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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
A DIÁSPORA MACAENSE: ITINERÁRIOS MIGRATÓRIOS
“MACAU-XANGAI” (1850-1909)
Alfredo Gomes Dias
Escola Superior de Educação de Lisboa Campus de Benfica do IPL – 1549-003 Lisboa
Telefone: 217115500 / Fax: 217166147 [email protected]
Resumo
Esta comunicação insere-se num projecto de investigação mais vasto subordinado ao tema da
Diáspora Macaense, um movimento migratório que tem origem em Macau, no ano de 1842.
Na sequência da I Guerra do Ópio (1839-1842) e de acordo com o estabelecido no Tratado de
Nanjing, a Grã-Bretanha tomou posse da ilha de Hong Kong. Com o nascimento da cidade
Vitória nesta ilha iniciou-se, no mesmo ano, o movimento migratório que irá levar os macaenses
a dispersarem-se por muitos outros destinos, um dos quais a cidade chinesa de Xangai.
Na segunda metade de oitocentos, Xangai conheceu profundas transformações e nela se
instalaram diferentes comunidades estrangeiras, uma das quais portuguesa com origem na cidade
de Macau.
Assim, neste estudo tentaremos (i) definir os conceitos diáspora e macaense, fundamentais para a
análise da realidade social e económica que envolveu este movimento migratório; (ii) desenhar
alguns dos principais itinerários migratórios ilustrativos da diáspora macaense; (iii) caracterizar
política, económica e socialmente a cidade de Xangai na segunda metade do século XIX; (iv)
apresentar alguns traços demográficos da emigração Macau-Xangai entre 1850 e 1909.
Para além da revisão da literatura que temos vindo a realizar no âmbito desta investigação, esta
comunicação mobiliza a análise de documentação consultada em diversos arquivos portugueses.
Reconhecemos que este é um projecto de investigação que se encontra ainda a dar os seus
primeiros passos. Mas, com este estudo, teremos oportunidade de colocar hipóteses e
interrogações, que permitam abrir novas linhas de investigação.
Palavras-chave: diáspora, macaense, itinerário migratório.
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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INTRODUÇÃO
Os estudos sobre a sociedade de Macau, em particular sobre a comunidade macaense, têm-se
centrado na sua caracterização étnica deixando de fora o grande tema da diáspora. Este fluxo
migratório, iniciado em 1842 na sequência da ocupação da ilha de Hong Kong pela Grã-
Bretanha, assume particular pertinência se tivermos em consideração que ainda hoje faz parte das
vivências sociais, políticas e imaginárias de um povo que se dispersou por todos os continentes.
Entendemos que os fluxos migratórios devem ser estudados enquanto fenómenos que se inserem
na sua totalidade social. Por isso, a investigação sobre a diáspora macaense (1850-1949) colocou-
nos perante o desafio de ensaiar uma síntese que conte com o contributo de diversas disciplinas,
em particular da História e da Geografia: a primeira porque nos debruçamos sobre um processo
migratório historicamente datado, tornando incontornável a sua contextualização; a segunda
porque o estudo das migrações, por excelência, incide sobre a mobilidade geográfica de
contingentes humanos que procuram soluções de vida fora do seu território de origem, mas com o
qual mantém múltiplas ligações.
Para além de ser nosso propósito apreender os contornos demográficos da diáspora macaense na
sua totalidade enquanto fenómeno social que se prolongou até aos dias de hoje, pretendemos
também desenvolver um estudo centrado no caso da comunidade macaense de Xangai. É sobre
este último tema que apresentaremos este breve texto. Em primeiro lugar, ensaiando a definição
dos conceitos de diáspora, etnia e transnacionalidade. Segue-se uma síntese sobre o
estabelecimento das concessões estrangeiras em Xangai na década de 1840. Em terceiro lugar,
apresenta-se sumariamente a Concessão Internacional: a sua evolução, o seu dinamismo
económico e a diversidade da sua população residente, dando particular destaque à comunidade
portuguesa de origem macaense. Finalmente, tentamos uma análise demográfica da emigração
dos macaenses que deixam as cidades de Macau e de Hong Kong rumo a Xangai.
1. DIÁSPORA MACAENSE: DEFINIÇÃO DE CONCEITOS
O conceito de diáspora encontra-se sempre associado ao fenómeno da emigração. Muitas vezes
até como sinónimo o que, como veremos, é uma ideia redutora de um conceito mais complexo.
Compreender a diáspora, na sua totalidade social, implica revelar as três dimensões socioculturais
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que a ela estão associadas: etnia, porque a diáspora centra-se no estudo duma comunidade étnica
específica; emigração, porque é um fenómeno migratório caracterizado por uma grande dispersão
territorial, a partir de um espaço de origem que se mantém como referência, real ou imaginária;
transnacionalidade, porque implica a construção de uma rede entre as diferentes comunidades
locais dispersas pelo mundo, aglutinadas pelos factores socioculturais que lhe conferem
identidade, entre os quais o seu território de origem (cf. PIEKE, F., s.d.).
1.1. Diáspora
No Dicionário de Geografia recentemente publicado, de Ives Lacoste, diáspora é definida do
seguinte modo:
Em hebreu, dispersão. Este termo, que originalmente designava a dispersão dos judeus no
mundo, aplica-se desde há umas décadas a outras minorias étnicas dispersas fora das suas
regiões de origem. No sentido próprio, a palavra diáspora devia designar grupos étnicos que se
encontram tanto ou mesmo mais no estrangeiro do que no seu país de origem, caso dos judeus,
dos Irlandeses, dos Gregos, dos Arménios, dos Palestinianos. (LACOSTE, I., 2005: 126-127)
Desta definição importa reter duas ideias fundamentais: a primeira centra-se no facto de,
geralmente, todos os autores terem por referência o exemplo judaico quando abordam o conceito
de diáspora; a segunda refere-se à opção deste autor em colocar o acento tónico numa
característica que outros autores nem sempre consideram que é a de grupos étnicos que se
encontram tanto ou mesmo mais no estrangeiro do que no seu país de origem. Michele Reis (cf.
REIS, M., 2004) reforça a ideia de que a diáspora judaica se mantém como referência quando se
pretende teorizar sobre este conceito, mas enuncia seis características básicas que devem ser
ponderadas quando pretendemos avaliar se um determinado movimento migratório é uma
diáspora: dispersão a partir de um centro de origem, para duas ou mais regiões estrangeiras;
preservação duma memória colectiva, visão ou mito, sobre a sua terra de origem, incluindo a sua
localização, história e realizações; crença de que nunca são completamente aceites nas sociedades
de acolhimento, mantendo-se por isso parcialmente separados; idealização de uma suposta terra
de origem ancestral, aonde se poderá regressar um dia se as condições o permitirem; crença que
todos os membros são responsáveis por manter ou recuperar a sua terra de origem em segurança e
prosperidade; grupo étnico conscientemente fortalecido durante um longo período de tempo e
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baseado em indicadores distintivos, como a história comum e a crença num destino colectivo (cf.
REIS, M., 2004, p. 43).
