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FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA MESTRADO EM DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS CARLOS EDUARDO RIBEIRO LEMOS A DIGNIDADE HUMANA E AS PRISÕES CAPIXABAS VITÓRIA 2006

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FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA MESTRADO EM DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

FUNDAMENTAIS

CARLOS EDUARDO RIBEIRO LEMOS

A DIGNIDADE HUMANA E AS PRISÕES CAPIXABAS

VITÓRIA

2006

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CARLOS EDUARDO RIBEIRO LEMOS

A DIGNIDADE HUMANA E AS PRISÕES CAPIXABAS

Dissertação apresentada ao programa de Mestrado em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais, das Faculdades Integradas de Vitória - FDV, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Daury Cesar Fabriz.

VITÓRIA 2006

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CARLOS EDUARDO RIBEIRO LEMOS

A DIGNIDADE HUMANA E AS PRISÕES CAPIXABAS

Dissertação apresentada à banca de qualificação do programa de Mestrado de Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais, das Faculdades Integradas de Vitória – FDV, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Direito.

Vitória, 17 de novembro de 2006.

COMISSÃO EXAMINADORA

____________________________________________________ Prof. Daury Cesar Fabriz FDV Orientador

____________________________________________________

Prof. Dr. Aloísio Krohling FDV

____________________________________________________ Prof. Dr.

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AGRADECIMENTOS

Ao colega ALEXANDRE MARTINS DE CASTRO FILHO, que, juntamente comigo, recebeu a missão de enfrentar o problema judicial das prisões capixabas, sendo companheiro de todas as descobertas sobre as desgraças humanas escondidas atrás das muralhas das ilhas de degradações, que são os presídios do Espírito Santo.

O apoio e coragem deste nobre colega da Magistratura me incentivaram e deram forças para continuar a luta por tornar público o problema, visando sensibilizar a todos para a necessidade de mudanças. Foi isso o que motivou meu empenho na elaboração deste trabalho, que faço em parte em sua memória.

Ao Doutor Daury Cesar Fabriz, orientador desta dissertação, verdadeiro exemplo de professor e de pessoa dedicada à luta pelos Direitos Humanos.

Aos meus filhos, Eduarda e Caio, e a minha esposa, Paula, a quem tanto amo, por compreenderem a minha distância durante este trabalho, sempre se mostrando conscientes da importância do mesmo e me dando forças para concluí-lo.

Aos meus pais, Marylda e José, a quem devo tudo, pelo exemplo de pessoas, filhos, pais e casal que sempre foram.

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“Costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”.

Nelson Mandela.

(Ex-presidente da África do Sul e ex-presidiário)

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RESUMO

Esta dissertação volta-se para a construção de uma linha cronológica da evolução da população carcerária em sua relação com a atual configuração do sistema prisional do Estado do Espírito Santo, o que somado a uma avaliação qualitativa propicia descobrir se o modelo de administração estatal atual está correto nessa área. Com isso, busca-se estruturar proposições optativas ressaltando os óbices de natureza jurídica, econômica e social para o exercício do direito à dignidade da pessoa humana dos apenados. No mesmo contexto são analisadas as relações entre os espaços públicos, privados, estatais e mercado, como base da discussão, inclusive ética, sobre o campo de possibilidades da terceirização, com foco principal no modelo espanhol de gestão prisional terceirizada. Procura, assim, à luz da legislação nacional e internacional em vigor e da reflexão de autores, pensar em novas políticas públicas para o tratamento digno do encarcerado. Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Prisões capixabas. Esfera pública, estatal, privada e mercado. Políticas públicas. Concepções de privatização e terceirização. Ética. Parceria pública privada.

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ABSTRACT

This Thesis was designed to qualitatively evaluate the current administration of the penitentiary system in the state of Espirito Santo by establishing a chronological line in the increase of state prisons’ population in relation to the prisons’ current configuration. Thus, it presented alternative propositions highlighting the juridical and socio-economical predicaments to secure dignity and human rights to the incarcerated. Moreover, in the same context, the co-relation between the State, public and private spaces was also a point of discussion targeting the ethics of subcontracting; with its main focus on the Spanish model, in which the State subcontracts services for its penitentiaries. Finally, this study was intended to reflect upon new Public Policies to guarantee dignity in the treatment of the incarcerated in light of national and international legislations as well as the authors’ reflections. Key-Words : Human-being dignity. Capixaba prisons. State, public, private spheres and market. Public policies. Privatization and subcontracting conceptions. Public/private partnership.

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SUMÁRIO

1 A DIGNIDADE HUMANA E AS PRISÕES CAPIXABAS .......................10

1.1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................10 1.2 A DIGNIDADE HUMANA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .................17

1.3 PORQUE O CRIMINOSO MERECE RESPEITO À SUA DIGNIDADE?............. 23

2 O DIAGNÓSTICO NAS PRISÕES ESTATAIS: O CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA NO MUNDO E NO BRASIL, E A REALIDADE DO ESPÍRITO SANTO ............................................................. 34

2.1 OS ÓRGÃOS DE EXECUÇÃO PENAL E SUAS POSIÇÕES ANTE AO ATUAL QUADRO CAPIXABA ................................................................................................38

3 ESFERA PÚBLICA: O QUE É PÚBLICO, O QUE É ESTATAL, O QUE É MERCADO E O QUE É PRIVADO .................................................... 43

3.1 ESPAÇOS PÚBLICOS........................................................................................ 44

3.2 DEMOCRACIA E ESFERA PÚBLICA................................................................. 46

4 POLÍTICAS PÚBLICAS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASI LEIRA DE 1988 ...................................................................................... 48

4.1 O ESTADO E A POLÍTICA PRISIONAL ATUAL ................................................ 50

4.2 COMO É E COMO DEVERIA SER UM PRESÍDIO............................................ 58

4.3 OS PACTOS INTERNACIONAIS E AS REGRAS NACIONAIS SOBRE O TRATAMENTO DO ENCARCERADO ..................................................................... 68

5 A TERCEIRIZAÇÃO E OUTRAS OPÇÕES DE POLÍTICAS PÚBL ICAS ALTERNATIVAS IMPORTANTES PARA O RESPEITO DA DIGNIDA DE DO ENCARCERADO ................................................................. 75

5.1 TERCEIRIZAÇÃO PRISIONAL E A DIGNIDADE HUMANA: QUESTÕES DE ÍNDOLE ÉTICO-MORAL ......................................................................................... 78

5.2 CONFUSÃO CONCEITUAL ENTRE PRIVATIZAÇÃO E TERCEIRIZAÇÃO DE PRESÍDIOS .............................................................................................................. 82

5.3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À IDÉIA DE TERCEIRIZAÇÃO/PRIVATIZAÇÃO ......................................................................... 83

5.4 ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE TERCEIRIZAÇÃO DE PRISÕES NO MUNDO E NO BRASIL .............................................................................................................. 87

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5.5 UMA NOVA POLÍTICA PÚBLICA PARA O TRATAMENTO DA MULHER PRESA...................................................................................................................... 92

5.6 A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA PARA A DIGNIDADE DO EGRESSO..................................................................................................................98

6 UM ESTUDO DE CASO: O MODELO DE TERCEIRIZAÇÃO DA ESPANHA, COM RESPEITO À DIGNIDADE, E A POSSIBILIDAD E DE SUA ADAPTAÇÃO PARA A REALIDADE CAPIXABA ............................................................................................................102

7 A LEGALIZAÇÃO DA PPP (PARCERIA PÚBLICA-PRIVADA) E A EFETIVIDADE PARA UMA NOVA POLÍTICA PÚBLICA ALTERNAT IVA PARA OS PRESÍDIOS ......................................................117

7.1 O IDEAL DE UM CONTRATO DE TERCEIRIZAÇÃO PRISIONAL PARA AS GARANTIAS DE UMA POLÍTICA PÚBLICA JUSTA AO ESTADO .........................120

8 CONCLUSÕES .............................................................................................. 129

9 REFERÊNCIAS ...............................................................................................135

10 ANEXOS ............................ ............................................................................139

A - FOTOS DOS ATUAIS PRESÍDIOS DO ESPÍRITO SANTO

B - DADOS DO INFOPEN SOBRE O NÚMERO DE VAGAS E PRESOS DO ESPÍRITO SANTO

C - RELATÓRIO DO CNPCP SOBRE OS PRESÍDIOS CAPIXABAS

D – RESOLUÇÃO 14/94, DO CNPCP

E – RELATÓRIO DE INSPEÇÃO EM PRESÍDIOS DE VIANA, ELABORADO PELA 5ª

VARA CRIMINAL DE VITÓRIA

F - RELATÓRIO DE INSPEÇÃO DA 5ª VARA CRIMINAL DE VITÓRIA, SOBRE

PRESÍDIOS DE VILA VELHA

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1 A DIGNIDADE HUMANA E AS PRISÕES CAPIXABAS

1.1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação volta-se para a construção de uma linha cronológica da evolução da

população carcerária em sua relação com a atual configuração do sistema prisional do

Estado do Espírito Santo, ressaltando os óbices de natureza jurídica, econômica e

social para o exercício do direito à dignidade da pessoa humana dos apenados e as

conseqüências da atual estruturação desse sistema para a população em geral.

No mesmo contexto são analisadas as relações entre os espaços públicos, privados,

estatais e mercado, como base da discussão sobre o campo de possibilidades da

terceirização, com destaque para a parceria pública-privada como opção de política

pública alternativa para o setor, que raramente respeita a dignidade dos presos

solenemente afirmada no papel.

O tema demonstra a complexidade da administração penitenciária e a ampla gama de

questões e observações necessárias por parte daqueles cuja tarefa consiste em dirigir

os estabelecimentos prisionais. O trabalho é bastante abrangente na cobertura do tema

que aborda, porém é impossível ser exaustivo em se tratando de um assunto tão

complexo. Foi necessário um enfoque seletivo na identificação das principais mazelas

do atual sistema público de administração prisional, suas funções e características

frente a negação da dignidade da pessoa humana, tentando abrir os horizontes de

possibilidades distintas de enfrentamento da crise, como, por exemplo, a delineação e

construção de um contrato de terceirização do sistema com garantias de uma política

pública justa para o Estado. Para tal mister, examinaremos o modelo de terceirização

adotado pela Espanha e a possibilidade de sua adaptação para a realidade capixaba, e

ainda estudaremos a forma de tratamento que é dada à mulher presa e ao egresso,

com o fito de verificação sobre a eficiência do atual modelo sobre essas duas classes

de pessoas.

Enfrentar a tendência de resistência a outros modelos de administração prisional

significa lutar pela mudança em sua essência, na gestão de seres humanos, tanto de

servidores que atuam dentro dos presídios, quanto das pessoas presas, seus familiares

e a população ordeira em geral, hoje exposta à violência originada pelos desmandos do

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sistema carcerário. Isso significa que existem questões que vão além da eficácia e da

eficiência. Tomar decisões e modificar posturas a respeito do tratamento a ser dado a

seres humanos encarcerados exige uma consideração fundamental que deve ser feita

antes de qualquer outra coisa, que é nos perguntarmos se o modelo de administração

estatal atual está correto nessa área? Ou seja, o que se busca é estruturar proposições

optativas, analisadas cientificamente, sobre o modelo de administração estatal na área

prisional, que não pare o direito nas portas das prisões.

A legitimidade para a escolha e o enfrentamento do tema provém da experiência prática

que adquirimos durante quatro anos como juiz da Vara de Execuções Penais de Vitória,

com a responsabilidade pela parte judicial da execução penal em todas as unidades

prisionais da Grande Vitória, que inclui os municípios de Serra, Vila Velha, Cariacica,

Viana e a própria Capital. No início do exercício dessa função, que assumimos por

designação como Magistrado Substituto, conhecemos de perto o problema, pois, legal e

tecnicamente corretos, mandávamos pessoas diariamente para a prisão, sem nem

mesmo saber o que estávamos fazendo, pois não sabíamos do que se tratava, por mais

que tivéssemos estudado e nos preparado para a função.

Nunca tínhamos pensado em visitar presídios e celas, lugares estigmatizados por serem

as concentrações das escórias da sociedade, o que não é exatamente a verdade.

Assim, vendo de perto a desordem e o sofrimento humano, sentindo o cheiro do

cárcere, apaixonamo-nos pelo tema, pois vimos que era possível buscar um estilo de

gestão humanitária que fosse mais eficaz e mais segura. Por essa razão, utilizamos

uma metodologia de base dialética entre a prática por nós levantada, como

observadores participantes, e a teorização sobre o tema central e todos os itens que o

integram.

Todos os projetos práticos de administração penitenciária devem se fundar no contexto

da dignidade da pessoa humana. Em primeiro lugar, por ser o correto do ponto de vista

ético, que busca o respeito ao ser humano. Em segundo lugar, porque a proposta

funciona, como se buscou demonstrar no trabalho, através de outras experiências

exitosas. Se algo não for modificado, estaremos sujeitos a que a administração das

prisões assuma um rumo que, em última análise, reforce a barbárie, igual à de um

campo de concentração, como hoje temos em nosso estado e por todo o país.

Este tema vem ocupando lugar de destaque, seja na imprensa local, seja na literatura

acadêmica estrangeira. Sua relevância levou-nos a enfrentá-lo, com o objetivo de trazer

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alguma contribuição prática ao estudo do Direito, de sistematizar dados e informações

esparsas em bibliografia nacional e estrangeira, ou, ainda, de propor formas de controle

dessa atividade em absoluta consonância com os princípios legais norteadores do

Estado, conquistados através dos tempos até este ponto da história.

Para a presente dissertação, além da pesquisa bibliográfica de obras dirigidas aos

estudantes e profissionais do Direito, também foram consultados periódicos e artigos

de doutrinadores e escritores acerca do tema. Foram também analisados diversos

relatórios encaminhados por diversos órgãos independentes, assim como outros

elaborados pela Vara de Execuções Penais de Vitória, todos acerca das condições das

unidades prisionais do Espírito Santo. Por fim, foi feita uma visita a unidades prisionais

na Espanha, além do uso acessório da Internet, o que proporcionou uma visão

holística sobre o tema.

O real desejo deste trabalho é propor rumos para o controle do sistema carcerário e

enriquecer o debate acadêmico sobre esse intrigante e complexo tema, tão afeto a

nossa realidade.

Sendo assim, reconhecendo a questão penitenciária e a segurança pública como

objetos do Direito Constitucional, elaborou-se um estudo que pudesse trazer uma

contribuição maior, mais especializada e mais imediata para os profissionais do ramo

jurídico e administradores públicos, de forma a levar à reflexão sobre a aplicabilidade

dessas linhas teóricas nas realidades capixaba e brasileira, buscando atingir o respeito

máximo à dignidade humana.

Pretendeu-se, igualmente, fazer refletir sobre a importância da integração de várias

ciências na busca de medidas racionais para a prevenção e repressão ao crime, bem

como da preservação da essência dos direitos e garantias fundamentais mínimas do

preso, independentemente dos desejos e interesses diversos. Somente com uma

salutar política de prevenção da criminalidade, mediante a participação organizada da

comunidade nas tarefas da execução da pena privativa de liberdade, poder-se-á

reverter o quadro atual, onde todos, inclusive aqueles responsáveis pela gestão, ficam

petrificados ante a falta de opções concretas e confiáveis.

Depois de todo o material haver sido coletado, pesquisado e analisado, foi feita a

estruturação do trabalho, nos padrões acadêmicos, em oito capítulos, conforme

discriminado abaixo.

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No primeiro capítulo 1 assentamo-nos sobre aquele que julgamos ser a substância de

todo o direito constitucional nacional: o princípio da dignidade da pessoa humana,

buscando encontrar seu sentido esposado dentro de uma perspectiva filosófica e social,

confrontando-o com a observância atual pelo Direito Penitenciário.

Para dar robustez à temática sobre a qual nos propusemos a pesquisar, passamos ao

enfrentamento do conceito de dignidade para a ordem jurídica, o que tem sido tema

polêmico e que tem ensejado farta discussão em nível doutrinário e até mesmo

jurisprudencial, ante a solidez de sua positivação como fundamento de nosso Estado

democrático de Direito. Trabalhamos tal conceito em confronto com os efeitos da

sentença penal condenatória que leva o infrator ao cumprimento de uma pena privativa

de liberdade.

O segundo capítulo traça o perfil da demanda mundial, brasileira e capixaba por

vagas em presídios, colocando de forma estatística o incremento do encarceramento e

da criminalidade. Constrói-se uma linha cronológica do aumento da população

carcerária historicamente e, em seguida, se fixa com mais intensidade no sistema

penitenciário do estado do Espírito Santo.

Neste contexto, buscamos avaliar a teoria da conexão entre a questão sociológica e a

criminal, subsidiados por uma anamnese mais percuciente do perfil social do preso

brasileiro, concluindo com isso uma análise não só quantitativa, mas também

qualitativa da população carcerária nacional.

Para não se deixar nenhuma dúvida quanto ao momento de contemporaneidade da

situação prisional que se pretende discutir, foram apresentados relatórios elaborados

nos últimos dois anos, durante inspeções multidisciplinares nos presídios dos

Complexos Penitenciários da Glória, de Viana e de Cariacica, com a participação de

diversos órgãos estatais e da sociedade civil organizada. Com isso, busca-se trazer à

luz a realidade carcerária que o cidadão comum, que não atua direta ou indiretamente

no sistema, imagina, mas não conhece. Ainda nesse capítulo, pretende-se evidenciar

os papéis dos órgãos de execução penal - a fiscalização, gestão e construção de

unidades prisionais e políticas públicas, no âmbito municipal, estadual e nacional -,

além de evidenciar suas colocações sobre a situação do Espírito Santo. Essa análise

dá isenção ao diagnóstico sobre sistema estadual, pois está fundada em visões de

1 Algumas palavras foram colocadas em destaque ao longo do texto para chamar a atenção do leitor.

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pessoas diferentes e comprometidas somente com a verdade, não ficando a análise

tão somente sob os pontos de vista deste mestrando.

Vencido o esforço inicial de entender uma realidade difícil de se descrever apenas com

palavras, no terceiro capítulo construir-se-á uma base de sustentação para a

discussão de fundo do trabalho, que são as políticas públicas alternativas para o

sistema carcerário, visando a garantia da dignidade humana do preso. Por ser

essencial para as análises seguintes, buscou-se, nesse capítulo, a conjunção de

fatores em um corpo de conhecimento científico para realmente fazer frente ao

fenômeno da terceirização do setor carcerário de forma racional e adequada à nossa

cultura jurídica. Para tal, foram trazidos e confrontados os ensinamentos e posturas de

grandes doutrinadores e pensadores, como Janoski, Liszt Vieira, Ingo Wolfgang

Sarlet e Immanuel Kant, que, de forma corajosa e iluminada, enfrentam as antinomias

entre o público e o privado, os direitos e as garantias constitucionais e a dignidade

humana.

Com estes conceitos bem definidos, no capítulo quatro puderam-se iniciar as

discussões sobre os vários tipos de políticas públicas possíveis à luz da legislação e

dos interesses sociais. A mística que, em muitos momentos, encobre e confunde as

discussões e os debates sobre o sistema prisional, resistindo a mudanças estruturais

significativas, passa, então, a ser enfrentada do ponto de vista conceitual. A intenção

aqui é provocar reflexões sobre a polissemia do tema, apresentar seus diferentes

entendimentos, desmistificar o absolutismo da intervenção unicamente pública do

cárcere e, além disso, prover o estudo com um conceito instrumental mínimo do que

pode ser terceirizado ou não.

Ainda nesse capítulo, é reservado um espaço à análise, sob o prisma constitucional, da

política pública prisional hoje reinante em todo o país e em nosso estado, suas

conseqüências e como deveria ser a realidade do tratamento prisional, de acordo os

instrumentos internacionais mais importantes, como o Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos e as Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas

Presas, e as normas brasileiras, como a Lei de Execuções Penais e a Resolução 14

do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, CNPCP.

Concluindo essa parte e para auxiliar a reflexão teórica, articulou-se a pesquisa

bibliográfica com a práxis para fazer considerações quanto à execução penal e a

dignidade humana nos presídios do Espírito Santo. A proposta foi analisar o nosso

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estado, para se conhecerem as percepções dos envolvidos quanto às dificuldades

enfrentadas e as possibilidades de melhoras.

A seguir, no capítulo cinco , foi aprofundado o estudo de uma questão ainda muito

polêmica, que é a terceirização prisional como uma opção de política pública

alternativa, construindo-se um arcabouço não só jurídico, mas também sob o enfoque

ético-moral. As confusões conceituais entre privatização e terceirização foram

enfrentadas sob o prisma dos Direitos Administrativo e do Trabalho, para suprir a

lacuna do Direito Penal e, mais especificamente, de execução penal. Assim, foram

pontuados os argumentos doutrinários favoráveis e contrários à terceirização, que, com

certeza, trarão ao leitor uma sustentação maior para o enfrentamento do tema e um

futuro posicionamento próprio. Por fim, foi apresentada uma pesquisa sobre as

experiências já realizadas com esta política pública pelo mundo e no Brasil. Além da

terceirização, também foram abordadas algumas outras propostas de políticas públicas

importantes, para as quais o gestor público atento aos direitos humanos deveria

direcionar sua visão, como a questão de uma nova forma de se tratar a mulher

encarcerada e o amparo ao egresso, pontos nodais para a concretização de um

sistema eficaz do ponto de vista dos resultados sobre a diminuição da violência e da

criminalidade.

O capítulo seis trata de um estudo de caso raro, um modelo de terceirização da

Espanha, um dos sistemas mais respeitados e eficazes do ponto de vista do respeito à

dignidade humana do preso em todo o mundo. Ainda nesse capítulo, faz-se um estudo

sobre a possibilidade de adaptar o modelo espanhol ao Espírito Santo, sem infração às

normas constitucionais e infraconstitucionais que tratam de execução penal e de

direitos e garantias individuais.

Diagnosticado o sistema, elaborou-se uma comparação centrada nessa experiência e,

em seguida, ofereceu-se uma proposta inovadora de gestão prisional, de maneira que

os problemas com a superlotação, a ociosidade dos presos e as condições subumanas

em que vive a população carcerária nos dias atuais sejam minimizados.

O capítulo sete demonstra o embasamento legal para a concretização da proposta

espanhola através da novel lei das chamadas PPP´s, parcerias públicas-privadas.

Ousando mais, foi buscado construir um roteiro de orientação sobre como deveria ser

um contrato de terceirização prisional, para dar garantias de uma política pública justa

ao Estado.

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Por fim, encerra-se este trabalho com o capítulo oito , em que são traçadas

considerações sobre o discutido no escopo do mesmo e são apresentadas algumas

conclusões .

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1.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Tendo definido a linha de pesquisa na direção da análise do sistema prisional capixaba

e a qualidade do tratamento dispensado àqueles nele recolhidos, os presos, é

essencial o enfrentamento de tema indissociável para tal conclusão: a dignidade da

pessoa humana, fundamento no qual se sustenta o direito constitucional moderno.

Sem que tenhamos a pretensão de esgotar-se a temática escolhida como diretriz deste

estudo, lançar-se-á mão dos ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet (2000), que já no

início da sua obra “Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na

Constituição de 1988”, reconhece que o conceito de dignidade para a ordem jurídica

tem sido tema polêmico e que tem ensejado farta discussão em nível doutrinário e até

mesmo jurisprudencial. O que se tem de concreto é o fato de que a nossa Carta Magna

positivou a dignidade da pessoa humana como fundamento de nosso Estado

democrático de Direito. Nestes termos, temos assim estatuído:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana (grifo nosso)

Conforme demonstrado, o legislador Constituinte de 1988 preferiu não incluir a

dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais, ostentando-

a na condição de princípio - e valor - fundamental.

Insta destacar ainda, que além de se ter feito questão de garantir a proteção da

dignidade já no primeiro artigo do Constituição Federal de 1988, o legislador também o

fez em vários outros, de forma a reforçar tal garantia. Nesse diapasão, destacou que a

ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna (art. 170,

caput), seja quando, na esfera da ordem social, fundando o planejamento familiar nos

princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (Art. 226,

parágrafo 6º), e ainda assegurando à criança e ao adolescente o direito à dignidade

(art. 227, caput).

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Podemos observar, com isso, que a dignidade da pessoa humana mereceu atenção

especial por parte da nossa ordem jurídica positiva vigente, e é nessa condição que

ora vai analisada, sem que com isto se esteja a desconsiderar a relevância de uma

fundamentação filosófica, sobre a qual também será feita referência neste trabalho.

Trabalhar as noções de dignidade, entretanto, desafiam a todos os que se ocupam do

seu estudo, em razão dos conceitos imprecisos trazidos pela melhor doutrina. Em

virtude de sua ambigüidade, possui uma natureza necessariamente polissêmica, não

cuidando de aspectos mais ou menos específicos da existência humana (integridade

física, intimidade, vida, propriedade, etc.), mas, sim, de uma qualidade tida como

inerente a todo e qualquer ser humano. Talvez pela necessidade de não se restringir

sua abrangência, justamente em razão de sua imprescindibilidade, é que a dignidade

passou a ser habitual e majoritariamente definida como constituindo o valor próprio que

identifica o ser humano como tal.

Buscando pesquisar o conceito jurídico da dignidade, verifica-se que são

extremamente interessantes e apropriadas as observações feitas por Sarlet (2000),

que, aplicando a noção referida por Bernard Edelman (1998), de que qualquer conceito

- inclusive jurídico - possui uma história, que necessita ser retomada e reconstruída

para que se possa rastrear a evolução da simples palavra para o conceito e assim

apreender o seu sentido. Assim, buscou-se garimpar a matriz histórica para a

dignidade.

Pôde-se observar que, fugindo do seu conteúdo elementar, sempre houve uma

ideologia capaz de justificar cada atrocidade praticada pelo homem. De acordo com

Sarlet o genocídio indígena, a escravidão dos negros africanos, o movimento anti-

semita, a santa inquisição, as duas grandes guerras e tantos outros podem ser

lançados como exemplos. O homem cometeu muitas atrocidades em nome da

“humanidade” e da “justiça”.

Desenvolvendo sua linha de raciocínio, Sarlet prossegue afirmando que tudo isso foi

fundado e justificado pelo pensamento filosófico e político da Antiguidade Clássica, em

que a dignidade (dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, o seu grau de

reconhecimento pelos demais membros da comunidade, no sentido de se admitirem

pessoas mais ou menos dignas, levando-nos a concluir que, sob este fundamento,

estaria justificado o fato de umas serem subjugadas pelas outras.

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Felizmente, entretanto, a cada grande ataque contra o homem nasceu na História uma

reação que, em maior ou menor grau, produziu uma revolução democrática insurgente,

que clamava pelos direitos humanos e que, em alguns casos, conseguiu até destruir

regimes absolutistas vigentes. E isso desde o século XVII.

Um exemplo do que se afirma foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem -

ideal comum a ser alcançado por todos os povos - proclamada pela ONU justamente

no auge da segunda grande guerra mundial, em 1948 -, quando as violações de

direitos humanos eram ostensivas e abomináveis.

A Declaração funcionou e funciona até hoje como um marco ideológico, pois, após sua

edição, a dignidade passou a ser reconhecida expressamente em muitas

Constituições. Pode-se assim dizer que o Estado Constitucional Democrático da

atualidade é um Estado radicado no princípio da dignidade do ser humano, ainda que

não raras vezes este dado venha a ser esquecido na prática.

Por outro lado, não se pode esquecer também o ideário cristão, que ajudou a construir

a idéia do valor intrínseco da pessoa humana. Tanto no Antigo2 como no Novo

Testamento3, pode-se encontrar referências no sentido de que o ser humano foi criado

à imagem e semelhança de Deus. Assim, sob este enfoque, o ser humano - e não

apenas os cristãos - é dotado de um valor próprio e que lhes é intrínseco, não podendo

ser transformado em mero objeto ou instrumento.

Para um maior aprofundamento da análise de tal tese cristã, o professor Ingo Wolfgang

Sarlet desvela ponto a ponto as fragilidades jurídicas de tal argumento, buscando

sustentar a garantia da dignidade por outro enfoque, o que de certo modo fez com que

ela abandonasse sua fundamentação meramente religiosa. Para tal, destaca que

Immanuel Kant apresentou um importante contraponto à concepção cristã, de que o

ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus.

Foi essa construção filosófica que serviu de base ao atual status da dignidade em

nosso sistema legal, cuja concepção parte da autonomia ética do ser humano,

autonomia esta considerada como fundamento da dignidade do homem. Além disso,

2 Gênesis 1, 26 [...] Então disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem e conforme a nossa semelhança, domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra. 3 Coríntios 11,7 [...] O homem não deve cobrir a cabeça, pois é a imagem e a glória de Deus, mas a mulher é a glória do homem. Tiago 3,9 [...] Com a língua bendizemos ao Senhor e vai; e também com a língua amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus.

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sustenta que o ser humano - o indivíduo - não pode ser tratado, nem por ele próprio,

como objeto.

Kant (apud SARLET, 2000, p. ?? ) afirma que “o Homem, e, duma maneira geral, todo

ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o

uso arbitrário desta ou daquela vontade”. Para ele, os seres cuja existência depende

mais da natureza do que de nossa vontade, principalmente os irracionais, têm apenas

um valor relativo, como meios, e por isso se chamam coisas. Por sua vez, os seres

racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si

mesmos, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por

conseguinte, limita todo o seu arbítrio.

Sobre a qualidade peculiar e insubstituível da pessoa humana, Kant ainda afirma que

[...] no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade [...] (1988, p. 134 e 141).

Assim, podemos extrair da concepção kantiana que a dignidade da pessoa humana

repudia toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização (grifo nosso)

do ser humano.

Por sua vez, Sarlet continua a trilha deste enfrentamento jurídico, dando, pois, em sua

visão, o ideário de uma ordem constitucional que consagra a idéia da dignidade da

pessoa humana, partindo do pressuposto de que o homem, em virtude tão-somente de

sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular

de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo

Estado.

A dignidade da pessoa humana continua, talvez mais do que nunca, a ocupar um lugar

central no pensamento filosófico, político e jurídico para expressivo número de ordens

constitucionais, ou, pelo menos para as que nutrem a pretensão de constituírem um

Estado democrático de direitos, como é a nossa.

Assim, pode-se concluir que o homem não é somente um ser livre, mas também um

ser único que deve ser respeitado na sua individualidade. Nesses termos e com essa

base filosófica como fonte jurídica é que a dignidade vem sendo considerada qualidade

intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano, levando-nos à consciência

de que a destruição de um deles implicaria na destruição de outros. Ela deve, pois, ser

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respeitada e protegida de forma permanente pela humanidade, pelo Estado e pelo

Direito.

É justamente este o ponto nevrálgico da leitura moderna sobre os direitos humanos e a

dignidade da pessoa humana, e cabe precisamente aos governos respeitá-los. Dessa

forma, fica limitado o poder do Estado e restrito o do governo, estando este último

compelido a respeitar a dignidade humana, mesmo quando isso contrarie os interesses

governamentais.

Assim, vale lembrar, que a dignidade não existe apenas onde é reconhecida pelo

Direito e na medida que este a reconhece, já que constitui dado prévio, no sentido de

ser preexistente e anterior a toda experiência de organização estatal. O Direito deverá,

portanto, exercer papel relevante na sua proteção e promoção.

A dignidade, concebida como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição

humana, pode e deve ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não

podendo ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada, como no caso

de presos), já que ela existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente.

Reafirmando tal convicção, Sarlet aprofunda seu pensamento sobre o tema com uma

abordagem extremamente enriquecedora, fundada também nos trabalhos de Dworkin

(1999), que sustenta a existência do direito das pessoas de não serem tratadas de

forma indigna, quando afirma que qualquer sociedade civilizada tem seus próprios

padrões e convenções a respeito do que constitui esta dignidade, critérios esses que

variam conforme o local e a época. Este tema é fascinante e está longe de alcançar o

tratamento desejável; entretanto, por seus desdobramentos peculiares, haverá de ser

deixado em aberto neste estudo.

Voltando à visão kantiana, a dignidade pode ser considerada atingida sempre que a

pessoa é rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa; em outras

palavras, sempre que é descaracterizada e desconsiderada como sujeito de direitos.

O que se percebe, em última análise, é que, onde não houver respeito pela vida e pela

integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma

existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitações do poder, enfim,

onde a liberdade e a autonomia, a igualdade - em direitos e dignidade - e os direitos

fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá

espaço para a dignidade da pessoa humana e esta, por sua vez, poderá não passar de

mero objeto de arbítrio e injustiças.

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O que foi exposto acima leva-nos, inevitavelmente à mesma conclusão de Sarlet: a

dignidade preexiste ao direito, não querendo dizer que o direito passa a ser

secundário, pois é justamente o seu reconhecimento expresso que gera a sua proteção

por parte da ordem jurídica, constituindo-se requisito indispensável para que esta

possa ser tida como legítima.

Apesar de todas estas conclusões até certo ponto simples, a melhor doutrina e a

melhor jurisprudência pátria têm dificuldades em conceituar a dignidade da pessoa

humana. Parece que todos preferem não fazê-lo de forma fechada, rígida, ainda mais

quando se verifica que uma definição desta natureza não harmoniza com o pluralismo

e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democráticas

contemporâneas. É, pois, um conceito que permanece num processo permanente de

construção e desenvolvimento.

Por fim, pode-se encerrar esta etapa do presente estudo deixando aqui consignada

nossa posição pessoal a respeito deste ponto, que coaduna com a audaciosa

formulação de proposta de conceituação jurídica da dignidade da pessoa humana

defendida por Sarlet, que desvelou, em seus estudos, que ela além de reunir a

perspectiva ontológica e instrumental referida, procura destacar tanto a sua necessária

faceta intersubjetiva e, portanto, relacional, quanto a sua dimensão simultaneamente

negativa – defensiva - e positiva - prestacional. Assim sendo, tem-se por dignidade da

pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser

humano que o faz merecedor do mesmo respeito e cons ideração por parte do

Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e

deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto c ontra todo e qualquer ato

de cunho degradante e desumano, como venham a lhe g arantir as condições

existenciais mínimas para uma vida saudável, além d e propiciar e promover sua

participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida

em comunhão com os demais seres humanos. (grifo nosso).

Toda esta consciência é crucial, pois se sabe que o homem não é uma célula isolada

na sociedade, uma vez que vive com outras pessoas e tem sua liberdade determinada

essencialmente pelo meio em que vive. Por outro lado, o homem exerce influência

sobre ele, mas, nem por isso, pode degradá-lo.

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1.3 PORQUE O CRIMINOSO MERECE RESPEITO À SUA DIGNIDADE?

É comum ouvirem-se críticas aos organismos de proteção aos direitos humanos,

principalmente aqueles que atuam na área carcerária, acusados de só se preocuparem

com os direitos de “bandidos”. Esse tipo de colocação espalha uma cultura de repúdio

à dignidade das pessoas que agiram em desconformidade com a lei penal, criando

corrente de pensamento popular apaixonada, que realmente crê e gostaria de ver

efetivado um tratamento penal cruel, degradante e até desumano para estes.

Enfrentando tal realidade do consciente coletivo, passa-se, agora, a analisar a

dignidade da pessoa humana frente aos efeitos da sentença penal condenatória que

leva o infrator ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade.

Perseguindo o objetivo de dialogar com os melhores nortes da discussão doutrinária

sobre o tema, não poderíamos deixar de lançar nossos olhos sobre a obra de Günter

Jakobs (2005), catedrático emérito de Direito Penal e Filosofia do Direito da

Universidade de Boon, Alemanha, que busca sustentar de forma desafiadora sua tese

do “Direito Penal do Inimigo”, muito discutida hodiernamente.

Buscando estudar tal corrente que tem conseguido aplausos em muitos países,

mormente na América Latina, debruçar-se-á sobre sua obra, na qual o autor defende

uma tendência radical e oposta à humanitária, buscando construir um novo contexto

jurídico-penal, que julga mais adequado às realidades da criminalidade moderna.

Antes de partir-se para a nova tese, buscar-se-á sintetizar aquela que o autor chama

de “Direito Penal do Cidadão”, que se sustenta na relação de poder do ente estatal

dentro de um confronto dialético entre a soberania do Estado, quando exerce o seu jus

puniendi4, e os Direitos Humanos. Neste prisma, seria obrigatória a observância do

critério da proporcionalidade da pena, dentre outros, eis que preservadas as garantias

constitucionais, pois, apesar de ser um infrator da lei penal e estar preso, resta mantida

a essência do ser humano, ou seja, sua consideração como pessoa e como cidadão, e

não como um animal irracional.

Assim sendo, no prólogo III da obra de Jakobs (2005, p. 17), André Luis Callegari e

Nereu José Giacomolli5, ao analisarem o Direito Penal do Cidadão, afirmam que,

independentemente da gravidade da conduta do agente, este há de ser punido

4 Expressão em latim que significa “direito de punir” 5 Organizadores e tradutores da obra de Jakobs aqui analisada.

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criminalmente como transgressor da norma penal, como indivíduo, como pessoa que

praticou o crime, e não como um combatente, como um guerreiro, como um inimigo do

Estado e da sociedade. A conduta, por mais desumana que pareça, não autoriza o

Estado a tratar o ser humano como se um irracional fosse. O infrator continua sendo

um ser humano.

Como ponto de partida para a tese do Direito Penal do Inimigo, Jakobs destaca dois

fenômenos criminais: o simbolismo do Direito Penal e o punitivismo. Assevera ele que

a pena é coação de diversas classes. Primeiro, simboliza uma resposta ao fato

criminoso, que, a princípio, desautorizava a lei penal; depois, dando a ele a resposta

de que, independentemente do ato do criminoso, prevalecerá a lei, permanecendo

intacta a sociedade. Ou seja, a pena deveria servir como meio para intimidar outros

potenciais criminosos.

Desenvolvendo sua linha de raciocínio, Jakobs sustenta que

[...] quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo, como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas. (2005, p. 42).

Nesta linha de raciocínio, em síntese, Jakobs defende dois Direitos: um para o

criminoso eventual, não contumaz e que não traga grandes perigos para a sociedade,

eis que ainda é cidadão; e outro para o criminoso cruel, como o terrorista ou o mafioso,

que pela periculosidade é tratado como um inimigo do Estado numa guerra e, como tal,

não possuiria amplos direitos, eis que não é considerado pessoa.

Não obstante reconhecer que, neste momento de crise da segurança, tal tendência

seja facilmente conclamada pela população, que se encontra acuada com os elevados

índices de violência, particularmente não podemos deixar de nos posicionar

contrariamente, já que, na atualidade, em todo o mundo, existe uma ordem mínima

juridicamente vinculante, no sentido de que não se devem tolerar as vulnerações dos

direitos humanos elementares, independentemente de onde ocorram, mesmo que

dentro de um presídio.

Neste sentido também se coloca Manuel Cancio Meliá (2005), com grande potencial

crítico da teoria de Jakobs. Ao assinar o prólogo II da obra acima referida, concluiu, de

forma tão direta e radical quanto a própria tese analisada, que “Direito Penal do

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Inimigo” não pode ser “Direito” (JAKOBS; MELIÁ, 2005, p. 13). Podemos extrair

dessas considerações que Meliá confronta-se com Jakobs, deixando claro o

entendimento no sentido de que o Direito Penal encontra limites na Carta

Constitucional e, por isso, o tratamento deve preservar as garantias e fundamentos

constitucionais, como a dignidade humana do criminoso, sob pena de não ser direito

penal legítimo.

Ainda a respeito dessa análise da tese em questão estão os ensinamentos de André

Callegari e Nereu Giacomolli, que, ao que parece, a rebatem de forma conclusiva: “A

supressão e a relativização das garantias constitucionais despersonalizam o ser

humano, fomentando a metodologia do terror, repressiva de idéias, de certo grupo de

autores, e não de fatos.” (2005, p. 18).

Congregando as premissas esposadas e superando a defesa do “Direito Penal do

Inimigo”, passa-se então a analisar a teoria da pena sob o prisma constitucional, de

essencial importância para que se possa chegar de forma segura ao final deste estudo.

É cediço que todas as medidas penais mantêm como objetivo a reintegração do

indivíduo na sociedade. Os condenados devem poder voltar a viver na sociedade e

comportar-se de maneira social, mesmo por que no Brasil não é legal a prisão

perpétua ou a pena de morte, nos termos do Art. 5º, inciso XLVII da Constituição

Federal de 1988.6

Esse é, seguramente, o objetivo mais importante da pena, pois não é necessário

grande malabarismo de raciocínio para se concluir que a ressocialização contribui para

a prevenção eficaz contra a criminalidade. O grande número de condenados

reincidentes pode ser reduzido com maior eficácia, com uma reintegração eficiente.

Por meio do ensinamento do já referido professor Sarlet, é fácil perceber que, apesar

de respeitar o posicionamento de pensamentos contrários, como o de José Afonso da

Silva (ano ? , p. 93) que entende a dignidade como forma de comportamento,

admitindo-se, pois, atos dignos e indignos -, ainda assim dever-se-á acolher como

atributo intrínseco do ser humano, como antes demonstrado.

Neste contexto, tem-se que a dignidade de todas as pessoas, mesmo daquelas que

cometem as ações mais indignas e infames, não poderá ser objeto de

desconsideração, estando elas cumprindo penas restritivas de direito ou privativas de

6 CF/88, Art. 5º, XLVII - Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;

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liberdade em qualquer dos seus regimes. Aliás, não é outro o entendimento do art. 1º

da Declaração Universal da ONU (1948): “[...] todos os seres humanos nascem livres e

iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para

com os outros em espírito e fraternidade.”

Seguindo-se essa nossa linha norteadora dos direitos do homem, que consolidou a

base constitucional brasileira moderna, todos, mesmo o maior dos criminosos, são

iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas, ainda que não

se portem de maneira igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes,

inclusive consigo mesmos.

Tal conclusão é corroborada quando se verifica que assim ficaram universalmente

fundadas as premissas basilares da doutrina Kantiana, influenciando o Constituinte de

1988, que se referiu à dignidade da pessoa humana como fundamento da República e

do nosso Estado democrático de Direito, como já foi demonstrado.

Trazendo-se esse pensamento ao confronto com uma análise fria da situação do

homem encarcerado em prisões insalubres, administradas por quem não investe no

tratamento social do preso, e este, não podendo mais dispor de seu corpo, e mais,

sendo humilhado de maneira desumana e reduzido física e mentalmente, tem sua

dignidade atingida de maneira irreparável. A integridade corporal é o último reduto em

que um homem pode ser ele mesmo. Quando este espaço de identidade é destruído,

não resta mais nada da qualidade do ser humano. Por sua vez, esse fato não

desqualifica por completo a pena de prisão, desde que se atente para a pessoa a ela

submetida, tendo-se a consciência de que ela não deve perder a sua dignidade e,

portanto, deve ser tratada de forma a preservá-la.

Apesar de muito criticada em todo o mundo, ainda não se encontrou outra pena capaz

de retirar de vez dos ordenamentos jurídicos as penas de prisão. Mesmo quando é

aplicada a pena alternativa, a prisão continua sendo a coluna vertebral dos sistemas

penais de todo o mundo. No Brasil, na forma do Art. 44, parágrafo 4º do Código Penal

Brasileiro, caso esta – a pena alternativa - não seja cumprida poderá ser convertida em

pena de prisão, ou seja, o poder coercitivo das penas restritivas, ditas alternativas,

continua sendo a prisão.

Por outro lado, vê-se nos noticiários diários a constância da prática de crimes violentos,

que devem ser reduzidos ao mínimo. Como conseqüência, verifica-se uma ação cada

vez mais contundente dos atores do sistema penal - Poder Legislativo, Polícia,

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Ministério Público e Poder Judiciário – empenhando-se cada vez mais em ações

preventivas e repressivas, as quais acabam limitando ainda mais as liberdades. Essas

limitações conduzem automaticamente a uma extensão do poder de polícia dentro do

tratamento penal.

Não podemos esquecer, também, que a relação do Direito Penal com o Constitucional

deve ser sempre muito estreita, pois o princípio da supremacia constitucional deve

reger a política penal.

Nessa esteira, buscando-se aquela que foi adotada como a melhor parte da doutrina,

volta-se a Eugenio Raúl Zaffaroni (1999, p. ? ), que, em sua obra “Direito Penal

Brasileiro” destaca as principais diretrizes do direito penal constitucional, que são:

O princípio democrático impõe a racionalização dos atos do poder público, o que

obriga à interpretação lógica e coerente das leis penais. Este princípio emana do art.

1º, parágrafo único da CF: “[...] todo poder emana do povo, que o exerce por meio de

seus representantes eleitos ou diretamente, nos temos da Constituição.”

A) O princípio da legalidade, que, como corolário, engloba o princípio da reserva legal,

que dizem que fora da previsão legal não pode haver crime nem pena, conforme

normatizado no art. 5º, incisos II e XXXIX.

B) O princípio da humanidade da pena, insculpido no art. 5º, XLIX da Carta Magna,

que diz que é assegurado aos presos o respeito da integridade física e moral.

C) O princípio da individualização da pena, que indica que as penas não podem ser

fixadas pelo menos como critério geral, permitindo ao juiz a escolha da pena dentre as

privativas, restritivas de direitos ou de multa. Isso, determinado pelo art. 5º, inciso XLVI,

da Constituição Federal atual.

Do primeiro princípio acima descrito, o democrático, deriva outro que merece ser

tratado de forma diferenciada, que é o princípio da humanidade, que exige certa

vinculação entre o delito e sua conseqüência jurídica, proibindo-se assim a pena de

morte, a prisão perpétua, o banimento, trabalhos forçados e penas cruéis (Art. 5º

XLVII), conforme já dito.

