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 Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP-Marília Ano 2010 - Edição 5 – Número 05 Maio/2010 ISSN 1983-2192  98 DESENHO INFANTIL E A  VIOLÊNCIA DOMÉSTICA   ANANIAS , Juliana Martin s 1   WHITAKER, Mar isa Andreata 2   AZEVEDO , Tânia A. M. 3  DE ALMEIDA, Vera Lia M. C. 4   WHITAKER, D ulce Consuelo Andr eata 5 RESUMO  ___________  As diferentes formas da Violência Doméstica destacam-se em situações graves e frequentes de exclusão e  vulnerabilidade envolvendo crianças na primeira fase da idade escolar. Mas está presente em todas as classes sociais, muitas vezes mantida entre as paredes dos lares e omitida pelos que poderiam ajudar a evitar, ou pelo menos, contribuir na erradicação do problema. Quem sofre tem medo de falar, sendo este o maior culpado pela constância da violência. Medo que mantém impune e a cada dia apresenta mais  vítimas. Este estudo, desenvolvido como trabalho de conclusão de curso de Pedagogia - Projeto Institucional da UNESP, denominado “Pedagogia Cidadã”, aborda a questão da Violência Doméstica contra crianças de 03 a 09 anos, objetivando a reflexão sobre a inclusão deste tema nos cursos de formação de educadores no ensino infantil e fundamental, uma vez que esta situação afeta o desenvolvimento cognitivo, associando-o ao agravamento no fracasso da socialização e na construção da identidade do aprendiz. Após sistemática pesquisa bibliográfica na busca de um referencial teórico, realizou-se pesquisa qualitativa com 182 crianças de 3 a 9 anos (64 de escola particular e 118 de escola pública), por meio da coleta de desenhos no próprio ambiente escolar. Esta atividade foi desenvolvida na presença e coordenação da professora da classe e em duas etapas: a primeira com exercícios de socialização por meio de jogos e a segunda com as crianças em seus lugares (mesas ou carteiras) e com distribuição de papel e lápis, preto e de cor, solicitando a elaboração de um desenho com o tema a criança e sua família. Observamos 101 desenhos coloridos, 81 sem cores, 123 sem a presença da figura paterna, 03 com sintomas de violência, sendo que para 01 criança, após entrevistas, foi sugerida a existência da  violência. Ao final da análise é possível demonstrar que o desenho infantil é uma adequada metodologia para auxiliar o trabalho do professor e possibilita, ainda diagnósticos reveladores de situações de convivência familiar, desde uma grande harmonia até mesmo problemas como a violência doméstica, buscando-se por traz das representações, os fatos possíveis de serem captados. Entrevistas confirmam a maioria dos achados.  1  Professora Educação Fundamental 2  Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá – UNESP 3  Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá – UNESP [email protected]  4  Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá – UNESP  5  Programa da Pós-Graduação da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara –UNESP  

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Revista do Laboratório deEstudos da Violência da

UNESP-Marília  Ano 2010 - Edição 5 – Número 05 Maio/2010 ISSN 1983-2192 

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DESENHO INFANTILE A  VIOLÊNCIA DOMÉSTICA  

 ANANIAS, Juliana Martins1  WHITAKER, Marisa Andreata2 

 AZEVEDO, Tânia A. M.3 

DE ALMEIDA, Vera Lia M. C.4  WHITAKER, Dulce Consuelo Andreata5

RESUMO  ___________________________________________________________________________  As diferentes formas da Violência Doméstica destacam-se em situações graves e frequentes de exclusão e  vulnerabilidade envolvendo crianças na primeira fase da idade escolar. Mas está presente em todas asclasses sociais, muitas vezes mantida entre as paredes dos lares e omitida pelos que poderiam ajudar aevitar, ou pelo menos, contribuir na erradicação do problema. Quem sofre tem medo de falar, sendo esteo maior culpado pela constância da violência. Medo que mantém impune e a cada dia apresenta mais

