123

renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

  • Upload
    votuyen

  • View
    221

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade
Page 2: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade
Page 3: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade
Page 4: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade
Page 5: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade
Page 6: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

m301.540981 Rocha, Renata.R672h História de cohabeiros: será que o onde determina ou

o quem? Moradores da Cohab de Carapicuíba respondem./ Renata Rocha. –Campinas: PUC Campinas, 2007. 125 p.

Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia UniversidadeCatólica de Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação,Faculdade de Jornalismo.

1. Habitação – aspectos sociais - Brasil. 2. Habitaçãopopular – aspectos sociais - Brasil. 3. Habitação popular –São Paulo. 4. Política habitacional. I. Rey, Carlos RobertoSaviani. II. Pontifícia Universidade Católica de Campinas,Centro de Linguagem e Comunicação, Faculdade deJornalismo. III. Título.

20.ed. CDD –m301.540981

Page 7: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

Agradecimentos

A minha família amada que em todos momentos esteve presente,acompanhando bem de perto minha ansiedade, superação,frustrações, corrida contra o tempo e vontade de fazer esse projetodar certo. Obrigada por terem acreditado em mim a todo instante e,principalmente, por não terem me deixado desistir. Sem o apoio eamor incondicional de vocês esse trabalho, que hoje me orgulho emapresentar, não teria acontecido.

Aos amigos fiéis que torceram, vibraram, acreditaram, me aturaramfalando sempre do mesmo assunto e rezaram para que tudo dessecerto.

Registro aqui o meu muito obrigada!

Amo vocês.

Page 8: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade
Page 9: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

Sumário

Prefácio da autora ............................................ 09

A Cohab de Carapicuíba .................................... 22

Mulher Gerônimo ............................................. 33

O professor, o historiador, o advogado ............... 46

Dona Marly ...................................................... 58

Dance and Fly ................................................. 66

Edite. Sinônimo de labuta ................................ 76

O fantástico mundo de Bob ............................... 83

Não sou Nhaca, sou Evanildo ............................ 93

Meu pai, meu ídolo ........................................... 99

Retratos da Cohab .......................................... 105

Bibliografia .................................................... 121

Page 10: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade
Page 11: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

9Renata Rocha

Prefácio da autora

1 Páginas Ampliadas. Barueri – SP: Manole, 2004, p. 26

Segundo Edvaldo Pereira Lima “o livro-

reportagem é o veículo de comunicação impressa

não-periódico que apresenta reportagens em grau

de amplitude superior ao tratamento costumeiro

nos meios de comunicação jornalístico periódicos”1.

Essa é justamente a proposta de Histórias deCohabeiros. Será que o Onde determina o Quem?Moradores da Cohab de Carapicuíba respondem:

tratar de forma diferenciada a questão que o livro

propõe já em seu título, ou seja, se o Onde, a Cohab,

determina o Quem, os cohabeiros. De que forma?

Dando voz aos próprios moradores do Conjunto

Habitacional Presidente Castelo Branco, mais

conhecido como Cohab de Carapicuíba, para

responderem a essa indagação, ao invés de, como

habitualmente acontece na grande imprensa, ceder

espaço para teóricos como antropólogos, sociólogos

e historiadores o façam. Óbvio que não desmereço

aqui a grande importância que essas ciências

representam para a sociedade, mas, uma vez que

Page 12: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

10 Histórias de Cohabeiros

a utilização de estudiosos como fontes já é uma

prática adotada costumeiramente, eu parti do

pressuposto que ninguém melhor que os próprios

cohabeiros, através de suas experiências pessoais,

para dividir com você leitor quais são as qualidades,

defeitos, sentimentos, curiosidades e histórias da

Cohab de Carapicuíba. Portanto, reforço que o foco

do livro são as histórias dos perfilados, a visão

desses moradores a respeito do bairro e o que ser

cohabeiro significa para essas pessoas. Esse

material, cuja justificativa está na relevância social

que representa, tem por finalidade retratar aspectos

do cotidiano em que essas pessoas estão inseridas

e a forma como lidam com essas questões. Um

detalhe que se faz importante aqui, é que a palavra

cohabeiro é uma expressão inexistente nos

dicionários de Língua Portuguesa, mas é uma

personificação popularmente utilizada pelos

habitantes de Cohabs, quando falam a respeito

deles mesmos, ou seja, se auto-intitulam dessa

forma, definindo-se pelo contexto social do qual

fazem parte.

É fato que existem vários estereótipos em

diferentes grupos da sociedade, ou seja, há essa

imagem simplificada, baseada num modelo ou em

generalização2 do que é ser um cohabeiro, assim

2 Mini Houaiss Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:Objetiva, 2003, p. 219

Page 13: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

11Renata Rocha

como existe a do que é ser favelado, do que é ser

‘patricinha’, ‘mauricinho’, do que é ser rico, do que

é ser pobre e assim por diante. Por isso, o tema do

livro surgiu como pauta baseado na observação de

que, no caso específico dos cohabeiros, o conteúdo

desses rótulos podem ser contestados, pois nesse

ambiente populoso existe uma vasta gama de estilos

diferentes de pessoas, que mesmo fazendo parte

de um igual cenário, não apresentam um padrão

de comportamento. Por isso é válido reforçar que a

intenção do livro-reportagem é puramente

jornalística, de tornar visível algumas histórias, do

presente e passado, de pessoas que vivem a ética

desse lugar, os então Cohabeiros, para abordar se

o Onde realmente determina o Quem na visão dos

próprios moradores. Por abordar experiências do

presente e do passado dos cohabeiros, o livro se

enquadra na descrição de liberdade temporal feita

por Edvaldo Pereira Lima. “Livre no ranço limitador

da presentificação restrita, o livro-reportagem

avança para o relato da contemporaneidade,

resgatando no tempo algo mais distante do de hoje,

mas que todavia segue causando efeitos neste.”3

Não existe aqui nenhuma pretensão

científica de encabeçar alguma tese que responda

a indagação que o título do livro propõe, pelo

3 p. 85

Page 14: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

12 Histórias de Cohabeiros

contrário, a idéia é deixar para você leitor a

responsabilidade de formar seu conceito pessoal,

considerando o pluralismo de opiniões oferecidas

através dos perfis dos cohabeiros. A missão do

projeto é conseguir, através da apuração e pesquisa

jornalística, retratar fatos relevantes do ponto de

vista social, que lhe faça refletir a respeito e

conhecer um pouco mais a Cohab e os cohabeiros,

daí explica-se, inclusive, sua importância e

viabilidade de veiculação. Portanto, este livro não

apresenta considerações finais como o de praxe.

Ao invés disso, existem fotos atuais de locais

comentados pelos cohabeiros no decorrer dos

capítulos, como forma de, após a leitura, ilustrar

os cenários citados pelos entrevistados. A escolha

em colocar as imagens após os perfis é estratégica

no sentido de querer antes estimular a sua

imaginação, trabalhando com o lúdico durante a

leitura, para então expor após isso as fotos. Até por

esse motivo, não existem fotos dos perfilados, pois

também é uma estratégia que tem por objetivo criar

proximidade contigo, que ao ler as histórias você

não as associe somente ao cohabeiro retratado, mas

que também possa em algum momento se

identificar com a personagem, seja vinculando o

conteúdo lido com passagens de sua própria vida

ou com a de pessoas conhecidas.

Somente na grande São Paulo existem 62

Conjuntos Habitacionais, por isso, utilizei como

critérios de escolha a Cohab de Carapicuíba por

Page 15: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

13Renata Rocha

conhecer a região, uma vez que morei por dezessete

anos no bairro e acompanhei de perto algumas, se

não muitas, das situações que narro; Foi através

dessa vivência na Cohab que observei a relevância

social que abordar o tema cohabeiros representa e

tive a idéia de escrever o livro; Ser um tema inédito,

haja vista ainda não existir nenhuma bibliografia

ou levantamento a esse respeito; E das três músicas

conhecidas nacionalmente que falam a respeito de

Cohab, é a de Carapicuíba que já foi motivo da

existência de duas delas, que são de autoria e

interpretação de Neto de Paula, popularmente

conhecido como Netinho. Esses são os quatro

argumentos que foram determinantes na minha

opção pelo Conjunto Habitacional Presidente

Castelo Branco e que se legitimam pela “liberdade

temática”4 que todo livro-reportagem possui.

Em alguns trechos do livro me faço presente

na narrativa e procuro detalhar os cenários, trejeitos

e reações das personagens, pois assim como Gay

Talese em Fama & Anonimato

“os textos deste livro se enquadram num tipo de

reportagem que se costuma classificar de ‘novo

jornalismo’, ‘nova não-ficção’, ou ‘parajornalismo’,

sendo a última uma forma pejorativa cunhada pelo

4 p. 82

Page 16: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

14 Histórias de Cohabeiros

falecido crítico Dwight MacDonald, que tinha lá

suas desconfianças em relação a esse gênero, pois

achava, assim como alguns outros críticos, que

seus autores deturpavam os fatos para conseguir

um maior efeito dramático. Eu não concordo.

Embora muitas vezes seja lido como ficção, o novo

jornalismo não é ficção. Ele é, ou deveria ser, tão

fidedigno quanto a mais fidedigna reportagem,

embora busque uma verdade mais ampla que a

obtida pela mera compilação de fatos passíveis de

verificação, pelo uso de aspas e observância dos

rígidos princípios organizacionais à moda antiga.

O novo jornalismo permite, na verdade exige, uma

abordagem mais imaginativa da reportagem,

possibilitando ao autor inserir-se na narrativa se

assim o desejar, como fazem muitos escritores,

ou assumir um papel de um observador neutro,

como outros preferem (...)”5.

Escolhi esse estilo de narração por me sentir

à vontade em fazê-lo, por acreditar que essa

metodologia enriquece o conteúdo e, conforme já

citado anteriormente, por considerar essa escolha

uma estratégia que durante a leitura causa

proximidade e, porque não, audaciosamente querer

que você sinta-se como se estivesse presente

5 Fama & Anonimato. São Paulo: Cia das letras, 2004, p. 9

Page 17: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

15Renata Rocha

durante as entrevistas, observando os cohabeiros

e suas declarações. Essa minha predição é descrita

por Edvaldo Pereira Lima como liberdade de

angulação.

“O livro-reportagem é uma obra de autor. A

presença expressiva de seu realizador é, muitas

vezes, marcante. Desvinculado, ao menos em

tese, de compromentimentos com o nível grupal,

com o nível massa e como nível pessoal tal qual

limitado nas grandes empresas jornalísticas, seu

único compromisso é com sua própria cosmovisão

e com o esforço de estabelecer uma ligação

estimuladora com seu leitor, valendo-se, para isso,

dos recursos que achar mais convenientes,

escapando das fórmulas institucionalizadas nas

redações (...)”6.

O critério de escolha das personagens deu-

se pela vivência no ambiente tema e observância

de que essas são pessoas conhecidas por grande

parte dos cohabeiros, seja no prédio em que

residem, na rua onde moram, ou até mesmo no

bairro como um todo, opção essa tida “liberdade de

fontes”7. Todos os capítulos do livro são, em termos,

desvinculados uns dos outros. Digo isso porque as

6 p. 837 p. 84

Page 18: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

16 Histórias de Cohabeiros

personagens não necessariamente se conhecem

ou partilham do mesmo acontecimento narrado. O

que realmente as une é o contexto social do qual

fazem parte, ou seja, o fato de serem cohabeiros.

Dessa forma, existe aqui a possibilidade de ler

histórias diferentes, cada uma descrita em um

capítulo, mas que juntas contextualizam a Cohab

e seus moradores. Segundo Edvaldo Pereira Lima

essa minha escolha de edição é uma liberdade de

eixo de abordagem, pois “o livro-reportagem não

necessita obrigatoriamente girar em torno da

factualidade, do acontecimento. Pode vislumbrar

um horizonte mais elevado penetrando na situação

ou nas questões mais duradouras que compõem

um terreno das linhas de força que determinam os

acontecimentos”8. Além disso, cada capítulo é

iniciado com trecho de música, devidamente

selecionada para ilustrar o perfil narrado e servindo

como uma espécie de trilha, como as sonoras

existentes em vídeos reportagens. Com estilos

musicais diferentes, as letras dão a dica para você

leitor do que virá pela frente e no caso de não

entender o simbolismo do trecho descrito, o instiga

a descobrir e, dessa forma, continuar a leitura para

descobrir seu significado. Além de perceber que as

músicas contextualizam as situações narradas,

8 p. 85

Page 19: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

17Renata Rocha

você vai observar e sentir que é bem diferente ouvir

uma canção e simplesmente ler sua letra sem

arranjos. Talvez, essa seja uma experiência nova,

nunca antes vivida por você. Edvaldo Pereira Lima

conceitua essa iniciativa como liberdade de

propósito9 e da condição especial de tratamento que

o livro-reportagem deve ter. “Compreendo a

linguagem, a montagem e a edição do texto, o livro-

reportagem apresenta-se eminentemente

jornalístico. A linguagem jornalística, aqui, é

entendida como conceitua Nilson Lage10. A que ‘(...)

mobiliza outros sistemas simbólicos além da

comunicação lingüística’, incluindo o projeto

gráfico, os sistemas analógicos – ilustrações,

fotografias, charges, cartons – e o sistema

lingüístico em si, este abrangendo as manchetes,

os títulos, os textos, as legendas.’11

Histórias de Cohabeiros. Será que o Ondedetermina o Quem? Moradores da Cohab deCarapicuíba respondem, de acordo com as

classificações estabelecidas é um livro-reportagem-

perfil.“Trata-se da obra que procura evidenciar o

lado humano de uma personalidade pública ou de

uma personagem anônima que, por algum motivo,

torna-se interessante. No primeiro caso, trata-se,

em geral, de uma figura olimpiana. No segundo, a

9 p. 8610 p. 27 e 2811 Linguagem jornalística. São Paulo: Ática, 1985, p. 57

Page 20: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

18 Histórias de Cohabeiros

pessoa geralmente representa, por suas

características e circunstancias de vida, um

determinado grupo social, passando como que a

personificar a realidade do grupo em questão”12. O

tratamento dos textos é feito de tal forma

caracterizada de perfil humanizado “que se

caracteriza pela abertura e proposta de

compreensão ampla do entrevistado em vários

aspectos, do histórico de vida ao comportamento,

dos valores aos conceitos (...) observação intensa,

demorada (...)”13.----- --------------------------------

As metodologias empregadas são a de narração

que “envolve uma finalidade que ultrapassa o

meramente informar. Compreende uma

reconstrução do real, uma reconstrução em que o

emocional-racional e o emocional se equilibrem,

em que o real e o imaginário convivem”14; a de perfil

humanizado “o livro-reportagem que concede à

entrevista a máxima possibilidade de alcançar

dimensão superior ao que raramente seria aceitável

nos veículos periódicos. (...) Há a pauta, mas

também coexiste a flexibilidade de o entrevistador

momentaneamente abandoná-la para entrar numa

variante mais empática com seu entrevistado. Surge

a emoção, surge a pessoa por detrás do mito”15; e a

de histórias de vida “aparecendo em forma clássica

12 p. 51 e 5213 p. 93 e 9514 p. 9615 p. 113

Page 21: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

19Renata Rocha

de entrevista – com a reprodução do diálogo entre

o entrevistador e o entrevistado – ou como

depoimento direto, ou ainda numa mescla em que

se combinam ambiente essas modalidade de

apresentação com narrativa em primeira ou terceira

pessoa”16.---------------------------------------------------

As observações de Edvaldo Pereira Lima,

quando fala do real sentido do surgimento de novas

propostas de livro-reportagem, devem ser

consideradas por você antes que inicie a leitura de

Histórias de Cohabeiros. Será que o Ondedetermina o Quem? Moradores da Cohab deCarapicuíba respondem.

“Não há, neste presente momento histórico,

possibilidade de a reportagem exercer um serviço

de real orientação ao leitor se ignorar a

profundidade do que está ocorrendo de alteração

nos instrumentos de percepção do mundo. Não

conseguirá oferecer um sentido e um significado

sem a ousadia, tentativa que seja, de avanço rumo

a essas direções (...). Talvez nunca o homem tenha

podido combinar tantos recursos de entendimento

do real. Talvez jamais tenha tido o privilégio de

mesclar em tão refinado grau a visão racional e a

percepção intuitiva. Então, este mergulho no mar

empolgante da história em movimento exige

humildade, queda de preconceitos, e espírito

16 p. 114

Page 22: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

20 Histórias de Cohabeiros

aberto para admitir a relatividade de tudo. É

momento de síntese, de recuperação não de todo

o passado, mas do seu substrato mais

significativo, de modo a ficar lançado para o futuro

o que de melhor conseguiu a humanidade”17.