Sabe-se que é difícil encontrar o ponto de equilíbrio entre a proteção da população, de

um lado, e dos direitos e a dignidade do homem infrator penal, de outro. Porém, é

preciso curvar-se aos princípios e normas constitucionais, e para tanto deve-se

interpretá-las. Se a pena cruel é proibida, será que o legislador quer enfrentar a

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criminalidade aplicando pena frágil, inexpressiva? Entendemos que não. Assim, deve

ser feita a vontade do legislador, com a aplicação e execução de uma pena racional,

com a força necessária para a punição e prevenção do crime, nos parâmetros da lei.

Atentos a estes princípios maiores, então, não há como não nos colocar pela

proscrição das penas cruéis e de qualquer pena que desconsidere o homem como

pessoa. É justamente o princípio da humanidade que dita a inconstitucionalidade de

qualquer pena ou conseqüência da infração penal que crie um impedimento físico

permanente (morte, amputação, castração etc.), como qualquer conseqüência jurídica

indelével do delito.

Nesse sentido, os ensinamentos de Zaffaroni (1999, p.177) têm um cunho

particularmente esclarecedor quando afirma que a República pode ter homens

submetidos à pena, “pagando suas culpas”, mas não pode ter um cidadão de segunda,

que seja afetado pela diminuição de sua capacidade para toda a vida. Com base nisso,

por exemplo, é que hoje os julgados brasileiros têm aceitado de forma uníssona que o

juiz possa realizar a dosimetria da pena abaixo do limite mínimo previsto para cada tipo

penal, adequando-a a uma quantificação que não seja violatória do princípio da

humanidade das penas, o que corrobora a nossa conclusão no sentido de que a ele é

dada vigência absoluta.

Assim, sob o manto constitucional, a pena de prisão, ou melhor, a sua execução, deve

ser preservada através da ótica da dignidade da pessoa do preso, que, indene de

dúvidas, também é pessoa humana de direitos.

Tem-se visto na mídia, porém, prisões abarrotadas, sujas, com alimentação precária,

com um fornecimento de água para o consumo de péssima qualidade, sem

atendimento médico, dentário e psicológico, sem oportunidades de trabalho ou de

estudo e, o que é pior, com o uso não raro de atos de tortura com forma de imposição

da força estatal. Quando um estabelecimento prisional trata o interno dessa forma, fere

de forma contundente a dignidade humana que é unicamente garantida quando o

homem, como ser racional, pode desenvolver-se em comunidade e num meio

ambiente conveniente. Uma vida com respeito à dignidade humana supõe, tanto

quanto a liberdade, um meio ambiente minimamente saudável.

Se o Estado brasileiro não conseguir criar um ambiente prisional ao menos salutar,

afrontará de forma ostensiva os mandamentos constitucionais, sem falar nos tratados

internacionais dos quais é signatário. Hoje, de todos os direitos da terceira geração,

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sem dúvida o mais elaborado é o direito ao meio ambiente. Seu grande marco quanto

à garantia da vida em um ambiente saudável está na declaração de Estocolmo, de

1972, que assim positivou: (FONTE?)

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna e gozar do bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente [...]

Como se vê, as Nações Unidas registram essa garantia de forma geral e irrestrita, não

fazendo qualquer distinção quanto ao criminoso.

Na ECO/92, encontro mundial sobre a preservação do meio ambiente realizado no Rio

de Janeiro, a formulação é mais sutil. Lê-se no princípio I: “Os seres humanos estão

no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Tem direito a uma

vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.” (FONTE?)

Assim, podemos concluir que a dignidade como princípio fundamental encerra normas

que outorgam direitos subjetivos de cunho negativo - não violação da dignidade -, mas

que também impõe condutas positivas, no sentido de proteger e promover a dignidade,

por exemplo mantendo-se ambientes prisionais minimamente salubres, tudo a

demonstrar a multiplicidade de normas contidas num mesmo dispositivo.

Ao revés do que pregam aqueles que se insurgem com veemência contra os

movimentos de proteção aos direitos humanos dos presos, vê-se que a Constituição

Federal e a legislação ordinária nacional e estrangeira garantem a dignidade do

homem infrator encarcerado. Ela não pode ser reduzida a um conjunto de prestações

suficientes apenas para assegurar a existência - a garantia da vida – humana, mas,

mais do que isso, deve propiciar-lhe o cumprimento de sua pena com dignidade, no

sentido de oferecer-lhe uma vida em um meio ambiente saudável.

Não defendemos o fim da pena de prisão, pois como já afirmamos, ainda não se

conhece modelo que a substitua plenamente. É certo que a sanção imposta – a prisão

- decorre por razões vinculadas; por exemplo, por necessidade de proteção da vida, da

liberdade e dignidade dos demais indivíduos de bem, os quais não poderão ficar à

mercê de toda sorte de violências e violações de sua dignidade pessoal por parte do

criminoso, sob o argumento de que a segregação do ofensor se afigura impossível, já

que, por sua vez, implica limitação de sua própria dignidade.

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O encarceramento continua sendo necessário em alguns casos, mas apenas como

restrição intensa da liberdade, não sendo aceitável que seja dolosa ou culposamente

ofensiva a dignidade do preso por parte do ente estatal, pois, apesar de segregado, ele

preserva íntegro o conteúdo de dignidade não maculado pela sentença penal

condenatória que determina o seu recolhimento.

Se o Estado não conseguir mudar o quadro prisional, que, na expressão de Sarlet

(2005), hoje “coisifica” os presos, estará participando de forma efetiva da degradação

destas pessoas, transformadas em meros objetos da ação arbitrária de terceiros.

Respeitando-se assim a norma constitucional, antes de somente se jogar um homem

infrator na prisão com problemas de superlotação, violando sua dignidade pessoal por

tudo que já foi dito, e ainda que isto seja feito com amparo no sistema jurídico-penal,

ao poder público devem ser impostos de forma coercitiva os limites decorrentes do

princípio da dignidade da pessoa humana. Implica dizer que o Estado deverá ter como

meta permanente a proteção, promoção e realização concreta de uma vida com

dignidade para todos, sejam as vítimas, sejam seus agressores encarcerados, que não

podem ser condenados à exclusão e degradação social eternas.

A Constituição não deixa qualquer dúvida sobre a necessidade de serem adotadas

medidas efetivas de combate às práticas de exclusão, até mesmo do preso, o que nos

leva a reforçar-se a conclusão anterior de que a dignidade da pessoa humana pode ser

considerada absoluta, sendo, pois, impossível relativizá-la. Pertence à dignidade do

homem o respeito a sua singularidade e a sua individualidade, bem como o direito de

não ser discriminado, como se pertencesse a uma raça - ou sub-raça – desprezível;

caso contrário, estar-se-ia eliminando toda e qualquer perspectiva de, após o

cumprimento da pena, reintegrá-lo à sociedade como um cidadão.

Neste contexto, e reforçando o que foi aqui abalizado, vale à pena destacar também o

estatuído na Lei de Execuções Penais:

Art. 3º - Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei

Parágrafo único:

Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.

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Tudo isso nos outorga questionar a possibilidade do preso inclusive votar, ser um

cidadão que, como previsto no direito brasileiro, é o indivíduo titular de direitos

políticos, os quais expressam em duas modalidades: direitos políticos ativos - direito de

votar -, e direitos políticos passivos - de se eleger. Mas isso poderia ser deixado para

uma outra pesquisa.

Voltando ao nosso tema central, ao se enfrentar o problema dos presos, não podemos

fazê-lo sem conhecer um pouco sobre as características dessa população. Pelo censo

penitenciário de 1994, realizado pelo Ministério da Justiça, 95% dos presos são pobres

e 74,5% não possuem o 1º grau, o que reforça a crença de que imensa maioria dos

presos provisórios estaria livre, caso não fosse oriunda das camadas mais pobres da

população, não desconhecesse seus direitos e tivesse condições de contratar bons

advogados.

São essas as pessoas sujeitas ao cárcere no Brasil e em nosso Estado. Mais um

motivo para se ter consciência da importância de se impedir que o excesso ou desvio

da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal. Se aos

presos são assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença, pela interdição

do estabelecimento ou pela lei, isso determina que o Direito Penal Brasileiro deve

preservar a pessoa do preso, sua dignidade e sua cidadania, pois, no Estado

democrático de direito, ele está a serviço dos cidadãos. Por ter a pessoa como objeto

principal de proteção, o Estado de direito é incompatível com qualquer proposta de

diminuição de garantias, sendo que o Direito Penal só deve servir para limitar a

violência.

No entanto, diminuir a violência é fazer prevalecer a liberdade sobre a prisão; as

garantias individuais sobre a necessidade de cumprir pena. Daí surgirem os direitos do

preso no Estado democrático de direito, no qual o cumprimento da pena não pode

implicar jamais na perda ou diminuição dos direitos fundamentais e de sua dignidade,

pois este pode ser visto como alguém sujeito a uma relação especial de poder, ou seja,

a meras “regras especiais”, que não atingem a titularidade dos direitos fundamentais.

Ainda na LEP, art. 41, estão estabelecidos outros direitos considerados elementares

para o preso. Eles têm por finalidade tornar a vida do cárcere tão igual quanto possível

à vida em liberdade. Entre estes direitos estão a continuidade do exercício de

atividades profissionais, artísticas e desportivas, assistência social e religiosa, trabalho

remunerado e previdência social; a proporcionalidade entre tempo de trabalho,

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descanso e recreação; a visita do cônjuge, da companheira e parentes; e o contato

com o mundo exterior por meio de correspondência, da leitura e de outros meios de

informação. Esses direitos reforçam os ensinamentos de Alexandre Pasqualini, em

Hermenêutica e Sistema Jurídico: ambos, dignidade e direitos fundamentais, atuam no

centro do discurso jurídico constitucional, como um DNA, como um código genético,

em cuja unifixidade mínima, convivem, de forma indissociável, os momentos

sistemático e heurístico de qualquer ordem jurídica verdadeiramente democrática.

Pode-se chegar à conclusão, portanto, de que os presos têm assegurado, tanto pela

Constituição Federal, quanto pela Lei de Execução Penal, seu direito à vida, à

dignidade, à liberdade, à privacidade etc.

O princípio da dignidade da pessoa humana assegura e determina os contornos de

todos os demais direitos fundamentais, o que significa que a dignidade deve ser

preservada e permanecer inalterada em qualquer situação em que a pessoa se

encontre, sendo simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso

sentir, da comunidade em geral - de todos e de cada um. Como tarefa imposta ao

Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie as suas ações tanto no sentido

de preservar a dignidade existente quanto de promovê-la, criando-se condições que

possibilitem o pleno exercício e fruição, sendo ela, portanto, dependente da ordem

comunitária.

Neste diapasão, extrai-se que, no âmbito de sua perspectiva intersubjetiva implica uma

obrigação geral de respeito pela pessoa - pelo seu valor intrínseco como pessoa -,

traduzida num feixe de deveres e direitos correlativos, não de natureza meramente

instrumental, mas sim, relativos a um conjunto de bens indispensáveis ao

“florescimento humano.”

Mesmo que aqui não se pretenda exaurir o tema, vê-se que o princípio da dignidade da

pessoa humana atua com a função instrumental integradora e hermenêutica no trato

prisional, na medida que serve de parâmetro para aplicação, interpretação e integração

não apenas dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas de

todo o ordenamento jurídico penal.

Definitivamente, Sarlet, mediante seu entendimento, faz eco àquele que, para nós, é o

ponto que melhor atende ao objetivo do presente trabalho, pois concluímos em nossa

pesquisa que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário,

já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.

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Assim, constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana

a garantia da isonomia de todos as pessoas, as quais, portanto, não podem ser

submetidas a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não pode ser

tolerada a escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivos de religião,

sexo, a aplicação de penas cruéis, enfim, toda e qualquer ofensa ao princípio

isonômico.

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2 O DIAGNÓSTICO NAS PRISÕES ESTATAIS: O CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA NO MUNDO, NO BRASIL E NO ESPÍR ITO SANTO

Apesar de não termos tradição de se fazerem estatísticas confiáveis no País, temos

dados apresentados pelo Ministério da Justiça que demonstram o crescimento

desenfreado da população carcerária no Brasil entre os anos de 1995 e 2003, quando

o número de presos por, 100.000 habitantes, cresceu 84%. Quantitativamente, no meio

da década de 90 havia cerca de 148.000 reclusos; em dezembro de 2003, já eram

308.000 (NUNES, 2005, p. 169-170). Ostentamos, assim, o segundo lugar das

Américas em população carcerária, com 187,7 presos para cada 100.000 habitantes,

só perdendo para os Estados Unidos da América, com 740 presos para cada 100.000

habitantes. Como pode ser visto, apesar de nossos problemas efetivos, nos EUA

prende-se cinco vezes mais que no Brasil.

Dentro desta avaliação, mesmo que sucinta, não podemos lançar olhos somente para

uma análise quantitativa do nosso sistema prisional, mas forçosamente somos

conduzimos para a questão da Dignidade Humana dos encarcerados, que é qualitativa.

Neste contexto, para que possamos fazer uma anamnese mais percuciente é

necessário que conheçamos minimamente o perfil social do nosso preso.

Com intuito de atender ao objetivo acima citado, buscamos os dados do Departamento

Penitenciário Nacional (DEPEN), que concentrou informações originárias de 27

Secretarias de Justiça de todo o Brasil, dentro do nominado Sistema Integrado de

Informações Penitenciárias (INFOPEN), em anexo, de onde se traçou o perfil do preso

nacional no ano de 2006. À guisa de paradigma trazemos à colação duas

constatações que consideramos significativas: a) 129.590 presos possuem a cor da

pele negra ou parda, ou seja, são mais de 60% da população carcerária; b) quanto ao

nível de instrução verificou-se que mais de 190 mil presos, ou seja, cerca de 2/3 da

população carcerária é analfabeta ou simplesmente alfabetizada.

Ante a este quadro acima traçado, fomos remetidos às reflexões feitas por Löic

Wacquant (2001) autor de vários trabalhos sobre a violência e a desigualdade urbana,

que fez um estudo nos Estados Unidos da América e, após este, elaborou um trabalho

crítico no qual concluiu, em síntese, que naquele País adotaram uma política

prisional/penal batizada pelo autor de “criminalização da miséria”, refletida no

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encarceramento maciço como complemento da generalização da insegurança salarial

e social. Enriquecedora é a reflexão feita pelo autor:

[...] é mais fácil proceder prisões nos bairros socialmente desorganizados, em contraste com os bairros operários estáveis ou os prósperos subúrbios de colarinhos brancos...em vários estados, como no de Nova York, o contingente de prisioneiros de cor é hoje nitidamente superior ao dos estudantes de cor inscritos nos campos das universidades públicas...no momento de sua institucionalização na América de meados do século XXI, a reclusão era antes de tudo um método visando o controle das populações desviantes dependentes, e os detentos, principalmente pobres e imigrantes europeus recém-chegados no Novo Mundo...o sistema penal contribui diretamente para regular os segmentos inferiores do mercado de trabalho...ele comprime artificialmente o nível do desemprego ao subtrair à força milhões de homens da população em busca de um emprego e, secundariamente, ao produzir um aumento do emprego no setor de bens e serviços carcerários...as prisões tiraram dois pontos do índice do desemprego americano [...].(2001, p. 95).

Wacquant também lançou suas observações e impressões sobre o sistema carcerário

brasileiro de forma também contundente, definindo nossas prisões como “campos de

concentração para pobres”:

É o estado apavorante das prisões do país, que se parecem mais com campos de concentração para pobres, ou com empresas públicas de depósito industrial dos dejetos sociais, do que com instituições judiciárias servindo para alguma função penalógica – dissuasão, neutralização ou reinserção. O sistema penitenciário brasileiro acumula com efeito as taras das piores jaulas do Terceiro Mundo, mas levadas a uma escala digna do Primeiro Mundo, por sua dimensão e indiferença estudada dos políticos e dos públicos: ...condições de vida e higiene abomináveis, caracterizadas pela falta de espaço, ar, luz e alimentação...negação de acesso à assistência jurídica e aos cuidados elementares de saúde...difusão da tuberculose e do vírus do HIV...violência pandêmica entre detentos, sob forma de maus-tratos, extorsões, sovas, estupros e assassinatos em razão da superlotação superacentuada [...].(2001, p. 11).

Mesmo sendo imperioso lembrar as peculiaridades do sistema prisional do Brasil,

pudemos perceber que esse fenômeno do crescimento da população prisional não é só

brasileiro, pois o crescimento maciço do número de encarcerados é tão assustador

aqui quanto em outras partes do mundo, com raras exceções. Fazendo agora uma

análise dos dados quantitativos anteriormente observados, juntamente com a análise

qualitativa de Wacquant, somos obrigados a concordar que há conexão entre a

questão social e a criminal.

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Por outro lado, alguns especialistas, como Edmundo Oliveira (1997) e Laurindo Dias

Minhoto (2000), sustentam que o crescimento da população prisional ao redor do

mundo não guarda qualquer relação com as taxas de criminalidade. Tal fato é

conseqüência das diferenças entre as legislações adotadas, umas mais duras que as

outras no momento das prisões e liberdades provisórias, do julgamento e da

condenação, com a adoção de penas mais longas, e ainda diferenças entre as

legislações referentes às liberações de presos, limitando os benefícios que abreviavam

as penas ou facilitavam liberdades antes da condenação.

Independentemente da causa, é certo que temos um grave quadro em nossas prisões.

Tivemos a oportunidade de conhecer grande parte das prisões brasileiras e, com muita

profundidade, todas as prisões capixabas, que retratam fielmente o cenário nacional.

Em recente análise feita pelo Diretor do Departamento Penitenciário Nacional

(DEPEN), Dr. Maurício Khuene, quando em visita ao Espírito Santo no mês de março

de 2006, ao ser questionado por um repórter sobre as notas que daria para os

estabelecimentos prisionais do Estado, afirmou: “Os presídios brasileiros merecem

nota 5. Os do Espírito Santo estão abaixo da média nacional, merecendo nota 4,”7 ou

seja, ficamos reprovados.

A crise de vagas, os descasos e os destratos já nos levaram a tragédias inesquecíveis,

como o massacre de 111 presos, em outubro de 1992, no Complexo do Carandiru. A

tragédia de Urso Branco, no Acre, no ano de 2002, também levou ao mundo o número

de 27 mortos. A crise no sistema penitenciário capixaba cresce na mesma proporção

nacional. Pelos dados que a Secretaria de Estado da Justiça (SEJUS) forneceu ao

Governo Federal, nos anos de 2004/5, consta que o Sistema SEJUS, ou seja, os

presídios do Estado tinham 3680 vagas para 5221 presos. Ainda nas delegacias de

Polícia, sistema da competência da Secretaria de Estado da Segurança Pública

(SESP), havia 1833 presos para 952 vagas. Concluindo, no ano de 2005 tínhamos o

total (SEJUS + SESP) de 7054 presos para 4632 vagas, o que gerava um déficit de

2422 vagas. Pior ainda seria se considerássemos que delegacias não são lugares para

recolhimento permanente de presos, que nelas estes deveriam permanecer somente o

tempo suficiente para a identificação e lavratura do auto de prisão - no máximo 48

horas. Assim, o déficit aumentaria para 3374 vagas, ou seja, mais que o dobro das

3680 vagas dos presídios.

7 Jornal A GAZETA, de 16 de março de 2006.

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O absurdo aumenta se considerarmos os dados da Polinter, a polícia de captura do

Estado, que acumula cerca de 42.000 mandados de prisão em aberto. A própria

SEJUS reconhece que, no período de janeiro de 2005 a janeiro de 2006, não foi aberta

nenhuma vaga nos presídios capixabas, ou seja, não se construiu nada. Obviamente,

sendo o Espírito Santo um micro cosmo penitenciário, com seus cerca de 7.500 presos

- se comparado com outros estados, como São Paulo, com cerca de 160.000 presos -,

as terras capixabas servem bem como um retrato do descaso nacional.

Apesar de facilmente poder-se fazer uma estatística da evolução da criminalidade e do

número de presos ano a ano, mesmo pegando-se os últimos quatro anos, poder-se-ia

ter uma média de crescimento da demanda anual de presos, o que deveria servir de

norte para investimentos no setor, com a ampliação de vagas. Porém, não é o que

ocorre e, no período de um ano, nenhuma vaga foi criada8. Assim, a despeito de

discursos políticos sobre o investimento de recursos consideráveis, nos diferentes

estados, para a construção de novos estabelecimentos, o déficit de vagas hoje é muito

maior, no Espírito Santo e no Brasil, do que em meados dos anos 1990.

Tudo isso é omitido da população; o problema não é trazido à luz. Vê-se, assim, um

discurso político sobre a condenação absoluta de qualquer tipo de discriminação,

quando se trata de direito individual ou mesmo de direitos políticos, mas uma tolerância

absoluta da população quando se trata de direitos dos presos, como se a condenação

tivesse o efeito secundário de retirar-lhes a personalidade, sendo, pois, indiferente se

vivem dez corpos ocupando o mesmo espaço, se vivem misturados condenados com

provisórios, se vivem embaixo de chuva, convivendo com baratas, ratos e larvas, sem

atendimento médico, jurídico, sofrendo torturas físicas e psicológicas, e com

alimentação de péssima qualidade.

Mas uma coisa é certa: não se tem a consciência de que este quadro real se vira

contra nós mesmos. Violência gera violência e, quando o próprio Estado descumpre,

ou melhor, rasga a Lei de Execuções Penais, ele está investindo na retro-alimentação

da criminalidade, pois esses monstros gerados no sistema prisional, com certeza, um

dia irão sair das suas grutas úmidas e sombrias, pois todos sabemos que não há

prisão perpétua ou pena de morte no Brasil. Assim, mais cedo ou mais tarde, esse

preso será colocado em liberdade e no convívio direto com todos os demais cidadãos.

8 Vide mapa de controle de presos da DIGESP, nos Anexos.

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Dessa forma, não é necessário um grande esforço de raciocínio para se descobrir as

razões dos altíssimos índices de reincidência no Brasil, à beira dos 70%9. Conclusão

óbvia, então, são as falhas dos órgãos públicos gestores do sistema prisional no País,

deixando claro que a esfera pública não tem sabido como enfrentar de forma

profissional e eficiente o problema carcerário, que, como já dissemos, alimenta o

problema da insegurança pública. Assim, qual seria a solução? Ela teria que ser

construída somente pelo setor público, ou cabe também ao setor privado contribuir? É

o que passaremos a enfrentar.

Gráfico 1. Crescimento da população carcerária no Brasil- 199 5 a 2003

184,4

137,5133,6

127,7108,4

95,5

302857

240107223220194074

170602148760

020406080

100120140

160180200

1995 1997 1999 2001 2002 2003

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

350000

Taxa por 100 mil Nº de presos

Fonte: Ministério da Justiça, DEPEN.

2.1 OS ÓRGÃOS DE EXECUÇÃO PENAL E SUAS POSIÇÕES FRENTE AO ATUAL QUADRO CAPIXABA

Dispõe o Art. 61 da Lei de Execução Penal (LEP) sobre os órgãos de execução penal,

arrolando-os não de forma crescente em termos de importância ou poder, mas de

forma meramente organizacional, pois, afinal, cada um deles possui atribuições

9 Dados obtidos na obra de Adeildo Nunes, Op. Cit. p. 9, onde o autor cita documento do Tribunal de Contas da União, entregue a autoridades de Brasília no ano de 2003.

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próprias, estabelecidas nos artigos seguintes da aludida lei, para que não surjam

conflitos entre estes e, acima disso, para deixar clara a possibilidade de uma parceria

entre eles, a fim de, conjuntamente, enfrentarem os problemas e as mazelas do

cárcere. Abaixo, segue-se o Art. 61 da LEP:

São órgãos da execução penal:

I – o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária;

II – o Juízo da Execução;

III – o Ministério Público;

IV – o conselho Penitenciário;

V – os Departamentos Penitenciários;

VI – o Patronato;

VII – o Conselho da Comunidade.

Assim, são esses os órgãos que devem ou deveriam fiscalizar e inspecionar nossas

prisões, conforme determinado pelos Artigos 64,VIII; 66,VII; 68, parágrafo único; 70, II;

72, II; e 81, I, II e III, todos da Lei de Execução Penal.

Assim sendo, poder-se-ia imaginar que os presídios são visitados rotineiramente, já

que tantos órgãos possuem o dever e o poder para isso. E, então, surge um novo e

natural questionamento a partir desta premissa: se tantas pessoas fiscalizam, por que

está tudo tão ruim no sistema prisional do país e de nosso estado?

A resposta é simples. Primeiramente, esses órgãos quase nunca cumprem esse dever

legal. Durante quase quatro anos à frente da Vara de Execuções Penais do Estado,

não vimos o Ministério Público realizar voluntariamente inspeções regulares nas

unidades prisionais visando combater irregularidades e ilegalidades. Não queremos

aqui tecer críticas contra os colegas membros do Parquet, já que alguns deles não

faziam o que a lei manda por total falta de estrutura, pois afinal, trabalhando sozinhos

na 5ª Vara Criminal de Vitória, Vara de Execuções Penais - VEP, sem um auxiliar, não

sobrava tempo para o exercício pleno destas funções. Entretanto, infelizmente, como

acontece em todas profissões, muitos dos representantes do Ministério Público que

passaram pela VEP não tinham mesmo o interesse e o comprometimento em fiscalizar

nada; afinal, ir a presídio, sentir o cheiro daquele ambiente degradante e ouvir lamúrias

de “bandidos” mortos-vivos não é para qualquer um.

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O juízo da VEP, entre os anos de 2002 e 2005, mantinha uma rotina de fiscalizações e

inspeções mensais aos presídios e, como resultado, produziu dezenas de relatórios,

apontando-lhes as falhas estruturais, de gestão e de pessoal, os quais eram

encaminhados aos chefes dos Poderes Executivo e Judiciário, com cópias para o

Procurador Geral do Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e ao

Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).

O Juiz das Execuções tem um “grande poder”, criado pelos incisos VII e VIII do Art. 60

da LEP:

VII – inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade;

VIII – interditar , no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta lei;(grifo nosso)

Como se vê, basta uma simples leitura do texto da lei para se verificar que ao Juiz

resta um “poder” praticamente inexeqüível, que é o de interditar o estabelecimento

prisional. Afinal, onde seriam colocados 600 ou 700 presos, sabendo-se que todos os

presídios do estado já estão superlotados. Colocá-los em liberdade? E para onde iriam

a proteção e o interesse público? O mais correto e sensato seria acionar judicialmente

o Poder Executivo, para que este fosse compelido a adequar o sistema prisional, o que

não cabe ao Juiz que, como tal, não possui competência para tal mister.

Em nosso caso, particularmente, o que o juízo fazia era remeter nossos relatórios,

todos sustentados com fotos e filmagens para corroborar as narrativas, para os órgãos

acima mencionados. No período em que estivemos na VEP, por quase quatro anos, o

Ministério Público não ingressou com nenhuma ação civil pública visando obrigar o

Estado a fazer a adequação do sistema penitenciário do Espírito Santo.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e o Departamento

Penitenciário Nacional (DEPEN), ambos ligados ao Ministério da Justiça e à Secretaria

Nacional de Justiça, também não visitam regularmente as unidades prisionais. E isso é

compreensível, frente à amplitude continental do nosso país. Porém, nem mesmo em

questões específicas e pontuais realizam inspeções facilmente para, posteriormente,

poderem cobrar das autoridades locais o cumprimento da lei.

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Vale destacar o papel de cada um. Ao CNPCP cabe elaborar e propor a política

criminal e penitenciária nacional e estipular metas e prioridades dessa política nos

planos nacionais de desenvolvimento. O DEPEN, por seu turno, é o órgão executor da

política estabelecida pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Assim, a título de ilustração, ao assumirmos a VEP como Juiz Adjunto, há quatro anos,

ao conhecer de perto a triste realidade dos presídios capixabas oficiamos, juntamente

com o saudoso colega Alexandre Martins de Castro Filho 10, ao CNPCP e ao

DEPEN, solicitando que viessem inspecionar nossos presídios, visando unir forças que

convencessem o Poder Executivo sobre a necessidade de investir em planejamento

profissional nos presídios do estado.

O convite foi renovado a cada ano, mas somente em 2006 fomos atendidos. O DEPEN

e o CNPCP estiveram em Vitória no período de 12 a 14/03/2006, vistoriaram os

presídios e realizaram uma audiência pública, apontando o sério quadro que

encontraram. Classificaram nossos presídios como abaixo da média nacional,

movimentaram a imprensa local e foram conversar com o Governador do Estado e o

Ministério Público. Apesar disso, pouco resultado prático foi colhido, já que, até agora,

meses depois, nenhuma ação civil foi impetrada e nenhum plano de recuperação crível

e factível, por parte do Poder Executivo, foi apresentado, apesar das sérias conclusões

constantes do Relatório de Inspeção11 do CNPCP, cuja cópia encontra-se nos Anexos.

Abaixo seguem seus trechos finais:

[...] É difícil, talvez impossível, narrar as condições c hocantes que vimos . Trata-se de local degradante, malcheiroso, sujo, propício a doenças, que, por acaso enumeradas aqui, dariam margem a várias páginas, já que a unidade prisional não oferece, sequer, condições pa ra porcos criados de maneira primitiva. Uma verdadeira "casa de horror" ... As fotos e filmagem terão o condão de falar por si só, sendo desnecessário complementá-las.

A representante do Ministério Público, doutora Maria Zumira Teixeira Andrade, com atribuições na vara competente da cidade de Viana, onde fica o “horror”, e que nos acompanhava, sentiu-se mal, tendo de sair às pressas do interior do estabelecimento.

CONCLUSÃO

10 Juiz de Direito, adjunto da VEP, brutalmente assassinado no ano de 2003, no município de Vila Velha, ao sair de uma academia de ginástica. 11 Relatório lido no dia 27/03/06 e publicado no dia 08/05/06, podendo ser encontrado, na íntegra, no site do Ministério da Justiça, no link do CNPCP, < www.ministeriodajustiça.gov.br >

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Diante de todo o exposto, somos de opinião que a situação do estado do Espírito Santo é grave. Portanto, medidas hão de se r implementadas com a urgência que a situação constatada está a exi gir . (grifos nossos)

Elaborado à época pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva, o Plano Nacional de

Segurança Pública, em relação ao Departamento Penitenciário Nacional/DEPEN, à

pág. 74, traça as seguintes diretrizes:

Aprimoramento do Departamento Penitenciário Nacional, transformando-o em órgão que realmente cumpra suas finalidades, com dotação financeira e recursos humanos adequados. De acordo com a Lei de Execução Penal (Capítulo VI, Seção 1), o DEPEN é órgão executivo da Política Penitenciária Nacional com responsabilidade, entre outras, de fiscalizar periodicamente os estabelecimentos penais e de “assistir tecnicamente as unidades federativas na implementação dos princípios e regras estabelecidos neta Lei.

O que observamos, porém, é que o DEPEN quase nunca inspeciona presídios e, o que

é pior, ignora absolutamente a Lei de Execuções Penais, eis que não aplica qualquer

tipo de sanção aos estados membros que não a cumprem.

Para o CNPCP, dispõe o Plano Nacional de Segurança Pública, à mesma pág. 74:

Aprimoramento do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), no sentido de que cumpra suas finalidades. De acordo com a Lei de Execução Penal, o CNPCP tem a responsabilidade de propor a política criminal e penitenciária do país e, no entanto, seus membros passam a quase totalidade do tempo emitindo pareceres sobre projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que raramente se transformam em realidade. Uma de suas obrigações, a de fiscalizar os estabelecimentos prisionais do país, é ignorada.

Da mesma forma que o Ministério Público faz, traçar diretrizes e competências no

papel é fácil, porém estruturar ambos os órgãos para que sejam efetivos e cumpram

suas funções, isto é esquecido após o discurso eleitoreiro. O Governo Federal deveria

auxiliar mais os estados, não só na construção de presídios, mas, principalmente, no

assessoramento técnico da gestão prisional, para que se possa pensar no

estabelecimento de uma política penitenciária que atenda aos ditames mínimos de

respeito aos direitos dos presos, orientada pela União.

Entre os órgãos da comunidade, os Conselhos da Comunidade apresentam potencial

muito significativo e sua criação deveria ser estimulada. No Espírito Santo, só existe

um Conselho, que, infelizmente, não consegue efetivar um trabalho intensivo em todos

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os presídios de sua competência. É urgente, assim, a criação de mais Conselhos, no

mínimo um para cada região penitenciária criada pela novel Lei Complementar

Estadual, número 364/06, que alterou as competências para a execução penal.

Investir em um órgão que tenha autonomia e estrutura para monitorar o sistema penal

é criar condições para combater a ação do Estado que se afasta de seu papel legal e,

como bem lembra Foucault, “cada luta se desenvolve em torno de um foco particular

de poder. Designar esses focos de poder, denunciá-los, falar deles publicamente,

forçar a rede de informações institucional, nomear, dizer quem fez, o que fez,

denunciar o alvo é a primeira inversão de poder, é um primeiro passo para outras lutas

contra o poder ( FOUCAULT, 1988).

Segundo a LEP, o Conselho deve ser composto por um representante da associação

comercial ou industrial, um advogado indicado pela OAB e um assistente social. O

descaso no Espírito Santo é tão grande que nem mesmo a OAB deu-se ao trabalho de

indicar seu representante, quando solicitada pela VEP a fazê-lo. Como se vê, a

sociedade civil organizada não sabe ou não quer exercer o seu direito de estruturação

e de efetivo monitoramento da área prisional que tanto a aflige.

Em relação aos outros órgãos da execução penal, vale lembrar que tampouco seus

representantes fiscalizam, regularmente, as unidades prisionais no Espírito Santo.

3 A ESFERA PÚBLICA: O QUE É PÚBLICO, O QUE É ESTATAL, O QUE É MERCADO E O QUE É PRIVADO

Nesse contexto histórico-jurídico, após os levantamentos realizados sobre a realidade

do sistema prisional público, sentimos a necessidade de direcionar o foco, ampliando a

nossa abordagem sobre limites da esfera pública, para avaliarmos a possibilidade de

estabelecermos um diálogo entre o público e o privado, capaz de legitimar a

manutenção de um conteúdo mínimo protetivo da dignidade humana em nossos

estabelecimentos prisionais.

Para tanto, nos inspiramos nos valorosos ensinamentos de Thomas Janoski, em seu

livro Citizenship and Civil Society (1998), também citado por Liszt Vieira no livro “Os

Argonautas da Cidadania” (2001), que destacou, a divisão da sociedade em quatro

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componentes interativos: a esfera estatal , a esfera pública , a esfera de mercado e a

esfera privada . Contrariando o filósofo alemão Jurgen Habermas, para o autor, em

vez de separadas, elas estariam justapostas. De acordo com ele, em síntese, a esfera

estatal envolve os três Poderes constituídos do Estado, a esfera privada envolve a vida

e a propriedade pessoal, a esfera do mercado envolve as organizações públicas e

privadas engajadas na produção e lucro por meio de bens e serviços, e, por fim, a

esfera pública, que constitui o elemento mais importante e mais complexo, envolvendo

a educação, saúde, associações voluntárias, mídia etc.

É sabido que o limite entre a esfera privada e a pública constitui matéria contenciosa,

sendo ponto de relevante embate discursivo sobre o tema. Mas, para Janoski, a

privada encontra-se na justaposição entre a esfera pública e a do mercado, e o trânsito

de relações essenciais entre elas seria absolutamente normal. Essa visão janoskiana

se contrapõe a mais aceita em nosso País, que, como já dissemos, é a da absoluta

separação, paralela, das respectivas esferas. Parece daí advirem o medo e a aversão

da grande maioria dos escritores brasileiros à terceirização ou privatização daquilo que

pertence originariamente à esfera pública, como é o caso do sistema de

aprisionamento de pessoas em conflito com a lei penal, pois a sociedade civil,

especialmente a esfera pública, passa a dispor de um maior controle em face do poder

estatal, e o mercado pode representar uma ameaça à democracia e ao bem-estar

social, como bem destaca Liszt Vieira.

3.1 ESPAÇOS PÚBLICOS

Antes de se analisar o cerne dessa questão, que são as políticas públicas e o

tangenciamento dessas com o mundo privado, forçosamente se faz necessário

analisar o que é espaço público. Assim, é preciso salientar o pensamento do ilustrado

professor Rogério Gesta Leal (In BARRETO, 2006, p. 403-408) que destaca a teoria de

Jurgen Habermas12, sobre o modelo de espaço público discursivo, por trazer a

legitimidade democrática no seu âmago.

Segundo Rogério Gesta Leal, Habermas, que estudou Filosofia, História, Psicologia,

Economia e Literatura nas Universidades de Göttingen, Zurique e Bonn, tendo

12 Jürgen Habermas, filósofo alemão nascido em Düsseldorf, em 1929, membro da Escola de Frankfurt.

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pertencido ao Instituto de Pesquisa Social13 de Frankfurt (Escola de Frankfurt),

conquistou a livre docência em 1961 pela Universidade de Masburgo, com uma tese

sobre “Mudanças Estruturais do Espaço Público”.

Leal afirma ainda que:

[...] todas as pesquisas de Habermas estiveram relacionadas com a questão do conhecimento e seu manejo pelos atores sociais, problematizando sua função no âmbito de uma sociedade com profundas diferenças de classe e interesses grande parte antagônicos entre si. (LEAL, In, BARRETO, 2006, p 403)

Leal destaca também, que a tônica do pensamento de Habermas é a crítica que fazia

ao Estado no centro de um modelo de mercado em expansão pouco preocupado com

o seu custo social, fazendo surgir um Estado que se apodera de dois instrumentos dos

quais vai favorecer-se duplamente: técnica e ciência, que são as forças produtivas.

Segundo o autor, ele defendia que o homem, povo, deveria se libertar da alienação e

da despolitização, tornando-se capaz de participar da criação comunicativa do poder,

reconhecendo assim o fracasso ao menos parcial das instituições políticas criadas para

a condução dos interesses da sociedade.

Por meio do ensinamento do referido professor, tendo Habermas vivido a experiência

da Segunda Grande Guerra Mundial, incrementou em si um sentimento de ser um

guerreiro contra as tradições autoritárias e xenófobas enraizadas na Alemanha daquela

época. Assim, seu pensamento contribuiu muito para o desenvolvimento da discussão

científica, ou seja, da discussão fundada numa profunda análise sobre os princípios

constitucionais, os direitos humanos e sobre as leis.

É nesse novo horizonte do estudo que Habermas defendeu a modernidade no bojo da

participação pública no processo político e de tomada de decisões, acreditando na

política participativa sem limites e sem preconceitos. Assim, Habermas não entendia

espaço público como um espaço de competição para aclamação e imortalidade de

uma elite política. Sua visão é democrática, como a criação de procedimentos pelos

quais todos os afetados por normas sociais gerais e decisões políticas coletivas

13 Institut fuer Sozialsforschung

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passem a participar de sua formulação e adoção. Ou seja, encarava a esfera pública

como uma evolução.

Apesar disso, assim como aconteceu com muitos pesquisadores que enfrentaram o

tema, restava uma ambigüidade no termo privado , que tradicionalmente se opunha ao

público, invocado no sentido da consciência moral e religiosa, liberdades econômicas

sem a interferência estatal e, ainda, à esfera íntima. Liszt (2001) afirma que, nas

democracias ocidentais, a esfera pública de legitimação democrática ruiu sob o

impacto da pressão das organizações empresariais, havendo assim a transformação

do cidadão autônomo em cidadão consumidor, o que Habermas chamava de

colonização do mundo da vida. Ou seja, o modelo discursivo vinha ao encontro das

inclinações sociais gerais da sociedade e das aspirações emancipatórias dos novos

movimentos sociais. Nessa luta entre Estado e mercado é que nascem os movimentos

sociais da democracia, que são a base institucional no sistema político das sociedades

modernas.

Nesse contexto, Habermas conclui que “a esfera pública é o local de disputa entre os

princípios divergentes de organização da sociedade” (apud, LISZT, 2001, p. 64) que

traduz nada mais do que um espaço de formação da vontade coletiva ou o espaço do

debate público entre os atores de uma sociedade, que passam a ser capazes de

exercerem seus direitos subjetivos públicos, libertando assim a sociedade dos

imperativos sistêmicos, que são o controle burocrático do Estado e as imposições

econômicas do mercado.

Do sobredito, outra não pode ser a nossa conclusão embasada nesse novo horizonte

do estudo do espaço público, que não pode ser obstáculo ao investimento e

intervenção econômica e de mercado, desde que venha a incrementar as

necessidades fundamentais de uma sociedade, ou seja, atendendo aos seus anseios.

3.2 DEMOCRACIA E ESFERA PÚBLICA

Na visão de Vânia Siciliano Aieta, em seu texto intitulado Democracia (apud

BARRETO, 2006, p. 190-195), ao buscar a definição da expressão do título, afirma que

ela deve ser analisada sob dois prismas: primeiramente, pelo uso descritivo da

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democracia direta da Grécia clássica, que a encarava como “o poder da demos”; em

segundo, pela visão moderna, que a encara como “o poder dos representantes da

demos”.

Assim sendo, temos que a democracia tem sido construída, sobretudo, pela ótica da

relação do Estado com a sociedade, com um verdadeiro processo de mudança na

cultura política, práticas sociais e formas de ações coletivas, quase inexistentes antes

da Constituição Federal de 1988. Busca-se, desde então, encontrar uma forma

institucional adequada, e uma dessas tentativas é a ocupação plural do espaço

público. Segundo Alberto Mellucci, citado por Liszt Vieira (2001, p. 63),

[...] a existência de espaços públicos independentes das instituições do governo, do sistema partidário e das estruturas do Estado é condição necessária à democracia contemporânea. O Estado e o mercado não podem mais se arrogar o monopólio de planejar e praticar ações sócio-políticas de interesse público deixando de fora a sociedade. Tanto o estatismo quanto o neoliberalismo deixaram a sociedade de fora, quando o que se busca é um Estado socialmente controlado e um mercado socialmente orientado.

Assim, a sociedade deveria se assumir como uma esfera social-pública, não estatal e

não mercantil, pois escapa ao domínio do Estado e à lógica de lucro do mercado.

Seriam o Estado e o mercado controlados e orientados pela sociedade.

A realidade nos tem mostrado uma necessidade de se transferirem para o mercado

questões sociais antes só admitidas como de controle e monopólio do Estado. Assim,

ao harmonizar o interesse público e a eficácia administrativa, a produção e os serviços

do setor público unido ao setor não-estatal, serão conseguidos resultados mais

eficientes do que no setor estatal ou privado separadamente.

Também é importante e rica a lição de Luciano Fedozzi14, que frisa a evolução do

pensamento sobre o “interesse público” desde o pensamento político clássico, que

assumia dois significados: um público, como pertencente à esfera estatal, à res

publica, contraposto ao privado, como algo visível, evidente.

14 Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em artigo intitulado “Orçamento Participativo e Esfera Pública”, 2005.

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O autor destaca também, que alguns doutrinadores vincularam intimamente espaço

público com o conceito de cidadania, ao dizê-lo como o mundo compartilhado com os

outros, que não é propriedade privada dos indivíduos e nem do poder estatal.

Para alguns, o espaço público é onde os homens, através de procedimentos

discursivos, da convivência com a pluralidade humana, dos argumentos, podem

compartilhar a construção de um mundo comum legitimado pelo reconhecimento

público intersubjetivo dos outros. O mesmo autor funda o conceito de cidadania como

sendo “o direito a ter direitos” (2005, p. 3), para referir-se à dissolução do espaço

público como base do mundo comum. Assim, nessa visão, perder o acesso à esfera

do público significa perder o acesso à igualdade, pois a destituição da cidadania e a

limitação à esfera privada significam privação dos direitos, uma vez que estes só

existem em função da pluralidade dos homens, ou seja, da garantia tácita de que os

membros de uma comunidade dão-se uns aos outros.

4. POLÍTICAS PÚBLICAS E A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Na visão de Valter Foleto Santin, em sua obra “Controle Judicial da Segurança Pública”

(2004, p. 30), políticas públicas têm ligação direta com o Estado Democrático de

Direito, delineado no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, assim como no seu

art. 1º:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir o Estado Democrático, destinado a assegurar os exercícios de direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna e pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

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Assim, o poder público tem que buscar concretizar a declaração contida nas normas,

principalmente na Constituição Federal, descendo do plano teórico formal e se

convertendo em políticas públicas eficientes, que nada mais são do que inúmeras

atividades, prestando serviços públicos essenciais e não essenciais de relevância

pública, formando uma diretriz de atuação.

Neste diapasão, é a Carta Magna que deve direcionar as políticas públicas, pois, ao

estabelecer princípios e programas normativos, já fornece o caminho da atuação

estatal no desenvolvimento de suas atividades, obrigando o legislador e o gestor

público a segui-los ou construí-los. As políticas públicas podem ser separadas por

áreas distintas, como a educação, política agrária, o sistema financeiro nacional, a

saúde, segurança pública e outras, que, juntas, formam uma macro política pública.

No tratamento da defesa do Estado e das instituições democráticas (Título V, arts. 136

usque 144 da CF/88), se fixa a política de defesa do Estado, a política das forças

armadas e a política de segurança pública (Cap. III, art. 144, CF/88). Vale lembrar que

toda política pública deve procurar o cumprimento do Estado Democrático de Direito

(art. 1º, caput, CF/88). Assim, ela deve buscar a eficiência do serviço público para a

concretização de direitos e garantias constitucionais. No caso deste estudo, dar-se-á

destaque à segurança, seu sistema prisional e a dignidade humana do preso.