  vítimas. Este estudo, desenvolvido como trabalho de conclusão de curso de Pedagogia - ProjetoInstitucional da UNESP, denominado “Pedagogia Cidadã”, aborda a questão da Violência Domésticacontra crianças de 03 a 09 anos, objetivando a reflexão sobre a inclusão deste tema nos cursos deformação de educadores no ensino infantil e fundamental, uma vez que esta situação afeta odesenvolvimento cognitivo, associando-o ao agravamento no fracasso da socialização e na construção daidentidade do aprendiz. Após sistemática pesquisa bibliográfica na busca de um referencial teórico,realizou-se pesquisa qualitativa com 182 crianças de 3 a 9 anos (64 de escola particular e 118 de escolapública), por meio da coleta de desenhos no próprio ambiente escolar. Esta atividade foi desenvolvida napresença e coordenação da professora da classe e em duas etapas: a primeira com exercícios desocialização por meio de jogos e a segunda com as crianças em seus lugares (mesas ou carteiras) e comdistribuição de papel e lápis, preto e de cor, solicitando a elaboração de um desenho com o tema a criançae sua família. Observamos 101 desenhos coloridos, 81 sem cores, 123 sem a presença da figura paterna, 03

com sintomas de violência, sendo que para 01 criança, após entrevistas, foi sugerida a existência da violência. Ao final da análise é possível demonstrar que o desenho infantil é uma adequada metodologiapara auxiliar o trabalho do professor e possibilita, ainda diagnósticos reveladores de situações deconvivência familiar, desde uma grande harmonia até mesmo problemas como a violência doméstica,buscando-se por traz das representações, os fatos possíveis de serem captados. Entrevistas confirmam amaioria dos achados. 

1 Professora Educação Fundamental2 Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá – UNESP3 Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá – UNESP [email protected] 

4 Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá – UNESP 5 Programa da Pós-Graduação da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara –UNESP  

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INTRODUÇÃO

iolência Doméstica é aquela que seexpressa no espaço da família, e podeser violência física, que ocorre quando

o agressor faz uso de força e provoca dor oulesão corporal e violência  psicológica, caracterizada pela interferência do adulto,produzindo um padrão de comportamentodestrutivo. Outro tipo de violência presente éa negligência, isto é, o abandono, que secaracteriza pela ausência dos pais ouresponsáveis pela criança.

 A Constituição Federal em seu Artigo227, diz que “É dever da família, da sociedade e doEstado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à 

 profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,à liberdade e à convivência familiar e comunitária,além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência,crueldade e opressão”. O Artigo 5º Estatuto daCriança e do Adolescente determina que“  Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação,exploração, violência, crueldade e opressão, punido na 

  forma da Lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”

Mesmo previsto como crime em lei,em todas as camadas sociais existem casos de

  violência doméstica praticados contracrianças. No Brasil há registro de cerca de 50mil casos por ano. A estimativa é que essesdados representem apenas 10% do totalefetivamente existente, uma vez que,erroneamente, muitas notificações não sãofeitas por tratar-se de violência que ocorredentro de casa, com silêncio das vítimas e deseus familiares, como justificativas de nãoprejudicar a imagem da família ou para nãopiorar ainda mais a situação violentaexistente.

 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:QUESTÕES ACADÊMICAS

No documento produzido noencontro Ibero Americano dos Chefes deEstado em 2000, observam-se metas paramelhoria da qualidade de vida das crianças eadolescentes. No entanto, no que se refere à

  Violência Doméstica, WESTPHAL (2002),ao analisar este documento, declara aevidência da interpretação dos Chefes deEstados em “ partilhar da falsa crença de que essa qualidade depende fundamentalmente da pobreza como violência estrutural ”.

