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AGÊNCIA, ESTRUTURA E OBJETOS ARTÍSTICOS: DILEMAS METODOLÓGICOS EM SOCIOLOGIA DA ARTE Jorge Ventura de Morais 1- Paulo Marcondes Ferreira Soares 2 Resumo : Neste trabalho analisamos algumas das mais importantes correntes sociológicas no campo da arte no que concerne ao clássico dilema das ciências sociais: agência vs. estrutura. Mostramos que as várias abordagens neste campo – tentando fugir do personalismo romântico presente nas análises de estetas e historiadores da arte – terminam por privilegiar comumente um dos pólos deste dilema: a estrutura do mundo artístico. Assim, autores como Howard Becker ou Janet Wolff, ou mesmo Pierre Bourdieu, privilegiam as estruturas em detrimento de uma concepção mais apurada, do ponto de vista sociológico, do artista enquanto agência. Uma contribuição recente – a de Vera Zolberg – chama a atenção para a necessidade de uma abordagem em que se leve em conta também a agência, no caso, o artista. No entanto, contestamos os trabalhos de ambos os lados. Embora concordemos que é necessário, ao lado da estruturas dos mundos artístico e exterior, considerarmos o artista como agente dotado de certas características (reflexividade e estrategização, entre outras), sustentamos a tese de que a velha dicotomia não fornece meios adequados para análise do mundo artístico, dado que a obra de arte tem sua própria autonomia e que independe, até certo ponto, é óbvio, tanto de artistas, estetas e historiadores de arte, por um lado, e das estruturas, de outro. Neste sentido, podemos afirmar que, em lugar de um modelo dicotômico, precisamos de um modelo tricotômico. 1. INTRODUÇÃO Pode-se afirmar que, em geral, os cientistas sociais brasileiros têm dado pouca atenção às artes e ao mundo artístico como campo de investigação científica. No Brasil, os estudos devotados ao tema da arte têm sido de autoria de críticos nem sempre sociologicamente informados. O importante livro Imagens Negociadas, de Sérgio Miceli, é uma exceção que confirma a regra. Porém, há de se ressaltar que não estamos sozinhos neste tratamento avaro de um interessante espaço de investigação sociológica. Mesmo em países da Europa e nos EUA parece haver uma suspeita mútua entre artistas e cientistas sociais, o que resulta 1

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AGÊNCIA, ESTRUTURA E OBJETOS ARTÍSTICOS: DILEMAS METODOLÓGICOS EM SOCIOLOGIA DA ARTE

Jorge Ventura de Morais1- Paulo Marcondes Ferreira Soares2

Resumo: Neste trabalho analisamos algumas das mais importantes correntes sociológicas no campo da arte no que concerne ao clássico dilema das ciências sociais: agência vs. estrutura. Mostramos que as várias abordagens neste campo – tentando fugir do personalismo romântico presente nas análises de estetas e historiadores da arte – terminam por privilegiar comumente um dos pólos deste dilema: a estrutura do mundo artístico. Assim, autores como Howard Becker ou Janet Wolff, ou mesmo Pierre Bourdieu, privilegiam as estruturas em detrimento de uma concepção mais apurada, do ponto de vista sociológico, do artista enquanto agência. Uma contribuição recente – a de Vera Zolberg – chama a atenção para a necessidade de uma abordagem em que se leve em conta também a agência, no caso, o artista. No entanto, contestamos os trabalhos de ambos os lados. Embora concordemos que é necessário, ao lado da estruturas dos mundos artístico e exterior, considerarmos o artista como agente dotado de certas características (reflexividade e estrategização, entre outras), sustentamos a tese de que a velha dicotomia não fornece meios adequados para análise do mundo artístico, dado que a obra de arte tem sua própria autonomia e que independe, até certo ponto, é óbvio, tanto de artistas, estetas e historiadores de arte, por um lado, e das estruturas, de outro. Neste sentido, podemos afirmar que, em lugar de um modelo dicotômico, precisamos de um modelo tricotômico.

1. INTRODUÇÃO

Pode-se afirmar que, em geral, os cientistas sociais brasileiros têm dado pouca atenção às artes e ao mundo artístico como campo de investigação científica. No Brasil, os estudos devotados ao tema da arte têm sido de autoria de críticos nem sempre sociologicamente informados. O importante livro Imagens Negociadas, de Sérgio Miceli, é uma exceção que confirma a regra.

Porém, há de se ressaltar que não estamos sozinhos neste tratamento avaro de um interessante espaço de investigação sociológica. Mesmo em países da Europa e nos EUA parece haver uma suspeita mútua entre artistas e cientistas sociais, o que resulta

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em poucos estudos dentro das ciências sociais sobre a arte e o mundo artístico.

Assim, o objetivo deste artigo é apresentar criticamente algumas contribuições para uma sociologia da arte, desenvolvidas por sociólogos e historiadores da arte, de forma a contribuir para difundir no meio acadêmico brasileiro um maior interesse por esta subdisciplina. Para alcançarmos tal objetivo, apresentaremos algumas discussões sobre o que seria uma sociologia da arte. Logicamente, nosso objetivo foi o de esboçar um panorama de estudos sobre problemas teóricos e metodológicos da sociologia da arte, sem, contudo, querer esgotar a questão. Ao invés disso, tomamos, por exemplo, apenas alguns trabalhos que consideramos pontuais, a fim de tê-los como pretexto para o tratamento de importantes aspectos envolvidos na elaboração de uma discussão sobre sociologia da arte.

2. O QUE É SOCIOLOGIA DA ARTE?

Os estudos sociológicos devotados à arte podem, grosso modo, ser divididos entre aqueles que buscam uma compressão das condições histórico-sociais que explicam a criação de uma dada obra artística e aqueles que propõem uma abordagem sintética em que se privilegie tanto problemas externos quanto internos da obra de arte.

É possível mencionar também um corpo de estudos cuja preocupação central está mais relacionada com a interpretação da própria obra artística em termos propriamente estéticos. No entanto, este corpo teórico não será aqui tratado por se circunscrever mais especificamente à crítica e à história da arte.

No que se refere às correntes aqui abordadas, no primeiro caso, a obra artística, em si, não é examinada, mas tão somente o ambiente social que permitiu a gênese da mesma. Ou seja, as condições externas são o foco analítico em que dada obra de arte foi criada. Talvez o estudo mais típico neste tipo de abordagem seja o de Howard Becker (19xx), embora devamos apontar para o fato de que há uma gama variada de subcorrentes, entre elas a marxista, nesta corrente mais geral.

Em segundo lugar, pode-se destacar uma corrente que advoga que os cientistas sociais deveriam adquirir mais conhecimentos estéticos – aqui o modelo de analista social é Theodor Adorno, que

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também era músico e compositor – e perder o medo de tratar as questões estéticas, por reconhecer que há uma irredutibilidade de tais questões a análises sociológicas, políticas, históricas etc, e por considerar que a obra de arte em si pode ser objeto de análise sociológica.

Ao tratar destas questões, o cientista social deveria, então, relacioná-las às condições sócio-históricas envolvidas na criação da obra de arte. A obra sobre música contemporânea de Theodor Adorno e, mais recentemente, os trabalhos de Robert Witkin (1995 e 1997) e de Vera Zolberg (1990) podem ser considerados como os representativos desta corrente.

2.1 MARXISMO E SOCIOLOGIA DA ARTE

2.1.1 A visão de Janet Wolff

O marxismo, quase sempre orientado para um tipo de abordagem externalista da obra artística, tem em Janet Wolff uma de suas mais importantes defensoras como instrumental teórico-metodológico para construção de uma sociologia da arte. Com efeito, nos anos 70 e 90 multiplicaram-se os estudos que pretendiam explicar a obra de arte tendo o marxismo como área importante da teoria social. Porém, a maioria desses estudos não conseguiu escapar da influência do althusserianismo.

Em um de seus primeiros trabalhos, publicado originalmente em 1981, Janet Wolff mostra tal influência. No entanto, pode-se ali rastrear uma tentativa de estabelecer uma sociologia marxista mais sofisticada e sistemática da arte, que dê conta, dentro deste marco teórico, da grande diversidade de questões estéticas apresentadas pelo universo artístico. Porém, como sua abordagem se encontra, de início, mapeada pelo cabedal marxista, Wolff não consegue estabelecer uma esfera relativamente autônoma para a estética, visto que ela não escapa da consideração da determinação “em última instância” das condições sociais – para não dizer a economia – sobre a obra de arte.

Mas o que seria uma sociologia da arte em termos marxistas? O primeiro ponto que Wolff estabelece, na tentativa de introduzir a perspectiva sociológica como fundamento para a compreensão adequada dos fenômenos artísticos, é o da arte como produto social. Sendo assim, uma sociologia da arte deveria focar sobre questões de produção, distribuição e recepção da obra de arte

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(Wolff, 1993a, prefácio à 1a edição). Em torno desta premissa e destas questões gira uma outra que diz respeito ao problema do autor ou do artista. A autora defende que é tarefa da sociologia desmistificar “noções do artista-como-gênio”.

Assim, todo trabalho de Woff centra-se na premissa de que é impossível entender qualquer obra de arte sem se considerar que a mesma é situada e produzida historicamente. Em outras palavras, a obra de arte, mesmo considerando os poderes criativos e individuais dos artistas, não pode ser vista como resultado de uma “inspiração divina inata ao gênio”, no caso, o artista.

Está, assim, colocada a velha oposição entre ação e estrutura, ou melhor, entre estrutura e criatividade. Porém, Wolff argumenta que, a seu ver, não há necessariamente uma tensão entre estes dois pólos já que é tarefa de uma sociologia marxista da arte mostra a mútua interdependência entre eles.

A autora deixa claro, no início de sua obra, que não acredita ser possível reduzir o problema da “beleza” e do “mérito artístico” a fatores sócio-políticos (p.7). No entanto, toda a sua análise subseqüente é a busca pela demonstração de que a arte é essencialmente um produto social já que toda e qualquer atividade no mundo artístico, seja criativa ou mesmo inovativa, pode ser explicada pelas numerosas condições sociais.

No entanto, é necessário chamar a atenção para o fato de que Wolff defende uma visão de que as estruturas são também determinantes, em termos positivos, no sentido de permitirem aos atores a consecução de certos atos – ou obras – e de que os artistas não são meros autômatos que agem de acordo com o que a estrutura lhes manda.

Por outro lado, embora tenha argumentado em favor da mútua interdependência entre agência e estrutura, a autora deixa a impressão de ser mais favorável à idéia da inadequação e do erro analítico do uso da categoria de “sujeito” ou de “agente”, do que daquela posição da determinação estrutural – não estabelecendo, assim, uma visão de síntese entre estrutura e criatividade. Basta ver que ela se posiciona bem ao lado da posição anti-humanista althusseriana contra a posição “humanista”, por ela caracterizada de “simplista”, além de acusar ser esta a visão de Weber e Durkheim. Aliás, a autora termina por creditar paixão humanista aos críticos do anti-humanismo (p.14).

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Na tentativa de solucionar tais problemas, que emergem naturalmente de uma abordagem sociológica da arte, e mais ainda de uma sociologia marxista – segundo sua própria afirmação, por sociologia, em seu livro, entenda-se materialismo histórico –, Wolff não consegue mostrar como operariam os artistas nas estruturas sociais tal como divisadas por ela.

Ainda nessa direção, a autora vai argumentar pela inutilidade da tentativa de se distinguir entre trabalho artístico e quaisquer outros tipos de trabalho. Para ela, em todas as áreas da vida pessoal e social, a atividade prática, incluindo a criativa e inovadora, tem a mesma configuração (p. 14).