Contudo, estudos mais recentes ajudam-nos a construir uma definição mais ajustada a outros
conceitos que são hoje fundamentais para o estudo dos movimentos migratórios, nomeadamente
o conceito de «rede». The concept of a diaspora has three main dimensions – awareness of an
ethnic identity, the existence of communal organizations, and the persistence of relations (even
imaginary ones) with the homeland (…) In fact, diaspora refers to a specific relationship to time
(memory) and space, so can be considered as an ethnic transnational network. (CESARI, J.,
2002: 90). Jorge Malheiros, numa tentativa de síntese de alguns autores de referência (Safran,
Chaliand e Rageau, Bruneau e Cohen), propõe que se considere a diáspora como um grupo
disperso por diversos locais do mundo (não apenas dois ou três), que partilha uma mesma
memória étnico-cultural colectiva e que mantém laços, reais ou simbólicos, com o território de
origem, seja dos próprios ou dos seus antepassados (MALHEIROS, J., 2001: 73).
Em síntese, consideramos que o conceito de diáspora integra um conjunto de características, sem
que todavia seja obrigatório que todas se reúnam para que consideremos como tal um
determinado fluxo migratório: dispersão a partir de um centro de origem, para duas ou mais
regiões estrangeiras; grupo étnico conscientemente fortalecido durante um longo período de
tempo e baseado em indicadores distintivos, como a história comum e a crença num destino
colectivo; organizações que facilitem a construção de uma rede étnica transnacional e a relação
das diferentes comunidades dispersas pelo mundo, assim como os vínculos ao território de
origem; preservação duma memória colectiva, visão ou mito, sobre a sua terra de origem,
incluindo a sua localização, história e realizações. No caso da emigração dos macaenses,
pensamos ser adequada a ideia de estarmos perante uma diáspora.
• Grupo étnico – o macaense – com uma identidade definida.
• Organizações das comunidades macaenses dispersas pelo mundo, quer no território de
origem, quer nos diferentes destinos onde se estabeleceram.
• Relações com a terra-mãe – Macau – reais e imaginárias.
• Memória colectiva sobre a sua terra de origem que, no caso macaense, adquire duas
dimensões: uma centrada em Macau, o espaço onde nasceram as famílias, a sociedade que
foi evoluindo, a história que explica o nascimento do grupo étnico e o processo
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migratório; outra, centrada em Portugal, de características mais míticas, que oferece à
comunidade macaense raízes ancestrais.
• Dispersão a partir de um centro de origem, para diversos (mais do que três) locais do
mundo.
• Quantitativo de macaenses dispersos pelo mundo que ultrapassa, actualmente, os que se
encontram no seu território de origem.
• Rede étnica transnacional uma vez a emigração dos macaenses, ao reunir todas estas
características, construiu-se e consolidou-se através de uma complexa rede de relações
familiares, associativas e políticas.
1.2. Etnia e transnacionalidade
Como podemos constatar, o conceito de diáspora encontra-se estreitamente associado ao de etnia,
um conceito que tem suscitado um vivo debate entre os cientistas sociais em torno das origens
étnicas do macaense. Tratando-se de uma etnia com origem num processo de miscigenação luso-
asiática, os autores dividem-se entre duas posições «extremas»: os que consideram os macaenses
como fruto da relação portugueses e chineses; e os que defendem um processo de miscigenação
mais complexo integrando, ao lado dos chineses outros povos asiáticos com quem os portugueses
se mantiveram em contacto, nomeadamente malaios, japoneses, indianos e timorenses.
A investigação desenvolvida por Ana Maria Amado (1994), leva-a a aproximar-se da ideia que,
numa primeira fase, as ligações dos portugueses em Macau privilegiaram as mulheres luso-
asiáticas, primeiro com malaias e indianas, posteriormente com japonesas, cochinchinensas e
timorenses, constituindo-se em Macau núcleos familiares que progressivamente se isolaram de
reinóis e chineses, formando um grupo étnico com uma identidade própria; numa segunda fase,
terá ocorrido uma acelerada miscigenação entre portugueses e chineses em Macau, em finais do
século XIX e princípios do século XX (cf. AMADO, A., 1994: 51-52). Se, por um lado, os
estudos desta autora surgem aos nossos olhos com consistência bastante para nos fazer aceitar a
sua tese no que diz respeito à «formação do macaense», por outro, Francisco Lima da Costa
sintetiza em linhas gerais os traços identitários da etnia macaense:
… relativamente a Macau e aos macaenses todos os atributos estão presentes, designadamente,
um nome, Macaense; um mito de linhagem comum, que por acaso assenta numa génese
multiétnica; memórias históricas partilhadas, como o comprova a historiografia macaense; a
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diferenciação cultural que pode desde já ser dada pela existência (ou “invenção”) de uma
língua, o patuá; a terra natal, que é Macau; e, finalmente, um sentido de solidariedade que se
manifesta ou tem manifestado ao longo da história sobretudo em momentos de crise. (COSTA,
F., 2005: 108; CABRAL, J., 1994).
O conceito de diáspora, eminentemente geográfico porque implica a dispersão territorial de um
povo e as relações transnacionais que este estabelece com os territórios de destino, pode ser
analisado centrando-se nas «raízes» ou nos «itinerários» que a ele estão associadas. While the
term ‘roots’ might imply an original homeland from which people have scattered, and to which
they might seek to return, the term ‘routes’ complicates such ideas by focusing on more mobile
and transcultural geographies of home. (BLUNT, A., 2003: 282)
No caso concreto do estudo da diáspora macaense talvez seja possível concretizar uma análise
complementar entre as raízes, isto é, as motivações da partida e os laços que se mantiveram com
a terra-mãe, e os itinerários, a diversidade de caminhos que ao longo do tempo foram trilhados e
que ajudam a explicar a sua dispersão no espaço mundo, a atracção e lógicas de integração nas
sociedades de acolhimento, e a afirmação de uma identidade cultural capaz de resistir à passagem
do tempo. Raízes e itinerários que se alimentam e se sustentam com as redes construídas pela
comunidade da diáspora.
Assim, a dimensão transnacional (cf. PIEKE, F., s.d.) do conceito de diáspora explica a existência
de uma comunidade extraterritorial, no sentido em que rompe com as fronteiras tradicionais do
estado-nação, facto que assume particular interesse no caso da diáspora macaense. O seu
território de origem também nunca foi uma nação: até 1999, um espaço ultramarino administrado
por uma potência europeia, Portugal; hoje, uma Região Administrativa, com um estatuto especial,
embora tutelada pela República Popular da China.