A explanação do conteúdo do livro trouxe

intrínseco um grande desafio para mim, que foi

através das técnicas aprendidas durante o curso

de jornalismo, somadas à imersão em todos os

processos de apuração e contextualização para a

produção do livro-reportagem, garantir que o objetivo

do projeto fosse atingido: tornar visível histórias

de personagens urbanos, dando voz a esses para

dizerem quem são e qual é o real significado de

ser cohabeiro. Um projeto cujo diferencial foi a

experimentação do tema, como objeto de análise e

recorte, pois, até então, a Cohab era uma espécie

de mundo paralelo ainda não explorado e os

cohabeiros cidadãos esteriotipados que ainda não

haviam recebido a oportunidade de opinar se

realmente o Onde determina o Quem.

Acredito que você leitor conheça muitas

Marlys, Ladenilsons, Edites, Rosicleides,

Henriques, Evanildos e, por isso, irá gostar do que

vem pela frente e entender o que a obra realmente

simboliza.

Boa leitura!

17 p.133

Page 23: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

21Renata Rocha

Page 24: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

22 Histórias de Cohabeiros

A Cohab de Carapicuíba

“Lá na Cohab aprendi o que é vida

Doce lar, terra querida

Na batida do pandeiro eu encontrei uma saída (...)

Te digo a bem da verdade

A melhor faculdade

É a própria vida (...)

Lá na Cohab aprendi o que é vida

Doce lar, terra querida

Na batida do pandeiro eu encontrei uma saída”

Terra Prometida

(Wagninho / Netinho / Serginho Procópio)

O Conjunto Habitacional Presidente Castelo

Branco foi inaugurado em 1972, passando a ser

conhecido popularmente como a Cohab de

Carapicuíba, que é cenário tema desse livro-

reportagem. Nessa época, o então Presidente da

República General Emilio Garrastazu Médici,

conhecido por promover a mais violenta repressão

da Ditadura Militar brasileira, período do Regime

Militar que ficou conhecido como ‘anos de chumbo’,

resolveu nomear o sétimo Conjunto Habitacional

da cidade de São Paulo em homenagem ao primeiro

presidente do golpe de 1964, o Marechal Humberto

de Alencar Castelo Branco, na época já falecido.

Page 25: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

23Renata Rocha

A cidade de Carapicuíba situa-se a

aproximadamente 23 quilômetros do Marco Zero

de São Paulo e possui como limites os municípios

de Barueri, Cotia, Osasco e Jandira. Tem como

principais acessos as rodovias Presidente Castelo

Branco, Raposo Tavares e o Rodoanel Mario Covas,

que interliga o município às Marginais Tietê e

Pinheiros. É considerada uma cidade dormitório,

pois a maioria de sua população trabalha fora do

município e só volta para casa para o repouso, e

um município carente, por ter alto índice

populacional e ser um dos que têm a menor renda

per capita da grande São Paulo, cuja população é

de quase 16 milhões de habitantes: R$0,68 por

habitante. Segundo dados do IBGE, Carapicuíba tem

550.000 moradores, extensão territorial de 34

quilômetros quadrados e densidade demográfica de

9.546 hab/km². Desse total, de mais de meio

milhão de pessoas, o Cartório Eleitoral afirma ter

208.368 eleitores. Na área da educação,

Carapicuíba conta com 58 escolas estaduais tendo

ao todo 85.433 alunos matriculados. O índice de

alfabetização da cidade é de 93,64% e a

mortalidade infantil é de 17,82%.

O conceito de Conjuntos Habitacionais deriva

de um arquiteto suíço chamado Charles-Edouard

Jeanneret-Gris, mais conhecido pelo pseudónimo

de Le Corbusier, que, com o surgimento de grandes

cidades, projetava casas planejadas e imaginava a

arquitetura do futuro, chamando-a de máquinas

Page 26: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

24 Histórias de Cohabeiros

de morar. Tinha como princípio humanizar os

condutos residenciais, como solução para colocar

grandes conglomerados de pessoas numa única

cidade. Hoje essa visão pode ser criticada, pois criou

de certa forma uma divisão: aqui vão morar os ricos,

aqui vão morar os pobres, mas pra a época a

proposta era avançada e criou construções

modernas. No Brasil, essa idéia chega durante o

Regime Militar, a partir de 1964, como tendência

de esvaziamento da luta por terra e moradia,

criando no campo o Estatuto da Terra, o Incra, e,

na cidade, as Cohabs, destinadas à concentração

da classe pobre e trabalhadora.

Para adquirir uma moradia no Conjunto

Habitacional de Carapicuíba, na época em que eram

construídas, era necessário ganhar até três salários

mínimos, não ter imóvel no próprio nome e não ter

antecedentes criminais. Após apresentar o

cadastro, os inscritos entregavam a documentação

necessária para provar que se encontravam dentro

dos critérios estabelecidos e assim que os prédios

estivessem construídos, eram chamados para

escolher em qual região iriam morar. Em seguida,

acontecia o sorteio entre os cadastrados para

definir qual seria o prédio e o apartamento de cada

um. O valor da prestação mensal dos imóveis não

chegava a 30% do salário mínimo. Por isso, os

cohabeiros sempre tiveram um perfil heterogêneo,

pois já no começo, quando o Conjunto Habitacional

Presidente Castelo Branco foi construído, foram

Page 27: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

25Renata Rocha

morar no bairro desde pessoas que fugiam do

Imposto de Renda, a pessoas que moravam em

favelas e que se juntavam entre três ou quatro

membros da família para fazer dinheiro e se mudar

para a Cohab. Com o passar do tempo, essa

variedade de perfis de pessoas começou a ser motivo

de desentendimentos e conflitos entre os

moradores, tanto que, pensando nisso, as

administrações dos Conjuntos Habitacionais

distribuíam textos informativos aos primeiros

moradores, explicando o que era um condomínio,

como se organizava uma assembléia, como se elegia

um sindico, como se elegia um secretário, ou seja,

mostrando passo a passo como se organizava um

condomínio. Os contratos originais também traziam

sugestões: era proibido colocar varal para fora, fazer

reformas que abalassem o prédio, entre outras

coisas, que ao longo dos anos foram desrespeitadas

e cuja desobediência tornou o bairro um lugar

descaracterizado em relação ao que foi planejado.

Boa parte dessa primeira geração de

cohabeiros, já com a vida monetária mais

estabilizada, começou a se mudar em busca de

lugares mais tranqüilos, com menos barulho e

intriga entre os vizinhos. Mas, como os contratos

assinados com a administração da Cohab tinham

duração média de 23 anos, período do

financiamento, surgiram os contratos de gaveta,

que eram uma documentações informais de venda

dos imóveis, que não tinham efeito jurídico, mas

Page 28: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

26 Histórias de Cohabeiros

eram registrados em cartório, ou seja, para a

administração do Conjunto não tinham valor. Essa

foi uma situação que só estourou nos anos 90,

quando a Cohab completou 20 anos de existência e

a primeira geração de moradores precisava retirar

a escritura. Na atualidade ainda existem moradias

sem a documentação legalizada devido a esse fator,

pois os novos proprietários dos imóveis não

encontram mais os primeiros donos e os contratos

de gaveta permanecem informais.

Uma curiosidade da Cohab de Carapicuíba é

que de acordo com cada época os prédios ganharam

um perfil arquitetônico diferente. Começaram

construídos com bloco, depois com tijolinhos, em

seguida vieram os prédios de concreto, depois os

de bloco a vista, seguidos pelos de gesso, que foram

demolidos alguns anos depois. Assim, por volta de

1984, no final do Regime Militar, começo da

redemocratização do Brasil, foram construídos os

últimos prédios que apresentam outro perfil

arquitetônico. Nesse sentido, o Conjunto

Habitacional Presidente Castelo Branco foi uma

espécie de cobaia, com experimentos tais como

apartamentos em que a entrada se dá pela cozinha;

outros que tinham somente uma tomada; outros

em que a luminária era na parede em vez de

instaladas no teto. Atualmente, a grande mudança

observada é a ausência de áreas recreativas na

Cohab, pois os playgrounds que separavam os

prédios, cada um com escorregador e área verde,

Page 29: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

27Renata Rocha

foram demolidos para a construção de garagens,

pois os cohabeiros começaram a comprar carros e

não tinham onde guardá-los. Garagens cuja maioria

estão com as portas voltadas, propositadamente,

para o lado externo dos prédios, pois agora foram

transformadas em comércios.

Até os nomes das ruas da Cohab de

Carapicuíba têm uma peculiaridade. Como o bairro

foi construído durante o Regime Militar, havia por

parte do governo a preocupação de despersonalizar

a história e, por isso, nenhuma rua recebeu nome

de personalidades ou autoridades. Ao invés,

ganharam nomes de estados, capitais e cidades

brasileiras. Só quando a Ditadura chegou ao fim é

que foi nomeada a Avenida das Diretas Já e a

Avenida Tancredo Neves. Todo resto das ruas do

Conjunto Habitacional leva nomes como Belém,

Salvador, Adamantina, Manaus, Brasília, Vitória,

Uberlândia, Guarulhos e assim vai.

Atualmente o Conjunto Habitacional

Presidente Castelo Branco tem 2,4 milhões de

metros quadrados e uma população estimada de

71.800 habitantes, distribuídos em 13.504

apartamentos e 856 casas, números esses que

correspondem às habitações legalizadas, pois

existem à margem do bairro pontos de moradias

irregulares, as favelas. A procura de imóveis para

compra e locação no bairro é grande, inclusive de

pessoas que vêm de outras cidades. Os custos para

compra de apartamentos variam entre R$ 25 mil a

Page 30: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

28 Histórias de Cohabeiros

R$ 40 mil, pois depende das condições que o imóvel

apresenta, se está reformado, quitado e qual a

metragem possui. Já o custo com aluguel é em

média de R$350, mais as despesas com condomínio,

luz, água e etc.

A Cohab de Carapicuíba vive um clima

intranqüilo. A Delegacia de Polícia da Região re-

gistra muitas ocorrências que vão, desde a agres-

são à ameaça, lesão corporal, calúnia, difamação,

injúria, tráfico, furto e perda de documentos. Se-

gundo o delegado Etori André Bonifácio, responsá-

vel pelo policiamento do bairro, as ocorrências na

delegacia atingem a média mensal de 3000 BO´s,

sendo que os dias de mais movimento são as sex-

tas-feiras e os sábados.----------------------------------

Na área de educação existem ao todo 11

escolas estaduais no bairro, com 9.471 alunos

matriculados. Desse total de escolas, quatro

atendem ao Ciclo 1; seis delas o Ensino

Fundamental, 4 o Ensino Médio, 3 o Supletivo de

Ensino Médio e uma o Supletivo de Ensino

Fundamental, ou seja, algumas delas atendem

mais de um tipo de ensino. Atualmente o Ciclo 1

tem efetivamente 2866 crianças estudando, cujo

índice de aprovação é de 97,53%, reprovação 1,95%

e abandono 0,53%. Já no Ensino Fundamental estão

matriculados 3560 alunos, com índice de aprovação

de 80,37%, reprovação de 12,83% e abandono de

6,83%. A média de aprovação dos estudantes do

Ensino Médio é de 74,30%, reprovação 16% e

Page 31: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

29Renata Rocha

abandono de 9,75%. Do Supletivo de Ensino

Fundamental a aprovação é de 75,63%, reprovação

16% e abandono 8,4% e o Supletivo de Ensino Médio

aprovação de 85,4%, reprovação 9,6% e abandono

de 5%.

Dentro do Conjunto Habitacional Presidente

Castelo Branco há dois postos de saúde e um

hospital que atendem além do município de

Carapicuíba, as cidades da região, tais como

Pirapora, Osasco, Vargem Grande, Cotia e Itapevi.

O Hospital chamado Sanatorinhos registra

mensalmente 1200 saídas de internação, 5000

consultas, 45.000 exames, oferece 20

especialidades diferentes, além de ambulatório e

psiquiatria emergencial, emprega 1300

funcionários, desses 290 médicos e tem 10.500 m²

de área construída distribuídas em 6 pavimentos,

com 270 leitos e 15.000 m² de terreno.

Existem ao todo três pontos de táxi na Cohab,

um no hospital Sanatorinhos e os outros em dois

dos grandes supermercados que estão instalados

no bairro. Segundo os taxistas, o custo do taxímetro

no bairro é mais caro que de outras regiões, pois

não tem muito trânsito como em São Paulo, porém

a corrida é mais barata por conta da região ser

mais pobre. Afirmam que normalmente os

passageiros fazem os trajetos comuns, expostos nas

tabelas que trazem as descrições de valores e

percursos. Essas placas servem de marketing para

o ponto, uma espécie de anúncio, pois as pessoas

Page 32: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

30 Histórias de Cohabeiros

olham os valores, sabem exatamento quanto irão

gastar e ficam atraídas. São em média cem corridas

por semana e o atendimento é até a meia noite, de

domingo a domingo. Ainda não há sistema de rádio-

táxi no bairro, mas 22 taxistas da região já fazem

parte de uma cooperativa para montar um.

Cohab de Carapicuíba: um lugar em que a

musicalidade, ruídos e barulho são constantes na

vida das pessoas. Seja pelas brigas e discussões

corriqueiras em que os ânimos são alterados e os

tons de vozes elevados; desentendimentos esses,

entre vizinhos que não se ‘bicam’, entre esposas

com seus maridos, mães com os filhos, crianças

com adultos, amigos com amigos, cachorros com

gatos. Seja pelo som alto com músicas das rádios

populares que tocam enquanto a dona de casa, ou

a filha estudante que lhe ajuda no serviço

doméstico, ouvem durante a faxina. Seja pelos

vendedores que passam de prédio em prédio, escada

por escada, vendendo seus produtos anunciados

com frases já conhecidas pelos cohabeiros. O

homem do alho que diz “Olha o alho, olha o alho. É

um real o alho”. A mulher do Yakult que bate de

porta em porta abordando “Vai Yakult ou queijinho

hoje?”. O carro de pamonha do conhecido Beleza

Maravilha, que anuncia seu produto no alto falante,

enquanto dá voltas pelas ruas do bairro dizendo

“Beleza maravilha”, e os cohabeiros sabem

exatamente o que isso significa. O amolador que

passa gritando “Amolador. Amola faca, tesoura,

Page 33: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

31Renata Rocha

alicatinho de unha” repetitivamente. O adolescente

que vende biju tocando matraca, som característico

dessa venda. O senhor de cabelos brancos que

vende algodão doce tocando a corneta “Fon, Fon”.

Os caminhões de gás que passam três vezes ao dia

com uma trilha sonora ao fundo tocando e com os

carregadores berrando dentro dos prédios “Gás,

olha o gás”. O rapaz da mandioca que anda com

carrinho de mão anunciando “olha a mandioca,

mandioca boa, olha a mandioca”. Seja pelo barulho

do pagode da Rio Branco, do movimento de motos e

bicicletas do Barufi. Seja pelos ônibus cujas linhas

circulam quase que de 10 em 10 minutos. Seja

pela bagunça dos meninos ao jogarem bola dentro

dos pátios dos prédios, das meninas que montam

suas casinhas nas portas das vizinhas, espaços

esses apelidados de quadradinhos. Do corre e corre

da molecada que brincam de esconde-esconde,

pega-pega e duro ou mole. Um lugar que mais

parece um formigueiro de gente em que o silêncio

é raro e quando acontece é na madruga à dentro.

