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CHACINA DA MARÉ Um ano de luto e indignação Alunos e responsáveis reivindicam Ano V, N o junho de 2014 - Maré, Rio de Janeiro - distribuição gratuita 54 Prefeitura e governo do estado detalharam os investimentos planejados para a Maré na área de educação. Se os planos foram concretizados, teremos a mais sete EDIs, 10 escolas Primário Carioca e três de Ginásio Carioca.Com isso, todas as escolas municipais, novas e atuais, passariam a funcionar em turno único a partir de 2016. Para os jovens, teremos uma unidade de ensino técnico e um centro vocacional tecnológico, com cursos de qualificação profissional. A maior parte das unidades, porém, ficará no mesmo local, ao lado da Vila Olímpica. Pág. 8 e 9 Pais, responsáveis e estudantes elabo- raram em conjunto um Plano Local de Educação, pedindo mais diálogo e trans- parência, melhorias salariais para os pro- fessores, turmas com menos alunos, es- tratégia de resolução dos problemas que impedem a regularidade das aulas, entre outros pontos. Pág. 6 e 7 Memória Seu Ademir lembra do Flexa, um dos mais tradicionais times de futebol da Maré Pág. 3 Copa do Mundo Entram em campo a animação e a polêmica Pág. 4 Diálogo necessário Descriminalizar as drogas ajuda? Pág. 10 e 11 Centro de Artes Pág. 13 Lona da Maré Pág. 14 Elisângela Leite Aramis Assis Elisângela Leite Arquivo Pessoal Novidades na educação A chacina da Maré completa um ano em 25 de junho. Em artigo, Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré, sinaliza que o inquérito sobre a maior parte das mortes está seguindo a lógica da “resistência seguida de morte” . É necessário, diz ela, dar fim a esta terminologia que legitima até uma ação de vingança praticada por agentes do Estado. Pág. 12 e 13 Centro de Artes Lona da Maré Pág. 14

Maré de Notícias #54

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CHACINA DA MARÉUm ano de luto e indignação

Alunos e responsáveis reivindicam

Ano V, No junho de 2014 - Maré, Rio de Janeiro - distribuição gratuita54

Prefeitura e governo do estado detalharam os investimentos planejados para a Maré na área de educação. Se os planos foram concretizados, teremos a mais sete EDIs, 10 escolas Primário Carioca e três de Ginásio Carioca. Com isso, todas as escolas municipais, novas e atuais, passariam a funcionar em turno único a partir de 2016. Para os jovens, teremos uma unidade de ensino técnico e um centro vocacional tecnológico, com cursos de qualificação profissional. A maior parte das unidades, porém, ficará no mesmo local, ao lado da Vila Olímpica. Pág. 8 e 9

Pais, responsáveis e estudantes elabo-raram em conjunto um Plano Local de Educação, pedindo mais diálogo e trans-parência, melhorias salariais para os pro-fessores, turmas com menos alunos, es-tratégia de resolução dos problemas que impedem a regularidade das aulas, entre outros pontos. Pág. 6 e 7

MemóriaSeu Ademir lembra do Flexa, um dos mais tradicionais times de futebol da

Maré Pág. 3

Copa do Mundo Entram em campo a animação e a

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Diálogo necessário

Descriminalizar as drogas ajuda? Pág. 10 e 11

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Novidades na educação

A chacina da Maré completa um ano em 25 de junho. Em artigo, Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré, sinaliza que o inquérito sobre a maior parte das mortes está seguindo a lógica da “resistência seguida de morte”. É necessário, diz ela, dar fim a esta terminologia que legitima até uma ação de vingança praticada por agentes do Estado. Pág. 12 e 13

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Texto, foto e pesquisa: Gilson Silveira, pesquisador do Numim / Redes da Maré

O futebol é “uma paixão nacio-nal” e para algumas pessoas faz parte de sua própria iden-tidade, uma identidade que não é só partilhada por aque-les que fazem parte do espe-táculo, mas também pelo local onde tudo nasce e acontece. O Núcleo de Memória e Identi-dade dos Moradores da Maré (Numim), da Redes da Maré, passou uma agradável manhã de sábado com o senhor Ade-mir Ferreira, de 63 anos, mora-dor de Nova Holanda, que nos contou como se envolveu com um dos mais tradicionais times de futebol da Maré, o Flexa. Depoimentos como este retratam como o futebol marca a identidade dos morado-res da Maré e de como o esporte ajudou a integrar as diversas comunidades. Os campeonatos e partidas de futebol, dis-putados em campos localizados em vá-rias partes da Maré, eram momentos tam-bém de encontros, celebração e alegria. A constituição dos times e a organização de campeonatos envolviam muitas pessoas e ajudaram a consolidar os laços comuni-tários. O futebol, com sua universalidade, ajudou a superar muitas das “fronteiras” invisíveis que dividiam a Maré. A seguir trechos do relato de Seu Ademir.

Seu Ademir conta sobre o Flexa

“O Flexa surgiu de uma ideia do Tiãozi-nho, que foi fundador, do falecido Mar-tinho, que também era fundador, ‘Ba-nana’, que era o irmão mais velho, que era o chamado craque da família, joga-va muita bola, e Amauri também. E a esses quatro irmãos juntaram-se mais algumas pessoas e o time foi fundado.

O campo da Paty (no Parque Maré) que era um campo de 11 e parou por uma série de circunstâncias (...) o cam-

Redes de Desenvolvimento da Maré Rua Sargento Silva Nunes, 1012,

Nova Holanda / Maré CEP: 21044-242 (21) 3104.3276 (21)3105.5531

www.redesdamare.org.br [email protected]

Os artigos assinados não representam a opinião do jornal.

Parceiros:

Fotógrafa Elisângela Leite

Proj. gráfico e diagramaçãoPablo Ramos

Logomarca Monica Soffiatti

Colaboradores Anabela Paiva

André de LucenaAydano André MotaEliana Sousa Silva

Flávia OliveiraNumim/ Redes da Maré

Coordenadoresde distribuição

Luiz GonzagaSirlene Correa da Silva

Impressão Gráfica Jornal do Commercio

Tiragem 40.000 exemplares

Instituição Proponente Redes de Desenvolvimento da Maré

Diretoria Andréia Martins

Eblin Joseph Farage (Licenciada) Eliana Sousa Silva

Edson Diniz Nóbrega Júnior Helena Edir

Patrícia Sales Vianna

Instituição Parceira Observatório de Favelas

Apoio Ação Comunitária do Brasil

Administraçãodo Piscinão de Ramos

Associação Comunitária

Roquete Pinto

Associação de Moradores e Amigos do Conjunto Bento Ribeiro Dantas

Associação dos Moradores e Amigos do Conjunto Esperança

Associação de Moradores do Conjunto Marcílio Dias

Associação de Moradores do Conjunto Pinheiros

Associação de Moradores do Morro do Timbau

Associação de Moradores do Parque Ecológico

Associação de Moradores do Parque Habitacional

da Praia de Ramos

Associação de Moradores do Parque Maré

Associação de Moradores do Parque Rubens Vaz

Associação de Moradoresdo Parque União

Associação de Moradores

da Vila do João

Associação Pró-Desenvolvimento da Comunidade de Nova Holanda

Biblioteca Comunitária Nélida Piñon

Centro de Referência de Mulheres da Maré - Carminha Rosa

Conexão G

Conjunto Habitacional Nova Maré

Conselho de Moradores da Vila dos Pinheiros

Luta pela Paz

União de Defesa e Melhoramentos do Parque

Proletário da Baixa do Sapateiro

União Esportiva Vila Olímpica da Maré

Editora executiva e jornalista responsável

Silvia Noronha (Mtb – 14.786/RJ)