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2. CHINA, XANGAI, MACAU
2.1. Xangai: das muralhas chinesas às concessões internacionais
A expansão do capitalismo industrial, cujo principal centro se encontrava na Grã-Bretanha,
permitiu a esta potência liderar o processo de mundialização de um sistema económico que não
era compatível, nem com economias proteccionistas, nem com espaços nacionais que se
mantivessem fora dos impérios ultramarinos. Nos finais do século XVIII, a partir da Índia, a Grã-
Bretanha dirigiu a sua atenção para a Ásia Oriental. Primeiro para a China e, depois, para o
Japão. A resistência destes dois impérios à «abertura ao mundo» conduziu à solução militar posta
em marcha em meados do século XIX. (cf. HOBSBAWM, E., 1992: 193-194)
Foi neste contexto que se inseriu a abertura da China aos mercados mundiais através da I Guerra
do Ópio (1839/42) que terminou com o Tratado de Nanjing. Os treze artigos do tratado assinado
no dia 29 de Agosto de 1842, estabeleciam o pagamento de uma indemnização à Grã-Bretanha
que ascendia a 21 milhões de dólares, a abolição do sistema monopolista de comércio, a abertura
de cinco portos ao comércio internacional (Cantão, Xiamen, Fuzhou, Ningbo e Xangai), a
cedência da ilha de Hong Kong, a troca de correspondência em pé de igualdade e o
estabelecimento de tarifas fixas alfandegárias.
A partir de meados do século XIX, Xangai transformou-se numa cidade internacional porque
conheceu directamente a influência das potências estrangeiras que, até à II Guerra Mundial,
marcaram a forma, o conteúdo e o ritmo das suas
transformações internas, promovendo a sua integração no
mercado mundial.
Há um consenso generalizado nos estudos consultados para
considerar a localização geográfica de Xangai (Fig. 1) como
um importante factor explicativo do papel político e económico
desempenhado pela cidade, particularmente nos últimos cento e
cinquenta anos. Xangai é uma cidade litoral localizada no
centro da linha costeira chinesa (lat..: 31º 10’N; long.: 121º
29’E). Atravessada pelo rio Huangpu, Xangai encontra-se no
centro de uma complexa rede fluvial dominada pelo delta do
rio Yangtze, um dos quatro principais rios chineses, o que lhe
permitiu assumir-se como uma ponte de ligação ao mundo
Fig. 1 - Portos chineses abertos ao comércio internacional
Fonte: HSÜ (1995: 217)
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exterior além-mar e ao interior da China.
Em meados do século XVII afirmou-se como uma cidade portuária e comercial, desenvolvendo
algumas indústrias locais como, por exemplo, os têxteis de algodão. Em 1842, Xangai controlava
algumas importantes rotas marítimas (norte – Yingkou, Shannon e Yantai; sul – Zhejiang, Fujian,
Taiwan e Guangdong; oeste – portos disseminados ao longo do rio Yangtze), mas o seu comércio
externo era inexistente devido ao exclusivo desta actividade estar confinado às cidades portuárias
de Cantão e Macau. Esta situação alterou-se com a I Guerra do Ópio e a assinatura do Tratado de
Nanjing que incluiu Xangai no conjunto dos cinco portos abertos ao comércio internacional, uma
das cláusulas impostas pela Grã-Bretanha à China naquele tratado. Alguns anos depois, em 1854,
nasceram as concessões estrangeiras sob a tutela britânica, francesa e americana.
Depois desta «refundação» de Xangai, a cidade viveu um período de importantes reformas
urbanas nas três primeiras décadas do século XX que conduziram à sua modernização. Reformas
urbanas que acompanharam o movimento de transição do Império para a República (1911-12)
caracterizado por um enfraquecimento do poder central o que, em parte, poderá explicar o
incremento do mundo urbano num país onde as cidades tradicionalmente se diluíam no mundo
rural.
Durante o Império, as cidades não constituíam unidades políticas autónomas. Sem uma
centralidade urbana clara, um dos principais elementos identificadores das cidades chineses
encontrava-se na sua área circundante, onde se localizavam os espaços de culto e os mercados
que abasteciam o quotidiano material e espiritual dos seus habitantes. Cantão e Xangai, cidades
tradicionalmente associadas a uma forte actividade comercial tinham os seus mais importantes
centros de comércio fora das muralhas. Por outro lado, mesmo as «cidades dos portos dos
tratados», devido à sua fragmentação política resultante de uma forte presença estrangeira, até ao
início do século XX não conheceram uma política de gestão coerente que integrasse todo o seu
espaço urbano (cf. ESHERICK, J., 2000: 1-9).
Com o advento da república em 1911-12, as cidades chinesas conheceram um importante
processo de crescimento e modernização: criação de espaços de lazer, com teatros, cafés,
restaurantes e hotéis; iluminação das ruas que, no caso de Xangai, lhe ofereceu o título de
«cidade sem noite»; emergência de um centro de comércio bem definido; desenvolvimento de
áreas urbanas em redor das estações ferroviárias onde surgiram lojas, hotéis, restaurantes,
cinemas, parques públicos e museus. Estes centros só foram possíveis graças ao desenvolvimento
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dos transportes, que beneficiaram de ruas em macadame, favorecendo a mobilidade das pessoas e
dos produtos com a circulação de riquexós, trens e autocarros. Foi o nascimento de um novo
estilo de vida urbano (cf. ESHERICK, J., 2000: 10).
Em síntese, no contexto do mundo urbano chinês, a cidade de Xangai conheceu transformações
que lhe conferiram especificidades que importa aqui sublinhar, reconhecendo que todas elas se
encontram influenciadas pelo impacte da migração internacional e chinesa despoletadas com a
abertura do porto ao mercado mundial na década de 1850: a diversidade étnica e nacional que
convivia no interior da cidade; o desenvolvimento urbano, registado entre a última década do
século XIX e a II Guerra Mundial, permitiu à cidade crescer mais rapidamente, em território e em
população, do que qualquer outra cidade da China; o elevado nível de concentração e de
diversidade de indústrias – operários, trabalhadores(as) do sexo, comerciantes, escritores,
jornalistas estrangeiros, realizadores de cinema, condutores de riquexós, marinheiros, actores,
uma ampla diversidade de ocupações de características urbanas; a singularidade da sua
administração repartida pela Concessão Internacional (C.I.), Concessão Francesa e Município
Chinês, estabelecida desde meados do século XIX (cf. ESHERICK, J., 2000: 192).
2.2. Quando Macau partiu…
Para muitos historiadores, a I Guerra do Ópio abriu um novo capítulo na História da China. No
nosso entendimento, o mesmo aconteceu em Macau. Foram muitas as repercussões do conflito
sino-britânico de 1839-42 na cidade de tal modo que defendemos que o período das Guerras do
Ópio, que se estende até 1860, marcou a transição para a contemporaneidade de Macau.
A nível político, Macau consolidou a administração portuguesa da cidade, pondo fim à prática da
soberania partilhada com as autoridades chinesas de Cantão. Para que esta mudança se
concretizasse, muito contribuiu a acção do governador Ferreira do Amaral (1846-1849) que
introduziu reformas profundas na gestão política e administrativa da cidade.
Também o território conheceu mudanças importantes, na medida em que o governo de Macau
estendeu a sua jurisdição a toda a península, até à Portas do Cerco, e consolidou a ocupação das
ilhas Verde, Taipa e Coloane.
