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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 A DIÁSPORA MACAENSE: ITINERÁRIOS MIGRATÓRIOS “MACAU-XANGAI” (1850-1909) Alfredo Gomes Dias Escola Superior de Educação de Lisboa Campus de Benfica do IPL – 1549-003 Lisboa Telefone: 217115500 / Fax: 217166147 [email protected] Resumo Esta comunicação insere-se num projecto de investigação mais vasto subordinado ao tema da Diáspora Macaense, um movimento migratório que tem origem em Macau, no ano de 1842. Na sequência da I Guerra do Ópio (1839-1842) e de acordo com o estabelecido no Tratado de Nanjing, a Grã-Bretanha tomou posse da ilha de Hong Kong. Com o nascimento da cidade Vitória nesta ilha iniciou-se, no mesmo ano, o movimento migratório que irá levar os macaenses a dispersarem-se por muitos outros destinos, um dos quais a cidade chinesa de Xangai. Na segunda metade de oitocentos, Xangai conheceu profundas transformações e nela se instalaram diferentes comunidades estrangeiras, uma das quais portuguesa com origem na cidade de Macau. Assim, neste estudo tentaremos (i) definir os conceitos diáspora e macaense, fundamentais para a análise da realidade social e económica que envolveu este movimento migratório; (ii) desenhar alguns dos principais itinerários migratórios ilustrativos da diáspora macaense; (iii) caracterizar política, económica e socialmente a cidade de Xangai na segunda metade do século XIX; (iv) apresentar alguns traços demográficos da emigração Macau-Xangai entre 1850 e 1909. Para além da revisão da literatura que temos vindo a realizar no âmbito desta investigação, esta comunicação mobiliza a análise de documentação consultada em diversos arquivos portugueses. Reconhecemos que este é um projecto de investigação que se encontra ainda a dar os seus primeiros passos. Mas, com este estudo, teremos oportunidade de colocar hipóteses e interrogações, que permitam abrir novas linhas de investigação. Palavras-chave: diáspora, macaense, itinerário migratório.

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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

A DIÁSPORA MACAENSE: ITINERÁRIOS MIGRATÓRIOS

“MACAU-XANGAI” (1850-1909)

Alfredo Gomes Dias

Escola Superior de Educação de Lisboa Campus de Benfica do IPL – 1549-003 Lisboa

Telefone: 217115500 / Fax: 217166147 [email protected]

Resumo

Esta comunicação insere-se num projecto de investigação mais vasto subordinado ao tema da

Diáspora Macaense, um movimento migratório que tem origem em Macau, no ano de 1842.

Na sequência da I Guerra do Ópio (1839-1842) e de acordo com o estabelecido no Tratado de

Nanjing, a Grã-Bretanha tomou posse da ilha de Hong Kong. Com o nascimento da cidade

Vitória nesta ilha iniciou-se, no mesmo ano, o movimento migratório que irá levar os macaenses

a dispersarem-se por muitos outros destinos, um dos quais a cidade chinesa de Xangai.

Na segunda metade de oitocentos, Xangai conheceu profundas transformações e nela se

instalaram diferentes comunidades estrangeiras, uma das quais portuguesa com origem na cidade

de Macau.

Assim, neste estudo tentaremos (i) definir os conceitos diáspora e macaense, fundamentais para a

análise da realidade social e económica que envolveu este movimento migratório; (ii) desenhar

alguns dos principais itinerários migratórios ilustrativos da diáspora macaense; (iii) caracterizar

política, económica e socialmente a cidade de Xangai na segunda metade do século XIX; (iv)

apresentar alguns traços demográficos da emigração Macau-Xangai entre 1850 e 1909.

Para além da revisão da literatura que temos vindo a realizar no âmbito desta investigação, esta

comunicação mobiliza a análise de documentação consultada em diversos arquivos portugueses.

Reconhecemos que este é um projecto de investigação que se encontra ainda a dar os seus

primeiros passos. Mas, com este estudo, teremos oportunidade de colocar hipóteses e

interrogações, que permitam abrir novas linhas de investigação.

Palavras-chave: diáspora, macaense, itinerário migratório.

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INTRODUÇÃO

Os estudos sobre a sociedade de Macau, em particular sobre a comunidade macaense, têm-se

centrado na sua caracterização étnica deixando de fora o grande tema da diáspora. Este fluxo

migratório, iniciado em 1842 na sequência da ocupação da ilha de Hong Kong pela Grã-

Bretanha, assume particular pertinência se tivermos em consideração que ainda hoje faz parte das

vivências sociais, políticas e imaginárias de um povo que se dispersou por todos os continentes.

Entendemos que os fluxos migratórios devem ser estudados enquanto fenómenos que se inserem

na sua totalidade social. Por isso, a investigação sobre a diáspora macaense (1850-1949) colocou-

nos perante o desafio de ensaiar uma síntese que conte com o contributo de diversas disciplinas,

em particular da História e da Geografia: a primeira porque nos debruçamos sobre um processo

migratório historicamente datado, tornando incontornável a sua contextualização; a segunda

porque o estudo das migrações, por excelência, incide sobre a mobilidade geográfica de

contingentes humanos que procuram soluções de vida fora do seu território de origem, mas com o

qual mantém múltiplas ligações.

Para além de ser nosso propósito apreender os contornos demográficos da diáspora macaense na

sua totalidade enquanto fenómeno social que se prolongou até aos dias de hoje, pretendemos

também desenvolver um estudo centrado no caso da comunidade macaense de Xangai. É sobre

este último tema que apresentaremos este breve texto. Em primeiro lugar, ensaiando a definição

dos conceitos de diáspora, etnia e transnacionalidade. Segue-se uma síntese sobre o

estabelecimento das concessões estrangeiras em Xangai na década de 1840. Em terceiro lugar,

apresenta-se sumariamente a Concessão Internacional: a sua evolução, o seu dinamismo

económico e a diversidade da sua população residente, dando particular destaque à comunidade

portuguesa de origem macaense. Finalmente, tentamos uma análise demográfica da emigração

dos macaenses que deixam as cidades de Macau e de Hong Kong rumo a Xangai.

1. DIÁSPORA MACAENSE: DEFINIÇÃO DE CONCEITOS

O conceito de diáspora encontra-se sempre associado ao fenómeno da emigração. Muitas vezes

até como sinónimo o que, como veremos, é uma ideia redutora de um conceito mais complexo.

Compreender a diáspora, na sua totalidade social, implica revelar as três dimensões socioculturais

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que a ela estão associadas: etnia, porque a diáspora centra-se no estudo duma comunidade étnica

específica; emigração, porque é um fenómeno migratório caracterizado por uma grande dispersão

territorial, a partir de um espaço de origem que se mantém como referência, real ou imaginária;

transnacionalidade, porque implica a construção de uma rede entre as diferentes comunidades

locais dispersas pelo mundo, aglutinadas pelos factores socioculturais que lhe conferem

identidade, entre os quais o seu território de origem (cf. PIEKE, F., s.d.).