Editor assistente Hélio Euclides (Mtb – 29919/RJ)

Repórteres e redatores Aramis Assis

Fabíola Loureiro (estagiária)Rosilene Miliotti

EDIT

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HUMOR - André de Lucena: “Fora de moda”

Expediente

Leia o Maré e baixe o PDF em www.redesdamare.org.br /redesdamare @redesdamare

Editorial

Democracia participativana Maré

Esta edição nos leva a refletir sobre o significado de democracia participativa e deliberativa. Trata-se de um processo no qual os cidadãos não apenas votam, mas também buscam participar efetivamente e interferir nas políticas públicas – algo ainda em construção no Brasil, que vai além da avaliação e da crítica, também necessárias e de suma importância.

A diferença é que a busca por espaços de participação requer diálogo com os representantes do Estado, na tentativa de se alcançar os desejos dos cidadãos. E é exatamente isso que estudantes e responsáveis buscaram ao construir um plano local de educação para a Maré, que será entregue e debatido com a prefeitura, conforme reportagem publicada nas páginas 6 e 7.

O Maré de Notícias, desde seu lançamento em dezembro de 2009, vem pautando uma série de debates promovidos por participantes que possuem esta postura, a de dialogar com o poder público e insistir, reunindo cada vez mais pessoas, até que sejamos ouvidos.

A todos e todas, boa leiturae bom debate!

Seminário reunirá empreendedores da Marée lançará guia de comércioDia 24 de julho, haverá o “I Seminário de Empreendedores da Maré: compartilhando experiências e possibilidades”, com o objetivo de debater as características socioeconômicas locais e contribuir com a elaboração participativa de políticas públicas. Estão convidados comerciantes, prestadores de serviço, representantes de instituições locais e demais interessados. Durante o seminário será lançado o “Guia de Comércios e Serviços da Maré”, iniciativa que faz parte do Censo Maré, organizado pela Redes da Maré em parceria com o Observatório de Favelas. Veja abaixo como se inscrever e participe!

Seminário de Empreendedores da MaréQuinta-feira, 24/07/2014, de 17h30 às 22hCentro de Artes da Maré (CAM) - Rua Bittencourt Sampaio, 181.Nova Holanda (altura da Passarela 10 da Av. Brasil) Inscrições: de 06 de junho a 23 de julho - Pelo site: redesdamare.org.brOu na secretaria da Redes: Rua Sargento Silva, 1012 - Nova Holanda

Futebol ajudando a superar as fronteiraspo ficou parado e ninguém podia jogar porque havia o perigo de tiroteio. Ficou interditado durante um bom tempo. Uma vez, lembro bem disso, alguém chegou falando ‘o campo tá funcio-nando!’, aí fomos lá. Já não era aquele campo grande de 11, alguns barracos tinham invadido o espaço e ficou cam-po de society (onde jogam apenas oito pessoas). O campo nessa época não era como é hoje, que é cercado, com o gramado sintético, era de terra batida.

Tinham vários times já, assim que o campo voltou à ativa. Tinha um time muito bom chamado Palmerinha, e nós não tínhamos um time na época. Esse time que jogava tinha um horário fixo, todo sábado às três horas da tarde era esse Palmerinha, time do ‘Cabeleira’, um menino que já faleceu também, in-felizmente, e que tinha uns caras muito bons de bola e que se juntaram com esse pessoal de cá da família Jorge e nós ficamos com o horário deles. Des-sa junção, surgiu o Flexa. Quer dizer,

não tinha o nome de Flexa, um amigo até me perguntou, o Timbira, se eu ti-nha alguma sugestão para dar em re-lação ao nome. Naquela época eu que ficava com negócio de ‘águia de ouro’, ‘raio de sol’ essas coisas, daí um dia ouvi falarem: ‘Vamos lá no campo ver o Flexa jogar’. Eu pensei ‘que Flexa?’, ninguém sabia o que era Flexa. Aí quer dizer, foi paixão à primeira vista.

Nessa época não havia campeonato. Cada time tinha o seu horário. Então a gente jogava contra times que tinham outro horário ou que não tinham horá-

rio. Até que uma vez alguém, que não sei quem, resolveu organizar um cam-peonato. E nós começamos a partici-par de campeonato a partir daí. Isso foi em 1987 já.

Nós ganhamos os dois primeiros cam-peonatos que foram realizados aí, de forma invicta até, dois campeonatos sem perder pra ninguém. Por isso que antes dessa pausa que o time está so-frendo agora, nós tínhamos na camisa duas estrelas douradas para simboli-zar esses dois títulos. E foi um total de 12 títulos que nós conquistamos. Não só aqui, pois nós fomos campeões na Vila do João, no campeonato de lá. Campeonato do Rubens Vaz. Teve um campeonato aqui no Latão, campo ex-tinto, que é aqui atrás também. Foram 12 no total.

Eu comecei a me envolver mais com o time muito em função do Reco, que jogava muito, o cara é que me levava pro campo para ver o jogo do Flexa.

Eu ia mais pro campo para vê-lo jogar e indo tomei um gosto muito grande e quando Martinho, que embora fos-se o irmão mais novo, era o cara que tinha mais iniciati-va. Martinho era o líder, mas depois resolveu abandonar. E algumas pessoas vieram falar pra mim: Poxa Ademir, o Flexa vai acabar’ e me per-guntaram se eu não queria assumir. Primeiro como trei-nador, treinador é força de expressão, aqui ninguém é treinador. Então, uma vez um dia das mães, que a gente jo-

gou contra o Cascavel, era uma coi-sa até tradicional, na época, todo dia das mães jogavam Cascavel X Flexa. Nesse ano houve um empate, apesar da discrepância entre os dois times, pois o Flexa era muito melhor. Hou-ve uma crise desse empate, então o Tião me convidou para ser o treinador e eu aceitei. Mais tarde com a amea-ça de terminar o time, eu já gostando tanto de ser treinador resolvi ficar com o time, foi quando eu assumi. Não sei a data, mas desses 36 anos eu fiquei bem uns 28, 29 ou até 30 anos à frente do Flexa.”