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Economicamente, Macau continuou a viver do comércio do ópio, género por assim dizer único
em que comerceiam os moradores desta terra1. No entanto foi nesta época que se introduziu a
prática da concessão da venda de bens em regime de “exclusivos”, à qual vai ficar associada a
legalização da prática do jogo e a implementação de uma máquina fiscal que generalizou os
impostos a toda a população. Estas medidas, associadas à franquia do porto de Macau, medida
polémica na época e que tentou revitalizar o comércio da cidade face à concorrência de Cantão e
Hong Kong, permitiram o saneamento financeiro da cidade, mas sem alcançar a sua principal
finalidade: provocar um arranque económico que permitisse a Macau reviver os períodos de
riqueza que conheceu no passado, nomeadamente entre meados do século XVI e meados do
século XVII.
Um dos factores que se encontra associado à falência destas medidas, que não conseguiram
proporcionar o desenvolvimento económico de Macau, foi o nascimento de uma nova
cidade/colónia britânica, Hong Kong, onde se fixaram as casas comerciais britânicas e chinesas
que antes operavam em Macau e Cantão. Com um porto beneficiado por condições naturais que o
de Macau nunca possuiu, porque sempre assoreado, o dinamismo da sua actividade comercial foi,
desde logo, relegando Macau para uma posição subalterna e dependente.
No entanto, a saída das casas comerciais britânicas para Hong Kong arrastou consigo as
comunidades britânica, chinesa… e macaense. Estas três comunidades, que estão na origem do
processo de repovoamento2 da ilha, transportaram consigo as redes sociais que garantiram toda a
actividade económica no delta do Rio das Pérolas antes da I Guerra do Ópio ter eclodido.
A comunidade britânica, numa primeira fase, deu alguns sinais de oferecer resistência à mudança
para Hong Kong mas, entre 1841 e 1844, os comerciantes britânicos foram-se instalando na ilha,
retirando-se de Cantão e Macau. Em Hong Kong fixou-se uma importante comunidade chinesa,
ligada às casas comerciais da região, os “hong”, e fornecedora de mão-de-obra e serviços:
comerciantes com ligações a Cantão e Macau, população marítima dos tancares, pilotos
marítimos, pequenos comerciantes de víveres e artesãos. A comunidade portuguesa, constituída
esmagadoramente por macaenses, dispersou-se pelas principais actividades que insuflaram o
primeiro oxigénio à cidade nascente. Leonardo d’Almada e Castro e o seu irmão, José Maria
1 Ofício Nº 171 de 21 de Janeiro de 1842 do governador Adrião Acácio da Silveira Pinto para o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Arquivo Histórico Ultramarino, Macau, ACL/SEMU/DGU/Série 005, Cxs 9/10, 1842. 2 O número de chineses que viviam em Hong Kong antes da presença britânica varia, consoante os autores consultados, entre 2.000 e 5.000 pessoas.
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d’Almada e Castro, são os nomes mais conhecidos desta primeira comunidade de macaenses que
se instalou na nova cidade, para muitos considerados como os primeiros emigrantes que deram
origem à diáspora macaense em 1842 (cf. Eitel, E., 1968: 182; SÁ, L., 1999: 27). Para além da
administração pública, encontramos os primeiros macaenses nos sectores tipográfico, bancário e,
principalmente, comercial.
Hong Kong foi o primeiro destino da emigração dos macaenses. Em pouco tempo seria a cidade
de Xangai o próximo destino nas trajectórias migratórias dos macaenses.
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3. CONCESSÃO INTERNACIONAL DE XANGAI
3.1. A expansão urbana
O núcleo original de Xangai – a velha «Cidade Chinesa»
(Fig. 2) cujas origens remontam ao terceiro século a.C. –
expandiu-se com a criação das concessões internacionais:
na década de 1850 surgiram as concessões francesa,
britânica, americana e, mais tarde, a japonesa.
O ‘sítio’ das concessões estrangeiras localizou-se na
margem
esquerda do rio Huangpu, onde se instalaram os cais e
as alfândegas que passaram a centralizar a actividade
comercial da cidade, irradiando-se numa malha de
ruas que se expandiu, numa primeira fase, para oeste
(Fig. 3).
As concessões britânica e americana deram origem à
C.I., em 1863, mantendo-se autónoma a Concessão
Francesa. A área da C.I. fixou-se em 1899 nos 22,6
km2 e a Concessão Francesa, em 1914, atingiu os 10,2
Km2 (Fig. 4). Por um lado, as concessões ofereciam
um modelo económico e social de modernização, em
particular nos capítulos da higiene, do policiamento e
das obras públicas, mas por outro lado, a
fragmentação territorial e política dificultava
a criação de planos globais de urbanização e
a proibição e/ou a regulamentação de
actividades como o jogo, a prostituição e a
droga (cf. ESHERICK, J., 2000: 2).
Durante a II Guerra Mundial, Xangai
conheceu um pequeno crescimento que é
acelerado depois de 1949, com o
estabelecimento da República Popular da
Fig. 2 – A cidade chinesa muralhada
Fonte: HENRIOT, C. e ZU’AN, Z. (1999: 14)
Fonte: http://www.earnshaw.com/shanghai-ed-india/tales/t-map.htm (30 de Março de 2007).
Fig. 3 – O ‘sítio’ das concessões estrangeiras (1855)
Fig. 4 – As concessões estrangeiras de Xangai (c. 1930)
Fonte : ESHERICK, J. (2000: 194)
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China. Em 1950, na China, apenas duas cidades tinham projecção mundial – Pequim e Xangai.
Os residentes portugueses em Xangai, nos anos de viragem para o século XX, não se distribuíram
uniformemente pelas concessões estrangeiras. Preferindo a C. I., a sua distribuição neste
município também não se fez de forma homogénea pelos diferentes distritos, como veremos mais
adiante.
3.2. A diversidade étnica/nacional
No início do terceiro milénio apenas treze cidades chinesas têm mais de dois milhões de
habitantes, assumindo Xangai o topo, no que diz respeito aos valores da sua população. Em 1925
já era evidente esta posição de destaque de Xangai enquanto espaço urbano, ultrapassando os
limites da cidade e afirmando-se claramente como uma vasta área urbana de grande concentração
populacional.
Entre 1910 e 1927, o crescimento demográfico de Xangai reflecte-se de forma diferente entre as
concessões estrangeiras e os bairros chineses, um crescimento sustentado por fluxos de imigração
e também pela migração interna oriunda de diversas regiões chinesas. Xangai transformou-se,
nesta época reconhecida de «milagre económico», no espaço-símbolo de um novo país –
republicano, liberal e burguês – atraindo importantes núcleos da burguesia nacional chinesa
(Quadro 1).
Deste modo, reconhecendo que as migrações internacionais produzem efeitos regionalmente
diferenciados em função das características dos imigrantes e dos territórios onde se fixam
(FONSECA, 2007, pp. 109-113), no que diz respeito ao caso de Xangai elas vão ser
determinantes não só pelo seu contributo directo para o crescimento demográfico da cidade, mas
também porque são factor de atracção da migração interna chinesa devido ao dinamismo
económico que a presença dos
estrangeiros gerou na cidade. Por
outro lado, esta presença de residentes
de muitas nacionalidades não
influenciou apenas a actividade
económica, mas teve impactes no
ordenamento urbano e na gestão
política de Xangai.