1.1. Diáspora

No Dicionário de Geografia recentemente publicado, de Ives Lacoste, diáspora é definida do

seguinte modo:

Em hebreu, dispersão. Este termo, que originalmente designava a dispersão dos judeus no

mundo, aplica-se desde há umas décadas a outras minorias étnicas dispersas fora das suas

regiões de origem. No sentido próprio, a palavra diáspora devia designar grupos étnicos que se

encontram tanto ou mesmo mais no estrangeiro do que no seu país de origem, caso dos judeus,

dos Irlandeses, dos Gregos, dos Arménios, dos Palestinianos. (LACOSTE, I., 2005: 126-127)

Desta definição importa reter duas ideias fundamentais: a primeira centra-se no facto de,

geralmente, todos os autores terem por referência o exemplo judaico quando abordam o conceito

de diáspora; a segunda refere-se à opção deste autor em colocar o acento tónico numa

característica que outros autores nem sempre consideram que é a de grupos étnicos que se

encontram tanto ou mesmo mais no estrangeiro do que no seu país de origem. Michele Reis (cf.

REIS, M., 2004) reforça a ideia de que a diáspora judaica se mantém como referência quando se

pretende teorizar sobre este conceito, mas enuncia seis características básicas que devem ser

ponderadas quando pretendemos avaliar se um determinado movimento migratório é uma

diáspora: dispersão a partir de um centro de origem, para duas ou mais regiões estrangeiras;

preservação duma memória colectiva, visão ou mito, sobre a sua terra de origem, incluindo a sua

localização, história e realizações; crença de que nunca são completamente aceites nas sociedades

de acolhimento, mantendo-se por isso parcialmente separados; idealização de uma suposta terra

de origem ancestral, aonde se poderá regressar um dia se as condições o permitirem; crença que

todos os membros são responsáveis por manter ou recuperar a sua terra de origem em segurança e

prosperidade; grupo étnico conscientemente fortalecido durante um longo período de tempo e

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baseado em indicadores distintivos, como a história comum e a crença num destino colectivo (cf.

REIS, M., 2004, p. 43).

Contudo, estudos mais recentes ajudam-nos a construir uma definição mais ajustada a outros

conceitos que são hoje fundamentais para o estudo dos movimentos migratórios, nomeadamente

o conceito de «rede». The concept of a diaspora has three main dimensions – awareness of an

ethnic identity, the existence of communal organizations, and the persistence of relations (even

imaginary ones) with the homeland (…) In fact, diaspora refers to a specific relationship to time

(memory) and space, so can be considered as an ethnic transnational network. (CESARI, J.,

2002: 90). Jorge Malheiros, numa tentativa de síntese de alguns autores de referência (Safran,

Chaliand e Rageau, Bruneau e Cohen), propõe que se considere a diáspora como um grupo

disperso por diversos locais do mundo (não apenas dois ou três), que partilha uma mesma

memória étnico-cultural colectiva e que mantém laços, reais ou simbólicos, com o território de

origem, seja dos próprios ou dos seus antepassados (MALHEIROS, J., 2001: 73).

Em síntese, consideramos que o conceito de diáspora integra um conjunto de características, sem

que todavia seja obrigatório que todas se reúnam para que consideremos como tal um

determinado fluxo migratório: dispersão a partir de um centro de origem, para duas ou mais

regiões estrangeiras; grupo étnico conscientemente fortalecido durante um longo período de

tempo e baseado em indicadores distintivos, como a história comum e a crença num destino

colectivo; organizações que facilitem a construção de uma rede étnica transnacional e a relação

das diferentes comunidades dispersas pelo mundo, assim como os vínculos ao território de

origem; preservação duma memória colectiva, visão ou mito, sobre a sua terra de origem,

incluindo a sua localização, história e realizações. No caso da emigração dos macaenses,

pensamos ser adequada a ideia de estarmos perante uma diáspora.

• Grupo étnico – o macaense – com uma identidade definida.

• Organizações das comunidades macaenses dispersas pelo mundo, quer no território de

origem, quer nos diferentes destinos onde se estabeleceram.

• Relações com a terra-mãe – Macau – reais e imaginárias.

• Memória colectiva sobre a sua terra de origem que, no caso macaense, adquire duas

dimensões: uma centrada em Macau, o espaço onde nasceram as famílias, a sociedade que

foi evoluindo, a história que explica o nascimento do grupo étnico e o processo

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migratório; outra, centrada em Portugal, de características mais míticas, que oferece à

comunidade macaense raízes ancestrais.

• Dispersão a partir de um centro de origem, para diversos (mais do que três) locais do

mundo.

• Quantitativo de macaenses dispersos pelo mundo que ultrapassa, actualmente, os que se

encontram no seu território de origem.

• Rede étnica transnacional uma vez a emigração dos macaenses, ao reunir todas estas

características, construiu-se e consolidou-se através de uma complexa rede de relações

familiares, associativas e políticas.

1.2. Etnia e transnacionalidade

Como podemos constatar, o conceito de diáspora encontra-se estreitamente associado ao de etnia,

um conceito que tem suscitado um vivo debate entre os cientistas sociais em torno das origens

étnicas do macaense. Tratando-se de uma etnia com origem num processo de miscigenação luso-

asiática, os autores dividem-se entre duas posições «extremas»: os que consideram os macaenses

como fruto da relação portugueses e chineses; e os que defendem um processo de miscigenação

mais complexo integrando, ao lado dos chineses outros povos asiáticos com quem os portugueses

se mantiveram em contacto, nomeadamente malaios, japoneses, indianos e timorenses.

A investigação desenvolvida por Ana Maria Amado (1994), leva-a a aproximar-se da ideia que,

numa primeira fase, as ligações dos portugueses em Macau privilegiaram as mulheres luso-

asiáticas, primeiro com malaias e indianas, posteriormente com japonesas, cochinchinensas e

timorenses, constituindo-se em Macau núcleos familiares que progressivamente se isolaram de

reinóis e chineses, formando um grupo étnico com uma identidade própria; numa segunda fase,

terá ocorrido uma acelerada miscigenação entre portugueses e chineses em Macau, em finais do

século XIX e princípios do século XX (cf. AMADO, A., 1994: 51-52). Se, por um lado, os

estudos desta autora surgem aos nossos olhos com consistência bastante para nos fazer aceitar a

sua tese no que diz respeito à «formação do macaense», por outro, Francisco Lima da Costa

sintetiza em linhas gerais os traços identitários da etnia macaense:

… relativamente a Macau e aos macaenses todos os atributos estão presentes, designadamente,

um nome, Macaense; um mito de linhagem comum, que por acaso assenta numa génese

multiétnica; memórias históricas partilhadas, como o comprova a historiografia macaense; a

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diferenciação cultural que pode desde já ser dada pela existência (ou “invenção”) de uma

língua, o patuá; a terra natal, que é Macau; e, finalmente, um sentido de solidariedade que se

manifesta ou tem manifestado ao longo da história sobretudo em momentos de crise. (COSTA,

F., 2005: 108; CABRAL, J., 1994).

O conceito de diáspora, eminentemente geográfico porque implica a dispersão territorial de um

povo e as relações transnacionais que este estabelece com os territórios de destino, pode ser

analisado centrando-se nas «raízes» ou nos «itinerários» que a ele estão associadas. While the

term ‘roots’ might imply an original homeland from which people have scattered, and to which

they might seek to return, the term ‘routes’ complicates such ideas by focusing on more mobile

and transcultural geographies of home. (BLUNT, A., 2003: 282)

No caso concreto do estudo da diáspora macaense talvez seja possível concretizar uma análise

complementar entre as raízes, isto é, as motivações da partida e os laços que se mantiveram com

a terra-mãe, e os itinerários, a diversidade de caminhos que ao longo do tempo foram trilhados e

que ajudam a explicar a sua dispersão no espaço mundo, a atracção e lógicas de integração nas

sociedades de acolhimento, e a afirmação de uma identidade cultural capaz de resistir à passagem

do tempo. Raízes e itinerários que se alimentam e se sustentam com as redes construídas pela

comunidade da diáspora.

