representam um ponto relevante no que tange aos
processos de reprodução das relações de produção no bojo do qual se reproduzem as diversas
classes sociais e suas ramificações, assim por dizer, os bairros - que são os locais de
reprodução dos diversos grupos sociais, como indaga Corrêa (1999 p. 125).
Neste sentido, esta pesquisa irá analisar as propostas que foram postas em prática no
recorte espacial selecionado e verificar se o saldo foi satisfatório ou não à população do
Município do Rio de Janeiro e, em especial, aos moradores da Maré.
Para proceder a uma análise crítica dos programas apresentados pelas esferas
governamentais ao longo do recorte espacial, esta pesquisa parte de uma reconstituição
histórica dos programas implementados na urbe carioca desde então, e para tal, será realizado
um diagnóstico da atual problemática que é o chamado ‘déficit habitacional’ que assola tanto
o município do Rio de Janeiro, quanto o país numa escala mais abrangente e, ao mesmo
tempo analisaremos se houve ausência ou não por parte do poder público na área de estudo.
Para tal será utilizado, de forma constante, dados oficiais e históricos da ONG instalada na
Maré e que exerce um trabalho de reeducação e cidadania - a ONG CEASM.
Palavras-Chave: Complexo da Maré – Déficit Habitacional – Favelas – Políticas Públicas –
Segregação Residencial.
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Sumário
Introdução-------------------------------------------------------------------------------------------------09
1 – Segregação Residencial em comunidades carentes da Cidade do Rio de Janeiro a partir da
consolidação do Espaço Urbano: O exemplo da Maré---------------------------------------------18
2 – Políticas Públicas na Cidade do Rio de Janeiro e Seus Reflexos na Segregação do Espaço
na Maré----------------------------------------------------------------------------------------------------44
2.1 – Políticas Públicas: definição conceitual--------------------------------------------------------44
2.2 – Políticas Públicas e seus Reflexos na Segregação do Espaço na Maré---------------------49
Para Não Concluir----------------------------------------------------------------------------------------73
Referências------------------------------------------------------------------------------------------------78
Anexos-----------------------------------------------------------------------------------------------------82
7
Figuras
Fig. 01 – Mapa de Localização da XXXª Administração Regional-------------------------------09
Fig. 02 – Mapa da Cidade do Rio de Janeiro com o Bairro Maré em destaque------------------10
Fig. 03 – Área de Planejamento 3----------------------------------------------------------------------11
Fig. 04 – Estalagem existente nos fundos dos prédios nºs 12 e 44 na Rua do Senado----------21
Fig. 05 – Autoconstruções no espaço territorial da Maré-------------------------------------------22
Fig. 06 – Maré na época dos manguezais-------------------------------------------------------------36
Fig. 07 – Obra de construção da Avenida Brasil em 1940------------------------------------------37
Fig. 08 – Palafitas da Maré na década de 70---------------------------------------------------------40
Fig. 09 – Evolução Urbana na Maré-------------------------------------------------------------------43
Fig. 10 – Vista parcial da Favela Baixa do Sapateiro em 1950/1960-----------------------------54
Fig. 11 – Mapa das 12 Regiões integrantes do Plano Estratégico II------------------------------65
Fig. 12 – Mapa dos 17 bairros que compõem a Região da Leopoldina---------------------------66
Fig. 13 – Mapa com a Densidade Demográfica na área da Maré----------------------------------71
Fig. 14 – Maré na década de 70------------------------------------------------------------------------74
Fig. 15 – Maré na atualidade---------------------------------------------------------------------------74
Tabelas e Gráficos
Tabela 1 – Os 22 Municípios com os maiores Índices Populacionais (2000)--------------------13
Tabela 2 – População nos 16 Municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro...........13
Tabela 3 – População nas Principais Favelas do Município do Rio de Janeiro------------------14
Tabela 4 – Número de Cortiços e Estalagens por Freguesia na Cidade do Rio de Janeiro entre
1869/1888-------------------------------------------------------------------------------------------------28
Tabela 5 – Evolução do Crescimento da População de Favelas, da População Total e do
Crescimento de Favelas na Cidade do Rio de Janeiro entre as décadas de 1950/1991---------29
Gráfico 1 – Percentual de Moradores de Favelas (1950/2000)------------------------------------30
Gráfico 2 – Evolução da População de Favelas no Município do Rio de Janeiro---------------31
Gráfico 3 – Crescimento Populacional de Quatro Favelas da Cidade do Rio de Janeiro-------31
Gráfico 4 – Crescimento populacional de 04 favelas da Cidade do Rio de Janeiro-------------32
Tabela 6 – Percentual de Favelas em Diferentes Períodos de Ocupação-------------------------34
Tabela 7 – Evolução do Número de Favelas em Relação aos Domicílios e Habitantes da
Cidade do Rio de Janeiro--------------------------------------------------------------------------------35
Tabela 8 – Censo de Favelas de 1920-----------------------------------------------------------------53
8
Gráfico 5 – Número de Favelas em algumas Cidades Brasileiras---------------------------------64
Tabela 9 – Estimativas Revisadas do Déficit Habitacional (Grandes Regiões, Unidades da
Federação e Brasil/2000)--------------------------------------------------------------------------------68Tabela 10 – Estimativas do Déficit Habitacional Básico, por situação do domicílio (Grandes Regiões,
Unidades da Federação e Brasil/2000)--------------------------------------------------------------------69
AnexosAnexo I – Densidade habitacional na Maré----------------------------------------------------------83
Anexo II – Uso do espaço na Maré--------------------------------------------------------------------84
9
Introdução:
Esta pesquisa em forma de monografia do Curso de Especialização em Políticas
Territoriais no Estado do Rio de Janeiro visa realizar uma discussão no que tange às políticas
públicas em âmbito habitacional realizadas em uma área onde se constata a efetivação do
processo de segregação residencial, criada a partir da ausência de um modelo adequado de
planejamento urbano na área de estudo. A área em questão se localiza na XXXª
Administração Regional (ver fig. 1 e 2) - criada em 04/08/1986 conforme o Decreto
Municipal nº 6011 Art. 2º da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, e que foi homologada de
acordo com os parâmetros conferidos pela mesma. Os estudos estão voltados para o
‘Complexo da Maré’, área considerada de ‘baixa renda’ no município do Rio de Janeiro e
fixado em uma área de 426,88 hectares - conforme dados do sítio da Prefeitura do Rio de
Janeiro, mais dados em anexo.
Fig. 1- Mapa de Localização da XXXª Administração Regional com o Bairro Maré emdestaque
Fonte: http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/arquivos/2516_ap3.JPG
10
O bairro da Maré foi criado através da Lei Municipal nº 2119 de 19/01/1994, está
organizada, de acordo com o Instituto Pereira Passos, como pertencente às Coordenadorias
Regionais de Urbanismos (CRU) e Área de Planejamento 03 conforme indicado na figura 3.
Fig. 2 - Mapa da Cidade do Rio de Janeiro, com o Bairro Maré em destaque.
Fonte: www.rio.rj.gov.br/ipp
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o bairro da
Maré é reconhecido e classificado como “Unidades Territoriais Específicas”, sendo a maior
concentração de população de baixa renda do município do Rio de Janeiro. O conjunto de 16
comunidades [Morro do Timbáu (fundada entre 1930/1940), Baixa do Sapateiro (1947),
Conjunto Marcílio Dias (1948), Parque Maré (1953), Parque Roquete Pinto (1955), Parque
Rubens Vaz (1951/1961), Parque União (1961), Nova Holanda (1962), Praia de Ramos
(1962), Conjunto Esperança (1982), Vila do João (1982), Vila do Pinheiro (1989), Conjunto
Pinheiro (1989), Conjunto Bento Ribeiro Dantas ou Fogo Cruzado (1992), Nova Maré (1996)
11
e Salsa e Merengue (2000)] totaliza, segundo o “Censo Maré – 2.0001”, uma população de
132.176 residentes. De acordo com Jacques (2002) a Maré se diferencia de outras favelas
pois;
Ainda esta mesma autora aponta que:
Fig. 3 - Área de Planejamento 03 com a Maré em destaque
Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/ipp
1 O “Censo Maré 2000” foi um empreendimento com iniciativa da ONG CEASM (Centro de Estudos e AçõesSolidárias da Maré), com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) e comvínculos a um conjunto de iniciativas de Políticas Sociais da Prefeitura do Rio de Janeiro e que ficou conhecidocomo “Projeto Multissetorial da Maré”. A Maré é constituída por 16 comunidades. O Censo Maré, a fim demelhor descrição da heterogeneidade local, considerou a comunidade de Mandacaru, localizada no território deMarcílio Dias, como uma comunidade específica, devido às suas condições peculiares.
A Maré não é simplesmente uma favela, mas o que se denomina um complexo defavelas, várias comunidades diferentes juntas, como se fossem vários bairrosdistintos, uma quase cidade formal. Assim a Maré se torna um dos maioreslaboratórios urbanos de habitação popular do país, onde inúmeras experiênciashabitacionais foram feitas nas últimas décadas. O próprio sítio sofreu tantasalterações que a própria maré que deu nome ao complexo já não existe mais; foramtantos os aterros, que o mar já ficou bem distante (p. 19).
A pseudo-semelhança entre as mais diversas favelas cariocas pode ser desmentidaem um rápido passeio pela Maré. A diversidade de formas está patente nasdiferentes comunidades do complexo. Quase todas as morfologias urbanas etipologias arquitetônicas referentes a habitações populares têm ou tiveram umexemplar na Maré: da favela labiríntica de morro ao mais cartesiano conjuntohabitacional modernista, passando por palafitas em áreas alagadas e conjuntohabitacionais favelizados. Vai-se do padrão mais informal ao mais formal, queacaba se informalizando também (Ibidem).
12
A área que atualmente forma o bairro Maré foi, no século XVI, o chamado ‘Porto de
Inhaúma’, e que serviu para escoar os produtos explorados e cultivados nesta porção carioca.
Esse Porto desenvolveu importante papel econômico para o subúrbio e terminou seus dias
abrigando a Colônia de Pescadores Z-6 e devido aos sucessivos aterros na área, desapareceu
nas primeiras décadas do século XX.
Entre meados dos séculos XVII e XVIII, a área da Maré fazia parte da ‘Freguesia rural
de Inhaúma’ e integrava uma grande propriedade: a Fazenda do Engenho da Pedra. Suas
terras abrangiam os atuais bairros de Olaria, Ramos, Bonsucesso e parte de Manguinhos.
No início do século XX, pequenos núcleos de povoamento - quase sempre formados por
pescadores - já se aglutinavam em torno dos portos desta área. Mas este processo acelerou-se
mesmo com a reforma urbana da Prefeitura de Pereira Passos - que expulsou a população
mais pobre do centro da cidade, provocando a ocupação das zonas periféricas. A partir da
mesma época, a enseada de Inhaúma - que se estendia da Ponta do Caju até a Ponta do
Thybau (atual Morro do Timbáu) - teve sua orla de manguezais destruída pela ação de
diversos aterros, como veremos mais adiante. A Ponta do Thybau, por ser uma porção de terra
firme, foi uma das primeiras áreas a ser povoada na Maré atual. Era o início de povoação do
atual Complexo da Maré (http://www.ceasm.org.br).
O bairro Maré é a maior concentração de população de baixa renda do município do
Rio de Janeiro e do Brasil. O conjunto de 16 comunidades totaliza, segundo o Censo Maré –
2.000, uma população de 132.176 pessoas, abrigada em 38.273 domicílios. Tomadas no
interior de uma mesma unidade territorial, as comunidades que compõem o bairro da Maré
possuem, na sua dimensão populacional absoluta, uma expressão significativa em relação ao
conjunto da população da Região Metropolitana e do próprio Estado do Rio de Janeiro.
A população do bairro da Maré representa 2,26% da população do município do Rio de
Janeiro e apenas 0.97 % dos habitantes do estado do Rio de Janeiro, segundo dados do Censo
Maré (2000). Contudo, se demarcarmos uma outra escala geográfica para a nossa análise, a
exemplo da escala municipal, observaremos um destaque indiscutível dessa população no
território fluminense.
A expressividade do tamanho do Complexo da Maré pode ser constatada quando se
toma como referência os 22 municípios mais populosos da malha municipal do Estado do Rio
de Janeiro, hoje composta por 92 unidades administrativas. Um olhar leviano verifica que o
bairro da Maré possui um número de habitantes superior aos identificados para Macaé
(131.550 hab), Cabo Frio (126.894 hab), Queimados (121.688 hab), Angra dos Reis (119.180
hab), Resende (104.482 hab) e Barra do Piraí (88.475 hab) - dados de 2000. Em uma
13
classificação por ordem de grandeza, se o bairro da Maré recebesse o ‘status’ de município,
ocuparia a 17ª posição em termos populacionais no estado fluminense, conforme verificado na
tabela 1.
Tabela 1 – Os 22 Municípios com os maiores índices populacionais – 2000Municípios População Municípios População
Rio de Janeiro 5.851.944 Itaboraí 187.127
Nova Iguaçu 915.366 Nova Friburgo 173.321
São Gonçalo 889.828 Barra Mansa 170.593
Duque de Caxias 770.865 Nilópolis 153.572
Niterói 458.465 Teresópolis 138.019
São João de Meriti 449.229 Macaé 131.550
Belford Roxo 433.120 Cabo Frio 126.894
Campos de Goytacazes 406.511 Queimados 121.688
Petrópolis 286.348 Angra dos Reis 119.180
Volta Redonda 242.046 Resende 104.482
Magé 205.699 Barra do Piraí 88.475
Fonte: Censo IBGE 2000 – http://www.ceasm.org.br
A simples observação dos dados nos indica que a população da Maré apresenta um
tamanho absoluto superior aos números apresentados por nove municípios da região
Metropolitana (Queimados, Japeri, Itaguaí, Maricá, Seropédica, Paracambi, Guapimirim,
Tanguá e Mangaratiba). Tomando a Maré como um município hipotético, ele ocuparia a 11ª
posição em termos de população desta região do Rio de Janeiro. Com os seus 132.176
habitantes neste contexto, a Maré corresponde à população de um município com a
possibilidade de representação política, segundo o que determina a Constituição Federal.
14
No que concerne aos outros complexos de comunidades populares do Rio de Janeiro,
Rocinha, Alemão e Jacarezinho, observa-se que a Maré aparece como o de maior
concentração populacional, conforme indicado na tabela abaixo:
Tabela 3 – População nas Principais Favelas do Município do Rio de JaneiroLocalidade 1991 1996 2000
Rocinha 42.892 45.585 56.313Alemão 51.591 54.795 65.637Jacarezinho 37.393 34.919 36.428Maré 62.458 68.817 113.817 / 132.176*
Fonte: Censo IBGE – 2000; *Censo CEASM-2000 - http://www.ceasm.org.br
A tabela 3 confirma a concentração da população na Maré, reunindo ela o maior
número de comunidades populares do município do Rio de Janeiro. Cabe destacar, de
qualquer forma, alguns limites nos números encontrados pelo IBGE, expressos,
principalmente, no inverossímil crescimento da população da Maré em apenas quatro anos –
entre 1996 e 2000. Na verdade, o Instituto levou em consideração na sua contagem da
população da Maré, nos anos de 1991 e 1996, apenas nove comunidades: Baixa do Sapateiro,
Parque Maré, Nova Holanda, Roquete Pinto, Rubens Vaz, Parque União, Praia de Ramos e
Timbáu. As demais não foram incorporadas por serem definidas como conjuntos
habitacionais.
O recorte definido pelo IBGE ignorou a condição formal de bairro da Maré,
estabelecida desde o final da década de 80, sendo as comunidades locais reconhecidas como
unidades territoriais específicas. Tal opção metodológica, além de descaracterizar o bairro do
ponto de vista sócio-geográfico, gerou um registro limitado da população residente na Maré
para os anos de 1991 e 1996. Caso fosse mantido no Censo de 2000 do Instituto o mesmo
recorte territorial, considerando-se apenas as nove comunidades supracitadas, seria
identificada uma população residente de apenas 77.292 pessoas, de acordo com as
informações colhidas pelo Censo CEASM – 2000. Isto significaria a exclusão de 54.884
moradores na contagem da população local.
Ao longo dos últimos 15 anos, a Maré apresentou um rápido incremento de domicílios
e, evidentemente, de população. Com isso, ela aparece, pela primeira vez, como o mais
populoso complexo de favelas do Rio de Janeiro. O fato decorre da incorporação ao bairro,
pelo IBGE, das comunidades locais até então identificadas como conjuntos habitacionais.
Outro fator significativo foi a construção, entre 1993 e 1997, de três novos conjuntos,
15
realizada pelo programa municipal de remoção de populações em áreas de risco: Nova Maré;
Bento Ribeiro Dantas e Salsa e Merengue (oficialmente identificado como Novo Pinheiros).
Neste sentido, pode-se afirmar, que o Complexo da Maré é um fiel produto da chamada
‘fragmentação do tecido sócio-político espacial’ como define Souza (2003a p.90) e, neste
sentido, o objetivo em estudar esse complexo encravado no espaço urbano carioca advém não
só de uma vivência cotidiana como morador que nasceu e cresceu acompanhando seus
movimentos sociais mas, sobretudo, de procurar entender suas possíveis territorialidades,
decorrentes do conflito de interesses entre os atores sociais que interagem no processo de
estruturação do local e, neste sentido, discutir as políticas públicas implementadas na área de
estudo pelos órgãos competentes.
Posto isto, as favelas2 são um dos maiores exemplos da configuração sócio-espacial
extremamente desigual da cidade do Rio de Janeiro, e neste sentido, a Maré, reconhecida
como um ‘conglomerado urbano’, é formado por dezesseis comunidades distintas com suas
realidades e frustrações em comum. Localizada às margens da Baía de Guanabara e cortada,
atualmente, pelas Linhas Amarela e Vermelha e pela Variante Petrópolis (atual Avenida
Brasil), se caracterizava primitivamente por vegetação de manguezal. Ocupada desde a
segunda metade do século XX por barracos e palafitas, os manguezais foram sendo
progressivamente aterrados ora pela população menos favorecida, ora pelo próprio poder
público.
Na atual fase do modo de produção capitalista, as desigualdades sociais apresentam-se
de modo contraditório trazendo reflexos na distribuição territorial da sociedade em vigor,
conferindo deste modo, uma aproximação entre os grupos que ocupam posições antagônicas
no espaço social. A possibilidade de uma homogeneização de grupos pertencentes à essa
mesma camada social cria um distanciamento nas relações de contato que possam,
eventualmente haver entre os diferentes estratos da sociedade, e desta forma, acentua-se a
chamada ‘segregação residencial’. Segregação essa, como discutiremos mais adiante, nasce na
esteira do desenvolvimento urbano-espacial da cidade do Rio de Janeiro com a introdução e
melhoria no que tange aos meios de transporte coletivos.
Dentro deste contexto, tentaremos analisar o Complexo da Maré na ótica de efetivação
dos processos de políticas públicas adotadas pelo governo - em suas três esferas de
2 Caracteriza-se pela precariedade das condições de habitabilidade, tanto no que se refere à moradia (construçõesfeitas com materiais perecíveis), como à oferta de infra-estruturas básicas (saneamento e drenagem), à ocupação(morfologia e tipologia) e à propriedade da terra (IPEA 2001).
16
hierarquização [municipal, estadual e federal] - durante as décadas de formação e
consolidação do bairro Maré até os dias atuais.