LEMBRO, LOGO EXISTO - Memória e Identidade

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O casal Geandra e Timo, fundadores da Roça

Castanha, mel e pão de mel, entre outros produtos à venda no Timbau

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Silvia Noronha

Dias antes do início dos jogos do Mundial, o visual na Maré era bem diferente das Copas anteriores. A ani-mação dos moradores para decorar as ruas foi bem mais tímida este ano do que em 2010, mas aos poucos o verde e o amarelo foram surgindo aqui e ali. Pelas conversas era pos-sível perceber que as críticas sobre os gastos públicos com os megae-ventos Copa e Olimpíada estavam presentes também pela Maré.“Eu nem estava animado desta vez, mas uma vizinha apareceu com um pacote de fita verde e amarela e aí começamos a arrecadar dinhei-ro com o pessoal. É muita polêmica, mas é tra-dição da nossa rua”, explica Carlos Friedrich, o Fred, morador da Rua 1, uma das primeiras situadas na Vila do João a pendurar bandeiri-nhas. Nos dias de jogo do Brasil, a programa-ção inclui telão na rua e música no final. “A gen-te precisa de muita coisa, saúde, educação, concordo com a polêmica, mas brasileiro gosta

Rosilene Miliotii

Na edição nº 51 do Maré de No-tícias apresentamos duas hortas comunitárias. Agora vamos falar da Roça, uma loja criada em 2011 a partir do desejo de quatro ami-gos que sonhavam com um espa-ço de encontro na Maré. Geandra Nobre, uma das fundadoras, que-ria que o local fosse mais do que um bar e reunisse atividades cul-turais. “Pensamos muito até che-gar na ideia da Roça, um espaço onde tivesse produtos orgânicos e naturais. No início vendíamos ape-nas por e-mail e fazíamos a entre-ga em domicílio”, lembra. Do virtual, eles foram para a feira do Morro do Timbau até que conseguiram comprar uma loja na mesma comunidade, com apoio de uma instituição alemã. A loja é dividida entre o trabalho da cooperativa, que vende os produtos com objetivo de gerar renda, e o Espaço Comunitário, que pode ser usado

Críticas aos gastos com a Copa tomam conta também da Maré, mas não impedem a torcida

Na Maré, produtos orgânicos não são artigos de luxo e podem ser encontrados com bom preço. Em breve teremos até cerveja artesanal pura e sem transgênico produzida na favela

A Copa da polêmica

Alimento saudável perto de casa

de futebol, né, então vou torcer”, ressalta Fred.

Muitas pessoas com quem o Maré de Notícias conversou têm opinião semelhante, a exemplo do presidente da Associação de Moradores da Vila do João, Marco Antonio Barcellos, o Mar-quinho Gargalo. Na Copa de 2010, ele instituiu até uma premiação para as ruas mais enfeita-das. Este ano não haverá prêmio, mas a torcida pelo Brasil está garantida.

“Estou sentindo que as pessoas levam o even-to para o lado político”, diz ele, que apoia as manifestações, mas vai sim torcer para o Bra-sil. “Podiam ter feito um plebiscito para ver se o povo queria a Copa no Brasil. Queríamos mais hospitais funcionando e outros serviços públicos, é verdade, mas agora é preciso usar o bom senso. Quem não quer o Brasil cam-peão?”, questiona ele.

José Maciel, morador da Travessa 4, uma das ruas premiadas na Copa de 2010, também sen-te diferença no clima. “Investiram muito nessa Copa e estamos vendo saúde e segurança pú-blica horríveis, mas sou brasileiro. Estou con-fiante de que a taça vai ficar aqui.”

Na Vila do Pinheiro, uma das primeiras ruas enfeitadas foi a Travessa 8, onde os mora-dores contribuíram com R$ 5 cada um para

alegrar o visual. Antônia Monteiro de Lima aprovou. “A ideia é ver o jogo na rua. Fica bom para caramba, com bebida, comida e os vizi-nhos reunidos”, conta.

Pluralidade de opiniões

Nem tudo será festa. Um grupo de moradores está organizando uma decoração em forma de protesto na Rua São Jorge, na Nova Holanda. A escolha é uma referência simbólica à chacina da Maré, que completa um ano durante a Copa. Nessa rua, três pessoas foram mortas em uma mesma casa, na ma-drugada de 24 para 25 de junho do ano passado, na operação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) que vitimou nove pessoas. Os crimes ocorreram após um sargento ter sido morto.

Assim, seja comemorando com as vitórias da seleção brasileira de futebol, seja protestando contra os gas-tos com a Copa, o importante é que o espírito demo-crático se fortaleça e se amplie. Que todos possam expressar o que pensam e se manifestar do jeito que acham mais justo. Pode ser enfeitando as ruas, orga-nizando o churrasco com os vizinhos ou realizando atos e manifestações de contestação. O fundamental é garantir a pluralidade de opiniões. Todos têm o direi-to de manifestar suas ideias. Respeitar esse direito é fundamental para construirmos uma sociedade mais democrática, tolerante e aberta ao diálogo.

Rua 1, também na Vila do João

por qualquer pessoa que precise de um local para realizar uma atividade coletiva. ”O grande desejo é construir um espaço econômico que possa gerar renda”, diz ela, após informar que a iniciativa ainda não dá lucro, mas se mantém sem financiamento.

Apesar de inicialmente o grupo ter pensado como público alvo os jovens e frequentadores de academia, as pessoas que mais compram os produtos são os idosos. O que eles mais procuram é a farinha de linhaça.

“Temos uma política de economia coletiva, por isso os produtos são mais baratos do que nas lojas. O nosso arroz integral de 500g custa R$ 3,20, enquanto na concorrência custa R$ 7,40. Dá para vender esses produtos mais baratos, mas a impressão que temos é que esses alimentos são artigos de luxo e nem todo mundo pode consumir”, critica Geandra.

Timo Barcholl, geógrafo alemão, morador da Maré há cinco anos e também fundador da Roça, explica que a economia coletiva é diferente, porque é tida como meio para uma causa mais ampla. Por isso, o espaço está aberto para outros tipos de encontros e para questões comunitárias que vão além do aspecto econômico de um comércio.

Roça Produtos Orgânicos e NaturaisAberta às segundas, quintas e sextas a partir das 16h. Toda segunda tem atividade para crianças, com filme e debate. Rua Caetés, 82, Timbau. Para saber mais, visite o site: roca-rio.com

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Cerveja de favela

Produção de cerveja artesanal na favela? Sim, é nisso que a Roça e pessoas de outras favelas estão pensando. Em 2013 aconteceu um encontro de economias coletivas na Maré com o objetivo de refletir “que economia a gente quer?”. De acordo com Geandra, a partir desse encontro veio a ideia da produção de cerveja artesanal.

“Vamos criar um núcleo em várias favelas para que as pessoas possam produzir sua própria cerveja e revender. A base será no Morro da Babilônia, no Leme. Hoje, a cerveja que a maior parte das pessoas consome está cheia de milho transgênico, não é uma cerveja pura, a composição é a base de cereal e industrializada”, explica Geandra.