Page 34: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

32 Histórias de Cohabeiros

Page 35: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

33Renata Rocha

Mulher Gerônimo

“Só posso levantar as mãos pro céu

Agradecer e ser fiel ao destino que Deus me deu

Se não tenho tudo que preciso

Com o que tenho, vivo

De mansinho, lá vou eu

Se a coisa não sai do jeito que eu quero

Também não me desespero

O negócio é deixar rolar

E aos trancos e barrancos, lá vou eu

E sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu

E deixa a vida me levar, vida leva eu”

Deixa a Vida me levar

(Serginho Meriti)

“Ai me perdoa, mas minha mãe tá aprontandomuito, por isso que demorei”, desculpa-se a Cohabeira denascença Rosicleide Gerônimo dos Santos, com o constantesorriso metálico, de quem aos 22 anos usa aparelho nosdentes. Pergunto o que aconteceu, e a estudante dePublicidade e Propaganda conta com o tom de voz agitado,as peripécias da mãe, Emília, que traz o mesmo sobrenomeque lhe foi dado. “Ah, ela fica assim toda vez que meuirmão vem em casa. Ela tava até que bem essa semana,mas foi o Rogerinho aparecer e pronto. Ela bebeu todas emais um pouco. Eu to desde de manhã tentando segurarela em casa, mas não teve jeito. Ela saiu de casa às 4 damanhã pra caminhar, como sempre faz, e bebeu tanto

Page 36: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

34 Histórias de Cohabeiros

que encontrei ela agora pouco sentada na escada do prédiodormindo, bem na hora que a gente tinha marcado”,explica-se agora com um sorriso mais tímido e ar deembaraço, como se ao mesmo tempo em que estivessehabituada a falar a respeito do assunto, isso ainda lhetrouxesse certo constrangimento. Ainda se explicando, amorena de pele jambo e cabelos loiros descoloridos, quesempre que possível os mantém perfeitamente escovadose lisos, disse que ao ver a mãe imediatamente chamou aNeide para ajudar a levá-la para casa.

Neide é a vizinha que mora no andar térreo damesma escada e mesmo prédio de Rosicleide, a qual recebeR$200 por mês para ajudar a cuidar de Dona Emília. ParaNeide, que já faz esse bico há quase um ano, o maiorproblema de Dona Emília não é nem a doença psicológica,pois quando essa senhora de 61 anos, olhos azuis, cabeloscacheados na altura dos ombros, 1,50m e 43 quilos, e comfama de fazer a melhor coxinha do prédio, voltou daclínica, onde ficou por um ano internada, a doença jáestava controlada. Neide acredita que o que realmentedesgraça Dona Emília é o vício, o alcoolismo.

Falando rápido e sem parar, nítido sinônimo deansiedade, Rosicleide continua a narrar o ocorridogesticulando bastante e sem poupar gírias. “Nossa meu,você não sabe de nada. Quando peguei a minha mãe, juntocom a Neide, ela tava toda mijada. Isso até que é normalquando ela bebe, ela não se controla. Aí, dei banho, fizquestão de trocar a roupa de cama pra ela deitar e dormirbem fresquinha, abri as janelas pra ventilar bastante, deiteiela e pensei: ‘beleza, tudo certo!’. Hum que nada! Daí veio

Page 37: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

35Renata Rocha

a surpresa, não deu dois minutos e ela cagou na calça. Aicredo!”. Nesse momento, como se de uma hora para outra,toda aquela agitação transformou-se em timidez evergonha. Rosicleide tampou o rosto com as duas mãos,fazendo sinal negativo, com a cabeça de um lado paraoutro, como se não acreditasse no que tinha acabado decontar. A sala ficou em silêncio. Coisa de dez segundosdepois, o meio sorriso nos lábios de Keka, um dos 6apelidos que Rosicleide possui, voltou. Ao destampar aface, a filha de Dona Emília continuou a contar a históriade onde havia parado, com um tom de voz pacato e sematropelar as palavras. “Nossa, maior trabalhão viu! E eunão ia deixar a Neide limpar minha mãe né? Sobrou pramim. Troquei a roupa de cama tudo de novo, dei outrobanho e fui lavar as roupas. Sabe, eu fico com vergonhade dizer isso, mas tenho nojo sabia? Tudo bem que é aminha mãe, mas não tem jeito eu fiquei mesmo”, desabafoucheia de sinceridade. E como se nada tivesse acontecido,ou melhor, como se tudo que acabou de passar já fizeraparte de um passado distante, Nega, outro dos 6 apelidosde Rosicleide, voltou a sorrir escancaradamente e com viésde brincadeira insistiu em se desculpar. “Só depois quefiz tudo isso que consegui vir pra cá, como combinamos.Entendeu porque me atrasei né?”.

Rosicleide conta que segundo o diagnóstico dopsiquiatra da clínica em que Dona Emília ficou internadaem Quitaúna, localizada em Osasco, cidade vizinha àCarapicuíba e há 3Km da Cohab, sua mãe sofre deesquizofrenia crônica. “Você já assistiu o filme MenteBrilhante?”, pergunta. Ao responder que sim, ela completa

Page 38: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

36 Histórias de Cohabeiros

“então, esse daí é o mesmo caso da minha mãe. Elatambém vê pessoas, ouve vozes e tem mania deconspiração”, reforça com tranqüilidade, demonstrandocerto conhecimento a respeito do assunto. Cigana, o outroapelido da irmã caçula de Rosemeire e Rogério, os outrosdois filhos de Dona Emília, explica que esse é um distúrbiopsicológico que foi herdado da avó materna e agravadono decorrer dos anos, devido ao histórico de vida sofridaque sua mãe teve desde a infância. “Os responsáveis pelaclínica disseram que minha mãe se culpa por ter a doença,por isso é mais difícil a recuperação. Na clínica ela tinhamelhorado, tanto que a tiramos de lá. Mas o ruim é queagora ela fica bebendo. Minha mãe vai morrer desse jeito,se continuar assim. Vai morrer sem se ajudar”, acrescenta.

A filha xodó do falecido Ulisses e de Dona Emília,Rosicleide, não sabe explicar ao certo o porque de ser donade tantos apelidos, a maioria utilizados até hoje pelosamigos e vizinhos, mas sabe que foram adquiridos aindana infância. Até tem algumas idéias a respeito dossignificados. Acredita que o Nega seja pelo fato dela possuiruma pele morena, que é fruto da miscigenação do tom depele negro de seu pai e da brancura de sua mãe. Já o Keka,sabe que ganhou de forma carinhosa, quando ainda tinhameses de vida, de uma antiga moradora do prédio quenão tinha filhos e que sua mãe sempre diz que eraapaixonada por ela, mas ainda assim não sabe exatamentequal é a origem da palavra. O Kekinha veio depois, comodiminutivo do Keka, e era utilizado pelas crianças que naépoca tinham a mesma idade que ela. Em seguida virou aCigana, apelido que ganhou por montar barracas com as

Page 39: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

37Renata Rocha

demais meninas, quando brincavam de boneca noestacionamento atrás do prédio. “Eu passava peloscorredores e pelas escadas com um monte de sacolas e osmeninos gritavam assim: ’a Cigana do amor’. Adoravamme zuar, me irritar”, relembra. Na pré-adolescênciapassou a ser chamada de Ganaci, palavra que é formadapelas sílabas embaralhadas do então Cigana. Até que naadolescência prevaleceu o Cleide e o Cleidinha, que vemda abreviatura de seu nome Rosicleide, e apedido do qualprefere ser chamada até mais do que pelo próprio nome,mesmo em ambiente de trabalho.

E por falar em trabalho, a geminiana de 24 de maio,sempre gostou de trabalhar, de ter o próprio dinheiro ede se manter sozinha. Ainda na adolescência, antes dos16 anos necessários e previstos por lei para poder arrumaremprego, já fazia alguns bicos, palavra essa que designatrabalho informal e não periódico. Fazia faxina na casade uma vizinha da mesma rua e passava roupasemanalmente de outra vizinha do mesmo prédio. Emoutro momento, confeccionava brincos e os vendia.Chegou até a montar brinquedos em casa. Assim quecompletou a idade necessária para conseguir um emprego,passou na prova do CAMP, Círculo de Amigos do MenorPatrulheiro de Pinheiros, uma instituição que ofereceformação para adolescentes e que através de parcerias comempresas, ajuda esses jovens na conquista pelo primeiroemprego. Através dessa instituição Rosicleide conseguiutrabalho em duas grandes empresas, mas que por motivosfamiliares não conseguiu se manter em nenhum. Nessaépoca, sua irmã mais velha Rosemeire, conhecida como

Page 40: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

38 Histórias de Cohabeiros

Meire, já estava casada, mas seu irmão do meio, Rogérioainda não e, detalhe, estava no auge do alcoolismo.Passados alguns meses, Rosicleide não agüentava mais oinferno que estava vivendo dentro de casa. Ela e a mãeapanhavam constantemente do irmão, tambémdesempregado, que não precisava de muitos motivos paraperder as estribeiras e descer a mão em ambas. Até queKeka decidiu voltar a procurar emprego, pois só querialevar uma vida normal. Conseguiu então trabalho derecepcionista, numa empresa de vendas televisivas. Lá teveoportunidade de crescimento, passou por diversas áreas,exerceu cargos diferentes, mas precisou sair porque aempresa faliu. Desempregada novamente começou afazer bico em um carrinho de hot dog na Cohab mesmo,mas ficou pouco tempo. Em seguida foi pulando de galhoem galho, com funções distintas das que já havia tido,tais como processadora de mercadoria, operadora detelemarketing, vendedora de loja, atendente em umagráfica e auxiliar numa farmácia de manipulação, funçãoessa que gostou tanto que na época até pensou em seespecializar, mas perdeu o emprego por causa da irmãque ficava ligando o tempo todo para se queixar da mãe,Dona Emília. “Mas não agüento ficar sem dinheiro. Soupraticamente um bombril, 1001 utilidades”, comenta aodizer que nesse momento está desemprega, mas que issonão vai durar muito tempo.

A família Gerônimo perdeu Ulisses, o marido deEmília e pai de Rosemeire, Rogério e Rosicleide, na viradado ano novo de 1992. Ele, que era muito autoritário comomarido e alcoólatra, desde que Rosicleide se entendia por

Page 41: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

39Renata Rocha

gente, deixou para Dona Emília uma pensão mensal deR$1.210, o apartamento onde Rosicleide e a mãe moramaté hoje e uma garagem no mesmo prédio, que atualmenteserve de renda, pois é alugada como ponto comercial erende R$250 por mês. Além disso, Ulisses ao falecer deataque cardíaco, sem ser notado, sem ao menos fazerbarulho e ter sido encontrado desfalecido pela manhã doprimeiro dia do ano, no sofá de corvim marrom da sala,deixou como seguro de vida uma quantia considerávelpara a família. Nessa época Meire, a irmã mais velha, eranoiva de um policial, que a partir de então passou a morarcom a família no apartamento. Por sugestão do PM, osGerônimos tiraram todo o dinheiro do seguro e lheentregaram, pois segundo o então noivo de Meire ele iriatrocar toda a quantia do seguro por dólares, uma vez quea moeda estava em alta e a idéia era que essa troca lhesrendesse lucro. A família só não sabia que o tipo detransação que o noivo de Meire queria fazer era ilegal. Opolicial viajou com todo o dinheiro e voltou sem nenhum.Segundo ele, na divisa do Mato Grosso, onde iria trocar odinheiro por dólares, foi roubado e perdeu tudo. A partirdaí, o irmão do meio de Rosicleide, o Lolé, como éconhecido na cohab, entrou de cabeça no mundo dasdrogas. “Ele nunca aceitou tudo o que aconteceu”, afirmaa caçula. O noivado de Rosemeire não durou muito depoisdisso.

A infância, pré-adolescência e adolescência inteirade Rosicleide foram presenciando as brigas do irmão e dairmã, do irmão com a mãe, do irmão com ela. Os motivoseram sempre os mesmos: ele vendia tudo que via pela

Page 42: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

40 Histórias de Cohabeiros

frente para sustentar o vício, fosse de quem fosse, e batianelas sempre que se exaltava. Além disso, nessa época eranormal os traficantes do bairro invadirem o apartamentopara cobrar delas as dividas do Lolé. “Eu tinha muitomedo, pois eles faziam muitas ameaças. Eu me escondia.Não gosto nem de lembrar”, conta com clara tristeza noolhar. Os vizinhos por vezes se revoltavam e chamavama polícia. Por vezes se ausentavam sem expectativa deconseguir ajudá-las. “Já até bateram nele por causa dessascoisas que ele fazia com a gente”, relembra.

Nessa época as três mulheres se apegaram muito àreligião e à fé. Foi na Igreja Universal que Meire conheceuo marido que leva o mesmo nome de seu irmão, Rogério, eque é o pai de sua filha Nicole. Meire, como a irmã lhechama, é obreira da instituição e fiel assídua. Rosicleideafirma que teve uma estrutura familiar muito fraca e quefoi a igreja que deu muita força nos momentos difíceis.Quando fala de sua fé, é nítido o brilho nos olhos e agratidão nas palavras. Segundo ela, sem a educaçãoreligiosa que teve, talvez não soubesse sequer se portardiante das pessoas. “Eu tinha uma vida rodeada deproblemas, mas mesmo assim ajudava outras pessoas. Euia em presídio, favela, hospital, asilo e fui até na Febemevangelizar. Sem dúvida a fé me deu muita força, me fezcontinuar e não desistir”, relembra ao dizer que as vezesaté parecia que os problemas dela eram gigantes pertodas queixas que ouvia dos outros. “Até meus 20 anos euestava firme na igreja. Saí porque me envolvi com umpastor e percebi que havia certa hipocrisia, algumaslaranjas podres que contaminavam o ambiente e senti falta

Page 43: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

41Renata Rocha

de como era antes, no começo. Passei a me sentir um peixefora d´agua e então terminei o namoro e saí”, conta semconstrangimentos, mas sem esconder que sua irmã aindaa cobra muito, pois foi difícil para Meire aceitar a saídade Rosicleide da igreja. “A Meire tem disritmia cerebral,síndrome do pânico, é surda do lado esquerdo e tomaantidepressivo. O nervoso dela comigo é que sou tranqüilae estou aproveitando a minha vida. Sei me cuidar. Querotirar carta de motorista, to fazendo faculdade, viajandosempre quando posso e comprando as roupas que tenhovontade, mas nem por isso perdi a minha fé. De vez emquando até vou na igreja, mas só não freqüento mais”,conta com a tranqüilidade de quem sabe exatamente oque quer da vida e o que lhe faz feliz. Já Dona Emília foi afavor da reliogisidade das filhas somente nos primeirosanos de devoção, pois quando começou a sofrer ostranstornos psicológicos, nunca mais teve fé.

Assim que Meire casou, o irmão do meio,Rogerinho, conseguiu abandonar as drogas, mas seafundou na bebida. Continuava batendo na mãe e na irmãmais nova, pois ainda moravam juntos, roubandoutensílios da casa, arrumando brigas na rua e semtrabalhar, até que há 5 anos conheceu uma pessoa eresolveu se casar. Atualmente mora com a esposa noJardim Abril em Osasco e trabalha como segurançanoturno. “Hoje ele está um pouco melhor, mas aindaaparece aqui para atormentar. Todas as vezes que ele vemminha mãe fica mal. A Meire fala que ele é um traste, maseu gosto dele. Ela diz que ele fica igual a minha mãe, setransforma quando está bêbado. Outro dia ele veio da casa

Page 44: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

42 Histórias de Cohabeiros

dele até aqui a pé e descalço”, conta como se nãoentendesse o porque dele ainda não ter se curado. “Adiferença é que não sou mais como antes, hoje eu me viromelhor, enfrento. Não que eu tenha me tornado umapessoa ruim, é que só parei de ser boba”, esclarece comtransparente orgulho por ter se tornado a pessoa que setornou. Rosicleide conta que a psicóloga, que toda a famíliaprecisou conversar quando a Dona Emília foi internada,disse que ela, a irmã caçula, era o ponto principal dosconflitos familiares. A profissional a definiu como a mãede todos, o ponto de equilíbrio, e que se Rosicleide nãocolocasse seus conflitos pra fora, não desabafasse, isso seriamuito prejudicial para a saúde dela. “Conversar com apsicóloga foi muito bom, ajudou a colocar tudo pra fora,soltar tudo, com certeza me aliviou muito. Foi então quepercebi que eu precisava viver, curtir, sair, viajar. Eu nãotinha vida! Eu fui uma caipira na infância, mas isso foiaté eu me conhecer de verdade! Hoje, não! Converso comas pessoas em qualquer lugar, no ponto de ônibus, ondefor! Foi aí que disse para os meus irmãos: ‘ou interna amãe ou eu’, se não eu não agüentaria mais viver daquelaforma, pois com a saída dos dois de casa quem estava alino dia a dia era eu”, relembra sorrindo ao observar quetomada essa atitude não conseguiu ficar muito tempo sema mãe, mesmo indo visitá-la quase diariamente e a trouxede volta pra casa.