Isto se mostra bastante evidente, quando ela procura exemplificar, de modo ainda mais específico, a natureza da produção artística citando o trabalho “Como Escrever Versos” de Vladimir Maiakovski. A princípio, pode-se afirmar deste trabalho que Maiakovski o escreveu, rigorosamente, com um claro objetivo panfletário e, conseqüentemente, a partir de uma visão reducionista do trabalho artístico. Em outras palavras, neste ensaio Maiakovski defende a idéia de que a obra de arte – visão completamente aceita por Wolff – é pura manufatura, o que implica em dizer que, em se controlando e manipulando uma série de técnicas, qualquer um seria capaz de escrever boa poesia. Tal posição leva Wolff a defender a questionável visão de que o texto de Maiokovski

“é um conjunto de instruções para se escrever boa poesia, o que implica que os maus poetas não seguem estas instruções, mas trabalham de forma não sistemática e não crítica, derivando suas idéias de lugar nenhum e anotando-as no papel sem a devida atenção ao processo produtivo” (p.13).

Assim, podendo ser a obra de arte concebida como um produto social, Wolff argumenta a necessidade de se analisar uma série de instituições sociais de modo que o cientista social observe os “processos e condições... que tornam possível a produção [da obra de arte] e aqueles que determinam seu curso subseqüente” (p.41).

Neste sentido, argumenta Wolff, faz-se necessário analisar: 1) o processo de recrutamento e treinamento dos artistas; 2) sistemas de patronagem; 3) o papel dos mediadores (editores, críticos, donos e diretores de galerias etc).

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Finalmente, Wolff chama a atenção para o problema da arte como sociologia. Isto pode ser colocado de forma simples, ou seja, “obras de arte, sendo produtos sociais feitos por determinados grupos sociais, trazem [em si] as idéias, valores e condições de existência destes grupos, em particular de seus representantes, os artistas” (p.49).

2.1.2 A Visão de Raymond Williams

Williams é, sem dúvida, um dos mais importantes teóricos marxistas dos estudos culturais e literários. Seu materialismo cultural não só se encontra filiado ao materialismo histórico, como procura ser uma teoria dos elementos específicos da produção cultural e literária. Por outro lado, como reconhece Williams, isto se dá de um modo um tanto diferente do que normalmente se tem caracterizado como teoria marxista, mesmo considerando “muitas de suas variantes”. Para ele, contudo, relevando-se uma certa “estranheza de alguns de seus elementos”, sua teoria participa claramente do “pensamento central do marxismo” (1979, p.11-2).

No seu livro Cultura (1992), Williams vai assinalar que a necessidade de se elaborar uma moderna sociologia da cultura deve reconhecer, antes de tudo, uma nova forma de convergência para o conceito de cultura: seja num sentido antropológico e sociológico de distintos modos de vidas globais, onde um “sistema de significações” se mostra “essencialmente envolvido em todas as formas de atividade social”; seja num modo mais específico de um “sentido especializado”, em que o conceito de cultura passa a se referir mais detidamente aos fenômenos artísticos e intelectuais (p.12-3).

Nos seus próprios termos, o autor assinala que o livro foi escrito sob o signo dessa convergência. A ponto de alguns capítulos estarem nitidamente orientados para questões globais, enquanto outros procuram centrar sua atenção mais nitidamente sobre as artes. Com efeito, a “ampliação e entrelaçamento dos sentidos de cultura” orientados pela nova convergência da moderna sociologia da cultura, na forma dos estudos culturais, caracteriza-se como um “ramo da sociologia geral”. Como tal, diz o autor:

“Sua abordagem global requer [...] novos tipos de análise social de instituições e formações especificamente culturais, e o estudo das relações concretas entre estas e os meios materiais de produção cultural, por um lado, e, por outro, as formas culturais concretas. O

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que congrega tudo isso é, distintamente, uma sociologia, mas, nos termos da convergência, uma sociologia de novo tipo” (p. 14).

E mais:

“A nova sociologia da cultura pode ser vista como a convergência e, até certo ponto, a transformação de duas nítidas tendências: uma dentro do pensamento social geral e, portanto, especificamente da sociologia; outra, dentro da história e da análise culturais” (idem, ibidem).

Mas, uma sociologia da cultura não pode ser apreendida sem uma discussão a propósito das relações da sociologia com as ciências da cultura. O autor aponta duas tendências presentes no debate cultural que, em geral, se apresentam de modo um tanto excludente ou de pouco diálogo entre si. De um lado, a tradição que distingue as ciências culturais das ciências naturais – em que a interpretação das formas sócio-culturais tem sua centralidade no conceito de verstehen. De outro, a ênfase recai sobre o modelo heterônomo de explicação da “organização social” pela identificação de leis gerais – princípio nomotético baseado nas ciências naturais.

A crítica de Williams sobre os métodos interpretativo e positivo recai sobre a consideração de que: no primeiro caso, pode-se tanto cair numa insuficiência explicativa, quanto “recorrer ao ‘espírito formador’ (teoricamente circular) para fins de explicação”; no segundo caso, a acumulação de dados empíricos não garantia graus de consciência suficiente para a detectação de “alguns dos processos culturais menos palpáveis” (p.15-6).

Como observa o autor, ambos os métodos ainda gozam de grande vigor no presente, embora o método observacional encontre maior interesse, pelo menos nos países anglo-saxônicos. Com efeito, o autor destaca “três tipos de estudo de interesse” relativamente ao método observacional: o interesse pelas “instituições sociais e econômicas da cultura” e o que daí resulta como produto – “seu conteúdo” e “seus efeitos” (p.16).

A tradição alternativa à sociologia observacional o autor a identifica numa “convergência” entre “teorias sociais da cultura e teorias e estudos mais especificamente filosóficos, históricos e críticos sobre a arte” – tendência que Williams observa na tradição alemã e na tradição marxista, sendo que esta última participa mais detidamente de seu interesse (p.17). Para ele, o surgimento da tradição

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alternativa se dá em íntima relação com a história e a crítica, uma vez que seus estudos apresentam uma nítida orientação à arte e à cultura “concretas em questão”; contudo, delas se distingue ao introduzir “conceitos sociais ativos como elementos necessários de descrição e de análise” (p.20). Com efeito, tais estudos são apontados pelo autor como coincidentes com a “atual sociologia cultural” (idem, ibidem).

Williams destaca em tais estudos as ênfases dadas às “condições sociais da arte”, ao “material social na obras de arte” e às “relações sociais nas obras de arte”. Notadamente, essas ênfases têm relação com áreas do saber (quase sempre como modo de “uma divisão teórica”) tais como a história, a sociologia, a psicologia e, como destaque dado pelo autor, ao pensamento marxista – essas áreas, muitas vezes, estabelecem níveis de contato ou de hostilidades entre si.

No que se refere às condições sociais da arte, é no marxismo que sua ênfase é mais detidamente cultivada - ainda que goze de certo interesse por parte da estética, da psicologia e da história; com referência aos elementos sociais na arte, é o próprio “conteúdo de uma sociologia da cultura”, embora presida o debate marxista sobre a relação infra e superestrutura; por fim, as relações sociais da arte despertam claro interesse ao debate sobre infra e superestrutura, particularmente, pelo fato de que tal debate leve necessariamente à consideração do tratamento da arte como reflexo ou da arte como processo de mediação (p.22-3).

Outra questão central apresentada por Williams, diz respeito ao tratamento de um importante e polêmico ponto a ser tratado pela sociologia da cultura: o conceito de ideologia. Sobre esta questão, Williams trabalha dois sentidos importantes para a análise cultural: a concepção de ideologia como “crenças formais e conscientes de uma classe ou de outro grupo social” e a concepção de ideologia como “a visão de mundo ou perspectiva geral característica de uma classe ou outro grupo social” (p.26).

No primeiro, trata-se de princípios ou posições gerais ou, até, dogmas; no segundo, além de incluir as crenças formais e conscientes (primeiramente), inclui “atitudes, hábitos e sentimentos menos conscientes e menos articulados” ou, mesmo, “pressupostos, posturas e compromissos inconscientes” (Idem).

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Para o autor, o primeiro tópico é um caminho válido, mas não suficiente para a análise cultural; sendo necessário que a análise se estenda em dois sentidos: primeiro, para “a área dos sentimentos, atitudes e compromissos” que são os aspectos menos conscientes ou inconscientes menos palpável; mas que são, bem mais amplo ainda, os que revelam a cultura em mudança face aquilo que, como crenças formais e conscientes, aparentam perdurar. Assim, em mediação ao que chama de “coloração global vívida” (crenças formais e conscientes), há uma “prática social concreta” (cotidiana, difusa, menos consciente, inconsciente), “culturalmente específica” e “analiticamente indispensável” (Idem).

O segundo sentido da análise cultural, o autor o encontra na necessidade de um procedimento analítico que se estenda até a “área manifesta da produção cultural” que, pela “natureza de suas formas”, não é exclusivamente apenas expressão das “crenças formais e conscientes” – visto que além da filosofia, religião, teoria econômica, teoria política ou direito, também é teatro, ficção, poesia, pintura: que também atuam por formas menos conscientes e inconscientes que se expressam como sentimentos, pressupostos, compromissos (idem).

Dentre os pontos de destaques apresentados pelo autor em seu estudo, dois merecem particular atenção, posto que levam a reflexão a propósito das relações entre processos de criação e institucionalização: são os itens sobre Instituições e Formações. Aí, Williams começa por estabelecer certas distinções das características básicas presentes nas relações entre instituições e formações.

Com efeito, existiriam, assim, “relações variáveis entre ‘produtores culturais’” e “instituições sociais reconhecíveis” e “variáveis em que os ‘produtores culturais’ têm sido organizados ou se têm organizado eles próprios, suas formações” (p.35). Mas Williams reconhece como “operacional” esse tipo de distinção, possibilitando assim abordagens mais variadas “da questão das reais relações sociais da cultura” (idem, ibidem). Com isso, não quer o autor negar elos significativos ou causais no que respeita aos processos “institucionais” e “formacionais”; para ele, é necessário estar consciente para o fato de que, se existem “vinculações culturais significativas [...] do estudo das instituições”, também é verdade que em “alguns casos importantes” a “organização cultural” não tem

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sido institucional: como é o caso dos independentes, dos dissidentes (idem, ibidem).

Quanto aos grupos, eles podem se apresentar em sua formação como formais e informais, tradicionais e dissidentes: uma sociologia de “formações” tem de levar em conta tanto a “história geral” quanto os “estudos individuais mais específicos”. Por outro lado, a importância do estudo das formações está no fato de nos possibilitar preencher a grande lacuna existente entre “a história geral e a sua associação a cada uma das artes e dos estudos individuais. Por exemplo, o autor fala de “relações sociais de assimetria” entre “autoridade cultural e independência cultural”, advindas dos “novos meios de produção e reprodução” (p.52). Essas relações de assimetria encontram-se marcadas pelo que Williams chama de “fatores em integração”, tais como a cultura e o mercado juvenis e a produção cultural antitradicional, de um lado e, de outro, a tensão aí causada pelas relações com o “Estado” e com a “produção cultural tradicional” (p.68-74).

2.2 HOWARD BECKER E “ARTE COMO AÇÃO COLETIVA”

A abordagem de Becker é, seguramente, o exemplo mais claro de uma sociologia da arte em que a própria obra artística não tem muita importância. Em outras palavras, Becker propõe uma abordagem sociológica externalista no trato do objeto artístico.

Em um importante artigo Becker (1974) propõe que se considere a obra de arte como um produto de uma cadeia de cooperação que envolve não somente o artista (por mais genial que seja), mas também um mercado distribuidor (marchards, galerias, museus) e um público minimamente habilitado a entender as obras produzidas neste circuito.

Para Becker, o mundo artístico opera a partir de convenções sociais que distinguem, dentre aqueles que cooperam na criação, quem deve ser chamado de artista e quem deve ser considerado como pessoal de apoio. Neste sentido, o artista perde a aura de gênio herdada do renascimento e reforçada pelo romantismo, e passa a ser, na divisão do trabalho, alguém eleito como tal. Com exemplo, Becker chama a atenção para artistas que simplesmente planejam a obra de arte, enquanto que outros (artesãos, mestres etc) realizam-na.