“É possível que em 2015 a gente já tenha a cerveja produzida aqui. Cada local vai ter uma receita. Aqui nós teremos vários tipos. Eu quero pilsen, a Geandra já pensa em um tipo com especiarias como pimenta rosa, por exemplo”, adianta Timo. Ele acredita que esse tipo de produto possa chamar a atenção dos moradores tanto para a importância dos produtos orgânicos como para que eles vejam a diferença entre uma cerveja industrializada e a artesanal.

José Maciel, da Vila do João

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melhoria do plano pedagógico nas escolas e maior participação dos pais nesse processo. Ela critica a condição precária da estrutura e da merenda em várias unidades.

Muito trabalho pela frente

Também presente ao seminário, Antônio Ar-canjo, diretor do Hélio Smidt, afirma que o encontro deveria ter mais participação dos pais, mas quem estava presente se mostrou comprometido em fazer uma educação dife-rente. Para Antônio “ainda há muito trabalho pela frente, de sensibilizar o outro de que a educação é a ferramenta para a construção de um mundo melhor, de pessoas melhores.”

Julia Ventura, coordenadora do PCP Maré, ressalta que a participação dos pais no

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Responsáveis e alunos pedem mais diálogo com as escolas, transparência nos gastos, eleições para a diretoria e para o Conselho Escola Comunidade, entre outros pontos

DEMOCRÁTICA

“Democracia não é só votar, é se organizar de livre e espontânea vontade para pensar na melhoria da nossa

educação.” Julia Ventura

Aramis Assis

Construir um Plano Local de Edu-cação para as escolas públicas da Maré. Este foi o objetivo do II Semi-nário de Estudantes e Famílias da Maré, que aconteceu em 31 de maio, na Escola Municipal Clotilde Guima-rães, em Ramos. Cerca de 100 pais e responsáveis, 58 crianças, além de integrantes da equipe do Programa Criança Petrobras na Maré (PCP Maré) participaram do evento.O plano (leia na página ao lado), a a ser entregue à 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), reivindica pontos específicos da estrutura e do ensino das escolas de seus filhos. Entre os itens estão mais diálogo e transparência, melhorias salariais para os professores e turmas com menos alunos.

O seminário aconteceu como continuidade das discussões do Grupo de Pais e de outros espaços de debate do PCP Maré, com o objetivo de estimular a reflexão e a participação nos assuntos relativos à escola e à comunidade.

Os pais foram divididos em dois eixos de discussão. Um deles debateu orçamento participativo e Conselho Escola Comunidade da Maré (CEC) e o outro currículo escolar. As propostas visam atender as reais necessidades da Maré, considerando este momento em que a prefeitura anuncia novos investimentos na rede de educação local (leia sobre este tema nas páginas 8 e 9).

Convidada para o evento, Sirlene Corrêa da Silva, mãe representante do Ciep Hélio Smidt e do CEC, considera fundamental a ida periódica dos responsáveis à unidade escolar para acompanhar de perto a educação dos filhos.

Mãe de dois alunos da Escola Municipal Armando de Salles Oliveira, a manicure Estefânia Pereira dos Santos, também integrante do CEC da Maré, defende a

seminário é um ato democrático. “A demo-cracia não é só votar, é se organizar de li-vre e espontânea vontade para pensar na melhoria da nossa educação; é o indivíduo dizendo o que é melhor para si e para sua comunidade. É impossível não pensar na escola pública de qualidade como a melhor possibilidade de uma vida digna para nos-sos filhos.”

Segundo ela, a aplicação do documento gerado no seminário depende da pressão de todos os envolvidos com a educação na Maré. “Trabalharemos para cobrar respos-tas rápidas e eficazes em relação às de-mandas apresentadas”, enfatiza Júlia.

O evento contou com atividades de arte-educação para as crianças presentes, realizadas pelos educadores do PCP Maré, como exposições de desenhos,

Orçamento participativo e CEC

a. Exigir da Secretaria Municipal de Educação (SME) o funcionamento efe-tivo do Conselho Escola Comunidade da Maré (CEC);

b. Garantir reuniões periódicas entre representantes dos responsáveis do CEC e os demais responsáveis com exigência de listagem de presença a ser encaminhada à 4ª CRE ou SME;

c. Exigir da escola a criação de estra-tégias de resolução dos problemas que impedem a regularidade das aulas;

d. Publicizar os recursos que a escola recebe e apresentar os comprovantes dos gastos realizados;

e. Participar das decisões sobre como gastar o orçamento federal destinado à educação;

f. Garantir ampla divulgação para a comunidade escolar sobre o que é o CEC;

g. Garantir eleições para a direção da escola e membros do CEC;

h. Criar um fórum dos conselheiros dos CECs da Maré reconhecido pela SME.

CONHEÇA AS PROPOSTAS DOS ESTUDANTES E RESPONSÁVEIS

Currículo

a. Diminuir o número de alunos por tur-ma;

b. Garantir melhorias salariais para os professores;

c. Garantir/promover igualdade de di-reitos para todos e todas;

d. Promover noções de política e direi-tos humanos;

e. Garantir arte na escola;

f. Promover parcerias que garantam projetos como o PCP e palestras nas escolas;

g. Garantir a limpeza das salas;

h. Criar instrumentos novos e para to-dos nas aulas de música;

i. Garantir uma escola prazerosa para toda a comunidade escolar;

j. Promover espaços para a participa-ção política de pais na escola;

k. Garantir a presença de profissionais capacitados nas escolas para garantir o acesso digno de crianças com defici-ência à educação.

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Por uma escola maisde vídeos, contação de histórias e apresentação das oficinas de Flauta e de Circo que acontecem, respectivamente, no Ciep Hélio Smidt, em Rubens Vaz, e na Escola Municipal Armando de Salles Oliveira, na Praia de Ramos.

Em julho, acontecerá o IV Seminário de Educação da Maré, reunindo desta vez também os professores, demais profissionais das escolas públicas locais e representantes da Secreta-ria Municipal de Educação (SME). O local e o dia estão sendo definidos. Cerca de 200 pessoas participaram ativamente do seminário Sirlene: “Pais devem acompanhar

de perto a educação dos filhos”

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O terreno do Ciep Hélio Smidt, em Rubens Vaz, terá um EDI

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Prefeitura prevê mais 20 novas unidades escolares e melhoria de 16 existentes para que todas as crianças da Maré estudem em turno único até o final de 2016. Governo do estado anunciou investimento em educação técnica

Hélio Euclides

O prefeito Eduardo Paes, em sua vinda à Maré em abril, anunciou a criação de um Campus Educacional, ao lado da Vila Olímpica, com cinco unidades Primário Carioca (1º ao 6º ano), um Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) e um Ginásio Carioca (7º, 8º e 9º anos). Logo em seguida, o governo do estado divulgou a construção de Centro Vocacional Tecnológico (CVT) com horário inte-gral e uma escola de Ensino Médio Técnico, ao lado do novo complexo da prefeitura, ambos na Nova Holanda.