O objetivo em estudar esse complexo encravado no espaço urbano carioca advém não
só de uma vivência cotidiana como morador que nasceu e cresceu acompanhando seus
movimentos sociais mas, sobretudo, de procurar entender de que forma as políticas públicas
implementadas até o momento nesta área da cidade do Rio de Janeiro, influenciam no dia a
dia da população local, decorrentes do conflito de interesses entre os atores sociais que
interagem no processo de estruturação do local.
Em relação aos passos metodológicos e de forma resumida, esta pesquisa estará assim
representada: o objeto pesquisado será as Políticas Públicas em Espaços Residenciais
Segregados; o recorte espacial abordado será compreendido desde a época da total
erradicação dos cortiços e mais adiante, das primeiras favelas da Cidade do Rio de Janeiro, até
a última política pública em âmbito habitacional - O Programa Favela-Bairro); já o recorte
temporal será entre 1870 (expansão da população e escassez de moradia) até 2009 com a
continuidade do Programa Favela-Bairro - última intervenção governamental na esfera
habitacional na Cidade do Rio de Janeiro.
A questão central norteadora é: De que forma está representado, espacialmente, o
Complexo da Maré no que tange as políticas públicas em âmbito habitacional na Cidade do
Rio de Janeiro? E como subquestão: O atual rearranjo do Complexo da Maré atende as
necessidades habitacionais da população?
Em relação a operacionalização serão utilizados nesta pesquisa, tabelas, gráficos,
imagens, mapas, figuras, análises estatísticas e uma breve bibliografia sobre o tema em
questão.
Para dar conta do Objetivo e do Caminho de Investigação a pesquisa apresenta-se
estruturada em dois capítulos.
O primeiro, com o título de “Segregação Residencial em Comunidades Carentes da
Cidade do Rio de Janeiro a Partir da Consolidação do Espaço Urbano: O exemplo da Maré”
tentaremos realizar uma discussão no que tange ao processo de segregação residencial,
partindo, primeiramente, da discussão sobre o espaço urbano para logo após apresentar de que
forma entendemos a temática segregação residencial que, conforme Corrêa (2005a) é “uma
expressão das classes sociais”.
No segundo capítulo tentaremos definir o conceito de ‘política pública’ e para tal
utilizaremos uma breve bibliografia de autores que discutem o tema e, logo a seguir,
17
tentaremos verificar quais as principais intervenções da esfera governamental na área de
estudo.
Por fim, realizaremos uma tentativa de conclusão do tema proposto para esta pesquisa e
desdobramentos futuros.
18
1 – A Segregação Residencial em Comunidades Carentes na Cidade do Rio
de Janeiro a partir da Consolidação do Espaço Urbano: O exemplo da
Maré.
A produção do espaço urbano não acontece de maneira isolada, é um somatório das
práticas sociais através das relações políticas, econômicas e culturais e que constituem
diferentes formas espaciais. Vários autores se debruçaram sobre o tema que continua em
evidência atualmente. Milton Santos (1997) analisa o espaço como sendo criado “por um
conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de
ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. Na
visão de Raffestin (1993) “o espaço é anterior ao território”.
Já Corrêa (2005a) analisa o espaço urbano como sendo um local
A própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada
nas formas espaciais. Esse mesmo autor (2005, p. 148) analisa, de forma mais contundente, o
espaço urbano da seguinte forma:
Corrêa (2005a) questiona sobre quem são os agentes sociais que fazem e refazem a
cidade e que estratégias e ações concretas desempenham no processo de fazer e refazer a
cidade. Desta forma ele aponta cinco agentes sociais:
Os Proprietários dos Meios de Produção, sobretudo os grandes industriais;
Os Proprietários Fundiários;
Os Promotores Imobiliários;
O Estado;
Os Grupos Sociais excluídos.
Ao se constatar que o espaço urbano é simultaneamente fragmentado e articulado, eque esta fragmentação articulada é a expressão espacial de processos sociais,introduz-se o terceiro momento de apreensão do espaço urbano: o de ser um reflexoda sociedade. Assim, o espaço da cidade capitalista é fortemente dividido em áreasresidenciais que tendem a segregação, refletindo a complexa estrutura social emclasses, própria do capitalismo. A jornada para o trabalho, por outro lado, aparececomo conseqüência da fragmentação capitalista que separou lugar de trabalho delugar de residência.
fragmentado, articulado, reflexo, condicionante social, cheio de símbolos e campode lutas. É um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, eengendradas por agentes que produzem e consomem espaço. São agentes sociaisconcretos, e não um mercado invisível ou processos aleatórios atuando sobre umespaço abstrato. A ação destes agentes é complexa, derivando da dinâmica deacumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações deprodução, e dos conflitos de classe que dela emergem (p. 11).
19
Desses agentes sociais vamos nos ater aos Grupos Sociais excluídos e o Estado, com
uma ênfase maior no primeiro e essa escolha ocorre por razões óbvias, já que a área
pesquisada representa-se como constituído de população da faixa salarial reconhecida por
serem de baixa renda.
O Estado atua na organização espacial da cidade e sua atuação tem sido complexa e
variável tanto no tempo como no espaço, refletindo a dinâmica da sociedade da qual é parte
constituinte, além de ser um agente regulador do uso do solo urbano e alvo principal dos
chamados movimentos sociais urbanos (CORRÊA, 2005a). Sua atuação mais corrente e
esperado se faz presente através da implantação de serviços públicos - que interessam tantos
às empresas envolvidas como à população como um todo.
É atribuição do Estado a elaboração de leis e normas vinculadas ao uso do solo como
por exemplo, as normas de zoneamento e o código de obras, no que tange ao espaço urbano e,
ao mesmo tempo, é alvo de reivindicações de boa parte da população urbana quando sua
atuação ocorre de modo desigual enquanto provedor de serviços públicos neste mesmo espaço
urbano.
Segundo A. Samson citado por Corrêa (2005, p. 25), o Estado dispõe de um conjunto
de instrumentos que pode empregar em relação ao espaço urbano. Os principais são:
Direito de desapropriação e precedência na compra de terras;
Regulamentação do uso do solo;
Controle e limitação dos preços de terras;
Limitação da superfície da terra de que cada um pode se apropriar;
Impostos fundiários e imobiliários que podem variar segundo a dimensão do imóvel,
uso da terra e localização;
Taxação de terrenos livres, levando a uma utilização mais completa do espaço urbano;
Mobilização de reservas fundiárias públicas, afetando o preço da terra e orientando
espacialmente a ocupação do espaço;
Investimento público na produção do espaço, através de obras de drenagem,
desmontes, aterros e implantação da infraestrutura;
Organização de mecanismos de crédito à habitação; e
Pesquisas, operações-testes sobre materiais e procedimentos de construção, bem como
o controle de produção e do mercado deste material.
De acordo com Corrêa, esta complexa e variada gama de possibilidades de ação do
Estado capitalista não se efetiva ao acaso e nem se processa de modo socialmente neutro,
20
como se o Estado fosse uma instituição que governasse de acordo com uma racionalidade
fundamentada nos princípios de equilíbrio social, econômico e espacial. Sua ação é marcada
pelos conflitos de interesses dos diferentes membros da sociedade de classes, bem como das
alianças entre eles e sua tendência é privilegiar os interesses daquele segmento da classe
dominante que a cada momento está no poder. Desta forma, o Estado capitalista cria
mecanismos que levam à segregação residencial e à sua ratificação. Esta segregação pode
resultar também de uma ação direta e explícita do Estado através do planejamento, quando da
criação, a partir do zero, de núcleos urbanos (CORRÊA 2005a p, 26 e 27). Estes são alguns
dos tipos de atuação do Estado no espaço urbano capitalista.
Atualmente verificam-se na sociedade diferenças sociais no que tange ao acesso de
bens e serviços e, neste sentido, a problemática habitacional - que vem sendo discutida desde
o final do século XIX - emerge como um desses bens no qual o acesso é amplamente seletivo
e no qual uma enorme parcela da população não tem acesso, quer dizer, não possui renda
suficiente para pagar aluguel de uma habitação e, menos ainda, para comprar um imóvel.
Esses grupos sociais excluídos têm, como afirma Corrêa (2005), as seguintes
possibilidades de moradias (como observado na figura 4);
No que se refere ao acesso aos bens e serviços produzidos na sociedade, verificam-se
diferenças sociais gritantes no atual mundo capitalista e o segmento habitação é um desses
bens cujo acesso é seletivo, sendo este, um dos mais significativos sintomas de exclusão no
mundo contemporâneo.
As habitações coletivas eram comuns no espaço urbano da Cidade do Rio de Janeiro no
início do século XX. Percebe-se, com clareza na figura 04, a deficiência de infra estrutura
mínima a que essa população necessitava para o seu bem estar social. A questão social e
urbana passou novamente para o primeiro plano, de um lado como assunto técnico, envolvido
nas pressões para o desenvolvimento da cidade, de outro como uma questão política e social,
com as propostas e tentativas de intervenção na crise habitacional.
Os densamente ocupados cortiços localizados próximos ao centro da cidade - velhasresidências que no passado foram habitadas pela elite e que se acham degradadas esubdivididas -, a casa produzida pelo sistema de autoconstrução em loteamentosperiféricos, os conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado, via de regra tambémdistantes do centro, e a favela (p. 29 e 30 ).
21
Fig. 4 - Estalagem existente nos fundos dos prédios nºs 12 e 44 na Rua do Senado, em27/03/1906.
Fonte: Carvalho (1995) - Foto Malta (AGCRJ)
Os cortiços - que abordaremos mais adiante -, as estalagens e as casas de cômodos
sempre foram o alvo de uma grande polêmica envolvendo sua existência ou não,
principalmente, na área central do atual centro da cidade. E como bem aponta Abreu (2003, p.
213)
Deste modo é na produção da favela - em terrenos públicos ou privados invadidos - que
os grupos sociais excluídos tornam-se, de forma efetiva, agentes modeladores que produzem
seu próprio espaço e, na maior parte dos casos, de forma independente. Desta forma a
produção deste espaço é uma forma de resistência e, ao mesmo tempo, uma estratégia de
sobrevivência.
De acordo com Corrêa (2005a) a resistência e a sobrevivência se traduzem na
apropriação de terrenos usualmente inadequados para os outros agentes da produção do
espaço, como as encostas íngremes e as áreas alagadiças, tratando-se esse exemplo como uma
apropriação de fato. Neste sentido a favela corresponde a uma solução de um duplo problema:
o da habitação e o do acesso mais rápido ao local de trabalho. Por sua localização as margens
da Avenida Brasil e as Linhas Amarela e Vermelha, o bairro Maré mantém um aumento
populacional constante devido à proximidade com o centro da Cidade do Rio de Janeiro e
a questão da salubridade dos cortiços permeia toda a discussão técnica e políticasobre higiene pública durante o Segundo Reinado. Já em 1843 quando a cidadepassava por epidemia de febre escarlatina, a Academia Imperial de Medicina,dentre outras medidas destinadas a debelar a crise, ordenou a extinção do cortiçospara‘evitar a superlotação das habitações’.
22
desta forma - como mostrado na figura 5 - o crescimento vertical é uma saída para o aumento
do número de membros das famílias, principalmente, daqueles provenientes de outro estados
do Brasil que chega a cidade em busca de emprego.
Fig. 05 - Autoconstruções - Paisagem comum no espaço territorial da Maré
Fonte: Arquivo pessoal - foto tirada em 23/04/2009
A evolução da favela - a sua progressiva urbanização até tornar-se um bairro popular,
como no exemplo da Maré, resulta de um lado da ação dos próprios moradores que aos
poucos vão melhorando suas residências e implantando atividades econômicas diversas e de
outro, a ação do Estado, que implanta alguma infraestrutura urbana, seja a partir de pressões
exercidas pelos moradores organizados em associações (como veremos mais adiante), seja a
partir de interesses eleitoreiros e esta urbanização desencadeia uma valorização que acaba por
expulsar alguns de seus moradores e atrair outros.
Janice E. Perlman em sua obra ‘O Mito da Marginalidade’ associa essa ‘marginalidade’
a cinco grupos essenciais a que são empregados de forma mais comum o termo:
A localização na favela;
A situação inferior na escala econômica-ocupacional;
Os migrantes, recém chegados ou membros de diferentes sub-culturas;
As minorias raciais e étnicas; e
Os transviados.
23
Para a autora tanto os favelados quanto as favelas recebem rótulos sociais de nítido
cunho político, o que se transmite ao longo do processo socializante. Os interesses
econômicos reforçam os preconceitos sociais conforme aumentam os serviços urbanos e o
preço dos lotes. As populações migrantes e os favelados crescem cada vez mais e o que era
considerado normal ou marginal possa a ser determinado menos pelo comportamento da
maioria ou da minoria numérica e mais pelo que é feito especificamente pelas classes média e
alta. Se os critérios de normalidade fossem fixados pela prevalência e não pela classe, então o
jogo do bicho no Brasil seria considerado normal, enquanto ir à ópera seria marginal, o que
obviamente, não ocorre (PERLMAN, 1977 p. 124-128). Pode-se então associarmos o termo
marginalidade, usado pela autora, com os grupos sociais excluídos.
Neste sentido, o espaço da Maré vai, aos poucos se consolidando enquanto área de
reprodução social. Esse espaço tende a sofrer intensas modificações durante a sua própria
configuração mediante as intervenções governamentais ao longo das décadas do século
passado. Mais adiante faremos um esboço dessas intervenções e suas conseqüências na área
da maré como resultado final da ocorrência da chamada segregação residencial que, tornou o
Complexo da Maré, em uma área de interesses de pesquisadores.
Posto isto, este capítulo tem por preocupação analisar de que forma o bairro Maré sofre
a chamada segregação residencial. Para tal, tentaremos de início caracterizar o que
entendemos por segregação e segregação residencial e, mais adiante, realizaremos uma
análise histórica dessa segregação no âmbito da Cidade do Rio de Janeiro.
* * *
No início do século XX, o prefeito Pereira Passos (1902-1906), aliado ao governo
republicano, realizou a primeira grande intervenção urbana no Rio de Janeiro, ao procurar
embelezar e modernizar a cidade, o denominado “Haussmann Tropical” iniciou a
reestruturação da cidade, redefinindo o centro e as áreas residenciais, oficializando a
segregação espacial entre ricos e pobres, e tornando-se, paradoxalmente, um grande
responsável pela consolidação inicial das favelas e desta forma iniciava-se um processo de
intervenção política na cidade que abordaremos mais adiante. Corrêa (2005), citando Harvey,
diz que a segregação significa:
Diferencial de renda real. Proximidade às facilidades de vida urbana, como água,esgoto, áreas verdes, melhores serviços educacionais, etc; e ausência de proximidadeaos custos da cidade, como crime, serviços educacionais inferiores, ausência de infra-estrutura, etc. se já há diferença de renda monetária, a localização residencial podeimplicar diferença ainda maior no que diz respeito à renda real (p. 134).
24
De acordo com a definição da Escola de Chicago, segregação residencial seria uma
concentração de tipos de população dentro de um território, onde a ‘área natural’, segundo
Zorbaugh apud Corrêa (2005a), seria a expressão da segregação
Castells apud Corrêa (2005a) define a Segregação Residencial como sendo
Ainda Corrêa (2005, p.65-66), cita que: “a segregação residencial pode ser vista como
um meio de reprodução social, e neste sentido o espaço social age como um elemento
condicionador sobre a sociedade”. Assim, enquanto o lugar de trabalho, fábricas e escritórios,
constitui-se no local de produção, as residências e os bairros, definidos como unidades
territoriais e sociais, constituem-se no local de reprodução e deste modo a segregação
residencial significa não apenas um meio de privilégios para a classe dominante, mas também
um meio de controle e de reprodução social para o futuro.
A questão de como morar é concomitantemente associado à problemática da produção
da habitação – que se trata de uma mercadoria cujo valor de uso é superado pelo valor de
troca, fazendo dela uma mercadoria sujeita aos mecanismos de mercado – e tem um caráter
especial surgido na medida em que depende de outra mercadoria especial, a terra urbana, cuja
produção é cara, o que exclui boa parte da população.
No problema de moradia o Estado intervêm de forma direta através da construção de
habitações e indiretamente na forma de financiamento aos consumidores e às firmas
construtoras, ampliando a demanda solvável e viabilizando o processo de acumulação
capitalista. Isso define a questão de ‘como e onde morar’ apontada por Corrêa (2005a p. 63),
onde “ambos se fundem dando origem a áreas que tendem a ser uniformes internamente em
termos de renda, padrões culturais, valores e, sobretudo, em termos dos papéis a serem
cumpridos na sociedade pelos seus habitantes”, onde esta tendência que se mostra mais
marcante nos extremos da sociedade: nos grupos mais elevados e mais baixos da sociedade.
A sublocação de residências deterioradas constitui-se em outra alternativa ao como
morar por parte daqueles que não conseguem entrar no mercado capitalista de habitação;
outras alternativas referem-se à autoconstrução na periferia urbana e outra ainda, à construção
Uma área geográfica caracterizada pela individualidade física e cultural resultantedo processo de competição impessoal que geraria espaços de dominação dosdiferentes grupos sociais, replicando ao nível da cidade processos que ocorrem nomundo vegetal. (p. 59).
Um processo que origina a tendência a uma organização espacial em áreas de fortehomogeneidade social interna e de forte disparidade entre elas, sendo um produtoda existência de classes sociais e tendo sua espacialização no urbano. (p. 60).
25
de barracos em favelas. Em relação ao onde morar é preciso lembrar que existe um diferencial
espacial na localização de residências vistas em termos de conforto e qualidade e esta
disparidade se reflete em primeiro lugar uma distinção no preço da terra, que é função da
renda esperada, que varia em função da acessibilidade e das amenidades. E como cita Corrêa
(2005a p, 63) “os terrenos de maior preço serão utilizados para as melhores residências,
atendendo à demanda solvável e os terrenos com menores preços, pior localizados, serão
utilizados na construção de residências inferiores, a serem habitadas pelos que dispõem de
menor renda”.
O como e onde morar se fundem, dando origem a áreas que tendem a ser uniformes
internamente em termos de renda, padrões culturais, valores e, sobretudo, em termos dos
papéis a serem cumpridos na sociedade pelos seus habitantes e essa tendência se afirma de
modo mais marcante nos extremos da sociedade, isto é, nos grupos sociais elevados e mais
baixos da sociedade.
Se por um lado o Estado exerce o papel na ação estatal, a classe dominante (ou algumas
de suas frações) exerce, subjacente, este poder na segregação residencial na medida em que
controla o mercado de terras, a incorporação imobiliária e a construção, direcionando
seletivamente a localização dos demais grupos sociais no espaço urbano, atuando
indiretamente através do Estado.
Subjacente à ação do Estado na segregação residencial está a classe dominante que atua
através da auto-segregação na medida em que ela pode efetivamente selecionar para si as
melhores áreas, excluindo-as do restante da população: irá habitar onde desejar. A expressão
desta segregação da classe dominante é a existência de bairros suntuosos e, mais
recentemente, dos condomínios exclusivos e com muros e sistema próprio de vigilância,
dispondo de áreas de lazer e certos serviços de uso exclusivo, entre eles, em alguns casos, o
serviço de escolas públicas eficientes. Desta forma a segregação residencial significa não
apenas um meio de privilégios para a classe dominante, mas também um meio de controle e
de reprodução social para o futuro.
Esta segregação implica necessariamente em separação espacial das diferentes classes
sociais fragmentadas. A separação, por sua vez, origina padrões espaciais, ou seja, as áreas
sociais que emergem da segregação estão dispostas espacialmente segundo uma certa lógica, e
não de modo aleatório.