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Mas, o caráter cooperativo da obra de arte vai além da mera divisão do trabalho entre os aqueles chamados de artistas e o pessoal de apoio. Envolve também os meios de distribuição e divulgação (galerias, museus, revistas especializadas), como também o público consumidor. É assim que faz sentido a idéia de Becker, expressa acima, de que a fruição de uma obra artística só é possível se há meios de circulação que criam (ou educam) um mercado consumidor (p.771). Em outras palavras, o mundo artístico – isto é, artistas, pessoal de apoio, meios de distribuição e divulgação, público – opera a partir de convenções (um conceito importante no esquema aplicativo de Becker).

É a partir das convenções que se atribui o papel de artista a um determinado membro da cadeia de cooperação e a outros o papel de coadjuvantes, assim como se estabelece entre o artista e o público (p.771).

Finalmente, é partir destas convenções e cadeias de cooperação que se pode explicar o surgimento de inovações artísticas. Distanciado-se das explicações que interpretam as chamadas “revoluções artísticas” como produto de artistas geniais insatisfeitos com os padrões artísticos dominantes em suas sociedades, Becker, partindo da suposição de que “apesar de padronizadas, as convenções raramente são rígidas e imutáveis”, interpreta tais “revoluções” simplesmente como novas formas de organização (ou melhor, reorganização) de materiais e práticas já existentes. Para ele, as convenções tornam o trabalho artístico mais rotinizado, menos custoso no que respeita à tomada de decisões e sua circulação mais fácil. Já as inovações – enquanto se tornam elas próprias convenções –, no que se refere ao artista, somente trazem algumas alterações na rotina, tornam a tomada de decisão um pouco mais custosa e diminuem a circulação das obras.

Por outro lado, o entendimento de Becker é o de que as convenções não são apenas sistemas complexos de atividades interdependentes, que são tanto causa de restrições quanto produto de escolha e negociação, visto que há flexibilidade das convenções; para ele, fundamentos estéticos, pautados em crenças morais, são a base de composição das convenções. Nesse sentido, a adesão ou a ruptura com uma convenção se traduz como uma adesão ou ruptura com uma estética – e, assim, muito provavelmente, como uma crença moral.

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Por fim, Becker observa uma relação de interdependência entre decisões estéticas e meios. Com efeito, convenções artísticas podem sofrer mudanças dependentemente, também, do quadro delineado de outras modalidades da aquisição de recursos. Herdeiro do legado interacionista da Escola de Chicago, o autor percebe que a organização social e a estrutura social não passam de metáforas, cuja finalidade é a da indicação de tipos regularidades das ações coletivas. Estas, por sua vez, assim como o que produzem, compõem as unidades conceituais e empíricas básicas da investigação sociológica.

2.3 Francastel e os problemas de uma sociologia da arte

Francastel inicia a sua discussão sobre os problemas de uma sociologia da arte, identificando a carência da sociologia e dos sociólogos quanto a uma atenção mais adequada e um melhor domínio e iniciação ao “sistema de sinais” que envolve o mundo da arte. Diante disso, o autor se propõe esboçar o que seria um programa de sociologia da arte, mais do que fazer um balanço da situação. De início, ele advoga que, assim como “todos os demais ramos da Sociologia”, o progresso da disciplina se dará por meio de conceitos e material de investigação teórica e empiricamente orientada (p.12).

Para ele, os melhores livros sobre a questão arte e sociedade não se apresentam sob a denominação de sociologia da arte. Esse fato o autor reputa aos “espíritos lúcidos” que, não sendo especialistas, são dotados de significativa “consciência sociológica” e “inteligência conceptual” (p.13).

Já a maioria das obras sociológicas analisa a “matéria artística” pôr um reducionismo sociológico ou a usam como justificativa de teses levantadas noutra área do conhecimento sociológico (idem, ibidem). No primeiro caso das referências tomadas por Francastel, a respeito do reducionismo sociológico, temos os estudos de Hauser, Sorokin e dos métodos estatísticos; no segundo, tocante à heteronomia das teses apresentadas, temos a referência a Antal: onde faltaria a idéia de uma ação recíproca entre as artes e a sociedade (p.14-5). Consoante o autor, em Antal a arte aparece como instrumento, não como expressão de um grupo (p.15). Antal seria, assim, um prolongamento da Escola de Viena – que, em todo caso, refletiu sistematicamente sobre o papel da arte na sociedade.

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A Escola de Viena se definiria em duas perspectivas: ora, a visão da história autônoma da arte: as obras são atividade privilegiada e especulativa no que toca especificamente ao espírito; ora, o reconhecimento da arte como parte da história das idéias e da história do espírito, ainda que, aqui, se afirme a autonomia como o valor positivo da arte (p.15-6).

E embora Francastel reconheça o valor sociológico de certas correntes da Escola de Viena, considera que o mesmo foi dominado por uma concepção cada vez mais filosófica de estética. Para ele, o que figura como principal dificuldade de constituição de uma sociologia da arte por todas essas tentativas ressaltadas, diz respeito à constituição de concepções de arte como atividade autônoma, mas, apreendida como relações passivas ou dependentes para com a sociedade. Para ele, o que faltou foi uma “concepção da complementaridade das atividades artísticas e das outras atividades materiais ou mentais da sociedade” (p.16).

Deve-se tomar a sociologia da arte não como instrumento de estudo do “corpo social” total; mas procurar o que na arte se pode apreender como “laços mais ou menos duráveis que unem os diferentes elementos do corpo social em ação”, em sua “gênese” e “perpetuidade” (p.16). Não se pode pensar a sociologia da arte como justificativa “a posteriori de teorias gerais”; mas, “como uma problemática”, em que se definam questões das especificidades técnicas e mentais da arte (com referência, aqui, às artes plásticas), como “meio original de expressão” (p. 16-7).

Como “problemática do imaginário”, a sociologia da arte definirá as “estruturas originais do objeto” figurativo e suas relações com “outros produtos da técnica e da imaginação”. Caberia à sociologia da arte, assumir “problemas múltiplos” na delimitação dos fatos, de uma “realidade objetiva”, a partir daquilo que o autor caracteriza como o “conjunto das atividades cuja complementaridade e intrincamento permanente definem [os] corpos, em movimento perpétuo, que sãos as sociedades” (p.17).

Em termos especificamente estéticos, o que o autor considera igualmente decepcionante nos trabalhos dos sociólogos é a sua dependência de uma visão essencialista da arte como “sistema de sinais independentes” e sem implicações sociais, uma espécie de “natureza profunda”, largamente difundida pelos historiadores da arte. As origens desse pensamento remontam ao simbolismo e ao neo-romantismo (p.17-8). Em seu modo de ver, essa concepção de

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natureza profunda da arte liga-se a uma tradição de concepção estética fincada menos na arte e mais a uma concepção que vê a arte como instrumento e acessório (p.18).

Em contrapartida, para o autor, assumiu-se uma posição essencialmente formal da arte, que passou a considerar o artista como aquele que se identifica com certos aspectos do seu tempo e que se expressa coerentemente a ele, na forma de “visão de mundo”. A arte seria a pura corporificação de um “mundo de idéias” (p.18-9). Nesse caso, a arte se apresenta como a expressão individual e sensível de uma realidade sócio-histórica – com isso, distingue-se forma e conteúdo, a partir de uma concepção formalista e de arte-reflexo (Lukács e Goldmann, p. ex.). Tal concepção formalista se dá seja no nível estético, seja no nível sociológico (p.19). Aqui, conceitos e valores encontram-se fora do artista, participando como seu condicionamento.

Mas há um terceiro aspecto a considerar, o da autonomia absoluta da arte – a arte como valor simbólico. Francastel critica Croce por rejeitar, p. ex., qualquer relação entre o social e o estético (p.19). Croce, por sua vez, rejeita a concepção formalista e assume uma estética ou poética personalista (p.19-20). A posição de Francastel é a de não se identificar com a tese formalista da associação direta da arte com os “valores comuns da sociedade e do pensamento”, posto que, aqui, não se põe em questão a especificidade da arte. Para ele, a arte é simultaneamente “modo de compreensão” e “modo de ação” na “totalidade da experiência”. É “atividade material e simbólica” não limitada à “elaboração de objetos não-usuais”, mas ligada às mais diversas modalidades de ação. A arte não pode, por fim, ser reduzida ao personalismo e ao simbolismo. Em seus termos: cria um sistema próprio de sinais; “é criadora, ao mesmo tempo, de técnicas, de representações e de instituições” (p.20).

Quanto ao objeto figurativo, o autor se propõe esclarecer certos aspectos da análise da obra “relativamente à gênese e ao papel social da obra”. Como primeiro ponto a ressaltar, ele faz a distinção entre imagem, figura, forma e a complexa noção de objeto figurativo (p.21). Com efeito, um dos principais aspectos apresentados pelo autor, diz respeito a como a ilusão de se ver uma obra instantaneamente, está ligada ao fato de que o “reconhecimento” da imagem não se dá por uma “experiência visual”, mas por um “saber intelectualizado”. O significado de uma obra pode não está relacionado aos “caracteres intrínsecos da obra, mas àqueles que

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uma tradição que passou através do verbal atribui mais ou menos com justeza” à obra (p.22).

Com essa crítica, Francastel quer reconhecer “coordenadas objetivas da obra de arte”: cores, escalas, “ligações de toda espécie, que relacionam tanto as partes de uma tela como os elementos solidários de uma construção” (p.22-3). No tocante a distinção entre imagem e objeto figurativo, o autor assinala o reconhecimento dos caracteres e aspectos de uma obra, que não possibilita uma única e imediata interpretação. Sendo a obra objeto de várias interpretações, visto que toda forma de representação figurativa e artística possui um médium, ou o que ele chama de sinal-ralais, capaz de se interpor, no âmbito de um “sistema de sinais fixos ou móveis”, entre a “consciência de um criador e a de um espectador”. Para o autor, deve-se ver um quadro como um diálogo com uma experiência humana – a obra de arte fixa, a interpretação móvel. O caráter da obra de arte diz respeito tanto ao pensamento do artista quanto ao espectador (p.23-4).

Neste ponto, Francastel quer reconhecer a legitimidade do conhecimento produzido com o estudo das imagens e dos objetos, desde um ponto em que não se os confunda. Em outras palavras, o autor parece indicar o caminho de uma abordagem estrutural baseada na homologia entre a estrutura da obra artística e a estrutura social, quando assinala que, diante do objeto figurativo, que nessa definição deve ser apreendido como objeto de civilização, deparamo-nos com “um vasto domínio que reproduz, de uma certa forma, na sua complexidade, a textura das sociedades” (p.25-6).

Por fim, Francastel vai fazer referência ao caráter de duplicidade da arte, cujo significado pode representar, para um dado grupo, a função de “memória” ou de “projeto” que, não sendo propriamente excludentes entre si, se apresentam como expressão da autonomia “entre as atividades comuns da sociedade”. Sua afirmação está ancorada numa obviedade, a de que o sentido dos objetos criados pelos homens encontra-se vinculado às suas atividades socializadas. Contudo, para ele, o duplo sentido em que os objetos figurativos são criados é o da “manutenção das estruturas” mantenedoras da sociedade ou a “antecipação de outras estruturas que integram as atividades de um grupo à experiência pessoal de um indivíduo”. Por outras palavras, a arte pode atuar segundo um parâmetro de coesão ou dissociação social. Com efeito, a arte se

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manifesta, simultaneamente, tanto em nível concreto quanto abstrato: seja realizando “objetos representativos das crenças mais sólidas de um grupo” ou criando “esquemas de representação imaginários” (p.29-30).