  Alguns pesquisadores, como  WESTPHAL (2002), pontuam os principaisobstáculos para o estudo do tema embasadosnos trabalhos de BRONFERBRENNER (1979), BELSKY (1980) e OCHOTORENA(1988), tendo como pressuposto: as forçasambientais, as características do agressor e ascaracterísticas da criança vítima atuam demaneira dinâmica e recíproca; a realidadefamiliar, a realidade social e econômica e acultural estão organizadas como um todo,como um sistema, composto por diferentessubsistemas que se articulam entre si demaneira dinâmica; e a violência resulta dadeterminação múltipla de forças que atuamna família, no indivíduo, na comunidade e nacultura em que este indivíduo e a famíliaestão inseridos.

Estes trabalhos representam umatentativa de superação de modelosunidimensionais, embasados no pressupostode que a Violência Doméstica seria desvio oudoença de natureza individual ou social. É omodelo que estuda a Violência Doméstica deforma linear, sem fazer relações com outrosfenômenos sociais.

O modelo interativo pretende superara fragmentação e o “simplismo” do modelounidimensional. No modelo interativo busca-se analisar fatos como os sistemaseconômicos, políticos, sociais e também fatosmais pessoais como a história de vida dospais, estrutura e funcionamento familiar,porém ainda considera o homem comosujeito produtor e reprodutor dessa história.

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GAMBOA (1989) argumenta,entretanto, que esse modelo interativo estálonge de ser satisfatório, pois se apóia nomesmo marco referencial dos modelosunidimensionais. Não se aplica a esse modelouma pesquisa empírica, não se considera ohomem como agente que não só interagecom o meio, mas que também produz ereproduz história, indicando as seguintescríticas:

“  Quanto à lógica interna permite apenas “fotografar” a realidade, fornecendo uma visãoestática, ainda fragmentada e mascarada. Sem relevar o caráter dinâmico e histórico do homem na sociedade.

  Além disso exige uma fragmentação da realidade,deixa de enfatizar a importância da relaçãointerativa e socializadora para a compreensão do

 fenômeno Violência Doméstica. Desconsidera a idéia do homem como sujeito ativo, ser histórico social,transformador da realidade, visão que só numa 

 perspectiva crítica permite resgatar.”   Ainda no que se refere aos

obstáculos, é necessário mencionar aconceituação do fenômeno ViolênciaDoméstica, segundo DEMO (2002):

“O discurso sobre a questão da violência doméstica contra crianças e adolescentes – em nível nacional e internacional – revela uma utilizaçãoindisciplinada de termos, alguns mais, outros menos 

 populares .” A partir de algumas denominações, é

possível refletir sobre o significado e osentido de cada um. Abuso, agressão, castigo,disciplina, maus-tratos, violência, violênciadoméstica e vitimização doméstica.

Segundo DEMO (2002), a relaçãodisciplina/castigo é a mais antiga e de maiortradição em termos de educação infantil.Maus-tratos e agressões colocam aproblemática em termos meramente morais,como se fosse uma questão de bondade oumaldade individual. Abuso e vitimizaçãoconstituem termos mais adequados namedida em que designam os dois pólos deuma relação interpessoal de poder. O adulto,mais forte é o ponto do abuso e o ladoinfantil o ponto da vitimização, o mais fraco.

Esses dois termos, abuso e vitimização, segundo DEMO (2002), indicam

as duas faces do mesmo problema. Noentanto, esse autor afirma que violência e

  violência doméstica formam o campo quemelhor define o fenômeno, pois por violênciaentende imediatamente uma relaçãohierárquica de poder e opressão.

  Ainda relativo aos obstáculos paracompreensão do fenômeno, percebe-se anecessidade de definições de políticaspúblicas e maior atenção aos programas deformação profissional e conscientizaçãocomunitária. Esse é o objetivo doLaboratório de Estudos da Criança da USP(LACRI) do Instituto de Psicologia da USP.O LACRI vem se propondo a enfrentar odesafio de construir uma teoria crítica na áreada Violência Doméstica contra crianças eadolescentes. Os pesquisadores vinculados aoLACRI buscam realizar um modeloexplicativo histórico-crítico, multicausal esociopsico-interacionista o que depende darealização de muitas investigações.