A segregação tem um dinamismo onde uma determinada área social é habitada durante
um período de tempo por um grupo social e, a partir de um dado momento, por outro grupo de
status inferior ou, em alguns casos, superior, através do processo de renovação urbana.
26
As favelas podem ser identificadas como territórios segregados dentro do espaço
urbano e esta segregação é potencializada pelo constante reconhecimento destas áreas como
locus de concentração do tráfico de drogas e da marginalidade.
A segregação, de que se fala, vem a comprometer o entendimento da cidade como um
todo que possui um território definido e contínuo. Num olhar mais cuidadoso podemos
identificar muros que delimitam lugares interditados à circulação dos demais cidadãos e das
regras e leis estabelecidas socialmente. Num ambiente assim descrito, a democracia, a justiça
social e o exercício dos direitos de cidadania certamente não podem ser facilmente
reconhecidos uma vez que, em última análise, o isolamento espacial tende a se alastrar ainda
para uma segregação política.
Diante desse quadro segregacional, a Maré se encaixa perfeitamente como um exemplo
dessa ‘política’ que envolve as chamadas ‘áreas menos favorecidas’, no que tange às políticas
públicas. Adiante, faremos uma breve conceituação de políticas públicas para, mais a frente,
elencar as principais intervenções ocorridas na área de estudo.
Após essa tentativa de conceituação da chamada ’segregação residencial’ que co-existe
na área de estudo, para um melhor entendimento, faremos um retorno no tempo para que se
possa compreender como ocorreu e para qual direção se verificou o espraiamento da
população carioca.
A compreensão de uma realidade local insere-se na compreensão do processo de
formação do espaço à qual pertence. Neste sentido, faz-se necessária uma abordagem, ainda
que sumária, da constituição do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro e as suas
territorialidades resultantes da segregação sócioespacial ou ainda, da fragmentação do tecido
sócio-político espacial, conforme apontado por Souza (2003a).
Um marco decisivo para o processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro foi sem
dúvida a chamada “revolução” ocorrida nos meios de transporte coletivo da cidade carioca no
último quartel do século XIX, conforme aponta Benchimol (1990) onde
Neste momento a tendência da cidade era a de bifurcar-se em dois vieses distintos: de
um lado os bairros com predomínio do uso residencial localizados nas áreas norte e sul e de
outro uma área central com características ‘febril, multiforme, superpopulosa e insalubre’.
Para fazer a conexão entre a zona norte surge o tronco ferroviário da Estação Ferroviária D.
Pedro II, na qual os bairros do subúrbio iriam progressivamente se estruturar até o final do
As empresas de ‘carris’ comandaram – em larga medida – o espraiamento da malhaurbana para muito além do antigo perímetro da Cidade Velha e da Ulterior CidadeNova, contribuindo, ao mesmo tempo, para tornar cada vez mais nítida uma novaestruturação social do espaço carioca (p. 96).
27
século XIX, dando início a implementação das principais estações ferroviárias e
conseqüentemente, o espraiamento da população carioca.
Os conflitos e as contradições espaciais tornaram-se presentes no espaço urbano
durante a transição da cidade colonial – tendo em sua base a mão-de-obra escravista – para a
cidade capitalista. Neste instante, no século XIX, surgiram os primeiros elementos
segregadores do espaço com a introdução do bonde e do trem que torna a expansão física do
espaço expressiva.
Com a abertura de novas vias de acesso, proporcionado pelos bondes e trens, a cidade
toma nova configuração. A aristocracia, que antes residia nas áreas centrais da cidade,
deslocou-se para outros bairros como Lapa, Botafogo, Tijuca, São Cristóvão. A população,
composta pelos trabalhadores, seguiu os rumos que lhes foram abertos pela estrada de ferro
em direção ao subúrbio da cidade, conforme indica o comentário de Abreu (1997, p. 36):
Entre 1850-1870, a crise habitacional – dita como ‘escassez e carestia das habitações
para gente pobre’ – emergiu como um dos traços mais característicos e recorrentes da vida
urbana do Rio de Janeiro, somando-se a isso, ter-se-ia ainda a incidência de epidemias, onde o
epicentro desta crise seria a área central na qual coabitava-se em grande número e de forma
desordenada, grande parte da população carioca. Apoiando-se em Engels, Benchimol (1990 p.
124) cita que:
Desta forma o governo na tentativa de enfraquecer o crescente movimento operário,
resolveu estimular a construção de habitações operárias, oferecendo uma série de vantagens
aos indivíduos ou companhias, que se organizassem para essa finalidade. Lobo (1989, p. 36)
cita como seriam essas vantagens
A crise da habitação é produto da forma social burguesa; sua história está, portanto,indissoluvelmente subordinada ao desenvolvimento das relações capitalistas deprodução no espaço urbano carioca (e à conseqüente apropriação capitalista desseespaço).
A separação só foi possível, entretanto, devido à introdução do bonde a burro e dotrem a vapor que a partir de 1870, constituiriam-se nos grandes impulsionadores docrescimento físico da cidade [...] haja vista os usos e as classes “nobres”, toma adireção dos bairros servidos por bondes (em especial aqueles da Zona sul). Poroutro lado, para o subúrbio passam a se deslocar os usos “sujos” e as classes menosprivilegiadas.
O Decreto número 268 de 30/10/1875 concedia isenção do pagamento da décimaurbana e os direitos de desapropriação da Lei de 1845, às pessoas e firmas que sepropusessem a construir casas para os operários e para as classes pobres. Asdesapropriações seriam de cortiços, estalagens e casas de cômodos declaradosinsalubres, à base de indenização de materiais de construção e do custo da mão-de-obra. Estas habitações coletivas seriam substituídas por construções aprovadaspelas autoridades federais e municipais.
28
Em relação a essa situação de crise habitacional, as chamadas ‘freguesias centrais’ -
excetuando-se a Freguesia da Candelária que era o verdadeiro centro de negócios da cidade
do Rio de Janeiro naquele momento e que contava com o menor contingente populacional
(9.239 hab.) - continuavam a se adensar de maneira acelerada, mas sua forma urbana pouco se
modificara. Como cita Pereira em sua tese de doutorado de 1998
Ribeiro (1997, p. 173) cita que no período entre 1870/1890 “assistiu-se a um
vertiginoso crescimento populacional da cidade, à construção de inúmeras moradias nas
freguesias periféricas ao centro e em algumas outras localidades na zona rural”, como pode
ser verificado na tabela 4.
O primeiro registro referente a uma favela no Rio ocorreu no recenseamento de 1920,
que documentou uma aglomeração de 839 casas no Morro da Providência organizada por
veteranos da guerra dos Canudos. A primeira leva importante de migrantes rurais no Brasil,
nos primeiros anos da década de 1930, provocou o rápido crescimento da população favelada.
Aos novos migrantes à procura de casa vinham somar-se os moradores da cidade que não
mais podiam pagar os aluguéis nem mesmo de cortiços, avenidas ou cabeças de porco. As
favelas, nas colinas ao redor do centro da cidade, ofereciam a dupla vantagem de não
cobrarem aluguel e de serem bem localizadas, e para muitos constituíram a melhor solução.
Tabela 4 – Número de cortiços e Estalagens por Freguesia na Cidade do Rio de Janeiro entre 1869/1888
Fonte: Ribeiro (1997, p. 177)
Era, assim, inevitável o agravamento da crise de moradia, cada vez mais escassa emais cara, para o imenso contingente de gente pobre, que aí residia, trabalhava eperambulava. A conseqüência imediata foi o aumento das habitações coletivas. Em1869 havia 642 cortiços, abrigando uma população de 21.929 pessoas. Em 1888 oscortiços passavam a ser 1.331, com uma população de 46.680 pessoas.
29
Em relação a existência da primeira favela na cidade do Rio de Janeiro há contradições
entre os diversos autores que se debruçaram sobre o tema. A princípio a primeira
manifestação de sua existência tenha sido a ocupação do Morro da Providência - na época
conhecida como Morro da Favella. Existem autores que chamam a atenção para a presença de
favelizações aparentemente anteriores ou do mesmo período no Morro de Santo Antônio.
Outros ainda assinalam que existem várias versões sobre a primeira favela no cenário carioca
como surgida em 1870 (onde se vincula à final da Guerra do Paraguai), ou em 1897 (dos que
retornaram da Guerra de Canudos e que foram autorizados a ocuparem os Morros da
Providência e de Santo Antônio) e, finalmente, há autores que clamam pela data de 1893 (essa
diretamente relacionada à destruição do mais famoso cortiço carioca - o ‘Cabeça-de-Porco’).
Com isso foi inevitável o acentuado número de favelas concentradas na cidade do Rio
de Janeiro, já a partir da década de 60 do século XX, quando sua população teve um
crescimento bastante significativo, conforme se observa na Tabela 5.
As favelas sempre foram uma realidade no contexto da expansão espacial do tecido
urbano carioca, porém o Poder Público sempre as tratou como problemas provisórios, tanto
que elas nem podiam aparecer nos mapas, ou seja, se as favelas não são reconhecidas, elas
não existem... (http://www.ceasm.org.br).
Tabela 5 – Evolução do Crescimento da População de Favelas, da População Total e doCrescimento de Favelas na Cidade do Rio de Janeiro Entre as Décadas de 1950/1991.
Ano População deFavelas (A)
População totaldo Rio (B) A/B (%)
% docrescimento de
Favela porDécada
% decrescimento da
População do Riopor Década
1950 169.305 2.337.451 7.24 _____ _____
1960 337.412 3.307.163 10.20 99.29 41.49
1970 563.970 4.251.918 13.26 67.15 28.57
1980 628.170 5.093.232 12.33 11.38 19.79
1991 1.001.336 5.480.768 18.27 59.41 7.60
Fonte: http://www.ibge.gov.br
30
As favelas, definidas e contabilizadas, começaram a ser estudadas, tornando-se cada
vez mais visíveis e tema de vários debates. Portanto apenas em meados do século XX é que se
problematiza novamente a questão da habitação popular, tendo então como eixo principal a
favela. Este padrão de habitação auto-produzido caracterizava-se pela sua ilegalidade em
termos jurídicos e sua irregularidade em termos urbanísticos, além da precariedade e da
insalubridade.
Assim, quando não pôde mais ser negada, sua existência foi considerada uma “chaga”
que deveria ser extirpada e seus moradores removidos. Nos gráficos 1 e 2, percebe-se um
aumento substancial da população favelada no período de 1950-2000.
Pode-se observar no gráfico 1 que há picos elevados desse incremento populacional,
principalmente entre as décadas de 1960/1970 quando o aumento desta população foi de
346.564 habitantes e nas décadas de 1990/2000, quando este número foi de 210.475
residentes. Podemos associar esse incremento populacional do período ao crescente êxodo
rural constato na época por migrantes do nordeste do Brasil em busca de melhores condições
de vida na chamada ‘cidade grande’ - principalmente no eixo Rio-São Paulo.
Gráfico 1 – Percentual de Moradores de Favelas - 1950/2000
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
No gráfico 2 fica nítida a presença de forma maciça desta população favelada residindo
principalmente nos bairros do subúrbio carioca. A razão principal disto, como foi dito
anteriormente, foi a construção da Avenida Brasil no final da década de quarenta do século
passado, que possibilitou que aquela população migrante principalmente do nordeste
31
brasileiro viesse em busca de trabalho nesta área carioca registrando 14 favelas em 1920 para
mais de 500 no ano 2000.
Gráfico 2 – Evolução da População de Favelas no Município do Rio de Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Nesse período, muita coisa mudou na realidade dos morros cariocas. Hoje, o número de
favelados representa quase 20% da população total do município do Rio de Janeiro - o que
pode ser verificado nos gráficos 3 e 4. Algumas comunidades viraram complexos, como o
Alemão, Jacarezinho e Maré e já ultrapassaram os 50 mil habitantes, enquanto áreas como a
Zona Oeste – antes um vazio no mapa – viraram opção de moradia acessível e hoje lideram o
ranking de novas construções.
Gráfico 3 - Evolução do Número de Favelas no Município do Rio de Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
32
Embora não haja uma explicação unânime para a segregação social, é evidente que a
cidade formal sempre manteve um posicionamento contrário à favela, sugerindo a formação
de uma cidade à parte pela presença desses assentamentos. A partir da década de 40, as
favelas começam a ser vistas pelos moradores da cidade formal como “aglomerados
invasores” e “ocupações ilegais de terra” embora a crítica à chamada “teoria da
marginalidade” tenha buscado mostrar o equívoco dos discursos dualistas sobre as favelas a
partir da década de 70.
Gráfico 4 – Crescimento Populacional de Quatro Favelas da Cidade do Rio de Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
De qualquer forma, a visão dualista por parte da cidade formal ganhou novo fôlego com
a inclusão do narcotráfico e da violência urbana e foi dotada de legitimidade social pela
utilização freqüente pela mídia de metáforas como “cidade partida” e “desordem urbana”. De
fato, a partir da primeira metade do século 20, o próprio Estado mudou sua forma de encarar
as favelas, baseando-se em políticas de controle e repressão sendo os aglomerados usualmente
comparados a “doenças sociais”. Por outro lado, ao mesmo tempo em que políticas de
remoção das favelas são postas em prática, emergem demandas por parte de governo e
instituições não governamentais de novos discursos que subsidiem a política de “integração
da favela ao bairro”.
Na realidade, o distanciamento social entre a cidade formal e as favelas continua em
curva ascendente. A barreira invisível entre estas e a cidade, materializa-se através da auto-
segregação da classe média em condomínios exclusivos e somam-se aos muros invisíveis da
estigmatização e do preconceito geradas pela associação simplista entre favelas e tráfico de
drogas. Segundo Souza (2002, p. 500), o ingrediente principal para esta ‘fragmentação do
tecido sócio-político espacial’ encontra-se na multiplicação de enclaves territoriais
33
controlados por traficantes de drogas de quem se necessita a anuência para que sejam
viabilizados quaisquer tipos de intervenção estatal.
Embora não seja prerrogativa das favelas a existência do tráfico de drogas e sua
conseqüente violência, a falta de governança nessas áreas empobrecidas encorajou o
surgimento de um novo poder paralelo que desafia constantemente o poder público oficial e
espalha o terror por todo o território urbano. De fato, o comprometimento do poder público
com a cidade formal em detrimento das populações mais carentes, resultou em assentamentos
irregulares de tipologia urbano-arquitetônica característica. A alta densidade desses
assentamentos juntamente às precárias condições de vida traduziu de forma contundente o
descaso de toda a sociedade com a população mais empobrecida. Se por um lado a cidade
formal cresceu dentro de parâmetros urbanos definidos, por outro, as favelas se multiplicaram
em um estado de completa desordem impossibilitando a integração com o resto da urbe e
perpetuando o ciclo de pobreza e exclusão.
Através de indicadores sociais pode-se considerar que algumas das principais questões
que diferenciam um bairro formal de uma favela, além da questão da ilegalidade seja ela
fundiária ou edilícia, são: a falta de infra-estrutura urbana e serviços essenciais, o baixo valor
de renda da população, a alta taxa de desemprego, o alto índice de analfabetismo e o baixo
grau de escolaridade. No entanto, para que se possa entender melhor as características das
favelas e suas diferenças em relação à cidade formal, além dos índices socioeconômicos,
deve-se levar em consideração as relações sociais existentes dentro dessas comunidades, seus
símbolos e seu dinamismo, bem como a sua relação com a cidade formal.
É amplamente reconhecido – pelo menos na mídia especializada – que o agravamento
dos problemas urbanos associados à pobreza, relacionados espacialmente aqueles associados à
favelização e ao ímpeto da incorporação de novas áreas nas periferias, tem-se constituído em
importante desafio para o poder público.
A política governamental do Estado em relação às favelas mudou radicalmente na
última década do século XX – anteriormente o que se pretendia era a erradicação, hoje a
‘urbanização e regularização de favelas’3 são consideradas importantes instrumentos para
possibilitar o acesso da população de mais baixa renda à terra urbana.
3 Ação mais complexa que a regularização de loteamentos – integração de assentamentos urbanos ilegais aoconjunto da cidade legal, mediante investimentos públicos e medidas administrativas e jurídicas para promover acompatibilização da realidade física (do local), registraria (do direito de propriedade) e a administrativa (dagestão urbanística) –, pois geralmente exige investimentos públicos para urbanização e mesmo para substituiçãode habitações removidas para dar lugar às obras de urbanização.
34
O modelo econômico adotado pelo país, após a Segunda Guerra Mundial, consolidou o
poder da burguesia urbano-industrial. Com a decadência da agricultura e a forte
industrialização, intensos movimentos migratórios se formaram em direção às cidades. Os
migrantes chegavam à Capital e se instalavam nos subúrbios distantes ou nas favelas. A
distância entre o local de trabalho e o domicílio aumentou consideravelmente e a necessidade
de morar perto do local de trabalho, levando a população migrante a se instalar nos terrenos
não ocupados que escaparam da especulação imobiliária pela dificuldade, ou mesmo,
impossibilidade de construção: morros, terrenos inundáveis e de propriedade duvidosa.
Favelas se propagaram tanto em zonas industriais, como residenciais.
O poder público pouco se manifestava face ao aumento do fluxo migratório, uma vez
que o aumento da mão-de-obra de baixa remuneração era necessário para a indústria em
crescimento e os terrenos ocupados pelas favelas eram públicos ou pouco valorizados. Por
outro lado, pelo caráter populista da política governamental, entre 1945 e 1964, as favelas
passaram a ser vistas como fontes de numerosos votos.
Os anos 40 marcaram um período de mais forte proliferação de favelas no Rio de
Janeiro. Foi nesta época que o primeiro Censo oficial foi realizado. Apesar dos números deste
Censo terem sido controvertidos, ele se tornou o marco do reconhecimento oficial pelo Estado
da existência das favelas, que já faziam parte da paisagem da cidade do Rio de Janeiro.
Abaixo percebe-se o número de favelas no espaço urbano em diferentes períodos de
ocupação.
Tabela 6 - Percentual de favelas em diferentes períodos de ocupação
Fonte: IPLANRIO 1982. In: Soares, 1989.
35
Conforme quadro abaixo observa-se, ao início da década de 50, a existência de 105
favelas no Rio de Janeiro, abrigando um total de 169.305 de moradores. As favelas
concentravam-se na chamada zona suburbana (44% das favelas e 43% da população
favelada), seguida da zona sul (24% e 21% respectivamente) e da região Centro-Tijuca (com
22% e 30%). Esse recenseamento, realizado pelo IBGE em 1970, também revelou a
predominância de uma população de migrantes nas favelas cariocas: 52% eram naturais do
Estado do Rio de Janeiro (na ocasião [1960] a capital federal – a Cidade do Rio de Janeiro –
constituía o Distrito Federal), Minas Gerais, Espírito Santo e regiões do nordeste brasileiro.
Tabela 7 – Evolução do Número de Favelas em Relação aos Domicílios e Habitantes daCidade do Rio de Janeiro
ANO Nº DE FAVELAS DOMICÍLIOS HABITANTES
1950 105 44.000 169.305
1960 147 69.680 335.696
1967 230 162.741 757.696
1970 300 185.000 1.000.000
Fonte: Anuário Estatístico da Guanabara, do Censo de 1970 – IBGE. Extraído de “Metrópole de 300 Favelas”.Nunes, Guida. Ed. Petrópolis. 1976. Adaptado
Em 1950, 36% da população brasileira viviam na área urbana, enquanto 63,8% faziam
do Brasil um país predominantemente rural. Em 1991, verifica-se que este quadro inverteu-se,
drasticamente, passando o país a ter 75,2% de sua população vivendo nos grandes centros
urbanos. Esse crescimento da população urbana no Brasil foi conseqüência de vários fatores,
mas nenhum tão marcante como o êxodo rural.