Mas há uma outra instância em que se manifesta o duplo aspecto da arte: em termos de “técnica”, de um lado, e de “operações intelectuais”, de outro. O primeiro aspecto parece ser o que se apresenta estritamente enquanto linguagem, em suas tecnicabilidades, exigindo destreza e iniciação aos que atuam nessa esfera ou procuram compreendê-la – sendo, pois, o mais desconhecido; ao passo que o segundo ponto é o que procura definir a essência da arte e determina o “seu papel na sociedade” – inclusive, com certo grau de elementos especulativos e valorativos (p.30). Com isso, Francastel procura denunciar a superficialidade com que se procura estabelecer analogias entre “palavras e sinais figurativos”, mais uma vez pela heteronomia do uso de recursos das linguagens verbais ou outras para explicar aspectos da linguagem figurativa. O que ele está reivindicando é a possibilidade de que a experiência plástica possa ser apreendida a partir de mecanismos próprios à sua configuração enquanto linguagem (p.31).

Uma importante crítica que se faz a Francastel, é a de que em seus estudos, reside muito mais a matriz do historiador do que a do sociólogo. Particularmente, pela ênfase que ele procura dar à característica da obra de arte como obra de civilização. Com efeito, o que parece resultar dessa perspectiva, é a consideração de um forte voluntarismo ligado ao desenvolvimento histórico das civilizações e de suas obras. E tudo isso orientado pelo método da homologia entre ambas as estruturas, a da arte e a da civilização.

Em seu programa para uma sociologia da arte, Francastel apresenta seis modalidades possíveis de análise das obras. São elas: 1) Sociologia dos grupos e tipologia das civilizações; 2) Sociologia das obras; 3) Sociologia dos objetos figurativos e dos meios de expressão; 4) Sociologia dos modos de apresentação; 5) Sociologia artística comparada: sinais e símbolos; 6) Sociologia da arte na sociedade industrializada.

2.4 VERA ZOLBERG E A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIOLOGIA DA ARTE

O primeiro ponto que salta à vista na abordagem de Zolberg (1990) é a defesa apaixonada que ela faz de uma conjunção entre as

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abordagens internalista (mais relacionada à obra dos críticos e historiadores da arte, a quem ela chama de humanistas) (p.5-8) e externalista (mais relacionada à abordagem sociológica) (p.8-11) na construção de uma sociologia da arte (p.x). Enquanto, na visão de Zolberg, a abordagem dos humanistas tende a se caracterizar pela desconsideração de quaisquer considerações sócio-históricas em que uma determinada obra de arte foi criada, os sociólogos tendem a utilizar tal objeto para discutir questões outras que não a própria arte (p.ix). De acordo com Zolberg, talvez o melhor exemplo disto seja, em relação à primeira abordagem, o catalogue raisonné (p.55), enquanto que, em relação à segunda, a obra máxima, já discutida acima, seria a de Becker, que estaria mais interessado, entre outras questões, na organização da divisão do trabalho (talvez o mundo da arte entraria aqui mais pela formação cultural de Becker) mais do que aquelas concernentes à própria arte. Para Zolberg, tal distinção permanece mesmo naqueles humanistas preocupados com uma ‘história social da arte’, pois os objetos de arte permanecem centrais na sua abordagem (p.55).

Para Zolberg, a contribuição sociológica para o entendimento das artes é fundamental, já que os humanistas tendem a “esconder” a obra de arte atrás de uma mística quase religiosa (p.12). Por outro lado, a contribuição humanística faz-se necessária porque a maioria dos sociólogos tende a reduzir a obra de arte às estruturas sociais como se aquele fosse mero epifenômeno destas, caso notório de boa parte da produção marxista (p.13-15).

Uma abordagem sintética, como defendida por Zolberg, é útil para mostrar que “julgamentos estéticos estão imersos em instituições, que tanto mantém os cânones existentes quanto servem como loci da criação dos mesmos” (p.21).

Apesar de defender tal proposta sintética, Zolberg permanece fiel à abordagem sociológica, pois tal entendimento da relação entre estética e instituições culturais serve para desmistificar a visão mitologizada do artista recorrente entre os humanistas ao mostrar que, por exemplo, um artista como Van Gogh “não era extremamente não convencional”, se comparado com artistas de períodos posteriores (p.22).

Além disso, apesar de mudanças históricas que tem acontecido desde, digamos, o Renascimento, os artistas seguem certos estágios, mais ou menos reconhecidos, em suas carreiras. Zolberg afirma que tais estágios são claramente discerníveis mesmo em

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carreiras de artistas marginais (p.24, 175-184). Vale então dizer que a criação de uma obra de arte, longe da visão mitologizada dos humanistas, é um processo social e histórico.

No entanto, isto não implica em voltar ao temos sociológicos tradicionais em que o artista “desaparece”. Para Zolberg, faz-se necessário considerar aspectos tais como talentos3, personalidade e experiência cognitiva dos artistas. Em outras palavras, a síntese se daria pela integração de aspectos estruturais (a arte está imersa em instituições sociais) com aspectos mais subjetivos (o artista passa por “processos e mecanismos de descoberta, recrutamento e socialização” [p.196]).

2.5 ARTE E ESTRUTURA SOCIAL

Completamente diferente da abordagem proposta por Wolff e outros marxistas é aquela desenvolvida por Robert Witkin. A primeira diferença diz respeito à abordagem da própria obra de arte em termos de certos problemas estéticos, que são estranhos, no mais das vezes, ao discurso sociológico que se pauta pela análise do mundo artístico, isto é, das condições sócio-históricas de produção de uma dada obra de arte.

Neste sentido, a proposta de Witkin, à primeira vista, considerando o subtítulo indicado acima, pode parecer mais uma das análises que reduzem a obra de arte às estruturas sociais. Porém, nada mais errado. É verdade que Witkin liga a obra de arte às estruturas sociais ao demonstrar o relacionamento dialético entre ambas, mas a obra de arte deixa de ser mero reflexo da realidade social, como quer certa tendência dentro do marxismo.

Numa interessante leitura de Olympia de Manet, Witkin (1997, p.117-119) ataca a interpretação marxista que Clark (1990) faz deste quadro. É interessante resumir o questionamento que Witkin faz de tal leitura para compreendermos sua proposta. Segundo Clark, a pintura moderna deveria ser questionada pela sua incapacidade de mostrar as condições do mundo capitalista.

Witkin ataca tal tese mostrando que, assim como outras obras de pintura moderna, Olympia pode ser vista como uma leitura sociológica múltipla de problemas típicos da modernidade: comodificação, alienação, racionalidade, desencantamento etc (Witkin, 1997, p.104).

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Através da análise de uma obra individual, Witkin procura demonstrar que a arte moderna – da qual Olympia de Manet é um exemplo típico – pode ser “vista como uma resposta à crescente disjunção entre relações sociais ‘instrumentais’ e ‘de solidariedade’” (p.103-107).

Mais ainda, Witkin identifica uma “configuração cultural específica na ideologia burguesa envolvendo gênero e classe social” (p.101). A partir desta identificação, Witkin procura mostrar que, diferentemente do que pensa Clark, Olympia não reflete pura e simplesmente uma condição objetiva, no nível da sociedade, de exploração da prostituta-trabalhadora, tendo, portanto, uma qualidade ‘realista’ de refletir tal como ela é.

Assim, Witkin procura mostrar que Manet, através do uso de certos ‘códigos de apresentação’, tipicamente modernistas, tais como o uso da planerialidade, a supressão da modelação clara das linhas de contorno e da interação (107, 110-112), o uso de referências culturais densas e alusivas (p.115-117) e a adaptação de técnicas pictoriais estrangeiras e exóticas (p.114-115), “subverte e desconstrói aquela configuração como um discurso da formação social” onde Olympia foi produzida.

Em outras, a construção de um discurso burguês sobre a mulher e seu papel na sociedade (capitalista), mostrando o homem como aquele que ganha o pão, ou seja, como imerso no mundo dos valores (instrumentais) e a mulher, no âmbito da família, como guardiã de relações baseadas na solidariedade, argumenta Witkin (p.119-124), é subvertida por Manet já que Olympia mostra um lado não tão ideal da face feminina no mundo moderno e capitalista, isto é, o pintor expõe a comodificação do corpo da mulher através da jovem prostituta que mira seu próximo cliente recém-chegado.

Finalmente, o caráter de classe claramente divisado por Clark é atacado por Witkin ao argumentar que Manet manipula deliberadamente símbolos identificadores de classe, pois os utilizados não nos permitem distinguir se Olympia é uma prostituta de segunda categoria ou uma cortesã de luxo (p.122). Assim, se Manet usa tais símbolos identificadores de uma origem de classe de forma não clara, como identificar ali, em Olympia, o retrato da exploração capitalista do dominado (ou dominada) pelo dominador como queria Clark?

2.6 A Sociologia das Obras Artísticas em Pierre Bourdieu

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Uma questão central que pode ser creditada ao seu pensamento sociológico Bourdieu e, em particular, aqui, à sua proposta de uma sociologia das obras, diz respeito à sua tentativa de equacionar, e superar, a polêmica da dicotomia entre estrutura e agência, que o autor denomina de abordagens objetivistas e subjetivistas ou, também, de estruturalista e fenomenológica (ou construtivista).

O autor vai nos apresentar “três modos de conhecimento teórico” que, embora distintos entre si, compartilham o fato de se oporem ao “conhecimento prático” (1983: 46). Conhecimento fenomenológico (abordagem subjetivista), tendente a considerar o “mundo social” como constituído a partir das “representações que dele se fazem os agentes” (Bourdieu, 1990, p.150-51): é o caso de Weber, Schütz e do interacionismo simbólico e da etnometodologia (Ortiz, 1983, p.8-12). Conhecimento objetivista (abordagem objetivista), perspectiva a apresentar as ações dos indivíduos como resultado exclusivo de condicionamentos estruturais: é o caso de autores clássicos como Marx e Durkheim ou de correntes como o estruturalismo.

Como recurso para superar essa dicotomia, Bourdieu procura estabelecer a mediação entre estrutura e agência, a partir da elaboração do que seria uma sociologia do conhecimento praxiológico, que é o terceiro modo, em questão, de “conhecimento teórico”.

Mas, para o autor, a interação entre atores resulta de processos socialmente estruturados: ou seja, encontra-se intimamente ligada à mediação entre as estruturas objetivas e as disposições sociais (os habitus), bem como, a relações de poder. As disposições sociais não são apenas a interiorização de normas e padrões pelo habitus, são, inclusive, os “‘esquemas generativos’ que presidem a escolha” (Ortiz, 1983, p.16), no interior do próprio modus operandi que é o habitus. Contra o que chama de pensamento substancialista, Bourdieu propõe um “modo de pensamento relacional”.

Contudo, percebe-se uma preocupação maior de Bourdieu para com os aspectos da análise estrutural, visto que sua proposta de um pensamento relacional, que ele atribui a uma contribuição da “revolução estruturalista”, deve estar montado em termos da construção de “homologias”, ponto a partir do qual se poderia apreender “um conjunto de posições sociais” em relação “a um conjunto de atividades (...) ou de bens” que apenas relacionalmente se definem (1996, p.18).

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A análise das posições sociais, em relação com as disposições (habitus) e com as tomadas de posição (“‘escolhas’ que os agentes sociais fazem nos domínios mais diferentes da prática”), se apresenta, assim, como a proposição central do método relacional em Bourdieu. A construção do espaço social se dá em função das posições sociais que agentes e grupos ocupam dependentemente da diferenciação em termos da posse global de capital: tanto o capital econômico, quanto o capital cultural. Nesse sentido, o elemento da diferenciação é um princípio básico da noção de espaço; entendendo-se por espaço, conseqüentemente, o “conjunto das posições distintas e coexistentes”. Assim, diferenças na posição ocupada no espaço social devem ser relacionadas com as diferenças de capital (econômico ou cultural) que, por sua vez, se relacionam com diferenças nas disposições (habitus), que se traduzem em tomadas de posições.