Maré terá novas escolas

Terreno da prefeitura, bem ao lado, sem obras ainda

Além das sete novas construções centralizadas, a prefeitura prometeu um EDI no terreno do Ciep Hélio Smidt e outras 12 unidades escolares em local ainda não divulgado, totalizando 20 novos espaços, para que toda a região funcione em turno único até o final de 2016. No geral, serão a mais sete EDIs, 10 escolas primárias e três de ginásio. Ao final de 2016, caso as previsões se concretizem, a Maré contará com 50 unidades escolares da prefeitura. Hoje são 18 escolas, seis creches e seis EDIs.

Segundo o titular da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), professor Eduardo Alves Fernandes, o início das obras está previsto para julho deste ano. Ele detalha que também estão previstas reformas com ampliação em quatro unidades escolares existentes e melhorias e revitalizações da estrutura de outras 12. Conforme o planejamento da Fábrica de Escolas, cinco dessas novas unidades (1 EDI, 2 Primários e 2 Ginásios) serão inaugurados em 2015 e os outros 14 restantes em 2016. Ainda não há informações sobre prazos a respeito da construção do EDI do Ciep Hélio Smidt, obra sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Habitação.

Marcílio Dias de fora

Eduardo afirma que as salas de aulas das novas unidades serão construídas para abrigar, no máximo, 30 alunos no Primário e 35 no Ginásio. Ele lamenta informar que algumas comunidades não serão agraciadas. “Embora eu ainda não saiba da localização exata das unidades, posso adiantar que as regiões da Praia de Ramos e de Marcílio Dias não fazem parte dessas áreas prioritárias para a construção. Ou seja, para essas regiões não há, por enquanto, previsão para novos equipamentos”, relata.

O presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias, Edmilson Joaquim da Silva, recebeu a informação com pesar. “É uma pena que não haja projetos para cá, estamos abandonados pelo poder público. Um local com 63 anos que não acontece nem a ampliação de sua escola. O aluno termina a 4ª série e tem que correr atrás de outro

colégio”, comenta. Segundo ele, a falta de creche é outro ponto fraco. Edmilson tenta agora reverter este quadro.

A moradora de Marcílio, Ana Lúcia do Nascimento, diz que a comunidade tem quatro creches e uma escola, todas particulares, e apenas um pequeno colégio público, a Escola Municipal Gonzaguinha. “Acredito que aqui merecia ter uma creche pública”, suplica.

Planos do governo do estado

Já o governo do estado promete construir um Centro Vocacional Tecnológico (CVT), a funcionar em horário integral para atender a cerca de 1.800 alunos por ano em cursos de qualificação profissional, com duração de 12 a 20 semanas. Prevê também uma escola de Ensino Médio Técnico, com capacidade para 350 alunos.

Este Complexo de Educação da Maré será erguido em um terreno ao lado do 22º Batalhão de Polícia Militar, a cargo da Fundação de Apoio à Escola Técnica, da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (Faetec). A presidente da instituição, Maria Cristina Lacerda, explica que um estudo

está sendo realizado para identificar a vocação profissional que melhor atenda à população local. Os cursos de qualificação serão oferecidos com base nesta análise. O início da obra está previsto para o segundo semestre deste ano, com custo estimado em R$ 13 milhões.

O presidente da Associação do Morro do Timbau, Osmar Camelo, avalia que a educação só seria plena se as construções fossem em todas as áreas da Maré. Sua análise toma por base os documentos do Maré que Queremos, projeto lançado pela Redes da Maré que desde 2010 reúne os líderes comunitários em busca de melhorias estruturantes para as 16 favelas, do Conjunto Esperança a Marcílio Dias. “Estamos ansiosos com as novas construções prometidas. Só penso que pelo tamanho da Maré, a escolha de um local só não agraciará a todas. Foi prometida muita coisa, só estamos com medo, pois a coisa acalmou”, ressalta ele, com receio de que os projetos não sejam concretizados.

“Estamos ansiosos com as novas construções

prometidas. Só que pelo tamanho da Maré, a

escolha de um local só não agraciará a todas.”

Osmar Camelo, da Associação do Timbau

Dirigentes das Associações de Moradores das 16 comunidades da Maré estão cobrando da prefeitura a implantação de um plano local de atuação da Comlurb, que atenda as reais necessidades locais. No dia 10 deste mês de junho, os líderes estive-ram reunidos com a representante da prefeitura na Maré, Terezinha Lameira, que pediu um pouco de paciência. “A intenção é atender a Maré como bairro”, explica ela. Entre as principais reivindicações está aumentar o número de garis para varredura das ruas e também para os caminhões.

Outra novidade foi anunciada por Terezinha: até julho, a Clínica da Saúde da Família Augusto Boal passará a contar com apa-relho de ultrassonografia. Falta ainda o Raio-x também prometido, porém sem data para ser instalado.

Outras novidades da prefeitura (!)

Terreno do governo do estado, ao lado do 22º BPM, com os primeiros sinais de obra

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Convidados de fora e da Maré debatem aspectos positivos e negativos da regulação das drogas

Descriminalizar as drogas:

BOM OU RUIM Rosilene Miliotti

Davi Marcos / Observatório de Favelas

Na edição passada do Maré de No-tícias, debatemos o tema das drogas a partir das visitas à comunidade do neurocientista norte-americano Carl Hart e do especialista brasileiro em segurança pública Luiz Eduardo So-ares. No fim de maio, a Maré apro-fundou o debate com o projeto Rio Sem Fronteiras, do jornal O Dia, que teve como tema “A favela e as dro-gas: descriminalizar ajuda?”. Reali-zado no Observatório de Favelas, o evento teve por objetivo discutir os possíveis efeitos da descriminaliza-ção do uso de drogas nos espaços populares, locais que historicamente sofrem com a falta de direito à segu-rança pública. A mesa do evento foi composta por especialistas contra e a favor da regulação das drogas no Brasil: Sergio Couto, conselheiro em dependência química; Jomar Braga, médico do Instituto Philip Pinel; delegado Orlando Zaccone, da Polícia Civil do Rio; coronel Mario Sergio, da Polícia Militar; Sebastião Araújo, o Tião do Instituto Vida Real; e Eduardo Alves, diretor do Observatório de Favelas.

Sendo contra ou favor, os participantes ressaltaram que é preciso ampliar o debate. Recentemente, o Uruguai tornou-se o primeiro país do mundo a legalizar o cultivo da maconha e neste momento define qual será a forma de regulação. Outros países, como Portugal, apenas descriminalizaram o consumo da droga.

Leia a seguir a opinião dos participantes.

?Proibir também mata

Para o delegado Orlando Zaccone, a proibição não afasta ninguém das drogas. “Quero discutir os efeitos letais da proibição. A criminalização já é o primeiro efeito lesivo da proibição, porque você cria um crime sem vítima. Se eu perguntar aos moradores da Maré qual o maior problema que as drogas trazem para essa comunidade, tenho certeza que os problemas oriundos da proibição são infinitamente superiores aos de consumo”.