É importante frisar que as políticas públicas em todas as áreas de atuação do Estado

deverão atender aos princípios da administração, que são a legalidade,

impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiênci a (grifo nosso). Necessário se

faz também destacar que a legalidade não se encontra acima ou em nível superior aos

demais; pelo contrário, todos, sem exceção, são indispensáveis. A eficiência, porém,

quase sempre é negada aos cidadãos. Ela é desprezada pelos gestores públicos que,

por falta de consciência jurídica, justificam suas ações políticas ou politiqueiras com um

discurso que faz parecer que a legalidade sobrepõe-se a esta.

Por sua vez, a eficiência não vem sendo reclamada pelo povo, que convive com um

sistema prisional que trata o preso como fosse um ser de segunda categoria, e prende

o infrator com muita pouca segurança. Ambos os descasos servem como combustível

inflamável contra a segurança pública, primeiro, por não recuperar, mas sim brutalizar

o preso; segundo, por não conseguir conter aqueles internos realmente perigosos, que,

quando não fogem, comandam toda sorte de práticas criminosas de dentro dos

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próprios presídios, como está provado em dezenas de matérias jornalísticas, que mais

à frente serão destacadas.

Assim, uma política pública de segurança que trate da questão prisional, se, apesar de

legal, for ineficaz, representa uma falha do Estado, dos Poderes Executivo e

Legislativo, senso passível de intervenção por parte do Poder Judiciário para coibir

falhas e imperfeições, e exigir uma postura da Administração. É perfeitamente

aceitável o controle judicial da eficiência no atendimento de garantias ditadas pela Lei

Maior, conforme já destacado na obra do Professor Américo Bedê Freire Júnior, “O

controle judicial de políticas públicas” (2005).

4.1 O ESTADO E A POLÍTICA PRISIONAL ATUAL

Infelizmente, não temos visto políticas de segurança pública eficientes no Brasil, mas

temos visto usarem o tema da segurança para fins eleitoreiros, mas não se

concretizam projetos que demonstrem ser eficientes. Dentro do contexto do gênero

política de segurança pública está a espécie, política prisional. Sendo a espécie

secundária com relação ao gênero, não pode deste destoar, estando a segunda tão

abandonada quanto o primeiro. Será isso reflexo de pura incompetência administrativa

dos gestores públicos ou será uma pensada política omissiva, pois, como se sabe,

existe política pública que se pode caracterizar pela não interferência proposital do

Estado?

Em princípio, enquanto política pública, o sistema prisional é responsabilidade do Ente

Federativo e, para entendermos como o Brasil e o Espírito Santo chegaram ao atual

estado de falência, desumanidade e ineficiência, vale voltar um pouco em nossa

história.

A história do Direito Penal brasileiro pode ser dividida, como a própria história do

Brasil, no período Colonial, no Imperial e no Republicano. Em cada um desses

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períodos, tivemos posturas definidas quanto ao cárcere. Como é sabido, o direito de

nossos índios em nada influenciou o direito brasileiro, mesmo porque, com a chegada

dos portugueses, em 1500, Portugal vivia um período de organização social bem mais

avançado do que a sociedade indígena, nossos ancestrais. Enquanto os índios

brasileiros viviam na fase da vingança privada, com pequena organização social, e

aplicando a Lei de Talião, os portugueses eram modelo de desenvolvimento comercial,

cultural e tecnológico promovido pelo avanço do comércio marítimo. Assim, em

Portugal, a vingança pública já estava concretizada, tendo os portugueses que domar

os que aqui originalmente habitavam, impondo seus costumes e normas como objeto

de opressão cultural e de submissão.

Desde 1446, vigiam as Ordenações Afonsinas em Portugal, e estas traziam, no Livro

V, as regras de Direito Penal e Processual Penal, que foram impostas aos brasileiros

nativos. Nesse contexto histórico, via-se a implantação nas Capitanias de um direito

penal cruel e violento, com punições rigorosas e até extremas, como a pena capital. A

prisão aí não era considerada como pena, mas sim como medida cautelar, servindo

para garantir que o acusado fosse levado a julgamento, como hoje acontece com

nossas prisões provisórias, dentre elas a temporária e a preventiva.

Já em 1521, em Portugal, passaram a ser aplicadas as Ordenações Manoelinas, que

em quase nada diferiam das primeiras, ou seja, eram mantidas as penas cruéis e

desproporcionais. Luiz Francisco de Carvalho Filho (apud NUNES, 2005), destaca

que, em 1551, já havia notícias da existência de uma prisão no Brasil, exatamente em

Salvador, onde se instalou o Governo Geral do Brasil. O mesmo autor destaca que se

tratava de “uma cadeia muito boa e acabada, com casa de audiência e câmara em

cima, toda de pedra e barro, rebocadas a cal, e telhado com telha”.

Como se vê, apesar de estarmos falando de um período colonial, de ostensivo

interesse exploratório português, ao menos na narrativa, nossa primeira prisão era

muito melhor que os atuais presídios brasileiros e capixabas, destacando-se aqui a

CASCUVI - Casa de Custódia de Viana - à guisa de paradigma, onde pessoas são

amontoadas em condições realmente desumanas e indignas, como demonstram as

fotos anexas. Vale lembrar ainda que a prisão da Colônia servia para recolhimento de

escravos, ex-escravos e ladrões, que à época eram considerados até mesmo

semoventes. Em 1603, Portugal promulgou as Ordenações Filipinas, mas que também

quase nada inovaram.

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O mesmo Carvalho Filho destaca outra prisão brasileira que passou a ter importância

após a chegada da Família Real, em 1808, no Rio de Janeiro: o Aljube, antigo cárcere

eclesiástico, cedido pela Igreja para servir de prisão comum.

Já no período imperial, após a Constituição de 1824, foi elaborado o novo Código

Penal do Império, em 1830, inspirado nos ideais iluministas, banhados de princípios

humanistas. Nesse novo contexto, a pena de prisão perdia seu caráter cautelar e

assumia o papel de sanção constritiva de liberdade. Assim, foi com o Código do

Império que a pena de prisão começou a ser considerada forma de punição no Brasil.

Já àquela época, o legislador se preocupava com a ocupação do preso, pois o ócio

alimenta maus pensamentos e altos custos. Nesse sentido, foi criada uma modalidade

de prisão chamada de “prisão com trabalho obrigatório”. Em contrapartida, esta

coexistia com a chamada prisão simples, meramente segregatória.

Em 1852, começou a funcionar, em São Paulo, uma Casa de Correção, com celas

individuais, oficinas de trabalhos e uma arquitetura própria para a pena de prisão. Mais

uma vez, como se vê, os relatos históricos fazem parecer que retrocedemos muito

quanto ao tratamento prisional, o que não é exagero, já que, recentemente, o sistema

prisional foi escancarado pelas facções criminosas do Comando Vermelho e do

Primeiro Comando da Capital, nos vários atentados e comandos de crimes violentos

por todo o país. Além disso, várias rebeliões foram organizadas e desencadeadas no

mês de junho do corrente ano (2006), simultaneamente em quatro presídios do Espírito

Santo, e 25 ônibus foram incendiados, no período de março de 2005 a junho de 2006,

na Grande Vitória, a mando dos presos de nosso estado, conforme divulgação da

própria Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESP).

Após a Proclamação da República, tivemos o Código Penal de 1890 que já trazia a

pena de prisão como “a pena”, e mantinha a prisão com trabalho obrigatório, a prisão

celular, a prisão simples, a reclusão e a prisão disciplinar para os menores.

Em 1940, foi elaborado e entrou em vigor o atual Código Penal, estabelecendo a

reclusão, a detenção e a prisão simples como os tipos de sanção para a prática de

infrações penais, sejam crimes ou contravenções. Inicialmente, o Código Penal só

contemplava penas privativas de liberdade e de multa; obviamente, a primeira era a

principal opção do julgador.

Só em 1984, com a grande reforma do Código Penal, pela Lei 7.209, é que foram

incluídas no nosso sistema penitenciário as penas não privativas de liberdade ou

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restritivas de direitos, hoje popularmente chamadas de alternativas , que passavam a

ser uma opção para o julgador, em vez das já consideradas falidas penas de prisão.

Porém, esta já estava arraigada entre os juristas e, mais ainda, entre o povo, como

sendo a única pena efetiva. E, em certa parte, eles tinham razão, pois o legislador

criou as alternativas penais, mas não se preocupou com a criação de órgãos

fiscalizadores, o que reforçava a idéia de que a pena de prisão era a única opção de

cumprimento certo.

A partir de 1995, com a edição da Lei 9.099, o legislador proibia a aplicação de penas

privativas de liberdade para alguns crimes de menor potencial ofensivo, nos termos do

artigo 61 da aludida Lei, ou seja, com penas iguais ou inferiores a 1 ano de detenção.

A Lei 9.714/98 ampliou a aplicação das penas restritivas de direito em substituição às

privativas de liberdade, para todos os crimes com penas cominadas iguais ou inferiores

a quatro anos. Visivelmente, foi a partir desse momento que as penas alternativas

começaram a ser seriamente pensadas, estudadas e difundidas cientificamente como

um meio mais eficaz que a famosa prisão.

Vale registrar que a pena de prisão continua sendo a espinha dorsal do sistema

punitivo talvez mundial. Apesar de reconhecidamente falida, nenhuma legislação

conseguiu abrir mão da mesma, seja como pena principal, seja como secundária.

Mesmo nos modelos mais modernos e humanitários, permanece a prisão como

coerção para o caso de descumprimento das penas alternativas, como é o caso da

previsão da conversão, do parágrafo 4º do artigo 4415, do Código Penal Brasileiro.

Dentro da tentativa de construção de uma política prisional nacional, ante o caos das

prisões da década de 90, o Ministério da Justiça criou a Central Nacional de Penas e

Medidas Alternativas (CENAPA), composta por juristas de todo o país, para que

construíssem um modelo de acompanhamento, fiscalização e monitoramento de penas

alternativas que fosse eficaz e confiável para os estados-membros. Tal iniciativa foi

essencial para a maior difusão da eficácia real das penas alternativas.

Promulgada em 2001, a Lei 10.259, em seu art. 2º, parágrafo único, coroava a

confiança nessas penas e ampliava a aplicação das alternativas penais para os crimes

com penas não superiores a dois anos, tudo em sede de Juizados Especiais Criminais.

15 A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta...

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Sendo essa a evolução de nossa história legislativo-penal, é preciso analisar agora, de

forma estatística e histórica, o grande crescimento da população carcerária brasileira.

Nos anos 30, o Brasil era um país eminentemente rural, com 70% de sua população

vivendo no campo, vinculada à produção agrícola e à pecuária. Cinqüenta anos mais

tarde, na década de 80, constatava-se o inverso: 70% dos brasileiros habitavam as

cidades e 30%, o campo.

Embora o Brasil tenha se transformado na oitava economia do mundo e numa média

potência industrial, criou um subproduto social, com os cinturões urbanos de migrantes

analfabetos que foram desraizados sob a promessa de vida melhor nas cidades. O que

se viu, na verdade, foi esse sonho ruir a cada dia, com a visível ausência do Estado na

promoção de acesso a direitos sociais básicos, como educação, segurança, saúde,

habitação e saneamento, entre outros.

A política brasileira, no período de 1920 a 1980, se fez com objetivos

desenvolvimentistas, conservadores e autoritários, ao contrário do que aconteceu, por

exemplo, na Europa, que buscou o chamado Welfare State, ou Estado de Bem-Estar

Social.

Na busca da consolidação do processo de industrialização como o caminho para o

desenvolvimento, houve no Brasil um empenho governamental na promoção da

acumulação privada na esfera produtiva, acompanhando o movimento do capitalismo

internacional.

Assim, observa-se historicamente que o Estado brasileiro sempre se preocupou muito

mais com a economia do que com o amparo social. O Brasil buscou compensar esse

erro de foco e de orientação com o implemento de “programas sociais”, que nada mais

são que programas assistencialistas e populistas, que tentam mais uma vez enganar o

povo, dando-lhe compensações. Nesse diapasão, destaco o “vale-leite”, no Governo

Sarney, cestas básicas, “cheque-cidadão”, “vale-gás” e o “bolsa-família”, dos Governos

de Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Todos, enfim, paliativos

politiqueiros, em vez de se investir na construção de uma política pública que fosse

capaz de alterar a desigualdade social que permeia nosso país.

Nesse contexto, um fator que precisa ser enfrentado no nosso sistema penal punitivo e

prisional é a efetividade da lei para todos, pobres e ricos, pois faz parte da consciência

popular que rico não fica preso no Brasil. Isso realmente acontece, mas o que leva

alguém a ficar preso é a pobreza, principalmente pelo fato de o pobre ficar indefeso

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durante a instrução do processo criminal, e não porque o rico compre sua liberdade

subornando policiais, promotores e juízes.

Nossas leis penais são falhas e antiquadas; assim, com um bom advogado se

consegue, sem grandes problemas, achar as brechas necessárias à configuração de

alguma ilegalidade, passiva de ser combatida pela via estreita do habeas corpus,

conforme estatuído no inciso LXVIII do Art. 5º da CF/88. O pobre, porém, que tem o

direito em tese de ser assistido por um Defensor Público, se vê abandonado, pois o

Estado não cumpre com uma das principais Garantias Fundamentais, que é a

prestação de assistência jurídica gratuita aos que comprovam insuficiência de

recursos, apesar de disposição expressa que ampara esse direito no inciso LXXIV,

também do Art. 5º da Carta Magna.

No Espírito Santo não é incomum – pelo contrário, é regra – não termos Defensores

Públicos nas Comarcas do interior. Na Grande Vitória existem, mas são poucos e,

definitivamente, não conseguem assistir de forma efetiva e eficaz àqueles que

precisam da Defensoria, que são a maioria. Isso, ao que parece, é o que leva ao

imenso e desproporcional número de presos de baixa renda. Mais uma vez, isso faz

parte de uma política pública negativa, ou seja, de omissão quanto à contratação de

um quadro de advogados gratuitos por parte do Estado, levando à criação do perfil do

preso brasileiro e capixaba, que é de baixa renda. Seria isso democrático?

Aquilo que deveria ser objeto de política pública passou a ser indiscriminadamente

privatizado no Brasil. Por exemplo, o ensino privado há quarenta anos era igual ou pior

que o ensino público, o qual primava por uma excelência que hoje não mais vemos.

Atualmente, todos querem estudar em escolas particulares, pois o abando da escola

pública tornou-a sucateada e “fraca”. Na saúde, temos que quase todos os brasileiros

adquiriram planos de saúde privados, já que o Estado não investiu corretamente no

seu sistema público. O mesmo pode acontecer com o Sistema Prisional.

Hoje quase todos os Estados já terceirizam alguns serviços penitenciários, dentre eles

o fornecimento de alimentação, a limpeza e a manutenção, como acontece no Espírito

Santo. A exemplo de outros Estados, que serão destacados à frente, talvez em breve

o nosso também terceirize a construção e a gestão integral de presídios, o que, para

muitos, reflete sua incompetência na execução de funções primordialmente estatais.

Este é o objeto do presente trabalho, eis que se o sistema prisional público não tem

tido sucesso no necessário tratamento digno do preso.

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Assim sendo, a falta de uma política prisional e de segurança pública inviabiliza o

cumprimento da Lei de Execuções Penais, de nº 7.210/84, fazendo com que o cárcere

no Brasil não atinja nenhum dos fins colimados para a pena pelas melhores doutrinas.

Se ela deveria ter o caráter retributivo, sendo pois, castigo pelo mal praticado, estamos

falhando, pois o cumprimento tem-se efetivado de forma aviltante e desumana, muito

além dos preceitos emanados das sentenças condenatórias. Pode-se afirmar que o

sofrimento imposto tem sido aplicado de forma infinitamente superior ao pensado pelo

julgador, com o tratamento indigno do condenado.

Por outro lado, a doutrina que dá à pena um objetivo de prevenção geral e especial,

fazendo dela uma oportunidade para ressocializar o criminoso, protegendo a ele e à

sociedade, também não tem se confirmado no Brasil e em nosso Estado.

Os absurdos índices de reincidência, que no Brasil ficam na casa dos 80% (oitenta por

cento)16, dão conta de que ninguém está sendo recuperado, mesmo porque o Estado

não propicia trabalho, educação ou outra atividade que retire o encarcerado do ócio,

maior mazela do cárcere. Como se pode, desse modo, querer recuperá-lo?

Além disso, existe a falta de assistência média e psico-social, obrigação do Estado

que, mais uma vez, não cumpre.

Por outro lado, a prevenção geral também tem sido ineficaz, pois hoje a certeza que se

tem é da impunidade, já que a fragilidade do sistema penitenciário é assustadora no

Brasil. À guisa de paradigma, destaquem-se os números do Espírito Santo, no ano de

2006. Dentro de um universo de aproximadamente 7.000 (sete mil) presos no Estado,

em presídios e delegacias, temos o assombroso número de mais de 400 fugas17 só

nos primeiros seis meses deste ano. Este número é absurdo, sem falar no número de

evasões não contabilizadas, aquelas em que os presos saem e retornam aos presídios

sem ninguém perceber.

É inacreditável, mas é isso o que ocorre aqui no Estado, principalmente no regime

semi-aberto, em que os presos da Penitenciária Agrícola do Espírito Santo (PAES)

saem após a contagem da noite, cometem toda sorte de crimes e, antes da contagem

da manhã, retornam ao presídio. Álibi perfeito: “Não cometi o crime, estava preso”.

Comprovando esse fato, destaquem-se dados da inspeção surpresa realizada pela

Vara de Execuções Penais de Vitória, em dezembro de 2004, num sábado, às 5:00 h.

16 Pesquisa encomendada pelo Ministério da Justiça ao instituto ILANUD, 2001. 17 Número informado pela Secretaria de Estado da Justiça em resposta a ofício da 5ª Vara Criminal de Vitória.

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Saldo da inspeção: dos 100 (cem) presos contabilizados na noite anterior, 32 (trinta e

dois) não estavam no presídio, tendo muitos deles sido capturados voltando para os

pavilhões, pela manhã. Sendo todos regredidos cautelarmente para o regime fechado,

naquela semana a polícia registrou uma queda de cerca de 40% (quarenta por cento)

no número de seqüestros relâmpagos na Grande Vitória18.

Tudo isso deixa claro que a prisão também não tem servido para intimidar e nos

proteger, pois é frágil, só permanecendo nela aquele que talvez não necessitasse de

reclusão.

Assim, como já dito, nossas prisões repetem o abandono do Estado em outros setores

da vida social. Tudo fica agravado no sistema prisional, em razão do perfil de exclusão

social da maioria dos encarcerados, que, muitas vezes, não precisam ser

ressocializados, mas sim socializados, já que nunca o foram. Nesse sentido, destaque-

se o ilustrado doutrinador René Ariel Dotti, que asseverou:

Essa disfuncionalidade dos sistemas penais, que levou à crise da execução penal, demonstrou a necessidade de uma política geral de Governo e a intervenção efetiva da comunidade para reduzir os índices alarmantes da criminalidade violenta19.

Somente isolar em ilhas de concreto e de abandono humano, como as prisões, na

maioria das vezes longe dos centros urbanos e da nossa visão, faz parecer eficaz o

sistema prisional. Entretanto, isso reforça a exclusão social do país, decretando a

morte social da grande massa de excluídos. Porém, cabe aqui uma reflexão: nós e a

sociedade produzimos o criminoso. Ninguém nasce um grande médico, jurista ou

professor: a pessoa se constrói com o aprendizado. Do mesmo modo, ninguém nasce

um grande criminoso: ele se constrói no meio deletério das favelas, do abandono

familiar, da falta de escolas e, finalmente, coroa sua formação em uma delegacia ou

presídio. Ou seja, a massa criminosa encarcerada é o reflexo da sociedade que a

produz, ante a total ausência de políticas públicas. O problema é nosso e não o

enfrentamos.

18 Dados extraídos de relatório de inspeção da 5ª Vara Criminal de Vitória 19 DOTTI, René Ariel. Artigo cit. RT 576/310 (falta Referência)

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4.2 COMO É E COMO DEVERIA SER UM PRESÍDIO

Tendo visitado vários presídios no Brasil e em alguns países e, principalmente,

conhecendo todos os presídios do Espírito Santo, cela por cela, banheiro por banheiro,

sentimo-nos em condições de fazer uma análise da realidade atual, embora

incompleta, pois as palavras não são suficientes para se descrever essa situação.

Hoje o Espírito Santo possui um déficit aproximado de 3.500 (três mil e quinhentas)

vagas no sistema prisional, contando com o excedente dos presídios e os presos

recolhidos em delegacias, lugar inapropriado para tal função. Em celas que caberiam

quatro, estão 20 (vinte) internos. As celas são úmidas, com muitas infiltrações, sem

aeração e, portanto, muito quentes. O Estado não as limpa, deixando essa atividade a

cargo dos próprios presos, mas não fornece nenhum material de limpeza. Mesmo

quando os familiares trazem tais produtos, o Estado, por questão de segurança, não

permite que usem vassouras ou rodos com cabos.

Presos provisórios estão sufocados pela massa de condenados, que se encontram

misturados20 em doze dos quatorze estabelecimentos prisionais do Estado.

Constantemente os presos provisórios são obrigados pelos Frentes 21 a se negarem a

ir aos Fóruns, para as audiências marcadas pela Justiça, nas chamadas “greves de

fóruns”, a fim de que os condenados consigam chamar a atenção das autoridades para

seus pleitos. Como se vê, obviamente os presos provisórios têm grande interesse em

verem seus processos acabados, pois afinal eles podem ser absolvidos ou até mesmo

condenados, mas com uma pena alternativa, o que os tirariam da prisão. Entretanto,

não o fazem: ou cumprem o que os Frentes mandam, mesmo atrasando seus

processos e sua permanência na prisão, ou morrem assassinados na volta da

audiência.

A comida ofertada pelo Estado é de péssima qualidade, resumindo-se o cardápio a 1

(um) pão de sal e um cafezinho pela manhã, uma cascuda 22 no almoço e outra no

20 O mapa da Direção Geral de Estabelecimentos Prisionais, acostado como anexo, demonstra que presos provisórios e condenados habitam os mesmos presídios no ES 21 Expressão usada por presos para indicar os líderes dentro de uma unidade prisional. 22 Expressão usada pelos presos do Espírito Santo para se referirem ao marmitex em que são oferecidas as refeições.

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jantar. Não é incomum a unidade receber cascudas a menos, e às vezes mais de 50

(cinqüenta) presos ficam sem uma etapa da alimentação23.

Na inspeção realizada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

(CNPCP) e pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), no mês de março de

2006, no Presídio de Segurança Máxima de Viana (PSMA), verificou-se que o almoço

servido naquele dia se restringia a arroz, batata e duas salsichas.

Quanto à saúde, nos presídios capixabas, os presos acometidos de doenças infecto-

contagiosas, como a escabiose e tuberculose, ficam misturados com presos

temporariamente saudáveis. Os internos que necessitam de atendimento médico são

levados aos postos de saúde da rede pública, sendo constrangidos e também

causando grande constrangimento ao público em geral, pois, afinal, quem paga seus

impostos e é ordeiro se vê preterido por um preso algemado, que passa à frente na fila

de espera por questão de segurança. É comum que os presos se auto-ajudem, pois a

debilidade de assistência médica e de enfermagem dentro do estabelecimento gera

grandes transtornos, desconfortos e revoltas.

Se acontecer alguma emergência médica os presos não sabem se serão socorridos,

pois nem sempre existem carros para fazer o transporte até um posto médico. Muitas

vezes, quando há carro não há escolta para levá-lo. O descaso do Estado do Espírito

Santo para com a saúde dos presos pode ser ilustrado com a obra do hospital

penitenciário do Complexo de Viana, cujo prédio foi construído e pago com verbas

federais há cerca de 3 (três) anos, e até hoje aquela unidade de saúde nunca

funcionou, pois o Poder Executivo nunca cumpriu com a sua contra-partida, montando

e disponibilizando o pessoal de saúde para lá atuar.

Um exemplo do que se está tratando consta de um dos diversos relatórios da Vara de

Execuções Penais (VEP), anexo, que, em certa inspeção, foi visto um preso ferido na

cabeça na Casa de Custódia de Viana (CASCUVI), o qual foi retirado do pavilhão e

trazido ao Juiz. Tratava-se de um preso jovem, provisório, baleado na cabeça, e ainda

ostentando a ferida aberta e o projetil cravado entre o couro cabeludo e a placa

craniana, sendo que este quadro já permanecia há 10 dias, pois o interno tentou fugir e

foi alvejado por um tiro de munição calibre .40, usado pelos policiais da muralha.

Por outro lado, a inexistência de assistência jurídica mantém os internos desorientados

e, muitos deles, esquecidos. A água consumida pelos presos em todos os presídios do

23 Informações presentes nos diversos relatórios de inspeção da 5ª Vara Criminal de Vitória.

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Espírito Santo não é filtrada, sendo visivelmente suja, causando cólicas e diarréias

freqüentes. A falta de água é uma constante, tanto no Complexo de Viana como no de

Vila Velha, forçando os presos a armazenarem água em garrafas plásticas de

refrigerante, por muitos dias. Além disso, o ócio é uma realidade. Menos de 18%

(dezoito por cento) dos presos trabalham, ou seja, a grande massa permanece ociosa

vinte e quatro horas por dia.

Um outro problema é o intenso tráfico interno de drogas, que é comandado pelos

Frentes. Muitos presos provisórios são obrigados a se drogar para que se viciem e

passem a adquirir a droga dos líderes. Depoimentos tomados de presos na VEP

informam que alguns chegavam a consumir até R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos

reais) de drogas por semana, ou seja, até R$ 6.000,00 (seis mil reais) por mês, de

cocaína, crack e maconha. Obviamente, a dependência força o preso a solicitar que

seus familiares tragam o dinheiro para pagar aos “Frentes”, sob pena de executarem o

devedor. Com essa prática, os familiares de presos são obrigados a cometer crimes

para custear a dependência adquirida no sistema prisional. O Espírito Santo não

possui centros de tratamento de drogacionados para atendimento sequer de não

preso, quanto mais de encarcerados.

Outro fator que vale ressaltar é a constante prática de tortura nos presídios capixabas.

A precária qualidade das obras e reformas nas unidades prisionais, todas denunciadas

durante os quatro anos que estivemos na VEP, faz com que o Estado coloque forças

policiais dentro das unidades. A fragilidade dos prédios e a falta de pessoal,

desproporcional à superlotação das unidades, faz com que o Poder Executivo coloque

policiais militares fazendo as vezes de agentes penitenciários, de carcereiros.

Obviamente, esse tipo de relação próxima é a mais perniciosa possível, pois como

exigir tratamento cordial entre partes antagônicas? Afinal, presos e policiais se

enfrentam nas ruas, em trocas de tiros que normalmente levam à morte de parceiros

de ambas as partes. Assim, pessoas que se enfrentaram e se odeiam são obrigadas a

conviver. O resultado dessa situação são presos desrespeitosos e provocadores tendo

que se relacionar com policiais violentos e maldosos.

Como ilustração, cite-se uma inspeção realizada para apurar denúncias de torturas no

Presídio de Segurança Máxima (PSMA) de Viana, após a determinação de intervenção

do presídio pelo Batalhão de Missões Especiais (BME) da Polícia Militar, que cumpriu

ordens do Poder Executivo. Dos 16 (dezesseis) presos que desceram, todos

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apresentaram imensos hematomas, todos nas nádegas, decorrentes de surras de

cassetete. Por quê? Mais de seiscentos presos ocupavam aquela unidade toda

destruída, estando soltos e com liberdade para transitarem entre celas e entre galerias

do presídio, com paredes todas quebradas e buracos prontos para uma eventual fuga

em massa. Naquela unidade estavam, em tese, os presos mais perigosos de nosso

Estado.

A única forma de evitar uma fuga em massa de presos de alta periculosidade foi

colocar a polícia especializada, Batalhão de Missões Especiais (BME), uma ilha de

excelência em missões de risco, para lidar com aqueles internos. Entretanto, esses

policiais foram muito bem treinados para missões em situações de crises extremas e

não para serem carcereiros, até mesmo servindo a comida para os presos. Os policiais

se sentiram diminuídos e, assim, externaram sua revolta por estarem cumprindo

aquela missão, num verdadeiro desvio de função.

E tudo isso por quê? Nos últimos anos, a insegurança tem instigado o clamor público

pelo endurecimento das penas e dos regimes prisionais. A mídia, por outro lado, tem

veiculado corriqueiramente os crimes cometidos por adolescentes e jovens adultos,

que são utilizados para reforçar a necessidade do agravamento das medidas sócio-

educativas e das penas. E o resultado é a edição de novas leis que, no seu conjunto,

podem ser definidas como “legislação do terror”, que, no entanto, não refletem impacto

positivo sobre as taxas de criminalidade.

Com esse quadro, o senso comum nunca quis saber se o preso estava sendo

maltratado; o que importava era vê-lo sofrer preso, tratado a pão e água - se possível,

só a água. A raiva e insegurança somente alimentaram o espírito coletivo de vingança,

quando, em verdade, esse tratamento desumano não é digno e tampouco inteligente.

A única certeza que temos hoje no Brasil é que o preso, um dia, voltará ao convívio

social, pois, como já exposto, a Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 5º, inciso

XLVII, proibiu a pena de morte e a prisão perpétua, entre outras penas cruéis. Por

isso, não investir na recuperação do preso e, ao contrário, recrudecê-lo, só produzirá

uma personalidade criminógena pior do que a inicial, que contra nós cometerá crimes

cada vez mais violentos.

A mudança dessa consciência coletiva é primordial para que o povo possa exigir a

construção de políticas adequadas às necessidades nacionais, visando ao

enfrentamento do crescente índice de criminalidade intra e extramuros. Vale lembrar

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que o Espírito Santo figura no topo da lista dos mais violentos, com os maiores índices

de homicídios do País. Como se vê, obviamente os conceitos de gestão prisional no

Espírito Santo não atendem às mínimas necessidades, nem dos presos tratados sem

qualquer respeito à dignidade humana, nem da sociedade que continua amedrontada

com a violência originada de dentro do sistema prisional estadual.

Outra questão que, apesar da negativa estatal, é uma realidade e que temos de

enfrentar com os instrumentos legais, é a organização dos presos em facções que,

surpreendentemente, se formam à revelia da administração pública ou com seu

“consentimento”. É provável que a falta de personalidade e auto-estima, aliada ao

abandono total por parte do Estado, leva os presos a terem essa necessidade. Dentro

do grupo, os detentos constroem regras rígidas de disciplina, prêmios e castigos

cruéis, além de estabelecerem formas peculiares de liderança que, freqüentemente,

colidem com os interesses da gestão prisional ou propiciam alianças espúrias com os

servidores do Estado que atuam nos presídios.

Chegou-se ao absurdo de, em alguns Estados, a participação em uma facção ser fator

decisivo para se determinar o estabelecimento de onde o detento será recolhido. Como

o Espírito Santo não separa os presos pelo exame criminológico de classificação,

como manda, por exemplo, o Art. 34 do Código Penal, eles fazem essa auto-

classificação de pertencimento às facções.

A força dessas organizações criminosas, que mantêm homens dentro e fora dos

presídios, tem sido um fator de opressão dos presos contra os funcionários do Estado,

tanto os cooptando financeiramente, como os forçando a fazer o que os presos

querem, pelo emprego do medo e do terror contra estes e seus familiares. Assim, os

presos vão conseguindo criar um ambiente propício a burlarem as normas do Estado.

Por tudo isso é necessária uma imposição diferenciada de disciplina, assim como a

reestruturação das condições de trabalho dos funcionários de presídios, muito mal

remunerados em todo o país. Já que o Estado não pode pagar um salário digno a

esses profissionais, poderá, por exemplo, negociar a carga horária para compatibilizar

o trabalho na prisão com outros empregos ou serviços autônomos. Por sua vez, o

treinamento e a reciclagem dos servidores são vitais para a criação e a manutenção de

uma competência técnica e de uma habilidade para se encaminharem as soluções

mais adequadas para os problemas que, a todo instante, surgem num ambiente de

encarceramento.

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Assim, dever-se-ia criar um quadro efetivo de servidores para atuar nessa área tão

sensível que é um presídio, onde se lida com extremos: a segurança interna e externa,

e o sofrimento de presos e familiares.

No Espírito Santo, o quadro de funcionários é constituído de 70% de cargos

comissionados. Grupos políticos-partidários indicam os servidores que vão para os

presídios sem concurso público. Para os poucos efetivos não existem planos de

cargos e salários que disciplinem o acesso aos cargos melhores no sistema.

Predominam ainda os critérios de relações e indicações, sendo comum ver um mesmo

indivíduo que foi afastado de um presídio por envolvimento em corrupção, ocupar outro

cargo em outro estabelecimento prisional dias depois.

Outro problema que merece destaque é o fato do nosso Estado já ter demonstrado que

não consegue se organizar para proporcionar o trabalho prisional que, afinal, além de

dever, é um direito do preso. As poucas frentes de ocupação e capacitação dos presos

estão entregues a entidades sem fins lucrativos e, para a surpresa de muitos, a

empresas privadas, que obtém lucro com o trabalho dos internos. Essa situação

decorre da burocracia estatal, que emperra todo o sistema. O Espírito Santo deveria

criar frentes produtivas, de bens direcionados para o próprio estado, como a

construção e restauração de carteiras escolares, fabricação de armários para os

prédios públicos, fabricação de tijolos, calçamentos e casas populares pré-moldadas,

além do plantio de alimentos a serem consumidos nos hospitais em escolas e nos

próprios presídios.

Outra questão nodal que se enfrenta é a checagem das condições de higiene, que

deveria ser uma função primordial dos diretores de presídios. Eles deveriam ser

obrigados a se aproximarem fisicamente, circularem pelas dependências da unidade,

avaliarem constantemente o grau de satisfação dos presos e funcionários. Andar,

observar e conversar são formas de se conhecer o problema. Não se pode avaliar e

decidir sobre o que não se conhece. Mas não é isso que vemos. Por medo e

despreparo, os Diretores são as pessoas mais próximas fisicamente, mas mais

distantes efetivamente da realidade do presídio, afinal, não ganham para isso, como

muitos pensam.

Os gestores indiretos do sistema, Secretários de Estado e Governador, deveriam criar

um contato mais direto com os gestores diretos, os diretores das unidades, pois só

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assim ficariam conscientes das dificuldades e da realidade da gestão prisional, e a

demanda real de investimentos no setor.

O problema das prisões tem que ser externado sem floreios, mostrando-se a realidade

a toda a população, para que com esta se possam buscar parcerias, não só a

colaboração financeira, mas também o fomento de pesquisas e de novas estratégias

que propiciem o incremento do tratamento digno e da qualidade de vida dos presos,

serventuários, policiais e familiares, ou seja, de todos os envolvidos diretamente na

questão.

Muito benéfica também seria a aproximação consciente dos agentes penitenciários

com as pessoas que lidam com a parte espiritual dos presos. Os agentes e os fiéis se

odeiam. Os primeiros vêem nos segundos um risco à segurança e à manutenção da

paz, pois os obrigam a movimentar os internos de suas celas para atividades

religiosas, educacionais, de orientações sobre saúde etc. Os fiéis, por sua vez,

reclamam da truculência com que são tratados e da falta de sensibilidade e preparo

dos agentes na lida com o preso.

Há que se formar o agente com uma consciência humanizadora e social, para que

saiba que não é um simples carrasco24 que executa o suplício em praça pública, mas

para que saiba da sua função social, que vai muito além dos aspectos da segurança.

As necessidades humanas oriundas da vida em confinamento são específicas e

demandam a capacitação especial dos profissionais que atuam diretamente, na linha

de frente, em contato direto com o preso. Assim, teríamos a formação de uma

consciência mútua de trabalho somado dessas pessoas aparentemente antagônicas,

mas que devem ter um só objetivo, que é a condução humana do cumprimento da

pena, para que esta possa atingir todos os fins a que se propõe, e não somente

encarcerar para punir.

A experiência mostra que a cadeia fica muito mais calma quando os internos têm seus

direitos atendidos. Tendo seus direitos atendidos, irão cumprir seus deveres. Porém,

quando vêem que quem mais descumpre as leis é o Estado, eles se revoltam. Quem

atua no sistema prisional sabe que quase sempre as reivindicações que se ouvem em

rebeliões dizem respeito à assistência médica e jurídica, tratamento respeitoso a seus

24 Veja-se o relato do suplício em praça pública do jovem Damiens, narrado na abertura do 1º capítulo de FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir : a história da violência nas prisões. Rio de Janeiro, Vozes, 1983.

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visitantes e alimentação suficiente e de qualidade. E tudo isso é dever do Estado. Se

gasta muito, mas pouco se fornece.

É também necessário criarem-se protocolos escritos, seja de segurança, de gestão ou

de administração. A prática nacional leva ao repasse verbal de experiências entre os

trabalhadores do sistema, o que gera a proliferação de condutas viciadas, que são

contraproducentes à melhoria do sistema. Deveria ser construído um protocolo com

delineações técnico-metodológicas para uma sistematização teórica sobre

procedimentos.

Ações até então realizadas pela experiência e por erros e acertos, pelos quais deverão

passar todos os novos servidores, deveriam ser sistematizadas, para que os erros

fossem aprendidos no relato teórico, e o modo de agir fosse imediatamente retratado

dentro de experiências de sucesso anteriores, criando-se, assim, uma política

educacional desses servidores. Estes, além de aprenderem a vigiar o preso, deveriam

aprender também normas relacionadas ao respeito à dignidade da pessoa humana.

Aliás, isto não seria inovação, pois já está delineada e prevista tal preocupação com a

formação dos profissionais de presídio desde 1955, quando a ONU publicou as

“Regras mínimas para o tratamento dos reclusos”, delimitando requisitos para o

preparo e a reciclagem dos profissionais da área penitenciária. Vejamos o que elas

dizem:

1. O pessoal deve possuir um nível intelectual adequado.

2. Deve freqüentar, antes de entrar em funções, um curso de formação geral e especial e prestar provas teóricas e práticas.

3. Após a entrada em função e ao longo da sua carreira, o pessoal deve conservar e melhorar os seus conhecimentos e competências profissionais, seguindo cursos de aperfeiçoamento organizados periodicamente.25

A fiscalização das unidades pelos órgãos de execução26, assim como a franquia de

inspeções por representantes de órgãos defensores de direitos humanos, são

instrumentos essenciais para a identificação de erros e abusos para a identificação das

necessidades prementes, o que certamente contribuirá para a proteção dos presos

contra violações de seus direitos. Trata-se, pois, de um trabalho preventivo. Uma maior

transparência traria mais tranqüilidade para os internos, seus familiares e para os

25 “Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos” - Regra 47 – Genebra – 1955. 26 Elencados no Art. 61 da LEP e que foram tratados no capítulo 2.1

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próprios funcionários, que teriam um caminho direto de diálogo permanente com as

autoridades responsáveis pelo sistema.

Não se justifica a constante falta de vagas, o que ocasiona a superlotação

anteriormente mencionada. No Espírito Santo, por exemplo, é feito um controle diário

do número de presos: quantos entram e saem do sistema. Dispõe-se também de um

mapa estatístico da evolução do número de presos nos últimos dez anos. Assim, é

possível fazer uma projeção acerca da demanda de vagas futuras, para que se

construa o número de presídios necessários, assim como se invista em alternativas

penais, visando diminuir esses números, por exemplo, com investimentos em penas

alternativas. Vale lembrar, que a separação dos presos provisórios dos condenados só

será possível quando existirem unidades e vagas suficientes para tal.

O Estado deveria também investir na contratação de uma empresa de construção

encarregada de somente controlar a qualidade das obras e reparos no sistema

prisional, com responsabilidade contratual por eventuais falhas futuramente

detectadas. Ou seja, criar um setor de auditoria das obras, que hoje são feitas sem

qualquer cuidado, com baixíssima qualidade e desrespeitando as regras mínimas de

engenharia. Isso reflete um mau investimento do dinheiro público. A título de exemplo,

pode-se citar o Presídio de Segurança Máxima de Viana (PSMA), que foi construído há

aproximadamente quatro anos, já passou por mais de oito grandes reformas e que

continua destruído. Por outro lado, há o presídio da Papuda, no Distrito Federal,

construído em 1979, e que se encontra inteiro, com a obra estável e segura27.

Por outro lado, seria mais econômico para o Estado se investisse na saúde, dignidade

de tratamento e alimentação dos presos, pois o gasto em depredações oriundas de

rebeliões são astronômicos. Um investimento em qualificação de pessoal e

profissionalização da gestão penitenciária seria mais barato, mais humano, mais

inteligente e mais eficaz para o preso e para toda a sociedade, que paga caro e não vê

o retorno do sistema prisional, que só recrudesce e potencializa tudo de ruim que cada

cidadão encarcerado tem dentro de si.

Neste ponto, é importante e interessante relembrar alguns depoimentos de gestores

públicos poderosos, que já tiveram a infelicidade de serem recolhidos ao cárcere. A

título de ilustração, veja-se o depoimento estampado em todos os jornais capixabas no

ano de 2004, quando o ex-presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo foi

27 Ambos os casos descritos nos relatórios de inspeções da 5ª Vara Criminal de Vitória, anexados.

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preso: “Por favor me tirem do PSMA. Nem animais podem sobreviver neste presídio. A

comida é péssima.” E, ainda, Paulo Maluf, ex-governador do Estado de São Paulo e

prefeito da capital: “Não posso ficar nesta carceragem, que é insalubre”. Ambas as

frases apontam para uma situação trágica: aqueles que já detiveram o poder de decidir

e elaborar planos de investimentos para o sistema só atentaram para a realidade

quando foram submetidos à prisão. Será necessário prender mais governadores,

prefeitos, ministros, deputados, juízes e promotores, para vermos que a realidade

necessita ser mudada? Esperemos que não.

Por fim, poder-se-ia escrever infinitamente sobre os problemas, erros e absurdos do

sistema penitenciário capixaba nos últimos anos, mas o mais importante é tentar dar

uma noção real do quadro. O que parece claro, o necessário, é construir uma política

fomentadora e eficaz para as mudanças emergenciais, elaborando-se um plano de

caráter emergencial, e outro para ações a médio e a longo prazo, pois é evidente que

não se recupera o caos da noite para o dia.

Felizmente, vêem-se algumas iniciativas recentes na busca da união de governantes e

a população na formulação de um novo tipo de política pública de segurança para o

estado do Espírito Santo. Por exemplo, a Assembléia Legislativa lançou o Projeto

“Pacto pela Paz”, contando com a colaboração da Faculdade de Direito de Vitória

(FDV) e o Instituto Pro-SUSP. Nesse inovador projeto, foi aberto o diálogo entre

professores, pesquisadores, psicólogos, sociólogos e profissionais envolvidos com a

segurança pública. A partir daí, criou-se uma proposta de Diretrizes para Orientar a

Execução Penal. Dentre elas, publicadas no livro de conclusão do projeto28, destacam-

se:

- Otimizar a utilização de recursos públicos, vinculando-os à contribuição mais efetiva

das bases comunitárias, com fins educativos e de assistência à saúde dos apenados.

- Fixar prazo para a retirada completa dos presos que permanecem sob

responsabilidade da polícia civil, nas delegacias.

- Fortalecer e ampliar a área de Ensino do Sistema Penitenciário Estadual.

- Constituir grupos volantes de apoio técnico ao interior do Estado, aos quais caberia

elaborar, junto com os técnicos do sistema penitenciário e operadores do Direito,

regimentos internos e manuais de procedimentos (por exemplo, quanto ao uso da

28 Livro “Pacto pela paz”, publicado em maio de 2006, com apoio técnico-científico da FDV. (REFERÊNCIA?)

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força, atuação em rebeliões, revistas de visitantes, formas de fiscalização do trabalho

extra-muros etc.

- Estimular a capacidade empreendedora dos apenados, por meio de projetos de

cooperativas locais/municipais.

- Formar equipe multidisciplinar de engenharia e arquitetura, visando a elaboração de

propostas alternativas para a construção de presídios, albergues e obras afins.

- Definir o número máximo de apenados a serem atendidos por cada agente

penitenciário.

Como se vê, já se sabe do que é necessário; resta, agora, exigir-se de nossos

governantes a realização de ações concretas para a efetividade das propostas.

4.3 OS PACTOS INTERNACIONAIS E REGRAS NACIONAIS SOBRE O TRATAMENTO DO ENCARCERADO

No Brasil, a propositura de diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito,

à administração da Justiça Criminal e à execução das penas e das medidas de

segurança são da competência do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária (CNPCP)29.

Além das normas quanto ao tratamento do encarcerado, previstas na Lei de Execução

Penal, LEP, outras normas internacionais têm orientado esse Conselho na construção

de um modelo de tratamento prisional digno, eficiente e, acima de tudo, que obedeça

aos ditames gerais de segurança e garantia aos direitos humanos.

Nesse contexto é que o CNPCP ratificou As Regras Mínimas da ONU, pela Resolução

14, de 11 de novembro de 1994, que fixa “As Regras Mínimas Para o Tratamento do

Preso no Brasil”, trazendo destaque para a assistência educacional que compreende a

instrução escolar e a formação profissional, pois é ponto pacífico que a promoção da

inclusão social somente é possível através do binômio estudo-trabalho. A inclusão

29 Na forma do Art. 64 da Lei 7.210/84, Lei das Execuções Penais (LEP)

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social do encarcerado leva ao conhecimento de seus direitos e deveres no exercício de

sua cidadania.