Mas os habitus gozam de uma estruturação. Ela se encontra vinculada aos princípios de classificação, que são anteriores às representações sociais, e que se encontram vinculados às condições sociais desiguais da “estrutura objetiva de distribuição dos bens materiais e simbólicos”. Com efeito, a desigualdade da estrutura objetiva de distribuição dos bens leva a um processo de relações hierarquizadas da estrutura social, reprodutoras de um “arbitrário social” (gênese social) – numa espécie de estrutura invisível. Nestes termos, os habitus, sejam sociais ou individuais, são estruturas mentais que se formam como interiorização das estruturas do mundo social, a partir das “posições sociais” ocupadas pelos agentes ou grupos, e que, embora se dê de modo subjetivo, “não pertence exclusivamente ao domínio da individualidade”, estando histórica e socialmente determinados (Bourdieu, 1990, p.158; Ortiz, 1983, p. 16-7). Os habitus devem ser vistos como “sistemas de disposições duráveis”. É o que Bourdieu caracteriza como “campo”.

O campo se define como espaço social engendrado pelas relações de poder, definidas, por sua vez, “a partir da distribuição desigual” do capital social (econômico ou simbólico), determinante que é da posição (estratégica) “que um agente específico ocupa” neste campo (Idem, p.21-2).

Para Bourdieu, deve-se apreender os “campos de produção cultural” como “espaço de possíveis” que se traduz como um “sistema comum de coordenadas”, que orienta a todos os agentes

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envolvidos no jogo objetivo de relações inteligíveis: em particular, no tocante às posições e tomadas de posições no interior do campo social.

Definindo seu método em termos de “espaço dos modos possíveis de analisar as obras culturais”, Bourdieu vai assinalar o que ele caracteriza como “uma primeira e bem conhecida divisão” das obras literárias, a saber: a da oposição entre “explicações externas” (“redução ao contexto”) e “interpretações internas” ou “formais” (“a obra como texto”). Para o autor, ambas as formas de abordagem se apresentam de maneira insuficiente, visto que perdem o caráter relacional que deve envolver o modo de pensar aplicado ao espaço social dos produtores (1996, p.54-61).

Bourdieu assinala que a “leitura interna” da obra é processada por literatos e filósofos, não se constituindo tanto em um “corpo de doutrina”, mas permanecendo em “estado de doxa”, segundo a lógica do campo de saber que é a “instituição universitária”. Nesse sentido, o que se encontra identificado aqui é o pressuposto de uma “produção ‘pura’” do campo literário, um essencialismo poético: a partir da qual seria possível, no modo de uma “absolutização do texto”, estabelecer a “leitura ‘pura’” da “literatura ‘pura’”. Mas, como ressalta o autor, tais pressupostos são historicamente constituídos e não estruturas a-históricas.

No tocante à orientação seguida pela análise externalista da “redução ao contexto”, Bourdieu assinala a tendência a estabelecer a relação entre a obra e o contexto social em termos de uma “lógica do reflexo”. Nesse sentido, vincula-se a obra às condições sociais do autor e/ou do público. Esse modelo de análise externa pode se manifestar seja na forma de um método biográfico ou de uma análise estatística ou, ainda, no típico modo de análise de “inspiração marxista”. No primeiro caso, tende-se a vincular o caráter explicativo da obra às características biográficas do autor; no segundo, traça-se as “características estatísticas” dos escritores, segundo princípios “pré-construídos” (categorias distintas, momentos distintos etc.); no terceiro, estabelece-se a vinculação das obras aos condicionamentos de classe e aos processos ideológicos da visão de mundo.

O modelo de Bourdieu da teoria do campo esforça-se, assim, a ser uma tentativa de síntese que visa superar a dicotomia que preside os modelos anteriores. Para ele, a prevalência atribuída à análise das funções tende a negligenciar a “lógica interna dos objetos

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culturais”, ao passo que uma análise exclusiva da obra como autonomia absoluta da lógica interna leva ao não reconhecimento dos “grupos que produzem esses objetos [...] através dos quais eles também preenchem funções” (Idem, p.60).

Bourdieu advoga um modelo de campo enquanto espaço social de produção, fundado num “modo de pensar relacional”, que se apresente nos termos de um microcosmo social, que se define como o espaço social onde se produzem “obras culturais”. Nesse sentido, o microcosmo social está relacionado à idéia de campo (artístico, literário, científico entre outros). É o “espaço de relações sociais objetivas entre posições”, no interior do qual se pode situar o conjunto das relações objetivas entre os agentes e as instituições. Essas relações objetivas são entendidas por Bourdieu como “relações de força específicas”, travadas a partir de lutas tendentes à conservação ou à transformação. Ademais, é no interior dessas relações que se formam as “estratégias dos produtores” (Idem, p.60-61).

Em suma, a estrutura do campo é refratária. Para o autor, a compreensão das mudanças nas relações entre agentes e entre instituições, depende do conhecimento das “leis específicas do seu funcionamento” (“grau de autonomia”).

Há uma lógica autônoma de funcionamento do campo que leva a entender que “diferentes possíveis” no espaço apareçam aos agentes como incompatíveis logicamente, enquanto para o autor, a diferença é de tipo sociológico e não lógico. A rigor, o núcleo da discussão a propósito do campo se encontra na observação das tomadas de posição aí engendradas. Para Bourdieu, as obras devem ser apanhadas como produto da luta entre agentes, segundo sua posição no campo.

A orientação da mudança depende das possibilidades e dos interesses. O motor da mudança reside nas lutas nos campos de produção. As estratégias dos agentes e das instituições (tomadas de posição) são dependentes da posição que têm na estrutura do campo (capital simbólico específico), mediado pelas disposições constitutivas dos habitus, tendentes a conservar ou transformar as regras do jogo.

A análise das obras implica a correspondência entre duas estruturas homólogas. Isto implica reconhecer que a oposição de subcampos, cujas estruturas se cruzam, se apresentam por

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homologia à estrutura do campo do poder: há, assim, correspondência entre a estrutura das obras e a estrutura do campo literário. Mudanças no campo de produção restrito são originadas na própria estrutura do campo.

A ação das obras sobre as obras se exerce pelos autores e suas limitações e limites da posição que ocupam na estrutura de um microcosmo específico. A universalidade trans-histórica é produzida historicamente pelo enfrentamento de pontos de vista particulares a partir dos quais se extrai a essência sublimada daquela de tipo universal.

Por isso, quando o autor fala de uma genealogia das obras, deve-se entender aqui a configuração de um método que visa determinar as filiações entre tipos e não tanto uma origem primeira ou uma espécie de pré-formação das figuras principais (visto que fruto de um arbitrário cultural). Os tipos descobertos pela genealogia na dramaticidade da história são reconstruções em jogo de tensão.

Para Bourdieu, a evolução de um campo possibilita, cada vez mais, um modo de estruturação histórica que tende a afirmar a autonomia do campo, a partir da universalização das normas e dos juízos de valor em jogo, numa luta de interesses, capaz de impor uma historicidade do campo. Cabe ao sociólogo reconhecer tal processo e buscar na genealogia do campo os mecanismos e elementos de sua constituição de modo a transformá-los em instrumentos de sua análise: análise das condições de produção e reprodução do campo – no nível da produção e do consumo.

Nesse sentido, não cabe ao sociólogo estabelecer qualquer relação direta e de reflexo entre campo e mundo social – visto que a tendência à universalização e eternização do campo a partir dos juízos de valor em disputa, não torna apenas o campo com uma aparência de autônomo, mas o distancia substancialmente do mundo social, estabelecendo um mundo aparentemente próprio (tornando ingênua qualquer tentativa sociológica de uma visão de reflexo entre campo e mundo social). Só a partir de uma pesquisa de caráter genealógico, pode o sociólogo apreender a historicidade do campo e estabelecer certos parâmetros da sua dinâmica relacional com o mundo social.

O sentido e o valor da obra (juízo estético) pode ser solucionado numa história social do campo associada a uma sociologia das condições de constituição da disposição (habitus) estética particular

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exigida pelo próprio campo. É preciso, com efeito, uma análise da gênese histórica das próprias personagens centralmente envolvidas no jogo artístico (artista e conhecedor), bem como, das disposições por eles aplicadas na produção e recepção das obras.

Uma história das instituições específicas indispensáveis à produção artística deve vir acompanhada de uma história das instituições indispensáveis ao consumo (produção dos consumidores e do gosto – em termos de disposições e de competência).

Caberia à ciência das obras, estabelecer a lógica objetiva do jogo e dos campos, referir as representações e os instrumentos de pensamento que se imaginam independentes das condições históricas e sociais de sua produção e utilização, que no campo se engendram e funcionam. Com efeito, o postulado metodológico é o da existência de uma homologia entre espaço das tomadas de posição (escolhas) e espaço das posições ocupadas no campo. É, ainda, o de historicizar tais produtos culturais com pretensão à universalidade, mas não só relativizá-los, e tê-los como referência a um campo de lutas. Tirando-os da indeterminação eternizante e referindo-os às condições sociais de sua gênese.

Duas são as razões da virada reflexiva apontada pelo autor: 1) a evolução dos diferentes campos de produção cultural na direção da maior autonomia liga-se a uma virada reflexiva e crítica dos produtores pela sua própria produção, o que os leva a destacar um princípio próprio e pressupostos específicos a sua produção. 2) a clausura do campo de produção cria as condições de uma circularidade e reversibilidade das relações de produção e consumo na forma de uma virada reflexiva e crítica da arte sobre si mesma. O domínio prático das aquisições específicas inscritas nas obras passadas e registradas faz parte das condições de entrada no campo de produção, ainda que seja com a intenção de subverter, como no caso da vanguarda.

3.1 Aspectos de uma Teoria Crítica da Arte

Na definição de Marcuse, a teoria crítica deve ser entendida como uma teoria crítica da sociedade inspirada numa “filosofia dialética e na crítica da economia política” (Marcuse, 1997, p.138). Para Horkheimer, o sentido de crítica deveria ser “não tanto [...] da crítica idealista à razão pura, quanto [...] de crítica dialética à economia política”. Trata-se, na verdade, da tentativa de subordinação do sentido kantiano de crítica ao significado marxista da palavra, tal

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como apresentado por Marcuse: sendo o homem produtor da “totalidade cultural”, o é dos “artefatos ideacionais” (Slater, idem, p.49; Matos, 1989, p.231-232).

Pode-se dizer que o pensamento crítico dos frankfurtianos tem sua herança fincada em três perspectivas: Kant, Hegel e Marx. Em Kant, o exercício da razão é limitado quanto ao conhecimento da natureza, visto que o cuidado da ciência é para com os fenômenos enquanto objeto de estudo: a lógica dos juízos é de uma categoria do entendimento, que atribuem uma identidade aos objetos e constrói conceitos abstratos. Aí, Kant afasta o princípio da contradição do campo da ciência.

Com Hegel, em contraposição a Kant, não se pode partir dessa atribuição de identidade e abstração conceitual enquanto princípio de entendimento, já que não há um estado a priori da identidade; e, sim, algo que se constrói de sua própria negação. Visto que há, no pensamento dialético, uma negação imanente (indissociável) da história na direção do Espírito Absoluto. Com efeito, não se pode distinguir entre real e abstrato, natureza e cultura, sujeito e objeto.

A resposta de Marx à dialética hegeliana, vai no sentido de invertê-la da ordem ideacional do Espírito à dimensão materialista histórica das relações sociais de produção da existência e das contradições surgidas no tocante ao avanço das forças produtivas historicamente dadas (Matos, idem, p.231-261).

Desde o início, era este princípio da dialética negativa que informava a teoria crítica. Daí a forte influência hegeliano-marxista. Mas, para a Escola, Hegel cai na metafísica da absolutização da história. Ao passo que Marx não teria se libertado da metafísica ao formular o seu conceito de materialismo e de história, visto que absolutizara a sua concepção de natureza, na medida em que a tomou como “princípio único” de explicação da mudança social, o ponto de partida da formação social humana (Idem).