Atualmente quem faz o controle das finanças dapensão de Dona Emília é a Meire. É a irmã mais velha quediz o que e onde a irmã caçula deve gastar, quais são ascontas a serem pagas e os vencimentos. Só de remédio de

Page 45: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

43Renata Rocha

Dona Emília são gastos R$280 por mês. Rosicleide contaque quando a mãe ficou internada, o dinheiro da pensãoia integralmente para a saúde de Dona Emília, pois orestante, a diferença que sobrava do dinheiro dos remédios,era exatamente o valor da mensalidade da clínica. “Eufiquei um ano nessa vida. Tive que trabalhar dobrado prapagar todas as contas de casa e diminui bem as saídas.Ah e fora isso foi horrível morar sozinha, conciliar tudo:casa, estudo e trabalho. Credo! Ainda por cima chegavaem casa e não tinha com quem conversar, contar comofoi o dia”, desabafa Rosicleide assumindo que é ruim coma mãe, mas com certeza pior sem.

“Deus é muito generoso comigo. Tudo que queroeu tenho, não tenho do que reclamar”, conclui Rosicleideao definir sua felicidade por ser uma pessoa independente,sem deficiências físicas e com saúde. Apega-se ao exemploda amiga que mora no mesmo prédio, no apartamento defrente ao seu, que é viúva e mãe de 3 filhos, trabalha parasustentar a família, não reclama de nada e ainda curte avida. “Se ela não reclama, quem sou eu pra reclamar! Pelomenos não tenho filhos pra sustentar. Fazer o que, temcoisas que a gente não escolhe, só planeja”, acrescenta. Aestudante sabe que os vizinhos estranharam sua mudançade comportamento e fazem fofoca a seu respeito, masafirma não se importar. A única certeza que tem é quenão quer ter a vida desgraçada. “Quero ter meuapartamento, meu carro, minha vida. Destino é a gentequem traça”, conclui incisiva.

Questiono qual a opinião dela a respeito da Cohab,uma vez que ela é Cohabeira e Rosicleide diz que acha

Page 46: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

44 Histórias de Cohabeiros

um lugar muito feio, cheio de pessoas mal educadas, masque tem lá o seu lado bom e gosta de morar no bairro.Para ela ser Cohabeira não é nada pejorativo e não temvergonha de sê-lo, mas que, sem dúvida, se tivesseoportunidade de mudar, mudaria. Acredita que o Ondenão determina o Quem, pois seria a Rosicleide Gerônimodos Santos onde quer que morasse ou tivesse sido criada.

Após horas de conversa, dentre momentos dedescontração e reflexões intensas, para encerrar aentrevista, pergunto para Rosicleide qual é o seu maiormedo. Ela pára, reflete, sorri e diz “sou uma mulherindependente, tenho ainda muita vontade de viver e amomuito minha mãe. Nossa ligação é muito forte! Querendoou não, é uma pela outra e é por ela que me sinto corajosa”e conclui que seu maior medo é perder a sua companheira,a sua mãe, a Dona Emília. Mesmo que ela apronte o tempotodo. Mesmo que o fardo não seja fácil. Mesmo que elatente rotineiramente reverter esse quadro traçado àinfelicidade. E até mesmo que os papéis em sua casatenham se invertido, afinal mãe virou filha e filha virou

mãe.

Page 47: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

45Renata Rocha

Page 48: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

46 Histórias de Cohabeiros

O professor, o historiador, o advogado

“Meu partido

É um coração partido

E as ilusões

Estão todas perdidas

Os meus sonhos

Foram todos vendidos

Tão barato

Que eu nem acredito

Ah! eu nem acredito...

Ideologia!

Eu quero uma prá viver

Ideologia!

Eu quero uma prá viver (...)”

Ideologia

(Cazuza / Roberto Frejat)

Durante as aulas de Ladenilson não são

permitidas conversas paralelas, mascar chicletes,

nem “tunzar”, termo que ele utiliza para descrever

a palavra cochilo. Sua principal e objetiva

metodologia é a disciplina. O silêncio é absoluto e

só o professor fala. Quando o aluno tem dúvidas,

levanta a mão e aguarda até que ele lhe passe a

palavra. O professor, que fora da sala de aula se

mostra um sujeito tímido, que mesmo seguro do

que diz insiste em desviar o olhar, ora para objetos,

Page 49: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

47Renata Rocha

ora para o chão, durante as aulas se perfaz e mostra

a que veio: ensina História literalmente contando

histórias.

Ladenilson, apelidado de Lalá pelos alunos,

que claro só o chamam dessa forma entre eles e

jamais na frente do professor, mora há 27 anos na

Cohab e leciona, no Cursinho da Prefeitura de

Carapicuíba, em outro particular e na Escola

Estadual Professor Manoel da Conceição Santos,

conhecida como Manoel. Foi nesse colégio que

cursou magistério durante a adolescência e onde

ministrou sua primeira aula. Conta que virou

professor por acaso, por não querer estudar à noite,

matriculou-se no matutino mesmo sabendo que

nesse período só havia colegial com magistério, e

que durante o curso percebeu ter nascido para

aquilo. “Eu hoje até brinco com a Beatriz, digo que

não sei se escolhi a mulher certa, mas a profissão

eu tenho certeza que sim!”, comenta em tom de

brincadeira, mas afirma dizer a verdade.

Beatriz é companheira de Ladenilson há seis

anos. Todos os alunos do professor sabem quem é

ela, pois durante suas aulas, o palmeirense

fanático, para ilustrar a matéria ministrada sempre

comenta algum episódio a respeito de sua guria, a

gaúcha Bia, apelido usado por ele. O casal vive no

mesmo apartamento em que Ladenilson reside

desde que se mudou com os pais para a Cohab, o

qual recentemente ganhou do pai, senhor

Page 50: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

48 Histórias de Cohabeiros

aposentado que mora no interior de São Paulo com

a esposa.

Professor muito popular no bairro e na

Internet, Ladenilson é motivo da criação da

comunidade “Eu tive aula com o Ladenilson” do

site de relacionamentos Orkut que, conforme

apuração em 22 de outubro de 2007, tem 1.465

membros. O professor, que adora se comunicar via

web com alunos e ex-alunos, já está no seu segundo

perfil, também do Orkut, pois o primeiro não

comportou e extrapolou o limite de 1000 amigos. O

novo perfil já tem mais 376 pessoas cadastradas.

Durante a entrevista ocorrida nos intervalos

de suas aulas de final de semana, nos dois

cursinhos em que trabalha, Ladenilson

educadamente interrompeu o assunto quando

apareceu um aluno para tirar dúvidas. Thiago, o

aluno que, assim como os demais, o professor

conhece pelo nome e faz questão de mostrar isso,

foi prioridade o tempo todo. O professor,

pacientemente, esclareceu todas as perguntas, deu

exemplos e acrescentou dados. Citou o obs dum

dum, som que faz em sala de aula quando pede

para os alunos anotarem um observação, cuja

abreviação é “Obs:”, ou seja, o obs é o barulho da

abreviação e o dum dum é o som dos dois pontos.

Thiago fez as anotações conforme direcionamento,

agradeceu e se retirou. Atenções novamente

voltadas a mim, pergunto a Ladenilson como ele

explica o próprio sucesso no mundo virtual. O

Page 51: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

49Renata Rocha

professor prontamente diz que os alunos

reconhecem quem são os professores que cumprem

da melhor forma seu papel de educadores, que

sabem exatamente quem planeja a aula, quem é

preguiçoso e quem os deixa fazer o que querem e

bem entendem. Questiono se desde sempre ele teve

a mesma metodologia de trabalho. Afirmando que

sim, Ladenilson reforça “Eu sou cria da Dona

Denise”.

Difícil é encontrar alguém na Cohab não

tenha ouvido falar de Maria Denise Albuquerque

Pereira de Oliveira, a Dona Denise. Diretora do

Manoel durante quase 20 anos, de 1984 a 2003, só

deixou de administrar o colégio, que segundo

moradores do bairro é a melhor escola da região,

pois se aposentou. Durante sua gestão, os alunos

de 5ª série até o 3º colegial, dos três períodos,

matutino, vespertino e noturno, faziam filas

divididas por classe, para ir e para voltar do

intervalo. O uso do uniforme, que era camiseta da

escola branca e bordô com calça de moletom azul

marinho, era obrigatório. Quem não estivesse dessa

forma era barrado já na entrada da escola.

Walkman, calça jeans e boné não eram permitidos.

Bermuda, somente se fosse a azul marinho do

uniforme e se estivesse no máximo até o joelho.

Não se podia passar aula vaga fora da sala, seja no

pátio ou nos corredores do Manoel. Desrespeitar

professor em sala de aula, ser pego fumando

escondido, brigar, degradar a escola ou arrumar

Page 52: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

50 Histórias de Cohabeiros

confusão, significava ir para a Diretoria tomar chá

na sala da Dona Denise, esperar em pé um bom

tempo, enquanto isso contar por distração quantos

gatos passeavam na mesa dela, até ser atendido e,

enfim, levar convocação solicitando o

comparecimento do responsável, para juntos, pais,

aluno e diretoria resolverem o problema. O respeito

imposto por Dona Denise era tanto que, quando

ela passava nas salas durante as aulas, para fazer

visitas surpresa, todos os alunos levantavam-se e

ficavam em pé ao lado direito da carteira e só

sentavam se assim ela dissesse para fazê-lo.

Quando falava, não se ouviam nem os mosquitos,

além da voz dela. Dona Denise, uma mulher alta e

magra, com dedos compridos que gesticulavam o

tempo todo, cabelos claros, de tom de voz firme,

que em 2001 teve descolamento de retina e quase

não enxergava mais, ao mesmo tempo em que

despertava medo nos seus alunos era motivo de

risadas, de boas gargalhadas por parte deles, que

às escondidas caçoavam de suas roupas de cores

quentes, que misturavam salto alto com calça de

moletom.

Antonio Cláudio de Oliveira, o vice-diretor

de Dona Denise durante quase toda carreira dela

e seu marido há 28 anos, a define como “uma

mulher inteligentíssima e brilhante, de olhar

completo, diferente do senso comum, que dava o

melhor de si em tudo”. Explica dizendo que “pra

você ter uma idéia, durante a apresentação da tese

Page 53: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

51Renata Rocha

de mestrado dela, que é algo a respeito da sintaxe

sob pontos cantados na umbanda, os professores

ficaram boquiabertos e pediram, inclusive, mais

referências pra ela a respeito do assunto, pois

desconheciam”, comenta. Quando Denise iniciou

a carreira de Diretora, o professor Antonio Cláudio,

como é conhecido, para acompanhá-la fez

complementação pedagógica para então poder

exercer o cargo de vice-diretor. Ele, que é graduado

em Letras e tem mestrado em Latim, afirma que

Dona Denise não confundia autoridade com

autoritarismo. “Os pais confiavam na competência

da Denise, ela era muito respeitada. Não é a toa

que a Manoel era a melhor escola de Carapicuíba,

Barueri e Cotia, tanto nas avaliações quanto no

corpo docente, pois era uma escola estável, com

professores que tinham anos de casa e

desenvolviam o melhor o trabalho em sala de aula.

As reuniões bimestrais com pais e mestres eram

um diferencial, pois contavam com a presença dos

alunos também, como forma de criar

responsabilidade nos estudantes. Hoje isso é

praticado por outras escolas, mas isso foi coisa da

Denise. Ah e se os responsáveis não fossem à

reunião, o aluno era proibido de assistir aula no

dia seguinte. Eu e a Denise tínhamos tudo para

ter uma carreira acadêmica, mas não, optamos por

administrar uma escola da Cohab e tenho certeza

que o fizemos bem. É só olhar os frutos disso”,

conclui.

Page 54: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

52 Histórias de Cohabeiros

Dona Denise faleceu em 21 de maio de 2007,

de infarto durante uma aula de Tai Chi Chuan.

Sem filhos, pois Denise por problemas de saúde

não pôde tê-los, o Professor Antonio Cláudio quando

está longe dos amigos, que tanto lhe apóiam, ainda

sente-se sozinho, mas se apega na formação

kardesista e na certeza de que espiritualmente

Denise está bem. “Ela era um espírito evoluído”,

finaliza.

Ladenilson lamenta o falecimento de Dona

Denise e conta que realmente se inspirou nela e

que os dois sempre se deram muito bem, desde a

época em que era aluno do Manoel, até quando se

tornou professor do colégio, cuja oportunidade de

emprego foi dada por ela. Diz que teve uma criação

rigorosa e sempre gostou de disciplina e que talvez

isso tenha ajudado no relacionamento entre os dois.

“Eu era muito o que chamávamos de Armandinho,

o mesmo hoje que vocês chamam de CDF. Pra você

ter uma idéia as vezes tínhamos aula vaga no meio

do turno e éramos dispensados na condição de que

voltássemos para as duas últimas aulas, coisa de

uma hora depois. Eu voltava!”, conta às gargalhadas,

“enquanto o restante do pessoal ia namorar, jogar

bola e etc”, esclarece.

Como se o tempo todo estivesse com medo

de perder a hora, talvez por hábito de controlar o

horário das aulas para não exceder o tempo previsto,

Ladenilson olha a quase todo momento para o

relógio. Filho de nordestino com interiorana de São

Page 55: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

53Renata Rocha

Paulo, o paulista reforça o quanto foi importante

ter sido criado com muita disciplina e rigor. “Eu

brinco que sempre fui um menino de gaiola. Apenas

quatro anos da minha vida que eu não morei em

apartamento. Que foi no início da década de 70.

Todo o resto da minha vida eu morei em

apartamento. Morei, inclusive, em prédio de alto

padrão, não porque meu pai tinha grana não, era

justamente porque não tinha. Meu pai era zelador

de prédio. Então você imagina o que é você ter dois

filhos pequenos e ser zelador. Meu pai tinha toda

uma preocupação, sempre falava para mim e para

meu irmão que deveríamos nos comportar, se não

ele não teria moral para chamar a atenção dos

condôminos”, relembra.

Formado em História pela USP, Universidade

de São Paulo, e em Direito pela Faculdade São

Francisco, o historiador afirma que os noticiários

são os seus programas de TV favoritos, uma vez

que sintetizam a comédia e o drama de cada dia e

que o único esporte que pratica não é jogar futebol,

e sim torcer para o Palmeiras, pois segundo ele

“exige um esforço e tanto”. Com o humor que lhe é

peculiar, Ladenilson se diz frustrado por não saber

tocar nenhum instrumento, mas o que não o

impede de ser fã de “música boa, de qualidade,

como MPB, Jazz e Erudita”. Prova disso é a coleção

de CD´s que tem em casa, com a qual cheio de

cuidados, além, é claro, de 72% das comunidades

Page 56: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

54 Histórias de Cohabeiros

do Orkut que faz parte, serem a respeito de

intérpretes e estilos musicais.

Ladenilson gosta de viver na Cohab, está

reformando o apartamento em que mora, não pensa

em mudar do bairro e fundamenta sua opção

dizendo que “Os apartamentos da Cohab se você

olhar do ponto de vista da metragem, eles são

melhores do que muitos do centro de São Paulo.

Veja a área privativa no caderno de imóveis e você

vai descobrir que aqui os apartamentos não são tão

pequenos assim. Agora se você olhar do viés

localização, são apartamentos com valor de mercado

muito baixo, que estão fora dos grandes centros e

numa região de periferia e etc”. O professor

cohabeiro acompanhou de perto a evolução e como

ele diz “a degradação do bairro”. Entre as histórias

a respeito da Cohab que faz questão de contar,

exaltou-se quando falou a respeito da Praça

Presidente Castelo Branco, que fica na Cohab II.

“É aquela praça que hoje é uma vergonha. Ou você

tem usuário de tóxicos ou casais de namorados se

amassando. A inauguração daquela praça foi em

junho de 1980, sou testemunha ocular da história,

estava na inauguração. Foi um evento que parou o

bairro. Veio até um familiar do Presidente Castelo

Branco que eu não me lembro o grau de parentesco.

Veio gente de todo o bairro e também vieram os

escoteiros, de cujo agrupamento eu fazia parte na

época, e que atuava, inclusive, como um dos

mecanismos de socialização da Cohab. Essa praça

Page 57: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

55Renata Rocha

tinha o busto do Marechal, tinha uma placa de

bronze, 1º Presidente da Revolução, tava lá. E no

muro tinham vários mastros pra cada governo

estadual. Em dias de feriado nacional e aos finais

de semana, todas as bandeiras eram hasteadas.

