o Processo de Significacao Do Desenho Infantil

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS CENTRO DE EDUCAO E CINCIAS HUMANAS

    CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

    O PROCESSO DE SIGNIFICAO DO DESENHO INFANTIL

    LARISSA DE FREITAS VIEIRA

    SO CARLOS 2007

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS CENTRO DE EDUCAO E CINCIAS HUMANAS

    CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

    O PROCESSO DE SIGNIFICAO DO DESENHO INFANTIL

    LARISSA DE FREITAS VIEIRA

    Trabalho de Concluso de Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal de So Carlos. Orientado pela Prof Dr Claudia Raimundo Reyes, do Departamento de Metodologia de Ensino, Centro de Educao e Cincias Humanas.

    SO CARLOS 2007

  • PARECERISTAS

    Prof Dr Claudia Raimundo Reyes ______________________________

    Prof Dr Mara Silvia Aparecida Nucci Morassutti ______________________________

    Prof M. Poliana Bruno Zuin ______________________________

  • Alice Ribeiro de Oliveira, minha sobrinha, como representante das crianas em idade escolar.

  • AGRADECIMENTOS

    Claudia Reyes pela orientao, companheirismo, pacincia e confiana, elementos

    essenciais para o desenvolvimento desse Trabalho de Concluso de Curso.

    Danitza Dianderas pelos conselhos, mesmo nesse momento corrido de sua vida, uma

    vez que se encontra em fase de trmino do Mestrado.

    Aos Pais dos Participantes por terem aceitado a proposta da pesquisa, permitindo que

    seus filhos participassem do ambiente de investigao.

    Aos Participantes pela colaborao e pacincia, pois a presena deles foi fundamental

    para que a pesquisa pudesse se desenvolver.

    Ao Flavio Soares Pereira pelo companheirismo, o qual se fez presente ao longo de toda

    a graduao.

    Aos meus pais, Jos Antnio e Maria da Assuno e aos meus irmos Mrcia, Jaime e

    Heitor pelo apoio e confiana que me transmitiram no decorrer do curso. Sem eles tal formao

    no seria possvel.

    A todos os meus amigos integrantes da turma 2004 do curso de Pedagogia da UFSCar

    pela presena constante no dia-a-dia desses quatro anos de graduao.

  • RESUMO

    Sob a perspectiva da abordagem histrico-cultural, essa pesquisa possuiu como principal objetivo analisar o processo de desenvolvimento do grafismo infantil, por meio de desenhos concretizados por duas crianas selecionadas para participarem dessa investigao. Com o intuito de observar a evoluo grfica desses sujeitos, propusemos realizar um estudo longitudinal de carter qualitativo, pois desse modo poderamos notar as mudanas acontecidas no decorrer da faixa etria dos trs aos cincos de idade, perodo entendido como o foco de nossas anlises. Nesse mbito, os conceitos de medio e significao, bem como as anlises feitas por Vigotski quanto aos aspectos que permeiam o caminho pelo qual o desenho infantil percorre, nos possibilitaram no s observar como atuar sobre as produes grficas dos dois sujeitos envolvidos na pesquisa. Com isso, a pergunta que norteou toda a investigao consistiu em: Como se d o processo de desenvolvimento do desenho na criana com e sem interveno?. Alm dos estudos realizados sobre a concepo Vigotskiana quanto evoluo do grafismo na criana, para contextualizar tal tema no que tange s investigaes j desenvolvidas sobre os aspectos tericos que os definem, discorremos sobre algumas das diversas vertentes as quais se dedicaram a pesquisar o desenho infantil, como a maturacionista de Luquet, Mredieu e Lowenfeld, a pedagogia de Freinet e a prpria abordagem histrico-cultural. Dentre os resultados obtidos, podemos dizer que ocorrem momentos semelhantes nas crianas no que diz respeito s tcnicas utilizadas por elas em suas atividades grficas, no entanto no se pode deixar de esquecer que cada uma possui a sua singularidade e particularidade decorrentes do meio em que esto inseridas.

  • SUMRIO

    INTRODUO.............................................................................................................................. 1

    CAPTULO I REFERENCIAL TERICO.................................................................................... 3

    1.1 Vigotski e a formao social do homem................................................................................. 3

    1.2 O processo de desenvolvimento do desenho infantil............................................................. 6

    1.2.1 Luquet, Mredieu e Lowenfeld................................................................................. 7

    1.2.2 Freinet..................................................................................................................... 10

    1.2.3 Vigotski................................................................................................................... 13

    1.3 O desenho como representao de significados.................................................................. 19

    CAPTULO II METODOLOGIA DA PESQUISA....................................................................... 23

    2.1 Instrumentos.......................................................................................................................... 24

    2.2 Participantes.......................................................................................................................... 25

    2.3 Procedimentos para a coleta de dados................................................................................. 25

    2.4 Procedimentos para a anlise dos dados............................................................................. 27

    CAPTULO III PRODUES GRFICAS................................................................................ 29

    3.1 Sujeito 1................................................................................................................................ 30

    3.1.1 Desenhos do Sujeito 1 antes da pesquisa........................................................... 30

    3.1.2 Desenhos do Sujeito 1 durante os encontros da pesquisa.................................. 33

    3.1.3 Desenhos do Sujeito 1 aps o trmino dos encontros da pesquisa.................... 37

    3.2 Sujeito 2................................................................................................................................ 39

    3.2.1 Desenhos do Sujeito 2 antes da pesquisa........................................................... 39

    3.2.2 Desenhos do Sujeito 2 durante os encontros da pesquisa.................................. 42

  • 3.2.3 Desenhos do Sujeito 2 aps o trmino dos encontros da pesquisa.................... 46

    CAPTULO IV CONSIDERAES FINAIS.............................................................................. 48

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................................ 51

    ANEXOS

  • LISTA DE FIGURAS

    Sujeito 1:

    Figura 1 Meu Papai (Out./2005)............................................................................................... 30

    Figura 2 Amiga da Mame (Set./2006).................................................................................... 31

    Figura 3 Papai Noel (Dez./2006).............................................................................................. 32

    Figura 4 Famlia (21/05/2007).................................................................................................. 34

    Figura 5 Famlia (28/05/2007).................................................................................................. 35

    Figura 6 Meu Aniversrio (21/06/2007).................................................................................... 37

    Figura 7 Papai (Ago./2007)...................................................................................................... 38

    Sujeito 2:

    Figura 1 Soldado na Areia (Jul./2005)...................................................................................... 39

    Figura 2 Papai (Ago./2006)...................................................................................................... 40

    Figura 3 Papai (Set./2006)....................................................................................................... 41

    Figura 4 Mame (10/05/2007).................................................................................................. 42

    Verso Crebro e Costelas (Figura 4)....................................................................................... 42

    Figura 5 Mame e o Rob (17/05/2007).................................................................................. 44

    Figura 6 Eu (21/06/2007)......................................................................................................... 45

    Figura 7 Eu (Set./2007)............................................................................................................ 46

  • 1

    INTRODUO Essa pesquisa, possuindo como concentrao a rea de Metodologia de

    Ensino, vem a se configurar como o Trabalho de Concluso de Curso, considerado

    como requisito para a formao profissional docente, da Universidade Federal de So

    Carlos. Como pressuposto, este trabalho se desenvolveu, devido ao grande interesse

    de minha parte pela Educao Infantil. Ao longo da graduao em Pedagogia na

    mesma universidade apresentada, vivenciei diversas experincias, as quais me

    motivaram a realizao deste estudo sobre o desenho infantil.

    Questes sobre a produo grfica como forma de expresso, ou seja, como

    forma de linguagem, bem como o grafismo sob um foco voltado ao estmulo do

    sensvel, da educao dos sentidos, foram discutidas, estimulando-me ao estudo

    deste tema.

    A realizao dos diferentes estgios acadmicos exigidos pela grade curricular

    do curso contribuiu para a visualizao da prtica das atividades escolares envolvidas

    com o ato de desenhar. Percebi que comum observar a atividade grfica como um

    passa-tempo nas salas de aula, desprovida de qualquer inteno pedaggica de

    estmulo ao desenvolvimento da criana. Nota-se desta forma, um desperdcio de

    oportunidades da atuao docente ou talvez uma falta de conhecimento, por parte dos

    professores, sobre os diversos progressos que o grafismo possibilita nos diferentes

    aspectos do desenvolvimento infantil.

    Assim, maiores estudos sobre o tema, bem como uma maior difuso dos

    conhecimentos adquiridos sobre a evoluo do desenho na criana, dentro do mbito

    pedaggico, demonstram-se como necessrios para a ampliao do fazer docente nas

    escolas.

    Como futura professora me envolvi, portanto, com o assunto, disposta a

    desenvolver idias e concepes adquiridas nesses quatro anos de graduao, como

    forma de auxilio da prtica pedaggica, de maneira a conseguir compreender e assim,

    estimular o desenvolvimento de meus futuros alunos.

    Sob a orientao dessas motivaes se deu a realizao desse trabalho que

    norteado pela perspectiva histrico-cultural de Vigotski, possuiu como pergunta central

    Como se d o processo de desenvolvimento do desenho na criana com e sem

    interveno?.

    A partir disso, os objetivos dessa pesquisa se configuraram em analisar,

    atravs de um estudo longitudinal o processo de desenvolvimento do grafismo infantil

    de duas crianas, de forma a verificar as fases pelas quais cada uma delas passa no

  • 2

    decorrer do processo de significao do desenho e quais as mudanas na produo

    grfica dos sujeitos quando ocorre uma interveno intencional de uma pessoa adulta.

    Desse modo, o presente trabalho procurou refletir sobre as caractersticas das

    fases de desenvolvimento, bem como as mudanas geradas pelas intervenes e

    conseqentemente, a influncia destas no desenvolvimento do grafismo na criana,

    contribuindo para uma compreenso mais ampla do desenvolvimento do desenho

    infantil, alm de reflexes importantes sobre as implicaes educacionais da atividade

    grfica.

    Assim sendo, para melhor compreenso das idias expostas, o trabalho foi

    estruturado em quatro captulos:

    No primeiro captulo, inicialmente foram discorridos elementos fundamentais do

    pensamento de Vigotski, de modo a esclarecer ao leitor as bases tericas que

    influenciaram toda a percepo investigativa do trabalho. Em seguida, esto dispostas

    diferentes vertentes e concepes de estudo do referido processo e entre elas esto

    os seguintes autores: Lowenfeld, Luquet, Mredieu, Freinet e o prprio Vigotski. Para

    concluir esse captulo, devido ao ttulo do trabalho, fez-se necessrio esclarecer o

    conceito de significao dentro da perspectiva histrico-cultural, teoria norteadora

    dessa pesquisa.