É partindo de Schopenhauer, que a Escola vai estabelecer um distanciamento crítico da pretensão cientificista do materialismo, da crença iluminista na razão instrumental de que a ciência e a técnica são os pressupostos básicos da emancipação social. Com efeito, é no âmbito da razão instrumental que vai residir toda a forma da mistificação que opera a destinação do homem na sociedade moderna: a crença de sua superioridade sobre a natureza (Matos, idem, p.254).

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O desencantamento a que a Escola é levada, em parte pelas razões teóricas que orientaram o pensamento da teoria crítica, em parte pelos desdobramentos históricos que culminaram com o nazismo e o stalinismo, levou alguns membros do grupo a reconhecer no pensamento freudiano um importante nível de tensão entre razão e instinto: ou seja, o princípio de realidade e o princípio do prazer – onde a sobrevivência de Eros resulta da frágil contenção das pulsões sexuais indômitas e dos impulsos destrutivos (Merquior, 1969, p.29; Rusconi, 1969, p.225). Discutiremos essa questão adiante.

Outra influência, pouco considerada, sobre o pensamento da teoria crítica, é a análise weberiana, particularmente com relação ao processo de racionalização e rotinização das relações sociais e do conseqüente desencantamento do mundo regido por uma racionalidade orientada para fins instrumentais, próprias ao capitalismo. Com efeito, a racionalização em Weber e fetichismo da mercadoria em Marx serão dois conceitos básicos para a orientação teórico-crítica do Instituto, particularmente Horkheimer e Adorno. Havendo, aí, também, uma forte herança romântica.

Uma última nota a propósito da construção do modelo da teoria crítica deve ser levada em conta em três aspectos importantes. Uma teoria não pode ser apreendida sem que se leve em conta, primeiramente, a dimensão ralacional entre a parte e o todo; sem que se adote uma perspectiva metodológica capaz de dar respostas meta-teóricas aos problemas de valor e interesse envolvidos na construção crítico teórica; e, finalmente, sem que se identifique no espírito crítico da teoria o fundamento dessacralizador da verdade, pautado na consideração da possibilidade de uma crítica imanente (Giroux,1986, p.34-5).

Geuss (1988) vai identificar três teses sobre a crítica da ideologia entre os membros da Escola. A primeira tese é a de que a crítica radical da sociedade não pode estar separada da crítica de sua ideologia dominante; a segunda, de que a ideologia crítica não pode ser identificada como simples crítica moralizante, mas como “um empreendimento cognitivo, uma forma de conhecimento”; a terceira tese é a de que a crítica da ideologia tem uma “estrutura cognitiva” distinta da ciência natural, fato que exige “mudanças básicas nas perspectivas epistemológicas que herdamos do empirismo tradicional” (p.44-5).

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No que se refere ao debate crítico da estética e da cultura modernas pela teoria crítica, tem-se nas figuras de Adorno, Marcuse e, ainda que não diretamente vinculado à Escola, Benjamin como os principais arquitetos de uma teoria estética no programa global da teoria crítica. Nesse sentido, desenvolveremos a seguir a visão de arte e cultura destes autores.

3.1.1 A Visão de Adorno

Para Adorno, em particular, a autonomia da arte deve ser apreendida por sua condição de liberação da função de culto, da metafísica e da teologia. Segundo ele, essa “autonomia” foi favorecida pelo idealismo. Contudo, o idealismo liga-se ao caráter ambíguo da arte no mundo: “afirmação” e “positividade” são os conceitos que denunciam o aspecto mantenedor do sistema ideológico e de dominação. Daí sua formulação de uma crítica negativa.

Adorno e Horkheimer (l985) serão os primeiros a elaborarem o conceito de indústria cultural, uma vez que na sociedade de mercado, cuja base de produção é industrial, também a cultura e, conseqüentemente, a produção estética passa a se processar nesse circuito, como mercadoria fetichizada, ainda que goze de autonomia. Partindo de uma visão pessimista da racionalidade universalizante e mistificadora da sociedade contemporânea e de seu “regressivo” processo fetichizador, os autores vão considerar que todo traço de manifestação cultural acaba por ser absorvido pela esfera do consumo, caindo assim no esquema industrial - ainda que, no caso particular da arte, consiga-se manter o caráter ambíguo que caracteriza a sua própria natureza.

Em todo caso, tal processo de absorção finda por apresentar os produtos culturais como mercadorias que, pelo mecanismo da sedução/fetichização, mostra-se de uma maneira altamente integrada pelo sistema da moda. Nesse sentido, não apenas os elementos reificadores da ordem estabelecida, mas, inclusive, as formas de contestação da ordem são, para eles, rapidamente absorvidas, apaziguadas e transformadas em mercadorias de circulação no mercado da indústria cultural. Aqui se pode perceber, mais claramente, a influência dos dois conceitos clássicos que marcaram a análise desenvolvida por estes autores: a crítica do fetichismo da mercadoria em Marx e o conceito de racionalização em Weber.

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Aliás, como vimos, pode-se afirmar que a direção tomada pelo conjunto dos trabalhos de alguns dos elementos da Escola de Frankfurt encontra-se nitidamente marcada pela crítica à razão instrumental e seu conseqüente desencantamento do mundo (Ortiz, 1986, p.44; e Freitag, 1986, p.34-5), a partir da qual se articula o conceito de fetichismo da arte, como no caso mais específico de Adorno e Horkheimer (idem).

Ao afirmarem uma dimensão ambivalente da cultura, os autores têm na arte e nos processos estéticos, o que consideram as características mais apropriadas dos mecanismos de transcendência do real, da realidade apresentada pela unificação e padronização da vida social na sociedade industrial. Com efeito, para eles, particularmente o Adorno de Teoria Estética, uma vez que a racionalidade técnica operada no âmbito das sociedades contemporâneas é a própria práxis que suprime a diversidade e a diferenciação sociais; pode-se entender porque, tendo libertado os homens de seus caracteres emocionais e místicos, o Iluminismo os escravizou a uma outra forma de mistificação: a razão – que, no capitalismo, os subjuga à dominação econômica, privando-os de autonomia, de crítica e de potência insurgente frente o establishment.

Sendo assim, a expressão da estética artística, na medida que opera um discurso de fuga e quebra daquela realidade unificadora, é potencialmente revolucionária, por possibilitar utopias que reinstauram a dialética realidade-ilusão (ainda que Adorno insista na questão da fetichização recuperadora da indústria cultural) (Adorno, 1982). Aliás, o próprio conceito de arte de Adorno segue a clássica distinção da cultura em níveis. Para ele, um dos problemas centrais da indústria cultural é que a padronização que ela promove integra domínios há muito separados: a arte superior e a arte inferior – inclusive com prejuízo de ambas (idem, 1986, p.92-3). Assim a autonomia da obra de arte, que nunca existiu de uma “forma pura” e sempre sofreu “conexões causais”, vê-se suplantada pela indústria cultural (p.93). Com efeito, o que Adorno e Horkheimer procuram afirmar, substancialmente, é que as produções artístico-culturais e estéticas sob a forma tecnológica da indústria cultural, assumem o estatuto de mercadorias. Para eles, “as produções do espírito no estilo da indústria cultural não são mais também mercadorias, mas o são integralmente” (Adorno, 1986, p.93-4).

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Mas o interessante na crítica que apresenta a cultura como mercadoria paradoxal, comparando-a a publicidade, é o fato de os produtos da indústria cultural não se encontrarem na imediaticidade de sua venda e do seu lucro; visto que a indústria cultural, como o relações públicas em que se transformou, não precisa manter relações com “produtos ou objetos de vendas particulares”: ela é o espaço publicitário dos produtos e de si mesma (idem, 1986, p. 94).

Em todo caso, a motivação do lucro parece ser o ponto fixo do próprio capitalismo e, portanto, da indústria cultural. Para o autor, toda a configuração do novo que aí se induz, não passa de uma dimensão epidérmica ou de indumentária do sempre igual e da repetição (p.94). Adorno distingue o conceito de técnica na indústria cultural, daquele usado para as obras de arte. No primeiro caso, a técnica diz respeito a aspectos de produção e reprodução mecânica, como elementos extra-artísticos; sem qualquer preocupação quanto às determinações que “a objetividade dessas técnicas implica para a forma intra-artística, mas também sem respeitar a lei formal da autonomia estética” (p.95).

Ainda sobre as considerações a respeito da técnica, Benjamin (1980) parece refletir de modo mais dialético, por não separar rigidamente a técnica na indústria cultural da técnica da arte: para ele não há apenas reprodução técnica da obra de arte, mas a mudança de percepção pelo público fruidor – a esse respeito se falará mais adiante.

A posição de Adorno o leva a identificar, na indústria cultural, não apenas a ideologia do conformismo em substituição à consciência: que promete enganosamente as satisfações que não podem ser satisfeitas, e resolve aparentemente os problemas que não podem ser por ela resolvidos; para o autor, o objetivo central da indústria cultural é o de submeter os homens à condição de dependência e servidão, como massa passiva. Sendo o divertimento popular, manipulado pela indústria cultural, a característica repressiva essencial da cultura popular na modernidade (Adorno, 1986, p.99; Slater, idem, p.177).

Mas é preciso reconhecer, contudo, um importante aspecto na teoria estética de Adorno. Se a mencionada potencialidade revolucionária operada num discurso de fuga e de quebra da realidade unificadora pode possibilitar utopias que reinstauram a dialética realidade-ilusão, isso só pode ser imaginado, segundo ele,

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com base na consideração de uma manifestação de arte crítica e do uso crítico não-manipulativo dos meios de comunicação.

Partindo desta questão, Adorno vai ter nas manifestações da vanguarda artística uma dimensão crítica potencialmente mais determinante do que na arte engajada; uma vez que esta última, por tentar uma crítica inteligível, finda por dissimular “uma coerência conceitual formal”, que assimila e reconhece “tacitamente a penetrante e florescente máquina de comunicação” (Adorno Apud Slater, p.186). Com efeito, o elogio feito por Adorno aos aspectos anti-discursivos da arte moderna e de vanguarda enquanto arte crítica encontra-se ligado à idéia de que, só assim, a arte pode ser restituidora do que a “cognição funcionalista exclui”, ou seja, do caráter “não-idêntico” da arte. Por outras palavras, a visão crítica da obra de arte restituidora do “não-idêntico” se traduz por sua falta de função enquanto oposição ao “nexo-função abstrato” da “realidade empírica” requerido pela cognição funcionalista. Como diz Adorno:

“Alcançamos um ponto em que a obra de arte só pode sustar a realidade empírica [...] não recorrendo mais a nada específico para seu conteúdo” (Apud Slater, p.186).

3.1.2 A Visão de Marcuse

Também para o Marcuse de A Dimensão Estética, com referência ao ponto de fuga da dialética realidade-ilusão, a arte parece gozar de uma característica curiosa nas sociedades atuais, posto que pode apresentar-se como uma expressão positiva da alienação, pela negação que em última instância invoca à realidade padronizada, anuladora da subjetividade. “Certamente, as ‘estruturas econômicas’ afirmam-se a si próprias. Determinam o valor de uso (e, com ele, o valor de troca) das obras, mas não o que elas são e o que dizem” (Marcuse, s/d, p.41).

Para ele, embora a “forma estética”, e sua autonomia, desvie “a arte da realidade”, isto pode se dar por fatores de “contraconsciência”, ou seja, de contratendência ao “pensamento realístico-conformista”, muito mais do que por uma questão de “falsa consciência” ou “mera ilusão” (idem, ibidem).

Noutro momento, criticando o aspecto amorfo da linguagem tradicional, que parece não mais conseguir comunicar o que caracteriza o mundo atual, Marcuse vai analisar o caráter afirmativo da cultura e da arte naquilo que ela expressa de negação, de

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recusa num mundo repressivo e totalitário. Lançando esperanças de que as forças de contestação adviriam de toda a espécie social de lumpen, e não necessariamente do proletariado como classe econômica, Marcuse vai afirmar que a arte, como a linguagem do nosso tempo, descobre a existência de “coisas que são intrinsecamente ‘estéticas’”, e não “meros fragmentos e partes da matéria para serem manipulados e usados arbitrariamente” (Marcuse, 1978, p.249).