Assim, a dimensão transnacional (cf. PIEKE, F., s.d.) do conceito de diáspora explica a existência

de uma comunidade extraterritorial, no sentido em que rompe com as fronteiras tradicionais do

estado-nação, facto que assume particular interesse no caso da diáspora macaense. O seu

território de origem também nunca foi uma nação: até 1999, um espaço ultramarino administrado

por uma potência europeia, Portugal; hoje, uma Região Administrativa, com um estatuto especial,

embora tutelada pela República Popular da China.

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2. CHINA, XANGAI, MACAU

2.1. Xangai: das muralhas chinesas às concessões internacionais

A expansão do capitalismo industrial, cujo principal centro se encontrava na Grã-Bretanha,

permitiu a esta potência liderar o processo de mundialização de um sistema económico que não

era compatível, nem com economias proteccionistas, nem com espaços nacionais que se

mantivessem fora dos impérios ultramarinos. Nos finais do século XVIII, a partir da Índia, a Grã-

Bretanha dirigiu a sua atenção para a Ásia Oriental. Primeiro para a China e, depois, para o

Japão. A resistência destes dois impérios à «abertura ao mundo» conduziu à solução militar posta

em marcha em meados do século XIX. (cf. HOBSBAWM, E., 1992: 193-194)

Foi neste contexto que se inseriu a abertura da China aos mercados mundiais através da I Guerra

do Ópio (1839/42) que terminou com o Tratado de Nanjing. Os treze artigos do tratado assinado

no dia 29 de Agosto de 1842, estabeleciam o pagamento de uma indemnização à Grã-Bretanha

que ascendia a 21 milhões de dólares, a abolição do sistema monopolista de comércio, a abertura

de cinco portos ao comércio internacional (Cantão, Xiamen, Fuzhou, Ningbo e Xangai), a

cedência da ilha de Hong Kong, a troca de correspondência em pé de igualdade e o

estabelecimento de tarifas fixas alfandegárias.

A partir de meados do século XIX, Xangai transformou-se numa cidade internacional porque

conheceu directamente a influência das potências estrangeiras que, até à II Guerra Mundial,

marcaram a forma, o conteúdo e o ritmo das suas

transformações internas, promovendo a sua integração no

mercado mundial.

Há um consenso generalizado nos estudos consultados para

considerar a localização geográfica de Xangai (Fig. 1) como

um importante factor explicativo do papel político e económico

desempenhado pela cidade, particularmente nos últimos cento e

cinquenta anos. Xangai é uma cidade litoral localizada no

centro da linha costeira chinesa (lat..: 31º 10’N; long.: 121º

29’E). Atravessada pelo rio Huangpu, Xangai encontra-se no

centro de uma complexa rede fluvial dominada pelo delta do

rio Yangtze, um dos quatro principais rios chineses, o que lhe

permitiu assumir-se como uma ponte de ligação ao mundo

Fig. 1 - Portos chineses abertos ao comércio internacional

Fonte: HSÜ (1995: 217)

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exterior além-mar e ao interior da China.

Em meados do século XVII afirmou-se como uma cidade portuária e comercial, desenvolvendo

algumas indústrias locais como, por exemplo, os têxteis de algodão. Em 1842, Xangai controlava

algumas importantes rotas marítimas (norte – Yingkou, Shannon e Yantai; sul – Zhejiang, Fujian,

Taiwan e Guangdong; oeste – portos disseminados ao longo do rio Yangtze), mas o seu comércio

externo era inexistente devido ao exclusivo desta actividade estar confinado às cidades portuárias

de Cantão e Macau. Esta situação alterou-se com a I Guerra do Ópio e a assinatura do Tratado de

Nanjing que incluiu Xangai no conjunto dos cinco portos abertos ao comércio internacional, uma

das cláusulas impostas pela Grã-Bretanha à China naquele tratado. Alguns anos depois, em 1854,

nasceram as concessões estrangeiras sob a tutela britânica, francesa e americana.

Depois desta «refundação» de Xangai, a cidade viveu um período de importantes reformas

urbanas nas três primeiras décadas do século XX que conduziram à sua modernização. Reformas

urbanas que acompanharam o movimento de transição do Império para a República (1911-12)

caracterizado por um enfraquecimento do poder central o que, em parte, poderá explicar o

incremento do mundo urbano num país onde as cidades tradicionalmente se diluíam no mundo

rural.

Durante o Império, as cidades não constituíam unidades políticas autónomas. Sem uma

centralidade urbana clara, um dos principais elementos identificadores das cidades chineses

encontrava-se na sua área circundante, onde se localizavam os espaços de culto e os mercados

que abasteciam o quotidiano material e espiritual dos seus habitantes. Cantão e Xangai, cidades

tradicionalmente associadas a uma forte actividade comercial tinham os seus mais importantes

centros de comércio fora das muralhas. Por outro lado, mesmo as «cidades dos portos dos

tratados», devido à sua fragmentação política resultante de uma forte presença estrangeira, até ao

início do século XX não conheceram uma política de gestão coerente que integrasse todo o seu

espaço urbano (cf. ESHERICK, J., 2000: 1-9).

Com o advento da república em 1911-12, as cidades chinesas conheceram um importante

processo de crescimento e modernização: criação de espaços de lazer, com teatros, cafés,

restaurantes e hotéis; iluminação das ruas que, no caso de Xangai, lhe ofereceu o título de

«cidade sem noite»; emergência de um centro de comércio bem definido; desenvolvimento de

áreas urbanas em redor das estações ferroviárias onde surgiram lojas, hotéis, restaurantes,

cinemas, parques públicos e museus. Estes centros só foram possíveis graças ao desenvolvimento

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dos transportes, que beneficiaram de ruas em macadame, favorecendo a mobilidade das pessoas e

dos produtos com a circulação de riquexós, trens e autocarros. Foi o nascimento de um novo

estilo de vida urbano (cf. ESHERICK, J., 2000: 10).

Em síntese, no contexto do mundo urbano chinês, a cidade de Xangai conheceu transformações

que lhe conferiram especificidades que importa aqui sublinhar, reconhecendo que todas elas se

encontram influenciadas pelo impacte da migração internacional e chinesa despoletadas com a

abertura do porto ao mercado mundial na década de 1850: a diversidade étnica e nacional que

convivia no interior da cidade; o desenvolvimento urbano, registado entre a última década do

século XIX e a II Guerra Mundial, permitiu à cidade crescer mais rapidamente, em território e em

população, do que qualquer outra cidade da China; o elevado nível de concentração e de

diversidade de indústrias – operários, trabalhadores(as) do sexo, comerciantes, escritores,

jornalistas estrangeiros, realizadores de cinema, condutores de riquexós, marinheiros, actores,

uma ampla diversidade de ocupações de características urbanas; a singularidade da sua

administração repartida pela Concessão Internacional (C.I.), Concessão Francesa e Município

Chinês, estabelecida desde meados do século XIX (cf. ESHERICK, J., 2000: 192).