  AZEVEDO e GUERRA (2000)retratam o estudo com jovens que cumpriammedidas socio-educativas em internatos,analisando e indicando as principaiscaracterísticas: baixo nível de escolaridade;convivência, desde a infância, com problemasemocionais e financeiros; ausência deestrutura familiar estável e distanciamento dafigura paterna ou materna; relacionamentosfamiliares marcados por agressões físicas,emocionais e abandonos. Em suasconclusões, os autores relatam que estesjovens apresentam comportamentosdiferenciados, todos com baixo rendimentoescolar ou oscilação desse rendimento.

Infelizmente o problema da  Violência Doméstica é tratado de formadistanciada, muitas vezes comoresponsabilidades dos pais e da polícia e nãocomo caso de direito, justiça, educação esaúde. Ele deve ser tratado por todos ossetores que formam nosso sistema social,envolvendo o educacional, justificando assima sua reflexão e inclusão nos cursos deformação de educadores.

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METODOLOGIA DA PESQUISA 

O trabalho iniciou-se com a propostade desenvolvimento do Trabalho de

Conclusão de Curso por uma aluna do Cursode Pedagogia do Programa Institucional daUNESP “Pedagogia Cidadã“, relatando suasexperiências como educadora e conselheiraeleita junto a um Conselho Municipal dosDireitos da Criança e do Adolescente.

  Analisando os relatórios estatísticos deatendimento do período no Conselho

  Tutelar, foram identificadas ocorrências de violência doméstica contra crianças, algumasapresentadas e/ou solucionadas graças à

atuação do professor responsável pelacriança, que tomou a iniciativa de pedirauxílio ao Conselho de Direito e Conselho

 Tutelar.Destaca-se aqui seu depoimento

como ponto de partida para a percepção doproblema que levou a realização da pesquisa.

“  Naquela época eu não me envolvia de  forma direta com o assunto, mas durante as reuniões mensais dos conselheiros tutelares e conselheiros de direito, falávamos dos casos que tinham sido

solucionados e de outros que ainda buscávamos soluções. Naquele momento eu não tinha uma visãoda dimensão do papel do professor na vida dessa criança que sofre a violência doméstica, não só comoeducador. Durante a produção desse trabalho,enquanto lia sobre o assunto, algumas situações me vinham na lembrança e tudo que estava escrito de 

  forma técnica parecia que se materializava nas experiências que observei durante o trabalho noConselho de Direito.”  

Pressupostos apontam para uma

possibilidade do professor sondar paradiagnosticar se o aluno sofre ou sofreu algumproblema familiar de natureza violenta, comapoio de outros profissionais e com oemprego de atividades lúdicas e de criação,para que o mesmo relate suas experiências eobservações sobre seus sentimentos, sempreocupação com a ocultação.

 A atividade escolhida para a pesquisade campo foi a elaboração, no ambienteescolar, de desenhos que retratassem a família

e a relação que a criança tem com ela.

  A definição da faixa etária dascrianças pesquisadas partiu de doisquestionamentos contraditórios: apreocupação de não conseguir resultadoscom crianças maiores, já que estas poderiamocultar informações ou símbolos importantesnos seus desenhos e a possibilidade dascrianças menores não conseguirem produzirinformações ou símbolos importantes atravésde seus traçados, dificultando a identificaçãodos sinais necessários para análise. Optou-sepor observar e aplicar a pesquisa comcrianças de diferentes idades entre 3 e 9 anos.

Neste trabalho serão apresentados ediscutidos alguns desenhos das crianças de 9anos, por apresentarem traçados maisevidentes e dados suficientes para sugeriralgumas evidencias sobre o tema proposto.Durante a execução dos desenhos apesquisadora fazia discretas intervençõesdocumentadas, com objetivo de estimular pormeio de elogios e questionar alguns traçosconsiderados relevantes.