Para ele, desenvolvimentos nos campos da consciência e da linguagem nos têm

levado a descobertas de sentidos que não nos eram permitidos anteriormente; e isso tem afetado a forma artística enquanto tal. Com efeito, a arte atuaria por seu “poder liberador do negativo”, liberando a consciência e, mesmo, o inconsciente, de sua mutilação pelo Establishment repressivo. Segundo seu pensamento, a arte na contemporaneidade cumpriria “esta tarefa mais consciente e metodicamente do que nunca” (idem, p.256).

E, mesmo quando levanta a questão da possibilidade de sobrevivência da arte nos tempos atuais, em que o “caráter totalitário” da sociedade afluente tende a absorver inclusive as atividades não conformistas, anulando a arte “como comunicação e representação de um mundo outro que o do establishment”, Marcuse vai afirmar que a crise da arte é parte da “crise geral da oposição política e moral”, por sua incapacidade de traçar as “metas da oposição” a uma sociedade totalmente orientada para o mercado (idem, p.246).

Para o autor, é central o conceito de “imaginação como faculdade cognitiva” a fim de se construir uma linguagem nova e revolucionária da arte, que possibilite a transcendência e ruptura com o “feitiço do establishment”. Só na medida em que ela não participe de qualquer forma de establishment, inclusive do que Marcuse denomina de “establishment revolucionário”, é que a arte pode alcançar a dimensão revolucionária interna de sua própria linguagem: em que “a linguagem da imaginação permanece linguagem de desafio, de acusação e protesto” (p.247).

Aliás, é nesse sentido que, para ele, a arte nos anos 60 teria assumido a sua posição política: como uma forma de “antiarte do absurdo, da destruição, da desordem, da negação” (p.248). Mas, talvez, o ponto central a que Marcuse queria chegar nisso tudo, seja

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o de refletir a possibilidade de a arte negar-se ao sistema dos valores estabelecidos da sociedade, na direção de uma “experiência possível” de novos valores que possibilitasse o surgimento da “energia sensual e apaziguante dos instintos vitais”, capaz de subjugar “os instintos agressivos, repressivos e de exploração” (p.249).

Na realidade, a emergência da sensibilidade e a liberação do domínio da forma sensível se caracteriza, para o autor, como a própria finalidade da obra de arte: em que a linguagem da arte fala de um universo imaginariamente realizado por imagens, “sem nunca ser capaz de alcança-lo” e em que “a razão e a verdade da arte foram definidos e validados pela própria irrealidade e inexistência de seu objetivo” (idem, ibdem).

É nesse sentido da liberação da percepção e da sensibilidade que Marcuse vai se referir à potencialidade transformadora da arte; mas, não no sentido estrito de uma “arte política” das teorias marxistas do reflexo (que o autor aponta como conceito “monstruoso”).

Não podendo realizar por si mesma este nível estrito de transformação, a arte, como “forma de imaginação”, como tecnologia e técnica, seria um importante canal de construção de valores estéticos não agressivos, necessários à “emergência de uma nova racionalidade na construção de uma sociedade livre, isto é, a emergência de novos modos e de novas metas do próprio progresso técnico” (p.251).

Por certo, não faltam críticas ao esquema marcuseano do caráter afirmativo da cultura. Críticos apontam aí “uma imagem simplista de o que seria a sociedade de fato humanizada” (Lima, 1978:243). Trata-se da recorrência que Marcuse faz à psicanálise, em que inverte a análise freudiana do caráter repressivo às pulsões sexuais e ao instinto agressivo indômitos, para favorecer a uma interpretação que apresenta a restrição ao prazer como transformação da própria natureza do prazer. Assim, se em Freud mais prazer havia nas pulsões indômitas; em Marcuse mais prazer existe na humanização dos instintos, o que refletiria a sua maturidade e humanização, na perspectiva de uma nova sensibilidade.

O problema, contudo, estaria na forma de organização social da cultura capitalista, que vai da deserotização do corpo e restrição da sexualidade à genitalidade procriativa em seus primórdios, até um

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maior relaxamento dos tabus sexuais atualmente (sem que isto, em todo caso, represente a livre manifestação do princípio do prazer).

Ao contrário, para Marcuse, a maior capacidade de controle global por uma autoridade social – com a diminuição da função repressora da autoridade paterna e com a ampliação da autoridade social da administração pública e privada – ainda tem levado os indivíduos a um princípio de dessublimação repressiva: em que a sexualidade se manifesta como princípio de desempenho econômico, onde toda ação sexual se dá despojada de sentimentos e, portanto sem a liberação do Eros: ponto crucial para uma cultura humanizadora dos instintos agressivos e onde o princípio do prazer se sobreponha ao repressivo princípio da realidade (Marcuse, 1968; e Mantega, 1979, p.11-34).

Ainda assim, apesar da acusação de ter elaborado uma tese simplista e de ter caído numa “concepção do mundo essencialmente romântica e irracionalista” (Coutinho, 1990, p.189), não se pode descurar a importância de Marcuse em sua análise do caráter afirmativo da cultura e sua contribuição para a formulação de uma teoria crítica da arte e da comunicação emancipatórias.

3.1.3 A Visão de Benjamin

Em seu estudo A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução, Benjamin já havia apontado para o caráter emancipatório da estética e da arte num contexto de alta reprodutibilidade técnica como o do capitalismo. Nesse texto, Benjamin vai afirmar uma mudança significativa no estatuto da própria obra de arte, agora submetida essencialmente ao processo de reprodução, que é a da perda do seu caráter de autenticidade. Para o autor, isto se deve ao fato de que, sob efeito da reprodução, o tradicional como autêntico tem seu testemunho histórico abalado, visto que a duração material do evento produzido perde seu elo original: o que leva à liquidação da tradição e à atualização do próprio evento. Na verdade, o processo de reprodução na obra de arte vai afetar em cheio a sua aura.

O significado da aura artística está relacionado ao valor cultual presente na obra de arte tradicional. Com a alta reprodutibilidade técnica do capitalismo, o que se deu foi a passagem do valor da obra como objeto de culto (que torna distante o que está próximo), para o valor da obra como realidade exibível (tornando próximo mesmo o que se encontra distante). Para Benjamin, tais

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transformações históricas do processo de reprodução, ocasionaram mudanças de percepção e de sentimento no âmbito da sensibilidade humana (Benjamin, 1980).

Quando se fala de reprodução, o que vem à mente é a condição de autenticidade da obra, o seu hic et nunc. E Benjamin coloca a questão quando afirma que “a própria noção de autenticidade não tem sentido para uma reprodução, seja técnica ou não” (Idem, p.7). No entanto, duas características da reprodutibilidade devem ser notadas: uma diz respeito à autoridade requerida pelo original, quando da reprodução do objeto feita pela “mão do homem e, em princípio, considerada como uma falsificação”; a outra, em que isso não ocorre, concerne à reprodução técnica, apresentando-se pelo caráter revolucionário das transformações ocorridas. A ela, segundo o autor, dois motivos se apresentam: a independência da reprodução técnica frente ao original e a possibilidade da “reprodução de situações” dificilmente encontráveis no original (Idem, p.7).

Seja como for, o que aqui se desvaloriza é o hic et nunc do original, o que favorece ao declínio da aura da obra de arte. Como principal exemplo dessa situação, Benjamin aponta o caso da fotografia e do cinema. Tanto por aquela capacidade que tais linguagens têm de “ressaltar aspectos do original que escapam ao olho”, quanto pela referida possibilidade de “situações” em cujo contexto o original não seria encontrado (Idem, p.7). Aliás, com relação à primeira característica, Benjamin ressalta que o aspecto verdadeiramente revolucionário da fotografia e do cinema como técnicas de reprodução foi a descoberta de um inconsciente visual. Para ele, é completamente distinta a natureza do que é apreendido pela câmara e pelos olhos, visto que a câmara assumiria o espaço inconsciente de ação do homem, substituindo o seu espaço de ação consciente (1980, p.23).

Para o autor, o caráter de um comportamento progressista está, além disso, associado à relação que pode ser estabelecida entre o prazer do espectador e a experiência vivida, levando ao entendimento de que a mudança de comportamento da massa diante da arte depende das “técnicas de reprodução aplicadas à obra de arte” (p.21). Benjamin refere-se ao caráter coletivo do cinema, que exerce determinação sobre as reações individuais, levando o público a não separar “crítica de fruição”.

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Em apoio a essas afirmações, Benjamin vai estabelecer comparação entre o cinema e a pintura, em que esta última parece não ter a pretensão de ser contemplada “por mais de um espectador ou, então, por pequeno número deles” (Idem, p.21). Segundo ele, uma diminuição da significação social da arte se dá quando, no público, “espírito crítico” e “sentimento de fruição” se separam: passando-se a desfrutar acriticamente das convenções e reagindo-se a qualquer tipo de inovação. Particularmente no caso da pintura, Benjamin vai justificar que é de sua própria essência o fato de ela não se oferecer a uma “receptividade coletiva”.

Mas Benjamin não dedicou seus estudos exclusivamente ao cinema, como se sabe. Num importante conjunto de ensaios, reunidos em torno de um projeto ambicioso, o seu Trabalho das passagens, Benjamin também vai se dedicar à situação da poesia, por exemplo, na época de Baudelaire; e às próprias transformações ocorridas, sob o signo da modernidade, nas passagens e galerias parisienses.

Duas situações são dignas de destaque para o interesse do que se quer esboçar aqui. A primeira, diz respeito à configuração do interieur como o momento em que se dá a separação entre o espaço privado e o lugar de trabalho. O interieur, como universo característico da nova residência do homem privado, se apresenta assim como a expressão por excelência do espaço burguês. É nele que o homem privado vai ter sustentadas as suas ilusões, tanto mais quanto seus “cálculos comerciais” se distanciam de suas “reflexões sociais” (1985, p.37).

Com efeito, assim como o escritório se apresenta em seu realismo como “o centro de gravidade do existencial”, assim o interieur se mostra como refúgio, como lugar “esvaziado de realidade”. Benjamin afirma: “O interior da residência é o refúgio da arte. O colecionador é o verdadeiro habitante desse interior” (Idem, p.38). Ao que parece, o autor chama a atenção para o fato de que, aí, passa a haver uma espécie de retorno à aura: mas não pela significação de culto anteriormente referida, e, sim, pela transfiguração de valor por que passam os bens - o colecionador retira dos objetos, pela posse, o seu caráter de mercadorias; mas, ao invés de restituir-lhes valor de uso, os impregna de puro “valor afetivo”.

O contraponto a esse mundo interior e a esse homem privado, Benjamin vai encontrar na poesia de Baudelaire. Para ele, é com

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Baudelaire que Paris se torna, pela primeira vez, objeto de poesia lírica. Uma poesia que se vale do alegórico e que, melancolicamente, olha a cidade por uma dimensão de estranhamento. Uma poesia que se traduz pelo olhar do flâneur - um dos tipos sociais identificados por Benjamin no tocante à existência na modernidade.

Ao que parece, o flâneur representa um tipo social cuja forma de vida encontra seu limiar tanto na cidade grande quanto na classe burguesa, mas sem que esteja a elas subjugada. Com efeito, a multidão se expressa como o espaço asilar do flâneur, sua residência, sua fantasmagoria. O flâneur se representa, ainda, no tipo intelectual marcado pelo mercado, mercado para o qual a flânerie se torna “útil à venda de mercadorias” (Idem, p.39).