Zaccone também é secretário geral da Leap Brasil, organização criada nos Estados Unidos reunindo policiais e integrantes da justiça criminal que defendem a legalização, produção, comércio e consumo de todas as drogas. A instituição critica duramente a política de “guerra às drogas” estimulada pelo

governo norte-americano mundo afora. “Nossa sociedade se estabelece com atos hipócritas. Eles falam que estão preocupados com a saúde, mas mentem porque se estivessem mesmo não haveria propaganda de álcool e nem de remédio na TV”.

O delegado lembra que o comércio de drogas ilícitas é a quarta maior economia do mundo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), e que certamente todo esse dinheiro não está nos guetos e nas favelas do mundo. “Onde está a quarta maior economia do mundo? Está no sistema financeiro. Recentemente o banco

HSBC foi investigado nos EUA por lavagem de dinheiro do tráfico do México. O Senado norte-americano aplicou uma multa de milhões de dólares e nenhum executivo do HSBC foi processado porque isso poderia trazer impacto para o sistema financeiro”, critica ele.

Enquanto executivos não vão presos, o tráfico de drogas é o crime que mais encarcera mulheres no Brasil. “Quem são essas traficantes ‘perigosas’?”, ironiza Zaccone. “São mulheres que levam pequenas quantidades de drogas para os companheiros dentro dos presídios. E a delegacia que há mais de 20 anos é a primeira colocada em número de flagrantes em tráfico de drogas é a de Bangu. Só isso já é um argumento para acabar com a proibição porque prendemos traficantes e colocamos todos eles no lugar que mais registra flagrantes. Estamos alimentando e não estamos resolvendo nada.

Enquanto isso, pessoas que nunca usaram drogas estão morrendo em uma guerra sem fim”, declara.

Zaccone ressalta que a droga que mais registrou redução de consumo foi o tabaco, em função de uma política pública estabelecida com esta finalidade. “Por que é que no ambiente social nós fazemos distinção de quem cheira cocaína é produtivo, é candidato à presidência, trabalha na Bolsa de Valores de São Paulo, mas quem usa crack é um zumbi?”, questiona. Para ele, as drogas fazem mal, porém a situação piora quando são proibidas.

Uma questão de saúde pública

Eduardo Alves defende outro olhar da sociedade sobre a questão, que se baseie na saúde e não no modelo penal. Ele sugere acabar com o processo punitivo e proibitivo, tirar da criminalização e construir um projeto de lei que descriminalize a droga. “Temos que estabelecer políticas regulatórias que levem em consideração a diferença, esclarecer, estabelecer o local de venda, de uso, as condições, que permita fazer o cadastramento dos usuários que precisam de tratamentos diferentes de outras drogas, e isso não é possível com a legislação que temos hoje”, frisa.

Jomar Braga, médico do Instituto Philip Pinel, lembra que hoje existe uma infinidade de drogas e que os tratamentos precisam ser diferenciados. “Estatisticamente o álcool ainda é a primeira droga. Quando chega ao fígado, provoca uma série de reações que vão da euforia à depressão”, explica.

“Se eu perguntar aos moradores da Maré qual o maior problema que as drogas trazem para essa comunidade,

tenho certeza que os problemas oriundos da proibição são infinitamente superiores aos de consumo”

Delegado Orlando Zaccone

Segundo o médico, um fator que complica o tratamento de outras drogas é a falta de medicamentos mais eficazes. “Há falta de vontade política em adquirir novas e modernas medicações. O tratamento de um alcoólatra leva pelo menos sete dias, mas de um usuário de crack, 20. Por outro lado, as instituições acham que 15 dias é muito tempo para tratar um dependente químico”, critica. Ele é a favor da regulamentação do uso medicinal da maconha.

Sergio Couto, por sua vez, faz ponderações. “Sou contra a liberação da maconha, mas a favor da regulação e de estudos para viabilizar o uso que auxilie na saúde das pessoas. Eu passo todos os dias por garotos que sofreram com o uso da maconha”.

Contra a descriminalização

Ex-dependente químico, Tião, do Vida Real, é contra a liberação do uso de drogas. “Após a entrada do Exército na Maré, aumentou o número de jovens que me procuram em busca

de ajuda para sair do vício. Mas tem casos em que levo um jovem para se tratar e no dia seguinte ele está de volta. Levei um jovem para o centro de recuperação 11 vezes e ele virou pra mim e disse: Caramba, Tião, gosto de você porque você não desistiu de mim’. Esse rapaz já está há um tempo sem usar drogas, trabalhando e com a família. Isso me motiva a ajudar”, conta.

O coronel Mario Sergio, que comandou o Batalhão da Maré (22º BPM) entre 2004 a 2006, é contra a legalização e a descriminalização das drogas, mas acha que a sociedade precisa debater mais o assunto. “As pessoas deixam de usar drogas porque têm medo da lei. Eu não sou a favor da legalização, mas precisamos discutir mais, avaliar prós e contras. Não há certo ou errado, o que vai haver é o pacto social”, afirma ele. O entendimento de todos os presentes é de que este debate está apenas começando, a partir da necessidade de o Brasil rever sua política de combate às drogas.

Demais palestrantes ouvem Eduardo, do Observatório, defendendo um olhar de saúde pública sobre a questão e não mais o modelo penal

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caO luto da Maré

Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré e da Divisão de Integração Universidade Comunidade (Diuc/PR-5/UFRJ)

A noite de 24 e a madrugada de 25 de junho de 2013 ficarão na memória dos moradores da Maré e da cidade do Rio de Janeiro pela tristeza. Durante uma operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), dez pessoas foram mortas em um episódio que deu visibilidade à violência que caracteriza os conflitos entre os grupos criminosos ar-mados e as polícias. Marcado pela dor e perda de vidas como tan-tos outros, o evento foi, no entanto, singular pela forma como a população local se mobi-lizou para im-pedir tragédia maior e garan-tir alguma re-percussão dos eventos ocorri-dos e, também, como conse-quência desse processo, pela forma como se iniciaram as investigações pela Polícia Ci-vil, através da Divisão de Ho-micídios (DH).

No bojo das manifestações que marcaram o mês de junho de 2013 no Brasil, instituições e indivíduos atuantes na Maré realizaram um protesto no dia 2 de julho daquele ano, sete dias após as mortes. Moradores do Complexo e de vários cantos da cidade, num misto de revolta e busca por justiça, se reuniram e tornaram as mortes na Maré parte da pauta das reflexões sobre a ação das polícias do Rio.

A repercussão mundial da tragédia nas mí-dias sociais e imprensa, após aquela madru-

gada sangrenta, gerou uma reação das auto-ridades, que deram agilidade à investigação. No mesmo dia das mortes foram iniciadas as perícias pela Polícia Civil, que acompanhei, juntamente com integrantes da Comissão de

Direitos Humanos da As-sembleia Legislativa do Es-tado (Alerj), de instituições que trabalham na Maré e representante do Ministério Público estadual.