2.2. Quando Macau partiu…

Para muitos historiadores, a I Guerra do Ópio abriu um novo capítulo na História da China. No

nosso entendimento, o mesmo aconteceu em Macau. Foram muitas as repercussões do conflito

sino-britânico de 1839-42 na cidade de tal modo que defendemos que o período das Guerras do

Ópio, que se estende até 1860, marcou a transição para a contemporaneidade de Macau.

A nível político, Macau consolidou a administração portuguesa da cidade, pondo fim à prática da

soberania partilhada com as autoridades chinesas de Cantão. Para que esta mudança se

concretizasse, muito contribuiu a acção do governador Ferreira do Amaral (1846-1849) que

introduziu reformas profundas na gestão política e administrativa da cidade.

Também o território conheceu mudanças importantes, na medida em que o governo de Macau

estendeu a sua jurisdição a toda a península, até à Portas do Cerco, e consolidou a ocupação das

ilhas Verde, Taipa e Coloane.

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Economicamente, Macau continuou a viver do comércio do ópio, género por assim dizer único

em que comerceiam os moradores desta terra1. No entanto foi nesta época que se introduziu a

prática da concessão da venda de bens em regime de “exclusivos”, à qual vai ficar associada a

legalização da prática do jogo e a implementação de uma máquina fiscal que generalizou os

impostos a toda a população. Estas medidas, associadas à franquia do porto de Macau, medida

polémica na época e que tentou revitalizar o comércio da cidade face à concorrência de Cantão e

Hong Kong, permitiram o saneamento financeiro da cidade, mas sem alcançar a sua principal

finalidade: provocar um arranque económico que permitisse a Macau reviver os períodos de

riqueza que conheceu no passado, nomeadamente entre meados do século XVI e meados do

século XVII.

Um dos factores que se encontra associado à falência destas medidas, que não conseguiram

proporcionar o desenvolvimento económico de Macau, foi o nascimento de uma nova

cidade/colónia britânica, Hong Kong, onde se fixaram as casas comerciais britânicas e chinesas

que antes operavam em Macau e Cantão. Com um porto beneficiado por condições naturais que o

de Macau nunca possuiu, porque sempre assoreado, o dinamismo da sua actividade comercial foi,

desde logo, relegando Macau para uma posição subalterna e dependente.

No entanto, a saída das casas comerciais britânicas para Hong Kong arrastou consigo as

comunidades britânica, chinesa… e macaense. Estas três comunidades, que estão na origem do

processo de repovoamento2 da ilha, transportaram consigo as redes sociais que garantiram toda a

actividade económica no delta do Rio das Pérolas antes da I Guerra do Ópio ter eclodido.

A comunidade britânica, numa primeira fase, deu alguns sinais de oferecer resistência à mudança

para Hong Kong mas, entre 1841 e 1844, os comerciantes britânicos foram-se instalando na ilha,

retirando-se de Cantão e Macau. Em Hong Kong fixou-se uma importante comunidade chinesa,

ligada às casas comerciais da região, os “hong”, e fornecedora de mão-de-obra e serviços:

comerciantes com ligações a Cantão e Macau, população marítima dos tancares, pilotos

marítimos, pequenos comerciantes de víveres e artesãos. A comunidade portuguesa, constituída

esmagadoramente por macaenses, dispersou-se pelas principais actividades que insuflaram o

primeiro oxigénio à cidade nascente. Leonardo d’Almada e Castro e o seu irmão, José Maria

1 Ofício Nº 171 de 21 de Janeiro de 1842 do governador Adrião Acácio da Silveira Pinto para o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Arquivo Histórico Ultramarino, Macau, ACL/SEMU/DGU/Série 005, Cxs 9/10, 1842. 2 O número de chineses que viviam em Hong Kong antes da presença britânica varia, consoante os autores consultados, entre 2.000 e 5.000 pessoas.

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d’Almada e Castro, são os nomes mais conhecidos desta primeira comunidade de macaenses que

se instalou na nova cidade, para muitos considerados como os primeiros emigrantes que deram

origem à diáspora macaense em 1842 (cf. Eitel, E., 1968: 182; SÁ, L., 1999: 27). Para além da

administração pública, encontramos os primeiros macaenses nos sectores tipográfico, bancário e,

principalmente, comercial.

Hong Kong foi o primeiro destino da emigração dos macaenses. Em pouco tempo seria a cidade

de Xangai o próximo destino nas trajectórias migratórias dos macaenses.

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3. CONCESSÃO INTERNACIONAL DE XANGAI

3.1. A expansão urbana

O núcleo original de Xangai – a velha «Cidade Chinesa»

(Fig. 2) cujas origens remontam ao terceiro século a.C. –

expandiu-se com a criação das concessões internacionais:

na década de 1850 surgiram as concessões francesa,

britânica, americana e, mais tarde, a japonesa.

O ‘sítio’ das concessões estrangeiras localizou-se na

margem

esquerda do rio Huangpu, onde se instalaram os cais e

as alfândegas que passaram a centralizar a actividade

comercial da cidade, irradiando-se numa malha de

ruas que se expandiu, numa primeira fase, para oeste

(Fig. 3).

As concessões britânica e americana deram origem à

C.I., em 1863, mantendo-se autónoma a Concessão

Francesa. A área da C.I. fixou-se em 1899 nos 22,6

km2 e a Concessão Francesa, em 1914, atingiu os 10,2

Km2 (Fig. 4). Por um lado, as concessões ofereciam

um modelo económico e social de modernização, em

particular nos capítulos da higiene, do policiamento e

das obras públicas, mas por outro lado, a

fragmentação territorial e política dificultava

a criação de planos globais de urbanização e

a proibição e/ou a regulamentação de

actividades como o jogo, a prostituição e a

droga (cf. ESHERICK, J., 2000: 2).

Durante a II Guerra Mundial, Xangai

conheceu um pequeno crescimento que é

acelerado depois de 1949, com o

estabelecimento da República Popular da

Fig. 2 – A cidade chinesa muralhada

Fonte: HENRIOT, C. e ZU’AN, Z. (1999: 14)

Fonte: http://www.earnshaw.com/shanghai-ed-india/tales/t-map.htm (30 de Março de 2007).

Fig. 3 – O ‘sítio’ das concessões estrangeiras (1855)

Fig. 4 – As concessões estrangeiras de Xangai (c. 1930)

Fonte : ESHERICK, J. (2000: 194)

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13

China. Em 1950, na China, apenas duas cidades tinham projecção mundial – Pequim e Xangai.

Os residentes portugueses em Xangai, nos anos de viragem para o século XX, não se distribuíram

uniformemente pelas concessões estrangeiras. Preferindo a C. I., a sua distribuição neste

município também não se fez de forma homogénea pelos diferentes distritos, como veremos mais

adiante.

3.2. A diversidade étnica/nacional

No início do terceiro milénio apenas treze cidades chinesas têm mais de dois milhões de

habitantes, assumindo Xangai o topo, no que diz respeito aos valores da sua população. Em 1925

já era evidente esta posição de destaque de Xangai enquanto espaço urbano, ultrapassando os

limites da cidade e afirmando-se claramente como uma vasta área urbana de grande concentração

populacional.