Quadro 1: Crescimento da população de Xangai (1910-1927)
Anos Variação
População Total
Bairros Chineses
Concessão Internacional
Concessão Francesa
1910
1927
1 289 353
2 641 220
671 866
1 503 922
501 541
(*) 840 226
115 946
(*) 297 072
Variação + 1 351 867
(104,8%)
+ 832 056
(123,8%)
+ 338 685
(67,5%)
+ 181 126
(156,2%)
Adaptado de M. C. Bergère (1986: 109)
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
14
Sabemos que a imigração portuguesa se dispersou pelas duas concessões estrangeiras. No
entanto, neste momento, apenas nos é possível apresentar informação quantitativa credível sobre
a C.I., uma falha que esperamos poder colmatar no decorrer da investigação.
No que diz respeito às características da população que residia nesta área de Xangai nas primeiras
décadas do século XX importa referir, em primeiro lugar, que a C.I. não era um espaço
homogéneo, reconhecendo-se diferenças entre os quatro distritos que a compunham, não só
quanto à sua dimensão, como também às origens da população, densidade populacional e ritmos
de crescimento. Factores históricos e económicos explicam as diferenças nos ritmos de
crescimento demográfico dos diferentes distritos. Os distritos em declínio ou fraco crescimento
demográfico (Central e Norte) são os mais antigos, correspondendo às originais concessões
inglesa e americana e ocupando áreas muito reduzidas: 1,9 km2 e 2 km2, respectivamente. Tendo
os distritos Central e Norte elevadas densidades populacionais, foram os distritos Este (10,9 km2)
e Oeste (7,8 km2) que permitiram novos movimentos de concentração demográfica. O
desenvolvimento destes dois últimos é mais tardio e coincide com a instalação de indústrias
ligeiras na cidade, entre 1910 e 1920 (BERGÈRE, 1986, pp. 109-113). Estes factores ajudam-nos
a explicar a forma como a população portuguesa se distribuiu pela C.I. (Quadro 2),
nomeadamente a sua elevada concentração no Distrito Norte (78,7%): uma de carácter histórico,
porque como já anteriormente foi referido os Distritos
Central e Norte correspondem às primeiras concessões
estrangeiras e a emigração portuguesa acompanhou a
fundação dessas concessões; outra, de carácter
económico diz respeito à proximidade da comunidade
portuguesa com as actividades económicas de
britânicos e americanos, as duas comunidades
estrangeiras com mais peso naqueles dois distritos;
uma terceira explicação poderá estar relacionada com
as empresas que se localizavam nestas duas áreas da
C.I., nomeadamente, estabelecimentos comerciais e
financeiros onde a comunidade portuguesa se
empregava.
Quadro 2 – População portuguesa em Xangai (1905)
Áreas da Xangai Distribuição dos
portugueses na C.I. de Xangai (1905)
%
Distrito Norte 1.047 78,7
Distrito Este 254 19,1
Arredores 23 1,7
Distrito Central 4 0,3
Distrito Oeste 2 0,2
Opium Hulks 1 0,1
Total 1.331 100,0
Obs: No original, o total dos Portugueses em 1905 é de 1.329, o que não corresponde à soma dos totais parciais por áreas (1.331). Adaptado de Shanghai Municipal Council. Census of
the Foreign Population of Shanghai on the 14th
October, 1905 in AHU-MNE: consulado de Xangai, documento impresso (Cx. 575).
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
15
No entanto, reconhecemos que a forma como a população portuguesa se distribuía por Xangai é
um tema que poderemos aprofundar e que requer ainda outros estudos. Identificando os primeiros
portugueses que se fixaram na cidade e os seus locais de residência, será possível dar resposta às
questões que esta temática levanta, nomeadamente no que diz respeito à relação que poderá
existir (ou não) entre a ocupação de determinadas áreas da cidade e as redes familiares e
empresariais que deram sustentabilidade e garantiram continuidade na emigração Macau-Xangai.
Uma outra interrogação que merece ser equacionada diz respeito à possível existência de
fenómenos de etnicização na distribuição dos portugueses pelos diferentes quarteirões, bairros ou
distritos da cidade, tendo em conta que a emigração de
Macau para Xangai envolvia na sua grande maioria
portugueses de origem macaense e chinesa.
O crescimento populacional de Xangai, evidente a partir da
fixação das concessões estrangeiras e alimentado pela
imigração que então se iniciou, conferiu à cidade um rosto
humano marcado pela diversidade (Quadro 3). Entre 1854 e
1945 a cidade foi ponto de chegada e porto de abrigo a gentes
de muitas origens, umas atraídas pelo crescente dinamismo
económico, outras motivadas pela necessidade de se
refugiarem de guerras internas (Taiping em 1850-60; Boxers
em 1890) e externas (II e III Guerras do ópio, entre 1856 e
1860; invasão japonesa, iniciada em 1937).
Chegados à década de 1930, nenhuma outra cidade chinesa
tem um largo espectro de grupos de novos imigrantes,
trabalhadores temporários e imigrantes (colonos) de segunda
geração. Muitos dos chineses locais vieram de duas zonas
vizinhas – Jiangsu e Zhejiang – mas também de outras
regiões constituindo comunidades significativas,
contribuindo para a formação de um caleidoscópio
demográfico complexo em Xangai e desempenhando papéis
específicos na vida social da cidade.
Com os dados disponíveis neste momento podemos verificar
Quadro 3 – Evolução da população estrangeira na Concessão Internacional de
Xangai (1880-1905)
Nacionalidades 1880 1890 1905
Britânicos 1057 1574 3713
Japoneses 168 386 2157
Portugueses 285 564 1329
Americanos 230 323 991
Alemães 159 244 785
Franceses 41 114 393
Russos 3 7 354
Austro-Húngaros 31 38 158
Italianos 9 22 148
Espanhóis 76 229 146
Dinamarqueses 32 69 121
Noruegueses 10 23 93
Suecos 12 28 80
Suíços 13 22 80
Holandeses 5 26 58
Belgas 1 6 48
Gregos 4 5 32
Turcos 18 26
Romenos 12
Brasileiros 2 8
Venezuelanos 7
Indianos 4 89 568
Malaios & 56 28 171
Coreanos 8
Persas 1 6
Diversos 1 145 326
Total 2197 3963 11818
Adaptado de Shanghai Municipal Council.
Census of the Foreign Population of
Shanghai on the 14th October, 1905 in AHU-MNE: consulado de Xangai, documento impresso (Cx. 575).
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
16
que os estrangeiros de nacionalidade portuguesa, entre 1880 a 1905, representando uma
percentagem da população estrangeira a residir na C.I. sempre acima dos 10%, oscilam entre a
segunda e a terceira posição (Fig. 5), facto que lhe confere, por si só, particular importância.