Então aquela praça foi bonita, ela foi bonita! Se

você observar aquela praça hoje, está toda pichada

e quando tentam pintar, os marginais vão lá e

picham de novo. Hoje ela é um símbolo da

degradação do bairro”, conclui com saudosismo e

ar de indignação.

Ladenilson, um homem de estatura baixa e

magra, cabelos crespos e compridos até a metade

dos ombros, se veste com roupas estilo hippie e

sandálias de couro, como ele mesmo diz “estilo bicho

grilo”. Afirma que a roupa que veste não diz quem

ele é, mas serve de protesto contra os que adoram

estereótipos. “No meu dia-a-dia me visto da forma

que me sinto à vontade e que realmente gosto.

Quando as pessoas me olham não imaginam quem

é o Ladenilson”, conta, ao dizer em seguida que

somente quando advoga em causas cíveis, trabalho

que lhe serve como espécie de bico, que põe o terno

e gravata que a profissão exige. Questiono se

mesmo sendo contra estereótipos não acredita que

o meio do qual fez e faz parte de alguma forma

refletiu na pessoa que ele se tornou. Ladenilson é

enfático em dizer que sim, que sob o seu ponto de

vista o lugar Onde viveu, as pessoas que conheceu,

as oportunidades que teve e principalmente a sua

Page 58: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

56 Histórias de Cohabeiros

criação são também os responsáveis por ele tornar

o Ladenilson que é, e recorda de algo que seu pai

sempre lhe dizia: “A gente não pode escolher a nossa

classe social, mas pode escolher entre ter ou não

ter conhecimento, pois isso ninguém nunca vai

poder tomar de você e vai fazer com que você se

sinta bem em qualquer lugar”.

Ao nos despedirmos vejo Ladenilson, que

diariamente anda de ônibus, por não gostar de

dirigir, atravessando a rua correndo, mesmo que

os carros estejam a uma boa e larga distância. De

repente vira e me diz, “cuidado que aqui os carros

aparecem do nada!”. Agradeço, sorrio e me despeço.

Page 59: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

57Renata Rocha

Page 60: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

58 Histórias de Cohabeiros

Dona Marly

“Quando eu estou aqui eu vivo este momento lindo

Olhando pra você e as mesmas emoções sentindo

São tantas já vividas, são momentos que eu não me esqueci

Detalhes de uma vida, histórias que eu contei aqui

Amigos eu ganhei, saudades eu senti partindo

E às vezes eu deixei você me ver chorar sorrindo (...)

Em paz com a vida e o que ela me traz

Na fé que me faz otimista demais

Se chorei ou se sorri

O importante é que emoções eu vivi”

Emoções

(Erasmo Carlos / Roberto Carlos)

Marly Cirlene Rainha dos Santos, interiorana

de Presidente Prudente completa 30 anos de Cohab

em 25 de maio, do próximo ano, data que a

aposentada tem na ponta da língua. A ex-

merendeira e inspetora de alunos é chamada por

todos do bairro de Dona Marly. Ela que é mãe de

Samuel, Sandra, Sérgio, Sidny, Silvio e Suely,

casou-se com Manoel Trindade, mais conhecido

como seu Mané aos 13 anos de idade. Ambos são

chamados desta maneira até por pessoas que tem

a mesma, se não até mais, idade do que eles. Essa

é uma forma de tratamento respeitosa que se

tornou ao longo dos anos uma espécie de apelido.

Page 61: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

59Renata Rocha

Dona Marly tem os cabelos bem curtos e semi-

encaracolados, com um corte que deixa as orelhas

a vista e utiliza há anos. Talvez por isso, os

moradores do prédio em que reside tenham a

impressão que ela não envelhece e possui a muito

tempo a mesma aparência. Aos 61 anos Dona Marly,

que para conceder a entrevista deixou no sofá o

tricô que estava fazendo, enquanto assistia ao

Programa “Silvio Santos”, afirma não ter mais

sonhos “Não tenho mais idade para isso, eles já

acabaram”, comenta fazendo sinal negativo com a

cabeça, num tom de voz tranqüilo e olhar sereno

demonstrando que realmente deixou de sonhar.

Em seguida, repensa e aparentando certa

insatisfação com a resposta que acabara de dar,

acrescenta: “Eu já alcancei tudo o que eu queria.

Sou muito feliz porque vejo meus filhos se

realizando e meus netos crescendo. Eles são minha

vida, e o que me faz feliz hoje é ver eles felizes.

Isso pra mim é o que importa”. A merendeira diz

não ter planejado nenhuma gravidez, pois “todos

vieram” e quando se mudou para a Cohab quatro

dos seis filhos já eram nascidos. Dona Marly conta

que em 1978 quando passou a morar no bairro, a

Cohab não tinha infra-estrutura. “Ah! era bem

diferente! O chão era de terra. Não tinha luz de

rua, não tinha posto de saúde, não tinha delegacia

e não tinham escolas, depois que veio a Didita pra

cá, que na época nem se chamava Didita, era a 4ªEscola da Cohab e era um barracão de verdade”,

Page 62: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

60 Histórias de Cohabeiros

relata. Nessa época, a preocupação de Dona Marly

também era a escassez de ônibus, pois segundo

ela só havia uma linha que circulava na avenida

principal do bairro e ficava há uma boa distância

de sua casa e quando precisava de transporte à

noite era muito complicado, por que as ruas não

tinham iluminação. Segundo ela, não haviam

paredes e nem garagens dividindo os prédios, como

atualmente. Ao invés disso, existiam áreas

recreativas. “O espaço era todo gramado, tinha

playground e as crianças tinham onde brincar, coisa

que hoje em dia já não tem mais. Mas nessa época

não tinha garagem né? Na cabeça de quem fez a

Cohab, pobre não tem carro”, comenta sorrindo com

as palmas das duas mãos voltadas para cima, como

se estivesse dizendo ‘fazer o quê?’, e completa “a

gente sabe que não é bem assim, pelo contrário,

tem gente que fez a vida aqui, que está super bem

e não sai daqui porque não quer. É só dar uma

olhada nos apartamentos e nos carros que tem por

aí. Agora os que se mudaram, também fizeram a

vida na Cohab”.

A avó de Emanuelly, Gustavo, Letícia,

Michelly, Mickaelly, Natasha, Rodolpho, Selma,

Sergio Fernando, Sergio Gabriel, Silenne e Thiago,

afirma que a relação com seus vizinhos sempre foi

muito boa. Segundo Dona Marly a maioria dos

moradores antigos, que vieram para Cohab no

mesmo período que ela, há quase 30 anos atrás, já

mudaram e que alguns até “já se foram”, maneira

Page 63: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

61Renata Rocha

sutil de se referir a morte. Alguns vizinhos da

família Santos fazem, em tom de brincadeira uma

queixa a respeito deles. Dizem que “irão dominar o

45”, isso porque além de Dona Marly e Seu Mané,

moram no mesmo prédio, o então nomeado 45, Dona

Guiomar, a mãe de Dona Marly, e mais três filhos

do casal. Os outros dois filhos dos aposentados

também residem no bairro, sendo que um deles na

mesma rua e o outro na avenida principal, onde

Dona Marly comentou que antigamente era o único

local por onde os ônibus passavam. Apenas um dos

filhos de Dona Marly não mora na Cohab, mas

mesmo assim não mora longe, habita a cidade

vizinha. “Todos os meus filhos gostam da Cohab,

tanto que Sidny até já morou no interior de São

Paulo, mas voltou pra cá”, conta Dona Marly, ao

dizer que a infância dos filhos no bairro foi saudável

e que as dos netos também está sendo. Diz que

adora ver os netos brincarem entre si, estudarem

na mesma escola e um freqüentar a casa do outro.

“A vida é mais gostosa assim, porque é um tal de

neto entrando aqui, saindo ali, é vó pra cá, vô pra

lá. As crianças antes de ir para escola passam pra

dar um beijo, quando voltam passam pra dar oi. Se

meus filhos morassem longe seria muito triste, por

que só eu e o Mané os dias demorariam muito pra

passar. Tanto que tem dias que o tempo passa, voa

que nem vejo! Mas têm outros que falo ‘nossa Mane

que dia longo, que não passa’. Imagina se meus

filhos e netos morassem longe?”, indaga concluindo.

Page 64: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

62 Histórias de Cohabeiros

Enquanto a entrevista transcorre logo na

entrada da sala, na pequena mesa quadrada, em

que estamos sentadas em duas das quatro cadeiras

de mogno, Dona Marly relembra que os momentos

marcantes e de dificuldade, que passou na Cohab,

foram todos envolvendo a saúde de seus familiares.

Seus netos Rodolpho e Silenne que, inclusive, são

irmãos, quando bebês tiveram problemas sérios. A

avó, somente em recordar as ocasiões, muda de

semblante e seu rosto se transforma como se

estivesse arrepiada. Fica séria, apóia os cotovelos

na mesa, coloca as duas mãos no rosto e conclui

“tem coisas que a gente tem que passar, não tem

jeito!”. Pergunto para a católica não praticante, mas

que reza diariamente, se ela acredita em destino

e Dona Marly diz que “Sim, claro! Tudo está escrito.

Ninguém passa se não estiver determinado. Dizem

por aí que Deus escreve certo por linhas tortas,

não é? Então. Tem gente que diz que cada um faz o

seu destino, mas se fosse assim ninguém

escolheria passar por coisas ruins”, conclui.

Pergunto para a bisavó de Giovanna, Isabela

e Maria Fernanda, qual a opinião dela a respeito

do termo Cohabeira, com freqüência utilizado pelos

moradores da região. Dona Marly rapidamente

responde que conhece algumas pessoas que não

gostam de serem chamadas dessa forma, outras

que não ligam e há os que se orgulham disso. Mas,

para ela, ser chamada de Cohabeira, ou se auto-

intitular dessa forma, é algo indiferente, que não

Page 65: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

63Renata Rocha

é pejorativo, mas que também não é um elogio.

“Não é o bairro que faz as pessoas. Cada um faz o

seu ambiente, o lugar não influência. Eu, por

exemplo, sou reservada, sou caseira, fico na minha

quietinha. Mas tem um monte de gente por aí que

não”, completa. Vestida com um conjunto de blusa

regata e calças pescador largas ao corpo e tecido

aparentemente bem fresco, na cor bege claro e com

estampa floral, Dona Marly diz que a única coisa

da Cohab que atualmente a incomoda é o movimento

de domingo no Barufi, local conhecido dessa forma

até os dias atuais devido a um antigo supermercado

que trazia essa nomenclatura e ficava na região.

“O som dos carros é muito alto, os funks tem umas

letras tão pesadas que não faz bem para as crianças

ouvirem, além do barulho das motos que ficam pra

cima e pra baixo. Mas é a juventude né? Fazer o

que?”, diz.

Conhecida por manter as unhas sempre bem

feitas, cuidadas e coloridas, Dona Marly no dia da

entrevista estava sem esmalte, mas com as unhas

compridas, sem cutícula e devidamente lixadas.

Vaidosa , conta que depois que se aposentou há 10

anos engordou em média um quilo por ano. Diz que

seu único medo hoje é da morte. “Quero viver mais

coisas, tenho muito que ver ainda. Quero ser igual

à minha mãe, que aos 83 anos já conhece os

tataranetos”, diz sorrindo e completa “Minha mãe

é interona pra idade dela. Quando saímos juntas

para ir aos médicos da vida, as pessoas perguntam

Page 66: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

64 Histórias de Cohabeiros

se ela é minha irmã!”. Quando fala a respeito de

si, Dona Marly diz que se considera uma pessoa

pegajosa, chata e terrível. “O que quero, quero ali

ó, certinho, consigo tudo do meu jeito. Não tombo

fácil! Tem horas que penso que vou entregar os

pontos, mas passa rapidinho. Sou uma mulher

valente e batalhadora, meu defeito talvez seja ser

perfeccionista demais”.

Finalizada a entrevista e enquanto nos

despedimos na cozinha, a fã de Roberto Carlos e

de música romântica, aponta para Nani, sua nova

cadela de estimação, e diz que a cachorrinha bege,

que vem da mistura de chiwawa com poodle, sente

ciúmes do vô, referindo-se a Seu Mané. “Eu estava

aqui tomando café hoje logo cedo, aí o vô veio atrás

de mim fazer massagem, porque eu não dormi bem

à noite e fiquei com dor nos ombros, acredita que

ela ficou com ciúmes e começou a latir sem parar?

Eu mereço viu!”, conta com brilho nos olhos e com

o sorriso de uma mulher apaixonada, que vê graça

na situação.

Page 67: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

65Renata Rocha

Page 68: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

66 Histórias de Cohabeiros

Dance and Fly

“(...) Música para estar distante

Música para estourar falante

Música para tocar no estádio

Música para escutar rádio

Música para ouvir no dentista

Música para dançar na pista

Música para cantar no chuveiro

Música para ganhar dinheiro (...)

Música para ouvir

Música para ouvir

Música para ouvir”

Música para ouvir

(Arnaldo Antunes)

Para Wagner Garcia, mais conhecido como Fly,

apelido criado por amigos que o consideram muito

calmo e dizem que vive voando, o rapaz gostou da

idéia e o utiliza como nome profissional de DJ, o

Onde determina o Quem. “No meu caso influenciou,

pois a Cohab tem uma veia cultural e artística muito

forte, temos muitas coisas acontecendo por aqui

em todos os estilos de arte. Eu particularmente

me espelhei no Noel e no Jairinho, que em meados

de 86 montaram numa garagem um mini estúdio

que se tornou ponto de encontro de interessados

na cultura DJ. Deu muito certo até 1994, pois com

o surgimento de artistas do chamado estilo Pop,

como Daniela Mercury, Skank, Cidade Negra e

Page 69: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

67Renata Rocha

Negritude Jr., a cultura de clubes teve uma

mudança forte e as grandes festas especializadas

em música eletrônica foram decaindo. Então Noel

e Jairinho tomaram rumos diferentes, ambos

atualmente tem suas profissões como qualquer

cidadão considerado normal, mas até hoje são

apaixonados pela arte DJ. Eu acompanhei tudo isso

de perto e paralelamente eu escrevi a minha

história no meio musical, com muitas influências

destes dois meninos. Hoje tenho muito orgulho e

alegria de uns sete anos para cá trabalhar com

eles em apresentações por aí e, principalmente,

por eles quinzenalmente darem som no Cassimira,

o meu Clube”, conta o Cohabeiro de nascença.

Fly descobriu a paixão pela música nos anos

80, quando colecionava discos e diz ter descoberto

a cultura DJ em 1992, quando então iniciou sua

carreira profissional discotecando por toda zona

oeste de São Paulo e conseguiu ao longo desses

anos se apresentar também em Minas Gerais, Rio

de Janeiro, Espírito Santo e Paraná. Há quase um

ano, em parceria com seu amigo e produtor Marcelo

Amaral, montou o Cassimira um local que o define

como “um mini clube especializado em música

eletrônica alternativa de boa qualidade, algo bem

underground, que surgiu devido ao cansaço de

produzir festas em espaços totalmente capitalistas”.

O local, que até então eram duas garagens do prédio

onde o DJ mora, fica com as portas viradas para a

rua e é dividido em duas partes, sendo que em

Page 70: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

68 Histórias de Cohabeiros

uma fica a pista de dança e no outra o barzinho.

Cada garagem mede 2,3m por 6m, ou seja, pouco

mais que 12 metros quadrados e a decoração de

ambos os ambientes, que têm as paredes vermelhas,

num tom quase vinho, é cheia de detalhes. Há um

lustre com fitas coloridas que são conhecidas como

pulseiras do senhor do bom fim; uma mascara

comprada em Manaus; uma tela com pinturas de

desenhos de negros trabalhando, que o sócio de

Fly ganhou de um amigo que foi para a África;

alguns piscas-piscas em formato de abacaxi; os

tecidos das banquetas são florais; na parede da

pista de dança tem um desenho de um alvo em

alto relevo, na cor preta; além do lagarto, símbolo

do Cassimira, feito de papel marche por um artesão

de Embu das Artes. Uma mistura de elementos

que juntos tem sintonia e colorem o ambiente. No

barzinho há uma prateleira com revistas e livros

comunitários, que tem sempre um exemplar do dia

do jornal Folha de S. Paulo e serve uma espécie de

mini biblioteca, que fica disponível para quem quiser

ler e se aprofundar no assunto música e cultura.