Entretanto, isso ainda não passa de uma presunção legal, já que os estados

brasileiros, incluindo o Espírito Santo, não acordaram ainda para essa questão que, é

tão clara.

Assim, vê-se que o Brasil e seus estados-membros são contumazes em desrespeitar

os tratados internacionais dos quais são signatários. Se, por exemplo, cumprissem o

relativo à questão penitenciária, com o investimento e o incentivo ao estudo, dar-se-ia

um fim ao ostracismo e à ociosidade nas unidades prisionais do País e do nosso

Estado.

É sabido que o ócio físico e mental dificulta um pensamento lúcido sobre os deslizes

que levam um indivíduo à prisão, prejudicando a assimilação de conceitos do convívio

social a que talvez o preso não tenha tido acesso. Só assim poder-se-á ter a

esperança de que, em algum dia, alcançaremos os objetivos maiores da pena de

prisão, que é a ressocialização e o retorno ao convívio social pacífico e harmônico.

As atividades culturais e o ensino têm sido considerados essenciais em vários países,

que, ao contrário da LEP brasileira, já consideram as horas de estudo para fim de

abatimento do tempo de pena. Aqui no Brasil, o Art. 126 da Lei de Execução só faz

menção ao trabalho, como meio de se remir a pena, nos seguintes termos:

O condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.

Parágrafo 1º - A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho [...].

Seguindo o modelo espanhol, que permite a remição pelo estudo30, em alguns Estados

brasileiros, inclusive no Espírito Santo, os juízes têm considerado as horas de estudo

para efeito de remição, pois o espírito do instituto é valorizar a prática de uma atividade

que reeduca e prepara o delinqüente para sua reincorporação à sociedade,

proporcionando-lhe meios para reabilitar-se, incorporando a disciplina, valorizando

assim o esforço do condenado. Por questão lógica, já que o estudo também pode

exercer todos estes benefícios, por que não considerá-lo? Na 5ª Vara Criminal de

30 Ley Orgânica 1/1979, de 26 de Saptiembre, General Penitenciaria (B.O.E. num. 239, de 5 de octubre).

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Vitória foi elaborada uma portaria (anexa), deixando-se expressa essa possibilidade,

normatizando quais os cursos e em qual proporção seriam aceitos.

O Brasil é signatário de vários outros acordos e tratados internacionais que visam à

proteção dos presos e ao monitoramento do sistema penitenciário.

Outra grande dificuldade que os presos brasileiros e capixabas encontram é a

impossibilidade de se comunicar com uma autoridade que tenha competência para

gerir o sistema prisional, pois, com essa comunicação, muitos problemas graves

poderiam ser mais facilmente sanados.

Para ilustrar a importância desse direito ao diálogo, hoje não respeitado, cite-se um

caso que nos aconteceu na Vara de Execuções Penais (VEP) de Vitória. Fomos

procurados por um cidadão que disse que queria fazer justiça. Disse que seu irmão

estava preso em seu lugar. Ao pedir explicações, disse-nos que após cometer um

crime e ser preso usou o nome do irmão, pois o dele já estava “sujo”. Continuou

explicando: foi autuado, denunciado e processado com o nome do irmão, porém

conseguiu a liberdade provisória. Quando foi condenado, fugiu.

O irmão, que não sabia de nada, nem tinha cometido crime algum, foi parado em uma

blitz policial de rotina e preso, em cumprimento do mandado de prisão referente ao

crime do outro. Conferimos as digitais do inquérito, do preso e de seu irmão, restando

provado que realmente a história era verdadeira. Ouvimos o rapaz que estava preso há

dois anos no lugar do irmão e, perguntado, respondeu-nos: Eu tentei dizer que não era

eu, mas ninguém me ouviu! Tudo identificado e comprovado, o grave erro foi corrigido.

Como se vê, não cumprimos o que determina o Art. 2º do Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos:

Cada Estado signatário do presente Pacto compromete-se a:

a) Garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidas no presente Pacto hajam sido violados, possa dispor de um recurso efetivo, mesmo que a violência tenha sido perpetrada por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais;

b) Garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu direito determinado pela competente autoridade judicial, administrativa ou legislativa ou por qualquer outra autoridade competente prevista no ordenamento jurídico do Estado em questão e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial;

c) Garantir o cumprimento, pelas autoridades competentes, de qualquer decisão que julgar procedente tal recurso. (FONTE/REFERÊNCIA?)

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Da mesma forma, visando proteger o encarcerado contra a hedionda prática de maus

tratos e tortura nas prisões, foi editado o Princípio 33 do Conjunto de Princípios para a

Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, da

ONU, que estatui:

1. A pessoa detida ou presa, ou o seu advogado, têm o direito de apresentar um pedido ou queixa relativos ao seu tratamento, nomeadamente no caso de tortura ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, perante as autoridades responsáveis pela administração do local de detenção e a autoridades superiores e, se necessário, para autoridades competentes de controle ou de recurso.

2. No caso de a pessoa detida ou presa ou o seu advogado não poderem exercer os direitos previstos no nº 1 do presente princípio, estes poderão ser exercidos por um membro da família da pessoa detida ou presa, ou por qualquer outra pessoa que tenha conhecimento do caso.

3. O caráter confidencial do pedido ou da queixa é mantido, se o requerente o solicitar.

4. O pedido ou queixa devem ser examinados prontamente e respondidos sem demora injustificada. No caso de indeferimento do pedido ou da queixa ou em caso de demora excessiva, o requerente tem o direito de apresentar o pedido ou queixa perante autoridade judiciária competente ou outra autoridade. A pessoa detida ou presa ou o requerente, nos termos do nº 1, não devem sofrer prejuízos pelo fato de terem apresentado um pedido ou queixa. (FONTE/REFERÊNCIA?)

O Brasil é signatário também de outros pactos internacionais, que, se cumpridos,

criariam maiores possibilidades do conhecimento real do que ocorre no interior dos

presídios, que geralmente são ilhas inacessíveis a qualquer do povo, como se, dentro

deles, houvesse um segredo que não pode ser revelado. Na verdade, o gestor público

não quer deixar que a sociedade saiba das indignas condições para a permanência

humana, assim como de segurança, mantendo a máxima de que “não se reclama do

que não se conhece”.

Nesse sentido, visando amparar o monitoramento e inspeções idôneas, o Conjunto de

Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de

Detenção ou Prisão, em seu princípio 29, estatui:

1. A fim de assegurar a estrita observância das leis e regulamentos pertinentes, os lugares de detenção devem ser inspecionados regularmente por pessoas qualificadas e experientes, nomeadas por uma autoridade competente diferente da autoridade diretamente encarregada da administração do local de detenção ou da prisão, e responsáveis perante ela.

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2. Uma pessoa detida ou presa deve ter o direito de comunicar-se livre e confidencialmente com as pessoas que visitam os lugares de detenção ou prisão de acordo com o parágrafo 1 do presente princípio, tudo sujeito a condições razoáveis que garantam a segurança e a boa ordem desses lugares. (FONTE/REFERÊNCIA?)

Como se não bastasse, seguindo as orientações e tratados internacionais, foi editada,

como já dito, a Resolução 1431 do CNPCP, seguindo a recomendação do Comitê de

Prevenção ao Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, do qual o Brasil é membro,

agasalhando vários outros fatores indispensáveis ao bom e efetivo cumprimento da

pena de prisão. Abaixo seguem alguns deles.

No Capítulo I, que dispõe sobre os princípios fundamentais, destacam-se os seguintes

artigos:

Art. 1º . As normas que se seguem obedecem aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e daqueles inseridos nos Tratados, Convenções e regras internacionais de que o Brasil é signatário, devendo ser aplicadas sem distinção de natureza racial, social, sexual, política, idiomática ou de qualquer outra ordem.

Art. 3º . É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal . (grifo nosso).

Sobre a separação dos presos, o capítulo III traz algumas diretrizes que, se

respeitadas, poderiam diminuir muito o efeito deletério do contato carcerário. Nesse

capítulo destaca-se:

Art. 7º. Presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabelecimentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como: sexo, idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da individualização da pena.

No que tange aos locais destinados aos presos, seguem-se as regras do Capítulo IV:

Art. 8º. Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente.

§ 1º . Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições.

31 Resolução número 14, de 11 de novembro de 1994, publicada no DOU de 02/12/94.

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§ 2º. O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto.

Art. 9º . Os locais destinados aos presos deverão satisfazer às exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que ser refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação.

Quanto à alimentação e serviços de saúde e assistência sanitária, os Capítulos V e VII

dispõem:

Art. 13. A administração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos.

Parágrafo Único - A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e de dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para manutenção da saúde e do vigor físico do preso.

Art. 15. A assistência à saúde do preso, de caráter preventivo curativo, compreenderá atendimento médico, psicológico, farmacêutico e odontológico.

Art. 16. Para assistência à saúde do preso, os estabelecimentos prisionais serão dotados de:

I - enfermaria com cama, material clínico, instrumental adequado a produtos farmacêuticos indispensáveis para internação médica ou odontológica de urgência;

II - dependência para observação psiquiátrica e cuidados toxicômanos;

III - unidade de isolamento para doenças infecto-contagiosas.

Outras questões previstas também no mesmo documento amparam a instrução e a

assistência educacional, a assistência jurídica, a classificação dos condenados e as

questões pertinentes ao preso provisório, para, ao final, estatuir que caberá ao

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) adotar as

providências essenciais ou complementares para o cumprimento das regras mínimas

estabelecidas na aludida resolução, em todas as Unidades Federativas. Como já foi

dito, a omissão neste sentido tem sido patente.

Assim, vê-se que, tanto o Direito Público Internacional, quanto a legislação positiva de

Direitos Humanos, como o art. 5º da Declaração Universal, aprovada pelas convenções

da ONU e da OEA (de 1984 e 1985, respectivamente), prevêem: “Ninguém será

submetido a torturas nem a penas cruéis, desumanas ou degradantes”.

No mesmo sentido, com idêntica reprodução, reza a Carta Magna, em seu art. 5º,

inciso III, conforme demonstramos no capitulo III deste trabalho. É importante lembrar

que a Constituição de um país é a sua Lei Máxima, é a Carta Suprema, não

desaparecendo e não podendo sofrer mutilações, nem mesmo sob justificativas de

necessidades financeiras.

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Assim, o presente estudo busca contribuir com propostas inspiradas em algumas

teorias e experiências, buscando estabelecer entre elas uma coesão capaz de legitimar

a manutenção de um conteúdo mínimo protetivo da dignidade humana do encarcerado.

Por fim, vale lembrar que a Constituição Federal também impõe ao Estado brasileiro

reger-se, em suas relações internacionais, pelo princípio da “Prevalência dos direitos

humanos” (Art. 4º, II). Por isso, não há como se conciliar democracia com as visíveis

injustiças sociais, as formas de exclusão e violações contra a dignidade humana

reiteradas em nossas unidades prisionais.

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5 A TERCEIRIZAÇÃO E OUTRAS OPÇÕES DE POLÍTICAS PÚBL ICAS ALTERNATIVAS IMPORTANTES PARA O RESPEITO DA DIGNIDA DE DO ENCARCERADO

Como já se dissemos, o Art. 5º, caput e incisos I a LXXVII, da Constituição Federal de

1988, garante a todos os residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Como se não bastasse,

estabelece o § 2º do Art. 5º que:

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Sendo esses direitos indisponíveis e, portanto, invioláveis, deve-se exigir um Estado

Democrático de Direitos que os garanta, para que saiam da mera positivação e

passem à concretização; caso contrário faz parecer que a Carta Magna traça nada

mais do que regras programáticas, e não direitos e garantias que, por sua natureza,

devem ser obedecidos por todos, inclusive o próprio Estado.

Assim, a vida com qualidade dos cidadãos, a liberdade e a segurança, que não se

traduzem em viver em casas com grades, alarmes e cães, constituem o tripé de

sustentação dos direitos fundamentais da pessoa humana, sem os quais o homem não

passa de um prisioneiro da sua própria insegurança e o Estado de direito um ente

meramente imaginário e irreal, incompetente para conseguir realizar seus objetivos

institucionais, deixando-nos cada vez mais à mercê de um Estado paralelo, marginal,

que estende cada vez mais seus tentáculos e seus domínios, tentando, até de dentro

dos presídios, comandar a vida dos cidadãos de bem.

O direito à segurança é, na verdade, o um dos maiores direitos fundamentais, pois,

sem segurança todos os demais direitos valerão muito pouco ou quase nada, e o

chamado “estado de direito” transformar-se-á no “estado da desordem”, da

insegurança e do desrespeito à ordem juridicamente constituída.

Afinal, se na ida a um posto de saúde um cidadão for morto, vítima de um atentado

contra um ônibus, queimado por ordem de presos, de que valeu a garantia da saúde?

Se no caminho da escola for atacado e atingido por um disparo de arma de fogo que

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estava na mão de um foragido de um dos presídios do Estado, de que valeu o direito à

educação?

Se a atual política prisional não garante nem a dignidade e outros direitos dos presos

nem os nossos, talvez tenha chegado a hora de se discutirem outras alternativas, até

mesmo na esfera privada, se esta for mais eficaz para garantir o pleno exercício da

cidadania, talvez colaborando para a reativação da esfera pública. Isto posto, passar-

se-á a analisar a terceirização como opção contributiva para a recuperação do falido

sistema prisional.

Vários são os conceitos de terceirização, como "a contratação, por determinada

empresa, de serviços de terceiros para o desempenho de atividade-meio", ou ainda,

"processo de gestão empresarial consistente na transferência para terceiros (pessoas

físicas ou jurídicas) de serviços que originariamente seriam executados dentro da

própria empresa", como destacado no artigo publicado com o título Aspectos jurídicos

da terceirização, no qual o ilustre Professor Carlos Henrique Bezerra Leite (FONTE)?

também assevera que a palavra "terceirização'', que vem sendo utilizada em larga

escala, principalmente no meio empresarial, constitui neologismo oriundo do vocábulo

"terceiro'', no sentido de intermediário, interveniente, medianeiro.

Nesse sentido, vê-se que são consideradas terceiras todas aquelas pessoas físicas ou

jurídicas prestadoras de serviços para a organização contratante dos serviços.

Os projetos de terceirização em geral podem ser implantados tanto nas empresas

públicas como nas privadas, nas seguintes áreas: serviços de alimentação; serviços de

conservação patrimonial e de limpeza; serviços de segurança; serviços de manutenção

geral, predial e especializada em engenharia, arquitetura e manutenção de máquinas e

equipamentos; serviços de oficina mecânica, frota de veículo, transporte para

funcionário; serviços de mensageiro, distribuição interna, de correspondência; serviços

jurídicos; serviços de assistência médica; serviços de telefonia; serviços de recepção;

serviços de digitação; serviços de processamento de dados; serviços de distribuição de

produtos; serviços de movimentação interna de materiais, administração de Recursos

Humanos e administração de relações trabalhistas; serviços sindicais; serviços de

secretárias. Assim, por que não pode haver terceirização no sistema prisional?

Extrai-se daí que a natureza jurídica dos contratos decorrentes da terceirização é de

direito comum, celebrados por duas pessoas jurídicas, não incluídos entre os contratos

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nominados regulados pelo Código Civil. Podem ser denominados, simplesmente,

contratos de prestação de serviços.

Do ponto de vista legal, na seara do Direito Administrativo, não haveria qualquer

problema com a terceirização do sistema prisional. Sobre isso, o Professor Carlos

Henrique Bezerra Leite, no mesmo artigo acima citado, faz uma análise técnica de seu

amparo legal, nos seguintes termos:

a) o Decreto-Lei 200, de 25.02.67, que dispõe sobre a organização da Administração

Federal e estabelece diretrizes para a reforma administrativa, prevê, no seu artigo 10,

que a execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente

descentralizada, permitindo, mediante contratos ou concessões, a prestação de

serviços por empresas da iniciativa privada (parágrafos 1º, c, e 7º);

b) a Lei 5.645/70 (artigo 3º, parágrafo único) tipifica os serviços e tarefas que podem

ser prestados por empresas contratadas pela Administração, nos seguintes termos:

As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia , operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução mediante contrato, de acordo com o artigo 10, parágrafo 7º, do Decreto-Lei nº 200 [...].

d) a Lei 8.666, de 21.06.93, que institui normas para licitações e contratos da

Administração Pública, permite, através de execução indireta, a realização

de obras e a prestação de serviços por terceiros. O seu artigo 10 estabelece

que

[...] as obras e serviços poderão ser executados nas seguintes formas (redação dada pela Lei 8.883, de 08.06.94): I - execução direta; II - execução indireta, nos seguintes regimes: a) empreitada por preço global; b) empreitada por preço unitário; c) (Vetado); d) tarefa; e) empreitada total.

O artigo 13 da lei de licitações públicas admite, ainda, a prestação de serviços

técnicos profissionais especializados, prevendo que a

[...] empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes do seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato (parágrafo 3º).

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Já o artigo 71 estatui, de forma imperativa, que

[...] o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

E seu parágrafo 1º disciplina que:

[...] a inadimplência do contratado, com referência aos encargos estabelecidos neste artigo, não transfere à Administração Pública a responsabilidade pelo seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

O artigo 72, por sua vez, admite que:

[...] o contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá sub-contratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.

Assim, observa-se que a terceirização do sistema prisional passa mais por uma

resistência ético-moral do que propriamente legal. Sendo este tema essencial para o

deslinde do trabalho, será tratado a seguir.

5.1 TERCEIRIZAÇÃO PRISIONAL E A DIGNIDADE HUMANA: QUESTÕES DE ÍNDOLE ÉTICO-MORAL

O interesse privado na execução penal, ou melhor, na atividade prisional, encontra,

como é sabido, no seu fundamento natural e em seu fim primordial, que poderá obter

lucro com esse contrato firmado com o Estado. É justamente isso que justifica a

empresa querer assumir um risco considerável e investir grandes quantias neste setor.

A idéia da visão de lucro é que tem levantado as maiores críticas à intervenção

empresarial na administração prisional sob critérios morais e éticos. Não se discute o

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custo maior ou menor desta modalidade de atividade, nem tampouco a eficiência dos

serviços prestados com relação ao tratamento digno do encarcerado, mas sim

principalmente a legalidade e conveniência de privatizar uma atividade que deveria ser

concebida como uma função essencial do Estado, uma de suas razões de ser: a

administração da segurança e da Justiça.

Porém, vale lembrar que as grandes empresas atuam com freqüência de acordo com

as mais elevadas normas morais e éticas, nada fazendo que não esteja rigorosamente

dentro da letra da lei.

Assim, a discussão moral neste terreno pode ser encaminhada pelo fato de a

privatização ou terceirização de estabelecimentos prisionais ser mais positiva do que

negativa para a sociedade, avaliando-se os critérios da qualidade dos serviços, custos

e legalidade.

Mas os contrários à intervenção privada neste setor dirigem seus discursos sob a ótica

de ser ético ou não uma empresa obter lucros sobre a imposição de uma pena sobre

outras pessoas.

O que as pessoas ignoram é que, atualmente, quase todos os Estados brasileiros já

terceirizam parcialmente o sistema penitenciário sem serem questionados, pois, na

verdade, na maioria dos casos, isso não chega ao conhecimento da população.

Alguns Estados contratam serviços de médicos, professores, segurança, alimentação

de presos, reparos em unidades prisionais e outros. Será que nas modalidades hoje

adotadas não existe o fim de lucro por parte das empresas contratadas? Obviamente,

existe.

Outra questão comumente levantada diz respeito ao fato de o setor privado estar mais

interessado em fazer bem seu trabalho contratado, do que em fazer o bem. Essa

percepção antepõe o resultado prático à conseqüência ética. Assertivas como a de

que as empresas privadas não se estabelecem para servir bem ao público, senão para

gerar benefícios para seus donos e acionistas não estariam exigindo das empresas

que assumissem competências que não estão entre seus fins estatutários? É ao

Estado, o contratante, que cabe exigir o bom cumprimento do que foi contratado com a

empresa, seja qual for o objetivo principal desta.

Todos esses argumentos de cunho ético não deveriam ater-se somente ao objetivo das

empresas, ou se obterão lucro em cima da punição dos criminosos. Na verdade, para

que a pena tenha um peso para o delinqüente, é preciso que ele entenda quais as

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razões que levaram à aplicação da mesma. É muito mais significativo para ele quem

decretou a pena e o motivo, do que quem irá executá-la, desde que o faça nos termos

do mandamento legal. Por isso, não pode haver influência negativa no fato de que um

ente privado execute a sentença penal condenatória nos devidos termos da mesma.

Na maioria das vezes, em alguns países do mundo, em quase todo o Brasil e em todo

o Espírito Santo, o que se vê é que o uso da força desses Estados liberais e

democráticos nem sempre se aproxima dos ditames da lei. Assim, o que importa

realmente é acabar com os abusos de poder e os tratamentos desumanos e indignos

que hoje se verifica nos cárceres, o que exige que seja acompanhado de perto o

cumprimento da pena de prisão aplicada, seja pelo ente público ou privado. Em

síntese, os abusos e erros absurdos já acontecem por parte do Estado, o qual tem a

cada dia corroborado a incompetência para gerir o sistema prisional. E isso sim é que

tem que acabar. Como se vê, o argumento de maus tratos, por si só, não é suficiente

para descartar a terceirização ou privatização.

Muito mais importante que o motivo que leva uma empresa a investir no sistema

penitenciário, seria investigar o motivo por que o poder público o mantém como está,

mesmo afirmando gastos mensais absurdos, que variam no Brasil na faixa de R$

800,00 a R$ 2.200,0032 por preso em todos os Estados. Não estará o Estado tendo

algum benefício econômico? O que importa é o custo-benefício; benefício este que se

reverte na recuperação do interno, na capacitação para o trabalho, no desenvolvimento

de sua auto-estima e outros, podendo tudo ser resumido em resgate integral do ser

humano, o que o Estado tem se mostrado incompetente para realizar.

Não há por que ser imoral pagar guardas particulares para vigiar presídios, e médicos

para salvar vidas. O sistema de justiça, em si mesmo, é uma fonte de benefícios

econômicos para numerosas profissões, como advogados, engenheiros prisionais etc.

O discurso antiterceirização ou privatização com base em frases que ouvimos

diariamente como “fazer dinheiro às custas do preso”, “escravidão moderna” e outras

difíceis de serem rebatidas, têm se mostrado instintivo e emotivo, não levando em

conta o real tratamento atual oferecido pelo Estado em nossos presídios. Ou seja, não

se conhece a dura realidade atual e se quer questioná-la. O que importa realmente é a

eficiência e efetividade das prisões, sejam públicas ou privadas/terceirizadas.

32 Custos demonstrados na Planilha III da Secretaria de Justiça do Espírito Santo, SEJUS, no Estudo comparativo entre Estado do Espírito Santo e Brasil, 2002.

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Assim, observa-se que o discurso resistente a mudanças que se baseia na ética,

muitas vezes não tem qualquer sustentação teórica. Como prova do que se afirma,

traremos uma síntese do pensamento sobre o que é ética. Para tal, lançamos mão dos

ensinamentos do renomado mestre Adolfo Sánchez Vázquez: “Se a ética, quando se

trata de definir o que é bom, recusa reduzi-lo àquilo que satisfaz meu interesse

pessoal, exclusivo, evidentemente influirá na prática moral ao rejeitar um

comportamento egoísta como moralmente válido” (1999, p. 20).

Continua o mesmo autor em sua obra:

A ética estuda uma forma de comportamento humano que os homens julgam valioso e, além disso, obrigatório e inescapável. A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma específica do comportamento humano (p. 23).

Etimologicamente falando, Váquez nos ensina que ética vem do grego ethos, e tem

seu correlato no latim morale, com o mesmo significado: conduta, modo de ser ou

relativo aos costumes. Pode-se concluir que, etimologicamente, ética e moral podem

ser consideradas palavras sinônimas. Vários pensadores, em diferentes épocas,

abordaram especificamente assuntos sobre a ética : os pré-socráticos, Aristóteles, os

Estóicos, os pensadores cristãos (patrísticos, escolásticos e nominalistas), Kant,

Espinoza, Nietzsche, Paul Tillich, etc.

Aristóteles (apud VERNIÉRES, 1998), já afirmava que a Ética é o estudo geral do que

é bom ou mau, correto ou incorreto, justo ou injusto, adequado ou inadequado. Um dos

objetivos da Ética é a busca de justificativas para as regras propostas pela Moral e pelo

Direito. Ela é diferente de ambos - Moral e Direito -, pois não estabelece regras. Esta

reflexão sobre a ação humana é que caracteriza a Ética.

A ética de Platão se relaciona intimamente com a sua filosofia política, porque para ele,

como para Aristóteles, a polis é o terreno próprio da vida moral. Daí, extrairmos do seu

pensamento que: “O homem é bom enquanto bom cidadão. A idéia do homem se

realiza somente na comunidade. A ética desemboca necessariamente na política”

(VÁZQUEZ, 1999, p. 271).

Não poderíamos deixar de trazer à baila a ética de KANT, trabalhada em suas obras

fundamentais sobre o tema, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, de 1785, e

Crítica da Razão Prática, de 1788, também observadas por Vázquez. Nelas, Kant

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construiu um mandamento sobre a ética, denominado pelo filósofo como seu

imperativo categórico: “Age de maneira que possas querer que o motivo que te levou a

agir se torne uma lei universal” (apud, VÁSQUEZ, 1999, p. 283).

Desta lição extraímos que a ética kantiana busca postular um dever para todos os

homens, sendo o homem um ser ativo, produtor ou criador de uma realidade social.

Tal conclusão é corroborada pelo mestre Miguel Reale que, reportando-se a Kant

sobre o tema, destaca “que há o problema do valor da conduta ou o valor da ação, do

bem a ser realizado” (2002, p. 36). Destas leituras resta patente que Reale pactua com

Kant ao entender a ética como doutrina do valor do bem e da conduta humana que o

visa realizar.

Será que o gestor público responsável pelo sistema prisional se pergunta: Estou sendo

bom profissional? Estou agindo adequadamente? Realizo corretamente minha

atividade? É fundamental ter sempre em mente que há uma série de atitudes que não

estão descritas nos códigos de todas as profissões, mas que são comuns a todas as

atividades que uma pessoa pode exercer. A competência técnica, aprimoramento

constante, respeito às pessoas, confidencialidade, privacidade, tolerância, flexibilidade,

fidelidade, envolvimento, afetividade, correção de conduta, boas maneiras,

responsabilidade, corresponder à confiança que lhe é depositada é um conjunto de

fatores que faz de uma pessoa um profissional ético ou não.

Feita essa análise, não se pode conceber como antiética a mudança de política

prisional atualmente adotada, se não se respeita a dignidade da pessoa humana,

parecendo falacioso o discurso antiterceirização ou privatização de presídios.

5.2 CONFUSÃO CONCEITUAL ENTRE PRIVATIZAÇÃO E TERCEIRIZAÇÃO DE PRESÍDIOS

Tem sido comum, nos últimos anos, a confusão do termo terceirização como sinônimo

de privatização , no âmbito do sistema prisional. É necessário observar que algumas

características de ambos os modelos os tornam bastante diferentes, quando

analisados de forma mais crítica.

Uma característica da legislação penal brasileira é o fato de não prever a privatização

do modelo gerencial nos estabelecimentos penais. De acordo com a Lei de Execução

Penal, a natureza jurídica da execução penal envolve três ramos de atividade: a

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atividade jurisdicional, que compete ao juiz; a atividade administrativo-judiciária,

realizada por funcionário público (Ministério Público, Conselho e Departamento

Penitenciário) e atividade administrativa extrajudicial, que pode ser realizada por

órgãos públicos ou privados.

Assim, não há, no conteúdo da Lei de Execução Penal, nenhum impedimento para

empresas privadas assumirem a responsabilidade pela prestação de serviços de

ordem administrativa extrajudicial, ou seja, assumam Serviços Públicos Terceirizados.

Na realidade, terceirização é um termo bem recente no país, quando tratado no âmbito

das prisões; contudo, tal prática, como já foi visto, é bem comum e antiga nas relações

empresariais. É uma questão complexa que envolve aspectos legais, da administração

da qualidade, da segurança e dos custos. Apesar de parecer, terceirizar prisões já

pode ser considerada uma realidade no Brasil, pois o primeiro presídio terceirizado no

país foi inaugurado no dia 19 de novembro de 1999, no Município de Guarapuava, no

Estado do Paraná, com a Penitenciária Industrial de Guarapuava.

Já a privatização das prisões é um tema bastante controverso, existindo no campo

teórico inúmeras discussões sobre a sua eficiência e eficácia. Há, no entanto, países

que colocaram em prática esse novo sistema de administração prisional baseado na

gestão privada, como será discutido adiante.

5.3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À IDÉIA DE TERCEIRIZAÇÃO

A terceirização das prisões ainda é um tema novo no Brasil e tem causado muita

polêmica entre os especialistas. Edmundo Oliveira, em seu livro “O futuro alternativo

das prisões” (2002), enumera 30 (trinta) argumentos relacionados ao assunto, sendo

15 (quinze) contrários às privatizações dos estabelecimentos penais e outros 15

(quinze) a favor desse processo.

Esses argumentos foram adaptados e correlacionados para o modelo de terceirização

dos presídios, como exposto a seguir:

Argumentos contrários à terceirização das prisões

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• A preocupação da iniciativa privada é o lucro e não o interesse na reinserção

social do delinqüente, e muito menos o bem-estar da comunidade;

• O dever constitucional de punir e recuperar delinqüentes é exclusivo do Estado;

• Há o risco de se aumentar o número de encarcerados, pois, quanto mais

presos, melhor será para empresa privada obter mais lucros;

• Existe a possibilidade da implantação de trabalho forçado, sem a livre adesão

do preso;

• Há o perigo de haver prisão controlada por empresa que tem negócios com o

crime organizado;

• Existe o risco da exploração de indivíduos indefesos, obrigados a aceitar as

regras do jogo na prisão;

• Dando primazia ao aspecto econômico-financeiro, a empresa privada subestima

a pedagogia, não cuidando de contratar pessoal apropriadamente qualificado e

bem treinado;

• A instituição privada só quer presos bem comportados e não violentos, deixando

os perigosos para o Estado cuidar;

• A empresa privada não investirá no progresso pessoal do preso, pois prefere ter

mão-de-obra limitada intelectualmente e não esclarecida;

• Mesmo havendo um Diretor Prisional vinculado ao serviço público, ele não

poderá ser responsável por atos de funcionários do estabelecimento vinculados

à empresa privada;

• Uma empresa privada não pode impor sanção disciplinar a um preso, já que foi

com o Estado que ele desenvolveu uma relação jurídica de direitos e deveres,

quando foi condenado por uma sentença criminal;

• Permitindo a prisão terceirizada, o Estado passa a ter duas preocupações: com

o preso e com o pessoal da empresa, para evitar abusos e violação dos direitos

humanos;

• Os servidores penitenciários precisam ter formação técnica homogênea, para

cuidarem da recuperação do preso, daí a incoerência de se preparar um grupo

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de pessoal penitenciário para atuar em prisão pública e outro grupo para atuar

em prisão terceirizada;

• Entre ter despesas com a qualidade da prisão e gastar com publicidade, para

preservar a boa imagem, a empresa privada irá investir no marketing;

Por último, arremata o Professor Nils Christie (apud OLIVEIRA, 2002, p. 332): “é

notável que exista quem queira enriquecer sobre a base do quantum, em função do

castigo que seja capaz de infligir.”

Argumentos favoráveis à terceirização das prisões

• O Estado já deu prova de incompetência na seara da administração

penitenciária;

• O Estado, há muito tempo, por não investir no setor, finge se preocupar com os

problemas do cárcere;

• Em nenhum país, nenhuma Corte de Justiça reconheceu a inconstitucionalidade

das prisões terceirizadas;

• Dizer não à terceirização, sem ao menos testar a experiência, é ser parceiro do

universo criminoso, antiético, desumano e caótico das prisões;

• A empresa privada dispõe de maior habilidade para administrar, porque está

liberada da morosa e complicada burocracia do setor público;

• A empresa privada oferece estímulos funcionais e melhores condições de

trabalho aos seus empregados;

• A instituição privada garante trabalho remunerado ao preso, sem a

contaminação da ociosidade;

• A empresa privada abre uma possibilidade concreta para a absorção do

condenado no mercado de trabalho, após o cumprimento de sua pena;

• Os dirigentes da iniciativa privada têm maior interesse em otimizar os serviços,

reduzindo despesas desnecessárias e não gastando demasiadamente, porque

os prejuízos financeiros lhes afetam diretamente;

• Os dirigentes penitenciários do setor público, vez por outra, estão envolvidos em

escândalos de corrupção;

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• Não existe razão para se combater, a priori, o gerenciamento e a administração

de uma prisão por empresa particular, pois o Estado estará sempre vigilante,

fiscalizando diariamente sua execução, para evitar desvios no cumprimento das

obrigações contratuais;

• Não há por que temer a participação de empresas vinculadas ao crime

organizado, se o Estado, através de regras fixadas em Edital, estabelecendo

concorrência pública, tem todas as condições para fazer a seleção das

empresas devidamente qualificadas e de boa reputação;

• É verdade que o lucro faz parte da resposta, no planejamento custo-benefício,

mas, em se tratando de regime penitenciário, esse lucro será também do preso,

que ganhará dinheiro pela sua produção, ajudará sua família e retornará à

sociedade devidamente adaptado à terapêutica ocupacional;

• A empresa privada terá interesse em mostrar zelo e eficiência, porque,

investindo no sistema, precisará garantir a credibilidade pública e o direito à

renovação do contrato;

• O respeito aos direitos humanos na prisão será observado pelo próprio

advogado do preso, que, inclusive, pode processar a empresa privada, pedindo

indenização por violação de princípios ditados na Constituição, na Sentença de

Condenação ou no Contrato de Adesão com o Estado (OLIVEIRA, 2002, p. 331-

333).

A partir de uma detida análise dos argumentos acima transcritos, sopesando os seus

pós e contras, temos que esta pode ser uma boa maneira de aperfeiçoar o sistema

prisional brasileiro e, principalmente o capixaba.

Não importa se a vaga em um presídio terceirizado poderá custar um pouco mais do

que no público, desde que, nesses locais, a Lei de Execuções Penais seja cumprida,

tendo como conseqüência o tratamento digno do encarcerado.

Se nesse novo modelo os presos passarem a serem respeitados como pessoas

dignas, a ter acesso a médicos e psicólogos, além de advogados, escola em todos os

níveis e trabalho, a receberem material de higiene e limpeza, roupas, lençóis e

cobertores gratuitamente, com alimentação de boa qualidade, poderá acabar ficando

mais barato, pois o preso poderá ficar cerca de um terço a menos do tempo na prisão.

Explico: a cada três dias de trabalho, os presos têm redução de um dia na pena, como

previsto na Lei de Execução Penal. Senão, vejamos:

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Art. 126 – O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.

§ 1º - A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de um dia de pena por três de trabalho.

§ 2º - O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho, por acidente, continuará a beneficiar-se com a remição.

No sistema atual, como a maior parte dos presídios não oferece serviços, não pode

haver o desconto na pena. Concluímos que é uma tentativa que poderia ser

empregada com mais empenho pelos Estados. Na verdade os recursos gastos hoje

pelo Estado é que podem ser considerados muito grandes para os serviços que

oferecem. Hoje, quase nenhum dos presídios administrados pelo Estado cumpre

integralmente a Lei de Execuções Penais, enquanto são várias as experiências

exitosas no campo da terceirização. Veremos a seguir.

5.4 ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE TERCEIRIZAÇÃO DE PRISÕES NO MUNDO E NO BRASIL

Fazendo-se um estudo sobre as experiências de terceirização prisional pelo mundo,

verifica-se que, apesar de controvertida, ela tem sido adotada desde a Rússia até os

Estados Unidos da América; desde a Argentina até o Marrocos e, inclusive, no Brasil.

Em alguns casos, a terceirização se limita ao financiamento da construção de novos

estabelecimentos; em outros, ela se dá na administração do trabalho prisional; em

outros, no fornecimento de serviços penitenciários, tais como educação, saúde,

alimentação etc.; em outros, na administração total de estabelecimentos prisionais já

existentes; e, por último, combinando-se várias modalidades, no financiamento,

construção e gestão de novos estabelecimentos. Nos EUA, esta última modalidade

é conhecida como “DCEM contracts”, que, traduzido, seria contrato para projeto,

construção, financiamento e gestão.

Experiências positivas e negativas ocorreram por todo o mundo, assim como na gestão

pública dos cárceres mundiais. A administração absoluta, desde o financiamento até a

gestão pela empresa privada tem sido a modalidade mais controvertida, porém não foi

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descartada, pois continua sendo utilizada em vários países, principalmente para

recolhimento de menores e imigrantes ilegais.

Nos Estados Unidos da América, quase todos os Estados experimentam os modelos

de terceirização e privatização prisional. A prisão Saint Mary, localizada numa área

rural do Kentucky, é considerada a primeira prisão privada para adultos dos EUA,

sendo administrada, desde 1986, pela mesma empresa.

Consultando-se o Federal Bureau of Prisons33, verifica-se que esse órgão, ligado ao

Departamento de Justiça dos Estados Unidos, é o responsável pelo encarceramento

de todos os presos federais dos EUA. No dia 06/07/06, contabilizava a detenção de

190.998 (cento e noventa mil, novecentos e noventa e oito) pessoas, sendo que as

unidades privadas naquele País mantêm cerca de 10% (dez por cento) desse número.

Os números totais são controversos, porém a respeitável PSIRU34, órgão pertencente

à Universidade de Greenwich, de Londres/Inglaterra, na publicação de número 54, de

abril de 2003, traz números interessantes sobre as prisões privadas internacionais,

dentre elas as americanas. São eles:

No dia 30/06/02, o sistema prisional federal americano detinha 20.293 (vinte mil

duzentas e noventa e três) pessoas em prisões privadas, sendo que 10.764 (dez mil

setecentas e sessenta e quatro) no Texas e 6.773 (seis mil setecentas e setenta e três)

em Oklahoma. Cinco Estados americanos possuíam, no mínimo, 25% de seus presos

em estabelecimentos privados. Eram eles: Novo México (43%), Montana (31%), Alaska

(29%) e Wyoming (28%). Outros estados americanos possuíam números menos

expressivos35, porém, mantinham a privatização como uma opção.

O que se pode ressaltar é o fato de que esses números demonstram que a maior

concentração de prisões privadas se encontram nos estados do Sul e do Oeste

americano, regiões que conhecidamente possuem os maiores índices de violência e

criminalidade.

33 O órgão pode ser pesquisado no endereço < http://www.bop.gov > 34 Public Services International Research Unit, cujo endereço eletrônico é < www.psiru.org/justice > 35 No citado endereço eletrônico, encontra-se: “The District of Columbia had 27.4 % of its prisoners in private facilities. Other states: New Jersey 8.7 %; Pennsylvania 1.3 %; Indiana 4.4 %; Michigan 0.9 %; North Dakota 3.4 %; Ohio 4.3 %; South Dakota 1.3 %; Wisconsin 15 %;Florida 5.6 %;Georgia 9.9 %; Kentucky 10.1 %; Louisiana 8.3 %; Maryland 0.5 %; Mississippi 16.5 %; North Carolina 0.6 %; South Carolina 0.1 %; Tennessee 15.3%; Texas 6.8%; Virginia 4.8 %; Arizona 5.7 %; California 2.1 %;Colorado 13.1 %; Hawaii 22.2%; Idaho 21.5 %; and Nevada 5 %.” Fonte: Bureau of Justice Statistics Bulletin, April 2003, NCJ 1988877.

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O maior problema no modelo americano tem sido o fato de que os seus contratos

foram formulados, em sua grande maioria, na modalidade de administração total , o

que gera conflitos de ordem jurídica, política e ética, ao se delegarem poderes de

execução da pena às empresas privadas.

Outro objetivo buscado com as privatizações é a tentativa de se diminuírem os gastos

do governo e do contribuinte ao mesmo tempo. Porém, de acordo com Laurindo Dias

Minhoto (2000, p. 82), que realizou profunda pesquisa sobre a privatização

penitenciária americana, não há ainda nenhuma análise comparativa de custos

rigorosa no campo penitenciário norte-americano, razão pela qual não se pode fixar o

item custo como objeto de discussão, pois, como já dissemos, não é apenas o custo

que interessa, mas sim o custo-benefício. Assim, se o custo for mais alto, porém o

sistema for mais eficaz no alcance dos fins sociais da pena, melhor este será.

Na França, outro país que é sempre lembrado como sendo um sucesso na área da

terceirização e gestão privada de presídios, o sistema é um pouco diferente, pois a

empresa privada e o Governo assumem o gerenciamento e a administração conjunta

do presídio.

Países como o Peru já usam o sistema privado com sucesso há 40 anos, não havendo

perspectivas de abandono do mesmo. Em se tratando de nosso país, um modelo que

parece ser o mais adequado para o Brasil é o de Gestão Compartilhada ou Co-

Gestão , no qual o estabelecimento tanto pode ser construído ou cedido para a

empresa, que gere a administração, ficando a direção geral a cargo do Governo.

Nesse modelo, não se pode falar que não é o Estado que está atuando diretamente na

execução da pena, já que o faz através do seu representante na instituição penal.

O que importa para o sucesso desse modelo em nosso país e em nosso Estado é a

formulação de um contrato seguro, que proteja o Governo contra o mero anseio

econômico da empresa contratada. Num capítulo a seguir, tentar-se-á construir um

modelo como sugestão.

Dois exemplos de presídios terceirizados no Brasil estão no Paraná: a Penitenciária

Industrial de Guarapuava e a Penitenciária para presos provisórios de Curitiba. Sem

sombra de dúvidas, ambos os estabelecimentos prisionais podem ser considerados

modelos, valendo lembrar que cada um tem uma função, já que a primeira trata de

presos condenados, e a segunda, de provisórios. O que se pode ver nesses dois

presídios é o cumprimento integral da Lei de Execuções Penais, que leva ao

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tratamento integral do ser humano em conflito com a lei, possibilitando que sua

recuperação saia do âmbito utópico e passe a ser realidade, o que se comprova pelos

baixíssimos índices de reincidência, perto dos 12%, contra os 70% do modelo público

nacional.

Em Guarapuava, todos os presos trabalham em duas empresas, uma calçadista e

outra de móveis. Os internos tem acesso a aulas e assistência médica, dentária e

psico-social, sem falar em atividades de lazer e cultura.

Nessa penitenciária, foi realizada uma pesquisa36 por alunos37 do Centro de Formação

e Aperfeiçoamento da PMES, que, após a visita, relataram:

[...] quando se observa a estrutura dessa penitenciária, percebe-se que ela foi estruturada de maneira lógica e inteligente, o que muitas vezes não é observado na grande maioria dos estabelecimentos penais existentes no Brasil. No caso de Guarapuava, houve uma parceria entre o governo do Estado, iniciativa privada e o fundo penitenciário. Foi assinado um termo de cooperação entre essas agências. O ambiente tem um aspecto muito positivo, por ser limpo e bem conservado, o que também contribui em todo o processo de recuperação. Todas essas verificações puderam ser conferidas na visita a PIG [...]

Vale destacar que, em 2004, aquele Estado possuía seis unidades privadas e estava

com outras três em construção, o que comprova a qualidade e a eficiência do sistema.

Outros estados brasileiros, além do Paraná, possuem presídios terceirizados, dentre

eles o Ceará, com a Penitenciária Industrial do Cariri e do Juazeiro do Norte; o

Amazonas, o Mato Grosso do Sul e a Bahia. Temos no Espírito Santo uma primeira

experiência com o Presídio de Segurança Média de Colatina (PSMECOL). Quanto a

este último, as críticas que se podem fazer são quanto à forma do contrato, que, ao

que parece, lesou os cofres públicos. Este ponto será retomado adiante, quando se

detalharem as cláusulas que garantiriam o equilíbrio entre o Estado e a Empresa

Privada.

Um dos maiores nomes no estudo da criminologia brasileira, Alvino Augusto de Sá38

publicou um interessante estudo sobre os espaços arquitetônicos dos presídios

36 Particularmente, colaboramos na orientação da referida pesquisa. 37 Os alunos são: Agilson Ribeiro de Almeida Júnior, André Luiz Oliveira Batista, Bruno Camargo Damascena, Bruno Guerin de Vargas, Felipe Lyra Cunha e Marcelo Vieira Hollanda. 38 Psicólogo, Prof. de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Diretor da Clínica Psicológica da Universidade de Guarulhos.

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privados brasileiros. Abaixo se reproduz um pequeno trecho de sua visão técnica, com

reflexos na ressocialização do apenado, que, sem sombra de dúvida, merece

destaque: “O espaço arquitetônico hostil e/ou deteriorado constitui-se [...] em sério

obstáculo ao processo de reintegração social, já que ele promove a ruptura crescente

com o meio social” (2003, p. 12).

Com respeito ao espaço arquitetônico dos presídios terceirizados, constata-se que ele

é bastante humanizado. Nota-se que, ali, o que se chama de “constrangimento

arquitetônico” é o estritamente necessário para garantir a segurança. Os espaços são,

na medida do possível, amplos e arejados; as paredes, pintadas e bem cuidadas. A

área destinada exclusivamente às visitas íntimas é ampla, agradável, muito bem

cuidada, dispõe dos recursos necessários à higiene, à discrição e ao respeito.