Xangai, uma cidade «refundada» em 1842, transformou-se numa cidade aberta ao comércio
internacional e, também, à “importação” de gentes das mais diversas origens. Um fluxo
migratório surgiu com destino a esta cidade chinesa, transformando-a no mais importante espaço
urbano chinês, do século XIX ao século XXI.
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
1880 1885 1890 1895 1900 1905
Anos
Nº
res
ide
nte
s
Britânicos Japoneses Portugueses Norte-americanos Alemães
Fig. 5 – Principais nacionalidades dos estrangeiros residentes na C. I. (1880-1905)
Fonte: Shanghai Municipal Council. Census of the Foreign Population of Shanghai
on the 14th October, 1905 in AHU-MNE: consulado de Xangai, documento impresso (Cx. 575).
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
17
4. A PRESENÇA PORTUGUESA EM XANGAI
A saída dos macaenses para Xangai insere-se num longo processo migratório que se iniciou em
1842, com a ida dos primeiros emigrantes para a recém nascida cidade de Hong Kong, e que se
prolongou até aos dias de hoje. Actualmente, existem comunidades macaenses espalhadas por
países dos cinco continentes, particularmente, Portugal, Grã-Bretanha, EUA, Canadá, Brasil e
Austrália.
É nosso objectivo, a longo prazo, caracterizar a diáspora macaense (quantificação, evolução,
caracterização e itinerários) e proceder ao estudo específico da comunidade macaense de Xangai.
No que diz respeito ao estudo da comunidade de Xangai, este está a ser efectuado tendo por base
a documentação do Consulado de Portugal em Xangai (C. P. X.), nomeadamente os livros de
Matrícula dos Cidadãos Portugueses (Arquivo Histórico Diplomático – AHD-MNE) que, a partir
de 1890, passaram a reunir os registos dos portugueses que se fixavam em Xangai. Estes livros de
registo foram criados pelo “Regulamento Consular Português Mandado Executar por Decreto de
26 de Novembro de 1903”, o qual entrou em vigor no dia 1 de Julho de 1904, revogando o
regulamento anterior datado de 1851. O Livro 1, referente a 1880 e 1904, abrange todos os
registos que, de forma pouco sistemática, já se tinham realizado no consulado até à data da
publicação do regulamento de 1903. Por outro lado, é neste regulamento do princípio do século
XX que ficam definidas as informações que passaram a constar nas fichas de registo e que estão
presentes nos livros do consulado de Xangai.
Quem são os portugueses de Xangai? Portugueses por nacionalidade, detentores de um
passaporte ou de outras formas de prova, que se registaram no consulado de Portugal. Mas apesar
de serem portugueses por nacionalidade as suas características afastam-nos de qualquer outro
fluxo migratório da longa história da emigração portuguesa, com origem na metrópole europeia.
Em cada ficha de registo o cidadão indicava os seguintes dados (apesar de nem todos se
encontrarem preenchidos): data da matrícula, nome, data de nascimento, naturalidade, estado
civil, profissão, filiação, nacionalidade do pai e da mãe, última residência no reino, data da
chegada a Xangai, prova de nacionalidade, assinatura de testemunhas e residência (em Xangai).
Para além destes dados, a maior parte das matrículas incluía ainda uma fotografia e o registo do
nascimento dos filhos.
O levantamento já realizado nos cinco primeiros livros reúne 1198 registos (até 1920),
abrangendo um total de 1979 nomes: o indivíduo que se regista e o cônjuge (quando existe). Este
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
18
trabalho irá prosseguir e prolongar-se-á até à década de 1950. Nos primeiros registos existe
sempre algum desencontro entre o ano do registo e o ano da chegada a Xangai, porque o
Consulado estava a efectuar a matrícula de todos os portugueses que se fixaram em Xangai desde
a década de 1850 e também porque raramente os cidadãos se registavam no consulado no ano em
que chegavam. No entanto, esta prática foi-se modificando e a tendência passou a ser a do registo
ser efectuado no ano da sua chegada a Xangai ou quando completaram os 21 anos. Neste
momento, optámos por fazer o estudo da evolução do fluxo migratório para Xangai incluindo
apenas os registos até ao ano de 1909. Porque o desenvolvimento económico e social da cidade
conheceu um novo impulso após a I Guerra Mundial, podemos considerar o período de 1850-
1909 como a fase de origem e de consolidação da comunidade portuguesa em Xangai.
4.1. Quantos foram na viagem?
Das matrículas realizadas até 1909 foram recolhidas as informações de 782 registos. No entanto,
tal como dissemos anteriormente, decidimos contabilizar o nome titular do registo (neste período
esmagadoramente masculino) e o nome de cônjuge, o que nos permite considerar um total 1274
emigrantes portugueses registados no C. P. X. (55,5% do género masculino e 44,5% do
feminino). Apesar da nossa opção por contabilizar o nome do cônjuge não temos a certeza que
este estivesse a residir em Xangai. Por isso, mantemos em aberto a questão de saber se estamos
perante uma emigração masculina à qual se segue a reunificação familiar ou se a tendência é a de
uma emigração familiar.
A evolução dos registos
realizados até 1909 (Fig. 6)
permite-nos dividir este
período em três fases distintas:
uma primeira, localizada nas
décadas de 1860 e 1870, de
arranque da emigração; uma
segunda, de alguma
estagnação, entre as décadas de
70 e 80; finalmente, uma
terceira fase, apresentando um
0
50
100
150
200
250
300
1850 1860 1870 1880 1890 1900
Década de chegada a Xangai
Nº
de r
eg
isto
s
Fig. 6 – Emigrantes portugueses registados no CPX entre 1850 e 1909
Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
19
novo crescimento, a partir de 1890. A última fase de aumento do número de portugueses a
emigrarem para Xangai, a partir de 1880, acompanha o ritmo de crescimento da urbe que
conheceu um salto quantitativo exactamente nestas duas últimas décadas do século XIX. Mas,
existe um outro factor que explica o aumento da emigração portuguesa e este relaciona-se com os
territórios de origem dos portugueses que vivem Xangai.
4.2. Quem são os portugueses de Xangai?
Sendo portugueses por nacionalidade, as pessoas que se fixam em Xangai e que se registam no
consulado português têm origens étnicas muito distantes da mãe metropolitana. De facto, as
questões étnicas são fundamentais para a caracterização desta emigração portuguesa, questões
complexas, nem sempre fáceis de analisar. Em síntese, partindo do conceito de etnia e de acordo
com a informação disponível nos registos do consulado português definimos os seguintes
critérios:
• Macaenses: corresponde a uma etnia miscigenada de luso-asiáticos; têm nome português e
são naturais de Macau, Hong Kong ou Xangai; os pais têm nacionalidade portuguesa;
algumas famílias têm apelidos não portugueses porque um dos progenitores não é
português (ex: “Castilha”, pai espanhol; “Lubeck”, pai sueco; “Hayes”, pai britânico).