Nesse mesmo espaço o DJ e seu sócio também

comercializam CD´s de música eletrônica a custo

médio de R$15. “Vendo esses CD´s a preço de custo,

por pura ideologia. Compro na Under Ground

Records Brasil e vendo aqui pelo mesmo preço e

tenho até prejuízo, porque não calculo o preço da

gasolina pra ir buscar. Enchi a paciência do dono

da gravadora pra conseguir revender aqui, porque

Page 71: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

69Renata Rocha

em lojas não custa menos que R$30. Aí quando

consegui pensei ‘meu Deus onde vou expor?’. Ah

fui correr atrás de onde”, conta. Os CD´s ficam

expostos num mostruário que foi um presente de

uma cabeleireira cujo salão fica ali próximo, cinco

garagens à frente que também serve de pontos

comerciais. “Aqui todo mundo se ajuda mesmo”,

enfatiza Fly ao contar que para conseguir essa

prateleira foi na farmácia, padaria, academia,

papelaria, pizzaria, mercearia e pet shop do bairro,

até que a Sandra, a dona do Salão de beleza, lhe

doou uma. Já a pista de dança tem luzes e mais

luzes, que dão o toque especial de discoteca, tecidos

com estampas de oncinha e também de estilo

psicodélicos, pufz coloridos e, claro, as aparelhagens

que tecnicamente são chamadas de pick-ups e

quando manipuladas pelos DJ’s dão o som. Quando

pergunto se Fly não considera o espaço muito

pequeno, o DJ o define como um lugar aconchegante

e afirma que a idéia do “clubinho” consiste mesmo

em que a curtição aconteça nas calçadas e na rua,

onde tem espaço pra todo mundo se divertir e ser

efetivamente o que acontece. É por isso que um

dos projetos de Fly se chama Dançando na Rua.

Cassimira, que aos finais de semana atende

em média 70 pessoas, quinzenalmente recebe DJ’s

convidados, além dos já residentes Noel, Jairo

Vendramini, Douglas, Robson, Marcelo S, Royal,

André Bacon e do próprio Fly, funciona de terça a

domingo, das 14 às 22h na Rua Belém. Orgulhoso,

Page 72: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

70 Histórias de Cohabeiros

o dono do clube cita os nomes dos Dj´s que já trouxe

até seu estabelecimento. “Já vieram aqui Renato

Lopes, Julião, Mimi, Mr. Gil, Bunnys, Cláudia Assef,

Daniel Cozta, Alessandra Soares, Gláucia++, Paula,

Carol Campos, Felício Marmitex, André Juliani,

Bruno Gouvêa, Pil Marques, Sub, Eric Kapri, Tigrão,

Ita, Ana Flávia, Benjamin Ferreira, Camilo Rocha

e Ton”, conta. Os estilos mais tocados no barzinho,

que não tem nenhum funcionário a não ser os

próprios donos, são House, Techno e Electro. Fly

conta que a inauguração da “pistinha de dança” foi

o dia em que sem dúvida Cassimira teve mais

movimento, pois participaram mais ou menos 100

pessoas.

Segundo a jornalista da revista DJMAG Brasil

e autora do livro Todo DJ já sambou, Claúdia Assef,

“a pesquisa musical é algo que é realmente levado

a sério pela turma do Cassimira. Além dos DJs

famosos que dão pinta por lá, um de seus

residentes, Jairo Vendramini, o Jairinho, é uma

verdadeira enciclopédia ambulante de música

eletrônica. O cara é o único moderador e editor

brasileiro do site Discogs, a maior base de dados

do planeta quando se fala em e-music. Ele está

entre as vinte pessoas que mais alimentam um

site no mundo. De residentes, aliás, o Cassimira

não está fraco. Outro talento que sempre toca por

lá é o DJ Robson, um dos maiores entendedores

de Detroit tecno do país”, afirma.

Page 73: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

71Renata Rocha

Com ensino médio completo, o DJ cuida da

imagem de seu espaço com dedicação. Quando não

está atendendo aos clientes, Fly está dentro do

bar, sentado na cadeira e apoiado na mesa de metal

branca, tipicamente presente em bares, mas que

tem estampada a logomarca do Cassimira, assim

como em todas as outras, concentrado em seu note

book conversando com seus contatos via MSN,

acessando a comunidade do Cassimira no Orkut,

convidando mais pessoas a tornarem-se membros

e aceitando amigos, clientes e conhecidos em seu

perfil pessoal, que tem no mesmo site de

relacionamentos. Semanalmente o DJ envia e-mail

marketing, uma espécie de propaganda feita via

Internet que apresenta a agenda da semana do

Cassimira, para seu banco de endereços e afirma

atingir em média 5.000 pessoas. A escolha de um

lagarto como logomarca para o clube também foi do

Marcelo, o sócio, que segundo Fly deve ter algum

significado hytec. Ele, que por ser um dos donos do

“clubinho”, que já foi notícia de mídias como jornal

Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal da

Tarde, Revista DJ MAG Brasil e do site rraurl.com,

tem à disposição de quem o procura, releases a

respeito do Cassimira Clube e de sua carreira, que

conta sua trajetória de como passou de curioso à

DJ.

Aos 30 anos, cobiçado pelas mulheres que o

descrevem como um homem atraente, Fly, que a

todo momento durante a entrevista cita o nome da

Page 74: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

72 Histórias de Cohabeiros

namorada Juliana, diz que o melhor da Cohab é

existir muita gente, animação e solidariedade

entre as pessoas. “Veja se isso não é solidariedade,

as mesas e cadeiras do Cassimira estão na frente

dos outros comércios. Os vizinhos que ainda

utilizam as garagens como garagens não se

importam de eu deixar as mesas e cadeiras na

frente. Outro dia mesmo a delegada, que foi minha

amiga de infância, dona dessa garagem aqui.

Peguei ela na boa tirando as cadeiras da frente

para conseguir estacionar e quando fui ajudar ela

já estava devolvendo as cadeiras de onde tirou pra

guardar o carro. Vem me dizer que isso não é

solidariedade?” conta gesticulando e como se estive

ainda descrente do que havia visto. O DJ de 1,85m,

olhos verdes e português correto, lamenta o desdém

das autoridades perante a Cohab que não cuidam

das pessoas e diz que sob seu ponto de vista os

defeitos do bairro são a má conservação dos prédios

e o fato do bairro ser mau visto pelas pessoas que

moram em outros lugares, fora dali. “Ser Cohabeiro

é sim um elogio para mim, porque aqui cresci, esse

é o meu lugar, sou daqui e nunca tive vergonha de

dizer onde moro. Moro na Cohab, pois aqui tenho

condições de pagar as minhas contas. Agora, se eu

tivesse oportunidade de mudar eu mudaria

somente na hora certa, pois saberia que chegou o

momento de crescer para outros lados”, conclui ao

dizer que comparando o bairro nos dias atuais com

o que era há 20 anos atrás, hoje as pessoas tendem

Page 75: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

73Renata Rocha

a ter mais cultura, pois antigamente cada um tinha

sua tribo e se restringia, mas atualmente percebe

a mudança desse cenário, levando em consideração

seu convívio com os moradores, segundo Fly, os

Cohabeiros estão mais abertos a outras culturas,

a adquirir outros conhecimentos. “Os três

sentimentos que tenho por esse lugar são amor,

orgulho e respeito , resolvi montar o meu barzinho

aqui para ser uma proposta diferente das 100 mil

já existentes”, finaliza.

Pergunto para Fly, que faz de seu

estabelecimento um projeto de vida e divulgar a

música eletrônica underground um sonho, por que

do nome Cassimira. Ele espontaneamente diz que

o barzinho chama-se dessa forma, pois quando saia

com um grande amigo chamado Alexandre, o colega

dizia que dentro das festas tornava-se Alessandra

Cassimira e como o DJ ria muito disso, resolveu

batizar seu estabelecimento assim, Cassimira. “Eu

e o Marcelo investimos R$15.000 no Cassimira. Já

faz quase um ano que o clubinho existe e ainda

não tivemos o retorno do investimento. Tudo foi

pago a vista, mas o estabelecimento tem que se

pagar certo? A sorte é que o Marcelo tem uma

carreira profissional fora, vive até viajando pelo país

e eu sou DJ, dou festa por aí, porque só daqui não

dá pra viver não” acrescenta. Quando fala a respeito

dele mesmo, algo raro, pois seu assunto predileto

é o Cassimira, se define como “um maluco que

nunca ligou para dinheiro, por isso é um duro,

Page 76: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

74 Histórias de Cohabeiros

apaixonado pela cultura DJ e como viu que nada

seria feito onde vive para desenvolvê-la, luta nos

últimos 15 anos para que isso aconteça”, diz com

gestos que legitimam e impõem sua fala. Fly afirma

ser muito chato, a ponto de acreditar piamente que

sofre de TOC, Transtorno Obsessivo Compulsivo,

terminologia que aprendeu com a namorada

Juliana que é Terapeuta Ocupacional. O DJ atribui

ao seu comportamento o fato de colocar ordem no

barzinho e, por isso, nunca ter passado alguma

situação de risco, confusão ou de medo no clube.

“Sou maluco por organização. Mas é loucura mesmo!

O computador tem que estar sempre retinho na

mesa , a pia do barzinho com tudo no lugar. É

loucura mesmo”, afirma dizendo que isso é algo

que já vem de família, pois sua mãe também é

assim.

Um homem, que afirma ter por defeitos

acreditar nas pessoas, querer ajudá-las e ser

sistemático demais, diz com prazer ser dono de

três grandes qualidades: determinação,

determinação e determinação.

Page 77: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

75Renata Rocha

Page 78: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

76 Histórias de Cohabeiros

Edite. Sinônimo de labuta

“(...) Eu vou chegar

Pedir e agradecer

Pois a vitória de um homem

As vezes se esconde

Num gesto forte

Que só ele pode ver...

Eu sou guerreiro

Sou trabalhador

E todo dia vou encarar

Com fé em Deus

E na minha batalha (...)”

Lado B Lado A

(Marcelo Yuka / Falcão)

Edite de Paula Lomeu é cafezeira no Ceagesp

há mais de 15 anos. Lá, local também conhecido

como Ceasa, além de café, vende chocolate quente,

leite, refrigerante, vários tipos de salgados, bolos,

tortas, entre outras coisas feitas por ela. Prestes a

se aposentar, sempre pagou INSS e acabou de entrar

com o pedido na Previdência, Edite deixa no Ceasa

o carrinho que é o seu ponto de venda e todos os

dias leva de sua casa os itens que põe à venda.

Para preparar os alimentos e bebidas, a cafezeira

levanta todos os dias às 4 h da manhã. “Deu a hora

eu levanto, pulo da cama e vou embora”, diz.

Atualmente é isenta da taxa de R$80 mensais que

Page 79: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

77Renata Rocha

o Ceasa cobra para manter os carrinhos lá dentro,

pois já tem mais de 60 anos e conta que existem

em média 200 cafezeiras no Ceagesp e as cinco

que trabalham nos mesmos três pavilhões que ela,

são suas amigas e todas se ajudam. “Quando o

freguês pede alguma coisa que alguém não tem,

uma empresta pra outra”, conta. Edite faz questão

de dizer que em sua banca tudo é “bem fresquinho”

e vende 100% dos produtos diariamente. “Como já

tenho cliente fixo deixo mais ou menos uns R$50

por dia com coisas que vendo fiado e levo R$50 pra

casa, dos R$100 que tiro”, esclarece.

Apaixonada pelo trabalho, Edite diz que ama

o que faz e que se diverte muito enquanto trabalha.

Conta que constantemente é assediada pelos novos

clientes e antigos amigos do Ceasa, mas que tudo

não passa de brincadeira e quando percebe que

tem alguém falando sério não pensa duas vezes e

diz “nem te conheço cara, sai fora!”, conta rindo

com o rosto corado. Edite lembra-se de uma única

vez em que um amigo ficou fazendo gracinhas e

como ela não estava gostando pediu para ele parar

e o sujeito não se tocava e continuava fazendo

piadinhas. “Não deu outra, quebrei uma garrafa de

vidro na cabeça do homem. Eu avisei antes para

ele parar, ele não parou, pronto levou na testa.

Mas isso já passou já, hoje em dia a gente até se

fala normal, fizemos as pazes. Eu falo sempre sou

pequena mas valho mais que um grandão”, conta

as gargalhadas.

Page 80: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

78 Histórias de Cohabeiros

A cafezeira toma ônibus todos os dias às 5h45,

para chegar o mais cedo possível ao trabalho. Nesse

horário o dia está começando a clarear e, por isso,

diz ter medo de ficar no ponto de ônibus sozinha.

“Os nóinhas que tão na rua até essa hora falam

‘pode passar tia a gente não vai fazer nada não’,

mas mesmo assim fico com medo”, comenta

escondendo o rosto com as duas mãos e continua

“Já fui assaltada uma vez logo cedo, ai credo! Tenho

muito medo de ladrão e por isso chego no ponto

bem na hora que o ônibus passa”, conta. Edite se

recorda de certa vez ter presenciado um tiroteio

em frente ao Ceasa que teve que passar com todas

as sacolas por debaixo do portão do Ceagesp, porque

estava fechado. “Fiquei desesperada, credo!”, diz

demonstrando repulsa.

A mineira mudou para a Cohab há 19 anos e

mora há 14 no mesmo apartamento que, será seu

no próximo ano quando terminar de pagá-lo. Edite

saiu de sua terra natal com dois de seus três filhos,

quando descobriu que o marido a traía. O outro

filho, que já era maior de idade, não quis vir para

São Paulo e optou por ficar com o pai, que assumiu

a amante com a qual vive até hoje. Esbanjando

alto astral, a cafezeira afirma gostar de movimento,

de gente e adorar fazer muitas coisas para progredir

sempre. “Quando era casada o meu marido não

me deixava fazer nada e eu vivia doente. Hoje em

dia sou livre, ando muito pra cima e pra baixo e

nem gripe eu tenho. Pago todas minhas contas e

Page 81: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

79Renata Rocha

mantenho minha casa. Chego em casa por volta do

meio dia, limpo tudo, faço mercado e ainda tem o

Jorge”, diz. Edite considera sua relação com os

vizinhos muito boa, tem amizade com todo mundo

e diz ficar na sua e não fazer fofoca de ninguém.

Ela que adora ouvir música popular diz ser fã da

Cohab. “A Cohab é uma beleza! Não precisa mudar

em nada, pois ta sempre melhorando. Daqui eu

não saio nunca mais!”, diz.

Jorge é o neto de Edite, filho de Mônica, a

única filha mulher da cafezeira. Filho de pais

separados desde que nasceu, mora na Cohab com

a mãe e com a avó. Há pouco tempo a mãe de Jorge

mudou-se para São Matheus com o atual marido e

com a filha mais nova Munieli, de 06 anos, e Jorge

preferiu ficar com a avó. Edite diz que ele é o seu

companheiro. “Eu falo para ele “mas Jorge ela é a

sua mãe” e ele vai visitá-la mas sempre volta,

dizendo que sua casa é aqui”, conta. A respeito do

pai de Jorge a cafezeira não se contém e diz: “o pai

do Jorge é um safado que não ta pagando pensão.

A mãe dele já entrou na justiça porque o menino

quer fazer faculdade ano que vem e vai precisar da

ajuda do pai”. Pergunto qual faculdade Jorge quer

cursar e Edite com olhar orgulhoso e sorriso ainda

mais largo que o habitual diz que não sabe direito

o nome, não se recorda bem, mas ele quer trabalhar

na bolsa de valores.

A Vó do Jorge, como Edite é conhecida no

prédio onde mora, é uma senhora animada e

Page 82: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

80 Histórias de Cohabeiros

sorridente, que usa óculos arredondados, tem

cabelos curtos, bem enrolados, quase crespos, na

metade da orelha e tingidos de preto. Ela que se

veste com roupas consideradas jovens, como

vestidos de alça, e por gostar de bijuterias usa

normalmente em média três anéis prateados na

mesma mão, freqüenta bailes dançantes e namora

há 15 anos com Gilberto. “Chamo ele de meu

ficante”, conta rindo e explica-se com o rosto

envergonhado “falo isso porque cada um mora na

sua casa”. Aos 65 anos e seus 1,40m de altura,

Edite se considera uma mulher dinâmica, e como

ela mesma diz “pra frente”, tanto que afirma dar

bronca nos amigos mais parados. “A Margarida

mesmo, que é minha amiga desde que mudei para

São Paulo, vivo falando pra ela esquecer os

problemas, uma mulher batalhadora que formou

todos os filhos na faculdade, agora fica se queixando

por coisinhas, ah não! Falo pra ela deixa pra lá

Margarida, a vida é assim mesmo e o melhor que

você tem pra fazer é esquecer e agradecer a Deus

isso sim!”, conta.