Ressalte-se ainda uma observação particularmente importante: a área construída para

visitas íntimas continua sendo utilizada unicamente para essa finalidade. O respeito à

finalidade original de determinado espaço é algo que nem sempre acontece, na

administração pública, dado que os diretores não raras vezes são obrigados a adaptar

e a improvisar espaços para atender a necessidades que eles entendem mais

urgentes. Acrescente-se que o patrimônio parece muito bem conservado. Não se

observa agregado algum de austeridade e primitivismo, produtos do descaso e da

deterioração.

A Penitenciária Industrial do Cariri, principalmente, caracteriza-se por espaços amplos

e ambientes internos abertos, que procuram preservar e valorizar o contato com o meio

ambiente, com a natureza. E mais, o ambiente é decorado com amplas pinturas e

obras de escultura, que retratam paisagens próprias da região, bem como

personagens de sua história, trazendo assim, para dentro do presídio, a natureza, o

meio ambiente externo, a história do povo. É como se tal espaço arquitetônico

estivesse continuamente a lembrar a cada interno: “Você é gente como qualquer outra

pessoa livre. Conserve em sua memória a história de seu povo, que também é sua, as

paisagens da terra, que também são suas. Preserve e alimente a sua identidade mais

profunda, a identidade com o mundo livre”.

Assim, apesar da resistência atual, a política de privatização na modalidade de

terceirização prisional tem-se mostrado, se não mais barata, mais eficaz na

recuperação e humanização do cárcere, objetivo sonhado por todos aqueles que

olham para a pena com a visão de um Estado Democrático de Direitos.

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5.5 UMA NOVA POLÍTICA PÚBLICA PARA O TRATAMENTO DA MULHER PRESA

Uma questão que particularmente merece destaque e atenção é a das detentas. Em

noventa por cento dos casos, trata-se de mulheres envolvidas no tráfico de drogas, por

se relacionarem com homens traficantes, ou seja, mulheres que entram na vida do

crime por amor ou fidelidade ao companheiro criminoso.

A título de ilustração, em 22 de fevereiro de 2005, foi enviado um relatório ao

Governador do Estado, com informações, observações e sugestões decorrentes de

uma inspeção multidisciplinar39 realizada em vários presídios, dentre eles o Presídio

Feminino do Estado40. Abaixo se seguem algumas das observações desses órgãos,

quanto ao presídio feminino:

A) O CORPO DE BOMBEIROS: 1) o muro de vedação dos fundos da

edificação sobre o qual foi instalada uma passarela está condenado pela

Defesa Civil; 2) as mangueiras de condução de GLP41 estão com prazo

de validade vencidos.

B) TÉCNICOS DE SEGURANÇA: 1) o policial de serviço dispõe apenas de

um revólver calibre .38 e umas poucas munições; 2) o armamento

utilizado não é adequado àquela atividade; 3) as escoltas policiais não

são feitas com a observância de critérios técnicos e não há efetivo e

equipamentos para a realização dessas atividades de forma técnica; 4)

os policiais não possuem armas não letais, nem mesmo um bastão; 5) há

o total abandono, não só das internas, mas também do pessoal que ali

labuta.

C) PASTORAL CARCERÁRIA, ARQUIDIOCESE DE VITÓRIA E

CONSELHO ESTADUAL DE DIREITOS HUMANOS: 1) a cela de castigo

é desumana, sem ventilação, escura e com mau cheiro; 2) a maior parte

das detentas está ociosa; 3) há falta de médicos, de remédios e muitas

detentas com aids e tuberculose estão misturadas a outras; 4) a cela de

39 Com técnicos de vária áreas, como engenharia, saúde pública, corpo de bombeiros, segurança, Ministério Público e outros 40 PEFEM, situado em Cariacica, Tucum. 41 Gás de cozinha

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castigo e a de número 11, das presas provisórias, não têm janelas,

impedindo qualquer tipo de ventilação.

D) ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL: 1) o presídio não possui

assistência jurídica gratuita até a data da inspeção; 2) o estabelecimento

visitado não atende aos preceitos do tratamento mínimo para presas; 3)

O Estado é quem mais desrespeita a lei. Quem é o maior criminoso?

E) CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E

AGRONOMIA (CREA): 1) a qualidade da edificação traz risco para as

internas e funcionários; 2) a edificação necessita de correções

emergenciais, principalmente nas instalações elétricas e hidro-sanitárias.

F) CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA: 1) o estabelecimento não

atende ao tratamento mínimo para presos, determinado pelo Ministério

da Saúde; 2) as presas de Tucum não têm um adequado

acompanhamento ginecológico e preventivo de outras doenças; 3) em

Tucum, medicações são feitas pela enfermeira, sem prescrição médica;

4) existem detentas portadoras de doenças como amidalite, escabiose42,

anemia falciforme, HIV/AIDS, hérnias, hipertensão arterial, gestantes

necessitando de confirmação diagnóstica e adequação do tratamento; 5)

40% (quarenta por cento) da população do presídio tem problema de

saúde, principalmente problemas respiratórios; 10% (dez por cento),

problemas digestivos; 18% (dezoito por cento) são portadores de sífilis;

80 a 90% (oitenta a noventa por cento), portadoras do bacilo da

tuberculose; e 20% (vinte por cento), portadoras do vírus do HIV. Esse

quadro sustenta a necessidade de atenção médica diária, além de ações

educativas e promotoras de prevenção de doenças.

Poder-se-ia continuar transcrevendo as conclusões dos órgãos técnicos sobre esse

presídio feminino, porém, a crise já foi bastantemente ilustrada e aponta para um

grande e real risco para as internas, para os servidores, para os policiais que lá atuam

e para a sociedade como um todo, em razão das facilidades para efetivação de fugas e

da total impossibilidade de ressocialização das mulheres que lá se encontram, fazendo

daquele presídio mais uma tradicional e verdadeira universidade do crime.

42 Vulgarmente conhecida como “sarna”

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Assim, tal inspeção comprovou mais uma vez que o Estado não cumpre seu papel,

necessitando que o Juiz de Execução fiscalize aquilo que o Poder Executivo deveria

vigiar e conhecer, pois somente com um diagnóstico do problema é possível conhecer

as demandas técnicas do sistema, para que sejam traçadas metas de trabalho que

visem saná-las. Mas, apesar do relatório, nada foi feito.

Nas prisões femininas capixabas, a mulher é ainda mais excluída do que acontece na

sociedade extramuros, perdendo sua identidade e personalidade e potencializando,

assim como acontece com os homens, a violência. Isso é marcante nos presídios

femininos.

O percentual de mulheres presas é insignificante, tanto no Espírito Santo quanto no

Brasil e também na América Latina, onde a porcentagem varia entre 3% e 9% da

população carcerária, se comparada com a população masculina.

No Brasil, em 1995, as mulheres representavam 4,33% dos presos43. No Espírito

Santo, em levantamento feito pela DIGESP44 no dia 30/06/06, as mulheres somavam

somente cerca de 8% do sistema capixaba.

Talvez seja essa inferioridade quantitativa que tenha levado o Estado ao abandono e à

falta de compromisso com as necessidades peculiares da presa feminina, que, na

verdade, é submetida aos mesmos tratamentos dispensados aos homens.

Até mesmo a doutrina pouco tem produzido sobre a mulher reclusa e suas

particularidades, existindo parcas referências ao assunto na Constituição Federal e na

LEP, sendo que, no Espírito Santo, nada existe de específico. Esse fato acaba

colocando na vala comum pessoas com perfis diametralmente opostos. A natureza

feminina demanda necessidades próprias, para as quais o Estado brasileiro em geral

tem virado as costas, só fazendo menção à particularidade da maternidade no cárcere.

Destaque-se a falta de amparo legal, por exemplo, para a visita íntima, de cunho

sexual, que comprovadamente funciona como catarse física e psicológica, além de

manter laços familiares que deverão existir após o cumprimento da pena. Assim, vê-se

que somente alguns Estados brasileiros permitem esse tipo de encontro no cárcere,

43 O ultimo Censo Penitenciário, publicado em 1995, indicou que a população prisional nacional era de 148.760 pessoas, presas em delegacias, cadeias públicas e presídios. No ano de 2002, esse número teria aumentado para 248.685 (segundo consta na página oficial do Ministério de Justiça). Disponível na Internet: < http://www.mj.gov.br/depen/sistema_brasil.htm > [16/04/2003]. 44 Diretoria Geral de Estabelecimentos Prisionais, da Secretaria Estadual de Justiça.

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principalmente feminino, como se a mulher fosse menos sexuada que os homens

presos.

Conforme se extrai das transcrições do relatório acima citado, outro problema

fundamental são as questões particulares com relação à saúde da mulher,

principalmente no que tange às questões ginecológicas. Assim, observe-se que é

necessária a construção de uma política pública de saúde específica para os presídios

femininos. O próprio art. 14 da LEP, que já é desrespeitado no âmbito carcerário

masculino, quando trata do direito de assistência à saúde, estatui:

A assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico (grifo nosso).

Como se vê, trata-se de norma neutra, ou seja, que não faz menção direta à

necessidade de contratação de médico ginecologista, por exemplo. Sabemos que

esse profissional especializado é o único capaz de controlar doenças comuns em todas

as mulheres, como os casos de câncer de mama e outros, sem falar no

acompanhamento pré-natal, que, a rigor, não poderiam ser feitos por um clínico geral.

Outro fator que tem sido discutido em praticamente todos os congressos de execução

penal pelo Brasil dos quais participamos, assim como em reuniões junto ao Ministério

da Justiça, é a falta de amparo ao trabalho da presa. Mesmo que se consiga uma

frente de trabalho intramuros, o que já é muito difícil, não se mantêm as garantias

trabalhistas particulares às mesmas, como a licença maternidade pelo período de 120

(cento e vinte) dias, na forma do Art. 392 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),

pois o Art. 28 da LEP, em seu parágrafo segundo, estatui:

O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Como se pode ver, caso venha a engravidar no cárcere, estará desamparada na

proteção de eventual atividade laborativa.

Deixando-se a questão legal e passando-se para as questões práticas quanto ao

trabalho produtivo - mesmo porque muitas presas são arrimos de famílias -, a elas

normalmente são ofertadas atividades menos producentes do que aquelas ofertadas

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aos homens. Em nosso Estado, se limitam quase que somente a atividades manuais,

que funcionam mais como terapia ocupacional que propriamente como fonte de

subsistência. Neste ponto, é preciso lembrar que a mulher conquistou o mercado

masculino, podendo e devendo ser preparada para uma competição igualitária dentro

do mundo.

Outro fator que merece um tratamento diferenciado é o da relação da presa com a

família. Nossa experiência nos faz sentir que os laços paternais do preso ficam

diminuídos, durante o cárcere, mas o da presa, nunca. Como não há uma pesquisa

confiável sobre a presa do Espírito Santo, vejam-se os dados de uma pesquisa

realizada na Penitenciária Feminina de São Paulo, Capital45, onde 82,87% das presas

declararam ter filhos46, que normalmente são criados por seus familiares, amigos e até

por vizinhos.

O sofrimento pela distância da mãe com seu filho é notório, real e profundo. Daí a

necessidade de programas de proteção e amparo a essas crianças, sem falar em

programas de manutenção e reforço destes laços afetivos, pois o distanciamento entre

a figura materna e o filho recai não só sobre ela, como também, com muita ênfase,

sobre as próprias crianças, condenadas indiretas pelos erros das genitoras. Assim, o

Estado do Espírito Santo deveria construir mais unidades prisionais para mulheres, e

não só uma grande em Cariacica e outras improvisações em Colatina e Cachoeiro,

pois seria muito importante para a presa e para seus filhos que o contato entre eles

fossem facilitado ao máximo, o que de fato não ocorre.

Um dado que chama a atenção, nos presídios femininos capixabas é o elevado

número de relações homossexuais, muito maior que nos presídios masculinos. Isso

pode dever-se a uma maior fragilidade da criação feminina, o que leva a maiores níveis

de carência de afetividade. Esse dado deve ser objeto de conhecimento e de

capacitação dos servidores que atuam nessas unidades, para que não passem a

discriminar as internas por esse tipo de comportamento.

Outro fator muito preocupante nas unidades femininas é a questão da gravidez,

gestação e parto durante o cumprimento da pena. É deprimente ver, no Presídio

Feminino do Estado do Espírito Santo (Tucum), o que a administração chama de

berçário: nada mais do que uma ala gradeada, com três quartos, cozinha e área

45 O maior presídio de mulheres do país. 46 Desse total, 39,22% afirmaram ter um ou dois filhos, enquanto 30,93% assinalaram ser mães de três ou quatro filhos.

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independente para o banho de sol. No local, onde caberiam cerca de 5 (cinco) mães e

bebês, não é incomum encontrarem-se até 15 (quinze) crianças, que, infelizmente,

nasceram encarceradas e assim viverão até a traumática separação de sua mãe. Uma

política pública sensível às mazelas do cárcere teria que investir no acompanhamento

dessas crianças, para que possam ter uma chance remota de um desenvolvimento

psicossocial saudável.

Outra questão lacunosa na lei é o tempo mínimo de permanência da criança com a

mãe presa. Assim como em outros países, normalmente, os Estados brasileiros

permitem a permanência do bebê com a mãe somente durante o período de

amamentação, que, como se sabe, é variável entre as crianças.

Diante do exposto, surge uma dúvida: as crianças devem ser deixadas com a mãe

presa até os 18 meses de vida, como ocorre na França, ou durante 6 ou 12 meses?

Dentro da realidade capixaba, o problema se agrava diante da falta de um espaço

adequado ao número e à qualidade ambiental exigida à criação de bebês dentro da

unidade prisional feminina. Outra questão é quanto aos direitos do bebê que, em tese,

não está preso, mas fica sujeito às limitações de liberdade da mãe.

Por tudo isso, o Estado brasileiro tem que construir uma política pública que atenda a

todas estas necessidades particulares da presa e de seus filhos, pois leis já possuímos

para tais fins; porém, de nada valem, ante o descaso estatal.

A fim de situar o exposto no contexto legal, observe-se o que dispõe a Constituição

Federal/88, em seu Art. 5º:

L- às presidiárias serão asseguradas as condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.

No mesmo sentido, o ECRIAD47, em seu Art. 9º, institui:

O Poder Público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.

47 Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90.

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O mesmo se observa quanto às Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil

(Ministério da Justiça,1995), em seu Art. 7º:

São asseguradas as condições para que a presa possa permanecer com seus filhos durante a amamentação dos mesmos.

Finalmente, a Lei de Execução Penal dispõe, nos Arts. 83 - § 2º, e Art. 89,

respectivamente:

Os estabelecimentos penais destinados à mulher serão dotados de berçário, onde as condenadas possam amamentar seus filhos.

Além dos requisitos no artigo anterior, a penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor desamparado, cuja responsável esteja presa.

Temos que ter a consciência de que essas crianças não podem pagar uma pena maior

do que a separação de sua mãe, em razão de um crime cometido por esta. Assim,

urge que se crie uma política de atendimento integral desta mãe e deste menor, o qual,

pelo acaso do destino e sem culpa, já nasce atrás das grades. O que se pode esperar

dessa criança, se algo não for feito desde seus primeiros dias de vida?

5.6 A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA PARA A DIGNIDADE DO

EGRESSO

Após ter-se enfrentado aqueles que configuram as bases deste estudo, abordar-se-á,

neste momento, outro árduo e profícuo tema: a necessidade de se tratar dignamente o

egresso penitenciário, “produto” de um sistema prisional debilitado conforme

demonstrado e que, de uma hora para outra, retorna ao convívio social.

A Lei de Execução Penal, em seu Art. 26, estatui que se considera egresso o liberado

definitivo, pelo prazo de um ano a contar da saída do estabelecimento, assim como o

liberado condicional, durante o período de prova. Este último é o condenado solto, mas

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que persiste sob a custódia do Estado, não podendo ser abandonado completamente,

como normalmente acontece.

Essa problemática é enfrentada na brilhante obra de Adeildo Nunes, “A Realidade das

Prisões Brasileiras” (2005, p. 415), onde destaca que, historicamente, 34% das

pessoas que cumprem pena de prisão ou saem dela através de um livramento

condicional ou indulto, cometem outro delito no intervalo de até seis meses após a

saída. Esse dado reforça a certeza da necessidade de se enfrentar a questão e

também a certeza da necessidade de se buscarem alternativas para propiciar ao

egresso as mínimas condições para a sua reestruturação como ser humano no âmbito

pessoal, familiar, profissional e social extramuros, a fim de que a liberdade não seja

uma palavra vazia de significado.

Após ter-se detectado a realidade das prisões capixabas, que, como já foi dito, refletem

a realidade brasileira, não é difícil perceber que as condições em que os egressos

saem do cárcere é a pior possível. Eles externam o resultado da falta de investimentos

no homem recluso ocioso, improdutivo e sem amparo psicossocial durante todo o

período de sua pena.

É possível imaginar o que passa na cabeça de um egresso quando, após anos de

isolamento e tratamento quase sempre indigno, se vê prestes a sair da prisão sem

qualquer tipo de preparo ou planejamento prévio e, ainda, com a expectativa de ter que

reorganizar a sua vida. Em questão de minutos, deixa de ser preso e passa a ser um

egresso.

Muitos são colocados em liberdade sem ao menos saberem o paradeiro das famílias,

sem lugar para onde irem, sem dinheiro para passagem de ônibus ou para a

alimentação e sem emprego, e ainda necessitando lutar contra preconceitos,

discriminações, arbitrariedades e humilhações. Neste sentido, Julio Frabrini Mirabete

ensina:

[...] embora tenha o condenado alguma ou todas as condições pessoais para se reintegrar no convívio comunitário de que esteve afastado – mas com o qual pode ter tido outros meios de contatos através de visitas, correspondências, trabalho externo ou outros meios de comunicação – o egresso encontra, freqüentemente, resistência que dificultam ou impedem a sua reinserção social. Se, de um lado, a reinserção social depende principalmente do próprio delinqüente, o ajustamento ou reajustamento social fica dependente também, e muito, do grupo ao qual retorna (família, comunidade, sociedade) (2000, p. 88).

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Sobre o tema, buscou-se a contribuição teórica de Matilde Maria Gonçalves de Sá

(2004), que, após estudos realizados no sistema prisional de São Paulo chegou à

seguinte conclusão: “A pena imposta pela Lei o Egresso consegue pagar, mas aquela

a que a sociedade o condena jamais conseguirá chegar ao seu final. Ela começa

quando ele ultrapassa – livre – os portões para fora da prisão” (2004, p. ?).

Em razão desse quadro, o que se pode esperar destes indivíduos, ao saírem das

prisões? Portanto, a implantação de projetos de amparo a egressos seria um passo

importantíssimo para a reinserção social, devendo-se primar pela assistência nas

áreas de serviço social, psicologia, sociologia e direito. No país já existem serviços

dessa natureza em algumas capitais, como São Paulo e Belo Horizonte. Por sua vez,

não podem ser deixados de lado também os auxílios básicos e emergenciais, como

albergue, alimentação, vales-transporte, facilitação para a emissão de documentos etc.

Apesar de que esse assistencialismo possa receber críticas, seria essencial nesse

momento, considerando-se que a condição de egresso do sistema penitenciário é

complexa e que essa condição o coloca como se estivesse andando sobre uma linha

muito fina que separa a vida bem relacionada em sociedade da vida do crime.

Sozinho, sem ajuda, dificilmente o egresso consegue empregar-se, em primeiro lugar

pelo estigma de ser um ex-presidiário; em segundo, pela falta de qualificação para o

trabalho. Esse quadro se agrava ainda mais para aquele que ficou encarcerado por

muitos anos, pois, mesmo que tivesse qualquer habilidade laborativa antes de ser

preso, com certeza seria surpreendido pelos avanços tecnológicos em todos os setores

da vida moderna.

Buscando-se minorar tais reflexos, seria importante investir no trabalho intramuros,

criando-se incentivos fiscais à implementação de frentes de trabalhos através de

empresas privadas nos presídios, assim como elaborar-se um grande projeto de

divulgação da economia nos custos trabalhistas e previdenciários para as empresas,

caso essa mão-de-obra fosse aproveitada.

Na Grande Vitória existe um projeto de iniciativa da 5ª Vara Criminal, que, através do

seu serviço social e psicológico, firmou um convênio com o Senai no sentido de gerar

programas de apoio à capacitação do egresso, o que deveria ser ampliado para

beneficiar também o homem preso, próximo à liberdade.

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Outra iniciativa importante seria a criação de um cadastro estadual dos egressos

quanto à sua formação ou vontade para realização de determinados trabalhos, que

poderia ser acessado livremente por instituições públicas e privadas, para o

atendimento de suas demandas.

Projetos como esses são essenciais, pois, se não encontrar portas abertas, o egresso

estará fadado ao retorno à criminalidade. As dificuldades encontradas e,

principalmente, o preconceito e a estigmatização, acabam por estimular a reincidência,

tudo reforçado pela falta de iniciativas públicas que visem oportunizar capacitações e

encaminhamentos burocráticos, além de fomentar ocupação e renda. Reduzir a

produção de reincidentes com um investimento planejado de inclusão social do

egresso, implantando-se uma política de ressocialização que comece no resgate da

sua dignidade é, como já demonstrado, obter mais em segurança pública e diminuição

dos índices de violência. Sem isso, não adianta investir-se em obras, estudos ou

polícia, pois os resultados continuarão lamentáveis.

Sendo o Direito Constitucional e a dignidade da pessoa humana os pontos nodais do

presente estudo, encerra-se mais este capítulo, trazendo à colação as sábias e

experientes palavras do professor Vitor dos Santos Martins Ferreira, Juiz de Minas

Gerais, ao tratar do problema do egresso:

[...] não basta à lei garantir a reinserção do infrator ao convício social. O Estado precisa criar mais condições de viabilizar a aplicação da Lei de Execução Penal, o que se verifica insuficiente, criando um círculo vicioso: liberdade, inadaptação, nova deliquência e retorno ao cárcere (2004, p. 14).

Diante de sua inércia, o Estado arca com um custo muito maior do que se

desenvolvesse um programa-cidadão de adaptação e reabsorção desse egresso no

seio de uma sociedade formada e transformada por seres humanos – e ele deve ser

encarado como tal.

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6 UM ESTUDO DE CASO: O MODELO DE TERCEIRIZAÇÃO PRISIONAL DA ESPANHA, COM RESPEITO À DIGNIDADE, E A POSSIBILIDADE DE SUA ADAPTAÇÃO PARA A REALIDADE CAPIXABA

Em 18 de fevereiro de 2004, foi assinado um Protocolo de Intenções entre o Estado do

Espírito Santo e a Empresa Investimentos Portibéria SL48, com vistas à realização de

estudos e à implementação de ações na modalidade de parceria pública-privada, com

o objetivo de se tratar de questões relacionadas aos projetos e captação de recursos a

serem aplicados na construção de unidades prisionais em nosso Estado, o que

infelizmente não prosperou.

Devido a esse Protocolo de Intenções, recebemos um convite e tivemos a

oportunidade de participar de uma viagem oficial, representando o Poder Judiciário de

nosso Estado a Portugal e Espanha, no período de 07 a 14 de março de 2004, a fim de

conhecermos a construção, funcionamento e gestão de Centros de Internação de

menores e estabelecimentos prisionais para maiores, todos terceirizados.

Até 2004, somente esse grupo empresarial já tinha construído 11 (onze) Centros

Penitenciários na Espanha e um na Argentina,49 além de sete centros de internamento

de menores na Andaluzia, também na Espanha, todos com muito sucesso e elogios

por parte de toda a sociedade.

Os presídios, nos moldes descritos abaixo, começaram a ser construídos a partir de

1986, sendo que, em 1990, a Espanha recebeu verba da Comunidade Européia para

tal fim. Esse fato possibilitou-lhe ter hoje uma imensa sobra de vagas no sistema, o

que atende a todos os fins da pena, e não somente a retribuição pelo crime que o

sujeito eventualmente tenha cometido.

Dentre os Centros acima referidos, chama a atenção o Centro de Internação de

Menores de Marchellina, em Algeciras no sul da Espanha, que prima por uma política

de recuperação e reintegração do menor infrator ao convívio social. Apesar da rigidez

quanto à segurança, em alguns pontos, é surpreendente a desnecessidade de guardas

ou pessoas armadas dentro e fora do estabelecimento, em razão do moderno e eficaz

48 Tal Protocolo foi publicado no DIO do dia 01/03/04, fls. 14. 49 Trata-se do Centro Penitenciário Marcos Paz.

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sistema de segurança da construção, assim como pelo know-how de gestão

demonstrado pelo grupo.

O estabelecimento contava com três módulos já em funcionamento, sendo que outro

estava em fase final de construção. O Centro podia abrigar até 120 menores e possuía,

em seu quadro, um funcionário para cada cinco internos, realidade esta muito distante

da encontrada na UNIS50 e na UNIP51 de nosso Estado.

Nessa unidade privada, destaca-se a qualidade, o capricho e a preocupação com a

segurança da construção, sendo percebidos alguns itens interessantes e práticos,

como os descritos a seguir:

1 - Todas as paredes e peças das obras são pré-moldadas, fabricadas no próprio

canteiro de obras. Existe um rigoroso sistema de controle de qualidade realizado pelo

engenheiro responsável e por uma segunda empresa contratada para esse fim, sendo

que as peças não aprovadas são imediatamente descartadas. Assim, essa segunda

empresa, independentemente de não ser a responsável pela construção, passa a ser

igualmente responsável por danos causados pelo eventual emprego de material de má

qualidade na construção, o que força uma inspeção isenta, comprometida e eficiente

nos canteiros de obras das novas unidades.

2 - Todos os sanitários, pias, chuveiros e torneiras são de material metálico, fabricados

especialmente para aquele fim, visando proporcionar maior dificuldade para a

depredação, além de praticamente impossibilitar que sejam utilizados como

esconderijos para drogas e armas pelos menores.

3 - O sistema de luminárias das celas foi desenvolvido pelo próprio grupo, fixadas nos

cantos das paredes, com sensores de movimento. Desse modo, caso o menor não

esteja na cama, a luz estará automaticamente acesa, o que facilita o controle noturno.

Outro fator interessante neste item é o fato de que toda a manutenção da cela, em

eventuais problemas hidráulicos, e até mesmo a troca de uma simples lâmpada são

feitos em suas partes externas, sendo este mais um fator de segurança.

4 - As grades não são tubulares, mas sim retangulares, de forma a não pesar ainda

mais visualmente o ambiente do menor internado. Destaque-se, ainda, que a empresa

utiliza um sistema de barras de ferro de livre rotação dentro daquelas retangulares, o

que é um interessante aparato, pois impossibilita qualquer sucesso numa eventual

50 Unidade de Internação de Menores Infratores com julgamento definitivo, em Cariacica. 51 Unidade de Internação de Menores Infratores Provisórios, localizado em Cariacica.

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tentativa de uso de serras. Ao iniciar a serrar a barra retangular oca, dentro dela

encontrará uma barra tubular maciça que é livre, ou seja, gira, impossibilitando a

fixação da serra e, conseqüentemente leva ao insucesso desta tentativa.

5 - Todas as celas são controladas eletronicamente por uma central que é o cérebro

do módulo, possuindo ainda uma tranca simples, que pode ser utilizada com uma

chave padrão em caso de necessidade. Toda a unidade é protegida por circuito

interno de vídeo.

6 - O Centro de Menores possui módulos totalmente independentes, o que significa

que funcionam várias unidades independentes dentro de uma maior. Cada módulo

possui uma quadra poliesportiva, e, no Centro, há ainda uma piscina utilizada de forma

alternada pelos internos de cada módulo. Tal forma de separação física possibilita

também a separação dos menores de acordo com o seu perfil psicológico, avaliado por

uma comissão multidisciplinar que dá suporte àquela unidade.

7 - Cada grupo de menores é acompanhado em suas atividades por um supervisor de

segurança (desarmado) e dois técnicos - um educador e um especialista na atividade a

ser desenvolvida. Prima-se pela ocupação em tempo integral do menor, ou seja, pela

ocupação mental e física como forma de estabilização da normal agitação da

adolescência, o que os deixa mais calmos e possibilita uma recuperação integral. Os

menores seguem um rigoroso sistema de participação das atividades do Centro. Têm

horas determinadas para refeições, banhos, atividades físicas e recreativas, além de

participação em oficinas de formação profissional.

8 - Apesar de não possuir muralha, o Centro possui gradeamento duplo com telas de

arame. Entre essas telas existe um espaço de segurança com sensores de pressão e

de movimento. Em caso de tentativa de fuga, o menor teria que pular ou cortar duas

telas grossas, e automaticamente uma sirene soaria. Na parte superior das telas são

utilizados arames farpados, como mais um aparato fixo de segurança.

9 - Por fim, vale destacar ainda a qualificação dos funcionários que atuam diretamente

com os menores infratores, todos com nível superior e devidamente treinados para tal

mister.

Com relação ao tratamento privado espanhol para maiores, destaca-se o Centro

Penitenciário de Algeciras, localizado no sul da Espanha, próximo ao estreito de

Gibraltar.

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Trata-se de um imenso presídio, que ocupa uma área de 15.000 m², com capacidade

para 2000 (dois mil) internos. No momento de nossa visita, contava com 1400 (mil e

quatrocentos) presos, que dispunham de uma cozinha industrial completa, ginásio de

musculação e ginástica, lavanderia industrial, mesas e cadeiras, oficinas de aulas e

computadores da administração e das salas.

O projeto arquitetônico chama a atenção, pois parece tratar-se de vários presídios

independentes. A qualidade, a beleza, a conservação, a limpeza e o paisagismo da

obra também se destacam, pois não são encontrados nem nos presídios públicos da

própria Espanha. A obra foi concluída em 30 (trinta) meses e já está em funcionamento

há aproximadamente seis anos, sem nenhum registro de rebelião de grande porte, com

o surpreendente registro de nenhuma fuga. Suas celas são individuais, com 10 m²

cada.

É também interessante o fato de uma obra como essa poder comportar presos de

perfis completamente diferentes, por manter a mesma proposta do Centro de Menores,

ou seja, ser formado por módulos totalmente independentes. Nele estão detidos presos

de baixa, média e alta periculosidade, inclusive uma ala destinada a terroristas do

ETA52. Além disso, existe um local adequado para mulheres condenadas, e tudo

transcorre com a maior tranqüilidade, sem riscos para qualquer das categorias de

presos mencionadas.

Na parte estrutural de segurança, destaca-se o monitoramento por circuito interno de

vídeo em todo o presídio. Dessa forma, tem-se o controle dos presos e dos

funcionários 24 horas por dia. Sem sombra de dúvidas, esse tipo de investimento

traria grandes benefícios para nosso sistema, onde tudo entra nos presídios, desde

armas até drogas e celulares. Esta seria uma estratégia inicialmente custosa, porém

com um resultado positivo incalculável para o Estado.

Nesse modelo, não existem guardas em guaritas na muralha, e todo o presídio é

vigiado e controlado por uma grande torre central, onde os funcionários da vigilância

que lá atuam têm uma visão geral de tudo e todos. De lá, eles podem trancar ou abrir

as portas das celas, dos corredores, dos módulos e das salas, assim como de todo o

acesso ao presídio, com suas infindáveis barreiras de proteção.

52 Euskadi Ta Askatasuna que em português significa "Pátria Basca e Liberdade". O grupo armado ETA foi fundado em 1959 por dissidentes do Partido Nacionalista Basco (PNB). Tinha como objetivo lutar pela autonomia da região basca na Espanha e contra o regime do ditador Francisco Franco.

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O quadro de funcionários atinge o número de 400 (quatrocentos) para a parte de

funcionamento de todo o complexo, em todos os setores, que vão da cozinha à

segurança, e outros 100 (cem) na parte administrativa, totalizando um quadro de 500

(quinhentos) servidores, obviamente divididos em turnos. Existe no quadro a figura do

Diretor e mais 5 (cinco) Subdiretores, todos com curso superior, que são os

responsáveis pelos seguintes departamentos: econômico, médico, de segurança, de

avaliação psicológica e disciplinar e de manutenção.

Visando manter ainda mais a segurança, toda a parte de manutenção das partes

hidráulica e elétrica e das trancas pode ser feita através de um espaço interno da obra,

por trás das paredes das celas.

O sistema de segurança é aparentemente perfeito, o que vem sendo provado pela

inexistência de fugas durante os quatro anos de seu funcionamento. Tanto as câmeras

quanto as barreiras físicas estáticas e dinâmicas, com telas, arames, vigilância,

sensores de peso, movimento etc, mostram que, somente diante da negligência

combinada de muitos funcionários que atuam nos diversos setores, é que um preso

poderia fugir. Porém, o sistema de câmeras além de servir para o monitoramento dos

internos, evita a ocorrência de falhas por parte dos próprios servidores. Não há

bloqueadores de celulares naquele presídio e em nenhum outro do grupo, por um

simples motivo: os celulares não entram.

Mesmo os funcionários só conseguem sair do presídio após serem identificados num

scanner de mão – com suas impressões digitais -, e ainda depois de digitarem uma

senha particular; caso contrário, as portas não se abrem. As portas eletrônicas das

vias de acesso ao presídio são devidamente sincronizadas, ou seja, uma porta

somente se abre com o devido trancamento da que foi aberta anteriormente.

Os internos só recebem visitas uma vez por semana, pelo período de 40 (quarenta)

minutos, aos sábados ou domingos, ao contrário do que acontece nos presídios

capixabas, onde as visitas passam o dia inteiro na unidade. Lá, todas as visitas são

devidamente agendadas, não havendo contato físico entre o preso e elas, que só o

verão através de um parlatório. Até quatro pessoas da família podem visitá-lo e, uma

vez por mês, o preso de bom comportamento conquista o direito de encontrar-se com a

família em uma sala com monitoramento. A visita íntima não é regra, mas sim

exceção, autorizada como prêmio para aqueles de excelente comportamento, uma vez

por mês, por hora e meia. Aqui, as visitas íntimas viraram regra, pois, como o Estado

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não tem como controlar os presos e sabe que, se eles quiserem, poderão acabar com

o sistema, cede a tudo. Assim, indiscriminadamente, todos os presos, com mau ou

bom comportamento, possuem essa regalia, pois tal visitação não está prevista na

LEP.

No Centro espanhol, o interno só pode ter consigo, no máximo, 60 (sessenta) euros

por semana para gastos nas áreas de vendas do presídio. Tal dinheiro pode ser trazido

pela família ou adquirido pelo trabalho interno do mesmo (limpeza, enfermaria,

lavanderia, barbearia, cozinha etc.), que é remunerado. Se houver valores superiores

a este, será devidamente depositado em uma poupança que será resgatada quando o

interno for libertado. Isso evita o desequilíbrio financeiro entre os internos, o que,

conseqüentemente, traria corrupção e comando interno.

Todos os presos recebem um kit de higiene, inclusive com preservativos, para as

visitas íntimas. Roupas de cama e banho são fornecidas pelo presídio. Os presos não

usam uniformes, para que o cárcere não seja visualmente ainda mais cruel. Caso um

preso não possua roupas, estas também são fornecidas pela Direção.

A cozinha central do presídio fornece uma alimentação muito simples, mas de alta

qualidade, sendo que o menu não se repete na semana. Todos os dias, antes de se

servir a alimentação, amostras são provadas pelo médico do presídio, que guarda uma

delas como contraprova por uma semana. Os cardápios são devidamente adequados

a eventuais problemas de saúde, havendo, inclusive, cardápios diferentes para os

vegetarianos e para os seguidores de determinadas religiões, como é o caso dos

muçulmanos.

O presídio é uma verdadeira “cidade autônoma”, com padaria, lavanderia, tratamento

de água e esgoto, cozinha, pronto-atendimento médico com suporte para a vida,

ginásio poliesportivo, piscina, mini-academia de ginástica em cada módulo e quadras

de squash. Os presos estão tão controlados que, com freqüência, são realizadas

competições esportivas entre internos dos módulos mais calmos com times de

estudantes da cidade de Algeciras, sendo este um importante instrumento de

ressocialização.

Ainda fazendo parte da estrutura do presídio, existem várias salas de aula, inclusive

uma equipada para o ensino de informática, oficinas de arte, uma barbearia e um

auditório com cine-teatro, com a exibição de um filme por semana, sendo que acontece

um rodízio dos internos, para que todos possam ter acesso a essa diversão.

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As refeições e os esportes são feitos também no próprio módulo. Apesar da

existência de um centro de atendimento médico, foi criada uma figura similar ao

conhecido “médico de família”, pois os presos são visitados semanalmente por um

profissional de saúde nas celas. Com respeito ao atendimento odontológico, os

internos podem ir ao dentista uma vez por semana.

Apesar de toda essa estrutura, que inevitavelmente chama a atenção, para os

europeus o mais importante para que o trabalho dê certo são dois itens: a

gestão/administração e a classificação dos internos.

Resta claro que não adianta ter uma excelente estrutura física, se os presos não forem

corretamente separados em razão do perfil psico criminológico. Assim, o protocolo

inicial da chegada do detento ao presídio é o seguinte: ele passa de três a cinco dias

separado, sob avaliação por uma equipe multidisciplinar, que, ao final do período, o

classificará e determinará para qual módulo ele deverá ser encaminhado. Toda

semana essa equipe se reúne para a avaliação do comportamento dos internos, os

quais podem ser reclassificados e trocados de módulo, caso seja observada uma

mudança em seu perfil, por exemplo, se é violento ou pacífico, calmo ou agitado,

depressivo ou equilibrado, buscando propiciar o tratamento mais adequado para o

crescimento de cada grupo.

Assim, com perfis bem definidos, cada um dos módulos pode receber uma gestão

completamente diferente dos demais. Aqueles que recebem os presos de baixa

periculosidade aplicam um regime menos rigoroso e com maior oferecimento de

oportunidades de ressocialização, enquanto aquele que recebe os presos de altíssima

periculosidade - no caso, presos do grupo terrorista ETA -, aplicam um regime

disciplinar diferenciado, com grande rigor nos protocolos de segurança e com menos

ofertas de atividades.

Neste ponto, é importante frisar algo essencial em todos os estabelecimentos visitados:

a filosofia da ocupação do tempo integral do preso, buscando-se ocupá-lo física e

mentalmente, acabando com a mazela do ócio, o grande inimigo da tranqüilidade dos

estabelecimentos prisionais.

Os presídios construídos por esse grupo empresarial apresentavam um impressionante

know-how de construção, primando até pelos pequenos detalhes, como um controle de

qualidade duplo, primeiro pela própria empresa e em seguida por outra contratada

exclusivamente para este fim, conforme já foi dito. Esse duplo controle faz a diferença

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na qualidade final e, acima de tudo, na qualidade da gestão dos sistemas prisionais,

com protocolos simples, objetivos e dinâmicos, que trazem uma grande segurança a

todos os estabelecimentos. Hoje em dia, os presídios capixabas são mal construídos e

pessimamente reformados, com obras sem qualquer qualidade, mas que são aceitos

pelo Estado.

Nos presídios visitados, o controle dos presos se dá até pela certeza que todos eles

têm de que não conseguirão fugir em hipótese alguma, tendo consciência plena de que

qualquer tentativa seria frustrada, só levando à reclassificação do perfil do interno, que

seria imediatamente transferido para um módulo com tratamento mais rigoroso.

Concluindo, esse é um modelo tido mundialmente como o ideal, comprovado pelo

baixíssimo índice de reincidência dos presos que passaram por esse tipo de

estabelecimento: 20%, na Espanha, contra os 80%, no Brasil.

Porém, é evidente a necessidade de adequação do modelo citado a nossa realidade

orçamentária, o que pode ser feito, desde que preservado o conceito de aparatos de

segurança e gestão da proposta. Buscando-se entender o caminho que os europeus

percorreram, segue-se uma descrição da evolução do sistema prisional espanhol e a

conseqüente constatação de que tudo isso não aconteceu de uma hora para outra.

No início da década de 70, nos anos de 1972 e 1973, todos os presídios espanhóis

passavam por uma crise de qualidade parecida com a que vivemos atualmente em

nosso país. Até 1977, a Espanha ainda não possuía um quadro técnico preparado

com o mínimo de conhecimento nem mesmo para o trabalho interno nos presídios. Em

1979, com a edição da Lei de Execuções Penais daquele país, é que tudo começou a

ser repensado de forma profissional, começando-se uma verdadeira revolução nessa

área.

Conforme relatado, vê-se que o modelo espanhol não é propriamente de privatização,

mas de parceria pública-privada (PPP), que, nos últimos anos, tem experimentado uma

evolução constante, com uma tendência favorável de uma maior incorporação de

novos agentes de natureza auxiliar no sistema. Tal modelo, ao contrário do americano,

que prima somente pelo encarceramento seguro, busca metas de reeducação e

reinserção social adequadas ao espírito da Constituição daquele país, que, no seu Art.

25.2, estatui:

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As penas privativas de liberdade e as medidas de segurança estarão orientadas para a reeducação e reinserção social, e não poderão consistir em trabalhos forçados. O condenado a pena de prisão que estiver cumprindo a mesma, gozará dos direitos fundamentais deste capítulo, com exceção para os que estejam com direitos expressamente limitados pela sentença condenatória, pelo sentido da pena e pela lei de execução penal. Em todo caso, terá direito a um trabalho remunerado e aos benefícios correspondentes da seguridade social, assim como ao acesso a cultura e ao desenvolvimento integral de sua personalidade (Tradução livre).53

No mesmo sentido, a “Ley Orgánica General Penitenciaria 1/1979”, em seus artigos 1 e

59, dispõe:

Artigo 1 – As instituições penitenciárias reguladas na presente lei tem como fim primordial a reeducação e a reinserção social dos sentenciados a penas e medidas penais privativas de liberdade, assim como a detenção e custódia de detentos, presos e apenados. Igualmente terão à disposição uma equipe assistencial e de ajuda para internos e egressos.54 (Tradução livre)

Artigo 59 – O tratamento penitenciário consiste no conjunto de atividades diretamente dirigidas ao alcance da reeducação e reinserção social dos apenados55. (Tradução livre)

Com base na Constituição e na lei de execução penal espanhola é que foram

elaboradas outras portarias, circulares e ordens ministeriais, no sentido de se buscar

um sistema efetivo para a reeducação do infrator.

As empresas privadas que trabalham na área prisional se associaram à participação da

sociedade para liberar o Governo dos encargos do setor e, assim, conseguiram

construir inclusive formas de extensão do contato do interno privado de liberdade com

o mundo social e laborativo, tudo trazido para dentro dos presídios.

A preocupação da sociedade com a vida intramuros fica externada na legislação

complementar sobre a execução penal. O Decreto Real 190/96 deixou claro, em seu

53 Las penas privativas de libertad y las medidas de seguridad estarán orientadas hacia la reeducación y reinserción social y no podrán consistir en trabajos forzados. El condenado a pena de prisión que estuviere cumpliendo la misma gozará de los derechos fundamentales de este Capítulo, a excepción de los que se vean expresamente limitados por el contenido del fallo condenatorio, el sentido de la pena y la ley penitenciaria. En todo caso, tendrá derecho a un trabajo remunerado y a los beneficios correspondientes de la Seguridad Social, así como al acceso a la cultura y al desarrollo integral de su personalidad. 54 Artículo 1 – Las instituciones penitenciarias reguladas en la presente Ley tienen como fin primordial la reeducación y la reinserción social de los sentenciados a penas y medidas penales privativas de libertad, así como la retención y custódia de detenidos, presos y penados. Igualmente tienen a su cargo una labor asistencial y de ayuda para internos y liberados. 55 Artículo 59 – El tratamiento penitenciario consiste en el conjunto de actividades directamente dirigidas a la consecución de la reeducación y reinserción social de los apenados

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texto sobre A necessária abertura das prisões para a sociedade 56, que busca

cumprir o que determinam as Regras de Tóquio, de dezembro de 1990, sobre a qual já

se falou anteriormente.

Esses regulamentos não só contém um variado elenco de formas de contatos do preso

com o mundo exterior, como também favorecem definitivamente a colaboração de

entidades públicas e privadas dedicadas à assistência dos reclusos. Criaram-se,

inclusive, Condecorações Penitenciárias, como a valorizada e reconhecida Medalha do

Mérito Social Penitenciário, concedida às instituições, corporações, fundações,

associações e empresas, públicas ou privadas que tenham contribuído com a

Administração penitenciária, em qualquer de suas atividades. Tal iniciativa estimula,

valoriza e dá visão às pessoas envolvidas com a causa, tendo demonstrado um

resultado muito positivo.

Os espanhóis adotam várias modalidades de terceirização, seja de forma coadjuvante

com a administração pública, fornecendo meios materiais para a execução dos

trabalhos, seja com a administração penitenciária, em construções próprias. Três

presídios espanhóis visitados adotaram este último modelo, sendo que a empresa

contratada atuou na construção das unidades, no planejamento do trabalho, na

administração geral dos serviços internos - como lavanderia e cozinha - e na formação

de frentes de trabalho, ou seja, trabalho terapêutico, já que o desenvolvimento dos

internos é acompanhado por psicólogos e assistentes sociais, com o amparo à saúde e

opções de cultura e lazer.

Para garantir a manutenção da qualidade dos serviços terceirizados, a Espanha editou

vários decretos, lá denominados de Reales Decretos Legislativos, através dos quais

traçou regras mínimas, porém rígidas, sobre a forma de construção dos

estabelecimentos penais privados, infraestrutura, equipamentos penitenciários exigidos

em cada unidade, locais de construção, estudos geotécnicos e outros.