    O segundo captulo procura orientar quanto metodologia utilizada no decorrer

    da pesquisa, desse modo, para maiores compreenses foram desenvolvidos os

    contedos referentes aos instrumentos empregados durante a investigao, aos

    participantes, aos procedimentos para a coleta de dados e aos procedimentos para a

    anlise dos dados.

    As produes grficas adquiridas foram colocadas no terceiro captulo, em que

    as anlises dos desenhos foram dividas de acordo com o perodo de realizao dos

    grafismos, sendo, portanto, separadas em diferentes tpicos dentro do contexto de

    cada sujeito, pois estes foram analisados separadamente.

    E por fim, no quarto captulo, encontram-se as consideraes finais desse

    trabalho, as quais procuraram relacionar as intenes dessa pesquisa e os resultados

    grficos adquiridos, por meio dos pensamentos de Vigotski. Refletindo assim, sobre o

    processo de desenvolvimento do desenho infantil e a influncia das intervenes nos

    grafismos das crianas ao longo da investigao.

    Dessa forma, cabe esclarecer que como auxlio teoria de Vigotski, no

    decorrer do trabalho foi utilizado tambm s abordagens de Luria, Mukhina e outros

    autores da mesma linha de pensamento, como forma de melhor compreender a

    evoluo do desenho infantil, uma vez que os estudos de Vigotski sobre a atividade

    grfica da criana, no chegaram a serem muito aprofundados. Portanto, vale

  • 3

    ressaltar tambm aqui, a necessidade de maiores estudos sobre o desenvolvimento

    do grafismo na criana, sob a perspectiva histrico-cultural, de maneira a contribuir

    para a ampliao dos estudos feitos por Vigotski.

  • 4

    CAPTULO I REFERENCIAL TERICO 1.1 Vigotski e a formao social do homem Vigotski, sob a perspectiva histrico-cultural, concebe o homem como um ser

    social que s se torna humano em meio a outros seres humanos, constituindo assim,

    uma rede complexa de relacionamentos e comportamentos que forma a sociedade.

    Com isso, o autor analisa a educao de maneira a salientar o processo de aquisio

    de conhecimentos, como um processo de acmulo de experincias no s pessoais

    como interpessoais e histricas, ou seja, como todo o conhecimento adquirido ao

    longo da existncia humana. Assim, a formao do homem desenvolvida por meio da sua interao com

    os outros componentes da sociedade, os quais transmitem seus conhecimentos

    adquiridos pela experincia de vida, ensinando modos de comportamento e

    pensamento perante aos objetos/instrumentos e a existncia humana. No entanto,

    vale ressaltar que:

    O sujeito constitudo socialmente, mas a imerso no conhecimento construdo e acumulado pelo grupo social requer uma emerso singular. Se assim no for, corre-se o risco de explicar pela mera moldagem externa qualquer peculiaridade individual. Nas palavras de Ges (1991), O sujeito no passivo nem apenas ativo: interativo (SILVA, 1993, p. 13)

    Entretanto, a abordagem social do homem no feita de maneira isolada,

    sendo reconhecidos os aspectos biolgicos que o compe. Como constituio

    psquica, o individuo nasce possuindo um sistema de funes psicolgicas

    elementares (FPE), ou seja, funes primrias, as quais so semelhantes aos homens

    e animais. Dessa forma, podemos consider-los como elementos naturais de base da

    formao do ser humano. No decorrer de sua existncia, esses elementos tornam-se

    mais complexos por meio do desenvolvimento de aprendizagens culturais, construindo

    assim, uma rede de funes psicolgicas superiores (FPS), as quais possibilitam ao

    homem agir de maneira intencional e voluntria.

    Essas funes psicolgicas superiores incorporam as funes psicolgicas

    elementares, no entanto, elas no so adquiridas espontaneamente, seu

    desenvolvimento est intrinsecamente relacionado com as aprendizagens. Desse

    modo, o homem ao nascer, possui a forma biolgica de sua espcie, a sua relao

    com o mundo traz-lhe a possibilidade de humanizar-se por meio das aquisies do

  • 5

    patrimnio humano, as quais acontecem de forma ativa, uma vez que a relao do

    sujeito com o mundo est sempre em acontecimento.

    Com isso, entende-se que para o autor, o homem no nasce sendo um

    humano propriamente dito, com as suas habilidades, capacidades e aptides que o

    definem como tal, ele precisa de experincias geradas pelo contato com outras

    pessoas para que as suas caractersticas essncias sejam desenvolvidas e

    aperfeioadas.

    Esse desenvolvimento de condies tipicamente humanas engendrado pelo

    estabelecimento de sistemas complexos de raciocnio, s se torna possvel por meio

    de mediaes, estas compreendidas como as responsveis pela relao entre sujeito-

    sujeito, sujeito-mundo, sujeito-conhecimento/cultura, pois a mediao estabelece a

    transmisso, entre os homens, dos conhecimentos culturalmente acumulados ao longo

    da histria.

    Como elementos mediadores entre o homem e o mundo, o autor ressalta os

    instrumentos e os sistemas simblicos, pois com eles o sujeito age sobre a realidade

    externa e interna que o envolve. Os primeiros lhe do a possibilidade de atuar

    materialmente em situaes de sua existncia, enquanto que os ltimos estabelecem

    a relao com os outros e com ele prprio de maneira abstrata.

    A linguagem, composta por elementos simblicos de mediao signos gera

    a rede de comunicaes entre os indivduos, promovendo o desenvolvimento do

    pensamento (funes psicolgicas superiores) e a interao entre os homens. A fala

    um recurso mediador na relao do sujeito com os outros e consigo prprio, atravs

    das funes de organizar e orientar comportamento. (SILVA, 1993, p. 16)

    Considerados como um meio de relao com o mundo criado pelo homem, os

    signos organizam as aes psicolgicas dos seres humanos, concebendo desse

    modo, as funes internas. Os meios de denominao da realidade externa sejam eles

    representados verbalmente, manualmente ou sentidos pelo ttil, ou seja, meios

    compreendidos pela linguagem se constituem como os principais signos, j que

    substituem qualquer objeto ou elemento, ao nome-los. Assim, os signos so

    estmulos psicolgicos utilizados para representar a realidade, podendo se referir a

    fatores do passado, presente e futuro ou de coisas imaginveis que no esto

    presentes.

    Em meio construo dos signos, ressaltam-se a funo das percepes

    nesse processo. Estas esto intimamente ligadas com o sentido e o significado

    atribudo pelo sujeito aos instrumentos existentes, sendo impossvel dissociar os

    referidos conceitos, pois quando uma pessoa olha um material, por exemplo, ela no

    separa suas caractersticas em partes, para depois interpret-lo, pensa no objeto

  • 6

    como um todo, til para alguma atividade e ao mesmo tempo representante de algum

    significado que carrega em si um sentido.

    Vigotsky (1993) diz que uma das caractersticas da percepo que no podemos separ-la funcionalmente da atribuio de sentido ao objeto percebido. O autor ilustra sua explicao com um exemplo: se tenho diante de mim um bloco de notas, eu no percebo primeiro algo branco, de forma quadrangular e, depois, relaciono essa percepo com o conhecimento que tenho da finalidade desse objeto. A interpretao do bloco de notas e sua denominao se do junto com sua percepo. Desta forma, Vigotsky (1991, p. 37) conclui que o mundo no visto simplesmente em cor e forma, mas tambm como um mundo com sentido e significado (MORASSUTTI, 2005, p. 49).

    Nesse aspecto, o termo sentido refere-se ao significado que uma mesma

    palavra possui para cada individuo, ou seja, uma compreenso pessoal de conceitos,

    influenciados pelas experincias de vida, bem como de fatores afetivos. J a palavra

    significado, diz respeito ao entendimento comum geral das palavras utilizadas

    coletivamente

    No que tange educao, o conceito de mediao se alia a outro conceito

    fundamental na teoria histrico-cultural, a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

    Conceito que abrange o caminho percorrido pelo conhecimento, o qual marcado

    pelas aprendizagens j adquiridas pelo individuo (Zona de Desenvolvimento Atual) e

    as que ainda esto por se concretizar, necessitando de ajuda de uma outra pessoa

    para estimular o processo de internalizao do conhecimento (Zona de

    Desenvolvimento Potencial).

    [...] a caracterstica essencial da aprendizagem que engendra a rea de desenvolvimento potencial, ou seja, que faz nascer, estimula e ativa na criana um grupo de processos internos de desenvolvimento no mbito das inter-relaes com outros, que, na continuao, so absorvidos pelo curso interior de desenvolvimento e se convertem em aquisies internas da criana (VIGOTSKII, 1988, p.115).

    Nessa perspectiva, compreendem-se desenvolvimento e aprendizagem como

    processos distintos, porm intimamente relacionados. A aprendizagem precede e

    possibilita o desenvolvimento, gerando uma relao de dependncia entre os dois

    elementos.

    Considerando desse ponto de vista, a aprendizagem no , em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organizao da aprendizagem da criana conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativao

  • 7

    no poderia produzir-se sem aprendizagem. Por isso, a aprendizagem um momento intrinsecamente necessrio e universal para que se desenvolvam na criana essas caractersticas humanas no-naturais, mas formadas historicamente (VIGOTSKII, 1988, p. 115).

    Portanto, a mediao do adulto, por meio de intervenes nas aprendizagens

    da criana, se torna necessria, uma vez que a zona de desenvolvimento potencial

    implica em atuaes do outro para se tornar atual, de maneira a estimular o

    desenvolvimento da criana, contribuindo com o processo de internalizao das

    atividades sociais (funes interpsquicas) para atividades individuais (funes

    intrapsquicas).

    Dessa forma, Vigotski estuda o ser humano de maneira ampla, analisando

    fatores biolgicos e sociais que constroem a formao do homem, elementos que

    compem o sistema de desenvolvimento de suas funes psquicas. O individuo em

    sua condio social, assume posies singulares, particulares e coletivas que influem

    na sociedade, e no s nesta, mas tambm em suas prprias experincias de vida,

    visto que ele se constitui enquanto interage com outros, internalizando novos

    conhecimentos.