Na cidade do Rio de Janeiro, como em outras áreas urbanas do país, o fluxo migratório
agravou o problema da escassez de moradias, já comprometido com a descontinuidade de
uma política urbana e habitacional voltada para população de baixa renda, problemática esta
agravada a partir da década de 40 quando assumiu proporções cada vez maiores,
permanecendo ainda hoje como tema de um debate político sem soluções concretas
legitimadas. Mesmo assim, medidas governamentais foram objeto de políticas públicas que
visavam a proibição do crescimento das favelas.
A vinda de migrantes nordestinos foi marcante para as áreas deste estudo. Eles
procuravam áreas pertencentes à União (e também da igreja). Neste sentido, a área ocupada
36
hoje pela Maré, oferecia todas as condições para este tipo de ocupação, pois se tratava, em
boa parte, de terras devolutas e terrenos da Marinha Brasileira. Na figura 6 pode-se observar a
antiga área de mangue, hoje ocupada pela Maré. Neste momento realizaremos um breve
histórico acerca das principais favelas que surgiram na área de estudo e que atualmente
formam o Complexo da Maré.
Fig. 6 – Maré na época dos manguezais/primórdios da ocupação
Fonte: http://www.cesm.org.br
Neste período a área da Leopoldina - região pertencente à área de Planejamento 03 -
que se localiza próximo a Maré, já havia se transformado em núcleo industrial e como as
terras boas do subúrbio tinham se tornado objeto da especulação imobiliária, restou para a
camada mais pobre dessa população a ocupação das áreas alagadiças no entorno da Baía da
Guanabara. E no final da década de 40 do século passado, já havia palafitas na região e, desta
forma, surgem focos de povoação onde hoje se localizam as comunidades da Baixa do
Sapateiro, Parque Maré e o Morro do Timbáu.
Fato fundamental para o surgimento e crescimento do Complexo da Maré foi a
construção, em 1946, da chamada “Variante Rio-Petrópolis” que mais tarde, se tornaria a
conhecida Avenida Brasil (Fig. 7).
37
Fig. 7 – Obra de construção da Avenida Brasil, trecho Manguinhos, 1940.
Acervo do Arquivo Geral da Cidade. In: http://www.ceasm.org.br
O projeto de construção de uma via tinha a finalidade principal de expandir a antiga
área industrial do Rio de Janeiro – e que acabou por se tornar a principal via de comunicação
entre o centro, os bairros do subúrbio e a periferia da cidade.
A Av. Brasil proporcionou o crescimento de um cinturão industrial às suas margens,
que somado ao isolamento dos terrenos na orla da Baía de Guanabara e à facilidade de acesso
a tais áreas, criou condições bastante favoráveis para o surgimento das comunidades da Maré,
pois em sua construção trabalharam muitos dos primeiros moradores destas áreas. Conforme
aponta Goulart a respeito desse crescimento de espaços favelados na Cidade do Rio de Janeiro
As comunidades da área hoje conhecida como Complexo da Maré surgiram a partir das
décadas de 30/40, sendo a mais antiga a que se originou no Morro do Timbáu, área já ocupada
desde o período colonial, por se localizar, ali, o antigo Porto de Inhaúma. Posteriormente, a
área foi ocupada por portugueses e italianos que ali estabeleceram suas chácaras e por
pescadores que fundaram uma colônia de pesca. O nome da comunidade passa a ser o da
região, que era conhecida como thybau, do tupi-guarani, "entre as águas", o que denota terem
sido os índios os primeiros habitantes do lugar. Esse local “é uma formação típica de favelas
Inicialmente, verificou-se maior incidência nos morros situados entre o centro e aparte norte da cidade, sem duvida, por causa do maior desenvolvimento dos mercadosde trabalho nesta última parte. Mas em 1933 nota-se maior proliferação de favelados,não só nos morros, como em terrenos planos – Praia do Pinto, Avenida Brasil, etc.Em arcabouços de construções abandonadas – Favela do Esqueleto – e até mesmo emimóveis velhos e condenados, onde se criam condições de moradia equivalentes àsexistentes nas favelas propriamente ditas (GOULART, 1957 p. 22).
38
em encostas mas com uma grande diferença em comparação com outras favelas de morro; o
Timbáu apresenta uma densidade habitacional extremamente baixa” (Jacques, p. 25).
A ocupação da comunidade propriamente dita se dá a partir da chegada da primeira
moradora da comunidade, D. Orosina, que num passeio de final de semana se apaixona pelo
lugar, e recolhendo a madeira que a maré trazia, demarca uma área e constrói o primeiro
barraco, com a ajuda de seu marido. Trata-se hoje de uma das mais consolidadas comunidades
do complexo, que ainda apresenta um tecido urbano irregular, labiríntico, com vários becos
sem saída e grande parte das ruas que seguem as curvas de nível do morro
(www.ceasm.og.br).
Este primeiro casal vinha do centro do Rio, onde viviam numa casa de cômodos, atrás
da Estação da Central do Brasil. A mulher tinha acabado de chegar do interior de Minas
Gerais e não conseguia viver sufocada no pequeno cômodo, "com a chuva caindo em
goteiras". Ela escolheu um ponto seco, conveniente, numa pequena elevação próxima ao mar
e levantou seu pequeno barraco com os materiais que a maré trazia de graça. Mais tarde, ela
se dedicou a plantar árvores frutíferas e uma horta e a cercar seu "território". Ela conseguiu
fazer tudo sem que qualquer pessoa a perturbasse. Mesmo assim, o casal estava bastante
assustado, percebendo que eles estavam ocupando algo, sem autorização, que não lhes
pertencia.
O 1º Regimento de Carros de Combate (RCC) instalou-se em 1947 defronte ao Morro
do Timbáu, e sob a justificativa de impedir a ocupação de terrenos que lhe pertenciam (o que
mais tarde se vai verificar não ser verdade) passou a exercer um controle sistemático sobre a
comunidade com a derrubada de barracos, o controle da entrada de moradores através da
colocação de cercas de arame farpado e a cobrança, por parte, de alguns militares de ‘taxas de
ocupação. Apesar da irregularidade e da violência dos procedimentos adotados, os militares
paradoxalmente também foram responsáveis por um tipo de controle do uso do solo urbano da
comunidade, mesmo que ainda não seja possível falar em planejamento organizado como
ressalta Jacques (2002).
Além do crescimento urbano, os militares também controlavam a arquitetura das
habitações; era proibido, por exemplo, trocar as madeiras das paredes por alvenaria e o zinco
do telhado por telhas. Tudo aquilo que pudesse ser considerado como uma construção
permanente era demolido.
A história da comunidade do Timbáu vai ser, na década de 50, marcada pela resistência
ao exército que reclamava a propriedade da área e que vai tentar impedir por todos os meios,
inclusive pela violência, a sua ocupação. Por intervenção de D. Orosina, que escreve uma
39
carta denunciando tal situação ao Presidente Getúlio Vargas, que a recebe no Palácio e lhe
responde dando garantias contra os agentes militares, a comunidade passou a crescer e se
organizar tendo, em 1954, fundado a terceira associação de favelas do Rio de Janeiro.
Apesar de se encontrar em uma área bem mais plana, o traçado urbano da Baixa do
Sapateiro (1947) é ainda mais irregular e sobretudo mais diminuto que o Morro do Timbáu.
Dois fatores relativos ao processo de ocupação dessas duas áreas adjacentes contribuíram para
que isso ocorresse: no morro, como visto anteriormente, a ocupação foi controlada e na Baixa
do Sapateiro, o fato de ter sido uma área alagadiça com grande parte de suas construções
sobre palafitas.
O nome da comunidade tem uma origem duvidosa e são três as versões correntes. A
primeira diz respeito a um morador que trabalhava como sapateiro na ocupação inicial da
área; a segunda o nome seria uma alusão à Baixa do Sapateiro, localizada em Salvador, na
Bahia, uma vez que vários nordestinos migraram para esta comunidade e a terceira versão diz
que o nome faria referência a uma planta conhecida como sapateiro, bastante presente na
vegetação de manguezais. De concreto o que se sabe é que essa comunidade surgiu em uma
parte seca, na continuidade do Morro do Timbáu. Na ocupação inicial era conhecida como a
‘Favelinha do Mangue de Bonsucesso’, e na década de 1950 começavam as primeiras
construções de palafitas que foram progressivamente invadindo os mangues e as águas da
Baía da Guanabara.
A vida cotidiana dos moradores da Baixa do Sapateiro era marcada pela precariedade e
os barracos eram construídos à noite, com materiais precários, geralmente restos de madeira e
lata, sobre as palafitas, também de madeira, de quase dois metros de altura.
Em 1957 surge a “União de Defesa e Melhoramentos do Parque Proletário da Baixa do
Sapateiro”, que somente foi registrada em 1959, sendo uma das primeiras associações de
favelas do Rio de Janeiro.
O Parque Maré (1953) foi inicialmente ocupado como uma continuação da Baixa do
Sapateiro e por esse motivo as duas comunidades têm semelhanças formais, como a
irregularidade das ruas e becos decorrente das antigas pontes que ligavam os barracos sobre
palafitas como visto na figura abaixo.
40
Fig. 8 – Palafitas da Maré na década de 70
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
No entanto, já se observam algumas ruas mais regulares surgidas como um
prolongamento das ruas existentes no tecido formal, constituindo quadras mais tradicionais e
retangulares e essa comunidade apresenta uma alta densidade demográfica que pode ser
explicada pela sua maior proximidade com a Avenida Brasil.
O Parque Maré conheceu uma grande expansão na década de 1960, quando também foi
criada sua associação de moradores para lutar pela permanência e consolidação da
comunidade. Assim como a Baixa do Sapateiro, o Parque Maré sofreu, após o Projeto Rio
(que falaremos mais adiante), um pequeno decréscimo populacional, menor que a baixa, por
causa da remoção e realocação dos moradores das palafitas.
A história do Parque Rubens Vaz inicia-se em 1951 quando surgem no local os
primeiros barracos. A área nesta época era conhecida como ‘Areal’ devido à grande
quantidade de areia espalhada no local, por ocasião da drenagem e canalização do Canal da
Portuária. Por sua localização ser as margens da Avenida Brasil, aos migrantes que chegavam
à área para fixarem residência, eram avisados de que não deveriam construir à margem da via
por que esta seria alargada, como de fato foi (nesta época a Avenida Brasil tinha apenas duas
pistas). Deste modo ninguém construiu sua habitação a menos de 40 metros da pista.
Em 1958 chega à área um advogado chamado Margarino Torres que defende a
população e seu direito de permanecer no local e nesta época, quando o número de habitações
aumenta consideravelmente, a polícia começa a fazer pressão para evitar o crescimento da
41
comunidade. Margarino torna-se então líder da população e importante personagem para a
consolidação da ocupação. O local, que até então chamava-se ‘Parque João Araújo’ (depois de
ter sido conhecido como ‘Areal’), passa a chamar-se ‘Parque Margarino Torres’, em
homenagem ao advogado. Em 1959 houve a invasão da área onde é hoje a favela Parque
União e quem lidera a invasão é o próprio advogado que abandona a localidade que leva seu
nome e em 1965 - durante o Governo Carlos Lacerda - a população da área sente a
necessidade de encontrar um nome oficial para a região e escolhem o nome de ‘Rubens Vaz’
em homenagem ao major assassinado em atentado na Rua Toneleros, em Copacabana.
O advogado Margarino Torres – o mesmo que defendeu a população e seu direito de
permanecerem na área hoje conhecida como Parque Major Rubens Vaz – ligado ao PCB e que
tinha um escritório nesta localidade, deu todas as coordenadas para a estruturação da
comunidade Parque União, em 1959, e esta localidade foi uma das áreas com um certo
‘planejamento de ocupação’, pois ele demarcou áreas para a permanência dessa população.
A comunidade Nova Holanda (1962) teve um processo de ocupação completamente
diferente ao das demais formações que vimos até o momento. Sua origem não foi de uma
invasão espontânea, como no Morro do Timbáu, Baixa do Sapateiro e Parque Maré, nem
mesmo uma invasão planejada, como no Parque União. Esta comunidade foi planejada e
construída pelo poder público na década de 60 do século passado, no Governo de Calos
Lacerda, sobre um imenso aterro localizado ao lado do Parque Maré. As dimensões do aterro
realizado impressionou tanto que influenciou até na escolha do nome da comunidade, uma
homenagem à Holanda, país europeu quase inteiramente construído abaixo do nível do mar,
sobre aterros e diques. Outra semelhança são as roldanas que podemos encontrar em algumas
casas e que indicam que as mudanças eram feitas por cabos externos, exatamente como ocorre
em cidades holandesas, principalmente Amsterdã. Acerca das características dessa
comunidade Jacques (2002 p. 39) cita que
A Nova Holanda apresenta, até hoje, em sua configuração urbana, a regularidade e aortogonalidade dos conjuntos habitacionais modernistas, racionais e cartesianos. Aarquitetura das casas seguia a mesma lógica: eram casas em série, idênticas. Mastambém não era exatamente o que pode ser chamado de conjunto habitacional, pois aNova Holanda foi projetada para ser um Centro de Habitação Provisória (CHP).Assim, desde a origem, tinha uma característica típica das favelas: a provisoriedade,que é exatamente o que leva à precariedade e à instabilidade. As casas, por seremprovisórias, foram construídas em madeira, em dois padrões básicos: unidadesindividuais simples e o modelo “vagão” ou “dúplex”, com dois pavimentos. Essamesma condição “provisória” não permitia, num primeiro momento, que fossemrealizadas melhorias pelos moradores, o que provocou uma rápida degradação dasconstruções. Mas o que era provisório virou permanente, e a Nova Holanda, apesar denão ter nascido favela, “favelizou-se” progressivamente.
42
Vale destacar qual era, na verdade, o significado de fato dos CHPs. Era um tipo centro
de habitação que foi produto da política habitacional repressiva e violenta da época da
ditadura militar e servia como local de triagem de favelados (removidos em massa pelo
governo autoritário que sistematicamente erradicava as favelas das áreas mais ricas e visíveis
da cidade, principalmente da Zona Sul) para a sua futura realocação em novos conjuntos
habitacionais a serem construídos na periferia distante. No CHP os moradores removidos
passariam por um processo de preparação para morarem em locais urbanizados, tendo noções
de higiene e educação, além de cuidados com a nova moradia. E o que era para ser transitório
acabou sendo definitivo e até hoje vivem na comunidade muitas famílias que foram para
Nova Holanda aguardar sua remoção para um novo conjunto da cidade, o que jamais chegou a
acontecer. A Fundação Leão XIII controlava tanto o processo de transferência de favelados
quanto o gerenciamento dos próprios CHPs.
Os primeiros conjuntos habitacionais construídos na Maré surgiram na década de 1980.
A Vila do João (1982) era vista como uma esperança de vida para os moradores das palafitas
que após cadastro no programa ‘Promorar’ - que será abordado de forma mais ampla mais
adiante-, receberam suas casas. A Vila do João, na época de sua inauguração, foi apelidada
pela população de “Malvinas” e de “Inferno Colorido”, sendo o primeiro nome uma alusão à
Guerra das Malvinas – entre Argentina e Inglaterra –, devido aos intensos tiroteios e, o
segundo, por causa do sortido colorido e calor das casas recém construídas, apelidos esses que
caíram no desuso (http://www.ceasm.org.br).
A Vila do Pinheiro (1983) nasce na região remanescente da Bela “Ilha do Pinheiro”, na
época de aterramento das sete ilhas onde atualmente está erguida a Universidade Federal do
Rio de Janeiro (a UFRJ), a Ilha do Pinheiro foi excluída do projeto, mas acabou sendo
anexada ao continente nos aterros promovidos pelo Projeto Rio. Na época, a ilha comportava
um centro de pesquisa com macacos da espécie Rhesus da Fundação Fiocruz e, neste período,
foi retomada pela União para fins de aterramento e construção de Unidades Habitacionais. O
que restou da ilha virou um pequeno parque ecológico. Nos terrenos da Vila dos Pinheiros foi
erguido um conjunto de prédio chamado de Conjunto Pinheiros (1989) e um outro conjunto
de casas de nome Salsa e Merengue (2000).
Em uma escala evolutiva no que tange a urbanização no espaço da Maré, pode-se
observar na figura 9 de que modo os mangues, as palafitas, as construções e aterros
particulares e as construções e aterros do poder públicos, configuram a atual paisagem do
bairro.
43
Após os esclarecimentos à cerca da visão histórica da segregação sócio espacial na
Cidade do Rio de Janeiro, desde o final do século XIX até os anos 2000, concomitantemente a
história de formação e ocupação do atual bairro Maré, passaremos a seguir, a uma tentativa de
definição conceitual do termo ‘Políticas Públicas’ para um melhor entendimento a cerca do
propósito deste trabalho.
Fig. 9 - Evolução urbana na Maré
Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A Maré em Dados: Censo 2000 - CEASM.
44
2 – Políticas Públicas na Cidade do Rio de Janeiro e seus Reflexos na
Segregação do Espaço na Maré
Neste capítulo pretende-se uma tentativa de conceituar o termo ‘política pública’, para
posteriormente, realizarmos um recorte dessas políticas implementadas na Maré. Como visto
anteriormente a segregação do espaço urbano - entendida aqui como segregação residencial -
pode ser apresentada em duas linhas de raciocínio: a conformação das áreas com alto grau de
homogeneidade social e a tendência de certos grupos sociais em concentrar-se em algumas
áreas da cidade desprovidas dos serviços básicos de infra-estrutura, como foi o caso da Maré
no início de seu adensamento populacional. De maneira geral, segregação remete a uma idéia
de afastamento ou isolamento entre diferentes grupos populacionais. Este ‘afastamento ou
isolamento’ pode assumir significados distintos, o que nos permite identificar dois tipos de
segregação: uma de cunho sociológico (que representa a ausência de interação entre os
distintos grupos populacionais) e outra de cunho geográfico (que representa a separação
espacial entre grupos populacionais diferentes). Sobre essa segregação geográfica é que
iremos abordar quando discutirmos as Políticas Públicas na Maré.
2.1 – Conceituando Políticas Públicas
De acordo com a professora de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)
Maria das Graças Rua, a política compreende um conjunto de procedimentos destinados à
resolução pacífica de conflitos em torno da alocação de bens e recursos públicos
(http://pt.wikipedia.org).
Já Guareschi, Comunello, Nardini e Hoenisch (2004, p. 96), definem política pública
como:
Em seu artigo de 2003, Sergio de Azevedo, cientista político e professor da
Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), “política pública é tudo o que um
governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas omissões”.
O conjunto de ações coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais,configurando um compromisso público que visa dar conta de determinadademanda, em diversas áreas. Expressa a transformação daquilo que é do âmbitoprivado em ações coletivas no espaço público.
45
De acordo com Frey (em trabalho realizado pelo IPEA 2000), o conceito de políticas
públicas está relacionado à idéia de ‘policy analisys’ - onde a empiria e a prática política, são
as bases de sua argumentação - que discute a noção das leis e princípios próprios das
‘políticas específicas’, onde pretende-se analisar a inter-relação entre as instituições políticas,
o processo político e os conteúdos da política somados ao arcabouço dos questionamentos
tradicionais da ciência política.