Entre 1910 e 1927, o crescimento demográfico de Xangai reflecte-se de forma diferente entre as

concessões estrangeiras e os bairros chineses, um crescimento sustentado por fluxos de imigração

e também pela migração interna oriunda de diversas regiões chinesas. Xangai transformou-se,

nesta época reconhecida de «milagre económico», no espaço-símbolo de um novo país –

republicano, liberal e burguês – atraindo importantes núcleos da burguesia nacional chinesa

(Quadro 1).

Deste modo, reconhecendo que as migrações internacionais produzem efeitos regionalmente

diferenciados em função das características dos imigrantes e dos territórios onde se fixam

(FONSECA, 2007, pp. 109-113), no que diz respeito ao caso de Xangai elas vão ser

determinantes não só pelo seu contributo directo para o crescimento demográfico da cidade, mas

também porque são factor de atracção da migração interna chinesa devido ao dinamismo

económico que a presença dos

estrangeiros gerou na cidade. Por

outro lado, esta presença de residentes

de muitas nacionalidades não

influenciou apenas a actividade

económica, mas teve impactes no

ordenamento urbano e na gestão

política de Xangai.

Quadro 1: Crescimento da população de Xangai (1910-1927)

Anos Variação

População Total

Bairros Chineses

Concessão Internacional

Concessão Francesa

1910

1927

1 289 353

2 641 220

671 866

1 503 922

501 541

(*) 840 226

115 946

(*) 297 072

Variação + 1 351 867

(104,8%)

+ 832 056

(123,8%)

+ 338 685

(67,5%)

+ 181 126

(156,2%)

Adaptado de M. C. Bergère (1986: 109)

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14

Sabemos que a imigração portuguesa se dispersou pelas duas concessões estrangeiras. No

entanto, neste momento, apenas nos é possível apresentar informação quantitativa credível sobre

a C.I., uma falha que esperamos poder colmatar no decorrer da investigação.

No que diz respeito às características da população que residia nesta área de Xangai nas primeiras

décadas do século XX importa referir, em primeiro lugar, que a C.I. não era um espaço

homogéneo, reconhecendo-se diferenças entre os quatro distritos que a compunham, não só

quanto à sua dimensão, como também às origens da população, densidade populacional e ritmos

de crescimento. Factores históricos e económicos explicam as diferenças nos ritmos de

crescimento demográfico dos diferentes distritos. Os distritos em declínio ou fraco crescimento

demográfico (Central e Norte) são os mais antigos, correspondendo às originais concessões

inglesa e americana e ocupando áreas muito reduzidas: 1,9 km2 e 2 km2, respectivamente. Tendo

os distritos Central e Norte elevadas densidades populacionais, foram os distritos Este (10,9 km2)

e Oeste (7,8 km2) que permitiram novos movimentos de concentração demográfica. O

desenvolvimento destes dois últimos é mais tardio e coincide com a instalação de indústrias

ligeiras na cidade, entre 1910 e 1920 (BERGÈRE, 1986, pp. 109-113). Estes factores ajudam-nos

a explicar a forma como a população portuguesa se distribuiu pela C.I. (Quadro 2),

nomeadamente a sua elevada concentração no Distrito Norte (78,7%): uma de carácter histórico,

porque como já anteriormente foi referido os Distritos

Central e Norte correspondem às primeiras concessões

estrangeiras e a emigração portuguesa acompanhou a

fundação dessas concessões; outra, de carácter

económico diz respeito à proximidade da comunidade

portuguesa com as actividades económicas de

britânicos e americanos, as duas comunidades

estrangeiras com mais peso naqueles dois distritos;

uma terceira explicação poderá estar relacionada com

as empresas que se localizavam nestas duas áreas da

C.I., nomeadamente, estabelecimentos comerciais e

financeiros onde a comunidade portuguesa se

empregava.

Quadro 2 – População portuguesa em Xangai (1905)

Áreas da Xangai Distribuição dos

portugueses na C.I. de Xangai (1905)

%

Distrito Norte 1.047 78,7

Distrito Este 254 19,1

Arredores 23 1,7

Distrito Central 4 0,3

Distrito Oeste 2 0,2

Opium Hulks 1 0,1

Total 1.331 100,0

Obs: No original, o total dos Portugueses em 1905 é de 1.329, o que não corresponde à soma dos totais parciais por áreas (1.331). Adaptado de Shanghai Municipal Council. Census of

the Foreign Population of Shanghai on the 14th

October, 1905 in AHU-MNE: consulado de Xangai, documento impresso (Cx. 575).

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No entanto, reconhecemos que a forma como a população portuguesa se distribuía por Xangai é

um tema que poderemos aprofundar e que requer ainda outros estudos. Identificando os primeiros

portugueses que se fixaram na cidade e os seus locais de residência, será possível dar resposta às

questões que esta temática levanta, nomeadamente no que diz respeito à relação que poderá

existir (ou não) entre a ocupação de determinadas áreas da cidade e as redes familiares e

empresariais que deram sustentabilidade e garantiram continuidade na emigração Macau-Xangai.

Uma outra interrogação que merece ser equacionada diz respeito à possível existência de

fenómenos de etnicização na distribuição dos portugueses pelos diferentes quarteirões, bairros ou

distritos da cidade, tendo em conta que a emigração de

Macau para Xangai envolvia na sua grande maioria

portugueses de origem macaense e chinesa.

O crescimento populacional de Xangai, evidente a partir da

fixação das concessões estrangeiras e alimentado pela

imigração que então se iniciou, conferiu à cidade um rosto

humano marcado pela diversidade (Quadro 3). Entre 1854 e

1945 a cidade foi ponto de chegada e porto de abrigo a gentes

de muitas origens, umas atraídas pelo crescente dinamismo

económico, outras motivadas pela necessidade de se

refugiarem de guerras internas (Taiping em 1850-60; Boxers

em 1890) e externas (II e III Guerras do ópio, entre 1856 e

1860; invasão japonesa, iniciada em 1937).

Chegados à década de 1930, nenhuma outra cidade chinesa

tem um largo espectro de grupos de novos imigrantes,

trabalhadores temporários e imigrantes (colonos) de segunda

geração. Muitos dos chineses locais vieram de duas zonas

vizinhas – Jiangsu e Zhejiang – mas também de outras

regiões constituindo comunidades significativas,

contribuindo para a formação de um caleidoscópio

demográfico complexo em Xangai e desempenhando papéis

específicos na vida social da cidade.

Com os dados disponíveis neste momento podemos verificar

Quadro 3 – Evolução da população estrangeira na Concessão Internacional de

Xangai (1880-1905)

Nacionalidades 1880 1890 1905

Britânicos 1057 1574 3713

Japoneses 168 386 2157

Portugueses 285 564 1329

Americanos 230 323 991

Alemães 159 244 785

Franceses 41 114 393

Russos 3 7 354

Austro-Húngaros 31 38 158

Italianos 9 22 148

Espanhóis 76 229 146

Dinamarqueses 32 69 121

Noruegueses 10 23 93

Suecos 12 28 80

Suíços 13 22 80

Holandeses 5 26 58

Belgas 1 6 48

Gregos 4 5 32

Turcos 18 26

Romenos 12

Brasileiros 2 8

Venezuelanos 7

Indianos 4 89 568

Malaios & 56 28 171

Coreanos 8

Persas 1 6

Diversos 1 145 326

Total 2197 3963 11818

Adaptado de Shanghai Municipal Council.