Pergunto para Edite se essa felicidade e

vontade de viver que faz questão de esbanjar é

permanente, ou se há algo que a entristeça. A

cafezeira se cala por um instante, desvia o olhar

para o chão e diz que não, as lembranças de seu

filho caçula ainda mexem muito com ela. Há 13

anos, numa tarde de 1º de abril, Edite acordou

agoniada, com mau pressentimento e aperto no

coração, mas resolveu deixar pra lá. Ao voltar do

Page 83: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

81Renata Rocha

trabalho, o filho de 17 anos comentou que havia

vendido a bicicleta e entregou o dinheiro para a

cafezeira. Disse que naquele dia não queria almoçar

em casa e preferiu ir à tia que morava ali perto na

Cohab V. No caminho queria aproveitar para

entregar a bicicleta ao rapaz que havia comprado e

para chegar mais rápido pegou rabeira num

caminhão. Depois disso Edite nunca mais viu seu

filho vivo. Ele foi atropelado e morreu na hora.

“Desde pequeno quando ele nasceu parecia que

não iria ficar nesse mundo. É tão esquisito, minha

filha sempre foi baladeira, o meu outro filho que

mora em Minas sempre andou de moto pra cima e

para baixo. Ele que vivia dentro de casa comigo, foi

primeiro”, conta com a cabeça fazendo sinal

negativo e com a mão direita no peito. Depois de

perder o filho, Edite mudou-se do prédio em que

morava, pois constantemente passava em frente

ao local do acidente e isso lhe fazia muito mal,

tanto que até hoje diz desviar desse caminho, pois

não gosta de passar por ali e foge da lembrança.

Subitamente volta a estampar o sorriso no rosto e

diz “Mas essa é a única coisa ruim que me recordo,

o resto aqui é tudo bom! Tenho muita fé e Deus me

ajuda muito. Foi ele quem me tirou toda a tristeza

do meu coração”, diz.

Edite, deriva do anglo-saxão Eadgyth. ‘Gyth’

é combate e ‘ead’ pelas riquezas. E essa é a Edite,

a Vó do Jorge, que assim como o significado de seu

nome é sinônimo de labuta para os que a conhecem

e a admiram.

Page 84: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

82 Histórias de Cohabeiros

Page 85: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

83Renata Rocha

O fantástico mundo de Bob

“Eu sei que tenho muitas garotas

Todas gamadinhas por mim

E todo dia é uma agonia

Não posso mais andar na rua, é o fim (...)

Sei de muito broto

Que anda louco

Pra dar uma bitoca ni mim (...)

Eu era neném

Não tinha talco

Mamãe passou açúcar em mim”

Mamãe passou açúcar em mim

(Wilson Simonal)

Onde quer que vá na Cohab Bob é conhecido

por ser um tirador de sarro de primeira e fazer

amizade rápido. Conhece as pessoas pelos nomes,

quando não, dá apelidos para facilitar na

memorização e não esquecer quem são elas.

Também é natural de Bob querer sempre ajudar as

pessoas, seus vizinhos e amigos cohabeiros. Ajuda

desde a Dona Joana, sua vizinha de escada que

praticamente o viu nascer, a levar as sacolas com

as compras feitas no mercado do bairro, aos amigos

de boteco, que embebedados não conseguem se quer

chegar em casa sozinhos. “A Dona Joana me adora,

porque onde vejo ela pego as coisas pra ajudar a

subir a rua e as escadas. Aí ela pra me agradar faz

Page 86: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

84 Histórias de Cohabeiros

alguma coisa gostosa na casa dela e vai lá em casa

levar pra mim experimentar”, conta todo sorridente.

Com ensino fundamental completo, solteiro e aos

21 anos, Bob adora dançar forró universitário e

“catar a mulherada”, como mesmo diz. “Eu sou

muito sacana, qualquer dia vou apanhar na rua

por pegar mulher dos outros. Tenho açúcar, minha

mãe em vez de colocar talco na minha fralda

colocava açúcar. Sou muito tranqueira”, afirma ao

dizer que a barriguinha sobressalente faz muito

sucesso por aí.

Seu nome de registro, que não é utilizado nem

em ambiente de trabalho, pois profissionalmente

também é chamado por Bob, é Henrique Lima de

Araújo. Lembra-se que ganhou o apelido em 1995,

quando tinha nove anos, de dois amigos mais velhos

que na época moravam no mesmo prédio, por causa

de um desenho chamado ‘O Fantástico Mundo de

Bobby’, em que o garoto protagonista “era cabeçudo

e vivia viajando na maionese”, e, por isso, tinha

tudo haver com o ele, o até então Henrique. Bob

conta que no começo eu não gostava da brincadeira,

ficava bravo e irritado e chegou até a chorar de

raiva por causa da gozação dos amigos, mas que

com o passar do tempo não ligou mais, tanto que

traz o apelido consigo até hoje e se apresenta dessa

forma “oi, prazer eu sou o Bob”.

Assim como ele faz piadas o tempo todo com

as características pessoais dos conhecidos, mexe

com todos que passam na rua, cumprimentando

Page 87: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

85Renata Rocha

sempre com comentários engraçados, os amigos de

Bob também não deixam passar uma oportunidade

se quer para fazer graça com ele. “Ah é um zuando

o outro. Tem uns nego aí que pra zuar me chamam

de Cirrose, porque vivo com cara de ressaca e fico

no bar da Dona Rosa de terça a sábado, porque de

domingo e segunda não bebo, ou me chamam de

costeleta, porque uso costeleta comprida. Ah e

outros me chamam de RQ, por causa do sotaque do

nordeste da minha mãe, quando me grita no prédio

pra me chamar, porque não parece que ela fala

Henrique, mas RQ”, acrescenta.

Bob vem de uma educação rigorosa em que

tinha horário pra tudo: para voltar da rua, para

almoçar, jantar, estudar e tomar banho. Os três

filhos de Maria, Ednilson, Erica e Henrique, foram

criados somente por ela, pois o gestor da família,

Edílson Alves de Araújo, faleceu de derrame aos

36 anos, quando Ednilson tinha 10 anos, Erica 5 e

Henrique 10 meses de vida. Sozinha, a dona de

casa mora com os filhos e neto, filho de Erica, no

apartamento que herdou do marido e mantém a

família com a pensão que ganha até os dias atuais.

Em tom de piada, Bob diz que “a pensão é bem

gorda viu, tanto que minha mãe sustenta três filhos

desempregados” ao afirmar que se o pai, que só

conhece por foto e o chamava de pica pau por causa

do cabelo espetado que tinha quando bebê, ainda

estivesse vivo, com certeza já não estariam mais

morando na Cohab, já teriam mudado. “Meu pai

Page 88: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

86 Histórias de Cohabeiros

trabalhava na Ericson e ganhava maior bem. Ele

não gostava da Cohab e só veio pra cá porque foi

aqui que na época tinha condições de comprar, mas

com certeza teríamos mudado daqui se ele ainda

fosse vivo”, reforça. Até os 16 anos era da religião

Testemunha de Jeová, também seguida por sua mãe

e irmãos, e circulava pelo bairro sempre de social

e com uma pasta preta nas mãos. Deixou a religião,

pois segundo ele começou a “fazer coisa errada,

pegar a mulherada, as fixas e as reservas né?

Comecei a sair, beber e fumar cigarro, essas coisas

do mundo aí”. Em sua página pessoal no site de

relacionamentos orkut, Bob se diz ateu, mas

durante a entrevista afirmou ser cristão, acreditar

em Deus e saber que ele existe e que diz que é

ateu, pois não gosta de discutir religião e “pra

ninguém ficar enchendo o saco. Odeio quando ficam

dizendo ‘Jesus te ama’, ‘Jesus te ama’, isso é uma

coisa tão óbvia que todo mundo sabe, não precisa

ficar repetindo. Os caras nem conhecem a bíblia

direito e vêm querer dar um bom. Não gosto disso,

mando logo a merda”, desabafa.

Mesmo com a educação rígida da mãe, Bob

durante a infância adorava aprontar e fazer arte

com uma vizinha em específico. “Era legal zuar com

ela porque ela veio da Bahia e era engraçado ouvir

ela xingando ‘seus filho de uma rapariga’. Eu e os

moleque amarava o trinco da porta dela, tocava a

campainha e saia correndo. Ela tentava abrir e não

conseguia porque tava amarrado”, diz às

Page 89: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

87Renata Rocha

gargalhadas e completa “a gente fazia isso direto

com ela. Até bombinha na porta dela eu jogava”,

relembra. Bob só podia brincar no prédio até às 7

da noite. Dava esse horário Maria, a mãe dele,

chamava gritando da porta de seu apartamento ‘RQ’,

assim como contam os amigos de Bob. Ele subia as

escadas chorando, pois mora no último andar,

porque queria continuar brincando com as outras

crianças, mas mesmo não querendo ir pra casa,

não tinha jeito, ia para não desobedecer a mãe.

“Eu era muito chorão, mas não coloca isso aí

hein?”, adverte pedindo para que eu omita esse

detalhe de sua história. O respeito do gozador, que

não tira boné da cabeça, por sua mãe ainda é tão

grande que nem gírias fala na frente dela. “Minha

mãe me dá bronca todo dia. Quando to em casa ela

diz que to preguiçoso e quando to na rua ela diz

que sou rueiro demais. Ela não decide, mas eu

não ligo não, eu respeito”, conta rindo e dizendo

que Maria se diverte com ele, com as brincadeiras

e piadas do filho, mas que mesmo assim ‘puxa a

orelha’ sempre.

Bob, que já foi atendente de crédito,

assistente administrativo e corretor de imóveis por

uma semana, atualmente está desempregado, mas

usufruindo seguro desemprego do último trabalho

que teve, cujo benefício vai até metade do próximo

ano. “Não peço dinheiro pra minha mãe pra sair ou

pra comprar cigarro, faço minhas mutretas”,

esclarece. Ele, que usa na mesma mão três anéis

Page 90: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

88 Histórias de Cohabeiros

pretos feitos de coquinho, uma espécie de madeira,

diz que o maior sonho de sua vida e o seu objetivo

atual é virar político. “Todo mundo quando

perguntava o que eu queria ser quando crescesse

eu dizia que queria ser político, é um sonho desde

pequeno” reforça. Atualmente é presidente da ala

jovem de um partido e se reúne todos os dias com

os membros da equipe para discutirem a campanha

e os projetos para o próximo ano. Conta que as

reuniões são de certa forma secretas, para não

chamar atenção de outros partidos e pretende

começar sua carreira na política como assessor do

atual candidato pra prefeito do partido do qual é

filiado. “Daqui a quatro anos vou ser vereador eleito

pela Cohab, depois vou ser prefeito de Carapicuíba,

depois deputado estadual, para então ser deputado

federal e finalmente chegar na presidência da

república. Já vou cortar meu dedo e deixar a barba

crescer, se você quiser inclusive te arrumo emprego

em uma grande emissora de TV até, olha? Vote no

Bob”, diz em tom sarcástico comparando-se com o

Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva,

rindo como se tudo o que dissera fosse algo simples

e já determinado, certo de que irá acontecer e

acrescenta que “isso é política. Acordos e mais

acordos entre cavalheiros. Você aprova o meu que

eu aprovo o seu e assim vai. O duro é precisar

apoiar um negócio ruim, aí ninguém merece”.

Planos para Cohab para quando for candidato a

vereador, Bob tem aos montes, fala de melhorar os

Page 91: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

89Renata Rocha

postos de saúde para ficarem com atendimento

descente, reclama da falta investimento na infra

estrutura do bairro, quer pleitear a construção de

áreas recreativas ou empresas nos terrenos vazios

que ainda existem na Cohab, mas deixa claro que

tudo isso não depende só dele, pois vai depender

dos apoios que conseguir na câmara ao longo de

seu mandato. O futuro político diz que os moradores

do bairro são muito hospitaleiros, que recebem bem

todo mundo e que a Cohab é um bom lugar de se

morar, mesmo não tendo o lado negativo “os prédios

são horríveis, mais parecem ninhos, as ruas são

destruídas, fora que não tem balada pra gente. O

movimento de domingo então, com aquele monte

de carro com som ligado, bicicleta e moto pra cima

pra baixo, é coisa de viado que não vai catar mulher

e fica impinando moto. É uma droga e pura falta de

educação”, afirma incisivo. Mesmo considerando

esses fatores, Bob diz que não muda da Cohab de

jeito nenhum, porque gosta do lugar e pronto. “Só

saio daqui se engravidar alguém e precisar me

esconder. Até quando eu for Presidente da

República vou morar aqui, vou comprar cinco

apartamentos, emendar um no outro, fazer uma

cobertura e colocar uns cinco seguranças na porta

pra ficar de boa”, diz às gargalhadas.

Para o cohabeiro o bairro mudou muito nos

últimos anos. “Na verdade mudou tudo na Cohab,

mas acho que o que ta pior é a bandidagem aí, mas

o prédio está a mesma coisa, as brigas de vizinhos

Page 92: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

90 Histórias de Cohabeiros

continuam, o barulho, tudo igual, isso acho que

não muda nunca não”, diz. Ele, que considera se

auto-analisar e dizer quais são seus defeitos e

qualidades coisa de gay, ao perguntar qual seu

maior medo, diz de cara que não tem nenhum, nem

da morte. Mas, de repente faz uma pausa, pára,

pensa, faz cara de quem está se concentrando e

refaz a resposta. “Na verdade tenho medo de umas

coisas aí. Tenho medo de dirigir, sou uma lesma

no volante porque tenho medo de acidente de carro,

tanto que nem carta de motorista tirei ainda e não

gosto de andar com quem dirige correndo. Eu sou

claustrofóbico também, não consigo me imaginar

preso, até no banheiro tenho medo, cago de porta

aberta”, conta escondendo o constrangimento de

admitir ter medo através do tom humorístico quando

conta detalhes de como faz suas necessidades

fisiológicas.

Bob não acredita em destino, pois diz que

“quem tem destino é ônibus. A gente faz o que quer

e o que bem entende com a nossa vida. Agora em

missão eu acredito, cada um vem pra Terra pra

cumprir alguma coisa, mas em destino eu não

acredito mesmo”, mas acredita que o onde

influencia o quem, porque segundo ele se a pessoa

vive num ambiente em que o pensamento é

pequeno, essa pessoa tem a forte tendência de

também ter a mente curta, se não se esforçar para

sair do seu mundinho. Para ele ser cohabeiro é

sinônimo de “um povo pobre, que gosta de uma briga,

Page 93: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

91Renata Rocha

é tudo meio doido e adora um fuxico, mas que tem

lá suas exceções, que depende de cada um. Mas

ainda acho que de cohabeiro e médico todo mundo

tem um pouco”, brinca ao dizer que mesmo quando

está na balada não esconde das garotas que mora

na Cohab. “Eu sou cohabeiro mesmo e não tenho

vergonha de falar não. Tenho uns amigos aí que

falam pras menininhas que são de Osasco. Eu não,

chego na mina de boa, sou assim mesmo, moro na

Cohab mesmo e digo ‘chega aí vem ver o que é

bom’, to acostumado a ser chamado de cohabeiro”.

Esse é o fantástico mundo de Bob. Não do

Bobby do desenho, cuja grafia é com duas letras b

e uma letra y, mas, sim, do Bob da vida real.