    1.2 O processo de desenvolvimento do desenho infantil A maior possibilidade de acesso ao papel e ao lpis, no final do sculo XIX,

    possibilitou criana desenvolver tcnicas de desenho, as quais antes estavam

    limitadas ao uso de instrumentos como o carvo e a areia. Tais tcnicas, por meio das

    transformaes e conseqente valorizao dos conceitos de criana e infncia ao

    longo dos tempos, passaram a receber mais ateno, j que permeavam o mundo

    infantil ainda muito por ser descoberto. Assim, o interesse pela criana fez por surgir

    diversos estudos sobre o desenho infantil, sendo analisados por vrios autores sob a

    tica de diferentes concepes tericas.

    Atualmente, existem pesquisas voltadas para a psicologia, pedagogia,

    sociologia e at mesmo esttica, as quais analisaram aspectos cognitivos, motores,

    sociais, culturais e artsticos que influenciam o desenvolvimento do grafismo infantil.

    A seguir apresentaremos trs abordagens, as quais concebem o desenho de

    maneiras distintas: a viso maturacionaista de Mredieu (2006), Lowenfeld (1977) e

    Luquet (1927); a escola moderna de Freinet e a teoria histrico-cultural representada

    por Vigotski, Luria e Mukhina, de maneira a detalhar determinadas compreenses

  • 8

    tanto de outras linhas de pensamento quanto de nosso referencial terico em relao

    ao tema aqui estudado.

    1.2.1 Luquet, Mredieu e Lowenfeld

    No que diz respeito ao grafismo infantil, encontramos autores que demonstram

    convergir em algumas questes, como o caso de Luquet (1927), Florence Mredieu

    (2006) e Lowenfeld (1977). Sob essa perspectiva, a evoluo da produo grfica se

    d na medida em que a criana passa por processos de maturao nas reas

    neuromotora, scio-afetiva e cognitiva (SILVA, 1993, p.02).

    De acordo com Mredieu (2006), Luquet (1927) foi um dos primeiros

    estudiosos a apontar fases entre os traados expressos pela criana. Dividindo-os em

    quatro etapas baseadas em idades, o autor apresenta o percurso percorrido pelo

    desenho infantil como algo universal, apesar de considerar de certa forma, a atuao

    do adulto no processo de desenvolvimento das tcnicas grficas utilizadas pela

    criana.

    Primeiro Luquet (Apud Mredieu) reconhece o estgio do Realismo Fortuito

    (inicia-se ao redor dos dois anos de idade), perodo em que a prtica dos rabiscos

    chega ao fim, uma vez que a criana promove ligaes entre os traos realizados por

    ela e os objetos ao seu redor, nomeando assim, suas produes.

    Como segunda fase, o autor apresenta o Realismo Fracassado (inicia-se entre

    os trs-quatro anos), caracterizado pelo momento em que a criana percebe a relao

    entre o objeto e forma, procurando dessa maneira reproduzir o objeto em seus

    desenhos, os quais sero compostos por tentativas fracassadas ou no.

    Posteriormente, encontra-se o Realismo Intelectual (dos quatro aos dez-doze

    anos), etapa marcada por aspectos provindos do que a criana j possui

    conhecimento, ou seja, nesse perodo o sujeito no desenha o que est vendo, mas o

    que sabe a respeito dos objetos. Desse modo, o grafismo em plano deitado (visto de

    cima) e a transparncia (quando a criana representa o objeto como um todo, ou seja,

    desenha tanto a parte de fora da casa com janelas e portas, quanto a parte interior,

    com mveis e outros objetos) se configuram como uma das caractersticas principais

    dessa fase.

    E por ltimo, o autor discorre sobre o Realismo Visual (comea prximo dos

    doze anos, iniciando s vezes entre os oito-nove anos), que consiste no perodo no

    qual o desenho infantil perde muitas de suas caractersticas, dando incio

    representao perspectiva dos objetos.

  • 9

    Sob essas anlises, Mredieu (2006) apresenta algumas crticas a Luquet, pois

    para a autora, o referido terico no esclarece o processo envolvido no grafismo

    infantil, demonstrando fases isoladas sem as passagens existentes de uma etapa para

    outra. Inclusive, Mredieu tambm crtica o fato de o estudo de Luquet demonstrar

    progressividade rumo representao do real, pois para ela, o desenho infantil

    quando chega ao Realismo Visual, deixa de possuir toda a graa e a criatividade

    especficas do perodo da infncia, j que o desenho perde toda a riqueza das idias

    da criana ao se assemelharem com as representaes dos adultos. Crtica feita,

    alis, a todos os estudos que seguem essa linha de progresso do grafismo infantil.

    Assim, a autora chama ateno para a importncia do perodo marcado pela

    presena dos rabiscos nas produes das crianas. Para ela, esses representam uma

    etapa fundamental da maturao sensrio-motora do indivduo. Dessa forma, ela

    discorre sobre as trs fases pelas quais percorrem o desenvolvimento do rabisco na

    criana, utilizando os estudos de Marthe Bernson.

    Aos dezoito meses, mais ou menos, apresenta-se o Estgio Vegetativo Motor,

    o qual consiste na produo de riscos com o formato quase arredondado, convexo ou

    alongado (MREDIEU, 2006, p.25), sem tirar o lpis do papel.

    Quando a criana chega prximo dos dois-trs anos, encontra-se o Estgio

    Representativo, em que os movimentos ficam mais lentos, j que o sujeito comea a

    tirar o lpis do papel, demonstrando traos com formas semelhantes aos dos objetos.

    Nesse perodo, a criana passa a nomear os seus desenhos.

    O ltimo estgio configura-se no Estgio Comunicativo (no perodo dos trs-

    quatro anos) em que o individuo procura se comunicar com as outras pessoas,

    imitando a escrita dos adultos.

    Desse modo, Mredieu (2006) tambm concebe o desenvolvimento do

    desenho infantil permeado por fases. Em seu livro O Desenho Infantil podemos notar

    que ela compreende que a criana primeiro produz desenhos, mesclando-os com

    tentativas de escrita num momento posterior e depois procuram utilizar da escrita

    como meio de comunicao.

    Lowenfeld (1977), em seus estudos, assim como Luquet (1927), aborda a

    existncia de fases constitudas por desenhos realizados em plano deitado e

    transparncias. No entanto, um ponto a ser ressaltado em sua teoria, o fato de este

    autor considerar a influncia do adulto como um empecilho ao desenrolar natural do

    grafismo na criana.

    Admito que a maior contribuio do ambiente familiar a favor da arte infantil consiste em no interferir no desenvolvimento natural das crianas. A maioria delas se expressa livremente e de forma original,

  • 10

    quando no sofre inibio provocada pela interferncia dos adultos (LOWENFELD. Apud. SILVA, 1993, p. 06).

    Apesar de reconhecer a importncia de se considerar a influncia do meio no

    desenvolvimento da criana, Mredieu (2006) apresenta uma idia comum a de

    Lowenfeld (1977), por pedir o mnimo de interferncia do adulto no processo de

    evoluo do desenho infantil: Que se deve reduzir ao mximo as interferncias do

    adulto, isto certo, [...] (MREDIEU, 2006, p. 104).

    interessante ressaltar ainda que a autora aborda a utilizao do grafismo

    infantil como uma projeo da personalidade ou da capacidade intelectual testes de

    QI pela psicologia e pela psicanlise. A autora por aderir linha psicolgica de

    pesquisa, parece concordar com as possibilidades de anlise desses estudos, mas faz

    ressalvas. Suas observaes quanto essas abordagens, diz respeito ao perigo da

    generalizao das definies de anlise, ou seja, dizer que em todas as sociedades a

    criana que pinta seu desenho de vermelho uma criana num perodo de irritao,

    por exemplo.

    A autora tambm esclarece que o diagnstico de um desenho s pode ser

    realizado em meio aos outros desenhos produzidos pela criana, contextualizando

    assim os processos de anlises.

    Desse modo, na vertente maturacionista1, portanto, nos deparamos com uma

    concepo biolgica permeando todo o processo de desenvolvimento do desenho na

    criana. Nesse pensamento, a maturao orgnica que provm a capacidade de

    evoluo no grafismo infantil, ao contrrio de Vigotski (1987), que em sua abordagem

    discorre idias sob um pano de fundo social, em que a educao enquanto processo

    est intimamente relacionada com a interao estabelecida entre o indivduo e os seus

    semelhantes. Assim, sob essa perspectiva que transcorre o desenvolvimento do

    desenho infantil em sua teoria, j que a presena de um adulto se torna fundamental

    para a aquisio de novas aprendizagens, ou seja, de novas tcnicas de desenho por

    parte da criana.

    1.2.2 Freinet

    Com crticas educao escolstica, Freinet pensa sobre uma nova forma de

    ensino. Contestando o mtodo mecnico de aprendizagem estimulado pela escola

    1 Referimo-nos aos auotres Lowenfeld (1977), Luquet (1927) e Mredieu (2006).

  • 11

    tradicional, o autor defendeu a idia de uma educao de valorizao ao

    desenvolvimento natural 2 da criana.

    Sob essa perspectiva, o meio se torna um elemento fundamental de incentivo

    s aprendizagens, uma vez que a sua estrutura influencia diretamente nas

    experincias da criana, pois para ele atravs da ao, das experincias tateantes

    que se estimula a construo dos conhecimentos.

    Com isso, em sua pedagogia, ao contrrio dos mtodos tradicionais que

    privilegiam o ensino da teoria sobre o comportamento, o estudo cientfico deve surgir

    do meio, da experincia: Desejamos a educao pelo trabalho, uma cultura que

    resulte da atividade laboriosa das prprias crianas, uma cincia filha da experincia,

    um pensamento constantemente determinado pela prpria matria e pela ao

    (FREINET, 1969, p.74).

    Apesar da valorizao do movimento dentro do processo de aprendizagem,

    aquele no se configura como o nico foco da pedagogia freinetiana. Nessa

    perspectiva, o objetivo construir um aluno completo, desenvolvendo-o intelectual,

    manual e artisticamente, respeitando as etapas naturais de desenvolvimento do ser

    humano.

    Nesse aspecto, a educao natural da escrita, por exemplo, vai ganhando fora

    no decorrer do desenvolvimento da criana, quando atravs da influncia do meio, ela

    passa a adquirir a necessidade de utilizar os cdigos socialmente aceitos da

    escrita. Quanto s influncias do meio, Freinet no fala de modelos formais de

    educao em que o adulto impe como regra um exemplo de atividade a ser copiada

    pela criana, mas sim de um modelo espontneo, no qual o adulto se torna de certa

    forma um espelho cotidiano para a criana, em que ela procura imit-lo

    instintivamente.