A condição do flâneur, contudo, é bastante ambivalente: no interior da multidão, a passagem se lhe apresenta tanto como espaço exibível, quanto como refúgio – aí, o flâneur vive situações como as de mercadoria, de vagabundo, de proscrito; aí, ainda, ele vivência empaticamente a satisfação da compra pelos fregueses, bem como, tem como referência às tabernas (onde se refugia dos credores) e a prostituta (misto de mercadoria e vendedora).

Como conclusão, caberia aqui situar a própria maneira como a Escola situa o modelo teórico-crítico como modo de conhecimento. A teoria crítica está mais interessada em orientar a idéia de emancipação pela identificação de interesses diversos e das condições de existência – contra o “uso instrumental” levado a efeito pelas teorias científicas; a teoria crítica se autoidentifica como reflexiva – contra o caráter objetificante das teorias científicas; por fim, a auto-reflexividade da teoria crítica é o que a coloca na condição “cognitivamente” aceitável – em contraposição às exigências de “confirmação empírica por meio da observação e do experimento” próprias às teorias científicas. Com efeito, este talvez seja o quadro principal para se pensar o conteúdo cognitivo e epistemológico da teoria crítica como forma de conhecimento orientada para a ação humana (Geuss, 1988).

4. CONCLUSÃO

Com vistas a uma conclusão sobre o papel de uma teoria sociológica aplicada a problemas da sociologia da arte, gostaríamos de ressaltar alguns pontos importantes destacados ao longo do texto.

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Os objetos artísticos – objetos de investigação da sociologia da arte – colocam um dilema fundamental para os esquemas analíticos fundados na dicotomia agência versus estrutura, qual seja o de que eles, uma vez existindo no mercado artístico ou em instituições culturais (museus, galerias, etc.) ganham uma autonomia que as torna independente dos seus criadores e das estruturas sociais onde foram criadas. Mas, mais do que isto: eles carregam em si uma dinâmica ou estrutura interna que a separa do seu criador (agência) e das estruturas sociais. Ou seja, como afirmamos acima, faz-se necessário um modelo analítico amparado numa tricotomia que considere as relações entre agência, estrutura e objetos artísticos.

Vimos ao longo do texto, que alguns autores (p. ex., Wolff, Becker, Francastel) buscam privilegiar os aspectos externalistas – com ênfases variadas sobre as estruturas sociais que ‘permitiram’ a criação da obra ou sobre os agentes criadores – enquanto outros (p. ex., Witkin, o Adorno como analista de música) privilegiam um olhar internalista sobre a obra de arte ressaltando suas qualidades intrínsecas. Um terceiro grupo (p. ex., Zolberg, Williams, Bourdieu, Teoria Critica) busca uma síntese entre estas duas abordagens.

Como deve ter ficado claro, a partir de nossa perspectiva fundada em problemas fundantes da teoria sociológica, há hiatos teórico-metodológicos nas três perspectivas, pois mesmo naquelas correntes que propõem a síntese entre as abordagens internalista e externalista não há uma proposta em que se leve em conta os três pólos do modelo que aqui identificamos como entidades analíticas autônomas.

Por outro lado, podemos observar que as abordagens internalistas e externalistas (e, mesmo, as de uma tentativa de síntese de ambas as tendências) têm tendido a privilegiar ora o debate sobre a agência, ora o debate sobre a estrutura. Exemplo disso pode ser destacado em obras como as de Becker, Witkin e Bourdieu. Em Becker, que adota uma abordagem externalista, privilegia-se a ação. Com Witkin, a abordagem internalista segue um modelo semiótico baseado em homologias estruturais. A abordagem sintética de Bourdieu, fundada em sua teoria dos campos, tende a privilegiar um modelo relacional capaz de reconhecer a correspondência de homologias estruturais para uma sociologia das obras.

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Para Witkin, p. ex., deve-se tratar as conexões semioticamente necessárias entre estrutura social, relações sociais e “estratégias estéticas” específicas desenvolvidas pelo artista. Ao que parece, este argumento aponta muito mais para a construção de homologias entre ambas as estruturas: estruturas das relações sociais e estrutura das relações estéticas (p.103).

Noutra perspectiva, contrária à das homologias, Williams procura uma interpretação fundada na idéia de mediação como processo, orientada para o reconhecimento de diferenciações e de contradições estruturais, procurando não cair num modo de equivalência homológica. Por outro lado, o desafio da mediação é o de não se cair num reducionismo em que muitas vezes se transformem especificidades (tais como: obras de arte, artistas, instituições, público) em um lugar comum generalizado. É central, pois, o reconhecimento da autonomia dos três níveis analíticos aqui referidos.

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O belo e a arte segundo Kant (1724-1804). Um segundo período foi criado na filosofia moderna por Imanuel Kant que desenvolveu uma nova estética, ainda que influenciado pelos seus antecessores.

No mesmo novo clima subjetivista, que coincide com o neo-classicismo e pré-romantismo, se desenvolveram, entre outras, as estéticas de Winckelmann (1717 - 1768), Sulzer (1720 - 1779), Mendelsohn (1729 -1786), J. W. Goethe (1749 - 1832), Fr. Schiller (1759 - 1805).

O novo modo de pensar inspirou o movimento juvenil do Sturm und Drang (= tempestade e ímpeto) (1760 - 1785), contrário a aspectos

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ainda rígidos do iluminismo. Dele participaram Johann Herder (1744 -1804), Goethe, Klinger (1752-1831), Schiller e outros .

O fazer coisas belas, como arte, assume, como se vê, novas direções, mas principalmente cresce como potencialidade no campo temático da expressão.

Para Kant o belo é o que está conforme o arquétipo da espécie. Todavia, para ele o arquétipo não passa de uma forma a priori da faculdade do juízo. O belo, ainda que seja um objeto sensível, deve, como um todo realizar-se de acordo com o arquétipo. Ocorre, então, a presença da razão na obra de arte, pois é a razão que conduz o artista na criação de obras em tais condições.

A distinção entre o belo natural e o belo artístico está em que o natural se cria sem uma prévia concepção racional e livre, ao passo que o da arte resulta de uma concepção exemplar anteriormente pensada e livremente executada. A concepção artística de Kant é, pois, um practicismo apriorista.

"Quando se encontra um pedaço de madeira talhada, não se diz tratar-se de um produto da natureza, mas de arte; sua causa produtora pensou um fim ao qual deve sua forma. Vê-se uma arte em tudo aquilo que está constituído de tal sorte que, em sua causa, uma representação deveu haver precedido a sua realização" (Kant, Crítica do juízo, § 45.)

O pré-romantismo e o romantismo reagiram, pois, contra a índole geral e absoluta dos modelos da obra de arte. São também transferidos para a obra de arte os elementos singulares emotivos, sociais, racionais, históricos e até do subconsciente. Mas se conserva a concepção fundamental da arte como ente e como expressão entitativa.

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O BELO EM KANT E A COMUNICABILIDADE DO SENTIMENTO ESTÉTICO

Queremos investigar algumas questões sobre a estética em Kant. Para tanto, dividimos em dois pequenos artigos. O primeiro, que se desenvolverá aqui, tratará do conceito de belo em Kant. O segundo, em outro post, tratará do conceito de sublime, o qual pensamos ter enormes repercussões na estética contemporânea.

Em linhas gerais e de forma analítica, a reflexão filosófica sobre a estética pode tomar três grandes linhas de pesquisa.

A primeira linha é o que poderíamos chamar de “primado do objeto”. A questão é investigar quais as propriedades que tornam uma determinada obra bela. Obras, aqui, referem-se tanto a coisas materiais como imateriais, portanto a informação ou um poema são obras. A referência filosófica dessa linha são as ontologias estéticas como de Hegel ou Heidegger.

A segunda linha é o que poderíamos chamar de primado do processo. A questão é investigar por quais processos ou métodos podemos construir uma obra com a propriedade de ser bela. A ênfase recai sobre o fazer, a poiesis. A referência filosófica dessa linha é Aristóteles e sua Poética.

A terceira linha é o que poderíamos chamar de primado do sujeito. A questão é investigar a natureza do juízo estético do belo. Qual a relação que temos com uma obra para que possamos emitir o juízo de que ela é bela? A beleza, assim, não está na obra, mas no juízo de quem a pronuncia. A referência dessa linha é Kant e sua Crítica da Faculdade do Juízo.

O primado do sujeito é uma das questões que dificulta o entendimento de Kant pela contemporaneidade, a qual está mais preocupada em compreender a natureza estética dos objetos, tendo a arte como paradigma. Em Kant, a arte não é o paradigma para a reflexão estética, que é substituído pela Natureza. Por outro lado, a presença da Natureza como paradigma do que é belo ou sublime, faz renascer o pensamento estético de Kant no contexto da ética e estética ambiental. Também sua ênfase na relação entre sujeito e objeto, por meio do juízo, tem relações com as preocupações da estética contemporânea de uma arte contextual e um design centrado no usuário.

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Como já vimos, ao deslocar o centro da existência da Beleza do objeto para o sujeito, Kant pretendeu superar as oposições metafísicas do realismo e do idealismo; os quais enfatizam ora um, ora outro, dos lados da equação sujeito versus objeto.

Em sua reflexão sobre os juízos estéticos, ou de gosto, Kant estabelece uma distinção radical entre os juízos estéticos e os juízos de conhecimento. Para Kant, os juízos de conhecimento emitem conceitos que possuem validez universal, ou seja, são universais por excelência. Eles se apóiam nas propriedades dos objetos. Por exemplo, quando digo: “Esta rosa é vermelha”, estou emitindo um juízo de conhecimento, pois estou apoiando-me na propriedade da cor do objeto. Este é um conceito válido para todos, universal, porque esta baseado nas propriedades objetivas da flor. Mesmo que alguém tivesse uma disfunção visual que não lhe permitisse ver as cores, ele seria afetado pelo mesmo comprimento de onda ou índice de refração de uma luz, dado que este é uma propriedade objetiva da flor. Somente, eu a chamaria vermelha e ele cinza, por exemplo.

Os juízos estéticos, ao contrário, não emitem conceitos. Eles são engendrados por uma reação pessoal do contemplador diante do objeto contemplado e não refletem as propriedades do objeto. Então, quando eu digo: “Esta rosa é bela”, não posso querer que este juízo seja universal, atinja a concordância geral. Ele somente exprime o fato de que a rosa me agrada. Assim, o conteúdo do juízo estético, para Kant, é a reação do sujeito, e não uma propriedade do objeto.

Kant, para caracterizar o conceito de belo, ou seja, o juízo estético, procede a uma série de diferenças. A primeira, já foi apontada acima. O juízo estético, ao contrário do juízo de conhecimento, não emite um conceito. A segunda é a diferença entre o juízo estético e o juízo sobre o agradável. Quando digo: “esta cerveja é boa” estou querendo dizer que sinto uma sensação agradável ao bebê-la. Trata-se de uma sensação de pura subjetividade. Já o juízo estético difere do simplesmente agradável e subjetivo. Quando alguém gosta de uma pintura não se conforma em que seja belo apenas para ela: quer que todo mundo goste também, quer compartilhar essa beleza. Por isso, quando estamos comendo uma pizza deliciosa, nos contentamos em apreciar a mesa, entretanto quando vemos um lindo pôr-do-sol corremos para mostrá-lo para os outros, queremos compartilhar o juízo da beleza,

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ou seja o juízo estético. Assim, quando dizemos “é belo”, não queremos dizer simplesmente “é agradável”, mas aspiramos a uma certa objetividade, a uma certa necessidade, a uma certa universalidade. Porém, ela é diferente de um conceito ou de um juízo de conhecimento, pois a pura representação do objeto belo é particular.

Assim, a objetividade do juízo estético não tem conceito. A sua universalidade é subjetiva, porém supomos que o nosso prazer é de direito comunicável ou válido para todos. Queremos que todos possam experimentá-lo. Trata-se portanto de um sentimento que é intersubjetivo.

A universalidade do prazer estético está fundada na absoluta possibilidade de comunicação do sentimento estético.

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