Vê-se que isso é o contrário do que acontece no Brasil, onde não há nem mesmo

estudos sobre as necessidades e particularidades de um projeto arquitetônico de um

presídio. Infelizmente, isso leva a construções nos parâmetros de residências, o que

traz tremenda fragilidade às obras, que são facilmente depredadas, gerando maiores

gastos para o Governo.

56 La necesaria apertura de las prisiones a la sociedad.

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Outra preocupação naquelas unidades prisionais é com o trabalho dos presos. Nas

privadas, só não trabalha quem não quer. Tal atividade está expressamente prevista

na Sección IV, Artículo 138 del Reglamento Penitenciário de la Dirección General de

Instituciones Penitenciarias57, que autoriza as empresas privadas a fornecerem e

cobrarem o trabalho de forma tripla:

a) há a gestão própria, com risco e sucesso para a empresa, que se incumbe de

vender os produtos produzidos no mercado, ou seja, a empresa assume a

compra e revende, assumindo o lucro ou o prejuízo, mantendo intacta a

remuneração dos presos trabalhadores;

b) a empresa privada gestora é autorizada a contratar outras empresas externas,

que assumem o lucro e o risco da produção da unidade prisional;

c) a gestão pela empresa privada dos serviços de cozinha, panificação,

cooperativas para vendas de produtos dentro da unidade a preços módicos para

os internos, oficinas de manutenção interna e oficinas de produção para o

mercado externo.

Esta última fórmula é a mais usada, por ser identificada como de menor risco para a

empresa gestora, como também por ser a que abre mais portas para a absorção da

mão-de-obra dos presos.

Como já foi ressaltado, o Governo Espanhol se preocupou em editar várias normas de

proteção a esse tipo de trabalho, atentando inclusive para as normas internacionais de

proteção ao trabalho58, que é o que falta na legislação brasileira. Tais regras

estabelecem responsabilidades e garantias ao Estado com relação ao

acompanhamento, fiscalização e controle direto do trabalho dentro dos presídios

privados, para evitar a ocorrência de exploração ou o não fornecimento do aparato de

segurança necessário à prevenção de acidentes. Dessa forma, o trabalho produtivo,

proporcionado pela empresa gestora ou por outras empresas por ela contratadas, é

muito grande nas unidades espanholas, visando ao mercado externo.

Vale lembrar que a Administração Pública mantém agentes públicos nos principais

cargos que devem realizar ações diretamente ligadas à execução penal, como o

57 Informe General 1998. Madrid, 2000, p. 153; clasificación también recogida em Organismo Autônomo de Tragajo y Prestaciones Penitenciarias (Ministério del Interior): Plan de Actuación para el año 2000. Madrid, 2000, p. 21. 58 Reglas 73.1 de Genebra y 74.1 de Estrasburgo, citadas por GARCÍA VALDES. (REFERÊNCIA?)

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diretor, sua equipe e o chefe de segurança. Esses agentes públicos acompanham

diariamente as ações da empresa contratada.

Essa competência para a construção, aparelhamento, administração e controle de um

modelo que atenda ao que determina a lei e seus objetivos são, portanto, uma tarefa

compartilhada entre o Estado e a empresa contratada. A empresa tem liberdade para

decidir sobre as questões técnicas da obra, as questões econômicas – afinal, é esse

seu objetivo -, e as questões de mercado, para que os presos possam produzir com a

segurança da venda. Ao Estado cabe fiscalizar internamente o cumprimento das

normas penitenciárias.

Assim, um dos itens que as empresas que atuam no setor penitenciário observam é o

local da construção, pois é necessário que haja espaço disponível para as frentes de

trabalho, vias de escoamento da produção etc. Tudo isso não fica a cargo da

liberalidade e do bom senso da empresa contratada, pois está previsto e determinado

na legislação penitenciária.

As parcerias são uma regra em todas as unidades privadas visitadas, principalmente

entre as empresas gestoras e a comunidade, para o provimento de orientação

religiosa, terapias e questões humanitárias, pois acreditam que, assim, conseguirão

trabalhar melhor as frustrações, ansiedades, depressões e outras questões emocionais

negativas dos internos, mantendo-os mais próximos de pessoas que estão extramuros,

no mundo para onde um dia irão retornar. Nessas funções são feitas parcerias com

ONGs e com os próprios municípios onde as unidades prisionais estão instaladas.

O Poder Público Nacional, além de fiscalizar, também proporciona ações de combate

e recuperação de drogacionados, através dos Ministérios do Trabalho e de Assuntos

Sociais, exemplo que não vemos no sistema brasileiro. Aqui o Ministério da Justiça e

as Secretarias Estaduais de Justiça são os órgãos governamentais responsáveis pelas

questões prisionais e não se consegue entender por que não interagem com o

Ministério da Saúde e com as Secretarias de Estado da Saúde, respectivamente.

O Estado brasileiro ainda não acordou para a necessidade de integração de seus

órgãos de forma multidisciplinar para o enfrentamento mais eficaz e humano dos

problemas do cárcere, que, afinal, atinge todas as áreas. Como exemplo, cite-se que,

em nossa Capital, Vitória, 60% (sessenta por cento) dos leitos hospitalares estão

ocupados com vítimas de violência e, como já disse, atualmente o sistema prisional

capixaba retro-alimenta a criminalidade. Já na Espanha, um dos mais desenvolvidos

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do continente europeu, a participação privada não se limita a poucas atividades na vida

prisional, mas na sua totalidade, pois, afinal, tem se mostrado eficiente.

Ao que parece, caso o Estado brasileiro não queira assumir o modelo dos presídios

terceirizados, terá que construir uma estrutura quase privada , que apresente a

agilidade, estrutura e funcionamento tipicamente empresarial. E isso porque o ente

público, até na Espanha, e muito mais no Brasil, não sabe gerir e administrar os

recursos necessários à manutenção e construção de presídios, de forma a cumprir as

determinações constitucionais e ideológicas sobre a pena privativa de liberdade.

Alguns críticos às políticas de privatização ou terceirização prisional dizem que agentes

não estatais não podem usar a força de coerção que um agente estatal poderia dentro

de um presídio, com o fim de manter a ordem e a disciplina, por exemplo. Assim, sob

esse prisma, defender que essa atividade deva permanecer nas mãos de autoridades

do governo, seria dizer que os governos não podem delegar poderes legítimos, típicos

da função estatal, a nenhum terceiro. Entretanto, se assim fosse, não se poderia, por

exemplo, permitir que o Governo do Estado do Espírito Santo contratasse firmas de

segurança privada para fazer o patrulhamento ostensivo e armado nos terminais de

ônibus da Grande Vitória, como foi feito após uma sucessão de queimas de ônibus

ocorrida no ano de 2005, por determinação de internos do sistema prisional.

Para o Estado poderia ser até mais interessante economicamente a contratação

terceirizada, pois não gastaria com serviço público, não teria as dificuldades e

burocracias exigidas pelo direito do trabalho para a exoneração do mau funcionário e,

finalmente, contaria com uma maior eficácia dos serviços. Além disso, esse gasto não

seria contabilizado como “contratação de pessoal”, já que o Estado tem limitações que

a lei de responsabilidade fiscal59 impõe para o setor.

Por sua vez, no modelo espanhol, as empresas não tentam assumir a função estatal,

como algumas empresas de segurança brasileiras o fazem, usando, inclusive,

uniformes quase idênticos aos da polícia, para passarem uma ilusão de autoridade

legítima, ou seja, essas empresas vendem uma pseudo-oficialidade. Lá, os presos não

são tratados de internos, mas sim de residentes, ao mesmo tempo em que os

guardas são chamados de supervisores de residentes , supervisionados por técnicos

59 A Lei Complementar número 101, de 04 de maio de 2000, intitulada Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, mediante ações em que se previnam riscos e corrijam desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, destacando-se o planejamento, o controle, a transparência e a responsabilização como premissas básicas.

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de segurança da empresa e, como já dito, acompanhados por um chefe de segurança

do Estado.

A nosso ver, a qualidade da vida dentro de um presídio e seus resultados positivos são

mais importantes que meros símbolos, nomenclaturas ou uniformes oficiais. Prova

disso são os depoimentos de alguns presos espanhóis. Tivemos a oportunidade de

conversar com alguns presos na Espanha e pudemos constatar que eles encaram

aqueles presídios como provavelmente os presos brasileiros o fariam. Eles são

indiferentes ao simbolismo da presença de um agente do Estado ou da empresa

privada na segurança, mas se interessam, e muito, por sua formação e pela qualidade

dos serviços prestados por essas pessoas.

Ademais, os servidores estatais e os internos sabem que, caso um serventuário aceite

um suborno, terá que passar por um procedimento de exclusão longo e quase nunca

efetivo. Por outro lado, as duas partes sabem que a empresa privada pode e irá

facilmente demitir aquele que facilitar algum benefício ilegal para qualquer interno e

que, por conseqüência, trouxer algum risco para a obra que ela construiu e terá que

recuperar, em caso de depredação.

Qual o problema então? Nenhum, pois os espanhóis encaram o emprego público como

meramente um método de transmitir ou delegar a autoridade legal, sendo a

contratação um deles.

Para aqueles que criticam as prisões privadas ou terceirizadas, é muito válida a

colocação feita pelo professor espanhol Donahue, (apud SANZ DELGADO, 2004, p.

263), que vem transcrita abaixo:

[...] Os críticos ideológicos da privatização tem razão quando assinalam que a tarefa correicional é uma tarefa pública particularmente importante e delicada: se equivocam ao concluir, à partir desta única razão, que só o governo pode executar tal tarefa. O governo é uma abstração. Os atos públicos são postos em prática por homens e mulheres que decidem, através de diferentes tipos de regras contratuais e de organização, servir a seus semelhantes. O tipo particular de vínculo denominado administração pública tem algumas propriedades práticas e simbólicas que resultam especialmente valiosas para tarefas difíceis de enfrentar através do mercado; [...] o que importa são as conseqüências éticas de cada estrutura de responsabilidade.60(Tradução livre)

60 Los críticos ideológicos de la privatización tienen razón cuando señalan que la tarea correccional es uma tarea pública particularmente importante y delicada; se equivocan al concluir, a partir de esa única razón, que solo el gobierno puede llevarla a cabo. El gobierno es uma abstracción. Los actos públicos son puestos em práctica por hombres y mujeres que acuerdam, a través de distintdos tipos de arreglos

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Por todo o exposto, ao se conhecer o modelo espanhol, que é considerado o melhor

modelo europeu da atualidade, não há razão para que o mesmo não possa ser

implementado em nosso Estado e no Brasil. Afinal, experiências parecidas, porém com

algumas particularidades, já existem em nosso país. Como já mencionado, algumas

empresas do sul do país desenvolveram protocolos de construção, gestão e tratamento

de encarcerados baseados no modelo espanhol, sendo hoje justamente os modelos

que deram certo, como o da Penitenciária Industrial de Guarapuava.

O aprofundamento da temática descortina todos os preconceitos contra a colaboração

privada na esfera estatal. Se em muitos países, assim como no Brasil, a “empresa” é

numa unidade de espécie do gênero propriedade, inegavelmente é alicerçada num

regime jurídico comprometido e vinculado essencialmente com a função social. E não

pode ser diferente com as empresas que atual no setor prisional. Como já dissemos,

cabe ao Governo fiscalizar estas atividades, de modo que garanta o avanço do respeito

à dignidade da pessoa humana submetida ao cárcere, criando mecanismos que

obriguem aos empresários a dar prioridade à dignidade da pessoa humana e não

simplesmente ao capital, nos moldes do estudo aqui apresentado como uma possível

solução para o problema.

contractuales y de organización, servir a sus semejantes. El tipo particular de vínculo denominado Administración Pública tiene algumas propiedades prácticas y simbólicas que resultan especialmente valiosas para tareas difíciles de disponer a través del mercado;...lo que importa son las consecuencias éticas de cada estructura de responsabilidad.

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7 A LEGALIZAÇÃO DA PARCERIA PÚBLICA-PRIVADA (PPP) E A EFETIVIDADE PARA UMA NOVA POLÍTICA PÚBLICA ALTERNAT IVA PARA OS PRESÍDIOS

As dificuldades de investimentos em infra-estrutura com recursos próprios em nosso

País levaram o legislador a construir um modelo que envolvesse a iniciativa privada.

Nessa direção, o Projeto de Lei número 2.546/03 tramitou no Congresso Nacional,

criando-se, assim, a Lei número 11.079/04, instituindo normas gerais para licitação e

contratação de parceria pública-privada (PPP), no âmbito da administração pública.

Esse é um convite concreto ao setor privado para que se torne sócio do

desenvolvimento econômico duradouro e consistente que todos os indicadores

prenunciam.

Nesse sentido e com essa novel legislação, passou-se a ter o amparo legal para o

incremento de construção dos presídios necessários à demanda atual de vagas por

meio de PPP´s, como acontece na Espanha. Talvez essa seja uma salvação para os

Estados que sofrem com o problema carcerário, como o Espírito Santo.

Pela leitura da aludida lei, vê-se que ela permitiu que os contratos de parceria

pudessem ser caracterizados como contratos de concessão administrativa.

Traduzindo, seria o mesmo que dizer que, nos contrato de PPP junto a setores, não se

pode cobrar tarifa do cidadão pelo serviço, mas poderá ser o parceiro privado pago

diretamente pelo Estado.

Assim, podem ser tratados como concessão projetos de PPP que visem à construção e

gestão de estabelecimentos prisionais, podendo ser uma saída interessante para a

ampliação rápida das penitenciárias e a qualificação dos serviços aí prestados.

Como já citado neste estudo, esse tipo de parceria com o fim de recuperação prisional

já é realizado com sucesso há muito tempo no Reino Unido, no Chile, na Argentina, no

Peru, na Espanha e em outros países.

Nos lugares onde foram realizadas essas experiências, houve uma visível melhoria na

qualidade e na segurança das unidades prisionais, possibilitando uma maior e mais

efetiva reintegração dos presos, comprovada pelos índices de reintegração social e

diminuição do número de fugas e da violência entre os internos, com o respeito à

dignidade humana efetivado.

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Observando-se o texto da Lei da PPP brasileira, a princípio, vê-se uma limitação da

empresa privada somente na gestão da unidade, não se permitindo também, a priori, a

guarda e a manutenção da ordem, que permaneceria a cargo do Estado. Isso é

lamentável, pois o know-how de construção, já adquiridos há mais de 20 anos nos

países europeus não poderia ser descartado. Se a preocupação fosse a invasão de

empresas estrangeiras, poder-se-ia resolver tal problema com a obrigatoriedade de

contratação de mão-de-obra brasileira, por exemplo.

Porém, nossa lei não impede que os projetos arquitetônicos sejam comprados de

uma empresa com notória experiência , e o que significa um grande avanço é a

previsão expressa de gestão privada, ficando a empresa obrigada à limpeza e higiene,

ao fornecimento de lazer, educação, saúde e criação de frentes de trabalho, além de

providências para se evitarem fugas e depredações. E isso não pára por aqui.

O Art. 6º da Lei 11.079/04 traz a forma de remuneração da empresa privada, que será

livremente acordada com o Estado, de acordo com suas possibilidades, o que a lei

chama de contraprestação. São elas:

I – ordem bancária;

II – cessão de créditos não tributários;

III – outorga de direitos em face da Administração Pública;

IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais;

V – outros meios admitidos em lei.

Mas o ponto mais feliz incluído nesse estatuto legal pelo legislador foi a previsão do

parágrafo único do artigo acima citado:

O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato.

Sem sombra de dúvidas, isso traz maior segurança ao ente estatal.

Nesse sentido, seria muito interessante contratar uma empresa com vasta experiência,

como, por exemplo, uma das várias que atuam na Espanha há muitos anos, para que

pudéssemos assimilar o que é mais importante: os protocolos criados, modificados

e melhorados neste longo tempo de atuação na área. Conhecendo-se os processos

de licitações fraudulentas, típicas do estado brasileiro, em que empresas sem

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nenhuma experiência ganham tudo pelo menor preço, correríamos o risco de criarmos

uma experiência frustrante, se executada por pessoas despreparadas.

A própria lei das PPPs ampara esse cuidado, quando estatui:

Art. 12. O certame para a contratação de parcerias públicas-privadas obedecerá ao procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e contratos administrativos e também ao seguinte:

I – o julgamento poderá ser precedido de etapa de qualificação de propostas técnicas, desclassificando-se os licitantes que não alcançarem a pontuação mínima, os quais não participarão das etapas seguintes;

II – o julgamento poderá adotar como critérios, além dos previstos nos incisos I e V do art. 15 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes:

a) menor valor da contraprestação a ser paga pela Administração Pública;

b) melhor proposta em razão da combinação do critério da alínea com o de melhor técnica , de acordo com os pesos estabelecidos no edital; (grifo nosso).

Temos, no Espírito Santo, uma experiência desse tipo de parceria no Presídio de

Segurança Média do município de Colatina , porém são altamente criticáveis as

concessões feitas pelo Governo do Estado no contrato. Neste, fixou-se um “preço

fechado” a ser pago à empresa, ou seja, definiu-se um valor per capita e multiplicou-o

pelo número de vagas, que seria, em tese, o número de presos da unidade. Porém, a

empresa demorou cerca de quatro meses para selecionar os internos que lá seriam

aceitos, o que também era objeto de cláusula contratual. Assim, é fácil perceber que o

custo do preso pago pelo Estado à empresa nos primeiros quatro meses foi exorbitante

e absurdo.

Pelos valores do contrato anunciados pela Secretaria de Estado da Justiça, no Plano

de Ações para o Ano de 2005, chega-se a um valor mensal que, dividido pelo número

aproximado de 10% de ocupação nos primeiros meses, alcançava a altíssima soma de

quase R$ 10.000,00 (dez mil reais) por preso/mês. Assim, realmente, esse tipo de

parceria é ruim para o erário público. Tudo isso foi objeto de um relatório61 por nós

elaborado e encaminhado ao Ministério Público, que nada fez.

Porém, a falha não foi dessa nova política pública, mas sim da incompetência dos

setores estatais para a elaboração e análise do contrato, o qual poderia ter previsto o

pagamento por uma das seguintes formas:

61 Segue cópia do relatório nos ANEXOS.

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a) pagamento mensal ao parceiro privado, segundo a disponibilidade de vagas e

performance na administração da unidade carcerária;

b) pagamento por presidiário, de um valor variável, para cobrir custos com

operação, manutenção e demais despesas da unidade carcerária.

Aí sim, ter-se-ia um contrato justo para ambas as partes: empresa e Estado. Este é o

grande desafio: a elaboração, a aprovação, a assinatura e o acompanhamento dos

contratos de gestão prisional, pois, se isso for bem feito, de forma muito mais célere, o

Estado do Espírito Santo talvez possa fazer cumprir a LEP, de forma a fazer com que o

preso cumpra sua pena nos moldes da aplicação pelo Poder Judiciário, nem mais nem

menos. Só assim poder-se-á sonhar com a reeducação para o retorno ao exercício

pleno da cidadania.

Isto posto, no próximo item, serão destacados os elementos que não poderiam faltar

em um contrato de terceirização prisional seguro.

7.1 O IDEAL DE UM CONTRATO DE TERCEIRIZAÇÃO PRISIONAL PARA AS GARANTIAS DE UMA POLÍTICA HUMANIZADA PARA OS PRESÍDIOS

A importância da redação e dos detalhes de um contrato eficaz e da regulamentação

para sua posterior supervisão e controle não pode ser omitida. Isso é ponto pacífico

tanto pelos partidários quanto pelos críticos desse sistema, e esse deve ser o cerne do

estudo da atividade contratual de uma política da participação privada na atividade

prisional que possua o objetivo de tratar seus internos com dignidade e sem lesar os

cofres públicos.

Como já dissemos, hoje, no Brasil e no Espírito Santo, até as mais simples e menores

iniciativas de terceirização de serviços para as unidades prisionais têm-se mostrado

muito falhos, como os serviços de fornecimento de alimentos, que geram lucros para

as empresas de catering.62

Em nosso Estado, a qualidade da alimentação fornecida é de péssima qualidade,

apesar das promessas iniciais das empresas em elaborar um cardápio balanceado por

profissionais de nutrição etc. Na verdade, o que vimos nestes anos à frente da Vara de

62 Empresas do ramo de fornecimento de provisões.

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Execuções foi uma prestação de serviço de baixa qualidade, obviamente com o

objetivo de se aumentarem os lucros. Uma refeição que é fornecida com arroz, duas

batatas cozidas e duas salsichas, conforme constatamos na inspeção realizada no mês

de março de 2006, com os Conselheiros do CNPCP, no Presídio de Segurança

Máxima de Viana, demonstra a falta de controle estatal sobre o cumprimento do

contrato, e mesmo após um relatório informando sobre o episódio, nenhum tipo de

sanção estatal foi aplicada à empresa contratada.

O que se deve buscar é um justo equilíbrio interpartes, Estado e empresa,

preservando-se a responsabilidade sobre qualquer processo de terceirização.

Os cuidados devem começar pelo processo de licitação e oferta pública da

concessão do serviço penitenciário . Definitivamente, o erro maior no Brasil e em

nosso Estado é a observância única do preço , na avaliação da empresa concorrente.

Pelo contrário, têm que ser observados fatores como a experiência do candidato ,

assim como a estabilidade financeira e a qualidade dos serviços oferecidos pelo

grupo empresarial. A própria Lei de Licitações brasileira, a Lei 8.666, e a Lei das

Parcerias Públicas-Privadas, Lei 11.079/04, garantem essas possibilidades, que nunca

são observadas, não se sabe por quê.

Assim, com base nas garantias contratuais espanholas, modelo que vem dando certo

há mais de 20 anos, com erros, acertos e correções, observem-se algumas cláusulas

que, a partir de agora, tentarão ser adaptadas aos casos nacionais. Para efeito

didático, o modelo será dividido em seções.

SEÇÃO 01 – LEGISLAÇÃO: O Estado poderá contratar entidades privadas para a

construção, arrendamento, aquisição, melhoras, direção, serviços e administração dos

estabelecimentos penais, de acordo com as previsões da Lei de Licitações e da Lei da

Parceria Pública-Privada. Nenhum contrato prosseguirá ou será renovado, a menos

que signifique uma evolução considerável dos serviços penitenciários prestados pelo

Estado, ou uma substancial economia a este, mantendo-se, ao menos, a mesma

qualidade dos serviços por ele oferecidos. Os maiores beneficiados de qualquer

contrato deverão ser os internos dos estabelecimentos prisionais e a população em

geral.

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SEÇÃO 02 – ESCOLHA DO LUGAR DA CONSTRUÇÃO: Antes de abrir a disputa para

o contrato, o Estado e a Secretaria responsável pelo sistema penitenciário deverão

localizar, aprovar e determinar o local próprio para o estabelecimento a ser construído.

A aprovação deverá basear-se nos seguintes pontos:

A) CRITÉRIOS – 1) disponibilidade de pessoal adequado e qualificado dentro do

mercado de trabalho local; 2) as possibilidades práticas da utilização do terreno,

para os propósitos do novo modelo a ser implementado; 3) espaço suficiente

para as instalações de salas de aulas, de enfermarias e tratamento de saúde

geral, de atendimento psico-social, de facilidades de acesso para transporte de

servidores, familiares e autoridades, de fornecimento e abastecimento dos

produtos de consumo da unidade, de proteção e combate a incêndios, de

manutenção da obra etc.; 4) estudo sobre os riscos naturais do local da obra,

assim como do risco de ações humanas de ataques externos à unidade; 5)

estudo sobre padrões de crescimento residencial e de crescimento projetado

futuro; 6) pesquisa de opinião junto à comunidade do local escolhido sobre a

construção do estabelecimento, assim como a realização de um trabalho de

esclarecimento e convencimento sobre os benefícios da implantação da

unidade; 7) qualquer outro critério que o Estado contratante e os municípios

onde serão realizadas as construções tenham como conveniente.

B) INFORMAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO – Deverá ser elaborado, pela equipe de

governo e do local proposto para a obra, um material de esclarecimento sobre o

projeto, evidenciando-se que tudo será realizado de acordo com as leis federais

e locais, e preocupando-se com as questões urbanísticas do terreno, com as

normas ambientais. Depois de obter a aprovação do local, um trabalho deverá

ser realizado no sentido de se divulgarem todas as garantias contratuais para o

cumprimento integral das determinações da LEP pela empresa vencedora. O

Governo deverá estar sempre aberto a sugestões da comunidade local, para

que obtenha seu apoio pleno, a fim de concretizar o projeto. Tudo isso deve ser

discutido abertamente com a comunidade e, de preferência, deve-se trabalhar

no sentido de se elaborar uma legislação municipal de aprovação de tudo o que

foi discutido, para que não haja combates políticos futuros acerca do contrato.

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SEÇÃO 3 – PRAZO PARA O TÉRMINO E A RENOVAÇÃO DO CONTRATO – O

contrato inicial para a gestão de um estabelecimento ou para a terceirização em

qualquer nível deverá ser feito por um período não superior a 3 (três) anos, com uma

opção de renovação por um período adicional de mais 2 (dois) anos, por exemplo. Os

contratos para construção, compra ou arrendamento de um estabelecimento não deve

exceder o prazo de 15 (quinze) anos. Esses fatores devem ser considerados, para a

elaboração de um contrato de curta (1 a 3 anos) ou longa duração (10 a 20 anos).

Um contrato de longa duração ofereceria aspectos mais positivos ao Estado, pois a

troca de empresa supõe, na prática, um número significativo de encargos

administrativos e financeiros. Além do que, por se tratar de um mercado ainda limitado

a pouquíssimas empresas especializadas, adequadas à prestação de serviço prisional,

tal modificação poderia ser danosa à evolução do sistema, sem se falar nos gastos que

poderiam ser acrescidos, em uma nova negociação e renovação de um contrato.

Ademais, uma maior extensão do contrato poderia ser um fator atraente para as

empresas privadas investirem mais nas instalações e instituições, o que refletiria

positivamente na execução penal.

Por último, qualquer contrato para construção ou direção de um estabelecimento

estará sujeito ao pagamento anual previsto em lei.

SEÇÃO 4 – CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO – Todos os estabelecimentos

construídos ou geridos por esse tipo de contrato devem ser desenhados, mantidos e

dirigidos de acordo com as regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil, nos

termos da Resolução 14 do CNPCP, já mencionado. Para que fosse autorizado pelos

órgãos públicos, o estabelecimento prisional deveria atender a um percentual mínimo

estipulado de condições exigidas pela Resolução do CNPCP, com exceção de

construções especiais de segurança, que exijam condições superiores, para se garantir

a máxima segurança. Resumindo, todos os estabelecimentos deverão cumprir, a todo

o momento, os requisitos constitucionais e ainda aqueles exigidos nas legislações

estaduais e municipais.

SEÇÂO 5 – MEIOS COERCITIVOS

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a) O uso da força será permitido aos funcionários das prisões privadas somente

dentro do perímetro do estabelecimento, e somente aquela proporcional e

necessária durante o deslocamento (condução) de internos ou durante tentativa

de captura, em caso de fugas;

b) a força não letal, que é aquele tipo que não causaria a morte, nem graves

lesões, assim como a força letal63, só poderão ser usadas nas seguintes

hipóteses:

• FORÇA NÃO LETAL – Um agente penitenciário de uma empresa privada

estará autorizado a usar a força letal somente quando as circunstâncias a

requeiram, nas seguintes situações: para evitar o cometimento de um

delito ou o mau comportamento, incluídas as fugas; para a sua legítima

defesa ou de terceiros, contra um ataque físico violento; para prevenir

sérios danos à propriedade; para fazer cumprir as leis e ordens legais da

administração; para prevenir ou sufocar uma rebelião iniciada, até que os

órgãos de segurança do Estado cheguem e assumam a operação.

• FORÇA LETAL (ARMAS DE FOGO) – Os agentes penitenciários da

empresa privada que tenham sido expressamente treinados e

autorizados pelos órgãos de segurança competentes, poderão portar

armas de fogo somente nas muralhas e áreas externas.

c) O agente terá o direito de portar e usar armas de fogo, e poderá exercer tal

autoridade e o uso da força letal unicamente como o último recurso e somente

para prevenir um ato que possa resultar em morte ou graves lesões ao próprio

ou a outro agente;

d) os agentes penitenciários deverão ser treinados para o uso da força física, de

armas letais e de armas não letais pelos órgãos públicos de segurança ou por

empresas por eles reconhecidas e autorizadas. O gasto com tal treinamento

correrá por conta da empresa contratada, devendo o curso ter carga horária a

ser determinada pelos agentes públicos de segurança;

e) dentro de, no máximo, 24 (vinte e quatro) horas após um incidente em que

tenha sido preciso o uso da força contra um interno ou outra pessoa dentro do

estabelecimento, seja quem for, o funcionário da empresa privada deverá

63 Meios coercitivos perigosos.

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informar o fato por escrito ao pessoal administrativo e ao monitor estatal do

contrato, descrevendo o incidente;

f) a empresa privada poderá e deverá agir como se fosse uma força estatal em

casos emergenciais de motins ou fugas, até que as forças oficiais cheguem ao

local.

SEÇÃO 6 – REQUISITOS DE TREINAMENTO PARA O PESSOAL

PENITENCIÁRIO - Todos os empregados de um estabelecimento prisional privado

devem receber, no mínimo, a mesma qualidade e quantidade de treinamento e

preparação exigida a funcionários públicos que atuam na área. Se o Governo não

possuir tal treinamento especificado, serão seguidas as normas da International

Centre for Prison Studies64, aprovadas pelo Ministério da Justiça do Brasil e já

utilizadas durante o projeto de melhoria da gestão penitenciária no Estado de São

Paulo. Em nosso Estado, tais normas até então foram adotadas somente na teoria.

SEÇÃO 7 – SUPERVISÃO – O Estado deverá nomear uma pessoa como responsável

pela supervisão de tudo o que acontecer dentro da unidade prisional privada, com toda

a atenção ao cumprimento integral das cláusulas contratuais. Esse supervisor - o

Diretor ou Supervisor de Direção - poderia nomear outros agentes públicos que

colaborem nas inspeções. Esse supervisor deverá possuir uma sala na administração

da unidade, tendo livre acesso a todas as áreas da mesma, assim como aos internos e

ao pessoal contratado pela empresa, sempre que julgar necessário. Todos os

documentos solicitados pelo Supervisor ao Administrador privado da unidade prisional

deverão ser entregues imediatamente, para que possa dar sustentação a sua

inspeção.

O supervisor deverá apresentar relatórios mensais à Secretaria de Estado responsável

pelo contrato, assim como ao Juiz da Execução Penal competente e às Comissões de

Justiça, Segurança e Direitos Humanos do Poder Legislativo estadual e do município

onde for construída a unidade. Tais relatórios deverão ser tornados públicos,

mediante os meios próprios do órgão estatal responsável pelo contrato. Os órgãos de

64 Elaborado por Andrew Coyle, publicado em 2002 pela King´s Colleg London, já reconhecido e aceito pelo Ministério da Justiça como um modelo que dá uma abordagem de Direitos Humanos à Administração Penitenciária.

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Execução terão todos os direitos de acesso previstos na LEP ao estabelecimento

prisional privado.

Como se vê, essa é uma função crucial para o sucesso de qualquer contrato privado

de administração prisional. A falta de visibilidade social do que acontece dentro de um

presídio fechado exige que o Estado crie mecanismos de controle e vigilância

permanentes. Afinal, o pagador de qualquer serviço, no caso o Estado, necessita saber

como está sendo o desempenho do serviço contratado.

Sugere-se ainda que a função contratual de Supervisão seja executada por um

conselho ou corpo fiscal e dentro de seus membros haveria obrigatoriamente o Juiz e o

Promotor da Execução Penal e o representante da OAB, para questões de Direitos

Humanos.

SEÇÃO 8 – TÉRMINO DO CONTRATO E REASSUNÇÃO DA UNIDADE PRISIONAL

PELO ESTADO – Deverá haver uma cláusula que garanta ao Estado cancelar o

contrato, por justa causa, a qualquer momento depois do primeiro ano de

funcionamento, com uma comunicação com, no mínimo, 90 (noventa) dias de

antecedência à empresa, assim como previsão de outras penalidades a ela.

SEÇÃO 9 – O QUE NÃO PODERÁ SER DELEGADO À EMPRESA CONTRATADA

a) Classificar os internos ou definir um regime mais ou menos rigoroso para o

cumprimento da pena privativa de liberdade;

b) fazer a transferência de um interno sem a autorização do Estado;

c) criar regras de comportamento para os internos cuja violação implique sanções,

exceto aquelas conhecidas e aprovadas pelo Estado;

d) conduzir isoladamente do Estado qualquer processo disciplinar contra interno,

para efeito de registro de falta grave;

e) realizar quaisquer das funções tipicamente judiciais, como a detração ou

remição de pena;

f) influenciar isoladamente, sem a aquiescência estatal, o Conselho Penitenciário

sobre a manifestação a ser emitida quando da apreciação de um pedido de

livramento condicional ou comutação de pena;

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g) realizar cálculos de penas a serem cumpridas, só podendo fazê-lo mediante a

assistência de profissional de Direito habilitado e autorizado pelo Estado para

tal;

h) obrigar o preso ao trabalho, já que, no Brasil, apesar de obrigatório, o trabalho

não pode ser forçado;

i) decidir, sem a concordância estatal, o tipo de trabalho que a empresa

contratada oferecerá aos internos, assim como definir os salários oferecidos e

pagos pela empresa aos mesmos. Tudo deverá ser acordado também com o

Estado;

SEÇÃO 10 – QUESTÕES ÉTICAS QUE DEVEM SER OBSERVADAS AO SE

FIRMAR O CONTRATO

a) As seguintes pessoas não deverão solicitar ou aceitar, direta ou indiretamente,

nenhum benefício pessoal ou promessa de benefício durante a negociação do

Estado com a Empresa privada para a construção ou gestão de presídios:

a.1) um membro da empresa ou qualquer outra pessoa ou entidade com a qual já

contrata qualquer serviço do Governo, que exerça qualquer função ou

responsabilidade de revisão ou aprovação do projeto ou contrato dentro do governo

contratante;

a.2) qualquer parente das pessoas citadas anteriormente. Nenhuma destas

pessoas usará sua posição, influência ou informação referente a tais negócios ou

planos para benefício próprio ou de outros;

b) qualquer violação desta seção levará a cabo a finalização do contrato

unilateralmente pelo Governo, conforme previsto na Seção 8.

SEÇÃO 11 – TENTANDO RESUMIR

a) O contrato deve oferecer substancial economia no custo da atividade e, ao

menos, a mesma qualidade de serviços que seriam prestados diretamente pelo

Governo ou, mesmo que custe mais caro, deverá prestar serviços muito

superiores àqueles ao alcance e capacidade técnica do Estado, os quais levem

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ao respeito à dignidade humana do encarcerado e, conseqüentemente à sua

recuperação;

b) a empresa deverá ser paga por um sistema que contemple o número de dias e

de internos65, como um serviço de hotelaria, e nunca por preço cheio de máxima

ocupação irreal, como aconteceu no contrato do presídio de Colatina. Sendo o

valor máximo a ser pago igual ao número máximo de internos, o Governo

contratante nunca será surpreendido pelo custo mensal eventual, perfeitamente

previsível. Por outro lado, para também oferecer uma garantia e incentivo à

empresa privada, o contrato poderia garantir um número mínimo de ocupação,

para que a empresa não corra o risco de ficar sem ocupantes de suas vagas,

tendo que arcar com um alto custo administrativo;

c) a empresa deverá cumprir com as condições de qualidade do serviço

penitenciário estipulado na Resolução 14 do CNPCP;

d) sempre haverá, na unidade, um Supervisor do Estado para fazer cumprir as

condições pactuadas;

e) haverá a previsão de rescisão unilateral e multa a ser aplicada pelo Estado, no

caso de a empresa privada descumprir o contrato;

f) poderá ser pensada uma bonificação dentro do contrato, caso o tratamento

oferecido pela empresa traga índices de reincidências muito menores do que os

presídios estatais, pois, afinal, o benefício social vale mais que o mero custo;

g) os contratos deverão ter tempo limitado, com freqüente possibilidade de

renovação e concorrência pública em licitação;

h) a construção poderá ou não ser propriedade da empresa, dependendo da forma

contratual;

i) o Estado poderá encerrar o contrato a qualquer tempo, por descumprimento de

obrigações previstas para a empresa no mesmo, sejam de ordem econômica ou

referentes aos direitos humanos dos encarcerados.

65 Esse sistema na Espanha é chamado de per diem basis.

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8 CONCLUSÕES

O objetivo da presente dissertação foi discutir a natureza do sistema prisional do

Espírito Santo como fenômeno contemporâneo e a forma como isso reflete no respeito

à dignidade do encarcerado, para trabalhar a busca científica de políticas públicas

alternativas para o necessário enfrentamento das dificuldades encontradas nessa

fonte. A Secretaria de Justiça de nosso Estado não dá publicidade a todos os seus

atos, como, por exemplo, o fornecimento do contrato de terceirização do presídio de

Colatina, solicitado mas não liberado, o que prejudicou muito a pesquisa.

Outro problema enfrentado foi lidar com a literatura existente. Mesmo os autores mais

notáveis normalmente fazem boas análises dos problemas mas quase nunca criam

propostas técnicas confiáveis, o que comprova ser o tema altamente complexo e

multifacetado.

Assim, procuramos escrever com cuidado, para não atuar, durante o trabalho teórico,

como defensores de uma posição ou de outra, mas apenas como pesquisadores,

apesar de termos a consciência de que nossa práxis, em alguns momentos, impediu o

absoluto distanciamento da realidade do cárcere.

Comprovamos cientificamente que a pena privativa de liberdade está falida no Espírito

Santo e no mundo. O que se vê nos países mais desenvolvidos é a crescente abolição

dessa modalidade de sanção penal, pois a humanidade, já começa a reconhecer sua

nefasta realidade. Porém, apesar do enorme esforço em reduzir sua aplicação,

substituindo-a por alternativas que possam representar a resposta penal para aquele

que delinqüiu, sem contudo remetê-lo ao cárcere, ainda é incipiente no Brasil e em

nosso Estado, sendo que teremos que conviver com muitas prisões, durante muito

tempo.

É importante frisar que o objetivo dessa construção também não é querer “ser

bonzinho” ou, na linguagem popular “passar a mão em cabeça de bandido”66, como

muitos falam. Se o senso comum pensa assim, é por ignorar a realidade e as

conseqüências do atual sistema, pois é cediço que o homem preso deve somente

perder sua liberdade e nada mais, sendo o Estado o responsável por ele, de modo que 66 Palavra popular para designar um malfeitor ou pessoa de maus sentimentos, apesar de não existir na linguagem penal.

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tudo mais, todas as atrocidades e formas variadas de vingança e tortura sofridas pelo

preso, enquanto segregado, são de responsabilidade direta do Estado.

Cremos, assim, que as unidades prisionais privadas poderão ajudar a preservar a

dignidade do preso, pois dignidade perdida na cadeia não poderá mais ser devolvida.

Por isso, esperamos poder ter colaborado com este desafio atual, buscando soluções

alternativas para o tratamento daqueles que necessariamente terão que permanecer

numa prisão e, pelos números do crescimento populacional prisional levantados e

demonstrados, temos como claro que o Estado não poderá, sozinho, resolver esse

problema, que é de toda a sociedade, a qual não pode mais fechar os olhos e fingir

que não vê o apodrecimento do ser humano preso, mesmo que o faça por egoísmo ou

altruísmo.

Se for mantida a atual política prisional, esta se virará contra a própria sociedade,

como já ocorreu com os diversos episódios de queima de ônibus em São Paulo e em

nosso Estado.

Nesse contexto, fica sustentável a proposta da chamada terceirização, admitindo-se a

participação da sociedade através da iniciativa privada, que poderá ajudar o Estado

nessa importante e desafiadora atividade, a de administrar de forma inteligente,

economicamente viável e eficaz as unidades prisionais, sem falar no respeito à

dignidade da pessoa humana.

A idéia ainda é recente no Brasil e no mundo, se considerarmos a quanto tempo existe

a pena de prisão. Somente há poucas décadas outros países passaram a implantar a

política dos chamados presídios privados ou terceirizados, nos moldes que

preconizamos no presente estudo. Há que se frisar que não consideramos esse

modelo como o único viável, o que seria muita pretensão. Porém, acreditamos na

maior ou menor participação do empreendedor privado, destacando-se a Espanha

como modelo no qual se constata uma maior participação – quase total – de

empresários na administração do presídio, mantendo-se sempre a Direção direta das

funções absolutamente públicas por conta do Estado, numa verdadeira co-gestão.

Ao fim da pesquisa, tivemos o sentimento de poder colaborar para o despertar dos

leitores, a fim de que reflitam sobre o tema, pois somente com o enfrentamento do

problema de forma serena e progressiva poderão ajudar a construir um novo modelo,

diferente da realidade atual. Esta não pode ser combatida pelo uso puro e simples da

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força bruta, mesmo que amparada pela Lei Penal. A solução passa necessariamente

pela ação de pessoas especializadas, que mesclem o pragmatismo com a ciência.

Temos sempre que lembrar que a execução penal, ou seja, o cumprimento da pena

imposta, é o coroamento do Direito Penal, pois de nada adianta a polícia investigar e

conseguir as provas do crime, o promotor acusar com bastante fundamento técnico e o

juiz sentenciar, se, ao final, o sistema penitenciário não executar a devida sanção.

O Estado necessita organizar não só suas instituições envolvidas na repressão às

organizações criminosas e ao crime comum, para dar o resultado esperado, mas,

antes de tudo, organizar o final do procedimento criminal, que é o devido cumprimento

da sanção penal, que deve atender a todos os seus objetivos com a segurança da

sociedade e do encarcerado. O Estado não pode continuar com um discurso sobre

política penitenciária somente de recrudescimento, que, apesar de parecer claro, tem

pouca profundidade, já que se tem mostrado um discurso demagógico, oportunista,

populista e, acima de tudo, traçado por amadores, que nada conhecem sobre presídios

e execução penal.

Um novo modelo, construído não só com fulcro na dogmática penal, mas também na

criminologia e em uma política criminal conscientemente planejada e construída com

respeito aos fundamentos basilares da nossa Constituição Federal deve ser o novo

paradigma para a nova segurança pública, na qual os caracteres jurídicos,

humanitários, sociais e políticos sejam utilizados para sua melhor adequação.

A prevenção buscada pela política penitenciária de um país, construída por sua

sabedoria legislativa precisa inexoravelmente estar em perfeita harmonia com os

princípios que norteiam o Estado Democrático de Direito, sob pena de retrocesso em

sua própria história, pois o Direito não constitui obviamente um fim em si mesmo, mas

se limita a ser um meio para a construção da paz e da harmonia social.

Contudo, fica patente a necessidade fundamental de se definir juridicamente, sob o

prisma da legalidade, ética, necessidade e eficácia, os limites do que pode e deve ser

feito quanto ao sistema prisional, pois a discricionariedade judicial e administrativa,

tendente a usar qualquer meio como forma de resposta à mídia que cobra ações, e

não tendo o gestor público a certeza do que é permitido ou proibido, normalmente leva

à violação do princípio constitucional da legalidade, com afronta aos princípios da

administração e aos direitos humanos. Portanto, a construção de um sedimentado

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embasamento jurídico e ético para se definir uma nova política pública para este setor

nos parece essencial.

Apesar de não ter sido o objeto da presente dissertação, vale lembrar que todas as

medidas que forem tomadas em termos de segurança pública só surtirão efeitos se

acompanhadas de ações de alcance social. A longo prazo o investimento em políticas

sociais trará mais resultados do que aquisições de viaturas e armamentos, construção

de novos presídios e discursos inflamados sobre lei e ordem ou, então, humanitários

em demasia. Tais medidas são parte da solução, mas a discussão sobre o crime não

se esgota em culpar os criminosos.

Debates sociológicos e doutrinários à parte, fato é que a política prisional capixaba

está equivocada. Antes da propaganda política e da algazarra da mídia, é preciso

reestruturar as instituições que atuam na esfera da repressão e prevenção à

criminalidade, dentre elas - o cerne do presente estudo -, o sistema prisional. Criar uma

política prisional eficiente é enfrentar o crime e mantê-lo em níveis que não

comprometam a essência do Estado; e isso com a observância aos princípios

norteadores de um Estado Democrático de Direito, que não são negociáveis.

Por isso é que, feitas todas as ponderações, sem paixões, não descartamos a

necessidade de terceirização do sistema, e mais, reputamo-la importante, não

querendo criar uma política de privatização radical ou absoluta, mas colocando-a como

uma parceria do Estado com a iniciativa privada, chamada a cooperar com a sociedade

na fase de execução penal. Isso já acontece com penas não privativas de liberdade,

em que entidades privadas ou públicas, sem fins lucrativos, recebem o prestador de

serviços à comunidade e fiscalizam o cumprimento de sua pena, além de se

beneficiarem com seu trabalho, já que não necessitam remunerá-lo. E isso não é

considerado antiético por ninguém; pelo contrário, é socialmente aplaudido.

Enfrentamos também, no desenvolver deste trabalho, um dos mais comuns

argumentos contrários à terceirização, que é a questão do lucro do empresário, com a

exploração do trabalho do preso. Buscamos pensar sobre o tema e concluímos que

não podemos ser inocentes em fazer parecer ao leitor que o empresário construiria e

manteria um presídio por caridade ou convicção política, pois ele realmente busca o

lucro. Porém, mesmo que tal modelo fique um pouco mais caro para o Estado, os

benefícios, com certeza, mostram-se muito superiores na experiência espanhola, pelo

simples fato de o empresário saber gerir melhor seu dinheiro, ao contrário dos agentes

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do Estado, que gerem um "dinheiro despersonificado", que não é deles, e, por isso,

continuam gastando muito para deixar o preso pior, o que é um contra-senso.