    Em seu livro O Mtodo Natural: a aprendizagem da lngua (vol. 1), ele expe

    o processo percorrido por sua filha, do primeiro aos sete anos de idade, para

    demonstrar a evoluo do grafismo, chegando at o emprego da leitura e da escrita.

    Dentro desse percurso, o autor demonstra vrios momentos:

    Primeiro ele se refere a um perodo em que a criana ainda no possui domnio

    do utenslio, sua coordenao motora ainda deixa a desejar e a criana demonstra

    constante necessidade de imitar o adulto. Este grafismo ser, consoante os

    indivduos, o trao reto, vertical, ou a linha quebrada, ou o gesto circular, ou os

    2 Freinet (1977) compreende como natural aquele processo no qual a criana se desenvolve fazendo suas prprias tentativas, suas prprias experincias, em que o ambiente atua no como um estabelecimento de modelos prontos e obrigatrios, mas como propulsor de estmulos de aprendizagens.

  • 12

    meandros, ou combinaes destes elementos, ou ainda figuras geomtricas mais ou

    menos regulares que se sobrepem, justapondo-se (FREINET, 1977, p. 80).

    Junto com esse primeiro momento e abrangendo momentos posteriores, o ato

    de desenhar no realizado de maneira planejada, ou seja, a criana primeiramente

    desenha para depois nomear seu grafismo, ao reconhecer algo entre as garatujas.

    Acompanhando o desenvolvimento, chega um perodo em que a criana realiza

    um desenho o qual ela o considera como um triunfo e a partir de ento ela comea a

    repeti-lo, por trazer satisfao e garantia de acerto 3. A fala influencia o desenho, no

    entanto, a criana ainda no decide, anteriormente, o que ir desenhar. Algum v um

    de seus desenhos e diz ser uma casa e a partir disso, os outros desenhos sero

    casas. Ou a prpria criana depois de desenhar, ao dizer ser um beb, os prximos

    desenhos tambm sero bebs.

    Segue-se a esse momento, a realizao de grafismos com dois elementos, por

    exemplo, a criana comea a desenhar ela e o papai ou a mame. Assim, suas

    prximas produes grficas possuiro aqueles mesmos dois elementos, repetindo-os

    de maneira a aperfeioar a sua tcnica de desenho.

    Os grafismos comeam a ganhar elementos mltiplos, sendo acompanhado de

    elementos justapostos. Nesse perodo ocorre no s o aperfeioamento do grafismo,

    mas tambm da explicao.

    Como conseqncia, os desenhos tornam-se enriquecidos por explicaes

    posteriores, adquirindo caracterstica de explicativos e esses se desenvolvem

    juntamente com uma fase automtica da justaposio grfica e reproduo em srie

    de elementos grficos antes isolados.

    O desenho que primeiramente era realizado pelo prazer de desenhar, num

    contnuo processo de aperfeioamento dos traados pela criana, em momentos

    seguintes, desperta pensamentos novos, uma vez que a criana comea a perceber

    certos erros que comete ao produzir graficamente. Esses erros ou acidentes muitas

    vezes geram evoluo, pois a criana procura solucionar o acidente ocorrido no

    desenho, justificando-o. Contudo, nesse perodo, de modo algum o pensamento

    que dirige e regula o ato da criao. da criao que originalmente nascem a

    explicao, a comparao e o pensamento (FREINET,1977, p. 86). Nesse contexto,

    as explicaes posteriores se tornam comuns.

    O acidente em um desenho modifica os outros na procura de restabelecer o

    equilbrio da produo grfica. Os grafismos caracterizados por explicao posterior e

    de justificao acidental passam a originar uma relao explicativa.

    3 Expresso utilizada por Freinet em O Mtodo Natural (vol. I).

  • 13

    No decorrer dessas demonstraes do percurso de desenvolvimento do

    desenho, Freinet esclarece que a criana fala de si por meio da produo grfica no

    momento em que ela domina a tcnica e o instrumento. Antes disso, ela se

    desenvolve experimentalmente.

    A criana s poder falar de si pelo desenho quando estiver segura do lpis. At l, a tcnica demasiado imperfeita e o instrumento falha a cada instante. A criana tira vantagem disso e realiza os seus desenhos segundo o princpio da tentativa experimental que definimos. Depois ajusta, como lhe for possvel, a sua expresso verbal sua criao grfica, mas um pouco como se estes grafismos no lhe fossem pessoais (FREINET, 1977, p.91-92).

    No perodo em que sua filha comea a sentir-se envolvida com o mundo da

    escrita, Freinet ressalta a influncia do meio, descrevendo momentos de observao

    os quais ela procura imitar seu pai.

    O desenho se torna incompleto, pois a explicao posterior no mais

    suficiente para a criana. Dentro do contexto de educao natural vivenciado por sua

    filha, o autor explicita a necessidade que ela sente de comear a utilizar a escrita

    como meio de comunicao, pois atravs de estmulos cotidianos a criana passou a

    compreender a funo de diversos tipos de escrita ao observar e imitar num

    processo de tentativas experimentais os adultos ao seu redor. Com isso, seus

    desenhos passam a receber novas informaes, porm expressam traados sem

    diferenciao, utilizando movimentos rpidos, ainda sem o domnio do gesto.

    Em suas experincias, a criana percebe certos detalhes da escrita e procura

    reproduzir. No caso da filha de Freinet, ela percebe que o pai ao escrever cartas

    costuma sublinhar sua assinatura e o nome das cidades. Assim, ela parte de suas

    experincias anteriores com relao ao desenho e comea a repetir seus traos de

    tentativa de escrita vrias vezes, sublinhando-os. O que antes era um apndice da

    produo grfica se torna parte dela.

    Esse processo semelhante ao do desenho, pois os traos mais prximos ao

    da escrita socialmente aceita so considerados como triunfo pela criana e dessa

    forma so repetidos de maneira a atingir progressivos aperfeioamentos. Portanto,

    nesse percurso o momento seguinte se caracteriza pelo aparecimento de traados

    diferenciados, numa seqncia de aprendizagens da aquisio da escrita.

    interessante analisar que nessa obra, escrita em 1936, o autor j se

    preocupava e enfatizava a necessidade de um processo de ensino que demonstrasse

    o sentido da escrita para a criana antes de ela ainda dominar os seus traados.

    Freinet reflete sobre o envolvimento do indivduo com os cdigos, procurando ressaltar

  • 14

    a importncia da compreenso da escrita, para que esta se torne uma necessidade de

    aprendizagem para a criana. Dessa forma, a aquisio da escrita no se torna algo

    imposto e mecnico, mas pretendido e compreendido.

    [...] a criana ganha lentamente conscincia de um outro meio de expresso que ir se desenvolvendo paralelamente com o desenho, mas independentemente de suas conquistas e dos seus triunfos. Na expresso da escrita, a parte da criao mais reduzida. A nova tcnica directamente condicionada pelas necessidades de um meio que j lhe fixou as formas definitivas e obrigatrias. Os motores de aquisio e do progresso estaro a: A necessidade de imitao e de ficar em unssono com o meio ambiente, a necessidade de expresso para fins de correspondncia [...] (FREINET, 1977, p.162).

    Ocorre nesse texto, portanto, uma discusso do que podemos chamar hoje de

    letramento. Assunto to presente nas questes referentes educao atualmente.

    Principalmente agora, com a nova lei do ensino fundamental de nove anos, a qual

    promulga como objetivo da sala de seis anos primeiro ano do ensino fundamental

    o estmulo escrita, num contexto de envolvimento e compreenso de seus cdigos,

    de forma a levar a criana necessidade de escrever.

    1.2.3 Vigotski

    Quanto aos estudos de Vigotski, a partir de anlises de outros tericos, o autor

    aborda em seu livro Imaginacin y el arte en la infncia o processo de

    desenvolvimento do desenho na criana. No entanto, tal abordagem no apresenta

    uma grande profundidade no assunto, pois suas anlises so breves, no se

    apegando tanto ao processo percorrido pelo grafismo infantil, mas sim s fases que o

    compe. Contudo, nos possibilita algumas vises interessantes para a compreenso

    de alguns momentos da evoluo do ato de desenhar na criana.

    Desse modo, o estudo apontado pelo autor na referida obra apresenta um

    desenvolvimento da atividade grfica na criana, divida em quatro fases. A primeira

    fase consiste no modelo de desenho esquemtico, em que o sujeito j possui

    capacidade de representar figurativamente os seres humanos, porm com formatos

    distantes do real. Com isso, o reproduz por meio de esquemas, como se fosse

    suficiente os traados de algumas caractersticas, desenhando normalmente, a cabea

    com as pernas saindo diretamente dela. Algumas de suas representaes podem

    conter os braos e o corpo, porm isso acontece com menos freqncia.

    Durante esse perodo, as crianas se utilizam muito da memria, pois

    costumam desenhar por si s, o que contribui para o pensamento de que nesse

  • 15

    momento elas estejam se orientando com relao ao mundo que as rodeiam. Assim,

    nessa fase inicial os desenhos terminam por representar as suas vises primrias, de

    maneira simblica4. Mukhina (1996) corrobora com essa anlise ao afirmar que:

    Todos os pr-escolares fazem seus desenhos do natural de maneira similar: observam um pouco o modelo e se pem a desenhar com rapidez e segurana. A criana no sente necessidade de uma observao sistemtica da natureza; por isso, embora copie da natureza, seria mais apropriado falar de desenho imaginativo (p. 171).

    Outra marca dessa etapa o fato de a criana utilizar transparncia em suas

    representaes grficas. Ao desenhar um ser humano, por exemplo, so delineados

    diversos aspectos de sua composio, desenhando primeiro seu corpo, depois suas

    roupas, em que aquele pode ser visto por debaixo destas ltimas.

    Na segunda fase o autor afirma existir ainda as caractersticas do

    esquematismo, presente no momento anterior, porm com traos formalistas. Com

    isso, nessa etapa, a criana comea a demonstrar mais detalhes em seus grafismos,

    aproximando-se um pouco mais das caractersticas reais.