Neste sentido, esse autor, baseado nos questionamentos da ciência política e alicerçado
nas literaturas sobre a ‘policy analysis’, diferencia três dimensões da política e para ilustrá-la,
adota o emprego do conceito em inglês de ‘polity’ - para denominar as instituições políticas,
‘politics’ - para os processos políticos e, por fim, ‘policy’ para os conteúdos da política. O
autor assim caracteriza essas dimensões:
Polity, como dimensão institucional, refere-se à ordem do sistema político, delineada
pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo;
Politics, no quadro da dimensão processual, tem-se em vista o processo político,
freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos,
aos conteúdos e às decisões de distribuição;
Policy, na dimensão material, refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração
dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões
políticas.
Neste sentindo Frey (2000) analisa a prática da policy analysis da seguinte forma:
Em relação à pergunta do grau de influência das estruturas políticas (‘polity’) e dos
processos de negociação política (‘politics’) sobre o resultado material concreto (‘policy’) -
uma orientação característica da ‘policy analysis' - parte, no entender de Frey (2000), do
pressuposto de concatenações de efeitos lineares. Tal conjectura contradiz a experiência
empírica da existência de inter-relações entre as três dimensões da política, especialmente
entre as dimensões ‘policy’ e ‘politics’. Como visto, não existe consenso sobre o aspecto
conceitual do termo políticas públicas. Pois como salienta Sergio de Azevedo (2003):
As políticas públicas podem ter diversos objetivos e diferentes características eformatos institucionais. Desta forma, pode-se dizer que essas políticas têm duascaracterísticas gerais: Primeiro a busca do consenso em torno do que se pretendefazer e deixar de fazer. Assim, quanto maior for o consenso, melhores as condiçõesde aprovação e implementação das políticas propostas. Segundo, a definição denormas e o processamento de conflitos. Ou seja, as políticas públicas podem definirnormas tanto para a cão como para a resolução dos eventuais conflitos entre osdiversos indivíduos e agentes sociais.
As políticas públicas podem ter diversos objetivos e diferentes características eformatos institucionais. Desta forma, pode-se dizer que essas políticas têm duascaracterísticas gerais: Primeiro a busca do consenso em torno do que se pretendefazer e deixar de fazer. Assim, quanto maior for o consenso, melhores as condiçõesde aprovação e implementação das políticas propostas. Segundo, a definição denormas e o processamento de conflitos. Ou seja, as políticas públicas podem definirnormas tanto para ação como para a resolução dos eventuais conflitos entre osdiversos indivíduos e agentes sociais.
No que diz respeito à prática cotidiana do pesquisador ou analista de políticaspúblicas, não se deve negligenciar o fato de que as próprias circunstâncias referentesaos interesses do solicitante da pesquisa e às constelações das forças políticas, mastambém às limitações no tocante aos recursos disponíveis (tanto humanos efinanceiros quanto de tempo), costumam influenciar o processo de formulação doprojeto de pesquisa.
46
Existem diferenças entre decisões políticas e políticas públicas. Nem toda decisão
política chega a ser uma política pública. Decisão política é uma escolha dentre um leque de
alternativas, já política pública, que engloba também a decisão política, pode ser entendida
como sendo um nexo entre a teoria e a ação. Esta última está relacionada com questões de
liberdade e igualdade, ao direito à satisfação das necessidades básicas, como emprego,
educação, saúde, habitação, acesso à terra, meio ambiente, transporte etc.
Na opinião de Maria das Graças Rua (2008), existem três tipos de demandas comuns
em políticas públicas:
Demandas Novas - que correspondem àquelas que resultam do surgimento de novos
atores políticos ou novos problemas;
Demandas Recorrentes - São aquelas que expressam problemas não resolvidos ou mal
resolvidos;
Demandas Reprimidas - São aquelas constituídas sob um estado de coisas ou por não-
decisão.
Essa mesma pesquisadora elenca as cinco fases ou ciclos das políticas públicas:
De acordo com Sergio de Azevedo (2003) existem três tipos de políticas públicas:
Políticas Públicas Redistributivas, Políticas Públicas Distributivas e Políticas Públicas
Regulatórias. A seguir iremos alencá-las.
Políticas Públicas Redistributivas = Seu objetivo é redistribuir renda na forma de
recursos e/ou de financiamento de equipamento e serviços públicos. Exemplos
clássicos pode-se citar a isenção ou a diminuição do IPTU (Imposto Predial e
Territorial Urbano) para camadas sociais mais pobres da cidade, e o aumento desse
imposto para os setores de maior nível de renda que vivem em mansões ou
apartamentos de luxo. Com os recursos da cobrança do IPTU, o município passa a
financiar as políticas urbanas e sociais com o imposto pago pelos estratos de média e
alta renda, promovendo uma redistribuição de renda por meio da maior tributação dos
mais ricos e da redução dos encargos dos mais pobres, sem diminuir a arrecadação
geral. Outro exemplo seria o chamado crédito rural.
Políticas Públicas Distributivas = Seus objetivos são pontuais ou setoriais ligados à
oferta de equipamentos e serviços públicos. Em relação ao financiamento, é a
→ Formação da agenda → Formulação → Implementação → Monitoramento → Avaliação
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sociedade como um todo, através do orçamento público, quem financia sua
implementação, enquanto os beneficiários são pequenos grupos ou indivíduos de
diferentes estratos sociais. Elas atendem a demandas pontuais de grupos sociais
específicos. Como exemplo pode-se citar tanto a pavimentação e a iluminação de ruas
quanto a oferta de equipamentos para deficientes físicos (como cadeiras de rodas).
Nesse caso, esse tipo de política não é universal, pois não é garantido por lei. Por
outro lado, as políticas distributivas são de fácil implantação, porque raramente há
opositores ao atendimento dessas demandas fragmentadas, pontuais e muitas vezes
individuais. Essas políticas são majoritárias no Brasil. Outro exemplo seria a ‘reforma
agrária’.
Políticas Públicas Regulatórias = Essas políticas visam regular determinado setor, ou
seja, criar normas para o funcionamento dos serviços e a implementação de
equipamentos urbanos. Deste modo se refere à legislação e é um instrumento que
permite regular e/ou normatizar a aplicação de políticas redistributivas e distributivas,
como por exemplo a Lei de Uso do Solo e o Plano Diretor. Essas políticas têm efeitos
de longo prazo e, em geral, não trazem benefícios imediatos, já que precisam ser
implementadas, por isso, até mesmo entre o grupo dos potencialmente beneficiados,
há que enfrentar entraves adicionais para uma mobilização em sua defesa. Outro
exemplo seria a ‘política de preços’.
Este mesmo autor assinala alguns problemas relativos à implementação das políticas
públicas que devem ser considerados no planejamento e no monitoramento das mesmas:
→ Interface Entre as Políticas Setoriais: Essa interface diz respeito à inter-relação entre as
diversas políticas. Entre as dificuldades de tratar as interfaces, destacam-se a crescente
especialização do poder público e a tendência de maximização do desenho de cada um dos
órgãos do poder público. É importante criar mecanismos (institucionais, políticos e de
controle, entre outros), de modo a aumentar a cooperação e a coordenação entre as várias
políticas setoriais. Em geral a melhora de um setor (por exemplo, a saúde da população de
uma favela) pode depender mais de investimento em outra política setorial com grande
interface (por exemplo, distribuição de mais remédios contra vermes).
→ Efeitos Não Esperados: São tantas as variáveis que podem interferir na implementação de
uma determinada política pública, que é impossível prever todos os seus impactos. No
entanto, eles sempre existem e podem ser de dois tipos: positivos e/ou perversos. Não há
formas de evitar totalmente os efeitos perversos, mas podem-se diminuir os riscos, tentando
48
prever o comportamento provável dos atores que serão influenciados pelas políticas propostas
e realizando previamente os ajustes necessários.
→ Não-política: Não realizar determinada ação não representa uma neutralidade, como pode
parecer, mas um posicionamento. Assim, a não-atuação também pode provocar impactos
negativos sobre a realidade, e isso deve ser levado em consideração no planejamento e no
monitoramento e exemplo clássico disso é o município com várias fontes poluentes que não
possui nenhuma política, nem órgão público que responda pelo controle do meio ambiente.
→ Redundância: A redundância clássica e negativa ocorre quando dois ou mais órgãos
públicos atuam no mesmo programa, havendo sobreposição de ações, aumento dos gastos
com funcionários e equipamentos, sem acarretar maior benefício para o cidadão comum.
Entretanto deve ser lembrado que há determinados setores e ações públicas que exigem maior
confiabilidade e que, nesses casos, é positivo ocorrer algum grau de redundância. Por
exemplo, o fato de haver uma escola de Ensino Fundamental Estadual em um bairro popular
altamente povoado não deve eximir o Governo Municipal de atuar nessa área.
→ Opções Trágicas: Diante da escassez de recursos, qualquer governo se depara com a
necessidade de fazer opções, escolher prioridades. Em boa parte das vezes elas se revelam
verdadeiras opções trágicas, como por exemplo, a escolha de investir em uma (ou algumas)
favela(s), em uma (ou algumas) área(s) pobre(s), quando as carências e necessidades são
muitas. No entanto, é possível optar de forma mais participativa ou centralizada, aumentando
ou diminuindo a legitimidade dessas decisões.
→ Tragédia dos Comuns: A maximização dos interesses individuais pode gerar situações de
perda para todos (tragédias coletivas). Um exemplo: se a grande parte dos moradores da
cidade do São Paulo decidirem comprar um segundo carro como forma de não serem
penalizados pelo rodízio de placas, o trânsito tenderá a médio e longo prazo a se tornar pior
para todos. Desta forma, a implementação de determinadas políticas deve ser acompanhada
tanto de campanhas públicas de persuasão como de penalidades progressivas aos infratores,
para garantir a adesão dos cidadãos aos objetivos planejados.
Assim sendo, e em face de um determinado problema, não existe apenas uma solução
em termos de políticas públicas, há uma gama variada de alternativas relativamente boas,
ruins e/ou razoáveis, e desta forma, é preciso avaliar com profundidade os efeitos de cada uma
das escolhas.
Desta forma é mister lembrar que é de suma importância que a mobilização e a
participação da população são um desafio que depende de vários fatores, entre os quais, a
cultura cívica. Os Conselhos Municipais são muito importantes na elaboração e na
49
deliberação de diretrizes e políticas que controlam e impõem limites aos governos. Eles
constituem uma importante forma de controle social.
Após esses entendimentos em relação às definições de ‘políticas públicas’, passaremos
a abordar, no próximo sub-capítulo, de que forma essas políticas agem tanto na Cidade do Rio
de Janeiro como na Maré - pontualmente falando - e de que forma seus reflexos constroem a
segregação no espaço do bairro.
2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço na Maré
Neste momento iremos abordar as principais intervenções em termos de políticas
públicas implementadas na cidade do Rio de Janeiro que, concomitantemente,
desenvolveram-se na área da Maré ao longo do último século.
O primeiro ‘Plano Urbanístico’ para a Cidade do Rio de Janeiro data de 1875, um
pouco anterior à Proclamação da República, visando remodelar, embelezar e melhorar as
condições de saneamento da cidade, incluindo a vacinação obrigatória contra a ‘Febre
Amarela’ - e que voltará mais definido na forma da ‘Reforma Passos’. Com o fim do período
colonial, a cidade pretendia se modernizar e ingressar na economia internacional, atraindo
investimentos externos (http://www2.rio.rj.gov.br/smu). O rascunho desse ‘primeiro’ plano
urbanístico foi realizada em pleno II Reinado, pela ‘Comissão de Melhoramentos da Cidade’
e nomeada pelo Imperador em 27/05/1874. Esta Comissão foi encarregada de criar a Carta
Cadastral. Neste instante a Cidade do Rio de Janeiro era a mais desenvolvida do país, devido
ao sucesso da lavoura do café e um dos seus idealizadores foi o engenheiro Francisco Pereira
Passos.
No Rio de Janeiro, assim como na Europa, os primeiros interessados em esmiuçar a
cena urbana e seus personagens populares voltaram sua atenção para o cortiço4, considerado
no século XIX como o locus da pobreza, espaço onde residiam alguns trabalhadores e se
concentravam, em grande número, vadios e malandros, a chamada “classe perigosa”.
Um dos primeiros autores a utilizar esse termo foi Aluisio Azevedo em sua célebre
obra “O Cortiço” de 1890. Em uma passagem ele cita que seu personagem, João Romão, um
homem ambicioso e que começa a fazer fortuna quando recebe uma pequena herança de seu
antigo patrão e, para conseguir tal fortuna, se vale de todos os meios, até mesmo a roubar
4 Aglomerado de casas que serve de habitação coletiva para a população de baixa renda e conhecida, também,como ‘Cabeça-de-Porco’. Surge a partir de uma estalagem anti-higiêncica que havia na Cidade do Rio de Janeiroe que, a muito custo, foi demolida pelo então prefeito Barata Ribeiro em 1893 (http://pt.wikipedia.org).
50
material de construção dos moradores da redondeza para fazer seu cortiço, “com casinhas e
tinas para lavadeiras” (2004, p. 247).
Caracterizado como verdadeiro “inferno social”, o cortiço era tido como antro não
apenas da vagabundagem e do crime, mas também das epidemias, constituindo uma ameaça
às ordens moral e social. E na visão de Valladares, em seu artigo de 2000, os cortiços eram
assim percebidos;
Os estudiosos do cortiço no Rio de Janeiro mostram que essa forma habitacional
correspondeu à “semente da favela”. Seja por já se notar no interior do famoso “Cabeça de
Porco” a presença de casebres e barracões (VAZ, 1994), seja por ter havido uma relação
direta entre o “bota abaixo” do centro da cidade e a ocupação ilegal dos morros no início do
século XX.
Somente após ferrenha campanha contra o cortiço as atenções começam a se voltar para
esse novo espaço geográfico e social que vai despontando, gradativamente, como o mais
recente território da pobreza. Em especial, uma favela5 cataliza as atenções, mais
precisamente o morro da Favella, que entrou para a história por sua associação com a guerra
de Canudos, por abrigar ex-combatentes que ali se instalaram para pressionar o Ministério da
Guerra a lhes pagar os soldos devidos. O morro da Favella, atual morro da Providência, passa
a emprestar seu nome aos aglomerados de casebres sem traçado, arruamento ou acesso aos
serviços públicos, construídos em terrenos públicos ou de terceiros, que começam a se
multiplicar no centro e nas zonas sul e norte da cidade do Rio de Janeiro.
Em relação a essa dicotomia entre os termos favela e morro muito empregada pelos
estudiosos do tema, Valladares (2005 p. 33) cita que
5 Em Canudos (BA) havia uma encosta chamada de Morro da Favela que também é uma planta típica da caatinganordestina (Cnidoscolus phyllacanthus) e que apresenta extraordinária resistência à seca, apresenta espinhos epode ser usada para alimentação animal e humana. O estudo sobre essa planta iniciou-se em 1937 pelo botânicoPhylipp Von Lutzelburg (http://www.arara.fr/BBFAVELA.html).
como o espaço, por excelência, do contágio das doenças e do vício, sua denúncia econdenação pelo discurso médico-higienista foram seguidas por medidasadministrativas: primeiro, uma legislação proibindo a construção de novos cortiçosno Rio; em seguida, uma verdadeira “guerra” que resultou na destruição do maiorde todos, o “Cabeça de Porco”; e finalmente, a grande reforma urbana do prefeitoPereira Passos, entre 1902 e 1906, que se propunha a sanear e civilizar a cidadeacabando com as habitações anti-sanitárias.
No Rio existe uma associação entre os termos ‘favela’ e ‘morro’ desde o início doséculo XX, época do surgimento das primeiras favelas. As duas denominações sãoportanto utilizadas como sinônimos há muito tempo. Na literatura e em textos desamba dos anos 1928/1994, a favela é morro, no sentido geográfico. Já no sentidometafórico, ela aparece como um bastião, da mesma forma que canudos.
51
De acordo com Valladares (2000) a visão do então Ministro da Justiça e Negócios
Interiores Drº J.J. Seabra denunciava as formas precárias de habitação e o tipo de habitantes
que se alocavam nessas áreas:
Em 1890, para uma população de 522.651 habitantes, cerca de 130 mil moravam em
cortiços e estalagens (www.opandeiro.net). Neste momento, 1893, após ordem do prefeito
Barata Ribeiro ocorre a demolição do cortiço ‘Cabeça de Porco’ que contabilizava uma
população controversa entre 400-4000 habitantes. A demolição do mais famoso cortiço
ocorreu de forma truculenta em uma verdadeira operação de guerra conforme aponta
Chalhoub (1996 p. 15-16)
Neste sentido podemos afirmar que essa seria a primeira medida no que tange às
políticas públicas na cidade do Rio de Janeiro: o processo de ‘erradicação dos cortiços’ - e,
conseqüentemente, das favelas.
De acordo com Valéria Grace Costa em artigo de 1996 “ a favela6, embora existente na
cidade desde 1897, somente a partir de 1930 passa a se constituir na principal alternativa
6 De acordo com a Fundação Leão XIII sua definição seria: “aglomerado de habitações, não possuindosaneamento básico necessário a seus moradores, energia elétrica corretamente instalada e água ligada à redegeral; as construções são desordenadas e os acessos feitos por becos e servidões maltraçados; o terreno não épróprio, podendo pertencer ao estado ou a particulares e ocupados através de processo de invasão” (Costa, 1996).
Era o dia 26 de janeiro de 1893, por volta das seis horas da tarde, quando muitagente começou a se aglomerar diante da estalagem da rua Barão de São Félix, nº154. Tratava-se da entrada principal do Cabeça de Porco, o mais célebre cortiçocarioca do período: um grande portal, em arcada, ornamentado com a figura de umacabeça de porco, tinha atrás de si um corredor central e duas longas alas com maisde uma centena de casinhas.Seja como for, o que se anunciava na ocasião era um verdadeiro combate. Três diasantes os proprietários do cortiço haviam recebido uma intimação da IntendênciaMunicipal para que providenciassem o despejo dos moradores, seguido dademolição imediata de todas as casinhas. A intimação não fora obedecida, e oprefeito Barata Ribeiro prometia dar cabo do cortiço à força. Às sete horas e trintaminutos da noite, uma tropa do primeiro batalhão de infantaria, comandada pelotenente Santiago, invadiu a estalagem, proibindo o ingresso e a saída de qualquerpessoa... Consumado o cerco policial à estalagem, e posicionados os técnicos eautoridades, surgiram mais de cem trabalhadores da Intendência Municipal,adequadamente armados com picaretas e machados.
Para alli vão os mais pobres, os mais necessitados, aqueles que, pagando duramentealguns palmos de terreno, adquirem o direito de escavar as encostas do morro efincar com quatro moirões os quatro pilares do seu palacete. Os casebres espalham-se por todo o morro; mais unidos na base, espaçam-se em se subindo pela rua (!) daIgreja ou pela rua (!) do Mirante, euphemismos pelos quaes se dão a conhecer unscaminhos estreitos e sinuosos que dão difícil accesso à chapada do morro.[...] Allinão moram apenas os desordeiros e os facinoras como a legenda (que já tem aFavella) espalhou; alli moram também operários laboriosos que a falta ou a carestiados comodos atira para esses logares altos, onde se gosa de uma barateza relativa ede uma suave viração que sopra continuamente, dulcificando a rudeza da habitação.