 A segunda preocupação foi a seleçãoda sala de aula adequada para realização dotrabalho. Inicialmente aproveitaram-se osambientes escolares onde a pesquisadorarealizava seus estágios supervisionados deEducação Infantil e do Ensino Fundamental.Os primeiros desenhos, de natureza livre queretratavam o ambiente escolar, foramelaborados com muitos enfeites, bemcoloridos, alguns com flores ou até mesmocom escritos e dedicatórias à pesquisadora.Descartou-se esta iniciativa, pois os desenhosrevelavam que a pesquisadora foi tratadacomo visita, sem intimidade com os alunos, jáque na sala havia a figura do professor. Numasegunda tentativa, o professor fez a mediaçãoda solicitação dos desenhos, mantendo-se apresença da pesquisadora na sala e suasintervenções individuais.

O segundo grupo de criançaspesquisadas frequentava o Programa Escolada Família, cujas atividades eram orientadaspela pesquisadora. Neste caso os desenhosforam executados com maior naturalidade. Ocontato semanal durante 18 meses com apesquisadora possibilitou conhecer melhor a

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realidade das crianças, favorecendoobservação e compreensão dos traços.

O ambiente para aquisição dosdesenhos foi preparado igualmente desde odesenvolvimento de atividades desocialização, em três encontros, e sempreenvolvendo a elaboração de desenhos. Ascrianças receberam folhas de papel A4 embranco e uma caixa coletiva de lápis de cor,canetas hidrocor, giz de cera e lápis preto.Foram coletados 182 desenhos com criançasentre 3 e 9 anos: entre eles 53 são de criançasde 9 anos. A Tabela 1 sintetiza o universopesquisado.

Tabela 1:Quadro demonstrativo do levantamentoquantitativo da pesquisa

DESENHOS EscolaParticular

EscolaPública

TOTAL

Coletados 64 118 182 Ausência do pai 22 101 123Com cores 47 54 101Sem cores 17 64 81

Sintomas de ViolênciaDoméstica

00 03 03

 ViolênciaDomésticacomprovada

00 01 01

 ANALISE DOS RESULTADOS

Dos 182 desenhos coletados, 65,6%não apresenta figura paterna. A riqueza dos

detalhes encontrados foi surpreendente, poisnas entrevistas realizadas com os docentesdas salas muitos destes detalhes passariamdespercebidos por eles.

Desenho 01 Desenho típico de criança feliz.

Coração, sol risonho, cores e família com ospés no chão (grama estilizada). Movimentodos braços, todos acenando. Harmonia nascores das roupas, alternando azul e vermelho.O desenho capta a felicidade e convivênciaadequada entre os membros da família.

Desenho 02  O desenho 02 mostra que a menina

reina sobre toda a família, incluindo gato ecachorro. A mãe com coração desenhado nasaia. Há um padrasto que está bemdesenhado e todos carregam balões em suasidentificações, até o vovô e os animais.Desenho com contorno colorido e rostosrisonhos.

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Desenho 03Criança de escola pública. Família de

mulheres de expressões felizes. Detalhes

desenhados com perfeição (acessórios). Amãe foi desenhada como se estivesseflutuando. Perguntado sobre esse detalhe, acriança afirma que a mãe é quem manda nacasa. A criança mora com a mãe, a avó e coma irmã. Perguntado sobre o pai, ela relata queele mora com uma tia. A figura paterna nãoparece fazer falta. As pessoas estão felizes ese o pai não foi desenhado é porque não fazparte do conjunto que vive nesse lar.

Desenho 04Desenho com muitas cores, todos

felizes, até o sol sorri. Cores, flores, grama,estilizada, mas a criança desenhista não fezsua família e sim seus amigos, inclusive ocachorro. Quando entrevistada, contou quemora com mãe e que o desenho ficaria muitopequeno, então preferiu fazer seus amigos.Perguntada o porquê do cachorro com seispatas, confusa, sorriu. O fato de não terdesenhado a mãe é algo que provocaestranheza, necessita ser investigado.

Desenho 05  Este é um dos melhores desenhos no

que se refere à reprodução da figura humana.