• Chineses: o nome chinês é determinante para identificar os emigrantes chineses que
emigram para Xangai e que se registam no consulado português – duas excepções (Maria
Assai dos Remédios e Theobaldo Joaquim Collaço, ambos naturais de Macau, mas pais
de nacionalidade chinesa); a sua maioria tem pais de nacionalidade chinesa e nomes
chineses, no entanto, alguns têm nacionalidade portuguesa ou indicam como
nacionalidade dos pais "Macau"; ainda para esclarecer se estamos perante um emigrante
"chinês" ou "macaense", recorremos à assinatura (com caracteres) e à fotografia (quando
existe).
• Luso-asiáticos: emigrantes com nome português; pais de nacionalidade portuguesa;
naturais de diferentes cidades asiáticas (excepto Macau e Hong Kong), predominando
Goa, Yokohama, Singapura e Banguecoque.
• Reinóis: emigrantes de nacionalidade portuguesa, naturais de Portugal Continental,
Açores e Madeira, de possessões portuguesas africanas (nomeadamente Cabo Verde e S.
Tomé), aos quais somámos ainda os que nasceram no Brasil.
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
20
De acordo com estes critérios identificámos a etnia de 1147
pessoas registadas.
A sua distribuição (Quadro 7) permite-nos sublinhar uma das
mais importantes especificidades deste fluxo migratório: trata-se
de uma emigração portuguesa, por prova de nacionalidade, mas
abrangendo duas importantes comunidades étnicas: os macaenses
(perto dos 80%) e os chineses (mais de 17%). Podemos
considerar que a emigração portuguesa para Xangai se insere no
primeiro período da diáspora macaense mas que, ao longo da segunda metade do século XIX,
procurou duas cidades chinesas que, apesar das suas especificidades, ambas se encontravam sob
administração estrangeira: Hong Kong, a partir de 1842, uma colónia britânica, com uma
administração centralizada na figura de um governador nomeado por Londres; Xangai, uma
cidade cuja administração é partilhada entre a Concessão Internacional, Concessão Francesa e
Município Chinês. Por outro lado, a emigração de chineses com nacionalidade portuguesa para
Xangai, a partir de Macau, revela-nos a necessidade vir a aprofundar o estudo sobre esta
mobilidade de pessoas, (i) revelando Macau como ponte de acesso a outras cidades chinesas
abertas ao comércio internacional; (ii) confirmando o poder atractivo de Xangai nesta época,
capaz de seduzir estrangeiros de diversas origens, mas também um forte fluxo migratório interno,
envolvendo chineses de diferentes pontos da China.
4.3. Portugueses em Xangai: naturalidade
Os registos com informação da naturalidade dos emigrantes portugueses, entre 1850 e 1909,
ascendem a 620.
A cidade de Macau é o principal território de origem dos portugueses de Xangai (483). A
segunda origem mais representada é Hong Kong (98): a chegada significativa dos portugueses
naturais de Hong Kong ocorre a partir da década de 80, contribuindo assim para o aumento geral
de portugueses em Xangai (Fig. 7). O conjunto dos portugueses, naturais de Macau e Hong
Kong, ascende a quase 94%. As restantes origens – Portugal, colónias portuguesas africanas,
Goa ou outras cidades asiáticas – englobam, portanto, um número residual.
Quadro 4 – Emigrantes portugueses registados no CPX, por etnia, entre
1850 e 1909
Etnias %
Macaense 79,8
Chinesa 17,2
Luso-asiático 1,0
Reinol 1,0
Outra 1,0
Fonte: Matrícula dos Cidadãos
Portugueses (AHD-MNE)
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
21
Se relacionarmos a
evolução das matrículas
dos portugueses no
Consulado com a
naturalidade e anos de
nascimento, fica claro
que o crescimento e
consolidação da
comunidade portuguesa
de Xangai se processou
devido ao contínuo
movimento de pessoas
de Macau e Hong Kong
para aquela cidade, mas
também pelo nascimento dos emigrantes de segunda geração, quer estes fossem macaenses, quer
chineses. No que diz respeito aos portugueses de etnia macaense (Fig. 8) podemos observar o
crescimento de emigrantes em Xangai nascidos em Macau e Hong Kong nas décadas de 1830 a
1870.
Simultaneamente,
verifica-se o
crescimento de
macaenses já nascidos
em Xangai, a partir de
1860, o qual se
manterá e
provavelmente
acentuará à medida
que formos avançando
na investigação
empírica. A mesma
lógica ocorre com os
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
1850 1860 1870 1880 1890 1900
Década de chegada a Xangai
Nº
de
re
gis
tos
Macau Hong Kong
Fig. 7 – Emigrantes portugueses naturais de Macau e Hong Kong, registados no CPX entre 1850 e 1909
Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1820 1830 1840 1850 1860 1870
Década de nascimento
Nº
de
re
gis
tos
Macau Hong Kong Xangai
Fig. 8 – Década de nascimento dos emigrantes portugueses (macaenses), naturais de Macau, Hong Kong e Xangai (1820-1879)
Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)
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22
0
10
20
30
40
1820 1830 1840 1850 1860 1870
Década de Nascimento
Nº
de r
eg
isto
s
Macau Xangai
Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)
Fig. 9 – Década de nascimento dos emigrantes portugueses (chineses), naturais de Macau e Xangai (1820-1879)
portugueses de origem
chinesa (Fig. 9). A
primeira geração de
portugueses de origem
chinesa (nascidos entre
1820 e 1870) é natural de
Macau. A segunda (de
1840 a 1870) é composta
por chineses de Hong
Kong, filhos de emigrantes
chineses que
possivelmente se fixaram
na colónia britânica a partir de 1842; contudo, também não podemos pôr de parte a hipótese (a
confirmar posteriormente) de, entre estes, existirem chineses de Hong Kong que, não sendo filhos
de emigrantes de Macau, adquiriram a nacionalidade portuguesa.
Em síntese, o mais importante território de origem é Macau, ponto de partida da diáspora
macaense; segue-se Hong Kong, macaenses e chineses filhos da primeira geração de emigrantes
que ali chegaram na década de 1840; finalmente, Xangai, os filhos dos primeiros emigrantes
portugueses, macaenses e chineses, que já nasceram na sociedade de acolhimento.
4.4. Portugueses em Xangai: etnia, género e estado civil
A análise das 1229 pessoas com indicação de estado civil, género e etnia, registadas no C. P. X.
até 1909, é a que mais interrogações nos levanta neste momento da investigação. Convém
esclarecer que em muitos registos o estado civil vai sendo corrigido à medida em que se vai
alterando: em algumas das fichas dos emigrantes, a informação “solteiro” é riscada e reescrita de
“casado”. Em alguns casos, é alterada a informação “solteiro”, “casado” e “viúvo”, encontrando-
se as duas primeiras palavras riscadas, com tinta e letras diferentes. Para o presente estudo,
decidimos apresentar os dados que dizem respeito ao estado civil no momento do primeiro
registo. Deixamos para mais tarde a análise destas mudanças de estado civil dos emigrantes que,
provavelmente, nos ajudará a esclarecer o comportamento socio-familiar dos emigrantes
portugueses de Xangai.