Census of the Foreign Population of

Shanghai on the 14th October, 1905 in AHU-MNE: consulado de Xangai, documento impresso (Cx. 575).

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que os estrangeiros de nacionalidade portuguesa, entre 1880 a 1905, representando uma

percentagem da população estrangeira a residir na C.I. sempre acima dos 10%, oscilam entre a

segunda e a terceira posição (Fig. 5), facto que lhe confere, por si só, particular importância.

Xangai, uma cidade «refundada» em 1842, transformou-se numa cidade aberta ao comércio

internacional e, também, à “importação” de gentes das mais diversas origens. Um fluxo

migratório surgiu com destino a esta cidade chinesa, transformando-a no mais importante espaço

urbano chinês, do século XIX ao século XXI.

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

1880 1885 1890 1895 1900 1905

Anos

res

ide

nte

s

Britânicos Japoneses Portugueses Norte-americanos Alemães

Fig. 5 – Principais nacionalidades dos estrangeiros residentes na C. I. (1880-1905)

Fonte: Shanghai Municipal Council. Census of the Foreign Population of Shanghai

on the 14th October, 1905 in AHU-MNE: consulado de Xangai, documento impresso (Cx. 575).

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4. A PRESENÇA PORTUGUESA EM XANGAI

A saída dos macaenses para Xangai insere-se num longo processo migratório que se iniciou em

1842, com a ida dos primeiros emigrantes para a recém nascida cidade de Hong Kong, e que se

prolongou até aos dias de hoje. Actualmente, existem comunidades macaenses espalhadas por

países dos cinco continentes, particularmente, Portugal, Grã-Bretanha, EUA, Canadá, Brasil e

Austrália.

É nosso objectivo, a longo prazo, caracterizar a diáspora macaense (quantificação, evolução,

caracterização e itinerários) e proceder ao estudo específico da comunidade macaense de Xangai.

No que diz respeito ao estudo da comunidade de Xangai, este está a ser efectuado tendo por base

a documentação do Consulado de Portugal em Xangai (C. P. X.), nomeadamente os livros de

Matrícula dos Cidadãos Portugueses (Arquivo Histórico Diplomático – AHD-MNE) que, a partir

de 1890, passaram a reunir os registos dos portugueses que se fixavam em Xangai. Estes livros de

registo foram criados pelo “Regulamento Consular Português Mandado Executar por Decreto de

26 de Novembro de 1903”, o qual entrou em vigor no dia 1 de Julho de 1904, revogando o

regulamento anterior datado de 1851. O Livro 1, referente a 1880 e 1904, abrange todos os

registos que, de forma pouco sistemática, já se tinham realizado no consulado até à data da

publicação do regulamento de 1903. Por outro lado, é neste regulamento do princípio do século

XX que ficam definidas as informações que passaram a constar nas fichas de registo e que estão

presentes nos livros do consulado de Xangai.

Quem são os portugueses de Xangai? Portugueses por nacionalidade, detentores de um

passaporte ou de outras formas de prova, que se registaram no consulado de Portugal. Mas apesar

de serem portugueses por nacionalidade as suas características afastam-nos de qualquer outro

fluxo migratório da longa história da emigração portuguesa, com origem na metrópole europeia.

Em cada ficha de registo o cidadão indicava os seguintes dados (apesar de nem todos se

encontrarem preenchidos): data da matrícula, nome, data de nascimento, naturalidade, estado

civil, profissão, filiação, nacionalidade do pai e da mãe, última residência no reino, data da

chegada a Xangai, prova de nacionalidade, assinatura de testemunhas e residência (em Xangai).

Para além destes dados, a maior parte das matrículas incluía ainda uma fotografia e o registo do

nascimento dos filhos.

O levantamento já realizado nos cinco primeiros livros reúne 1198 registos (até 1920),

abrangendo um total de 1979 nomes: o indivíduo que se regista e o cônjuge (quando existe). Este

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18

trabalho irá prosseguir e prolongar-se-á até à década de 1950. Nos primeiros registos existe

sempre algum desencontro entre o ano do registo e o ano da chegada a Xangai, porque o

Consulado estava a efectuar a matrícula de todos os portugueses que se fixaram em Xangai desde

a década de 1850 e também porque raramente os cidadãos se registavam no consulado no ano em

que chegavam. No entanto, esta prática foi-se modificando e a tendência passou a ser a do registo

ser efectuado no ano da sua chegada a Xangai ou quando completaram os 21 anos. Neste

momento, optámos por fazer o estudo da evolução do fluxo migratório para Xangai incluindo

apenas os registos até ao ano de 1909. Porque o desenvolvimento económico e social da cidade

conheceu um novo impulso após a I Guerra Mundial, podemos considerar o período de 1850-

1909 como a fase de origem e de consolidação da comunidade portuguesa em Xangai.

4.1. Quantos foram na viagem?

Das matrículas realizadas até 1909 foram recolhidas as informações de 782 registos. No entanto,

tal como dissemos anteriormente, decidimos contabilizar o nome titular do registo (neste período

esmagadoramente masculino) e o nome de cônjuge, o que nos permite considerar um total 1274

emigrantes portugueses registados no C. P. X. (55,5% do género masculino e 44,5% do

feminino). Apesar da nossa opção por contabilizar o nome do cônjuge não temos a certeza que

este estivesse a residir em Xangai. Por isso, mantemos em aberto a questão de saber se estamos

perante uma emigração masculina à qual se segue a reunificação familiar ou se a tendência é a de

uma emigração familiar.

A evolução dos registos

realizados até 1909 (Fig. 6)

permite-nos dividir este

período em três fases distintas:

uma primeira, localizada nas

décadas de 1860 e 1870, de

arranque da emigração; uma

segunda, de alguma

estagnação, entre as décadas de

70 e 80; finalmente, uma

terceira fase, apresentando um

0

50

100

150

200

250

300

1850 1860 1870 1880 1890 1900

Década de chegada a Xangai

de r

eg

isto

s

Fig. 6 – Emigrantes portugueses registados no CPX entre 1850 e 1909

Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)

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19

novo crescimento, a partir de 1890. A última fase de aumento do número de portugueses a

emigrarem para Xangai, a partir de 1880, acompanha o ritmo de crescimento da urbe que

conheceu um salto quantitativo exactamente nestas duas últimas décadas do século XIX. Mas,

existe um outro factor que explica o aumento da emigração portuguesa e este relaciona-se com os

territórios de origem dos portugueses que vivem Xangai.

4.2. Quem são os portugueses de Xangai?

Sendo portugueses por nacionalidade, as pessoas que se fixam em Xangai e que se registam no

consulado português têm origens étnicas muito distantes da mãe metropolitana. De facto, as

questões étnicas são fundamentais para a caracterização desta emigração portuguesa, questões

complexas, nem sempre fáceis de analisar. Em síntese, partindo do conceito de etnia e de acordo

com a informação disponível nos registos do consulado português definimos os seguintes

critérios:

• Macaenses: corresponde a uma etnia miscigenada de luso-asiáticos; têm nome português e

são naturais de Macau, Hong Kong ou Xangai; os pais têm nacionalidade portuguesa;

algumas famílias têm apelidos não portugueses porque um dos progenitores não é

português (ex: “Castilha”, pai espanhol; “Lubeck”, pai sueco; “Hayes”, pai britânico).