Para que não fiquem dúvidas ou receio da exploração do preso, o Estado deverá pagar

ao empreendedor privado o equivalente ao custo total do interno, mais uma taxa de

administração particular. O ganho do empresário, seu lucro exclusivo, ficaria nesse

acréscimo pago pelo Governo, de forma bem transparente, com garantias contratuais

severas no sentido de proteger o ente estatal em caso de qualquer descumprimento

das obrigações da empresa.

E é também por isso que chegamos à conclusão de que, apesar de o trabalho

intramuros dever ser objeto obrigatório do contrato de terceirização, defendemos que o

resultado auferido pelo trabalho do preso jamais deverá ser revertido para cobrir os

custos do empreendedor privado, que deverá ter lucros modestos neste setor, devendo

a produção do preso ser destinada aos seus familiares, ao ressarcimento dos prejuízos

que provocou ou a um pecúlio; enfim, tudo de acordo com o disposto na vigente Lei de

Execuções Penais.

Sob o prisma da constitucionalidade, a proposta é perfeitamente legal, pois partimos da

máxima de que, se Lei Maior não proibiu, permitiu. Além disso, na verdade não se está

transferindo a função jurisdicional do Estado para o empreendedor privado, que

cuidará exclusivamente da função material da execução penal, podendo assim o

administrador particular ser responsável pela construção, comida, limpeza, roupas, a

chamada hotelaria e treinamento de pessoal; enfim, por serviços que são

indispensáveis num presídio. Já a função jurisdicional, indelegável, permanece nas

mãos do Estado, que, por meio de seu órgão juiz, determinará quando um homem

poderá ser preso, quanto tempo assim ficará, quando e como ocorrerá punição e

quando o homem poderá sair da cadeia, numa preservação do poder de império do

Estado, que é o único titular legitimado para o uso da força, dentro da observância da

lei.

O que não se pode admitir é afastar a experiência, pois nada que possa substituir a

prisão foi apresentado até agora e muitos jovens estão se aperfeiçoando no crime em

nossos cárceres, sem qualquer mudança de ação. E como se fazerem coisas novas

com práticas antigas?

Chegando ao final do presente trabalho, não poderíamos deixar de fazer um registro

sobre uma impressão equivocada que podemos ter passado para o leitor sobre os

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servidores do Estado. Pode ter parecido que os consideramos como menos aptos a

desenvolverem um trabalho digno no trato com os presos e de se envolverem com o

processo de ressocialização dos mesmos. Entretanto, o problema não está no servidor,

pois podemos asseverar que, nestes anos de contato direto com o sistema,

encontramos uma grande maioria dessas pessoas com imensa capacidade laborativa,

muita abnegação e vontade de verem tudo mudar. Podemos afirmar, então, que o

grande problema não está nas condições pessoais dos servidores, mas sim nas

equivocadas e descontinuadas estratégias de investimentos no setor no Estado do

Espírito Santo, o qual continua reproduzindo uma cultura prisional nacionalmente

enraizada e contaminada no que tange a aspectos objetivos (relações funcionais no

âmbito do Estado) e também subjetivos (legitimação do poder e “exclusividade” do

saber).

Essa cultura só alimenta a mentalidade da “cadeia-sofrimento”, bem como é por ela

alimentada, em um feed back do terror. Na política atual, só se pensa - e mal -, na

segurança; quanto mais fechado o cárcere, melhor. Esse discurso encontra amparo

inclusive na própria arquitetura (deteriorada) das prisões e forma uma “corrente de

pensar prisional” que tem mostrado resultados desgastantes para o Estado, até

politicamente, pois são crescentes as respostas organizadas e violentas dos presos.

Ora, essa cultura prisional, essa mentalidade, não constatamos nos presídio

terceirizados visitados. Pelo menos por enquanto. E pensamos que, por tudo o que

acima foi exposto, é fácil compreender esse fenômeno.

Enfim, queremos e devemos deixar bastante claro que não vemos os profissionais dos

presídios terceirizados como mais capazes e mais “humanos” ou mais interessados na

ressocialização dos presos, comparativamente com os profissionais do Estado. A

diferença está em todo o contexto de trabalho, na qualificação ofertada, que não fica

somente no treinamento, mas também na reciclagem, no ambiente de trabalho, nas

relações funcionais e trabalhistas. A diferença está é no patrão.

Temos uma preocupação que não podemos deixar de registrar, a título de alerta: não

se pode aceitar que exista uma rivalidade e uma competição entre a administração

pública e a privada, salvo se o fizerem de forma salutar, pois temos a certeza de que a

administração privada dos presídios tem muito a aprender com a pública, por toda a

experiência e, por que não dizer, sabedoria que esta vem desenvolvendo, às custas de

muitas tentativas, acertos e progressos, bem como de revezes, retrocessos e

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fracassos. Por sua vez, a administração pública dos presídios também tem a aprender

com a privada, na medida em que esta se incrementa e marca sua história por uma

forma de construção e gestão mais interessante do ponto de vista dos resultados.

A administração privada de presídios, desde que seja realmente séria e não sacrifique

a qualidade em função de um lucro espúrio, poderá servir como referencial e como

prova de que é possível otimizar o ambiente carcerário e a política criminal, não no

sentido de legitimar o cárcere, mas, pelo contrário, de torná-lo menos deletério e mais

digno à pessoa humana.

Já seria um grande avanço se as autoridades públicas falassem a verdade,

assumissem os erros e agissem de forma eficaz, implementando mudanças

conscientes e tecnicamente viáveis, fundadas em estudos científicos e não meramente

no “achismo” de administradores públicos aventureiros. Porém, apenas justificar os

problemas e colocar a culpa em omissões anteriores de nada adiantará, pois prisões

abarrotadas e fétidas, ao invés de melhorar os ruins, pervertem e degradam

definitivamente os recuperáveis. A porta de saída do sistema prisional é exatamente a

mesma porta de entrada para nossa sociedade, razão pela qual o tratamento ofertado

ao preso ditará seu comportamento quando egresso. Não existe mágica que mude

isso, afinal toda ação gera uma reação. Seria mais inteligente prestar atenção nas

sábias palavras da notável poetisa capixaba, Elisa Lucinda, para mudarmos nossa

triste história: “sei que não dá para mudar o começo, mas se a gente quiser, vai dar pra

mudar o final”.

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10 ANEXOS

A - FOTOS DOS ATUAIS PRESÍDIOS DO ESPÍRITO SANTO

(depredação na CASCUVI67)

(parede derrubada e preso dentro do túnel na CASCUVI)

(paredes de dentro das celas do PSMA68, com isopor)

67 Casa de Custódia de Viana 68 Presídio de Segurança Máxima, de Viana

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(lixo acumulado nos corredores e grade arrancada na CASCUVI)

(leito do HCTP69 e enfermaria do PSMA)

(DPJ de Vila Velha e surto de escabiose na PEFEM70)

(sanitário do HCTP e pátio de visitas do PSMA)

69 Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico 70 Penitenciária Feminina de Tucum, Cariacica

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(ratos nas celas e objetos não permitidos apreendidos na PAES71)

(cela da CAP72: capacidade para 4, ocupada por 16 presos; cela da CASCUVI, coberta até o teto com terra de túneis)

(Cela da CASCUVV73 e alagamento de cela da CASCUVI)

71 Penitenciária Agrícola do Estado do Espírito Santo, Viana 72 Casa de Passagem de Vila Velha 73 Casa de Custódia de Vila Velha

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B – DADOS DO INFOPEN SOBRE O NÚMERO DE VAGAS E PRES OS DO

ESPÍRITO SANTO

SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA

SUBSECRETARIA PARA ASSUNTOS DO SISTEMA PENAL

Sistema Integrado de Informações Penitenciárias - InfoPen

UNIDADES CAPACIDADE Nº DE PRESOS OCUPAÇÃO MASC. FEM. MASC. FEM.

IRS 230 0 230 231 0 231 01 a mais CASCUVV 215 0 215 408 0 408 193 a mais

CAP 270 0 270 716 0 716 446 a mais *CASCUVI 360 0 360 299 0 299 61 vagas PSME I 110 0 110 219 0 219 109 a mais *PSMA 532 0 532 638 0 638 106 a mais PSME II 274 0 274 273 0 273 01 vagas PAES 195 0 195 198 0 198 03 a mais *USP 50 0 50 130 0 130 80 a mais HCTP 82 08 90 61 05 66 24 vagas PEF 0 105 105 0 323 323 218 a mais PRCI 224 26 250 323 12 335 85 a mais PRL 278 78 356 408 69 477 121 a mais *PRCOL 90 20 110 340 35 375 265 a mais *PSMECOL 247 21 268 218 19 237 31 vagas PRBSF 104 06 110 257 15 272 162 a mais TOTAL GERAL 3261 264 3525 4719 478 5197 1672 a mais 47,43% a mais

Atualizado de acordo com o Informativo Diário 24/10/2006

Capacidade e População Carcerária 23/OUTUBRO/ 2006

*PSMA (esta Unidade Prisional está desocupada, por motivo de Depredação em Rebelião, seus 638 Internos estão localizados na CASCUVI, sendo 195 condenados e 443 provisórios). *CASCUVI, (dentre os 937 internos, 299 pertencem à própria Custódia, sendo que há 89 condenados e 210 provisórios). *A Unidade de Saúde Prisional, em Viana - USP, poss ui 130 internos, informado dia 24/10/2006. *Na PRCOL, ficam mais 07 (sete) menores, dos quais 06 (seis) são do sexo masculino e 01 (uma) do femin ino, totalizando 382 internos. *Na PSMECOL, há também 01 (um) menor de idade, tota lizando 238 internos nesta Unidade.

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SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA

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Sistema Integrado de Informações Penitenciárias - InfoPen

23 DE OUTUBRO DE 2006

QUADRO GERAL - DIARIO

UNIDADES CONDENADOS PROVISÓRIOS POPULAÇÃO F2 CAPACIDADE OCUPAÇÃO DAS UPS F3 *PRESOS JUSTIÇA /POLICIA

FEDERAL *VAGAS CEDIDAS À SPP

(SEMANA) *ALVARÁS CEDIDOS (MÊS)

Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masculino Feminino Total Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem.

IRS 229 0 229 02 0 02 231 0 231 230 0 230 01 a mais 0 não há mulheres 01 a mais 03 Ñ há mulheres 0 Ñ há mulheres 01 Ñ há mulheres

CASCUVV 74 0 74 334 0 334 408 0 408 215 0 215 193 a mais 0 não há mulheres 193 a mais 09 Ñ há mulheres 0 Ñ há mulheres 09 Ñ há mulheres

CAP 127 0 127 589 0 589 716 0 716 270 0 270 446 a mais 0 não há mulheres 446 a mais 35 Ñ há mulheres 0 Ñ há mulheres 25 Ñ há mulheres

CASCUVI 89 0 89 210 0 210 299 0 299 360 0 360 61 vagas 0 não há mulheres 61 vagas 0 Ñ há mulheres 10 Ñ há mulheres 05 Ñ há mulheres

PSME I 120 0 120 99 0 99 219 0 219 110 0 110 109 a mais 0 não há mulheres 109 a mais 0 Ñ há mulheres 0 Ñ há mulheres 0 Ñ há mulheres

PSMA 195 0 195 443 0 443 638 0 638 532 0 532 106 a mais 0 não há mulheres 106 a mais 0 Ñ há mulheres 0 Ñ há mulheres 07 Ñ há mulheres

PSME II 271 0 271 02 0 02 273 0 273 274 0 274 01 vagas 0 não há mulheres 01 vagas 01 Ñ há mulheres 0 Ñ há mulheres 02 Ñ há mulheres

PAES 198 0 198 0 0 0 198 0 198 195 0 195 03 a mais 0 não há mulheres 03 a mais 0 Ñ há mulheres 0 Ñ há mulheres 05 Ñ há mulheres

USP 90 0 90 40 0 40 130 0 130 50 0 50 80 a mais 0 não há mulheres 80 a mais 0 Ñ há mulheres 0 Ñ há mulheres 0 Ñ há mulheres

HCTP 22 01 23 39 04 43 61 05 66 82 08 90 21 vagas 03 vagas 24 vagas 01 0 0 0 0 0

PEF 0 84 84 0 239 239 0 323 323 0 105 105 0 não há homens 218 a mais 218 a mais Ñ há homens 24 Ñ há homens 0 Ñ há homens 14

PRCI 193 06 199 130 06 136 323 12 335 224 26 250 99 a mais 14 vagas 85 a mais 0 0 0 0 10 0

PRL 236 23 259 172 46 218 408 69 477 278 78 356 130 a mais 09 vagas 121 a mais 03 0 0 0 04 0

PRCOL 172 16 188 168 19 187 340 35 375 90 20 110 250 a mais 15 a mais 265 a mais 0 0 0 0 25 0

PSMECOL 218 19 237 0 0 0 218 19 237 247 21 268 29 vagas 02 vagas 31 vagas 0 0 0 0 02 0

PRBSF 118 04 122 139 11 150 257 15 272 104 06 110 153 a mais 09 a mais 162 a mais 0 0 0 0 05 0

2352 153 2505 2367 325 2692 4719 478 5197 3261 264 3525 1458 a mais 214 a mais 1672 a mais 52 24 10 0 100 14

45% 81% *Até a data*02/10/06 *Até a data*23/10/06 *Até a data18/10/06

M F T PSMA + CASCUVI = 937

TOTAL DE PROVISÓRIOS 2367 325 2692 UNIDADES COND PROV

TOTAL DE CONDENADOS 2352 153 2505 PSMA 195 443 638

TOTAL DE INTERNOS NO SISTEMA 4719 478 5197 CASCUVI 89 210 299

TOTAL DA CAPACIDADE PRISIONAL 3261 264 3525 USP 90 40 130

TOTAL DE VAGAS NO SISTEMA 1458 a mais 214 a mais 1672 a mais 47,43% TOTAL 374 693 1067

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23 DE OUTUBRO DE 2006

PRESOS CONDENADOS PRESOS PROVISORIOS MASC FEM MASC FEM

IRS 229 Não há mulheres 229 IRS 2 Não há mulheres 2 CASCUVV 74 Não há mulheres 74 CASCUVV 334 Não há mulheres 334

CAP 127 Não há mulheres 127 CAP 589 Não há mulheres 589

CASCUVI 89 Não há mulheres 89 CASCUVI 210 Não há mulheres 210 PSME I 120 Não há mulheres 120 PSME I 99 Não há mulheres 99 PSMA 195 Não há mulheres 195 PSMA 443 Não há mulheres 443

PSME II 271 Não há mulheres 271 PSME II 2 Não há mulheres 2

PAES 198 Não há mulheres 198 PAES 0 Não há mulheres 0

USP 90 Não há mulheres 90 USP 40 Não há mulheres 40

HCTP 22 1 23 HCTP 39 4 43 PEF Não há homens 84 84 PEF Não há homens 239 239

PRCI 193 6 199 PRCI 130 6 136

PRL 236 23 259 PRL 172 46 218 PRCOL 172 16 188 PRCOL 168 19 187

PSMECOL 218 19 237 PSMECOL 0 0 0

PRBSF 118 4 122 PRBSF 139 11 150

TOTAL 2352 153 2505 TOTAL 2367 325 2692

HOMENS PRESOS NAS UNIDADES MULHERES PRESAS NAS UNIDADES COND PROV SBTOTAL COND PROV SBTOTAL IRS 229 2 231 PEF 84 239 323

CASCUVV 74 334 408 HCTP 1 4 5

CAP 127 589 716 PRCI 6 6 12 CASCUVI 89 210 299 PRL 23 46 69 PSME I 120 99 219 PRCOL 16 19 35 PSMA 195 443 638 PSMECOL 19 0 19

PSME II 271 2 273 PRBSF 4 11 15

PAES 198 0 198 TOTAL 153 325 478

USP 90 40 130 QUANTITATIVO GERAL

HCTP 22 39 61 SEPARADO POR COMPLEXO E REGIÃO

PRCI 193 130 323 COND PROV SBTOTAL PRL 236 172 408 CPVV 430 925 1355

PRCOL 172 168 340 CPV 963 794 1757

PSMECOL 218 0 218 CARIAC. 107 282 389

PRBSF 118 139 257 INTER. 1005 691 1696

TOTAL 2352 2367 4719 TOTAL 2505 2692 5197 MASC FEM 4719 478 GERAL 5197

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GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA

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Distribuição por Tipificação Delituosa (Perfil do Preso) em 18/10/2006

MÊS_OUTUBRO/2006

Infração ao Código Penal - Artigos SEXO

121 129 155 157 159 171 180 213 214 12 16 ARMAS OUTROS

Complexo Penitenciário de Vila Velha

IRS Masc 41 1 12 51 0 1 5 10 8 72 0 5 26

CASCUVV Masc 81 5 51 252 8 5 22 3 1 175 35 23 219

CAP Masc 74 1 57 209 4 1 19 0 0 205 4 2 119

TOTAL DO COMPLEXO 196 7 120 512 12 7 46 13 9 452 39 30 364

Complexo Penitenciário de Viana e Cariacica

CASCUVI Masc 42 0 23 158 4 0 6 0 0 69 0 21 10

PSME I Masc 62 3 12 41 0 1 2 13 9 8 2 0 68

PSMA Masc 120 0 76 242 14 16 14 0 0 214 0 0 35

PSME II Masc 131 3 51 165 5 4 13 8 17 64 26 24 168

PAES Masc 52 5 22 121 2 4 3 3 7 8 3 5 38

PEF Fem 29 1 21 28 0 5 9 0 0 222 9 0 186

HCTP Masc 30 4 4 9 0 0 0 4 2 4 3 1 5

Fem 4 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

TOTAL DO COMPLEXO

470 16 210 764 25 30 47 28 35 589 43 51 510

Penitenciárias do Interior

PRCI Masc 104 3 17 102 4 1 3 20 16 44 0 10 12

Fem 0 0 0 2 0 0 0 0 1 12 0 0 2

PRL Masc 125 4 47 141 5 1 6 25 9 80 7 8 382

Fem 11 1 2 1 0 0 0 0 0 54 0 1 92

PRCOL Masc 83 7 59 104 5 4 8 10 8 49 5 21 66

Fem 2 0 5 2 0 1 1 0 3 18 0 2 8

PSMECOL Masc 98 0 21 28 0 1 0 21 10 28 0 0 8

Fem 5 0 1 1 0 0 1 0 0 9 1 1 0

PRBSF Masc 95 9 22 23 2 2 4 25 26 54 0 27 42

Fem 2 0 3 2 0 0 0 0 0 7 0 0 0

TOTAL DO INTERIOR

525 24 177 406 16 10 23 101 73 355 13 70 612

Masc 1.138 45 474 1.646 53 41 105 142 113 1.074 85 147 1.198 Total

Fem 53 2 33 36 0 6 11 0 4 322 10 4 288

TOTAL GERAL 1.191 47 507 1.682 53 47 116 142 117 1.396 95 151 1.486

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Distribuição por Tipificação Delituosa (Perfil do Preso) em 18/10/2006

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C – RELATÓRIO DO CNPCP SOBRE OS PRESÍDIOS CAPIXABAS

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA

RELATÓRIO DE INSPEÇÃO NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 12 a 14 DE MARÇO DE 2006

1) Número de Protocolo: 08037.000011/2006-88 Assunto: denúncia do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado do Espírito Santo Último andamento: em 22/2/2006, por ordem do presidente do CNPCP, os autos foram encaminhados aos conselheiros Edison José Biondi e Luís Guilherme Vieira, para emissão de parecer, após a visita de inspeção a ser realizada em 12 a 14 de março de 2006.

I — BREVE HISTÓRICO

Trata-se de denúncia feita, em 25 de agosto de 2005, pelo presidente do

Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado do Espírito Santo,

senhor Haylson de Oliveira, ao juiz da 5ª Vara Criminal de Vitória, doutor Carlos

Eduardo Ribeiro Lopes, em que são noticiadas, em resumo, as precárias condições

laborativas dos servidores do estabelecimento prisional CAP-VV (Casa de Passagem de

Vila Velha), tendo em vista a superlotação da unidade prisional, a carência de

equipamentos administrativos e a falta de “política de RECURSOS HUMANOS”. Em

razão do relatado, os funcionários estão temerosos de serem utilizados, em possível

rebelião, como “moedas de troca”, fato este que chegou ao conhecimento de Vossa

Senhoria “através de fonte fidedigna”.

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148

Revela, outrossim, o representante sindical, sua preocupação com “a

superlotação da unidade, que reprojetada para alojar 270 internos, conta nesta data com uma

população de 709 internos” (fl. 5, grifo no original).

Diante disso, o juiz da vara privativa da execução penal daquele estado,

despacha, em 9 de dezembro de 2005, encaminhado o reclamo à ciência do governador

do estado do Espírito Santo, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos

Deputados, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Espírito

Santo e, finalmente, do Ministério Público com atribuições perante o juízo da 5ª Vara

Criminal de Vitória (fl. 5), determinando que, após o cumprimento das medidas retro,

retornassem os autos à sua conclusão. Não se tem notícia, nesses autos, das medidas

que as autoridades provocadas teriam tomado.

Com efeito, a deputada federal Iriny Lopes, presidente da Comissão de

Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, ao receber o expediente, o encaminhou,

em 2 de dezembro de 2005 (fl. 3), para o Departamento Penitenciário Nacional

(DEPEN), o qual, por sua vez, por decisão de seu presidente, o também conselheiro

Maurício Kuehne, o enviou à Ouvidoria daquele órgão e ao CNPCP, que, por decisão

de seu presidente, doutor Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, houve por bem designar,

em 22 de fevereiro de 2006, os signatários para “visita de inspeção a ser realizada no Sistema

Prisional do Estado do Espírito Santo” (fl. 24).

Em 2 de janeiro de 2006, o então secretário de estado da Justiça do Espírito

Santo, tenente-coronel Júlio Cezar Costa, presta, ao diretor do DEPEN, as explicações

que lhe foram solicitadas, tendo Sua Excelência, em ressunta, assentado que a

“Secretaria não está alheia ao fato e nem está deixando de promover as ações necessárias ao

equacionamento dos agravos ocorridos na Unidade em apreço e nas demais, sob a administração desta

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149

Pasta. Pelo contrário, diversas providências estão sendo tomadas no desiderato de resolver os atuais

problemas carcerários de nosso Estado, problemas estes que remontam a décadas de desmazelo e

irresponsabilidade no trato da coisa pública, os quais, no momento, trabalhamos para resolver” (fl. 9).

Mais adiante, continua o secretário a relatar, de um modo geral, as medidas

que estão sendo levadas a efeito, fazendo questão de pontuar o que entende ser nodal

para a questão da superpopulação carcerária. Vejamos:

“a quase totalidade dos internos recolhidos na unidade em questão são presos provisórios, lá abrigados em cooperação desta Secretaria com a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social — SESP, que, por intermédio de sua Superintendência de Polícia Prisional — SPP, nos faz freqüentes pedidos de cessão de vagas, uma vez que as cadeias públicas não mais comportam o elevado número de presos provisórios, sendo necessário o encarceramento de tal contingente em unidades prisionais” (fls. 10 e 11).

Por fim, Sua Excelência conclui, afirmando que, “atentos a tais problemas, já

participamos, em conjunto com a SESP, de diversas reuniões tendo por foco a construção de cadeias

públicas em Municípios do interior do Estado, inclusive, enredando esforços no sentido de auxiliar na

viabilização de tais obras, uma vez que a guarda de presos provisórios, muito embora não seja

atribuição desta Pasta, acaba, como visto, por ocasionar uma demanda de vagas em nosso sistema” (fl.

11).

À fl. 19 vamos encontrar informação, da Diretoria Geral dos

Estabelecimentos Penais, integrante do departamento da Subsecretaria para Assuntos

Prisionais da Secretaria de Estado da Justiça do Espírito Santo, sobre a distribuição de

presos por unidade prisional, levando-se em conta a data em que esta foi elaborada

(6/1/2006).

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150

Às fls. 21/22 adveio aos autos novo ofício do sindicato denunciante, datado

de 8 de fevereiro de 2006 e endereçado ao diretor do DEPEN, doutor Maurício

Kuehne, relatando, em específico, que “há tempos esta entidade sindical vem fazendo,

reiteradamente, denúncias alertando sobre as precárias condições estruturais e de segurança das

unidades prisionais capixabas. Esta situação foi constatada, inclusive, pelo DEPEN

que recebeu relatório pormenorizado de um conjunto de órgãos, tendo à frente

a 5ª Vara de Execuções Penais da Comarca de Vitória. Portanto, esses graves

problemas já são do conhecimento da sociedade” (fl. 21, destaque nosso).

Na corredeira, esclarece o presidente do sindicato que duas unidades

prisionais vêm apresentando graves problemas.

A primeira chama-se Instituto de Readaptação Social (IRS), cujos

funcionários vêm sofrendo adversidades, dentre as quais a conivência do diretor com

as faltas disciplinares cometidas pelos internos e sua omissão no que tange às

reclamações dos servidores. Ressalta, também, a entidade reclamante, que, em poder

dos detentos, encontram-se armas e celulares, trazendo informação de que conflito

entre duas alas da unidade está por acontecer em breve.

A segunda unidade é o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico

(HCTP), para o qual “estão sendo transferidos presos que não se enquadram na condição de Medida

de Segurança. A direção recebe presos sem a documentação necessária à transferência, tal como

determina a LEP; fato constatado recentemente pela imprensa nacional através de um preso que de lá

fugiu e manteve refém uma turista. Este fato corrobora as denúncias que chegam a esta entidade

sindical e que dão conta de que algumas transferências são feitas para facilitar a fuga de certos

elementos” (fl. 22).

À fl. 23 temos o ofício do DEPEN de 16 de fevereiro de 2006, em resposta

ao líder sindical, esclarecendo que o assunto foi encaminhado à Ouvidoria do

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151

Departamento Penitenciário Nacional e ao Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária, para análise e adoção de medidas pertinentes.

À fl. 24, vê-se despacho do presidente do Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária, doutor Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, enviando os autos

aos conselheiros firmatários, para emissão de parecer, após visita de inspeção a ser

realizada no sistema prisional do estado do Espírito Santo.

Em fecho, eis os pontos cardeais do processo em referência. 2) Número de protocolo: 08037.000005/2006-21 Assunto: Inspeção técnica ao presídio de segurança máxima de Vitória (ES) Último andamento: em 22/2/2006, por ordem do presidente do CNCPC, os autos foram encaminhados aos conselheiros Edson Biondi e Luís Guilherme Vieira, para emissão de parecer, após a visita de inspeção no sistema prisional do estado do Espírito Santo.

I — BREVE HISTÓRICO

Trata-se de ofício do diretor do DEPEN, datado de 13 de janeiro de 2006 e

endereçado ao presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,

doutor Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, o qual capeia o relatório de inspeção técnica

realizada em 21 de novembro de 2005 (fl. 7) no presídio de segurança máxima de

Vitória (ES), elaborado a partir de denúncias encaminhadas pelo juízo da 5ª Vara

Criminal de Vitória (ofício GAB nº 266/2005) ao então secretário de estado da Justiça

do Espírito Santo, oportunidade na qual Sua Excelência relata, conforme informa o

engenheiro Willian de Oliveira Blanck, do DIENG/COAAC/CGASP/DEPEN, as

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152

péssimas condições em que se encontra a unidade prisional em comento. Senão,

vejamos:

“Já realizamos dezenas de inspeções no PSMA (Presídio de Segurança Máxima) de Viana. Este presídio foi inaugurado há menos de 4 (quatro) anos. Vale destacar que este presídio foi concebido dentro dos planejamentos arquitetônicos dos famosos ‘Super Max’ americanos, conhecidos mundialmente pela estrutura física e gestão que fornecem o máximo de proteção contra fugas de presos de alta periculosidade. Infelizmente desde o início o presídio dava sinais de que não iria funcionar, e isso foi por nós denunciado em relatórios anteriores, até mesmo antes da inauguração, demonstrando que em várias paredes internas mais de um terço era de isopor, e o concreto era pouco resistente e que não existiam protocolo de segurança e gestão pré-estabelecidos pela SEJUS. Tal presídio já passou por várias reformas, todas demonstradas em nossos relatórios como de ‘péssimas qualidades’ e de fragilidade visível até para nós leigos. Ou seja, como sempre dissemos, foram gastos milhões de reais em várias reformas e não se conseguiu manter o mínimo de condições de funcionamento, gestão e segurança. Vale registrar que neste presídio, que era para ser de segurança máxima, já ocorreram várias fugas, pela muralha, pelo portão de entrada e sabe lá mais por onde. Recebemos várias e constantes denúncias de túneis, armas, celulares, articulações de crimes e outras ações dentro do PSMA. Com base nisso agendamos inspeção, que coincidiu com a incursão do BME/PM. Naquela oportunidade encontramos uma situação calamitosa e passamos a relatar” (fls. 6).

A partir daí, sempre lastreado nos esclarecimentos prestados pelo engenheiro

do DEPEN, já que o ofício judicial não veio ter aos autos, continua o magistrado

capixaba a explicitar o produto da sua inspeção em tópicos pormenorizados, que

denominou: “A) TODAS AS PAREDES E GRADES ESTÃO QUEBRADAS; B)

EXISTEM VÁRIOS BURACOS NO PISO, DANDO ACESSO AO TÉRREO; C) OS

RISCOS DO PÁTIO DE VISITAS; D) AS DROGAS DOMINAM O SEGURANÇA

MÁXIMA; D) OS CELULARES E BLOQUEADORES; F) AS ARMAS DENTRO

DO SEGURANÇA MÁXIMA; G) RISCO PARA AS VISITAS; H) A

ORGANIZAÇÃO DOS PRESOS e I) OUTRAS PREOCUPAÇÕES” (fls. 5/6).

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153

Por fim, a título de “CONSIDERAÇÕES FINAIS” (fl. 7), tece os

comentários que abaixo merecerão transcrição para, ao fim e ao cabo, determinar ao

então secretário de estado da Justiça do Espírito Santo que:

“(...) considerando que a experiência tem demonstrado que com a aproximação dos festejos de final de ano a população carcerária fica mais motivada a fugir, estamos realmente preocupados com a segurança do PSMA. É sabido que os presos considerados de maior periculosidade do Estado estão recolhidos naquele presídio, sendo necessário que a SEJUS faça alguma coisa visando reforçar a segurança máxima e diminuir tais riscos de fuga em massa iminente.

Pelo exposto, e sendo de competência do Juiz da Execução A INTERDIÇÃO, NO TODO OU EM PARTE, DO ESTABELECIMENTO PENAL QUE ESTIVER FUNCIONANDO EM CONDIÇÕES INADEQUADAS, DETERMINAMOS:

A) Que a SEJUS apresente um relatório circunstanciado sobre quais as medidas de segurança que adotará visando minimizar o risco de fuga em massa;

B) Que seja apresentado a VEP quais as mudanças nos protocolos de gestão e segurança que serão adotadas de forma imediata;

C) Que sejam informadas quais as modificações estruturais, de grade, reformas ou outros itens de segurança serão realizadas em caráter de urgência” (fl. 7, com destaques no original).

À fl. 3, temos o memorando do diretor do DEPEN, encaminhando ao juiz

comunicante cópia reprográfica “da Nota Técnica nº 345/2005-

DEPEN/CGASP/COAAC/DIENG, elaborada por técnico deste Departamento, bem como

cópia de Ensaio nº 1.671, do Laboratório de Ensaios em Materiais de Construção da Universidade

Federal do Espírito Santo, onde se concluiu não haver problemas de resistência no concreto empregado

na obra do SSMA”, aproveitando Sua Excelência para esclarecer, ao magistrado

reclamante, que “relativamente ao Relatório apresentado por Vossa Excelência, por meio do Ofício

nº 286/2005, de 10/11/2005, que trata de inspeção no Presídio da Casa de Custódia de Viana

— CASCUVI, informamos preliminarmente, que a referida obra não foi objeto de Convênio

financiado com recursos do FUNPEN. Todavia, quando forem realizadas novas inspeções no Estado

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do Espírito Santo, solicitarei ao setor competente o envio de técnico, com vistas a proceder vistoria

idêntica do PSMA”.

Às fls. 4/9, temos os documentos dos expertos do DEPEN (datado de

25/11/2005) e do LEMAC — Laboratório de Ensaios em Materiais, órgão do

Departamento de Estruturas e Edificações do Centro Tecnológico da Universidade

Federal do Estado do Espírito Santo (datado de 22/11/2005) —, os quais, por

economia, passam a integrar o presente, merecendo destacar, tão-somente, suas partes

conclusivas, posto compreendermos serem fundamentais à melhor compreensão da

problemática. In verbis:

Conclusão do laudo da Coordenação Geral de Apoio aos Sistemas Penitenciários Estaduais do Departamento Penitenciário Nacional

“Após análise técnica da vistoria realizada no Presídio de Segurança Máxima de Viana no Estado do Espírito Santo, concluímos que a situação caótica em que se encontra o Estabelecimento Penal, é a falta de gestão e controle da administração. O Presídio não apresenta no momento segurança para a população, onde a qualquer momento pode ter uma fuga em massa.

2. No caso de reforma, deverá ser feito um plano de metas eficaz para a realização dos serviços, o Presídio é falho na concepção de manejo dos presos, onde facilita que os agentes abandonem os seus postos de trabalho. Para aplicação de recursos para uma futura reforma no Presídio, o mesmo deverá ser desocupado para que os serviços sejam realizados a contento e alcançado um maior grau de eficiência na execução e com isso evitando que os presos participem de tal processo. (...)” (fl. 9); e,

Relatório de Ensaio nº 1.671

“(...) foi realizado ensaio de esclerometria em diversos elementos estruturais na Penitenciária de Segurança Máxima, no município de Viana – ES. O procedimento do ensaio seguiu as recomendações da norma da Associação Brasileira de Regras Técnicas – ABNT, descritas na NBR 7.584 —

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‘Concreto Endurecido’ — Avaliação da dureza superficial pelo esclerômetro de reflexão.

O ensaio esclerométrico é um método não-destrutivo que mede a dureza superficial do concreto, que fornece elementos para a avaliação da qualidade do concreto endurecido.

(...)

O método esclerométrico é um ensaio que fornece uma boa medida da dureza relativa da superfície do concreto. A partir dos resultados obtidos pode-se concluir que as peças analisadas apresentam uniformidade de dureza superficial.

Pode-se fazer uma estimativa da resistência à compressão do concreto, a partir de gráfico de correlação da resistência à compressão com o índice esclerométrico, que é fornecido pelo fabricante do aparelho. Porém, as curvas constantes no aparelho referem-se a concretos preparados em outros países, em condições e com materiais diferentes dos nacionais. Além deste fato, como se trata de concreto aparente, que deveria ser corrigido com coeficiente de correção de difícil quantificação(...)

Volta-se a frisar, a real resistência do concreto só pode ser avaliada por outros métodos tais como a extração de corpos-de-prova para posterior ensaio de compressão em laboratórios especializados.”(fls. 11/12)

À fl. 28, por determinação do presidente do CNPCP, a secretária do

conselho, senhora Luciane Espíndola de Amorim Souza, em 22 de fevereiro de 2006,

fez chegar os autos às mãos dos conselheiros Edson Biondi e Luís Guilherme Vieira,

para emissão de parecer, após visita de inspeção a ser realizada no Sistema Prisional do

Estado do Espírito Santo, devendo-se picar, desde logo, que esta foi levada a efeito nos

dias 12 a 14 de março de 2006.

À fl. 29, ofício circular nº 387/2006, datado de 23 de fevereiro de 2006 e

também subscrito pela secretária do conselho, solicitando, ao conselheiro Luís

Guilherme Vieira, fossem acostados aos autos em estudo os memorandos de nº

769/2005/DEPEN/GAB, de 8/12/2005, e o de nº 178/2006/DEPEN/GAB, de

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20/2/2006, ambos da lavra do diretor daquele departamento, doutor Maurício Kuehne,

no que restou atendida.

A primeira epistolar do DEPEN (fl. 30) capeia o ofício nº 319/2005, de

25/11/2005, da 5ª Vara Criminal de Vitória, na qual o juiz Grécio Nogueira Grécio,

envia “cópia de decisão proferida por este juízo, já remetida aos órgãos competentes para a adoção das

medidas necessárias no âmbito de suas competências, dando ciência ao DEPEN das precariedades do

Presídio de Segurança Máxima do Estado do Espírito Santo” (fl. 31). Deve-se mencionar, aqui,

que o diretor Maurício Kuehne, ao tempo em que mandava fosse agradecida, a Sua

Excelência, a informação, comunicava, em 6/12/2005, àquela mesma autoridade

judiciária, que o seu expediente estaria sendo enviado à análise do CNPCP e da

Ouvidoria/DEPEN.

Às fls. 32/34, vamos encontrar a decisão, datada de 25 de novembro de

2005, da lavra do juiz retro citado, da 5ª Vara Criminal de Vitória, na qual alerta ao

secretário de estado da Justiça do Espírito Santo que, “diante dos recentes episódios [não se

extrai, da decisão, quais teriam sido os episódios que motivaram referido decisum, não

sendo defeso inferir que estes estão correlacionados aqueloutro ofício do mesmo juízo,

onde restaram esgarçadas todas as mazelas detectadas na unidade prisional de

segurança máxima] (...) envolvendo o Presídio de Segurança Máxima, especialmente no tocante à

perda de controle do Estado sobre a unidade, medidas em caráter emergencial foram detectadas pelo

Poder Judiciário a partir das recentes inspeções realizadas, sem solução até o momento” (fl. 32), e

determina a implementação de quinze medidas, “sob pena de desobediência” (sic), as quais

haveriam de ser tomadas, umas, “IMEDIATAMENTE” (as de nº 1 a 10) e as outras,

“no prazo de 30 (trinta) dias”.

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157

Para otimizar a elaboração dessa peça, relataremos, unicamente, os tópicos

pelo magistrado elencados, já que os fundamentos podem ser vistos às fls. 32/34. Eis,

pois, os tópicos:

1) Separação imediata dos presos e das visitas 2) Permanência dos presos que não possuem visitas cadastradas 3) Isolamento da área central do presídio durante o período de visitas 4) Proibição da entrada de visitas nos dias autorizados 5) Troca integral da guarda militar do presídio 6) Informação do número e modelo 7) Abertura de livro de controle 8) Realização de identificação e conferência individual dos presos 9) Preenchimento integral com concreto dos túneis existentes 10) Isolamento de áreas de gradeamento 11) Fechamento de todas as comunicações internas 12) Recuperação de toda a estrutura de iluminação das áreas externas e

internas que afetem a segurança, inclusive refletores da muralha e pátios de visitas

13) Retirada de todas as antenas situadas nas áreas de banho de sol das galerias

14) Manutenção do equipamento de bloqueio de celulares ligado 15) Instalação de equipamento de circuito interno de tv (cftv). (fls. 32/33, com destaques no original)

Às fls. 38/46, ofício nº 50/2006, datado de 7 de fevereiro de 2006 e assinado

pelos juízes Carlos Eduardo Ribeiro Lemos e Grécio Nogueira Grécio, ambos da 5ª

Vara Criminal de Vitória, encaminhado ao (atual) secretário de estado da Justiça do

Espírito Santo, doutor Ângelo Roncali de Ramos Brito, em resposta à declaração que

Sua Excelência teria feito à imprensa de que “as melhorias não podem ser feitas da noite para o

dia como quer o Juiz Carlos Eduardo”.

Em síntese muito apertada, a epistolar procura traçar, em linguagem pouco

encontradiça na messe forense, a situação vivida e denunciada desde anos atrás com os

dias de hoje, para, por fim, afirmar que:

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“(...) o povo do Espírito Santo está mais lúcido, e não é demorado como algumas pessoas pensam. Todos sabem que o Poder Executivo desprezou nossas denúncias e solicitações. Com isso, V. Exa. só conseguirá mais descrédito junto à opinião pública, que é testemunha do comprometimento e empenho dos Juízes desta VEP em prol tanto da melhoria das condições de dignidade para os presos, assim como das condições de segurança para a população.

Se hoje os internos do PAES estão fechados, a culpa é da SEJUS, pois como já dissemos em nossa decisão, tomamos tal providência em prol da SEGURANÇA DA POPULAÇÃO ORDEIRA E TRABALHADORA DE NOSSO ESTADO, que ficou assustada ao ouvir a declaração de V. Exa. no sentido de que não tem como fiscalizar as saídas clandestinas da PAES.

Pelo exposto, tomamos a liberdade para DETERMINAR a V. Exa. que sejam tomadas algumas providências EMERGÊNCIAIS (sic) para sanar tais sérios problemas, principalmente no que tange às medidas de segurança, pois o que vimos foi o Estado fingindo que está prendendo, e os internos fingindo que estão presos, ficando a população à mercê de bandidos portadores do álibi perfeito: ‘estavam presos, não podendo pois ter cometido novos crimes’. Esperamos que V. Exa. não compactue com tais absurdos fatos.

Não aceitaremos o discurso de que ‘no Brasil inteiro é assim’. Aqui vai ter que ser diferente, pois é inadmissível que o Estado do Espírito Santo, potência petrolífera nacional, maior recuperador de débitos no País, não tenha condição de conter 210 internos do regime semi-aberto, sem lhes proporcionar dignidade e trabalho e, conseqüentemente, segurança para o povo. Isso é uma vergonha.

Nem precisava, diante da experiência nacional de V. Exa., entretanto sugerimos que tome ciência de como o regime semi-aberto é cumprido no DF, complexo da Papuda, onde poderá constatar ser possível mudar essa realidade taxada por V. Exa. como ‘INSUPERÁVEL, PROBLEMA NACIONAL’...

Aguardaremos uma posição sobre o que será feito, para reavaliarmos nossa decisão.

Estaremos encaminhando cópias deste relatório para o MP, SEJUS, SESP, GRP, TJES e DEPEN”. (fls. 44/46, com todos os destaques no original)

Em resumo, eis os pontos cardeais do processo em referência. 3) Número de protocolo: 08037.000033/2005-67 Assunto: O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana encaminha, em 30/6/2006, ao CNPCP, denúncia, oriunda da Comissão Justiça e Paz do Espírito Santo, “acerca de graves violações aos direitos humanos à população

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carcerária do Sistema Prisional do Estado do Espírito Santo, para conhecimento e adoção das providências julgadas necessárias”. Último andamento: em 17/3/2006, os autos foram encaminhados, a pedido, ao conselheiro Luís Guilherme Vieira.

I — BREVE HISTÓRICO

Trata-se de denúncia feita, em 20 de junho de 2005, pelo presidente da

Comissão Justiça e Paz (organismo da arquidiocese de Vitória), doutor Paulo Roberto

Rodrigues Amorim, e pelo arcebispo dom Luiz Mancilha Vilela, ao então ministro

Nilmário Miranda, presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana,

vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, o

qual, por seu turno, em 30 de junho de 2005, através do ofício nº 91/2005-

CDDPH/SEDH/PR, subscrito pela assessora de Sua Excelência, senhora Mônica

Ventocilla Franco, encaminha ao presidente do CNPCP, doutor Mariz de Oliveira, a

documentação acima referida (o processo foi registrado na secretaria do CDDPH sob

o nº 00005.002300/2005-04), “para conhecimento e adoção das providências necessárias” (fl. 2).

Diante disso, o presidente Mariz de Oliveira houve por bem designar, em 12

de julho de 2005, o conselheiro Lélio Lauria Ferreira para relatar e emitir parecer (fl.

375). Referido conselheiro, em data não precisada, o devolveu à secretaria do conselho,

informando ter solicitado diligências preliminares a autoridades do estado do Espírito

Santo, para que estas atualizassem as informações recebidas, “até que ficasse definida a

visita àquele Estado para a averiguação in loco” (fls. 376/377).

“Na reunião dos dias 22 e 23, em Brasília, este Conselho deliberou realizar uma reunião nos dias 27 e 28 de março de 2006 na cidade de Vitória-ES, quando, então, seria nomeada uma Comissão para apurar essas denúncias.”

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160

Como resultado das diligências efetuadas por este Conselheiro, recebemos cópia de documentos relativos a supostos crimes de tortura no estado do Espírito Santo, que seguem em anexo” (fl. 377).

A papelada citada pelo então conselheiro relator veio, pois, a formar o

Anexo 1 — que não se encontra numerado, mas, por certo, conta com cerca de

oitocentas a mil folhas —, o qual, em razão da exigüidade temporal (o conselheiro Luís

Guilherme Vieira recebeu esse processo em 17 de março de 2006, é bom picar), não

nos foi possível conhecer com a minudência que se afigura mister, razão porque, após a

apresentação deste, requer-se nova vista, para a análise daquela.

Com efeito, são noticiadas, em síntese, graves violações aos direitos

humanos da população carcerária do sistema prisional do estado do Espírito Santo,

tendo em vista a submissão dos presos a torturas, tratamentos cruéis e desumanos.

Órgãos públicos e entidades da sociedade civil foram provocadas, pelos

juízes da 5ª Vara Criminal de Vitória, doutores Carlos Eduardo Ribeiro Lemos e

Grécio Nogueira Grécio, a responder a diversas perguntas.

Para facilitar a compreensão dessas peças, disporemos, órgão a órgão, de

jeito sumariado, uma avaliação das perguntas e das respectivas respostas.