Foram necessários muitos dias para identificar as vítimas e convencer seus familiares a contribuir com depoimentos e pistas para as investigações da DH. Um número significativo de testemunhas se dispôs a vencer o medo de falar – fato incomum no contexto das favelas cariocas. A participação dos familiares, apesar das dificuldades

históricas inerentes a esse processo, foi determinante para o que se acumulou sobre os possíveis esclarecimentos dos fatos de lá até o momento.

Infelizmente, não houve, ainda, o anúncio final pela DH dos resultados das investigações. Dos 10 atingidos, um era sargento do Bope. As operações, no Parque Maré, na Nova Holanda e no Parque União, três das 16 favelas da Maré, foram motivadas por furtos a transeuntes na Avenida Brasil, filmados e

apresentados, ao vivo, em um canal de TV. Um grupo de agentes de segurança pública entrou na Maré e, logo de início, foi morto um dos policiais. A partir dali, segundo os depoimentos dos moradores, houve uma sequência de ações brutais em diferentes locais, aparentemente como forma de vingar o policial morto.

Após um ano dos tristes acontecimentos na Maré, o responsável pelas investigações,

o delegado Rivaldo Barbosa, informa que o trabalho será concluído em breve e apresentado à sociedade. As perícias realizadas indicam que uma das mortes – a do policial – ocorreu no confronto com integrantes de grupos locais armados. Outras oito teriam sido, segundo a investigação, decorrentes de resistências seguidas de morte; e a última vitima trabalhava em um bar no momento em que a polícia, avançando para os fundos da favela Parque União, atirou na direção do estabelecimento comercial. É importante frisar que, após a entrada das forças federais militares na Maré, no início de abril, foram feitas novas perícias em locais onde ocorreram as mortes na região.

As informações preliminares sobre as investigações já são suficientes para instigar a reflexão sobre mortes em favelas e periferias e sobre o esclarecimento de crimes em nosso país. Dos dez vitimados, presume-se – já que ainda não foram finalizados os inquéritos – que em oito houve resistência seguida de morte. Isso significa dizer que, de vitimas, essas pessoas serão apontadas como autores das mortes num contexto de confronto com a polícia.

Fim dos autos de resistência

Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei número 4471/2012, que propõe o fim da carac-terização dos homicídios que acontecem em confronto com as policias como autos de re-sistências seguidas de morte. Essa expressão, que se tornou corriqueira, vem servindo para justificar, historicamente, a falta de esclareci-mentos sobre muitas ações criminosas en-volvendo profissionais da segurança pública e integrantes de gru-pos criminosos arma-dos.

O texto do projeto sugere uma série de medidas para que estes delitos sejam, de verdade, investigados e punidos. Seria a chance de reduzir o número de processos investigativos policiais nunca esclarecidos, gerando impunidade, abuso de autoridade e fraudes e atingindo diretamente, de maneira perversa, pessoas que não têm força para se contrapor na Justiça à ação equivocada do Estado .

Apesar do esforço de registro e esclareci-mento dos homicídios ocorridos na Maré em junho de 2013, será necessário muito mais tempo e determinação por parte das auto-ridades de segurança pública para que as populações de áreas de favela desenvolvam a confiança nas forças policiais. Os confron-tos entre os grupos criminosos armados e as polícias são quase sempre caracteriza-dos por abusos, falta de identificação dos

agentes e pela ausência de procedimentos legais no trato com a popula-ção das fave-las. Tudo isso, sem dúvida, tem gerado descrédito e dificultado as investigações desses casos.

Em outro as-pecto, a popu-lação de fave-

las e periferias não reconhece e não confia nos procedimentos e formas de registro dos órgãos investigativos no caso das violações, abusos e homicídios no contexto desses territórios. O medo impera e paralisa muitas

famílias que perderam seus entes queridos, sejam eles policiais ou civis, no sentido de se construir as evidências sobre como os fatos aconteceram e em que condições. Re-constituir as cenas desses crimes requer muito empenho e disposição das partes envolvidas. Acima de tudo, deve ter como pressuposto o fato de que é inaceitável que tantas pessoas sejam mortas e não haja es-clarecimento e punição dos responsáveis.

Na Maré, os moradores ainda carregam as marcas das violências ocorridas naquela noite de junho, em que os tiros não paravam de soar. Além dos mortos nas ruas, que ge-raram perplexidade e revolta, foram muitas as violações ocorridas. Casas foram invadi-das, portas quebradas, pertences revirados. Os moradores sofreram abordagens trucu-lentas e ameaçadoras e o medo se instau-rou de maneira generalizada.

A comprovação de que as mortes resultaram de uma vingança pela morte do sargento do Bope coloca o Estado, através da Secretaria de Segurança Pública, numa situação que exige uma atenção e resposta das autoridades. É incompreensível e inaceitável que profissionais da segurança pública, que deveriam atuar na direção da proteção e do respeito à vida, sejam responsáveis por mortes brutais e injustificadas.

“Presume-se, já que ainda não foram finalizados os inquéritos, que em oito houve “resistência

seguida de morte”, o que significa dizer que de vítimas

essas pessoas serão apontadas como autores das mortes num contexto de confronto com a

polícia”

“A comprovação de que as mortes resultaram de uma vingança coloca o Estado numa situação que exige uma atenção e resposta das autoridades.

É inaceitável que profissionais da segurança pública, que deveriam atuar na direção da proteção e do

respeito à vida, sejam responsáveis por mortes brutais e injustificadas”

“É importante enfatizar que tramita no Congresso Nacional

Projeto de Lei de número 4471/2012 que propõe o fim

de registro nas delegacias de um número significativo de homicídios que acontecem,

normalmente, em momentos de confronto com as polícias como autos de resistências seguidas

de morte”

Chacina da Maré completa um ano e nos lembra: é preciso acabar com o termo ‘autos de resistência’

ARTIGO

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Ana Maria e Aline, moradoras e escritoras na Flupp Maré

As escritoras Muriel Diallo (da Costa do Marfim), Tatiana Salem Levy (luso-brasileira) e Marion Loire (França)

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O evento, que começou com uma partida de futebol no Campo da Paty, reuniu moradores da Maré e escritores de cinco países

Maré recebe Flupp Brasil Rosilene Miliotti Elisângela Leite

Escritores do Brasil e de outros quatro países participaram da primeira Festa Literária das Periferias (Flupp) realizada na Maré, para debater sobre suas obras e a diversidade. Mas assuntos como a Copa no Brasil e a violência contra a mulher também surgiram durante o encontro. Inspirada na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a Flupp é um projeto que se diferencia por buscar um processo continuado de formação de leitores e autores nas periferias. A ideia é promover encontros com autores profissionais para afir-mar que é possível ser escritor. “O poder público ainda não leva fé na possibilidade de discutir literatura na periferia. Além disso, fomos educados a acreditar que não podíamos ser algo que prestasse, que dirá escritor”, afirma Ecio Sales, idealizador do projeto junto com Julio Ludemir.