• Chineses: o nome chinês é determinante para identificar os emigrantes chineses que

emigram para Xangai e que se registam no consulado português – duas excepções (Maria

Assai dos Remédios e Theobaldo Joaquim Collaço, ambos naturais de Macau, mas pais

de nacionalidade chinesa); a sua maioria tem pais de nacionalidade chinesa e nomes

chineses, no entanto, alguns têm nacionalidade portuguesa ou indicam como

nacionalidade dos pais "Macau"; ainda para esclarecer se estamos perante um emigrante

"chinês" ou "macaense", recorremos à assinatura (com caracteres) e à fotografia (quando

existe).

• Luso-asiáticos: emigrantes com nome português; pais de nacionalidade portuguesa;

naturais de diferentes cidades asiáticas (excepto Macau e Hong Kong), predominando

Goa, Yokohama, Singapura e Banguecoque.

• Reinóis: emigrantes de nacionalidade portuguesa, naturais de Portugal Continental,

Açores e Madeira, de possessões portuguesas africanas (nomeadamente Cabo Verde e S.

Tomé), aos quais somámos ainda os que nasceram no Brasil.

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20

De acordo com estes critérios identificámos a etnia de 1147

pessoas registadas.

A sua distribuição (Quadro 7) permite-nos sublinhar uma das

mais importantes especificidades deste fluxo migratório: trata-se

de uma emigração portuguesa, por prova de nacionalidade, mas

abrangendo duas importantes comunidades étnicas: os macaenses

(perto dos 80%) e os chineses (mais de 17%). Podemos

considerar que a emigração portuguesa para Xangai se insere no

primeiro período da diáspora macaense mas que, ao longo da segunda metade do século XIX,

procurou duas cidades chinesas que, apesar das suas especificidades, ambas se encontravam sob

administração estrangeira: Hong Kong, a partir de 1842, uma colónia britânica, com uma

administração centralizada na figura de um governador nomeado por Londres; Xangai, uma

cidade cuja administração é partilhada entre a Concessão Internacional, Concessão Francesa e

Município Chinês. Por outro lado, a emigração de chineses com nacionalidade portuguesa para

Xangai, a partir de Macau, revela-nos a necessidade vir a aprofundar o estudo sobre esta

mobilidade de pessoas, (i) revelando Macau como ponte de acesso a outras cidades chinesas

abertas ao comércio internacional; (ii) confirmando o poder atractivo de Xangai nesta época,

capaz de seduzir estrangeiros de diversas origens, mas também um forte fluxo migratório interno,

envolvendo chineses de diferentes pontos da China.

4.3. Portugueses em Xangai: naturalidade

Os registos com informação da naturalidade dos emigrantes portugueses, entre 1850 e 1909,

ascendem a 620.

A cidade de Macau é o principal território de origem dos portugueses de Xangai (483). A

segunda origem mais representada é Hong Kong (98): a chegada significativa dos portugueses

naturais de Hong Kong ocorre a partir da década de 80, contribuindo assim para o aumento geral

de portugueses em Xangai (Fig. 7). O conjunto dos portugueses, naturais de Macau e Hong

Kong, ascende a quase 94%. As restantes origens – Portugal, colónias portuguesas africanas,

Goa ou outras cidades asiáticas – englobam, portanto, um número residual.

Quadro 4 – Emigrantes portugueses registados no CPX, por etnia, entre

1850 e 1909

Etnias %

Macaense 79,8

Chinesa 17,2

Luso-asiático 1,0

Reinol 1,0

Outra 1,0

Fonte: Matrícula dos Cidadãos

Portugueses (AHD-MNE)

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21

Se relacionarmos a

evolução das matrículas

dos portugueses no

Consulado com a

naturalidade e anos de

nascimento, fica claro

que o crescimento e

consolidação da

comunidade portuguesa

de Xangai se processou

devido ao contínuo

movimento de pessoas

de Macau e Hong Kong

para aquela cidade, mas

também pelo nascimento dos emigrantes de segunda geração, quer estes fossem macaenses, quer

chineses. No que diz respeito aos portugueses de etnia macaense (Fig. 8) podemos observar o

crescimento de emigrantes em Xangai nascidos em Macau e Hong Kong nas décadas de 1830 a

1870.

Simultaneamente,

verifica-se o

crescimento de

macaenses já nascidos

em Xangai, a partir de

1860, o qual se

manterá e

provavelmente

acentuará à medida

que formos avançando

na investigação

empírica. A mesma

lógica ocorre com os

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

1850 1860 1870 1880 1890 1900

Década de chegada a Xangai

de

re

gis

tos

Macau Hong Kong

Fig. 7 – Emigrantes portugueses naturais de Macau e Hong Kong, registados no CPX entre 1850 e 1909

Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1820 1830 1840 1850 1860 1870

Década de nascimento

de

re

gis

tos

Macau Hong Kong Xangai

Fig. 8 – Década de nascimento dos emigrantes portugueses (macaenses), naturais de Macau, Hong Kong e Xangai (1820-1879)

Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)

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22

0

10

20

30

40

1820 1830 1840 1850 1860 1870

Década de Nascimento

de r

eg

isto

s

Macau Xangai

Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)

Fig. 9 – Década de nascimento dos emigrantes portugueses (chineses), naturais de Macau e Xangai (1820-1879)

portugueses de origem

chinesa (Fig. 9). A

primeira geração de

portugueses de origem

chinesa (nascidos entre

1820 e 1870) é natural de

Macau. A segunda (de

1840 a 1870) é composta

por chineses de Hong

Kong, filhos de emigrantes

chineses que

possivelmente se fixaram

na colónia britânica a partir de 1842; contudo, também não podemos pôr de parte a hipótese (a

confirmar posteriormente) de, entre estes, existirem chineses de Hong Kong que, não sendo filhos

de emigrantes de Macau, adquiriram a nacionalidade portuguesa.

Em síntese, o mais importante território de origem é Macau, ponto de partida da diáspora

macaense; segue-se Hong Kong, macaenses e chineses filhos da primeira geração de emigrantes

que ali chegaram na década de 1840; finalmente, Xangai, os filhos dos primeiros emigrantes

portugueses, macaenses e chineses, que já nasceram na sociedade de acolhimento.

4.4. Portugueses em Xangai: etnia, género e estado civil

A análise das 1229 pessoas com indicação de estado civil, género e etnia, registadas no C. P. X.

até 1909, é a que mais interrogações nos levanta neste momento da investigação. Convém

esclarecer que em muitos registos o estado civil vai sendo corrigido à medida em que se vai

alterando: em algumas das fichas dos emigrantes, a informação “solteiro” é riscada e reescrita de

“casado”. Em alguns casos, é alterada a informação “solteiro”, “casado” e “viúvo”, encontrando-

se as duas primeiras palavras riscadas, com tinta e letras diferentes. Para o presente estudo,

decidimos apresentar os dados que dizem respeito ao estado civil no momento do primeiro

registo. Deixamos para mais tarde a análise destas mudanças de estado civil dos emigrantes que,

provavelmente, nos ajudará a esclarecer o comportamento socio-familiar dos emigrantes

portugueses de Xangai.