Page 94: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

92 Histórias de Cohabeiros

Page 95: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

93Renata Rocha

Não sou Nhaca, sou Evanildo

“(...) Não tem dó no peito

não tem jeito

não tem ninguém que mereça

não tem coração que esqueça

não tem pé não tem cabeça

não dá pé não é direito

não foi nada, eu não fiz nada disso

e você fez um bicho de sete cabeças

Bicho de sete cabeças, bicho de sete cabeças

Bicho de sete cabeças”

Bicho de sete cabeças

(Geraldo Azevedo)

Se você perguntar por Evanildo provavelmente

ninguém vai saber lhe dizer quem é ele, o que faz

exatamente e em qual prédio da Cohab mora. Mas,

se perguntar por Nhaca, aí sim conseguirá chegar

até ele. Evanildo Emídio da Silva e Nhaca são a

mesma pessoa. Um homem negro de 1,80m, olhos

grandes e pretos, com dentes amarelos, isso é, os

que ainda lhe restam tem essa coloração,

vestimenta constantemente simples e surrada, de

fala lenta e andar cansado. É cohabeiro há mais

de 20 anos, quase a metade de sua vida, e é uma

pessoa muito conhecida no bairro por fazer bicos

de serviços manuais como pedreiro e pintor. Mas

sua profissão, que levanta as sete da manhã

diariamente pra exercer, é carroceiro.

Page 96: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

94 Histórias de Cohabeiros

Nhaca, quer dizer, Evanildo, foi alcoólatra

durante toda a vida e parou com o vício a menos de

um ano, pois por problemas de saúde precisou tomar

remédio para largar a bebida, do contrário, segundo

os médicos que o atenderam, morreria. O apelido

que lhe foi dado por amigos de bar, hoje já não é

aceito por ele, que faz questão de corrigir quem

quer que seja que lhe chame dessa forma. Quando

o procurei para pedir-lhe a entrevista só o conhecia

pelo apelido de Nhaca, assim como todos seus

vizinhos e amigos com os quais conversei, e, por

isso, não o chamei pelo nome. Logo no início fui

corrigida. “Com certeza a gente conversa sim. Pode

ser sexta-feira? Porque hoje tenho um serviço ali

no prédio da frente, tenho que tirar uns entulhos.

Mas só uma coisa: quem te disse que meu nome é

Nhaca? Meu nome não é esse não, me chamo

Evanildo Emídio da Silva”, corrigiu-me sem titubear.

Parar de ser chamado pelo apelido tornou-se

para Evanildo um símbolo, um marco que legitima

o antes e depois do vício. “Nhaca é de pessoa fedida,

que anda com roupa suja, que não toma banho e

tem falta de higiene. Pô pega mal né? Comecei a

ser chamado desse jeito quando eu ainda tomava

uma branquinha, né, mas hoje não sinto nem o

cheiro graças a Deus. Se a pessoa me chama assim,

chego e falo que eu tenho nome, meu nome é

Evanildo”, conta com a fala mansa e gesticular

lento, maneira essa que causa a ligeira impressão

de ter sido herdada pela falecida bebida como

Page 97: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

95Renata Rocha

conseqüência do vício de muito anos. O carroceiro

diz ainda ter muita amizade no bairro, e que agora

que parou de beber é mais respeitado e ganhou

novos amigos. “As pessoas tem muita consideração

por mim”, diz orgulhoso.

Na adolescência Evanildo trabalhou em uma

empresa de grande porte como auxiliar de

armazém, mas por não ter se adaptado ao serviço

ficou somente por uma semana. Desde então

passou a fazer bicos, fazendo pintura, carregando

entulho, recolhendo materiais recicláveis como

alumínio, ferro, papelão, vidro e vendendo tudo para

o ferro velho. Não sabe precisar ao certo qual sua

renda mensal, mas diz cobrar por bico, que não são

constantes, em média R$30 e quando é trabalho

mais demorado, que leva o dia todo, cobra entre

R$50 e R$ 60. “Quando não tem serviço fico sentado

no portão do prédio da frente e as pessoas me vêem

ali e chamam pra fazer serviço. É só chamar que

eu vou”, conta animado com sorriso no rosto fazendo

sinal afirmativo, com a cabeça para cima e para

baixo, quando acrescenta uma observação “Só não

mexo com elétrica, porque não conheço direito como

funciona e tenho medo de choque”.

Evanildo é um homem solteiro, tem somente

a primeira série e divide o apartamento de 42m²,

herdado dos pais, com quatro dos sete irmãos, os

demais assim como seu pai e sua mãe, já são

falecidos. O lar onde vive é bem simples, assim

como seus moradores. O chão é de cimento batido

Page 98: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

96 Histórias de Cohabeiros

na cor vermelha; as portas e janelas são as originais

da Cohab, ou seja, nunca foram trocadas como

quase 100% dos demais apartamentos; as paredes

com falta de tinta mostram o sinal do tempo; os

dois quartos não têm portas que o separem da sala,

mas sim cortinas feitas de penduricalhos de

madeira.

Falar da família faz com que o carroceiro

fique monossilábico, limitando-se a dizer que a

saudade é grande e que as lembranças são

constantes. Lembrar da infância parece lhe trazer

dificuldades de memória, demonstra perder o

raciocínio, pensar, pensar e pensar até conseguir

comentar “eu empinava pipa quando era criança,

mas tem um monte de marmanjão aí que fica o dia

inteiro fazendo isso. Isso é coisa de criança. É, mas

tem outro lado também, o desemprego ta bravo né?”,

conclui por si só.

Para Evanildo a Cohab está piorando a cada

dia, pois segundo ele o bairro tem muito barulho,

muita briga e muita confusão. “O que a Cohab tem

de ruim são os vizinhos que enchem o saco viu.

Um cuida da vida do outro, fica fazendo fofoca aí e

cuidar da vida deles que é bom mesmo, nada. E

isso é a maioria dos vizinhos viu?”, diz. Mesmo

achando isso, o católico que usa um anel dourado,

como se fosse uma aliança de casamento com os

dizeres Deus é fiel e que nitidamente é uma

bijuteria, diz ser cohabeiro com muito orgulho. “Ser

cohabeiro pra mim é um elogio. Eu sou com muita

Page 99: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

97Renata Rocha

honra”, conta ao dizer de pronto na seqüência que

para ele o onde determina o quem, mas que “se

bem que isso depende do modo da pessoa”.

Atualmente Evanildo, com marcas de

expressão que lhe dão ares de pessoa sofrida,

considera-se muito feliz, mais do que foi no

passado. Isso claramente porque parou de beber e

deixou de ser o Nhaca. Ele que acredita em destino

“tá bom na hora, mas depois a gente não sabe”,

não sabe ao certo quais são suas qualidades e

defeitos “isso eu não sei te responder”, não tem

expectativas para o futuro “vamos ver como vai ficar

daqui pra frente”, simplesmente leva um dia após

o outro.

Enquanto agradeço Evanildo pela

receptividade, já na porta de sua casa que fica no

último andar do prédio, o sobrinho que também mora

com ele, sobe as escadas correndo e gritando

“Nhaca, Nhaca tem um monte de papelão lá em

baixo no prédio, na entrada ali, vai lá pegar se não

alguém vai jogar fora”. O carroceiro como se nada

estivesse acontecendo ignora a frase do sobrinho,

como se o garoto que aparenta ter seis anos de

idade não tivesse dito nada, ou melhor, como se o

Nhaca não fosse ele, ou simplesmente não

estivesse ali, se despede e entra no apartamento

de número 47.

Page 100: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

98 Histórias de Cohabeiros

Page 101: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

99Renata Rocha

Meu pai, meu ídolo

“(...) Pai!

Pode crer, eu tô bem

Eu vou indo

Tô tentando, vivendo e pedindo

Com loucura prá você renascer (...)

Pai!

Você foi meu herói meu bandido

Hoje é mais

Muito mais que um amigo

Nem você nem ninguém tá sozinho

Você faz parte desse caminho

Que hoje eu sigo em paz

Pai! Paz!”

Pai

(Fabio Junior)

Valter Aparecido Nunes é filho de Lauro Pedro

Nunes e Aparecida Campos Nunes. Conhecido no

bairro como Valtinho, aos 49 anos é dono da Spézia,

uma pizzaria movimentada de música ao vivo, que

fica à margem da Cohab II, e aos finais de semana

é ponto de encontro de cohabeiros de várias idades,

tanto que entre de sexta e domingo recebe em

média 500 pessoas por dia, a maioria do bairro. O

empresário tem o estabelecimento há 15 anos, cujo

nome é igual ao de uma cidade da Itália, e derivou

da lanchonete que foi herdada do pai e ficava

instalada na mesma região que a pizzaria fica hoje.

Page 102: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

100 Histórias de Cohabeiros

Para Valtinho falar do pai é sempre motivo

de emoção. Esteja onde estiver, seja com quem

for, as lágrimas surgem e insistem em ficar até

que o assunto seja outro. A voz embarga e as

brincadeiras constantes desaparecem. Mesmo

durante o churrasco com os amigos, cerveja, música

e alegria. Isso porque o pai de Valtinho e de mais

outros quatro filhos, Claudimir, Cleonice, Norma e

Celma, sempre foi exemplo para os demais, sejam

eles amigos ou parentes, pela vida de luta que levara

e exemplos que dera. Lauro deixou muitas

saudades, não só por ter falecido ainda muito

jovem, mas principalmente pela morte trágica que

teve.

Há 27 anos, durante a construção da Avenida

Brasil, localizada na Cohab II, e para a construção

dos prédios dessa região, houve a necessidade

implodir uma pedreira para tornar possível o início

das obras. Na época a família de Valtinho morava

numa casa do bairro que tinha a varanda voltada

justamente para essa pedreira. Próximo dali, Lauro,

o pai de Valtinho, tinha uma criação de porcos,

que diariamente tratava, nos mesmos horários e

da mesma maneira costumeira. No dia 30 de agosto

de 1980 toda vizinhança ouviu o som de alarmes

ressoando aos quatro cantos, mas ninguém

entendeu ao certo o porque das sirenes, mesmo

sabendo que uma hora ou outra a implosão

aconteceria, a área não estava isolada naquele dia

como deveria estar. De casa Valtinho assistiu com

Page 103: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

101Renata Rocha

desespero o momento exato da morte de seu pai.

Ao implodirem a pedreira uma pedra voou muito

alto, com uma distância longa de uma ponta a

outra, e acertou justamente a cabeça de Lauro que

morreu na hora.

Limpando as lágrimas e sem conseguir falar

direito, Valtinho entristece ao dizer que “foi uma

fatalidade. Do telhado vi tudo, meu pai todo sujo,

foi chocante. O pai foi um exemplo, ensinou muitas

coisas pra nós e ter perdido ele assim desse jeito

foi realmente uma grande perda. Só quem passa

por isso sabe, consegue medir o tamanho da dor”,

conta demonstrando até hoje não aceitar o ocorrido.

Quando pergunto quais foram as medidas que a

família tomou, se processou a empreiteira

responsável, se recebeu alguma indenização, o

empresário é enfático ao dizer que isso é o de menos

e foi o de menos, que não há dinheiro no mundo

que pague a ausência do pai. “Na época até

ganhamos uma merreca, mas deixamos pra lá, mas

o certo mesmo seria minha mãe receber uma

pensão até hoje, afinal ficou viúva, sozinha com

quatro filhos pra criar”, conclui ao dizer que o pai

era uma pessoa muito conhecida e queria, tanto

que no dia do enterro tinha um comboio de carros

de tanta gente que foi se despedir de Lauro. “Ele

ainda faz muita falta, muita coisa teria sido

diferente se ele estive ainda com a gente”,

desabafa.

Page 104: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

102 Histórias de Cohabeiros

Diariamente Valtinho passa em frente ao local

que Lauro, seu pai, morreu, pois seu comércio fica

bem próximo dali e o apartamento onde mora

também. O empresário, durante a entrevista que

aconteceu numa festa de aniversário de dois de

seus funcionários, que moram ao lado da pizzaria,

afirma ter se habituado a lidar com as lembranças

e ausência do pai, e, por isso, gosta do bairro,

mesmo não enxergando nenhuma qualidade na

Cohab. Ao dizer isso, que não vê nada de bom no

bairro, é corrigido por uma amiga que ouvia a

entrevista da sala, mesmo com o som alto tocando,

e gritou “nenhuma qualidade? e os clientes?”,

automaticamente Valtinho concerta “é verdade, o

que a Cohab tem de melhor são os clientes. Os

clientes e os amigos, é claro, como pude me

esquecer”, reforça com toque de humor. “Mas tem

o lado ruim também. Existe muita fofoca, muito

barulho, a falta de cuidado e o relaxo também. Meu

prédio, por exemplo, acho que nunca foi pintado

desde que foi construído”, conta.

Ar jovial, apesar dos cabelos grisalhos,

Valtinho é um comerciante bem sucedido, dono de

uma caminhonete importada, cujo valor daria para

comprar no mínimo uns três apartamentos no

bairro. Ainda assim diz não trocar a Cohab por nada,

apesar dos pesares. “As pessoas ficam surpresas

quando falo que moro na Cohab, acham que eu

deveria morar em outro lugar só porque sou dono

Page 105: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

103Renata Rocha

da pizzaria, tenho dinheiro, essas coisas. Eu não,

eu gosto daqui, meus amigos estão aqui, aqui

conheço todo mundo, todo mundo me conhece e

pronto. Moro aqui e não tenho vergonha de dizer

isso, falo pra todo mundo, pra quem quiser ouvir”.

Nesse momento volta ser a figura conhecida pelos

cohabeiros, volta a ser o Valtinho de sempre,

deixando de lado as memórias e saudades do pai

que a pouco emocionava-se em dizer, gesticulando,

sorrindo e fazendo piadas e brincadeiras como é

de costume “vai uma cervejinha aí?”.

Page 106: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

104 Histórias de Cohabeiros

Page 107: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

105Renata Rocha

Retratos da Cohab

Vista da Cohab V

Page 108: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

106 Histórias de Cohabeiros

Geral da Cohab II

Prédios da Cohab I com varáis nas janelas

Page 109: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

107Renata Rocha

Prédio da Cohab I que nunca foi pintado desde a fundação

Fachada de prédio da Cohab II localizado na Rua Salvador

Page 110: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

108 Histórias de Cohabeiros

Praça Presidente Castelo Branco

Busto do Presidente Castelo Branco

Page 111: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

109Renata Rocha

O local também é conhecido como Barufi

Movimento na Rua Manaus aos domingos

Page 112: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

110 Histórias de Cohabeiros

É um corre corre mas o movimento volta quando a PM se retira

A polícia faz ronda durante o movimento existente aos domingos

Page 113: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

111Renata Rocha

Fachada do Posto de Saúde da Cohab II

Lateral do Postinho, nome pelo qual é conhecido

Page 114: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

112 Histórias de Cohabeiros

Posto de Saúde da Cohab V

Fachada do postinho, cuja especialidade é consultas

Page 115: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

113Renata Rocha

Hospital Público Sanatorinhos que fica instalado no bairro

A lanchonete citada na música Cohab Citi de Neto de Paula

Page 116: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

114 Histórias de Cohabeiros

Placa de divulgação de preços de trajeto de táxi

Área de recreação no Parque dos Paturis, conhecido como Km 21

Page 117: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

115Renata Rocha

Posto policial

Praça da Árvore na Cohab V

Page 118: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

116 Histórias de Cohabeiros

Final da feira da Cohab V

Começo da feira da Cohab V

Page 119: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

117Renata Rocha

Escola Didita Cardoso Alves

Escola Manoel da Conceição Santos

Page 120: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

118 Histórias de Cohabeiros

Entrada lateral da “ Manoel”

Grafitagem nos muros da Rua Uberlândia

Page 121: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

119Renata Rocha

Page 122: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

120 Histórias de Cohabeiros

Page 123: renateando.files.wordpress.com · Projeto Experimental, modalidade livro-reportagem. Orientador: Carlos Roberto Saviani Rey. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade

121Renata Rocha

Bibliografia

HOUAISS, Instituto Antônio. Mini Dicionário Houaiss da

língua portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Objetiva,

2003.

LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas. O livro-

reportagem como extensão do jornalismo e da

literatura. Editora Manole, 2003.

TALESE, Gay. Fama & Anonimato. O lado oculto de

celebridades, a fascinante vida de pessoas

desconhecidas e um inusitado perfil de Nova Yourk,

por um mestre da reportagem. São Paulo, Cia das

letras, 2004.

Site oficial da Prefeitura de Carapicuíba

http://www2.prefeitura.sp.gov.br/empresas_autarquias/

cohab/conjuntos_habitacionais/carapicuíba/0001

Enciclopédia digital

http://www.angelfire.com/ca3/carapicuiba/

Carapicuiba.html

Site oficial da Prefeitura de São Paulo

http://www6.prefeitura.sp.gov.br/empresas_autarquias/

cohab/conjuntos_habitacionais/carapicuiba/0001