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habitacional para os migrantes e parcela da população, substituindo as outras formas
predominantes, até então, como os cortiços, vilas operárias e casa de cômodos”.
No início do século XX o então prefeito Pereira Passos (1902-1906) - sob a ordem do
Presidente Rodrigues Alves - realiza uma intensa mobilização contra as favelas: o chamado
‘Bota-abaixo’, demolição de habitações anti-higiênicas no Centro da cidade para a construção
da Avenida Central - atual Avenida Rio Branco e construção de Vilas Populares (como no
bairro do Estácio, por exemplo) para alojar parte dessa população afetada. Dentro deste ideal
de modernidade, a demolição dos morros do Castelo, Senado e Santo Antônio seria o ponto
inicial para o reordenamento do centro da cidade, superando a dualidade entre tradição e
modernização. O discurso cientificista veio conferir legitimidade à sanitaristas e arquitetos
identificados com o ideal de ‘limpeza urbana’. Em relação ao ‘Bota-abaixo’, Lobo (1989) cita
com clareza a autoridade que tinha naquele momento Pereira Passos;
Em 1904, Pereira Passos institui na Prefeitura do Distrito Federal (PDF) os projetos de
alinhamento (PAs), que regulamentam obras públicas como alargamento e abertura de vias,
melhorias no sistema viário, urbanização de logradouros e saneamento (REIS, 1977). Esses
projetos são preparados, aprovados por decreto e executados pela própria Prefeitura, e irão
constituir importantes instrumentos para as intervenções projetadas e para o fortalecimento do
poder público como indutor da expansão da cidade, em substituição ao planejamento em geral
(REZENDE, 2002).
A partir dos anos 20, do século passado, com o processo de industrialização do país, o
Rio de janeiro, então capital da república, passa a sofrer grandes transformações em seu
espaço urbano. A atividade industrial tende a concentrar-se nos centros urbanos e os
empregos criados pelas fábricas estimulam o deslocamento das populações rurais para a
cidade. Em 1927, a convite do então prefeito Antonio Prado Junior, o engenheiro francês
Alfred Agache desembarca na cidade e cria o chamado ‘Plano Agache’- empreendida pelo
Drº João Augusto de Mattos Pimenta do Rotary Club do Rio de Janeiro entre 1926-1927 que
antes realizou a campanha ‘lepra da esthetica’ contra as favelas - que foi um plano de
extensão, remodelação e, principalmente, embelezamento da cidade.
Este plano criava diversas regras para as edificações e para a ocupação ordenada dos
espaços, separando áreas para moradias, comércios ou indústrias. Neste instante da história
A lei de 29/12/1902 dá carta branca ao novo prefeito Pereira Passos pararemodelar a cidade, e a Lei de Março de 1904 autoriza Oswaldo Cruz, nomeadoDiretor Geral da Saúde Pública, a invadir, vistoriar, fiscalizar e demolir casas econstruções, que conta com o apoio do Ministro da Viação, Indústria e ObrasPúblicas, Lauro Muller (p. 73).
53
da cidade, as favelas já são reconhecidas, notadamente, pelo poder municipal. Como afirma
Pechman no artigo de Valladares (2000):
Neste mesmo ano (1920) o Governo Federal realiza o primeiro Censo das Favelas onde
são contabilizados os seguintes números de acordo com a tabela 8:
Tabela 8 - Censo das Favelas de 1920Localidade Número de Casas
Morro da Favella (atual Morro da Providência) 830Salgueiro 190Arrelia 06Cantagalo 16Babilônia 59São José 63Morro do Castelo 63Morro de Santo Antônio 63TOTAL 1290
Fonte: http://www.opandeiro.net Adaptado.
Em 1937 é criado o ‘Código de Obras’ através do Decreto 6.000 de 01/07/1937 pela
prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e sua intenção era regular as construções. Previa a
construção de ‘casas proletárias’ no artigo 346 e, no artigo 347, a eliminação das favelas,
substituídas por ‘núcleos de habitação de tipo mínimo’. O artigo 348 proibia a formação ou
construção de cortiços ou estalagens e o artigo 349 trazia as seguintes determinações:
Em Novembro de 1940 é elaborado pelo Drº Victor Moura e entregue ao Secretário
Geral de Saúde e Assistência do Governo Federal o esboço de um novo plano para o estudo e
solução do problema das favelas no Rio de Janeiro - consta ainda neste ano o segundo censo
Ao longo da década de 20 uma nova concepção urbanística começa a ganharexpressão diante da mera ação pontual higienista e/ou de embelezamento. Osproblemas urbanos — moradia, saneamento, circulação — vão cedendo lugar a umaconcepção mais sistêmica de cidade, que emerge como objeto de uma nova disciplinacientífica: o urbanismo.
Art. 349 — A formação de favelas, isto é, de conglomerados de dois ou mais casebresregularmente dispostos ou em desordem, construídos com materiais improvisados eem desacôrdo com as disposições deste decreto, não será absolutamente permitida.# 1º Nas favelas existentes é absolutamente proibido levantar ou construir novoscasebres, executar qualquer obra nos que existem ou fazer qualquer construção.# 2 ºA Prefeitura providenciará por intermédio das Delegacias Fiscais, da Diretoria deEngenharia e por todos os meios ao seu alcance para impedir a formação de novasfavelas ou para a ampliação e execução de qualquer obra nas existentes, mandandoproceder sumàriamente à demolição dos novos casebres, daqueles em que forrealizada qualquer obra e de qualquer construção que seja feita nas favelas. [...]# 8º A construção ou armação de casebres destinados a habitação, nos terrenos, pátiosou quintais dos prédios, fica sujeita às disposições deste artigo.# 9º A Prefeitura providenciará como estabelece o Título IV do Capítulo XIV destedecreto a extinção das favelas e a formação, para substituí-las, de núcleos dehabitação de tipo mínimo. [...]
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realizado pelo Governo Federal que, diferentemente do primeiro, contabilizou os casebres
(casas que não são de alvenaria) somando 63.317 no Distrito Federal. No início de 1941 é
criada uma comissão encarregada do estudo dos problemas de higienização das favelas. Em
julho deste mesmo ano, por ordem do Governo Federal, os Institutos de Aposentadorias e
Pensões, que já construíam casas populares, entram em entendimento com a Prefeitura do
Distrito Federal para a construção de casas destinadas aos favelados. E finalmente, em 1942
na gestão do Prefeito Henrique Dodsworth, é criado o ‘Programa de Parques Proletários’ - o
primeiro foi erguido na Rua Marquês de São Vicente na Gávea.
A partir de 1940 a Prefeitura do então Distrito Federal intensifica um Programa de
Erradicação de Favelas, criando os ‘Parques Proletários Provisórios’ numa visão autocrática
de ‘reeducar, reajustar e recuperar o morador, integrando-o novamente na sociedade como
elemento mais útil e produtivo.
Nesse momento, na Maré, nasciam as primeiras favelas7. Enquanto a comunidade do
Timbáu apresentou um lento crescimento, permanecendo na década de 40 com poucos
habitantes, surgia ao final deste período (1947), a primeira grande concentração humana que
foi a Baixa do Sapateiro que na época, teve sua formação a partir de um pequeno grupo de
barracos construídos sobre palafitas8 (ver figura 9). Não há consenso sobre a origem do nome
como visto anteriormente.
Fig. 10 - Vista parcial da favela Baixa do Sapateiro em 1950/1960
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
7 “A favela é uma unidade sócio-geográfica facilmente observável, possuindo todas as formas de organizaçãocomo características de localidades A favela tem uma ecologia, ou seja, uma distribuição social de atividadesatravés do território da favela conforme a topografia, solos e outras condições geográficas” (LEEDS & LEEDS,1978, p. 43).8 De acordo com o Dicionário Aurélio significa ‘habitação em terreno alagado, construída sobre estacas’.
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A ocupação por moradias, inicialmente, ocorreu a partir dos limites do “loteamento de
Bonsucesso”, onde ainda se podem notar muitas casas do início do século XX. Nessa época se
tem notícias dos primeiros barracos:
Estes artigos publicados em diferentes jornais da cidade dão notícia, já em 1947, da
existência de uma ocupação com grande número de barracos, no final da Rua Jerusalém, hoje
principal acesso à comunidade da Baixa do Sapateiro e dessa forma, pode-se dizer que a
localidade é uma das mais antigas comunidades da Maré.
Em 08/02/1947 a Arquidiocese da cidade do Rio de Janeiro e a Prefeitura do Distrito
Federal criam a Fundação Leão XIII com o objetivo de ‘prestar assistência material e moral à
população residente em comunidades carentes - escolas, ambulatórios, creches, maternidades,
cozinhas e vilas populares - dentro de uma perspectiva ‘cristã’ visando conhecer a favela,
tratar as famílias e extinguir as mesmas. Neste momento a prefeitura do Rio de Janeiro com o
intuito de extinguir as favelas pede ao IBGE a realização do primeiro Censo Geral de Favelas
na gestão do prefeito-general Ângelo Mendes de Moraes.
A partir deste momento, o discurso democrata deu incentivo e legitimidade para a
formação de Comissões de Moradores nas favelas que apresentavam algum grau de
organização interna com apoio do Partido Comunista, de estudantes e de intelectuais,
enfraquecendo a postura remocionista de então.
Neste instante a questão social e urbana passou novamente para o primeiro plano, de
um lado como assunto técnico envolvido nas pressões para o desenvolvimento da cidade, de
outro como uma questão política e social com as propostas e tentativas de intervenção na crise
habitacional que girava em torno da Lei do Inquilinato e de suas conseqüências, tendo como
uma das principais expressões o crescimento explosivo das favelas da cidade.
Iniciado nas últimas semanas de 1947 e terminado em fins de março de 1948, o censo
foi executado pelo Departamento de Geografia e Estatística da Prefeitura do Distrito Federal e
publicado em 1949. A princípio foram identificados 119 núcleos, com uma população de
283.390 moradores (que representava 14% da população do Distrito Federal). Tal estimativa
Há dois anos moradores iniciaram a construção de barracões nos terrenos da Marinhaà margem da Avenida Brasil em Bonsucesso. Os terrenos formavam um charco que, àmedida que iam levantando as casas, iam aterrando. Se localizam ali hoje cerca de800 barracos. Já havia na parte alta da Rua Jerusalém outro grupo de residências. APrefeitura mandou destruir tudo (Jornal ‘A Noite’, 24/11/1947).Cerca de 2000 pessoas ficarão desabrigadas (...) Prefeitura ameaça demolir 800barracões. Há quase dois anos construídos por operários, em terrenos existentes nolugar denominado ‘Favelinha do Mangue de Bonsucesso’, no fim da Rua NovaJerusalém – Comissão faz veemente apelo ao prefeito Ângelo Mendes de Moraes(Jornal ‘O Globo’, 26/11/1947).
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já assinalava uma considerável redução das cifras — entre 400 mil e 600 mil favelados — que
apareciam na imprensa carioca. No decorrer dos trabalhos o número de favelas reduziu-se de
119 para 105 e a população encontrada diminuiu para 138.837 habitantes, dos quais 68.953 do
sexo masculino e 69.884 do sexo feminino. O levantamento predial realizado juntamente com
o censo da Prefeitura acusou a existência de 34.567 habitações para os 138.837 favelados, o
que corresponde à média de 4,01 pessoas por prédio (VALADARES, 2000).
A partir de 1950, a Igreja Católica movida pela ameaça comunista alia-se ao Estado
oferecendo-se como agente de cristianização dos pobres e assumindo responsabilidade pela
assistência social. Além da criação da Fundação Leão XIII, surge a Cruzada São Sebastião
(29/09/1955 tendo como secretário-geral Dom Hélder Câmara) que nasce com uma missão
mais voltada para o controle político, ampliando a infra-estrutura e a urbanização das favelas;
sua atuação mais marcante foi a construção do conjunto habitacional Cruzada (como mais
tarde ficou conhecido), no Leblon, que foi o primeiro exemplo de remoção para a
proximidade da área onde se encontrava a favela a ser demolida.
Em março de 1952 é criado pela prefeitura o Serviço de Recuperação das Favelas —
SERFA. De fato, as mobilizações sociais contrárias às remoções promovidas pelo estado
fizeram com que a atuação católica ganhasse maior relevância. Um exemplo que ilustra este
momento é quando, em 1956, a Prefeitura cria o Serviço Especial de Recuperação das Favelas
e Habitações Anti-Higiênicas – SERFHA – e atrela sua atuação aos projetos eclesiásticos.
Neste mesmo ano foi promulgada a Lei nº 2874 conhecida como a ‘Lei das Favelas’, onde
proibia toda e qualquer expulsão de favelados de seus barracos por dois anos e concedia
créditos para a construção de casas populares.
Na administração do prefeito Negrão de Lima, em 1957, são criados a Superintendência
de Urbanização e Saneamento (Sursan) e o Fundo Especial de Obras Públicas, e é definido
um plano de realizações em que são reunidas e executadas obras projetadas de túneis, vias e
elevados, como a avenida Perimetral. Mais um vez, unem-se o poder de decisão e os recursos
necessários, gerando a necessidade de preparação de um plano de conjunto, a exemplo da
Reforma Pereira Passos e das obras da administração Henrique Dodsworth.
Ainda em 1957 ocorre o primeiro Congresso dos Favelados do Rio de Janeiro e mais
tarde tomou corpo a Coligação dos Trabalhadores Favelados do Distrito Federal com o
objetivo de lutar por melhores condições de vida para os moradores das favelas através do
desenvolvimento de um trabalho comunitário. Pouco tempo depois, Carlos Lacerda (1960-
1965) redefine a atuação do SERFHA desvinculando-o da Igreja Católica e dá início à
Operação Mutirão a fim de proporcionar uma cooperação entre o estado e as favelas. Ainda
57
neste momento, a Companhia de Habitação – COHAB –, criada em 1962, contava com
significativas verbas públicas para construir conjuntos habitacionais a baixo custo. Nasce o
Programa de Remoção das Favelas.
Valladares (1978) enxergava assim a atuação da COHAB naquela época:
Em 1960 a capital do país é transferida para Brasília e o Rio de Janeiro perde muitas de
suas principais funções, ligadas à administração pública. Para que a cidade possa se adaptar à
sua nova condição e então receber mais recursos financeiros, é transformada em Estado da
Guanabara. Neste período cresce também a indústria automobilística e o carro passa a ser um
bem acessível e grande parte da população. Em pouco tempo a cidade vê suas vias saturadas,
tanto pelo aumento do número de veículos, como também pela concentração da população
que passava cada vez mais a morar em prédios de apartamentos e a trabalhar em edifícios
comerciais. Para planejar o crescimento da cidade dentro desta nova realidade foi realizado o
‘Plano Doxiadis’ - A mando do Governador Carlos Lacerda ao escritório grego Doxiadis
Associates -, que já não se preocupava tanto com o embelezamento, mas com o
funcionamento e com as necessidades futuras em termos de circulação, habitação, trabalho e
lazer. A idéia era destinada às formulações das linhas mestras do urbanismo da Cidade do Rio
de Janeiro, preparando-a para o crescimento esperado até o século XXI
(http://www.rio.rj.gov.br).
E neste instante na Maré surgia a comunidade Nova Holanda (1962) que foi concebida
como um Centro de Habitação Provisória (CHP) que funcionaria como um local de triagem,
dentro da política de remoções do governo, que visava muito mais retirar núcleos favelados de
áreas nobres da cidade, do que resolver o problema habitacional. A tarefa de controlar o
processo de transferência dos moradores de favelas a serem erradicadas ficou a cargo da
Fundação Leão XIII, que foi incorporada à Secretaria de Serviço Social da Prefeitura da
Cidade do Rio de Janeiro.
Em 1963 com o apoio de 100 associações registradas em cartório é criada a FAFEG –
Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara. Mesmo com a criação da
FAFEG, a tendência de cooptação estatal das lideranças dos favelados manteve-se como
prática do governo. Esta postura tinha como resultante o fato de que tais grupos se tornavam
Tendo sido criada como agência habitacional, o que é até hoje, a COHAB tinhaoutros objetivos quando do acordo assinado entre o Estado da Guanabara e aUSAID (‘acordo do trigo’). Este acordo destinava uma verba de três milhões dedólares para “(...) a urbanização parcial de algumas favelas, a urbanização total deuma grande favela e a construção de 2.250 habitações de baixo custo”. Caberia àCOHAB, de certa forma, o melhoramento e a urbanização das favelas da cidade,objetivo que nunca logrou realizar (p. 24).
58
representantes do Estado em suas áreas e, assim, não cumpriam sua função fundamental de
pressionar a administração pública para atender à demanda das favelas por melhorias.
Em 1964 é criada a Cedug, Comissão Executiva de Desenvolvimento Urbano do Estado
da Guanabara, constituída por técnicos brasileiros responsáveis pela coleta de material, sua
interpretação e conclusões, enquanto uma equipe grega responsável pela elaboração do plano
- o Doxiadis que veremos mais adiante - trabalha em Atenas.
Em agosto desse mesmo ano, após o ‘Golpe Militar’, foram instituída a ‘Política
Nacional de Habitação’ com a criação do Banco Nacional de Habitação e o Serviço Federal
de Habitação e Urbanismo (Serfau). Neste instante é implantada a base de um embrionário
sistema de financiamento, coordenado pelo BNH (como agenciador central) e integrado por
órgãos estatais e de economia mista, fundações, cooperativas mútuas e outras formas de
associação para construção e aquisição de moradias e nesta fase inicial a política nacional de
habitação contava com uma base extremamente limitada e fragmentada.
Esta postura começa a dar indícios de alteração em 1966, ano de criação da Companhia
de Desenvolvimento de Comunidades – CODESCO. Demonstrando um reconhecimento dos
direitos da população favelada e de baixa renda, a direção da CODESCO procura alternativas
visando integrá-las à cidade formal. Tendo como diferencial a filosofia de manutenção dos
favelados no seu lugar de origem e ressaltando a importância da regulamentação da posse da
terra, o programa desenvolvido pela CODESCO partia do desenho dos próprios moradores
para, posteriormente, os arquitetos redesenharem as plantas das casas.
Já em 1968 é criada pelo Governo Estadual por decreto federal a CHISAM9 que tinha
como finalidade o processo de remoção das favelas visando a reabilitação social, moral,
econômica e sanitária da família favelada. Com o aumento do número de habitantes nas
favelas do Rio de Janeiro, as associações de moradores se mobilizavam – tanto no nível
interno, quanto no nível de suas articulações externas, com grupos de apoio tais como a igreja,
através da Pastoral das Favelas e a Federação das Associações de Favelas (antiga FAFEG e
atual FAFERJ).
Neste momento percebe-se que está se configurando uma mudança de enfoque onde se
destacam dois paradigmas de urbanização distintos, então em voga: o francês, que via a
cidade como sinônimo de caos e desordem, implicando numa ruptura com o passado; e o
inglês que prevê a modernização englobando o passado e o futuro, sem rupturas. Como
analisa Correia em artigo de 2008 à respeito da atuação da CODESCO e da CHISAM:
9 A Coordenadoria da Habitação de Interesse Social na Área Metropolitana do Rio de Janeiro existiu até 1973 eremoveu cerca de 53 favelas e aproximadamente 100.000 pessoas (http://www.opandeiro.net).
59
Em 1969 é criada na Maré a CODEFAM (Comissão de Defesa das Favelas da Maré)
que conseguiu criar um espaço de participação na elaboração definitiva do “Projeto Rio” -
projeto esse que veio a beneficiar os moradores da maré na década de 80 e que será abordado
mais adiante. E esse foi um órgão fundamental na luta dos favelados pela posse definitiva de
seu barraco na Maré.