    O terceiro perodo do desenvolvimento do desenho infantil apresenta maior

    semelhana com a realidade, pois o sujeito perde o hbito de traar esquemas, j

    fazendo os contornos do corpo humano, apesar de ainda no se apegar s

    perspectivas. E por ltimo, o quarto momento se configura como a etapa em que a

    criana capaz de representar de maneira plstica as formas dos objetos.

    Mukhina ainda amplia esse estudo ao referir-se sobre a tendncia de a criana

    utilizar clichs em seus desenhos em determinados perodos. No grafismo infantil, h

    a caracterstica da repetio de elementos, uma vez que a criana ao desenh-los, os

    considera como reprodues bem-sucedidas. No entanto, esse aspecto de repetir as

    atividades grficas, possibilita o hbito dos clichs no desenho infantil, j que muitas

    vezes so apoiados pelos adultos por apresentarem linhas com representaes

    comuns que satisfazem suas exigncias, como: casas, sol, entre outros.

    Assim, os desenhos bem-sucedidos que deveriam compor um processo de

    aperfeioamento do grafismo, dependendo de como so tratados podem acomodar as

    crianas, levando-as a meras reprodues. A autora considera ainda, ser mais

    adequado trabalhar com os objetos propriamente ditos do que reduzir o

    desenvolvimento do desenho a cpia de modelos pr-estabelecidos. Ressalta-se a

    4 Vigotski aponta que a criana pequena utilize mais de simbolismos do que de representaes naturalistas, pois a criana sabe muito mais do que representa figurativamente.

  • 16

    necessidade, portanto, da observao por parte dos alunos das propriedades

    concretas dos objetos.

    O futuro do desenho infantil depende do triunfo de uma ou outra dessas tendncias, o que, por sua vez, depende principalmente dos mtodos de ensino. O ensino do desenho baseado na cpia de modelos ajuda na formao de clichs. O ensino que se prope a aperfeioar um desenho que reproduz as propriedades do objeto evita o clich (MUKHINA, 1996, p. 172).

    Como o desenho se encontra entre as principais atividades das crianas

    pequenas, interessante apresentar aqui tambm como se d o processo de

    desenvolvimento da imaginao, j que esta influi diretamente nas realizaes grficas

    infantis.

    A imaginao compreendida por Vigotski (1987) como uma atividade

    criadora, fazendo parte de um processo constantemente ativo. Dessa forma, na

    atividade, o autor considera que o homem possui duas formas de impulso: a ao de

    reproduzir e a de combinar. Porm, sob essa perspectiva, o ser humano no

    simplesmente reproduz, mas tambm atua sobre essa condio. No entanto, a

    capacidade de combinar elementos que possibilita ao ser humano elaborar criaes.

    Desse modo, as experincias vividas e acumuladas pelo indivduo se tornam a

    base de qualquer imaginao, uma vez que interagem com elementos de sua fantasia,

    transformando-os numa construo de novas imagens.

    A combinao de fatores reais com a imaginao promove inicialmente, a

    formao de elementos simples, para num momento posterior, elabor-los de maneira

    mais complexa, caracterizando-se assim um contnuo processo, pois primeiro o

    homem acumula suas informaes para depois explor-las com mais profundidade.

    Despus del momento de acumulacin de experiencia empieza al decir de Ribaud

    el perodo de maturacin o decantacin (incubacin) (VIGOTSKII, 1987, p. 18).

    Com isso, a memria assume uma das principais funes para a realizao da

    atividade criadora, j que contribui para o armazenamento de experincias e

    conhecimentos utilizados pela imaginao.

    Assim, a capacidade de dissociar e associar os elementos arquivados pela

    memria possibilita o processo de concretizao do ato de criar. A dissociao dos

    conhecimentos guardados inicia o percurso da atividade imaginativa. Separadas, as

    informaes so reelaboradas, sendo posteriormente, associadas a outros elementos.

    exatamente esse desmembramento de conhecimentos, associando-os a outros para

    a construo de novos conhecimentos que consiste no desenvolvimento da

    capacidade de abstrair do homem.

  • 17

    O anseio do homem por criar, origina-se da sua condio de inadaptao ao

    meio em que vive. , pois, essa necessidade de se adaptar ao mundo externo que se

    configura como estmulo para a criao. O crebro humano no se restringe a dar

    somente a capacidade de ajuste ao que j est constitudo, mas tambm possibilita ao

    homem a capacidade de possuir reaes adaptadoras a novas condies. Resulta

    pues que nuestro cerebro constituye el rgano que conserva experiencias vividas y

    facilita su reiteracin (VIGOTSKII, 1987, p. 8).

    A atividade criadora elaborada conforme os desejos, necessidades e

    interesses do indivduo. Entretanto, para a criao no basta esses referidos fatores,

    necessita-se tambm de imagens espontneas, as quais, para o autor, configuram-se

    como aquilo que surge sem indues aparentes, de repente.

    Vigotski aponta ainda quatro formas de realizao da atividade imaginativa:

    A primeira referente combinao entre elementos vividos e internalizados

    com elementos da fantasia, em que a fantasia gerada em meio a combinaes entre

    elementos reais intervm na realidade. Dessa forma, toda atividade imaginativa

    construda por meio de experincias vividas anteriormente.

    Entre essas formas de criao, Vigotski compreende a existncia de uma lei

    considerada de fundamental importncia nos processos imaginativos. Nela,

    encontramos a afirmao de que as experincias so essenciais para o

    desenvolvimento da imaginao, sendo necessrio, portanto, o estmulo constante de

    diversas vivncias para que a criana possa enriquecer sua capacidade de criar. Com

    isso, recai sobre o papel da escola promover uma ampliao das experincias

    vivenciadas pelas crianas.

    De aqu la conclusin pedaggica sobre la necesidad de ampliar la experiencia del nio si queremos proporcionarle base suficientemente slida para su actividad creadora. Cuanto ms vea, oiga y experimente, cuanto ms aprenda y asimile, cuantos ms elementos reales disponga en su experiencia, tanto ms considerable y productiva ser, a igualdad de las restantes circunstancias, la actividad de su imaginacin (VIGOTSKII, 1987, p.18).

    No segundo modo, demonstra-se que a imaginao no se encontra restrita a

    memorizao e utilizao de experincias pessoais, pois um indivduo pode aproveitar

    de vivncias relatadas por outros indivduos em suas atividades criativas.

    A terceira forma consiste na combinao da fantasia com a realidade sob a

    perspectiva de elementos internos, em que estes so os fatores emocionais que

    influenciam a viso de elementos externos, podendo concordar ou no com as

    imagens utilizadas do mundo que rodeia o indivduo constituinte da atividade criadora.

  • 18

    No quarto e ltimo caso h uma forte relao entre os elementos internos e

    externos de maneira que a combinao entre eles resulta numa materializao da

    atividade criadora, influenciando ativamente na realidade. Ex: histrias que ao retirar

    fatores do meio ambiente, vincula-os a pensamentos que so exteriorizados de modo

    a estimular reflexes sobre as experincias vividas.

    No que diz respeito atividade imaginativa infantil, Vigotski afirma haver um

    engano sobre o pensamento de que a criana mais criativa do que o adulto. Para o

    autor, comum pensarem que a liberdade de imaginao da criana refere-se a sua

    capacidade de criar, j que em determinada poca da vida, ela vive mais no mundo da

    fantasia do que no mundo real.

    Acredita-se tambm que a criana mais criativa por ela confiar na sua

    imaginao, alm de deixar que aconteam seus impulsos imaginativos, ao contrrio

    do adulto. Contudo, a capacidade de criar est intimamente associada aos saberes

    acumulados no decorrer da existncia do homem, como apontado anteriormente. Com

    isso, o adulto se torna mais apto para a atividade da criao.

    Para Vigotski (1987) [...] los frutos de la verdadera imaginacin creadora en

    todas las esferas de la actividad creadora pertenecen solo la fantasa ya madura (p.

    40) e seu amadurecimento inicia-se no perodo da adolescncia, seguindo assim um

    progressivo desenvolvimento da capacidade imaginativa. Esta se encontrando, na fase

    adulta, se junta ao percurso assumido pela razo, em que o raciocnio se torna,

    freqentemente, uma forte influncia sobre a imaginao. Com isso, na fase adulta a

    razo se sobressai em relao fantasia, aparentando a anulao desta.

    Dessa forma, os elementos chaves para a atividade criadora so a experincia,

    a necessidade, o desejo e os interesses o que explica alguns exageros nas criaes

    infantis e at mesmo de adultos , que contribuem para a construo da fantasia, alm

    da capacidade de combinao desses aspectos e o meio ambiente que para a

    perspectiva histrico-cultural um dos principais fatores para a ao imaginativa.

    Aps essas explicaes sobre o desenvolvimento do desenho e a atividade

    imaginativa, faz-se necessrio dizer que:

    [...] embora se considere que as crianas busquem representar o real, os desenhos infantis, da perspectiva adotada, no so meras reprodues do que elas vem. As crianas no desenham aquilo que vem, mas aquilo que sabem dos objetos e situaes figuradas. Neste seu saber esto envolvidas funes psicolgicas como a percepo, a memria e a imaginao. Ou seja, quando desenham objetos reais, as crianas expressam o significado e o sentido das coisas que vem, como resultado de sua capacidade de percepo (MORASSUTTI, 2005, p. 48-49).

  • 19

    Assim, o grafismo infantil representa a atividade imaginativa da criana que

    demonstra significados compreendidos por ela, uma vez que seus desenhos so

    traados com o auxlio de suas experincias captadas pela percepo, a qual se faz

    guardar pela memria, esta composta por lembranas carregadas de sentido. Dessa

    forma, o desenho torna-se um signo, j que assume o papel de representao de

    significados, ou seja, adquire funo de mediador entre o pensamento infantil e a sua

    realidade externa.

    Ao seguirmos esse pensamento, visualizamos o papel da produo grfica

    como um precursor da escrita, j que como esta, o grafismo em determinado momento

    adquire o valor de mediador, como dito anteriormente. Os estudos de Luria (1988) nos

    servem como meio de exemplificao desse assunto.

    Em sua pesquisa, o autor fez diversos experimentos procurando perceber

    quando a criana compreende a escrita por sua funo social, ou seja, como um

    instrumento de aspecto funcional /auxiliar, uma mediao de carter psicolgico.