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
23
Importa também esclarecer que nestes primeiros registos, a esmagadora maioria dos primeiros
titulares são pessoas do género masculino. Os nomes das mulheres surgem na qualidade de
“cônjuges” dos emigrantes matriculados no consulado. As mulheres que assumem a sua
matrícula como primeiras titulares só ocorre em duas situações: quando são solteiras,
desenvolvendo actividades específicas, como é o caso das “religiosas”; ou quando enviúvam.
Esta lógica em que se realizava a matrícula no consulado ajuda-nos a compreender as
percentagens dos emigrantes portugueses, em
relação ao estado civil e género (Quadro 5),
nomeadamente a maior percentagem de
mulheres casadas e a elevada percentagem de
viúvas.
Quando comparamos o estado civil dos
emigrantes portugueses, macaenses e chineses (Quadro 6), percebemos que estamos perante
comunidades que revelam comportamentos distintos, sugerindo que os portugueses de origem
chinesa emigram numa lógica quase exclusivamente familiar (97,5%).
No entanto, são mais as dúvidas que as
certezas que temos neste capítulo: por um
lado, a dimensão da amostra não nos oferece
garantias para que arrisquemos um discurso
muito conclusivo; por outro lado, a informação
estatística mostra-se insuficiente, pelo que será
necessário recorrer a outras fontes de
informação, de carácter qualitativo. Os dados apresentados obrigam-nos a reflectir sobre os
comportamentos individuais, familiares e de grupo da comunidade macaense que permitem,
posteriormente, caracterizar este fluxo migratório “Macau – Hong Kong – Xangai”, uma reflexão
que nos conduziu a algumas questões que ajudam a orientar as nossa investigação: (a) Estamos
perante uma lógica de “emigração da família”, de “reunificação familiar”, ou de uma emigração
“masculina” que constitui a sua família já na situação de emigrante? (b) De que modo vai
evoluindo, ao longo do tempo, o estado civil dos emigrantes macaenses? O número de “casados”
vai aumentando e o de “solteiros” vai diminuindo? (c) Confirma-se a elevada percentagem de
Quadro 5 – Emigrantes portugueses registados no CPX, por estado civil e género, entre 1850 e 1909
Est. Civil Masc. (%) Fem. (%)
Casado(a) 62,6 78,8
Solteiro(a) 33,2 10,2
Viúvo(a) 4,2 11,0
Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)
Quadro 6 – Emigrantes portugueses registados no CPX, por estado civil e etnia, entre 1850 e 1909
Est. Civil Macaense (%) Chinesa (%)
Casado(a) 62,3 97,5
Solteiro(a) 28,7 0,5
Viúvo(a) 9,0 2,0
Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
24
“casados” entre os portugueses de origem chinesa? Estaremos, na realidade, perante uma
evidente “emigração familiar”?
4.5. Portugueses em Xangai: as actividades profissionais.
Dos emigrantes registados no C.P. X., apenas 577 têm indicação da sua profissão. Na sua maioria
são os portugueses do género masculino, pois a informação disponível sobre a maior parte das
mulheres aqui consideradas quase se reduz ao nome e estado civil.
Quer sejam portugueses de etnia macaense ou
chinesa (Quadro 7), a percentagem dos emigrantes
que desempenham profissões no ramo comercial é a
mesma, rondando os 85%. No entanto, entre estas
duas comunidades, são diferenciadas as actividades
que os seus membros desenvolvem apesar de se
integrarem no mesmo ramo de actividade: os
macaenses registam-se maioritariamente como
“Empregados de Comércio” – trabalhadores nas
casas comerciais das concessões estrangeiras; os
chineses – “compradores”, “negociantes” e
“vendedores” – com a função de intermediários com o tecido empresarial da cidade chinesa.
Quadro 7 – Activ idades desempenhadas pelos macaenses e chineses no ramo comercial
Macaense Chinesa
Agente de Comissões 5
Comerciante 2
Comprador 11
Empregado de Comércio 380 11
Guarda-Livros 3
Literário e Comercial 1
Negociante 7 62
Proprietário empresa e loja 2 4
Vendedor 1
400 89
Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)
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25
NOTAS FINAIS
Começando por definir o conceito de diáspora, associando ao de etnia e transnacionalidade,
ensaiámos a sua aplicação ao caso do movimento migratório dos macaenses, iniciado em 1842
com a saída dos primeiros emigrantes para Hong Kong e, pouco anos depois, para Xangai.
Na sequência da I Guerra do Ópio, Xangai abriu as suas portas ao mundo, capitalizando todas as
suas potencialidades económicas. A presença das concessões estrangeiras ofereceu as condições
para que se instalasse uma vasta e diversificada comunidade estrangeira, que contou com a
presença de um importante núcleo de cidadãos portadores de nacionalidade portuguesa.
Acompanhando o ritmo de desenvolvimento da cidade, a comunidade portuguesa foi-se
instalando e crescendo, transformando-se numa das mais importantes comunidades, logo a seguir
aos britânicos. Uma comunidade portuguesa, natural de Macau e de Hong Kong, e etnicamente
bem definida – macaenses (a maioria) e chineses – que se integrou no dinamismo económico da
cidade, assente na actividade das grandes casas comerciais britânicas, americanas e francesas.
No entanto, reconhecendo que este é um estudo exploratório, importa sublinhar as interrogações
que se foram levantando e, deste modo, identificar algumas das principais questões que poderão
orientar o futuro da nossa investigação. No entanto, convém sublinhar que estas linhas de análise
estão condicionadas pelas especificidades que o estudo deste fenómeno migratório encerra: os
limites temporais que o definem e os respectivos contextos históricos em que se inserem; as
fontes de informação disponíveis, quantitativas e qualitativas, que possivelmente não nos
oferecem todas as respostas que desejaríamos. De qualquer modo, pensamos também que nesta
fase da investigação, a prioridade deve centrar-se na sistematização dos problemas que se foram
levantando ao longo deste estudo introdutório.
• Contextualizar o estudo da emigração Macau-Xangai no território de origem, a fim de
identificar as causas estruturais da emigração.
• Analisar o processo de integração social dos emigrantes macaenses na sociedade de
Xangai, considerando que (a) o seu futuro foi condicionado por factores externos (invasão
japonesa e II Guerra Mundial); (b) aquela integração social se poderá cruzar com as
estruturas económicas dominantes e com a diversidade étnica presente na cidade de
Xangai; (c) a sua inscrição na cidade pode traduzir a modalidade de integração na
sociedade de acolhimento.
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• Analisar a influência da rede étnica no fluxo migratório Macau-Xangai, o que implica (a)
entender o papel ocupado pela comunidade étnica dos macaenses nas estruturas
económicas dominantes em Xangai; (b) identificar a estratégias familiares nos processos
de decisão pela mobilidade, de integração no território de destino e da rede de apoio ao
acolhimento de novos emigrantes; (c) analisar a distribuição dos macaenses na cidade de
Xangai, incluindo um estudo diacrónico, de modo a tornar visíveis as eventuais redes
familiares ou locais; (d) identificar as relações que se mantiveram com os principais
territórios de origem: Macau e Hong Kong.
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