Nesta época de trabalho da CHISAM (1968-1973) se assistiu à maior operação anti-
favela que a cidade jamais tinha conhecido. Os órgãos governamentais então envolvidos eram
o BNH (1967) – Banco Nacional de Habitação, como financiador –, a própria CHISAM,
como coordenadora do programa de remoção, a COHAB-GB – Companhia de Habitação
Popular, como construtora e comercializadora das unidades habitacionais e a Secretaria de
Serviços Sociais, como responsável pela ação social junto às populações atingidas. Com o fim
da CHISAM o órgão que ficou encarregado de dirigir as esporádicas remoções que
continuavam a ocorrer foi a Fundação Leão XIII, como visto anteriormente. A COHAB-GB e
a Secretaria de Serviço Social desapareceram com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio
de Janeiro e foram substituídas respectivamente pela CEHAB-RJ e pela Coordenadoria do
Bem-Estar Social. E como cita Pereira dos Santos (2005); “Enquanto a COHAB-GB,
organismo estadual, desenvolvia sua ação no sentido da remoção das favelas, a administração
de Negrão de Lima criava, em 1968, a CODESCO que tinha um sentido voltado à
urbanização das favelas.”
O remocionismo enfrenta forte reação social de moradores, estudantes e intelectuais
empenhados na tentativa de iniciar um processo democrático de urbanização. Essas reações
aumentam sobremaneira os custos das remoções, tornando-se um dos principais motivos de
seu abandono. De fato, houve uma reformulação do planejamento urbano estratégico no final
da década de 1970 como uma tentativa de afastar os métodos autoritários e homogeneizantes
em voga; nesse sentido, a cidade do Rio de Janeiro foi a primeira metrópole que procurou
adotar mecanismos participativos em sua administração.
Especificamente, pode-se estabelecer relações entre CODESCO e CHISAM nostermos seguintes: enquanto a CODESCO defendia a capacidade organizativa eparticipativa dos moradores das favelas, a CHISAM reconhecia as favelas como umespaço urbano deformado, habitado por uma população à margem da sociedade quenão tem acesso aos benefícios oriundos dos bens e serviços públicos porque não pagaos impostos. A vitória coube à CHISAM e o “asfalto” passa a ser identificado com omundo da ordem enquanto a “favela” com o mundo da desordem. Este novo olhar,preconizado pela CHISAM, é ainda mais dramático se percebermos que tem comopano de fundo a percepção de que agora as soluções são advindas somente do poderpúblico, e que a participação popular é identificada como um instrumentodesnecessário, no sentido em que retrata a desordem e o caos.
60
A partir da fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro (1975) a cidade passa a
ser capital do novo estado. Em 1977 o poder público se vê diante da necessidade de elaborar
um novo plano - o Plano Urbanístico Básico (PUB-RIO) através do Decreto Municipal nº
1269 de 27/10/1977 - que dividia o território municipal em cinco Áreas de Planejamento (a
Maré está inserida na AP 03), instituía os Projetos de Estruturação Urbana (PEU) para o
planejamento local, respeitando as características dos diferentes bairros e criava políticas
setoriais para o desenvolvimento econômico e social (http://www2.rio.rj.gov.br/smu).
Esse período marca, também, a primeira grande intervenção do Governo Federal na
área da Maré: o “Projeto Rio”, que previa o aterro das regiões alagadas e a transferência dos
moradores das palafitas para construções pré-fabricadas. São hoje as comunidades da Vila do
João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto Esperança, localizados próximo ao
“Parque Ecológico da Ilha do Pinheiro”, antigo centro de pesquisas da atual Fiocruz, na Maré.
Dos projetos que antecederam ao “Projeto Rio”, o mais ambicioso foi aquele elaborado
no final do primeiro mandato do Governador Chagas Freitas (1971-1974) onde a área ocupada
pelas favelas na Maré foi declarada “non aedificandi”, como forma de conter o avanço das
favelas sobre aterros clandestinos.
E, em 08/06/1979, o próprio ministro anuncia o mais audacioso projeto com a
finalidade de sanear a orla da Baía de Guanabara e que na verdade, se baseava nos projetos
anteriores apresentados pelo Governo Chagas Freitas que não foram implementados. Neste
instante a cidade do Rio de Janeiro transforma-se em um laboratório de políticas urbanas.
O “Projeto Rio” previa uma intervenção desde a Ponta do Caju, até os rios Sarapuí e
Meriti, em Duque de Caxias, num trecho de 27 quilômetros, e apresentava como objetivos
centrais a criação de espaços para abrigar populações de baixa renda e criação de condições
para ambientação ecológica e paisagística do trecho mais poluído da Baía de Guanabara. A
execução do projeto coube ao Banco Nacional de Habitação (BNH), como órgão financiador,
e ao Departamento Nacional de Obras e Saneamento, incumbido de fazer os aterros e
macrodrenagem. À FUNDREM, órgão estadual, coube o encargo das pesquisas de
levantamento cadastral.
Segundo o levantamento inicial, um terço dos habitantes da área da Maré morava em
palafitas, sendo o conjunto formado, até então, por seis favelas: Timbáu, Baixa do Sapateiro,
Em maio de 1979, no momento em que Freitas exercia o seu segundo mandato (1979-82), o projeto foi novamente apresentado, cedendo lugar ao Projeto Rio anunciado ummês depois, e por este motivo e pelas semelhanças entre ambos os projetos, oGovernador, na época, reivindicou a paternidade do Projeto Rio, que foi anunciadopelo Governo Federal, via Ministério do Interior (DNOS e BNH), através do entãoministro Mário Andreazza (Fonte: http://www.ceasm.org.com.br).
61
Parque Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz e Parque União, e para execução desse
programa, o BNH criou o “PROMORAR10” – Programa de Erradicação da Sub-habitação –
que seria o responsável pelo processo de construção de 9.531 unidades habitacionais para o
assentamento dos moradores das palafitas. O projeto previa, ainda, o saneamento do trecho da
Baía da Guanabara que se estendia do Caju até a Praia de Ramos, considerado o mais poluído,
mediante a construção de um aterro de 2.300 hectares (Pereira dos Santos, 2005).
A meta desse programa era a de erradicar as favelas, solucionar o problema das
habitações sub-humanas, as favelas e as palafitas, urbanizando-as quando for possível, e
erradicando-as quando for ‘caso perdido’.
De acordo com Valla (1996 p. 141-142) o PROMORAR atingiria uma população de
250 mil habitantes e tinha os seguintes objetivos:
Eliminar os focos de poluição da Baía e recuperar as praias, preservando a ecologia
local;
Ordenar o espaço urbano, recuperando a paisagem e melhorando as condições de
navegação da Baía;
Prover solução para o sistema viário (Avenida Brasil), há muito tempo reclamada;
Solucionar os problemas de saneamento ambiental e básico de áreas próximas às Ilhas
do Fundão e do Governador, onde a poluição atinge níveis elevados, inadequados à
vida humana; e
Recuperar e urbanizar as favelas existentes na área, sem remoção da população atual,
que deverá ser mantida em condições adequadas de habitação, emprego e atendimento
escolar e de saúde, nas mesmas áreas onde vive atualmente.
Várias vezes surgiam desconfianças por parte dos moradores devido aos atrasos nas
obras e ao não cumprimento dos cronogramas e, neste sentido, as associações de moradores
tiveram um papel de suma importância ao criarem a CODEFAM – Comissão de Defesas das
Favelas da Maré – onde exerceram forte pressão para que as promessas de campanha fossem
cumpridas.
Desde 1982, a questão habitacional ganhou novo destaque com a eleição de Leonel
Brizola para o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Demonstrando interesse primordial para
10 Organizado pelo BNH em 1979, tinha por objetivo recuperar as faixas alagadas habitadas, pretendendo, com avalorização das áreas assim conquistadas, recuperar os investimentos feitos com a venda dos terrenosremanescentes. O estado do Rio de Janeiro foi escolhido para ser palco do primeiro programa a ser executadopelo Promorar: o Projeto Rio, que seria desenvolvido em área próxima ao aeroporto internacional, alcançandoseis favelas na área da Maré: Parque União, Rubens Vaz, Nova Holanda, Baixa do Sapateiro, Timbáu e Maré.(Citado por Silva Apud Burgos, 1988).
62
as áreas carentes, pode-se destacar na política de Brizola três metas principais: regularização
fundiária, infra-estrutura e incentivo à autoconstrução. Sua principal conquista foi o
‘Programa Cada Família, um Lote’, pelo qual pretendia regularizar 400 mil lotes clandestinos,
dotando a área a ser afetada de significativa urbanização. Neste esforço, firmou convênios
principalmente com a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), o
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a COMLURB (Companhia Municipal de
Limpeza Urbana), conforme cita Pereira dos Santos (2005).
Entre 1987/1991 no mandato do governador eleito pelo PMDB Moreira Franco, a Maré
é mais uma vez lembrada, no que tange às obras públicas: construção de 253 unidades
habitacionais, obras em saneamento básico, construção de canais, urbanização que beneficiou,
naquele momento, aproximadamente 140 mil pessoas de seis comunidades - de acordo com o
site do próprio governador (http://www.moreirafranco.com.br).
Neste instante percebe-se que seria de suma importância um programa de intervenção
de forma mais global nas favelas cariocas como o Programa Qüinqüenal de Urbanização das
Favelas e Loteamentos Irregulares do Município do Rio de Janeiro, durante a gestão do
prefeito Saturnino Braga, onde era enfatizada a necessidade de integração das favelas à cidade
com o slogan de ‘transformar as favelas em bairros populares’ (BURGOS, 1988).
Em 1992 é sancionado pelo prefeito Marcello Alencar o Plano da Cidade que se
consolida a idéia de um programa global de integração das favelas à cidade11. O Plano Diretor
define o problema favela como ‘uma questão municipal, fundamental para o futuro da
cidade’. A representação da favela inscrita no Plano Diretor e os princípios democráticos nele
consagrados é que iriam nortear a política habitacional proposta pelo Grupo Executivo de
assentamentos Populares (GEAP), criado pelo prefeito César Maia em 1993. O Geap propôs
sete programas habitacionais (de acordo com o sítio da Secretaria Municipal do Habitat), além
do Favela-Bairro, há também os seguintes programas de política habitacional:
Regularização de Loteamentos;
Regularização Fundiária e Titulação;
Novas Alternativas, Vilas e Cortiços;
Morar Sem Risco;
Morar Carioca e;
Bairrinho.
11 De acordo com Burgos (1988) a elaboração do Plano Diretor é uma exigência da Constituição Federal de 1988para cidades com mais de 20 mil habitantes. Seu objetivo declarado é, através de um tratamento integrado dediversos setores da política pública, estabelecer um conjunto de diretrizes, normas e procedimentos que deverãopautar o desenvolvimento urbano e social das cidades nos próximos 10 anos.
63
Ainda nesta primeira gestão do Prefeito César Maia (1993-1997) é criado o ‘Projeto
Rio-Cidade’ que teve continuidade na administração seguinte, a de Luiz Paulo Conde (1997-
2001). Conde foi um dos responsáveis pela elaboração e condução do projeto quando ocupou
a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU). O Rio-Cidade consistiu em diversas
intervenções urbanas nas vias mais importantes dos principais bairros cariocas
(http://www.rio.rj.gov.br/smu).
Em dezembro de 1994 o Geap12 é renomeado para a Secretaria Municipal do Habitat do
Rio de Janeiro (SMH-RJ) que nasce com o intuito e a missão de propor novos rumos para a
política habitacional levado à público através do Plano Diretor Decenal. A SMH atua na
urbanização e regularização fundiária de favelas e loteamentos, ao mesmo tempo em que
promove a construção de moradias em áreas dotadas de infra-estrutura, buscando atender
principalmente a população de baixa renda. E na esteira dessa política nasce o programa
Favela Bairro que pode ser entendida como uma tentativa do poder municipal em dar
respostas à crescente fragmentação do tecido sócio-político-espacial, como aponta Souza
(2003).
O programa Favela Bairro passa a ser uma tentativa da prefeitura da cidade do Rio de
Janeiro de formular uma política integrada que pudesse dar conta da população que se
encontra às margens dos acessos aos bens e equipamentos básicos urbanos. O programa
nasceu do convênio assinado no final de 1995 entre a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e
o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) onde assim nascia o Programa de
Urbanização e Assentamentos Populares - PROAP - e que contava com um montante de 300
milhões de dólares para aplicação do programa. O PROAP continha três linhas de trabalho:
Regularização de loteamentos;
Educação sanitária e ambiental e;
Urbanização de favelas, onde o programa Favela Bairro se insere com recursos de US$
192 milhões.
Ao final desse mesmo ano (1995) a Prefeitura lança o primeiro Plano Estratégico para a
cidade, intitulado ‘Rio Sempre Rio’, fruto da parceria entre o município e a iniciativa privada.
Este plano, além de introduzir na cidade a cultura estratégica, passou a ser uma referência
nacional, como forma inovadora de planejar, ultrapassando os limites das intervenções
12 Órgãos que integram o Grupo Especial de Assentamentos Populares - o Geap: Secretaria Municipal deDesenvolvimento Social, Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Fazenda, SecretariaMunicipal de Habitação, Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Secretaria Municipal de Obras, SecretariaMunicipal de Trabalho, Secretaria Municipal de Urbanismo, COMLURB, GEO-RIO, IPP, RIO-LUZ, RIO-URBE, RIO-ÁGUAS e Procuradoria Geral do Município (http://www.fau.ufrj.br/prourb/cidades/favela/frames).
64
urbanísticas anteriores e indicando novos caminhos, tendências e aspirações - nunca antes
pensadas para a cidade - a serem seguidos. Foi, segundo uma avaliação do Banco Mundial em
seu relatório de 1999, “um sucesso sem precedentes enquanto exercício de construção de
consenso e parceria” (http://www.rio.rj.gov.br/planoestratégico).
Na etapa inicial dos trabalhos deste plano buscou-se compreender o Rio de Janeiro,
situando-se diante de novos ‘fenômenos expressivos como a globalização e o aparecimento do
conceito de cidades globais’(1). Desde logo ‘rejeitou-se a idéia de recorte setorial da cidade,
voltando-se o plano para suas destinações práticas, para a elaboração do diagnóstico da cidade
e para a busca de ações de consenso nas fases subseqüentes’ (2), face à crescente importância
que assumia a competição entre as cidades. Os responsáveis pela gestão das metrópoles eram
‘chamados ao desafio de intermediar a lógica do mercado e a lógica da cidadania, devendo as
transformações resultar do diálogo qualidade de vida e competitividade’ (3), conforme
informações da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
Desta forma se faz necessário citar o pensamento de Paulo (2008, p. 80) onde ele
entende que há uma concomitância entre o Programa Favela-Bairro e o Plano Estratégico da
Cidade do Rio de Janeiro, onde
Neste instante - ano 2000 - o IBGE lança o Censo 2000 onde se percebe um aumento
substancial no número crescente de favelas, tanto no Rio de Janeiro quanto em relação a
outras cidades brasileira, como mostra o gráfico 5 (fonte: http://pt.wikipedia.org).
Gráfico 5 - Número de favelas em algumas cidades brasileiras
As concepções propostas no Programa Favela-Bairro para as favelas estão assim emsentido amplo, atreladas aos mecanismos estabelecidos no Plano Estratégico daCidade do Rio de Janeiro, pois o programa funciona como uma forma de controlesobre estes espaços segregados que representam um risco permanente, para acompetitividade da metrópole carioca, que vive sob a lógica capitalista.
65
Neste mesmo período, a Prefeitura lança o Plano Estratégico II - ‘As cidades da Cidade’
- que é um conjunto de 12 planos estratégicos regionais e o paradigma que norteou todo o
processo deste plano foi a escolha de um modelo próprio para cada região da cidade,
buscando os seus motivos de orgulho em sua cultura e história, identificando as vocações
regionais em seus valores e tradições. Cada região (ver mapa abaixo) identificou seu papel
Fig. 11 – Mapa das 12 Regiões integrantes do Plano Estratégico II
Fonte: (http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico).
específico na cidade e as formas de desempenhá-lo, definindo as suas estratégias e
formulando propostas para a consecução de seus Objetivos Centrais. Nesta nova fase o Plano
Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro inovou ao olhar a Cidade heterogênea expressa em
um conjunto de 12 regiões (Campo Grande, Barra da Tijuca, Bangu, Jacarepaguá, Zona
Norte, Irajá, Ilha do Governador, Grande Méier, Tijuca, Centro, Zona Sul e Leopoldina - a
qual a Maré está inserida) com características histórico-geográficas únicas, habitadas por
populações com maneiras de pensar, sentir e agir singulares, bem como com natureza e
topografia distintas.
A Região da Leopoldina (observe o mapa abaixo) cobre uma área de 4.435 hectares, na
qual residem 654.571 habitantes, segundo o Censo 2000, e é formada por 17 bairros. A
Região está classificada como de médio-alto desenvolvimento humano segundo o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH=0,804), e ocupa a 11ª posição quando consideradas todas as
12 regiões do Plano Estratégico. Os dados demográficos indicam que a população cresceu
66
entre 1991 e 2000, à taxa de 2,56%, ou cerca de 17 mil habitantes. Dos seus 17 bairros, dez
decresceram de população, alguns de forma acentuada, como Del Castilho com a elevada taxa
de -27%, Bonsucesso (-12%) e Maria da Graça (-11%). Por outro lado, dois bairros tiveram
taxa elevadas de crescimento na década, Manguinhos (20%) e Maré (16%), podendo este
dado ser um indicador de aumento da ocupação irregular do solo urbano conforme
informações da Prefeitura (http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico).
Fig. 12 – Mapa dos 17 bairros que compõem a Região da Leopoldina
Fonte: IBGE (Censo 2000) e IPP (Anuário Estatístico de 1998) In: http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico
Em outubro de 2002 o Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM -
desenvolveu o “Estudo de Avaliação da Experiência Brasileira sobre Urbanização de Favelas
e Regularização Fundiária” e que está inserido no plano de ação do ‘Cities Alliance’ - uma
iniciativa do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat) em
parceria com o Banco Mundial.
67
O propósito do ‘Cities Allience’ ao contratar a realização desse estudo foi o de
identificar as lições que podem extrair da prática de urbanização e regularização de favelas,
com vistas a colher subsídios para o projeto “Building an Enabling Estrategy for Moving to
Scale in Brazil”, que está sendo conduzido pelo Banco Mundial com a cooperação do
Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada - IPEA, vinculado ao Ministério de Planejamento
e Gestão do Governo Brasileiro.
Foram selecionadas dez cidades cujos programas em andamento visam à melhoria das
condições de vida e moradia da população pobre vivendo em favelas e o enfrentamento dos
problemas decorrentes da informalidade urbana. Os programas selecionados deveriam
promover mudanças efetivas nos aspectos físicos, ambientais, sociais, econômicos e legais
das áreas objeto das intervenções do Poder Público.
A Cidade do Rio de Janeiro foi escolhida através do programa Favela-Bairro e, de
acordo com o relatório supracitado, o grande diferencial do Favela-Bairro é que em um
espaço de tempo relativamente curto - seis anos 1996/2002 - o Programa conseguiu gerar
resultados quantitativos e qualitativos importantes e atuar em um números expressivo de
favelas, além de mobilizar os indispensáveis recursos financeiros. Dessa forma, o Favela-
Bairro alcançou notoriedade e reconhecimento público e político, fatores que contribuíram
para assegurar a sua continuidade e sustentabilidade. Embora existam informações de que, na
presente Administração, o seu ritmo de execução tenha sido consideravelmente reduzido,
espera-se que seja uma fase de transição diante das mudanças de titulares e chefias em todos
os órgãos da Prefeitura.