    Em contraste com um certo nmero de outras funes psicolgicas, a escrita pode ser definida como uma funo que se realiza, culturalmente, por mediao. A condio mais fundamental exigida para que a criana seja capaz de tomar nota de alguma noo, conceito ou frase que algum estmulo, ou insinuao particular, que, em si mesmo, nada tem que ver com esta idia, conceito ou frase, empregado como um signo auxiliar cuja percepo leva a criana a recordar a idia etc., qual ele se refere. O escrever pressupe, portanto, a habilidade para usar alguma insinuao (por exemplo, uma linha, uma mancha, um ponto) como signo funcional auxiliar, sem qualquer sentido ou significado em si mesmo mas apenas como uma operao auxiliar (LURIA, 1988, p. 145 grifo do autor).

    Com atividades em que as crianas deviam anotar as frases ditas pelo

    pesquisador, de maneira que se lembrassem do contedo por meio de suas formas de

    escrita, as crianas demonstravam o entendimento que possuam quanto utilizao

    dos cdigos. Os modos usados para recordao poderiam ser qualquer um, traos,

    bolinhas etc. o que interessava era perceber se tal instrumento compreendia a funo

    de mediador, de utenslio da memria.

    Luria (1988) constatou que h diversos momentos pelos quais a criana passa

    at chegar compreenso e utilizao da escrita convencional, o que no vamos

    discorrer amplamente, pois no consiste na inteno dessa pesquisa, uma vez que

    seu foco o processo de desenvolvimento do desenho infantil. No entanto, cabe

    ressaltar aqui a importncia deste para a aprendizagem da escrita.

    Assim, podemos dizer que nos estudos do referido autor o ato de escrever

    aparece sob vrios significados entre as diversas idades da infncia. Primeiramente, a

  • 20

    escrita se d mecanicamente, em que a criana demonstra claramente procurar imitar

    os movimentos produzidos pelos adultos, quando estes escrevem. Desse modo, a

    escrita algo externo criana, ou seja, esta ainda no entende a funo da utilizao

    de tais cdigos.

    O ato de escrever , nesse caso, apenas extremamente associado tarefa de anotar uma palavra especfica; puramente intuitivo. A criana s est interessada em escrever como os adultos; para ela o ato de escrever no um meio para recordar, para representar algum significado, mas um ato suficiente em si mesmo, um brinquedo (LURIA, 1988, p. 149).

    A internalizao da escrita como instrumento auxiliar de mediao, portanto,

    percorre um caminho em que o sujeito, da simples imitao, num processo de

    contnua compreenso do fenmeno da escrita, procura utilizar traos os quais no

    momento ainda no so convencionais, mas que lhe possibilitam ajudar a memria.

    A no uniformidade de seus cdigos e a necessidade de representao de

    algumas caractersticas dos objetos, como quantidade e forma, faz com que a criana

    recorra ao desenho como meio de comunicao. A visualizao de que o grafismo

    pode representar uma idia, torna mais complexa a atividade grfica infantil.

    A quantidade e a forma distinta levavam a criana pictografia. Atravs destes fatores, a criana, inicialmente, chega idia de usar o desenho (no qual antes j era bastante boa) como meio de recordar e, pela primeira vez, o desenho comea a convergir para uma atividade intelectual mais complexa. O desenho transforma-se, passando de simples representao para um meio, e o intelecto adquire um instrumento novo e poderoso na forma da primeira escrita diferenciada (LURIA, 1988, p. 166).

    O desenho ento assume o valor de signo. Entretanto, chega-se o momento em que o grafismo torna-se insuficiente para representar o pensamento, levando o

    indivduo a desenvolver os mecanismos da escrita simblica para o uso da

    comunicao e da memria. O desenvolvimento ulterior da alfabetizao envolve a

    assimilao dos mecanismos da escrita simblica culturalmente elaborada e uso de

    expedientes simblicos para exemplificar e apressar o ato de recordao (LURIA,

    1988, p. 188).

    Ao lermos os trs referidos autores, portanto, percebemos a fundamental

    importncia que a mediao adquire nos diversos processos de aprendizagens, tanto

    a mediao realizada por um ser humano no desenvolvimento de um outro individuo

    quanto o desenvolvimento da capacidade mediativa do prprio sujeito.

  • 21

    1.3 O desenho como representao de significados Como foi apontada anteriormente sob a perspectiva histrico-cultural, a

    memria configura-se como uma capacidade fundamental, j que ela armazena as

    informaes adquiridas pelo homem. Com isso, o desenho infantil torna-se uma

    representao dos elementos arquivados na memria da criana. De acordo com

    Vygotsky, a memorizao implica tambm significao j que a criana memoriza

    apenas o que faz sentido para ela (MORASSUTTI, 2005, p. 50).

    O processo de significao se d em meio s interaes sociais, modo como

    ocorrem as transmisses culturais. Os objetos conforme a cultura recebem uma

    compreenso diferente, interpretada de acordo com as formas de pensamento e

    comportamento estabelecidas em determinado lugar.

    Desse modo, primeiro a criana passa por objeto de interpretao do adulto,

    para depois, internalizar os significados dados aos seus movimentos e elementos

    externos.

    Em seu desenvolvimento psicolgico, o ser humano apropria-se de formas culturais de ao. A gnese social do desenvolvimento marcada por movimentos do beb que inicialmente so interpretados pelo adulto como aes intencionais. Vygotsky (1989) ilustra a dinmica desse processo com o movimento de agarrar um objeto que transformado em gesto de apontar devido significao que o adulto d a ao da criana. Um simples movimento torna-se gesto a partir da relao estabelecida entre o beb e o adulto. A ao que inicialmente tinha um significado compartilhado, torna-se uma ao do prprio sujeito (SILVA, 1993, p. 12).

    Fica a encargo de a linguagem possibilitar a atribuio de significados aos

    desenhos, uma vez que por meio da palavra que se nomeia o pensamento e,

    portanto, tambm a materializao destes, j que podemos conceber a produo

    grfica da criana como uma projeo da realidade vivenciada por ela. Pode-se assim

    afirmar que o desenho infantil uma forma de materializao da imaginao da

    criana: desenhando a criana projeta na realidade construda seus prprios

    significados, ou seja, retrata a realidade conceituada (MORASSUTTI, 2005, p. 50)

    A linguagem, portanto, a responsvel pela troca objetiva de conhecimentos

    entre os indivduos. Carregada de significados, ela contribui para a compreenso da

    realidade existente por meio da palavra. Esta caracterizada como um signo possibilita

    a interpretao de sentidos, os quais transformam com o auxlio da imaginao, a

    realidade vivenciada, em realidade conceituada.

  • 22

    Com isso, em seus desenhos, a criana demonstra aquilo que sabe sobre o

    objeto, de acordo com a interpretao que desenvolveu no decorrer de suas

    experincias quanto a sua funo e suas caractersticas atribudas culturalmente.

    Al dibujar, El nio lleva al dibujo todo lo que sabe del objeto que representa y no solo lo que ve. Por eso con frecuencia pinta cosas que no ve y, por el contrario, faltan en su dibujo muchas cosas que ve sin duda alguna, pero que no le parecen sustanciales en el objeto que est dibujando (VIGOTSKII, 1987, p. 96).

    A atribuio de sentidos e significados se d, portanto, ao longo da existncia

    humana, no decorrer de seu desenvolvimento, em meio s interaes com outros

    seres humanos. As experincias e o saber acumulado por meio delas contribuem para

    a capacidade humana de combinar os conhecimentos adquiridos, de maneira a

    construir novas realidades, significando-as, transformando-as em realidades

    conceituadas.

    Essa possibilidade de perceber o homem como um sujeito social e interativo

    em que ele prprio atua em seu desenvolvimento, porm no de modo isolado, mas

    em meio a outras pessoas, se configura como a caracterstica principal porque

    adotamos a teoria histrico-cultural como referencial desse trabalho, pois como afirma

    Silva (1993):

    A perspectiva histrico-cultural permite criticar e superar as concepes maturacionistas a respeito do grafismo, porque possibilita ver o desenho como um signo empregado pelo homem e constitudo a partir das interaes sociais. Ser que uma criana que no tivesse qualquer contato com seres humanos chegaria a desenhar, ou desenharia da mesma forma que uma criana civilizada? O contato com os pares no fundamental para aquisio de formas amadurecidas de atividade, como o desenho? Possuir um substrato biolgico no parece ser a nica (ou principal) condio para o desenvolvimento da atividade grfica (p. 11-12).

    Dessa forma, embora as anlises de Vigostki no sejam muito aprofundadas

    quanto ao desenvolvimento do grafismo infantil, ela nos permite refletir sobre aspectos

    que no so apontados pela viso maturacionista, pois nessa concepo terica,

    como vimos anteriormente, a ... produo concebida como um processo

    desvinculado do meio social e da cultura no qual compulsoriamente a criana passa

    por determinadas fases ou etapas do desenho, independentemente do meio em que

    est inserida (SILVA, 1993, p.4).

    A importncia do outro no aparece como fundamentalmente importante nas

    demais concepes abordadas nesse trabalho, como encontramos nos pensamentos

  • 23

    de Vigotski. Os conceitos que possibilitaram o caminhar dessa pesquisa a mediao

    e a significao so essencialmente Vigotskianos e sem eles nos ficaria muito difcil

    procurar responder o que indagvamos: Como se d o processo de desenvolvimento

    do desenho infantil com e sem interveno?

    Assim sendo, discutimos o conceito de significao aqui porque este nos

    auxiliar, juntamente com os estudos sobre a imaginao e sobre o processo de

    evoluo do grafismo na infncia, nas anlises das produes grficas dos sujeitos.

    Produes estas tanto as que foram realizadas no perodo da pesquisa, como as que

    estavam armazenadas e foram entregues pelas mes dos participantes.

    Para que o processo investigativo, bem como os procedimentos utilizados para

    a anlise dos resultados sejam esclarecidos, no prximo captulo discorreremos sobre

    a metodologia assumida para desenvolver esse trabalho. Com isso, nos foi preciso

    dispor algumas consideraes sobre os instrumentos e os participantes envolvidos no

    experimento, alm da perspectiva metodolgica adotada pela pesquisa como meio de

    se atingir os objetivos definidos.

  • 24

    CAPTULO II METODOLOGIA DA PESQUISA Para o desenvolvimento do presente trabalho, foi necessrio, primeiramente,

    um levantamento bibliogrfico envolvendo obras literrias de diversos autores

    pertencentes a diferentes vertentes ideolgicas, os quais se utilizaram dos desenhos

    infantis como objeto de pesquisas, bem como um estudo dedicado s concepes da

    teoria histrico-cultural de Vigotski, pensamentos que orientaram toda a investigao.