 A figura mais caprichada é o pai. A mãe emsegundo plano. O desenho representa famíliapadrão, pai protetor que dá braço à mãe ecoloca o outro braço à volta do ombro de umdos filhos. A única desarmonia é a aparentesolidão do menino. Aparece em outro plano enão lhe dão a mão. Está com um boné, abade lado (seu estilo de se vestir). O desenhosugere problemas entre os irmãos, merece serinvestigado.

Desenho06  O desenho 06 apresenta-se sem

enfeites e uso de cor. Mãe grande esorridente. Falta o pai. Cabelo do meninomenor é parecido com o da mãe. Olhos

 vazios. Na entrevista o menino afirmou que amãe trata o irmão menor de maneira maisatenciosa, indo às reuniões da escola deste, oque não acontece com ele. Caso de violênciadoméstica mais simbólica do que concreta,provavelmente negligência por parte da mãe.

Merece investigação.

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Desenho 07  O menino se desenhou de braços

abertos, com dois irmãos mais novosrepresentados no desenho. A irmã está naposição de perfil e de costas. O casalabraçado são seus pais. Segundo a criança,foram desenhados assim porque vivem juntose saem muito, justificando desenho de roupaselaboradas. A criança se desenha em destaquee com os braços abertos. Nas saída dos pais acriança retrata que cuida dos irmãos.Hipótese de negligência. Quandoquestionado porque de desenhar a irmã delado, afirma que ela tem vontade de sermodelo. Isso sugere interpretação que elapretende tomar “caminhos diferentes”.Mesmo não fazendo relação com ainformação dada e o desenho, percebeu-seque ele tem carinho pelos irmãos.

Desenho 08  Criança de escola particular. Figuras

pobres, quase sem cabelos e roupas semdetalhes, sem cores. A mãe e duas mulheresmaiores que o pai. Na entrevista a criança

declarou que ela não se desenhou.Representou mãe, pai, irmã e duas amigas.

Quando questionada sobre o porquê, afirmouque não foi pedido para fazer desenho dela esim da sua família. Essa singularidade,retratando sua exclusão, foi retratada paraescola e deve ser investigada pelo psicólogo.

Desenho 09 Desenho sem cores, sem enfeites e

com figuras extremamente rígidas. Retratauma família-padrão. O pai é o maior. Odesenho sugere padrões rígidos decomportamento, se refletindo nas formasquadradas das roupas e dos cabelos emcírculo, bem arrumados. Em entrevista com acriança verificou-se que a família seguepadrões rígidos, com hora para comer,estudar e brincar. Caso faça alguma coisa forado horário o pai o coloca de castigo.Perguntado sobre o castigo afirmou quedepende do jeito que o pai chega do serviço:quando nervoso, o castigo é dado comcintadas e quando está calmo só o xinga de“marginal” e proíbe a brincadeira por um dia.Nesse caso constatam-se dois tipos de

 violência doméstica: física caracterizada pelascintadas; e psicológica expressa por injúriacontra a criança.

Desenho 10

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 Aqui há sintomas claros de violênciadoméstica. Rostos vazios, apenas umpersonagem colorido. Família em dispersão.Mãe única sem dedos. O pai não tem pés e amãe tem, embora machucada. A criançadesenhou sua mãe com uma das pernasengessada. O pai está bebendo, com umagarrafa na mão e acima da figura que orepresentou fez um balão com a frase: “leveium murro”, que tentou apagar, deixando

  vestígios, indicando auto-censura. Antes deentrevistar essa criança a pesquisadoraprocurou a psicóloga da escola. A mesma fezuma visita à casa da criança e conversou coma mãe, constando que o menino realmente

  vive em um clima violento em casa. Ohomem representado por ele é o padrasto. Afigura que desenhou com uma das pernasengessada é a mãe que foi machucada pelocompanheiro que a chutou, resultando numtombo e fratura do pé. A única figuracolorida (parecida com o super-homem) é oirmão de 14 anos, seu cuidador. O caso destacriança foi encaminhado pela psicóloga aoConselho Tutelar para as providências e oscuidados necessários.