Esses resultados do Favela-Bairro não foram obra do acaso, mas fruto de estratégias de
concepção e implementação dirigidas para causar, no menor prazo possível, impactos urbanos
e sociais visíveis na melhoria das condições de vida nas comunidades pobres beneficiadas.
Assim, o Favela-Bairro nasce como uma intervenção de política urbana, buscando a
integração urbanística das favelas no seu entorno e a sua transformação em bairros populares.
Nasce também como uma proposta de ação de natureza programática a ser desenvolvida em
escala, através de múltiplos projetos, e não como uma intervenção pontual, capaz, portanto, de
gerar impactos substantivos na cidade e nas condições de vida das famílias moradoras de
favelas.
Apesar da implementação de todos esses planos habitacionais citados anteriormente, a
questão do ‘Déficit Habitacional’ no Brasil, e em especial na Cidade do Rio de Janeiro, vem
mostrando uma evolução vertiginosa. Atualmente, esse déficit habitacional no Rio de Janeiro
é de 505.201 domicílios segundo trabalho realizado pela Secretaria Nacional de Habitação
68
(tabela 09) e o Ministério das Cidades de 23/08/2003 - lançado somente em 2005 - do
Programa Habitar-Brasil/BID. Em relação ao país, este número alcança a marca de
aproximadamente seis milhões de domicílios, conforme mostra a tabela 10.
Tabela 09 - Estimativas Revisadas do Déficit Habitacional - Grandes Regiões, Unidadesda Federação e Brasil - 2000.
De acordo com este trabalho realizado pela Secretaria Nacional de habitação, entende-
se como déficit habitacional a noção mais imediata e intuitiva de necessidade de construção
de novas moradias para a solução de problemas sociais e específicos de habitação, detectados
em um certo momento (p. 16). Na tabela 3-D verifica-se o total do déficit habitacional em
termos de Brasil.
69
O conceito de déficit habitacional utilizado está ligado diretamente às deficiências do
estoque de moradias. Engloba tanto aquelas moradias sem condições de serem habitadas
devido à precariedade das construções ou em virtude de terem sofrido desgaste da estrutura
física e que devem ser repostas, quanto à necessidade de incremento do estoque, decorrente da
coabitação familiar ou da moradia em locais destinados a fins não residenciais. O déficit
habitacional pode ser entendido, portanto, como “déficit por reposição do estoque” e como
“déficit por incremento de estoque”. (ibidem).
Tabela 10 – Estimativas do Déficit Habitacional Básico, por situação do domicílio -Grandes Regiões, Unidades da Federação e Brasil - 2000
O “déficit por reposição do estoque” refere-se aos domicílios rústicos, acrescidos de
uma parcela devida à depreciação dos domicílios existentes. Domicílios rústicos não
apresentam paredes de alvenaria ou madeira aparelhada, o que resulta em desconforto para
seus moradores e risco de contaminação por doenças e devem, portanto, ser repostos. A
depreciação de domicílios está relacionada ao pressuposto de que há um limite para a vida útil
de um imóvel. Para o cálculo desse componente do déficit tomou-se inicialmente 50 anos de
construção como o limite para a necessidade de reposição do estoque. Em seguida, aplicou-se
um percentual sobre o montante de imóveis residenciais construídos até 1950, devido às
70
suposições de que parcela desconhecida desse estoque possa ter sido alvo de manutenção e
reformas, mantendo assim suas condições de uso, e que outra parcela tenha assumido usos
não-residenciais ou sido substituídas por novas edificações.
O “déficit por incremento de estoque” contempla os domicílios improvisados e a
coabitação familiar. O conceito de domicílios improvisados engloba todos os locais
destinados a fins não-residenciais que sirvam de moradia, o que indica claramente a carência
de novas unidades domiciliares.
Observamos que há um déficit de moradia e de urbanismo no Rio de Janeiro, desde o
final do século XIX, e esse déficit não é fruto de uma política imediata, mas representa um
desrespeito pelas populações de baixa renda e moradores nas áreas desprivilegiadas da cidade.
O que se pode verificar é que o poder público, mesmo depois de mais de cem anos de
favela, ainda continua a vê-la como um lugar único, ou seja, negligencia-se as especificidades
das lutas dos moradores, as suas culturas, as suas conquistas e perspectivas. A favela ainda é
apresentada, pelo senso comum, como reduto da pobreza e da violência, o lugar onde vivem
os marginais, que ameaçam o restante da cidade, como uma doença da cidade, algo exterior à
cidade - o que se percebe a aumento do índice da segregação residencial, como visto
anteriormente - com o intento de ‘manter a ordem’ se exerce o controle sobre essas
populações, seja direto e/ou indireto.
Esses números apresentados para a área do Rio de Janeiro podem ser transferidos para a
área da Maré no que concerne aos motivos que levaram o bairro a alcançar esse elevado
número de habitantes (132.176). Basta lembrarmos que a atual área da Maré se localizava em
grande parte das terras, de área militar (Marinha do Brasil), e pelo fato do bairro se localizar
as margens da principal via urbana da cidade - a Avenida Brasil, locais que os migrantes
provenientes do nordeste brasileiro vieram em busca de melhores condições de vida. Isso se
traduz em um alto número de residentes nas comunidades da Maré como visto na figura 10.
Em 2001 é aprovado o Estatuto da Cidade que prevê garantias do direito a cidades
sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer e para as
presentes e futuras gerações. O estatuto define ainda a função social da terra, que ampara a
desapropriação de imóveis para fins de moradia.
71
Fig. 13 – Mapa com a Densidade Demográfica na Área da Maré
Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.
72
Em agosto de 2007, o Governo Federal, por meio da Secretaria Nacional de Habitação,
iniciou a elaboração do Plano Nacional de Habitação - PlanHab -, etapa essencial de
implementação e consolidação da Política Nacional de habitação. O PlanHab, quando
finalizado, orientará o planejamento das ações públicas e privadas com o objetivo de melhor
direcionar os recursos existentes e aqueles a serem mobilizados para o enfrentamento das
necessidades habitacionais do país. Nesse sentido, deverá articular as instâncias de governo e
superar a dispersão das ações e programas habitacionais, propondo novos arranjos
institucionais de forma a articular as fontes de recursos públicos e sob gestão pública. Além
disso, deverão ser criadas as condições para ampliar a atuação do setor privado e mobilizar os
movimentos sociais para contribuir na superação do déficit habitacional
(http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/planhab).
Neste mesmo ano o Governo Federal lança o PAC – Programa de Aceleração do
Crescimento –, um programa de desenvolvimento que vai promover a aceleração do
desenvolvimento econômico, o aumento do emprego e a melhoria das condições de vida da
população brasileira entre 2007/10. O PAC consiste em um conjunto de medidas destinadas a:
Incentivar o investimento privado;
Aumentar o investimento público em infraestrutura; e
Remover obstáculos (burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e
legislativos).
Esses investimentos giram em torno de 503,9 bilhões de reais. No Rio de Janeiro o
PAC teve início em fevereiro/2008 nas comunidades que formam os Complexos do Alemão e
de Manguinhos dentre outras favelas da Cidade (http://www.cidades.gov.br/noticias/).
Em 17/04/2009 a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através da Secretaria
Municipal de Habitação, lançou o Programa Municipal de Habitação ‘Minha Casa, Minha
Vida no Rio’ em parceria com o Governo Federal para famílias que ganham até 10 salários
mínimos. A meta da Prefeitura é construir cem mil moradias nos próximos quatro anos com
prioridade, subsídios, menores prazos no licenciamento das obras, isenção de impostos,
análise de crédito e seguro para as que ganham até três salários mínimos - faixa que concentra
90,9% do déficit habitacional do país (http://www.rio.rj.gov.br/habitat/).
E, neste sentido, concluímos esse capítulo percebendo, como visto anteriormente, que
as políticas públicas implementadas na Cidade do Rio de Janeiro no recorte temporal
pesquisado, foram vitais para o desenvolvimento natural, no que tange ao urbanismo na
cidade carioca e, em se tratando dessas políticas postas em prática no espaço da Maré, é
73
possível notar que as medidas adotadas foram essenciais para o desenvolvimento da
população local.
Para Não Concluir
O tema favela que foi e ainda continua sendo discutido no interior das academias vem
reforçar a necessidade de amplo debate que cerca esse tema que, ao longo das últimas
décadas, vem recebendo inúmeras classificações e, principalmente, interpretações das mais
variadas possíveis.
No pensamento de Abreu (1994) a favela era vista como um abrigo da marginalidade
urbana, mas também residência do trabalhador honesto; considerada “chaga” da cidade, mas
igualmente “berço do samba”; era vista como uma solução urbanística desprezada e, ao
mesmo tempo, elogiada; e as imagens da favela impuseram-se no decorrer do século XX e já
se incorporaram ao imaginário coletivo da cidade e deram ainda ensejo, também, a inúmeras
reflexões sobre o papel no conjunto da estrutura urbana carioca.
No momento em que as favelas tornaram-se, com o tempo, em uma nova problemática
a ser combatida pelo governo, já que ocupavam áreas nobres da cidade, a solução encontrada
foi a remoção das mesmas para áreas distantes. Todavia a população favelada não aceitou
facilmente essa política, houve muitas resistências à remoção, estratégia que se estendeu por
longo tempo e, em vista disso, os favelados conquistaram, através das décadas, um espaço
cada vez mais significativo no campo da política, principalmente através das recém criadas
‘Associações de Moradores’ locais. As conquistas dessa população e a sua constituição como
ator político resultaram em mudanças ocorridas na forma de tratamento do governo para com
as favelas. Neste instante os governantes passam a “enxergar” a favela com outro olhar.
Nesta pesquisa procuramos algumas definições que acreditamos serem as mais
‘atraentes’ e que chegaram bem próximo da realidade do termo na ótica de um verdadeiro
morador, como eu, que nasceu e cresceu observando as modificações em curso, tanto da
definição do termo, quanto na configuração sócio-espacial da mesma.
A própria favela, na época dos cortiços e casas de cômodos, se apresentava como um
lugar insalubre e sem a mínima condição de vida, hoje surge com um novo perfil no que tange
à urbanização: ruas asfaltadas, luz elétrica em todas as residências das comunidades, água
canalizada, tratamento de água e esgoto, Associações de Moradores, Projetos Sociais
advindos dos governos municipais e estaduais (principalmente), um adensado comércio, uma
Região Administrativa e o reconhecimento como um ‘Bairro da Cidade do Rio de Janeiro’,
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linhas de ônibus para a chamada ‘Zona Sul’ da cidade, uma Vila Olímpica da Prefeitura
localizada entre as comunidades, entre outros benefícios... Esse é o retrato de uma favela dos
anos 2000. Essa é a realidade da Maré atual.
A favela é atualmente uma presença incontornável e irreversível na paisagem urbana e
habitacional carioca, imagem onipresente em qualquer parte da cidade e cuja tendência é
somente o crescimento, embora a urbanização seja hoje irrefutável e consensual, muito se
avançou em termos de políticas públicas.
E essa ‘transformação’ da favela em bairro formal só foi possível, no exemplo da Maré,
devido as intervenções ao longo das décadas do século passado, como observado nas figuras
14 e 15 decorrentes das inúmeras políticas habitacionais que desenvolveram-se na área.
Fig. 14 – Maré década 70 do século passado Fig. 15 – Maré foto atual
Fonte: http://www.ceasm.org.br Fonte: http://www.ceasm.org.br
O processo inicial de modernização da cidade envolveu tentativas de solução da crise de
moradia e da crise sanitária. Do enfrentamento da questão da salubridade resultou a grande
reforma urbana do início do século XX - via Reforma Passos, além de várias políticas
públicas já discutidas anteriormente. Do enfrentamento da questão da habitação - da
insalubridade e do adensamento das habitações coletivas populares -, surgiram posturas
municipais que as proibiam, assim como novos padrões de habitação que foram se
transformando e se adequando às exigências higiênicas e econômicas, incorporando novos
materiais e novas técnicas.
Desta forma, em substituição aos cortiços e estalagens (pequenos quartos enfileirados) e
como solução aos problemas a que eram associados - insalubridade, promiscuidade e altos
aluguéis - foram construídas avenidas e vilas de casas higiênicas para os trabalhadores.
Embora destinadas à solução da questão da moradia, estas eram praticamente inacessíveis aos
seus destinatários originais, os menos afortunados, e ocupadas por aqueles que podiam pagar
o alto preço da higiene e do conforto. As antigas moradias coletivas foram desaparecendo por
efeito da ação do Estado - da legislação e da reforma urbana - e do mercado. E essa nova
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forma de provisão no âmbito habitacional surgiu especificamente para dar solução ao
problema da habitação popular. No entanto, após a reforma urbana de 1903/1906, que
inaugurou o processo moderno de destruição e reconstrução do ambiente edificado, as firmas
de construção civil voltaram-se para novos tipos de edifícios que surgiam, desinteressando-se
da habitação popular.
Os antigos moradores dos cortiços dirigiram-se para as casas-de-cômodos que se
multiplicavam no entorno da área central, para pequenas casas isoladas que eram construídas
nos subúrbios distantes e para as emergentes favelas - assim nasciam os chamados ‘parques
proletários’.
No início do século XX, passaram a ser produzidas vilas, casas em série e casas
geminadas nos novos bairros em formação, atendendo às exigências crescentes de higiene e
conforto formuladas na legislação. As casas de vila se tornaram rapidamente o padrão das
emergentes classes médias. Nos anos 20 surgiram as casas de apartamentos e nos anos 30 os
edifícios de apartamentos, inaugurando inovações de diferentes tipos na construção de
moradias como são vistos atualmente.
A moradia é uma necessidade básica que está relacionada à dignidade humana, à
reprodução social e à força de trabalho. Ela configura-se como uma expressão da questão
social, considerada como um problema estrutural decorrente do empobrecimento crescente de
determinados segmentos sociais que vem se agravando com o avanço do capitalismo. Desta
forma pode se dizer que a habitação é, direta ou indiretamente, fruto de um processo de
produção capitalista. Este processo de produção, diferentemente de outros setores
econômicos, tem como base de sua lucratividade a apropriação dos benefícios gerados pela
extrema diferenciação do espaço urbano em termos de equipamentos, serviços e amenidades,
diferenças que são reproduzidas e aprofundadas pelo processo de produção.
À questão da moradia está intrinsecamente ligada à questão da segregação pois foi com
a revolução dos meios de transportes em meados do século XIX, como visto anteriormente,
que a urbe carioca se viu dividida em duas áreas distintas: a chamada ‘zona sul’ que era
servida pelos bondes (± 1859) e o subúrbio que tinha como meio de transporte o trem (±
1858). Neste instante já se percebia que haviam vários bairros que poderiam ser classificados
como ‘espaços residenciais segregados’ como o exemplo da Maré.
Os mundos sociais do ‘asfalto’ e do ‘morro’ se olham, se reconhecem com suas
distâncias, diferenças e semelhanças e, por vezes, se opõem, mas convivem entre si, os dois
obrigados a partilharem o espaço da cidade e o mesmo espaço cultural.
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Concomitantemente à questão da moradia está a questão do déficit habitacional que,
como visto anteriormente, está em 505.201 domicílios segundo pesquisa realizada pela
Secretaria Nacional de Habitação, somente na Cidade do Rio de Janeiro. E para atenuar esse
déficit somente uma política pública séria e que possa concatenar as idéias e ideais tanto da
esfera governamental, quanto dos próprios moradores locais seria oportuna.
Esta percepção deu forças à luta em favor de melhores condições, não só de moradia,
mas de vida. Nessa caminhada, a intervenção e o apoio de órgãos do governo e da sociedade
civil, como a Fundação Leão XIII e na Cruzada São Sebastião, foram importantes para a
tomada de consciência do favelado sobre seu papel como ator político. Na Maré esse apoio foi
dado, como visto anteriormente, pela CODEFAM (Comissão de Defesa das Favelas da Maré).
Um dos resultados desta luta foi o abandono da política de remoções, culminando com
o Programa Favela-Bairro, que não pretendia remover favelas, mas sim integrá-las à cidade
formal através de intervenções urbanísticas e sociais. O Programa, porém, não foi efetivado
em sua integralidade, uma vez que ocorreu uma priorização das reformas na parte de infra-
estrutura em detrimento do investimento no social.
No entanto, as políticas habitacionais implementadas pelo governo nas favelas do Rio
de Janeiro tiveram como uma das conseqüências a substituição de moradores de baixa renda
por outros com renda elevada. Este fenômeno ocorreu porque as melhorias geradas pela
intervenção urbanística não vieram acompanhadas de políticas sociais eficazes, capazes de
promover a garantia dos direitos sociais e, assim, a permanência dos moradores em suas
favelas de origem.
A atual forma de intervenção no governo na questão habitacional das favelas, a
regularização fundiária, tem por objetivo a concessão de título de propriedade a cada
possuidor de uma unidade habitacional, que é o título definitivo e reconhecido na cidade
formal. Este programa ainda está numa fase inicial, porém já é possível prever que se não for
acompanhado de políticas sociais, provavelmente terá o mesmo resultado que os demais.
Desta forma podemos responder a questão central norteadora desta pesquisa da seguinte
forma: a atual configuração espacial das comunidades que formam o Complexo da Maré,
estabelecidas principalmente com a intervenção governamental do Projeto Rio (Programa
PROMORAR) na década de 80 do século passado, foi um alívio para a população em geral
pois foi nesse programa que os moradores passaram a ter, de forma definitiva, a posse legal
do território habitado, apesar dos moradores da Maré receberem seus carnês de IPTU de
forma ‘isenta do pagamento da taxa anual’.
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E em relação à subquestão temos completa convicção de que essas políticas foram
satisfatórias aos moradores da área de estudo pois, como verificado anteriormente, as políticas
públicas em âmbito habitacional que foram implementadas na Maré, vieram satisfazer um
desejo dos moradores - principalmente os mais antigos - que foi a ‘erradicação’ dos barracos e
palafitas por casas de alvenaria em quase toda a sua totalidade, conforme depoimentos
prestados. Neste sentido podemos afirmar que ao longo de mais de 60 anos, as Políticas
Públicas empreendidas nas áreas consideradas carentes, como o Complexo da Maré,
propiciaram transformações que trouxeram uma melhoria no bem estar social, permitindo
uma melhora na qualidade de vida dos moradores, trazendo, ao mesmo tempo, cultura e
cidadania aos moradores locais.
Essas políticas também contribuíram para o desenvolvimento urbano do próprio
complexo e, atualmente, a Maré está bem avançada em termos de estrutura habitacional em
relação a outros complexos de favelas da Cidade do Rio de Janeiro. E se apropriando de
Abreu (1994), as favelas já são evidentes no imaginário carioca, ao completarem mais de cem
anos de existência, e tendo seu aparecimento por volta de 1893-1894, estando intimamente
ligadas à crise habitacional que afetava a cidade àquela época - e ainda nos dias atuais - tendo
sua expansão pelo tecido urbano carioca somente nas décadas seguintes, podendo ser
explicada pela não resolução das contradições engendradas pela reforma urbana que
transformaram a cidade no início do século XX. Este é o retrato da atual configuração
espacial da Cidade do Rio de Janeiro, com forte influência no exemplo do Complexo da Maré.
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