    Tal levantamento bibliogrfico possibilitou ampliar o conhecimento quanto s

    variveis que distinguem a compreenso do processo de desenvolvimento do desenho

    infantil para cada corrente abordada, alm de contribuir para um importante

    aprofundamento dos conceitos que nortearam a pesquisa.

    A partir disso, decidimos realizar uma anlise de carter qualitativo, com estudo

    de cunho longitudinal. Tal estudo configura-se numa anlise contnua, contemplando

    um determinado intervalo de tempo em que suas observaes focalizam o processo

    pelo qual perpassam o desenvolvimento do objeto de estudo. J por qualitativo, com o

    auxlio de Queiroz (1992) compreendemos que:

    Embora a ordem introduzida pelo pesquisador no universo dos dados em estudo por meio da quantificao possa parecer a melhor maneira de se chegar aos conhecimentos dos mesmos, ela somente narra o que se encontrou; no desvenda por que motivos ou razes a coleo de indivduos assim analisada age consciente ou inconscientemente; nada diz a respeito dos interesses do que a coletividade manifesta; nada exprime que constitua uma explicao (p.23).

    Dessa forma, utilizamos materiais armazenados e selecionados de duas

    crianas, alm de produes realizadas, pelas mesmas, no decorrer da pesquisa.

    Procuramos observar e analisar o desenvolvimento de seus grafismos desde os trs

    at os cinco anos de idade, que conforme estudos anteriores constituem-se num

    perodo em que a criana comea a produzir desenhos figurativos, elemento

    fundamental para as anlises da presente pesquisa.

    As produes grficas recolhidas por meio das mes foram consideradas como

    atividades livres, ou seja, sem a atuao da pesquisa. No entanto, devido

    perspectiva da teoria de Vigotski orientando todo esse trabalho, definiu-se que os

    desenhos desenvolvidos durante a investigao seriam influenciados pela mediao

    da pesquisadora. Assim, tais desenhos foram realizados em meio a intervenes, com

    o objetivo de observar mudanas grficas, bem como suas caractersticas e

    importncias na evoluo do grafismo infantil.

  • 25

    2.1 Instrumentos Os desenhos, produzidos pelas duas crianas, compem os instrumentos

    materiais dessa pesquisa. Desse modo, foram utilizadas produes grficas

    armazenadas e selecionadas, bem como grafismos desenvolvidos no decorrer da

    investigao, uma vez que, tal pesquisa props observar e analisar o desenvolvimento

    dos grafismos dos participantes, desde os trs at os cinco anos de idade.

    Dentre os desenhos armazenados, foram selecionadas como foco de anlise,

    as representaes da figura humana, por serem produes que demonstram de forma

    clara o processo de desenvolvimento do grafismo infantil, ao evidenciarem uma

    crescente utilizao de detalhes, anunciando o aumento da complexidade

    compreendida pela criana, do mundo exterior.

    Quatro produes compem o conjunto de grafismos, os quais foram

    realizados fora do contexto da investigao, em outros ambientes dois para a idade

    dos trs anos e dois para a idade dos quatro anos , como a escola e a prpria casa,

    pois foram desenvolvidos sem que j houvesse os interesses da pesquisa.

    Com as intervenes, foram produzidos trs grafismos por cada participante.

    Como a influncia da mediao se configura como o foco da pesquisa, todos esses

    compuseram como parte das anlises.

    E por fim, foi includo um ltimo desenho produzido por cada criana. Este

    tambm sem a influncia direta da pesquisa entrou para ser analisado como forma de

    demonstrar se as crianas haviam incorporado os elementos apontados como

    ausentes, durante o perodo da investigao, j fora do contexto da pesquisa.

    Portanto, foram coletados sob interveno, trs desenhos de cada sujeito. Por

    representarem claramente figuras humanas, entre os grafismos armazenados foram

    selecionadas trs produes grficas, alm de um desenho final.

    No que diz respeito ao instrumento conceitual da pesquisa, a mediao, sob o

    foco da interveno direta, constituiu como sendo o principal. Nesse sentido, Vigotski

    compreende como mediao, a ao de outra pessoa nos processos de aprendizagem

    da criana, de maneira a estimular uma efetiva internalizao dos conhecimentos, uma

    vez que para o autor, a aprendizagem que promove o desenvolvimento.

    2.2 Participantes Como participantes dessa pesquisa, tivemos duas crianas, as quais foram

    definidas como sujeitos devido ao fato de suas mes, alm de serem prximas

  • 26

    pesquisadora, terem guardado muitas de suas produes grficas, no decorrer dos

    anos.

    No incio da coleta de dados influenciada pelas mediaes, as crianas

    compreendiam a idade dos quatro anos e dez meses, sendo, portanto, sujeitos sob o

    foco de intervenes durante um perodo de dois meses, perodo o qual completaram

    a idade de cinco anos que marcou o fim da pesquisa, como havia sido programado

    anteriormente.

    Tais participantes possuem constantemente a influncia da escola em suas

    rotinas dirias, uma vez que, por suas mes trabalharem, elas freqentam uma

    instituio de ensino em perodo integral todos os dias da semana, local que esto

    inseridas desde o berrio.

    Cabe ressaltar inclusive, que suas mes possuem formao em pedagogia, j

    tendo exercido/ou exercendo a profisso docente.

    A leitura se constitui como parte do cotidiano das pessoas envolvidas no

    contexto dos sujeitos, bem como a utilizao da escrita. Desse modo, ocorrem

    diversos estmulos s crianas, as quais demonstraram como uma de suas

    caractersticas, a freqente vontade de se comunicarem. Como a leitura e a escrita

    ainda no se configuram como um de seus domnios, o desenho ainda consiste como

    um importante meio de suas expresses, apesar de j demonstrarem muito interesse

    pelos cdigos da escrita.

    importante destacar ainda, que as crianas so oriundas de ambientes

    amplamente ricos para o exerccio do letramento. Em suas famlias encontramos

    origens genealgicas de diversos pases, em que variados tipos de linguagem e at

    mesmo de escrita ainda se encontram presentes. Alm da linguagem, nota-se

    tambm o costume dos diferentes hbitos culturais.

    2.3 Procedimentos para a coleta de dados Com a inteno de concretizar uma pesquisa longitudinal j definida, foram

    recolhidos atravs das mes diversos desenhos, de figuras humanas, elaborados

    pelas crianas, durante os perodos anteriores investigao. Estes foram guardados

    num banco de dados para serem analisados posteriormente, no final da investigao.

    Quanto s produes grficas concretizadas no decorrer da pesquisa, essas

    foram observadas do incio ao fim da atividade feita pela criana, uma vez que a

    pesquisadora encontrava-se presente no contexto e atuava sobre as representaes

    desenhadas pelos sujeitos por meio de intervenes. Vale dizer que outra

  • 27

    pesquisadora que acompanhava a atividade, anotava os dados, registrando as falas e

    os comentrios em um dirio de campo.

    O perodo da coleta dos dados por meio das mediaes, ou seja, realizado

    nesse ano sob a inteno da pesquisa, possua um tempo de durao de mais ou

    menos meia hora. No primeiro encontro, no qual foram explicadas as intenes da

    pesquisa para os sujeitos, houve a participao das duas crianas, no entanto ocorreu

    uma troca de influncias entre elas, as quais no consistiam na inteno da pesquisa,

    pois se pretendia analisar os grafismos5 sem a interveno direta de outra pessoa que

    no fosse a da pesquisadora, a qual podia vir a receber auxlio da professora

    orientadora, uma vez que a investigao pretendia observar caractersticas grficas

    prprias6 de cada sujeito.

    Por isso, posteriormente, cada criana participante compareceu na sala da

    professora orientadora do projeto, no Departamento de Metodologia de Ensino da

    Universidade Federal de So Carlos (UFSCar) local confirmado desde o incio da

    pesquisa em dias diferentes. Com exceo do ltimo encontro, no qual ambos os

    participantes se encontravam no referido local, porm mantiveram em posies

    separadas um do outro para que no houvesse interferncias.

    Tal ocasio decorreu desse modo, porque as crianas j demonstravam certo

    cansao e seus pais solicitaram o trmino da pesquisa, uma vez que seus filhos

    freqentam a escola em perodo integral e os horrios marcados para as atividades

    grficas para a investigao consistiam nos trinta minutos anteriores s aulas do

    perodo da tarde. Assim, quando chegavam para a realizao da pesquisa, eles j

    haviam permanecido na escola durante o perodo da manh.

    Para os encontros, preparvamos o ambiente para que pudesse ser

    desenvolvida a atividade, colocando os materiais disponveis para as crianas sobre a

    mesa principal da sala: folha de papel sulfite A4, caneta, canetinha ou lpis. Em

    seguida, pedamos para a criana desenhar uma pessoa. O sujeito possua liberdade

    para representar quem ele quisesse, pedia-se apenas que fosse um ser humano.

    Consistia dessa forma, o primeiro momento, o qual no se pretendia realizar

    intervenes. A criana desenhava livremente, at que se sentisse satisfeita com sua

    prpria produo. Uma vez terminada esta etapa, a pesquisadora questionava se

    havia algo a ser acrescentado ao desenho. Como etapa seguinte, a mesma iniciava

    5 J que no compreendiam a inteno da pesquisa, tais grafismos encontram-se no anexo II. 6 No podemos nos esquecer que de acordo com a teoria histrico-cultural, a formao do sujeito social e, portanto, seu desenvolvimento se d por meio de intercmbios entre os indivduos. Ou seja, o ser humano no algo puramente individual, mas um ser constitudo por informaes adquiridas coletivamente.

  • 28

    sua interveno indicando partes que no haviam sido desenhadas pela criana

    (dedos, sobrancelhas, etc), perguntando se ela gostaria de acrescentar tais

    observaes em seus grafismos.

    Assim, sob o foco da mediao, a coleta foi divida em trs perodos. Primeiro

    foram realizados dois encontros com cada sujeito, com o intervalo de uma semana

    entre eles, sendo produzido um desenho em cada um dos dias. Depois, seguiu-se

    uma pausa de trs-quatro semanas para a prxima atividade, com a inteno de se

    observar se os elementos apontados como ausentes nas produes grficas teriam

    sido incorporados aos desenhos pelas crianas, ainda dentro do contexto da

    pesquisa, realizando-se assim, o ltimo encontro. Como atividade final e terceiro

    momento foram solicitados s mes dos sujeitos que fornecessem o desenho de uma

    figura humana produzida por cada um deles posteriormente ao perodo da pesquisa.