O evento aconteceu no Galpão Bela Maré, na Nova Holanda, no início de junho, contando na abertura com um jogo de futebol no Campo da Paty, no Parque Maré, disputada por escritores brasileiros e alemães.

Entre os moradores presentes aos debates estavam Aline Melo, da Vila do Pinheiro, e Ana Maria de Souza, da Vila do João. Ambas gostam de escrever, principalmente poesia, mas tam-bém prosa. “Senti a necessidade de escrever contos infantis e recentemente lancei o livro ‘A fadinha Maria e sua boneca de pano’ e a venda ajuda a manter o projeto Maré Latina”, conta Ali-ne. O projeto desenvolve atividades gratuitas, entre elas curso de espanhol.

Segunda-feiraDança de Rua

Introdução ao ballet

“Inimigo do Povo” sábado, 14/06, às 18h Adaptação do texto de Ibsen,

pela Cia Código de Artes Cênicas, de Japeri, formada

por jovens artistas da Baixada Fluminense.

Excepcionalmente, o espetáculo de junho ocorre no dia 14 por causa da Copa do Mundo. Em

julho, as apresentações voltam a acontecer no último fim de

semana do mês.

Sexta-feiraDança de salão

Quarta feiraDança Criativa

Dança contemporânea

Quinta-feiraBallet

Dança contemporânea Dança criativa

Terça-feiraBallet

Dança contemporânea Consciência corporal

Percussão

Oficinas da Escola Livre de Dança da Maré

ATIVIDADES

GRATUITAS!

Mostra Maré de Artes Cênicas

R. Bitencourt Sampaio, 181, Nova Holanda. Programação no local ou pelo tel. 3105-7265

De 2 a a 6a, de 14h às 21h30

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Autores da periferia em livro

Antes de chegar à Maré, a Flupp Brasil passou pela periferia de Curitiba, Salvador e São Paulo. De acordo com Ecio, essa trajetória ajudou a acumular experiência e a travar diálogos com vários atores. Julio, por sua vez, diz que “hoje a Maré está no foco do Rio de Janeiro e que é preciso atrair olhares para cá que não sejam a mira de um fuzil.”

A Flupp Brasil apresentará 40 novos autores que terão seus tex-tos reunidos em um livro, com lançamento previsto para agosto. “A diferença desta vez é que o tema remeterá a uma reflexão so-bre o país. Por isso, foram eleitos quatro pensadores brasileiros que terão suas obras discutidas com total abertura crítica”, expli-ca Júlio. Os nomes dos escolhidos ainda não foram divulgados.

Herbert ViannaLona cultural

PROGRAME-SE !www.redesdamare.org.br

entrada gratuita

PROGRAMAÇÃOFesta Junina da Lona

Com Os Três Forrozeiros Quarta, 18/06, às 21h

Baile Primitivo Sexta, 27/06, às 21h

R. Ivanildo Alves, s/n - Nova MaréTels.: 3105-6815 / 7871-7692

[email protected] FACE: Lona da MaréTwitter: @lonadamare

cultura

Biblioteca PopularMunicipal Jorge Amado

Ao lado da Lona, atende a toda a Maré:Amplo acervo, brinquedoteca, gibiteca e

empréstimo domiciliar

OFICINAS

Arte – costura2ª feira, 8h às 10h

Desenho básico2ª feira, 10h às 12h

Educação Ambiental2ª e 4ª feira, 16h às 17h30

3ª feira, 10h às 11h30e de 14h às 15h30

Design têxtil4ª feira, 14h às 16h

Contação de história5ª feira, 14h30 às 17h30

Artes visuais5ª feira, 16h às 17h30

SkateSábado, 9h às 12h

Oficina do movimento - dança

Sábado, 10h às 12h

Complementaçãopedagógica

Horário e local a confirmar

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- Menina, descobri o que está me fazendo engordar. É o xampu!- Hãããã???

- É, eu li no rótulo. O xampu dá corpo e volume. Vou passar a usar detergente, que tira até as gorduras mais difíceis !

Dica para emagrecer Rindoatoa)Moradores

todos os meses! Envie seu desenho, foto, poesia, piada,

receita ou sugestão de matéria.Rua Sargento Silva Nunes, 1.012 – Nova Holanda Tel.: 3104-3276

E-mail: [email protected]

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Busque um exemplar na Associação de

da sua

Nosso leitor também é escritor

O GORDO

Elpídio Bernardes da Costa, morador da Maré há 50 anos, é um camarada de ideias criativas. “Minhas histórias são inspiradas em fatos reais que eu fantasio”, conta ele.

Seu Elpídio veio de Ivolândia, município de Goiás. Primeiro foi para São Paulo, depois para o Rio de Janeiro. Passou uma temporada na casa de um amigo que ele conheceu logo que chegou e que lhe deu abrigo. Era na Rua Teixeira Ribeiro. Em seguida foi para o Morro do Timbau e há 32 anos está no Conjunto Esperança.

“Cheguei sem ter onde morar. Aqui conquistei esposa, moradia, tive uma filha”, afirma ele, que há seis anos é agente de saúde do Posto da Vila do João.

Escolhemos um de seus textos para publicar no mês de seu aniversário (ele completa 70 anos em 15 de junho). Parabéns, Seu Elpídio, pelo aniversário e pelas histórias!

— O gordo ta de travesso, com aquela guimba de cigarro atravessada na boca... a baforar fumaça,a empestear de picumã as suas narinas... — A não conseguir-se realizar o seu objetivo, o dono de um restaurante na rua principal da Vila do João intenta convencê-lo a deixar o nocivo vício: — Esse Inácio Normandes é um jongo, nas garras do vício... enxertado na hipertensão e adoçado na diabete, o seu confete...

— Esse gorducho é um bruxo, só que não existe vassoura que o aguente... a sua vassoura é especial, a varrer o lixo do luxo... — Ao prosseguir-se, o comentário é irônico a afetar diretamente o cozinheiro, que era indivíduo tranquilo, a não importar-se com os indiscretos ditos: — Ao descortinar-se da fama, na medida certa do tempero... ele, que anda a

Elpídio Bernardes da Costa

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cheirar alho e cebola, sob o seu labor de cozinheiro, o seu destempero...

— Ora, destemperado o Gordo sempre foi... assim diz o falso feirante Boi, seu amigo... — A uma afirmativa injuriosa, acrescenta um outro cozinheiro, que investigava os seus conhecimentos culinários, após sentir-se liberto para impor-se as suas minguadas habilidades de mestre cuca: — Ultimamente, ele só estava sabendo, era só preparar farofa com toicinho de fumeiro... que já vem temperada, e dá cheiro...

— Uai Batista, levanta a crista... ao cozinhar-se do falo, vai-se um e vem-se outro... — Ao perceber-se que o dono do restaurante estava deprimido, com a passagem do cozinheiro, um mineiro se amigo intenta reanimá-lo, a utilizar-se palavras de conforto: — O Gordo foi-se, e o Magro vem-se... pois a vida é emprestada, ela não é de ninguém...