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Importa também esclarecer que nestes primeiros registos, a esmagadora maioria dos primeiros

titulares são pessoas do género masculino. Os nomes das mulheres surgem na qualidade de

“cônjuges” dos emigrantes matriculados no consulado. As mulheres que assumem a sua

matrícula como primeiras titulares só ocorre em duas situações: quando são solteiras,

desenvolvendo actividades específicas, como é o caso das “religiosas”; ou quando enviúvam.

Esta lógica em que se realizava a matrícula no consulado ajuda-nos a compreender as

percentagens dos emigrantes portugueses, em

relação ao estado civil e género (Quadro 5),

nomeadamente a maior percentagem de

mulheres casadas e a elevada percentagem de

viúvas.

Quando comparamos o estado civil dos

emigrantes portugueses, macaenses e chineses (Quadro 6), percebemos que estamos perante

comunidades que revelam comportamentos distintos, sugerindo que os portugueses de origem

chinesa emigram numa lógica quase exclusivamente familiar (97,5%).

No entanto, são mais as dúvidas que as

certezas que temos neste capítulo: por um

lado, a dimensão da amostra não nos oferece

garantias para que arrisquemos um discurso

muito conclusivo; por outro lado, a informação

estatística mostra-se insuficiente, pelo que será

necessário recorrer a outras fontes de

informação, de carácter qualitativo. Os dados apresentados obrigam-nos a reflectir sobre os

comportamentos individuais, familiares e de grupo da comunidade macaense que permitem,

posteriormente, caracterizar este fluxo migratório “Macau – Hong Kong – Xangai”, uma reflexão

que nos conduziu a algumas questões que ajudam a orientar as nossa investigação: (a) Estamos

perante uma lógica de “emigração da família”, de “reunificação familiar”, ou de uma emigração

“masculina” que constitui a sua família já na situação de emigrante? (b) De que modo vai

evoluindo, ao longo do tempo, o estado civil dos emigrantes macaenses? O número de “casados”

vai aumentando e o de “solteiros” vai diminuindo? (c) Confirma-se a elevada percentagem de

Quadro 5 – Emigrantes portugueses registados no CPX, por estado civil e género, entre 1850 e 1909

Est. Civil Masc. (%) Fem. (%)

Casado(a) 62,6 78,8

Solteiro(a) 33,2 10,2

Viúvo(a) 4,2 11,0

Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)

Quadro 6 – Emigrantes portugueses registados no CPX, por estado civil e etnia, entre 1850 e 1909

Est. Civil Macaense (%) Chinesa (%)

Casado(a) 62,3 97,5

Solteiro(a) 28,7 0,5

Viúvo(a) 9,0 2,0

Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)

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“casados” entre os portugueses de origem chinesa? Estaremos, na realidade, perante uma

evidente “emigração familiar”?

4.5. Portugueses em Xangai: as actividades profissionais.

Dos emigrantes registados no C.P. X., apenas 577 têm indicação da sua profissão. Na sua maioria

são os portugueses do género masculino, pois a informação disponível sobre a maior parte das

mulheres aqui consideradas quase se reduz ao nome e estado civil.

Quer sejam portugueses de etnia macaense ou

chinesa (Quadro 7), a percentagem dos emigrantes

que desempenham profissões no ramo comercial é a

mesma, rondando os 85%. No entanto, entre estas

duas comunidades, são diferenciadas as actividades

que os seus membros desenvolvem apesar de se

integrarem no mesmo ramo de actividade: os

macaenses registam-se maioritariamente como

“Empregados de Comércio” – trabalhadores nas

casas comerciais das concessões estrangeiras; os

chineses – “compradores”, “negociantes” e

“vendedores” – com a função de intermediários com o tecido empresarial da cidade chinesa.

Quadro 7 – Activ idades desempenhadas pelos macaenses e chineses no ramo comercial

Macaense Chinesa

Agente de Comissões 5

Comerciante 2

Comprador 11

Empregado de Comércio 380 11

Guarda-Livros 3

Literário e Comercial 1

Negociante 7 62

Proprietário empresa e loja 2 4

Vendedor 1

400 89

Fonte: Matrícula dos Cidadãos Portugueses (AHD-MNE)

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NOTAS FINAIS

Começando por definir o conceito de diáspora, associando ao de etnia e transnacionalidade,

ensaiámos a sua aplicação ao caso do movimento migratório dos macaenses, iniciado em 1842

com a saída dos primeiros emigrantes para Hong Kong e, pouco anos depois, para Xangai.

Na sequência da I Guerra do Ópio, Xangai abriu as suas portas ao mundo, capitalizando todas as

suas potencialidades económicas. A presença das concessões estrangeiras ofereceu as condições

para que se instalasse uma vasta e diversificada comunidade estrangeira, que contou com a

presença de um importante núcleo de cidadãos portadores de nacionalidade portuguesa.

Acompanhando o ritmo de desenvolvimento da cidade, a comunidade portuguesa foi-se

instalando e crescendo, transformando-se numa das mais importantes comunidades, logo a seguir

aos britânicos. Uma comunidade portuguesa, natural de Macau e de Hong Kong, e etnicamente

bem definida – macaenses (a maioria) e chineses – que se integrou no dinamismo económico da

cidade, assente na actividade das grandes casas comerciais britânicas, americanas e francesas.

No entanto, reconhecendo que este é um estudo exploratório, importa sublinhar as interrogações

que se foram levantando e, deste modo, identificar algumas das principais questões que poderão

orientar o futuro da nossa investigação. No entanto, convém sublinhar que estas linhas de análise

estão condicionadas pelas especificidades que o estudo deste fenómeno migratório encerra: os

limites temporais que o definem e os respectivos contextos históricos em que se inserem; as

fontes de informação disponíveis, quantitativas e qualitativas, que possivelmente não nos

oferecem todas as respostas que desejaríamos. De qualquer modo, pensamos também que nesta

fase da investigação, a prioridade deve centrar-se na sistematização dos problemas que se foram

levantando ao longo deste estudo introdutório.

• Contextualizar o estudo da emigração Macau-Xangai no território de origem, a fim de

identificar as causas estruturais da emigração.

• Analisar o processo de integração social dos emigrantes macaenses na sociedade de

Xangai, considerando que (a) o seu futuro foi condicionado por factores externos (invasão

japonesa e II Guerra Mundial); (b) aquela integração social se poderá cruzar com as

estruturas económicas dominantes e com a diversidade étnica presente na cidade de

Xangai; (c) a sua inscrição na cidade pode traduzir a modalidade de integração na

sociedade de acolhimento.

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• Analisar a influência da rede étnica no fluxo migratório Macau-Xangai, o que implica (a)

entender o papel ocupado pela comunidade étnica dos macaenses nas estruturas

económicas dominantes em Xangai; (b) identificar a estratégias familiares nos processos

de decisão pela mobilidade, de integração no território de destino e da rede de apoio ao

acolhimento de novos emigrantes; (c) analisar a distribuição dos macaenses na cidade de

Xangai, incluindo um estudo diacrónico, de modo a tornar visíveis as eventuais redes

familiares ou locais; (d) identificar as relações que se mantiveram com os principais

territórios de origem: Macau e Hong Kong.

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