    Desse modo, no decorrer de toda a pesquisa, ocorreram quatro encontros: o

    primeiro com as duas crianas juntas, depois dois com cada criana separadamente e

    por fim, depois de uma pausa, a atividade finalizadora. Sendo recolhido ainda, um

    ltimo desenho para fechar a coleta de dados da pesquisa.

    2.4 Procedimentos para a anlise dos Dados Com isso pretendeu-se desenvolver a perspectiva qualitativa da pesquisa, pois

    segundo Queiroz (1992) tal forma de anlise procura desvendar motivos e razes, de

    maneira a explicar as atitudes dos indivduos. Queiroz (1992) tambm ressalta a

    questo da diferenciao e da comparao serem elementos fundamentais da

    pesquisa qualitativa. No entanto, esses elementos foram utilizados apenas para

    analisar o desenvolvimento do prprio indivduo. A inteno dessa pesquisa no se

    baseia na comparao entre as duas crianas, mas sim na diferenciao e na

    comparao entre as fases pelas quais os sujeitos passaram no decorrer do processo

    de desenvolvimento de seus grafismos.

    Nesse sentido, os desenhos foram analisados de maneira individual, sendo

    definidos os nomes de sujeito 1 e sujeito 2 para os participantes. A disposio dos

    grafismos assumiu uma ordem cronolgica de modo a acompanhar e demonstrar as

    evolues grficas ocorridas em cada processo de desenvolvimento. Dessa maneira,

    primeiro foram analisadas as produes consideradas livres, pois so originrias de

    um perodo anterior pesquisa. Posteriormente, as anlises se focalizaram sobre os

  • 29

    desenhos realizados com a influncia da mediao proposta pela investigao e por

    fim, foi estudada a ltima produo j num contexto informal7 novamente.

    Tais anlises podero ser visualizadas no prximo captulo, onde foram

    dispostas e contextualizadas8, para uma melhor compreenso de seus

    desenvolvimentos, bem como analisadas conjuntamente com as abordagens do

    referencial terico adotado nesse trabalho, de modo a procurar esclarecer alguns

    fenmenos grficos comumente presentes nos desenhos infantis.

    7 Informal no sentido de fora da pesquisa. 8 Para maiores esclarecimentos as falas anotadas em cada encontro esto localizadas no

    anexo I.

  • 30

    CAPTULO III PRODUES GRFICAS Considero como vlido ressaltar aqui que nos torna mais acessvel discorrer

    sobre as produes grficas dos sujeitos, desenvolvidas em meio s mediaes

    propostas pela investigao, uma vez que precisamos compreender os limites dessa

    pesquisa quanto aos primeiros desenhos, os quais no foram anotados os detalhes do

    contexto em que estavam inseridos. Desse modo, h observaes e anlises feitas

    dos desenhos gerados em outros ambientes, que no o local marcado para os

    encontros de realizao desse trabalho, sem a possibilidade de explor-los ao

    mximo.

    As observaes sobre as figuras esto expostas de maneira separada entre os

    sujeitos, nomeados de Sujeito 1 e Sujeito 2. Primeiramente disponibilizaremos as

    atividades grficas realizadas no perodo anterior pesquisa, para em seguida

    apresentarmos os desenhos concretizados no decorrer da investigao e por fim, a

    produo adquirida, por meio das mes, aps o trmino dos experimentos.

    A disposio da anlise das imagens, para uma maior visualizao do caminho

    percorrido pelas crianas quanto evoluo das tcnicas de seus grafismos, seguir a

    ordem de estudo longitudinal adotada nesse trabalho, ou seja, na seqncia crescente

    das idades definidas como foco de anlise da pesquisa 3, 4 e 5 anos.

    Foram escolhidos 2 desenhos para representar cada faixa etria de cada

    sujeito, j que caso selecionssemos uma quantia maior, teramos muito material e a

    investigao ficaria demasiada extensa para a construo de um Trabalho de

    Concluso de Curso. Apenas na idade dos trs anos apresentamos uma nica figura,

    pois possuamos um nmero menor desses exemplares.

    Apesar disso, os desenhos utilizados nos possibilitaram um parmetro sobre o

    processo de desenvolvimento da atividade grfica das duas crianas participantes,

    promovendo reflexes quanto aos aspectos comuns apresentados ao longo do

    processo evolutivo do desenho infantil, nas diversas pesquisas envolvidas com o

    assunto.

  • 31

    3.1 Sujeito 1

    3.1.1 Desenhos do Sujeito 1 antes da pesquisa

    Figura 1 Meu Papai (Out./2005)

    3 anos e 4 meses

    Na figura 1 nota-se a forte presena da representao esquemtica, marcada

    pelo traado quase circular de referncia cabea, de onde saem os membros

    superiores e inferiores (braos e pernas). No entanto, interessante observar que j

    nesse desenho, o sujeito procurou representar outros elementos no to comumente

    figurados nesse perodo, como o caso dos cabelos, do bigode, do queixo e dos

    culos, elementos de certa forma secundrios entre os outros elementos que

    compem a cabea e o rosto humano, quando uma criana dessa faixa etria se

    prope a desenh-los.

    A percepo de alguns detalhes notvel, porm igualmente notvel a

    distncia entre o que foi figurado e as imagens reais, o que nos faz recorrer s falas de

    Mukhina (1996) para reforar a idia de que nesse perodo, a criana no costuma

    desenhar tudo aquilo que v.

    Com freqncia a criana desenha uma pessoa sem cabelo, sem orelhas, sem corpo, sem braos; sem dvida, sua arte muito inferior a seus conhecimentos. Ela desenha prescindindo dos detalhes que considera sem importncia. (p. 168)

    Portanto, possuindo como exemplo esse desenho no h dvidas de que o

    sujeito se agarrou ao esquematismo para figurar, entretanto, neste caso, ao delinear

    seu prprio pai. a criana j demonstrou interesse em representar mais detalhes,

    caractersticos do indivduo desenhado.

  • 32

    Figura 2 Amiga da Mame (Set./2006)

    4 anos e 3 meses

    Na figura 2, o sujeito ainda encontra-se no mesmo perodo do desenho citado

    anteriormente esquematismo , contudo aqui j nos deparamos com uma

    representao que separa o corpo da cabea. Nela visualizamos ainda, outros

    elementos diferentes do primeiro. Referimo-nos ao fenmeno da transparncia

    representado por uma mulher grvida, a qual carrega seu beb na barriga. Nesse

    caso, a criana produziu a imagem de uma amiga de sua me, na referida data, j

    prxima dos ltimos meses de gestao. Percebe-se que o corpo est bem maior que

    a cabea, alm do normal, uma vez que com a barriga desenvolvida, o corpo chama

    mais ateno ao sujeito.

    Nessa mesma produo grfica, as mos tambm merecem ressalva, pois na

    primeira figurao encontramos apenas o traado dos braos, ao passo que no

    desenho da mulher grvida, no s so desenhadas as mos, como tambm os

    dedos, numa quantia maior e num formato semelhante a um girassol, mas j se

    demonstra a inteno do aumento dos detalhes.

    Outra caracterstica importante de se ressaltar nessa figura a vontade de

    escrever j se anunciando. Os rabiscos acima, no canto da folha, registram outra

    forma de comunicao feita pela criana, informaes as quais o sujeito no se

    contentou em transmitir apenas com o desenho. Apesar de possuir quatro anos de

    idade recm completados, essa criana comea a demonstrar envolvimento com a

    lngua escrita em suas produes. Isso se deve ao fato j mencionado anteriormente,

    o qual se refere insero dos sujeitos utilizados nessa pesquisa, em ambientes

    amplamente ricos para o estmulo do letramento.

    Como incio da vontade de escrever observa-se por meio dessa produo

    grfica, a tendncia natural da criana para a imitao puramente externa (LURIA,

    1988, p.147) da escrita, estimulada normalmente, pelo comportamento cotidiano do

    adulto do ato de escrever, presenciado pela criana, pois nota-se rabiscos

  • 33

    ondulados, ou seja, uma tentativa de imitar os movimentos da escrita realizados pelos

    adultos, porm ainda sem um valor psicolgico de auxlio/mediao, caracterstica

    fundamental da escrita. A escrita uma dessas tcnicas auxiliares usadas para fins

    psicolgicos; a escrita constitui o uso funcional de linhas, pontos e outros signos para

    recordar e transmitir idias e conceitos.(LURIA, 1988, p. 146)

    Essa necessidade da escrita como complemento da atividade grfica tambm

    encontrada no prximo desenho figura 3 no qual nota-se tambm o fenmeno da

    transparncia.

    Figura 3 Papai Noel (Dez./2006)

    4 anos e 6 meses

    Primeiro o sujeito desenhou o corpo do Papai Noel esquematicamente, para

    depois, por cima da mesma produo grfica, traar de maneira quase circular, a

    barriga, to caracterstica na figura popular do Papai Noel. O fenmeno encontrado

    tanto na figura 2, quanto na figura 3, nos faz pensar sobre os dizeres de Vigotski

    (1987) sobre o desenho das crianas:

    Dibujan lo que ya saben acerca de las cosas, lo que les parece ms importante en ellas y, no en modo alguno lo que estn viendo o lo que, en consecuencia, se imaginan de las cosas. Cuando un nio dibuja un jinete a caballo en perfil, representa honradamente ambas piernas aunque el observador que le ve de lado solo puede ver una. Cuando pinta un rostro de perfil coloca sin falta los dos ojos (p. 95).

    Nesse desenho, a escrita j no puramente externa, como sendo uma cpia

    do modo de executar a escrita feita pelo adulto, mas j demonstra um valor

    instrumental, ou seja, um valor mediador de auxlio ao pensamento e comunicao,

    adquirindo um aspecto funcional da escrita, uma vez que as letras anotadas pelo

    sujeito nos mostram uma tentativa de colocar uma idia O Papai Noel d presente

  • 34

    para todos , representada de uma maneira no muito distante da considerada

    convencional (anotada ao lado pela sua me).

    Na mesma figura, os ps e as orelhas ganham representao e o formato dos

    dedos ainda est marcado pelas tentativas de acertos, pois nesse grafismo eles se

    assemelham a pequenas serras, diferentemente do desenho aprese