Detalhes do desenho: padrasto ingerindo bebida, mãe com perna engessada, menino que escreveu e tentou apagar, criança recém-nascida e irmão mais velho

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A realidade social mostra que uma dassituações mais graves e freqüentes deexclusão, vulnerabilidade e risco social emque são envolvidas crianças e adolescentessão as situações de Violência Doméstica, poisainda nos dias de hoje esse é um mal mantidoentre as paredes dos lares, omitido pelos quepoderiam ajudar a evitar ou pelo menoscontribuir na erradicação do problema.Quem sofre tem medo de falar, mas o maiorculpado de tanta violência é mesmo ele, omedo. Medo que mantém impune e faz cadadia mais vítimas.

 A sociedade debate com propriedadequestões relativas à infância pobre,prostituída, meninos de rua, violência urbana,tráfico de armas e drogas, entre outrosproblemas sociais que estão presentes no diaa dia e envolvem crianças e adolescentes deambos os sexos, etnias, religião e condiçõessociais, mas são raros os debates acadêmicossobre a mais escondida das violências, talveza que gera todas as outras, aquela que ocorreno ambiente familiar.

Encerramos com a declaração daaluna pesquisadora, cujo envolvimento foifundamental para a qualidade deste trabalho.

“Acredito que este meu trabalho foi de  grande importância para minha formação e, sobretudo pela minha experiência como docente e conselheira doConselho Tutelar, considerei necessário fazer um 

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levantamento sobre um problema sério e presente nodia a dia do professor. Problema este que na maioria das vezes fica imerso na sociedade, sendo calado,quando na verdade não cala nunca. Após a conclusãodeste trabalho deixo um pedido de socorro.Precisamos falar sobre esse assunto que assombra e 

 prejudica não só a vida dos cidadãos seja ele criança,adolescente, jovem, adulto ou idoso, mas acima de tudo um problema que mancha a construção da nossa história, uma história que poderia ser mais leve se todos ajudassem a construir.”  

Nos diferentes trabalhos analisados,existe consenso da comunidade acadêmicaque a criança ou adolescente vitima da

  violência doméstica cria obstáculos para aassimilação do conhecimento, isto é, constróibarreiras que prejudicam o seudesenvolvimento cognitivo. Em muitostrabalhos este problema tem comoconseqüência a denominada “infância 

 fracassada ”. Há o entendimento danecessidade de formação inicial e continuadade profissionais para enfrentar esse problema,não só no setor educacional, mas em todosos setores que trabalham com crianças eadolescentes. No entanto, não podemos nosfurtar em admitir que esta preocupação deveser primordial no setor educacional. A escolaé o lugar onde as crianças passam a maiorparte do tempo, tendo a melhoroportunidade de conviver com profissionaispreparados para detectar o problema.

NEUMANN (1989) conclui que “na maioria dos casos, é na escola que é possível observar este problema e através dela está a possibilidade de criar caminhos que procurem soluções ” e com o

desenvolvimento deste trabalho, constata-seque o desenho é realmente uma das maisapropriadas metodologias de diagnóstico aserem utilizadas em sala de aula. Em certascircunstancias os desenhos podem revelaraquilo que as palavras não conseguemexpressar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA,  Viviane Nogueira. Infância e violência 

doméstica: fronteiras do conhecimento. Ed.Cortez, São Paulo – SP, 2000.

BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente .Lei 8.069/90. São Paulo.

DEMO, Pedro. Introdução à sociologia: complexidade, interdisciplinaridade e desigualdade social. Ed. Atlas, São Paulo – SP, 2002.

GAMBOA, Silvio A.S.  A Dialética na Pesquisa em Educação: Elementos de contexto. Ed.Cortez, São Paulo – SP, 1989.

MEREDIEU, Florence. de. O desenho infantil.  Tradução: Álvaro Lorencini e Sandra M.Nitrini. Ed. Cultrix. São Paulo, 1974.

NEUMANN, Nelson Arms; NEUMANN,Zilda Arms.   A paz começa em casa. Ed.Pastoral da Criança. Curitiba, 1999.