• Comissão Justiça e Paz

Às fls. 7/10, vemos o relatório da Comissão Justiça e Paz, da arquidiocese de

Vitória, sobre a inspeção feita ao PSMA, no dia 4 de março de 2005, subscrito pelo

senhor Paulo R.R. Amorim, presidente da entidade.

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Em linhas curtas, esclarece o relatório que o estabelecimento não assegura as

condições mínimas previstas na legislação nacional, sendo que sua estrutura física é

repleta de irregularidades, tais como infiltrações e vazamento de esgoto. As guaritas,

por sua vez, não oferecem condições de labor.

Podem ser consideradas precárias a higiene e a aeração, além da alimentação,

fornecida por empresa terceirizada, ser de péssima qualidade. Não há, no presídio,

controle de doenças contagiosas, o que expõe os presos sadios a enfermidades.

• Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura

Adveio, aos autos, parecer técnico de vistoria e constatação elaborado pelos

engenheiros civis Radegaz Nasser Júnior e Anderson Silva Martins Ferreira, em atenção

à solicitação do juiz titular da 5ª Vara Criminal de Vitória, estado do Espírito Santo.

(fls. 46/65 – Manicômio e Presídio Feminino; fls. 198/219 — Casa de Passagem, Casa

de Detenção e Instituto de Reabilitação)

Segundo os expertos, a edificação traz risco para os internos e funcionários,

tendo em vista que as infiltrações afetam sua estrutura física e o sistema elétrico possui

várias ligações irregulares, podendo, inclusive, causar incêndios.

Os estabelecimentos prisionais encontram-se superlotados e, portanto, não

oferecem condições mínimas de dignidade física e mental à pessoa humana,

necessitando correções emergenciais que visem à segurança de quem lá transita, visto

não se encontrar adequado às novas exigências estruturais e de relações internas.

• Engenharia de Segurança no Trabalho

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Em trabalho denominado O flagelo da pena, às fls. 119/133, a engenheira de

segurança do trabalho, doutora Márcia Ferri, elaborou laudo técnico descritivo e

fotográfico, após inspeção realizada em 26/1/2005, requerida pelo juízo da 5ª Vara

Criminal da Comarca de Vitória.

Constatou, Sua Senhoria, que as dependências da unidade prisional possuem

grandes infiltrações nos tetos, próximas a pontos de luz e paredes, acarretando a

presença de fungos, mofos e bactérias nocivas à saúde, além do risco de incêndio.

Muros baixos e com ressaltos estão a facilitar a fuga de detentos e causam estresse aos

servidores. Gambiarras elétricas, fiações expostas e a ausência de extintores podem

provocar incêndios, curtos-circuitos e choques elétricos.

No posto de enfermagem, continua, o filtro de água está localizado próximo

à caixa de descarte de perfuro-cortantes, e no odontológico, podem ser encontrados

ambientes e materiais sujos, empoeirados e com fezes de animais por todo o local.

Ademais, as celas não possuem iluminação e ventilação adequadas, e nelas são vistos

restos de alimentos e lixos, sem qualquer processo de higienização.

• Corpo de Bombeiros Militar

Em 8/3/2005, comunicação interna do Corpo de Bombeiros Militar do

Espírito Santo, encaminhada pelo tenente BM Clayton Laeber Thompson ao major

BM chefe do CAT, na qual consta relatório de vistorias realizadas no dia 4/3/2005, nos

seguintes estabelecimentos: Penitenciária de Segurança Máxima, Casa de Custódia e

Penitenciária de Segurança Média, Casa de Passagem e IRS. Tal avaliação foi

requisitada pelo juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos.

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A unidade prisional não atende às exigências legais e técnicas de combate a

incêndio e defesa civil, assim como não há um claro procedimento para ações de

calamidade. Cabe salientar, aqui, a inexistência de aval para funcionamento concedido

pelo órgão.

Conclusivamente, relata a corporação que os edifícios mencionados não

atendem às normas de proteção contra incêndio e pânico e, por isso, as pessoas e bens

ali existentes correm riscos.

• 4º Batalhão de Polícia Militar

Ofício, à fl. 83, do Quarto Batalhão da Polícia Militar, em resposta ao juiz da

5ª Vara Criminal de Vitória, doutor Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, por ocasião da

inspeção multidisciplinar nos presídios de Vila Velha.

Em vistoria realizada nas dependências dos presídios, constatou-se que as

muralhas não oferecem segurança e as guaritas existentes não seguem as normas de

segurança e de trabalho, não protegendo, portanto, quem lá está, contra intempéries.

O armamento utilizado pelos policiais está em boas condições, contudo não

é em número suficiente. Os agentes não recebem treinamento, faltam critérios técnicos

para realização de escolta e não estão disponíveis sistemas eletrônicos de segurança.

Vale ressaltar, ainda, que a revista pessoal não é eficiente e se faz necessário um maior

controle na entrada de pessoas, de materiais e de serviços.

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Mister se faz destacar que as grades, cadeados e paredes encontravam-se

(como ainda se encontram, dizemos nós) em péssimo estado e a comida servida é

motivo de constante reclamação.

• Conselho Estadual dos Direitos Humanos

Relatório da inspeção judiciária realizada no Hospital de Custódia e

Tratamento Psiquiátrico, subscrito pelo senhor Isaías Santana da Rocha, presidente do

Conselho Estadual dos Direitos Humanos e coordenador nacional do Movimento

Nacional de Direitos Humanos, e pela senhora Isabel Aparecida Borges da Silva,

membro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos e coordenadora da Pastoral

Carcerária da Arquidiocese de Vitória.

A vistoria foi realizada nos seguintes estabelecimentos: Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico — fls. 89/92, 137/138 e 254/258;

Presídio Feminino — fls. 93/95, 139/140 e 243/246;

Casa de Custódia — fls. 342/343 e 247/248;

Presídio de Segurança Média — fls. 344/345 e 289/290;

Presídio de Segurança Máxima — fls. 346/347 e 252/253; e,

Complexo Penitenciário de Vila Velha (Casa de Passagem e IRS) — fls. 233/238.

Ao responder às indagações formuladas pela 5ª Vara Criminal de Vitória,

informou, às entidades da sociedade civil organizada, que os estabelecimentos, em

geral, não atendem aos preceitos do tratamento mínimo para presos determinado pelo

Ministério da Justiça e pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

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Mais. As guaritas, quando existem, não oferecem condições de trabalho aos

milicianos.

Demais isso, não são oferecidas, aos presos, condições de dignidade física e

mental, sendo eles submetidos a maus-tratos e torturas. As atividades de reinserção

social, onde há, não atendem a todos.

A alimentação, mesmo quando preparada fora do presídio, também é alvo de

queixumes, por ser de má qualidade e de pequeno valor nutricional. De baixa

qualificação é a água fornecida, tendo em vista a falta de limpeza dos reservatórios.

Em alguns presídios são encontrados fossas destampadas e esgotos abertos,

que relacionados com a falta de higiene das celas, corredores e pátios, adicionados aos

focos de infiltração, ofertam inúmeras fontes de doenças.

Foi constatada a presença de internos acometidos de doenças contagiosas não

isolados dos demais. Levando em consideração as precárias aeração e limpeza, as

enfermidades são facilmente propagadas.

Alguns documentos não estão submetidos às perguntas formuladas pelo

juízo, como, por exemplo, o ofício de fl. 153, remetido ao juízo 5ª Vara Criminal de

Vitória, em 10/1/2005, pelo senhor Isaías Santana da Rocha, presidente do Conselho

Estadual dos Direitos Humanos. Em anexo ao expediente, temos o relatório do

Conselho Estadual dos Direitos Humanos sobre tortura no estado do Espírito Santo

(fls. 153/163).

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O referido documento aborda a questão da tortura no mundo e no Brasil,

dando atenção especial ao estado do Espírito Santo, onde o uso desse artifício como

meio de investigação criminal é fato comum nas instituições de segurança.

Informa-se que as queimas de ônibus ocorridas em Vitória foram uma

resposta ao tratamento desumano a que são submetidos os detentos pelo Batalhão de

Missões Especiais (BME) e que o governo estadual tomou conhecimento de que as

ordens partiam de dentro do sistema prisional.

Passamos, adiante, à transcrição de trecho de comunicação interna oriunda

da Diretoria de Inteligência da Polícia Militar:

“Através de levantamentos efetuados por esta Diretoria de Inteligência, verificou-se que a população carcerária da Grande Vitória está organizando para data de hoje 18/11/2004, a partir das 19:00 horas, mais provavelmente no horário das 21:00 horas, um evento criminoso com o objetivo de protesto da presença do Batalhão de Missões Especiais no MOSESP II.” (fl. 161)

• Relatório do Conselho Estadual de Direitos Humanos após visita à Casa

de Custódia de Viana, em 1º de junho de 2004, sobre os acontecimentos que

teriam gerado a última rebelião ocorrida no presídio (fls. 371/374)

Segundo os presos, agressões provocadas pela guarda do presídio, como

corte de banho de sol e de energia, torturas (associadas à presença da PM há seis anos

na unidade) e maus-tratos a seus familiares, além da superlotação e da péssima

qualidade da alimentação (sem nutrientes e servida fora do peso estipulado) e dos

serviços oferecidos, teriam sido os principais motivos para que a rebelião ocorresse.

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Relatou-se que, no dia motim, o Batalhão de Missões Especiais da PM

entrou no presídio atirando com armas de fogo e, em seguida, foram disparadas balas

de borracha. Agiram os policiais com truculência, desferindo golpes de facas e

cassetetes, além de chutar e socar os internos. Alguns detentos foram obrigados a pular

de uma altura de, aproximadamente, três metros.

Foi salientado, lado outro, pelos presos, a freqüente substituição de

diretores, o que acaba por gerar insubordinação e falta de um comando eficaz.

• Polícia Militar – Laudos de Vistoria Técnica

Às fls. 141/151, laudo de vistoria técnica da Casa de Passagem da Glória,

Casa de Custódia de Vila Velha e Instituto de Reabilitação Social, subscrito pelo

tenente Chandler Galvan Lube, em 19/1/2005. Relatório, às fls. 324/341, das unidades

prisionais de Viana: Presídio de Segurança Máxima, Presídio de Segurança Média e

Casa de Custódia.

O efetivo da Polícia Militar é insuficiente para proteção e segurança em

proporção com o número de internos e tamanho das edificações. Fatores que

prejudicam o monitoramento das unidades são o mau estado das muralhas e a ausência

de condições de segurança e trabalho das guaritas.

Aduz-se que o funcionamento da iluminação e o sistema de comunicação

desatendem os fins almejados. Os acessos às unidades não são adequados à atividade

policial, assim como o sistema eletrônico de segurança, a alimentação e os alojamentos.

A guarda não conta com lanternas, tampouco algemas.

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Verificou-se que o armamento utilizado é insuficiente e inservível e que os

milicianos não recebem treinamento para utilização dos mesmos. Destaque-se,

também, que a vistoria e a escolta são realizadas sem observância de critérios técnicos,

assim como não há instrução de como contornar distúrbios.

• Pastoral Carcerária Nacional – CNBB

A Pastoral Carcerária é incisiva ao condenar a presença ilícita do Batalhão de

Missões Especiais e de policiais militares do Espírito Santo nos presídios situados na

Grande Vitória, visto que a prática de tortura contra os presos é constante (fls.

272/275).

Após visita à Casa de Custódia de Vila Velha, a Pastoral Carcerária pôde

constatar a veracidade das denúncias de tortura física e psicológica. Isto porque, além

dos presos denunciarem a conivência e participação direta do diretor, ele próprio

confirmou tal prática, afirmando não concordar com a mesma, mas alegando não ter

condições de conter os policiais militares (fls. 282/284).

• Conselho Regional de Medicina do Estado do Espírito Santo

Foi solicitado ao Conselho Regional de Medicina daquele ente federado o

acompanhamento de inspeções que seriam realizadas na Penitenciária de Segurança

Máxima e na Casa de Custódia de Viana, em 4 de março de 2005 (fls. 314, 321/323).

Pelo médico fiscal Álvaro Lopes Vereno, foi informado o que se segue.

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A alimentação oferecida está aquém dos nutrientes necessários à espécie

humana. Observou-se que condições do piso, aeração, temperatura e

acondicionamento da cozinha da Casa de Custódia são inadequados.

Celas, corredores e pátios são insalubres, tendo em vista as infiltrações,

esgotos abertos e fossas destampadas. Insetos, roedores, bem como dejetos humanos

são encontrados em áreas de livre circulação. Não há política de controle de zoonoses,

constatando-se, inclusive, focos de dengue. remédios.

O atendimento médico é insuficiente, faltando equipamentos, leitos e

• 7ª CIA do 7º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo

Veio aos autos o relatório de inspeção multidisciplinar respondido pela

Polícia Militar, além de alguns documentos expedidos pela 7ª Cia do 7º BPM (fls.

292/304). Quanto aos quesitos formulados para inspeção no Complexo de Viana, foi

respondido pelo 7º BPM o que à frente se comentará estreitamente.

As muralhas não oferecem segurança e o efetivo da PM é insuficiente para

oferecer proteção e segurança, em proporção ao número de internos. Desrespeitadas

são as normas de segurança e trabalho no que tange à utilização das guaritas. Poucos

postos de vigilância estão ativados, em razão do ínfimo contingente policial disponível.

Inexiste treinamento para uso do armamento, controle de distúrbios, escolta

policial (feita sem observância técnica) e fiscalização de entrada de pessoas e objetos.

Há carência de equipamentos de proteção individual, comunicação e de munição. A

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guarda não possui algemas e lanternas suficientes e a alimentação e alojamentos

dispensados a ela não atendem às necessidades.

• Corregedoria da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo

Em 26/1/2005, relatório (fls. 66/77) elaborado pela Corregedoria da Polícia

Militar, conforme requerimento da 5ª Vara Criminal de Vitória, após vistoria no

Manicômio Judiciário e no Presídio Feminino. De acordo com as respostas, expõe-se o

que a seguir se descreve.

Tanto o manicômio como o presídio não possuem muralhas. No caso do

primeiro, há uma cerca, e, no segundo, apenas um muro, os quais, porém, oferecem

pouca segurança. Nos dois presídios apenas uma guarita é utilizada, sendo que esta não

atende às normas de segurança, tampouco oferece proteção contra sol, chuva e calor.

Com relação ao efetivo de que dispõem os presídios, não há policiais

militares suficientes para fiscalizá-los. Quanto aos armamentos disponíveis, no

manicômio, os revólveres estão em boas condições, porém só há os de calibre 38, e, no

presídio feminino, há pistolas e uma escopeta. Além disso, a munição é de má

qualidade e os policiais não possuem armas não-letais.

Não existe sistema de comunicação entre os policiais no manicômio,

enquanto no presídio feminino há sistema de comunicação com emprego de rádios

HT, porém existem dificuldades de contato com o CIODES. A qualidade da

alimentação e dos alojamentos também não atende às necessidades dos policiais, e, no

caso do manicômio, o acesso à unidade é inadequado à sua atividade.

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Assim como a escolta, no manicômio, a revista pessoal aos visitantes é

realizada pela SEJUS, bem como a fiscalização dos materiais disponíveis aos presos,

para que não ofereçam risco à segurança da unidade. Já no presídio, a corregedoria

afirmou que a revista conta com poucos policiais e não atende às necessidades de

segurança. Nos dois estabelecimentos não há qualquer sistema eletrônico de segurança.

• Secretaria Municipal de Saúde de Vila Velha

Em 20/1/2005, relatório de inspeção sanitária (fls. 164/180) produzido pela

Secretaria de Saúde do Município de Vila Velha, atendendo à solicitação da 5ª Vara

Criminal de Vitória, tendo como subscritores os doutores Márcia Cruz Pereira

Andriolo (secretária municipal de Saúde de Vila Velha), Marizete de Oliveira Silva

(coordenadora da Vigilância Sanitária) e Francisco de Assis dos Santos (engenheiro civil

da DEVISA). Abaixo, tem-se um resumo dos principais pontos observados.

Tanto a Casa de Passagem, como a Casa de Custódia, possuem pisos e

paredes em péssimo estado, além de sistema de esgoto deficitário. A Casa de Passagem

também sofre pela falta de ventilação, assim como o Instituto de Reabilitação Social,

que, neste caso, teve as aberturas para ventilação tapadas por vários materiais.

Podemos citar pontos específicos quanto à Casa de Passagem, que são: falta

de portas nas celas; incidência insuficiente de luz nas celas e o risco de curto-circuito,

devido à irregularidade de ligações elétricas. Já na Casa de Custódia, os maiores

problemas são a falta de portas nos banheiros e a existência de vazamentos d’água.

No caso do IRS, destacam-se a umidade constante e a existência de

infiltrações; o acondicionamento dos alimentos, que é feito de forma incorreta; o

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grande número de focos de ratos e baratas; e a falta de equipamento para proteção

daqueles que trabalham na fábrica de artefatos de concreto.

Por fim, a título de “orientações gerais”, a secretaria sugere que as modificações

propostas sejam implantadas com base nas normas da ANVISA e da ABNT.

• Comissão de Direitos Humanos – OAB/ES

Relatório da Comissão de Direitos Humanos da OAB sobre inspeção

multidisciplinar realizada no Manicômio Judiciário e no Presídio Feminino, em

31/1/2005 (fls. 114/118), e nos presídios de Viana em 4/3/2005 (fls. 306/310).

Destacam-se os problemas descritos nas linhas abaixo.

Em primeiro lugar, os presídios em pauta não atendem aos preceitos de

tratamento mínimo estabelecidos pelo Ministério da Justiça e pelo CNPCP (resolução

nº 14, de 11 de novembro de 1994). Isto porque não há condições de dignidade mental

para os presos, tampouco para os policiais.

A higiene nos presídios, com exceção do PSME, é precária, oferecendo

riscos à saúde de presos, funcionários e familiares. Outro diferencial do PSME é a

existência de atividade de reinserção social, visto não existir qualquer indício deste tipo

de atividade nos outros presídios, como, por exemplo, no Manicômio Judiciário. No

Presídio Feminino, poucas presas trabalham.

Vale ressaltar que em nenhum presídio existe assessoria jurídica compatível

com o número de presos, pois no PSMA e no PSME há apenas 1 (um) assessor

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jurídico e, na CASCUVV, apenas 4 (quatro). Além disso, em nenhum presídio existem

guaritas que ofereçam proteção, aos policiais, contra chuva, sol e calor. 4) Número de protocolo: 08037.000061/2002-31 e 08037.000006/2003-22 Assunto: Propostas sobre condições especiais para o cumprimento das penas em presídios de segurança máxima, formalizadas pelos juízes Alexandre Martins de Castro Filho (vítima de homicídio) e Carlos Eduardo Ribeiro Lemos Último andamento: em 21/3/2006, os autos foram encaminhados, a pedido, ao conselheiro Luís Guilherme Vieira.

I — BREVE HISTÓRICO

Trata-se de proposta apresentada pelos juízes Alexandre Martins de Castro

Filho (vítima de homicídio naquele estado) e Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, atuantes

na área de execução penal do estado do Espírito Santo, em 9 de dezembro de 2002.

Foi, originariamente, enviada ao DEPEN, o qual, por seu turno, a encaminhou à

análise do CNCPC, para apreciação e discussão.

Foi sugerida a criação de um regulamento padronizado para presos sob a

égide do famigerado regime disciplinar diferenciado. São englobados alguns tópicos

importantes para o bom funcionamento das penitenciárias. Um deles é a adoção de

critérios mais rigorosos para seleção de agentes penitenciários, por meio dos quais estes

só poderiam ser contratados após aprovação em concurso público específico. Os

aprovados receberiam treinamento para exercerem suas funções de forma escorreita.

Tal treinamento incluiria, porventura aprovado, o ensinamento de noções

sobre direitos humanos, execução penal, espécies de penas e suas particularidades,

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direitos e deveres de presos e da administração do presídio, e regras para a preservação

de segurança do funcionário.

Para os internos, seriam estabelecidas duas espécies de rotina, a saber: uma

diária e, a outra, para dias de visitas. De qualquer forma, uma das regras seria a

proibição da entrada de pessoas nas celas, ressalvados os casos de funcionários

responsáveis pela administração da instituição prisional, e de advogados,

acompanhados pelo diretor do estabelecimento, caso alegassem constatar irregularidade

no interior da cela.

O regulamento proposto prevê, ainda, uma lista de materiais e a quantidade

destes que seriam permitidas aos recolhidos nesse (nefasto e desumano, afirmamos

nós) sistema celular. A listagem cita itens essenciais como, por exemplo, os números de

sabonete, creme dental, lençol etc.; sem se descurar de alguns supérfluos indisputáveis,

como maços de cigarro, mini-isqueiros e material de leitura selecionado.

Em 8 de abril de 2003, o processo em questão foi encaminhado, por ordem

do presidente do CNPCP, doutor Mariz de Oliveira, ao conselheiro Ricardo de Oliveira

da Silva, para emitir parecer e relatar (f. 9). Este, por sua vez, em 14 de abril de 2003,

entendeu que esse expediente deveria ser apreciado conjuntamente pela Comissão

Especial do CNPCP, designada para tratamento de Regime Disciplinar Diferenciado (f.

9v). As propostas foram, então, encaminhadas ao conselheiro Carlos Weiss. Segundo o

parecer desse conselheiro, datado de 8 de junho de 2003, há necessidade de que seja

implantado esse “código de procedimento” de forma objetiva, para que, assim, seja

mais fácil pautar a conduta dos funcionários do sistema penitenciário. Afinal, eles são

encarregados tanto de cumprir a lei, como de identificar os desvios de conduta e as

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práticas ilegais eventualmente ocorridas. Desta forma, sustenta, resumidamente (fls.

11/13):

“Quer me parecer que o estabelecimento de normas precisas de conduta terá o condão de afastar a discricionariedade do agente penitenciário, manifestadamente maléfica em se tratando de situação em que há a submissão de um ser humano por outro, ainda que em decorrência de decisão judicial.” (fl.12)

Aprovado, então, o parecer do conselheiro Weiss, o CNPCP sugere que se

inicie a codificação das normas de conduta dos agentes penitenciários, em parceria com

a Secretaria Nacional de Justiça, tendo por meta a criação do Código de Conduta do

Funcionário do Sistema Carcerário Brasileiro.

Visando ao apoio das secretarias de Justiça dos estados-membro, o

presidente Mariz de Oliveira enviou ofícios aos chefes daquelas pastas, em 29 de agosto

de 2003, solicitando sua colaboração no sentido de encaminharem subsídios ao

conselho, para que fosse iniciado o processo de codificação em pauta (fls. 20/46, do

procedimento anexo de nº 08037.000006/2003-22). Os ofícios não mereceram

resposta, conforme informação obtida pelo conselheiro Luís Guilherme Vieira, em 22

de março de 2006, com a secretária do CNPCP, senhora Luciane Espíndola de

Amorim Souza.

Por derradeiro, uma rubrica há de ser feita. A proposta em análise foi

encaminhada pelos juízes capixabas para ser discutida, como de fato foi, na reunião do

CNPCP, aprazada para 9 e 10 de dezembro de 2002, quando aquele conselho se

encontrava sob a presidência do doutor Eduardo Pizzarro Carnelós.

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Destaque-se, ainda, que naquela reunião, em especial na realizada em

10/12/2002, os juízes da 5ª Vara Criminal de Vitória fizeram-se presentes à sessão e

usaram da palavra para consignar o que antes restou relatado.

III) RELATÓRIO DE INSPEÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

a) COMEMORATIVOS

Os conselheiros Edison José Biondi e Luís Guilherme Vieira realizaram, nos

dias 12 a 14 de março de 2006, inspeção nas unidades prisionais adiante especificadas,

localizadas no município da Grande Vitória, estado do Espírito Santo.

Antes de iniciar o relato, em atenção ao que foi deliberado pelo presidente

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira na última reunião ordinária ocorrida em Brasília, em

27 e 28 de fevereiro de 2006, devemos informar que fizemos contato com a ouvidora

do DEPEN, senhora Carla Polainne, restando ajustado, em conferência telefônica, que

o referido órgão, por já ter realizado visitas anteriores às unidades prisionais daquele

estado, responsabilizar-se-ia pela elaboração da pauta referente às unidades a serem

inspecionadas. Claro está que sem nos descurarmos daquelas que são objeto de análise

nos processos em trâmite no CNPCP, mencionadas aqui e alhures, sendo certo avisar,

de outro lado, que a própria ouvidora do DEPEN havia sido designada pelo presidente

do departamento para nos acompanhar na diligência capixaba.1

1 Há de se dizer, nesse passo, que, quando chegamos àquele estado, em 12/3/2006, a agenda de visitação já havia sido elaborada, pensávamos, pela ouvidora do DEPEN. Porém, pelo que se constatou, mais tarde, através de contatos telefônicos mantidos com a doutora Carla Polainne, e, depois, com a secretária do CNPCP, senhora Luciane Espíndola de Amorim, toda a agenda e logística miliciana (BME) foi providenciada por qualquer autoridade que não nos foi dado identificar (na reunião acontecida, em 14/3/2006, na sede da Secretaria da Justiça do Espírito Santo, o juiz Carlos

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Restou avençado, ainda, que diversas autoridades do Poder Público do

Espírito Santo e representantes da sociedade civil organizada seriam comunicados, pelo

presidente do CNPCP, acerca da nossa presença naquele estado, para que elas,

querendo, pudessem nos receber em audiência.

b) ATIVIDADES REALIZADAS NO DIA 12/3/2006

Com efeito, logo que chegamos a cidade de Vitória, por volta das 19h,

tivemos contatos preliminares, em separado, com o secretário da Justiça do Espírito

Santo, doutor Ângelo Roncalli de Ramos Barro; com o juiz titular da 5ª Vara Criminal

de Vitória, doutor Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, e com o seu adjunto, doutor Grécio

Nogueira Grécio; e, por fim, com o presidente da Comissão Justiça e Paz daquele

estado, senhor Paulo Roberto Rodrigues Amorim, e alguns de seus conselheiros, padre

Kleber José Brandão Siqueira e Bruno Montenegro, o qual, no ato, também

representava a Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Vitória.

O último senhor aproveitou a audiência para, de pronto, nos entregar uma

“denúncia sobre o atual sistema penitenciário”. Dito documento, que já havia sido entregue ao

presidente da CJP e que restará entranhado aos autos do processo de nº

0837.000033/2005-67, do CNPCP, relata as preocupações da pastoral com as

condições atuais em que se encontram os estabelecimentos penitenciários daquele Eduardo Ribeiro Lemos fez questão de deixar assentado que ele não havia sido o responsável pela agenda e pela convocação do BME, esclarecendo, naquela oportunidade, talvez de jeito equivocado, que a secretária do CNPCP teria sido a responsável pela agenda e logística do BME) já que a ouvidora do DEPEN e a secretária do CNPCP não chegaram a tratar da questão em momento algum. A primeira, por ter realizado várias viagens pelo Brasil e, a segunda, por ser-lhe vedado, conforme regras internas do conselho.

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estado. Também nesse encontro, fomos convidados a participar, às 17h do dia

subseqüente, 13 de março de 2006, de uma audiência pública, organizada pela CJP, que

contaria com a presença de vários representantes da sociedade civil organizada, da

ouvidora do DEPEN e do ministro dos Direitos Humanos, doutor Paulo Vanuchi.

Ainda naquele mesmo dia e também logo após a nossa chegada, fizemos

contato com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional do Espírito

Santo, doutor Agesandro da Costa Pereira, que, atendendo ao apelo do presidente

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, designara o presidente da Comissão de Direitos

Humanos da seccional capixaba, doutor André Luiz Moreira, com quem o conselheiro

Luís Guilherme Vieira manteve contato telefônico, para nos acompanhar, uma vez que

ele próprio não poderia fazê-lo em razão de compromissos institucionais anteriormente

marcados para aqueles dias de inspeção.

c) ATIVIDADES REALIZADAS NO DIA 13/3/2006

No primeiro horário da manhã, deslocamo-nos, acompanhados pelos juízes

da 5ª Vara Criminal de Vitória; pelo subsecretário da Justiça, major Marchesi; pelos

promotores de Justiça especialmente designados pelo procurador-geral de Justiça,

também em especial atenção ao pedido do presidente Mariz de Oliveira, doutores

Luciana Gomes Ferreira Andrade, Maria Zumira Teixeira Bowen, Cezar Augusto

Ramaldes e Lourival Lima do Nascimento; pelo presidente da Comissão de Direitos

Humanos da OAB/ES, doutor André Luiz Moreira (o qual, apesar de ter comparecido

até a porta do presídio, houve por bem nele não adentrar, em obséquio ao pedido do

oficial da policia militar que comandava o efetivo do BME, que narrara, a todos, o

receio da segurança da comitiva, em razão do grande número de pessoas que nos

acompanhavam, conforme posterior esclarecimento de Sua Senhoria ao conselheiro

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Luís Guilherme Vieira); e, por fim, pela ouvidora do DEPEN, senhora Carla Polainne,

ao Presídio de Segurança Máxima (PSMA), no qual entramos escoltados pelo BME —

que se fez presente, durante todo o período da inspeção, com grande contingente de

milicianos, fortemente armados e com cães adestrados —, devendo-se também nesse

passo gizar que, para tanto, todos os presos tiveram de ser contidos, em momento

anterior à nossa chegada, pois, sem isto, informaram, a inspeção não poderia ser feita

de forma alguma.

Abra-se, um parêntese.

Em razão do horário (cerca das 22h30min) em que terminamos as audiências

no dia anterior, não nos foi possível contatar, apesar de nossos ingentes esforços, a

Defensoria Pública daquele estado, para que a importantíssima instituição republicana

também pudesse, por intermédio de seus membros, se fazer representar durante o

trabalho de inspeção.2

De qualquer forma, tão logo o contato foi levado a efeito no início da manhã

do dia 13 de março de 2006, por préstimos do presidente da Comissão de Direitos

Humanos da OAB/ES, tivemos o privilégio de poder contar com a presença da

defensora pública Dora Ribeiro Grijó, que exerce o seu múnus, tão-só com quatro

estagiários de Direito que lhe foram cedidos pela Secretaria de Justiça capixaba, na 5ª

Vara Criminal de Vitória, e da defensora pública aposentada Regina Maria da Silva,

durante o resto de todas as atividades realizadas pelos signatários.

2 Com relação a essa questão (inspeção realizada com pessoas outras que não os conselheiros do CNPCP), devemos comentar que, diante da firme e intransponível decisão dos juízes da 5ª Vara Criminal de Vitória em nos acompanhar durante toda a diligência, em homenagem ao princípio garantidor da paridade de armas, somando-se a este as atribuições de outros órgãos do Sistema Judiciário, fizemos questão de que a inspeção também fosse acompanhada por presentantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Secretaria da Justiça, da OAB, a qual representaria, por força constitucional, todos os demais segmentos da sociedade civil.

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Feche-se, o parêntese.

a.1) PRESÍDIO DE SEGURANÇA MÁXIMA (PSM)

Trata-se de prédio novo, com menos de 4 (quatro) anos de construção, que

causou péssima impressão, para falar o menos, porque praticamente destruído (para

não falarmos destruído totalmente) em seu interior, conforme se vê das fotografias e

filmes em anexo. O estabelecimento de regime fechado é dirigido pela advogada Tânia

Mendonça, e destinado somente a homens. Possui capacidade para 520 (quinhentos e

vinte presos) presos, sendo que a sua lotação, no dia da inspeção, era de 613 (seiscentos

e treze) presos provisórios (sim, presos provisórios) e condenados. A unidade não

possui celas individuais, apresentando um consultório médico e uma enfermaria e uma

área para isolamento de presos tuberculosos.

Exclama-se que os presos-pacientes ficam no chão, na ausência de

acomodações apropriadas. Exclama-se, ainda, que constatamos a presença, naquele dia,

de dois paraplégicos e de duas auxiliares de enfermagem. O médico somente atende, a

unidade,

duas vezes por semana, não possuindo os referidos locais de atendimento

médico condições higiênicas mínimas. Ao revés. São elas deploráveis. Ademais, não são

realizados trabalhos de prevenção ou controle de doenças infecto-contagiosas e de

doenças sexualmente transmissíveis (DST). Sobreleva-se informar que não há

atividades educacionais e a parte cultural é desenvolvida, tão-só, por grupos religiosos.

Por fim, mas também de grande importância, há de se destacar que a alimentação é

terceirizada, e servida em “marmitex”.

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A segurança interna e externa é feita por sete agentes penitenciários e doze

policiais militares, que se revezam em plantões de 24 (vinte e quatro) por 72 (setenta e

duas) horas.

Na entrada do presídio encontramos três presos contidos num lugar que, a

princípio, deveria ser destinado unicamente ao guarda-volumes, mas, em razão da

superpopulação carcerária, vem sendo utilizado como cela; bem como cerca de 25

(vinte e cinco presos) na cela que, a rigor, só deveria ser de passagem, mas que, pelas

mesmas razões, vem sendo usada como cela.

Visitamos diversas galerias e celas nas quais constatamos, sem qualquer

dificuldade, a precariedade do estabelecimento, sempre para falar o menos. A saber:

solário sem grades; restos de alimentação com água para fermentar bebidas; celas com

quatro beliches sem chuveiros; estoques; peças de ventiladores para potencializar os

celulares; buracos de toda espécie, inclusive para vigiar os policiais; vergalhões que

servem como armas; interligação de galerias e alas; buracos no chão, que se comunicam

com o pátio de visita; enfim, locais de toda espécie para esconder armas, drogas,

baratas e roedores.

Na área externa das galerias, vimos duas quadras de futebol; ala de visitas

com canos aparentes e locais alagados. Para visita íntima, que se dá aos sábados, não

existe qualquer controle para DST, e as visitas familiares, que deveriam acontecer aos

sábados, ocorrem aos domingos, em local desapropriado e insalubre.

Enfim, um verdadeiro caos!

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Depois dessa inspeção, deslocamo-nos para a Casa de Passagem de Vila

Velha (CAPVV), onde tínhamos informação, prestada pelo juiz Carlos Eduardo

Ribeiro Lemos, de que o batalhão de choque havia contido, desde cedo, todos os

presos, para que a diligência do CNPCP pudesse ser efetivada.

Ao chegarmos ao local, por volta das 11/12h, para a nossa perplexidade, por

que na contramão das informações antes recebidas, fomos advertidos, pelo oficial que

comandava o BME, de que não havia a mínima segurança para a visitação. Não nos foi

dado conhecer as razões da não-contenção. Diante disso, não nos restou outra solução

senão aceitar as explicações fornecidas.

Porém, diante de tal fato, ainda nesse mesmo dia, por volta das 22h30min,

totalmente irresignados por não termos logrado êxito na inspeção do local — aliás,

diligência por todos reclamada —, contatamos o doutor Ângelo Roncalli que, de

imediato, ficou de verificar, com o comandante-geral da PM, a possibilidade de

inspecionarmos, no dia seguinte, 14/3/2006, em qualquer horário, aquela unidade.

Acontece que, tendo em vista os fatos relacionados à queima de ônibus no estado (A

Gazeta, 2. ed, 13/3/2006, p. 1 e 4-6; por justeza, devemos esclarecer que, no mesmo

jornal, havia a notícia, também com chamada em primeira página, de que Presos planejam

venda de drogas e compra de armas, matéria desenvolvida na página 8), não foi possível, em

razão da exigüidade temporal, remanejar o efetivo militar capaz de realizar a contenção

necessária à inspeção.

De qualquer sorte, o secretário da Justiça, doutor Ângelo Roncalli, nos

afiançou que, se pudéssemos ficar até o dia 15 de março de 2006, o aparato policial

seria alocado e a inspeção levada a efeito, sem qualquer dificuldade. Como não

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pudemos esticar nossa estada, comprometeu-se o secretário em marcar, conforme a

conveniência do CNPCP, nova data para que a diligência fosse realizada a contento.

Fomos cientificados de que nesse local estavam presos, há pouco, cerca de

trinta homens que, dias antes (10 de março de 2006), haviam sido expostos como

animais irracionais enjaulados para exibição pública, em ônibus de transporte de presos,

em frente ao Palácio de Governo, por grevistas da Polícia Civil, como elemento de

manobra política de negociação para as reivindicações que eram deduzidas pela

categoria, conforme noticiado na Folha de S. Paulo, no sábado, 11 de março de 2006,

motivo pelo qual, aproveitando a oportunidade de ali nos encontrarmos, nos

entrevistamos com quatro desses detentos, todos escolhidos, aleatoriamente, pela

administração. Maiores explanações sobre o triste acontecido serão apresentadas

oralmente, se assim entender conveniente o presidente do CNPCP, doutor Antônio

Cláudio Mariz de Oliveira, na próxima reunião que será realizada em 27 e 28 de março

do corrente ano.

É importante destacar, em primeiro, que este fato já havia sido levado ao

conhecimento do presidente Mariz de Oliveira, em e-mail que lhe fora endereçado, em

11 de março de 2006, pelo conselheiro Luís Guilherme Vieira, para que Sua Excelência

pudesse tomar as providências que porventura entendesse aplicáveis à espécie.

Com efeito, naquele local, no lado externo da unidade, sempre a olhos nus,

pode-se observar que os presos ficam completamente soltos, sem que a administração

possa mantê-los isolados, pelos andares da unidade prisional. A Casa de Passagem tem

capacidade para 244 (duzentos e quarenta e quatro) internos e, em 14/3/2006, ela tinha

749 (setecentos e quarenta o nove), o que, por si só, está a demonstrar a situação

caótica em que se encontra o estabelecimento.

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Ainda no dia 14/3/2006, às 16h, nos reunimos com os promotores de

Justiça, doutores Luciana Gomes Ferreira Andrade, Maria Zumira Teixeira Bowen e

César Augusto Ramaldes, os quais nos relataram suas impressões sobre o sistema

penitenciário local, restando acordado que Suas Excelências nos enviariam suas

considerações por escrito.

Vale ressaltar que idênticas solicitações foram feitas, sempre por escrito, a

representantes do Poder Executivo (Secretaria de Estado da Segurança Pública e

Secretaria de Estado da Justiça); aos juízes da 5ª Vara de Execuções Penais; às

defensoras públicas; a OAB/ES; e a representantes da sociedade civil organizada, tudo

com o objetivo de melhor embasar este relatório, o qual, por certo, ficará mais

enriquecido com a colaboração daqueles que, direta ou indiretamente, lidam,

diuturnamente, com a questão penitenciária no Espírito Santo. Após essa solicitação

verbal, o presidente do CNCPC houve por bem encaminhar ofícios a essas autoridades

pedindo fossem enviados os relatórios, que instruiriam, como instruirão, futuras

análises por parte do conselho.

Na corredeira daquele dia, por volta das 17h30min, acompanhados pelos

promotores de Justiça, pelas defensoras públicas e pelo representante da OAB/ES (o

juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, apesar de convidado, não pôde comparecer,

porque tinha compromissos no Tribunal de Justiça, conforme nos relatou),

comparecemos à reunião promovida pela Comissão Justiça e Paz na Arquidiocese de

Vitória, onde se encontravam inúmeros representantes do Poder Público e da

sociedade civil organizada, tais como: Comissão de Direitos Humanos da Câmara

Federal, representada na pessoa da deputada Iriny Lopes; Comissão de Direitos

Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, representada pelo

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senhor Bruno de Souza; Movimento Nacional de Direitos Humanos, representado pela

senhora Marta Falqueto; Conselhos Interativos, representado pela senhora Tânia

Siqueira; Comissão Justiça e Paz do Espírito Santo, representada na pessoa de seu

presidente e dos conselheiros Bruno Guimarães e frei Atílio; da Pastoral do Menor,

representada na pessoa do padre Xavier; subchefia da Promotoria de Vila Velha,

representada na pessoa do promotor de Justiça Euclésio Ribeiro da Silva; do

Movimento dos Sem Terra; do Movimento dos Índios etc., e, por fim, com especial

relevo, a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, no ato representada pelo ministro

Paulo Vanuchi.

Nessa audiência pública, além dos diferentes temas abordados, a questão

penitenciária foi discutida de maneira enfática por quase todos os presentes,

explanando-se, por conseguinte, o episódio relativo aos presos colocados em ônibus e

expostos, em frente do Palácio do Governo, por policiais civis em greve, como força

de manobra política para que suas reivindicações fossem atendidas. Nessa ocasião, os

conselheiros usaram da palavra para esclarecer as providências já tomadas no âmbito

do CNPCP.

Na mesma linha, o ministro Paulo Vanuchi, também sabedor do fato, e, ali,

ciente das medidas já levadas a efeito pelo CNPCP, pediu-nos fosse provocado pelo

presidente do CNPCP, para que, juntos, pudessem trabalhar naquele grave problema,

que a todos provocou náuseas, pelo desrespeito à dignidade da pessoa humana,

princípio constitucional dos mais caros em países regidos pelo Estado democrático de

direito.

No dia subseqüente, 14/3/2006, às 9h, visitamos a Casa de Custódia de

Viana (CASCUVI), acompanhados pelo diretor-geral dos estabelecimentos penais da

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Secretaria da Justiça do Espírito Santo, pelas defensoras públicas (ausente, nessa

inspeção, em virtude de outros compromissos, o presidente da Comissão de Direitos

Humanos da OAB/ES). Lá já se encontravam o juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos,

os promotores designados pelo procurador-geral de Justiça e os milicianos integrantes

do BPM, sendo certo acentuar, nesse momento, que o contingente, sempre fortemente

armado e com cães treinados, era em número menor que o esperado.

O estabelecimento penal, dirigido pelo advogado Alessandro Ferreira de

Souza, é (ou deveria ser) destinado a presos condenados a regime fechado e tem

capacidade para 174 (cento e setenta e quatro) presos em cada pavilhão, encontrando-

se, no dia da inspeção, com 581 (quinhentos e oitenta e um) detidos em um único local,

uma vez que 3 (três) pavilhões estavam em obras, promovidas pela Secretaria da

Justiça.

É difícil, talvez impossível, narrar as condições chocantes que vimos.

Trata-se de local degradante, malcheiroso, sujo, propício a doenças que, por

acaso enumeradas aqui, dariam margem a várias páginas, já que a unidade prisional não

oferece, sequer, condições para porcos criados de maneira primitiva. Uma verdadeira

“casa de horror”. Ou, como bem disse o promotor de Justiça, doutor Lourival Lima do

Nascimento, “casa não, só horror”. As fotos e filmagem terão o condão de falar por si

só, sendo desnecessário complementá-las.

A representante do Ministério Público, doutora Maria Zumira Teixeira

Andrade, com atribuições na vara competente da cidade de Viana, onde fica o

“horror”, e que nos acompanhava, sentiu-se mal, tendo de sair às pressas do interior do

estabelecimento. Informou-nos, entretanto, ao final da inspeção, quando ainda todos se

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encontravam na sala do diretor, que tomaria medidas judiciais imediatas e daria, como

pensamos tenha dado, à Secretaria de Estado da Justiça, um prazo até a sexta-feira 17

de março de 2006, para que, ao menos, realizasse a higienização da unidade, e, em 20

de março de 2006, ajuizaria as medidas que a hipótese está a recomendar de há muito.

Mas tem mais, lamentavelmente.

Alertado pelo padre Xavier, da Pastoral do Menor da Arquidiocese de

Vitória, na audiência pública acontecida no dia anterior, o promotor de Justiça Cezar

Augusto Ramaldes, ao fim da inspeção, indagou ao diretor do estabelecimento acerca

da presença de menores “presos”, e, sem pestanejar, fomos informados, por Sua

Senhoria, que, por ordem judicial?!, havia de fato, naquele “horror”, um menor

custodiado. A gravidade do fato e a urgência que se afigurava presente, tudo em

consonância ao princípio da celeridade, sempre a nortear a mente de todos,

provocaram a imediata adoção das medidas, em caráter sigilo, para evitar especulações

e estrépitos desnecessários, que, ao crivo dos conselheiros assinantes, deveriam ser

levadas a efeito. A circunstância em comento poderá ser mais bem explicitada

oralmente na próxima audiência pública, se assim entender o presidente Mariz de

Oliveira.

Para dissipar um pouco a visão do inferno que constatamos, mas, também,

atendendo a pedidos da sociedade civil, da Defensoria Pública e do Ministério Público,

fomos, ainda dentro do Complexo de Viana, inspecionar o Presídio de Segurança

Média II (PSME II), de regime fechado e dirigido pela assistente social Marisa Cruz

Lucas. A unidade tem capacidade para 268 (duzentas e sessenta e oito) pessoas,

encontrando-se presas, naquele momento, 276 (duzentas e setenta e seis). Ou seja,

apenas 8 (oito) além do efetivo máximo.

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Devemos sublinhar que nos acompanharam, nessa inspeção, os promotores

de Justiça, as defensoras públicas e o diretor dos estabelecimentos penais da Secretaria

da Justiça. Infelizmente estiveram ausentes o juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos e a

ouvidora do DEPEN, senhora Carla Polainne, que, mais tarde, informou-nos que no

dia seguinte visitaria a unidade.

Esse estabelecimento é muito limpo e arejado, possuindo várias oficinas de

trabalho, escola (1ª a 8ª séries) do ensino de primeiro grau e biblioteca, merecendo picar

que todos estão em pleno funcionamento (aliás, aulas estavam sendo ministradas em

todas as salas na hora da inspeção). Tem, lado outro, enfermaria, com auxiliares de

enfermagem e visita médica duas vezes por semana. Enfim, ela nos causou excelente

impressão.

Para finalizar as inspeções, dirigimo-nos ao presídio feminino, localizado no

município de Cariacica, pertencente à Grande Vitória.

Esse é um estabelecimento para cumprimento de pena em regime fechado,

dirigido pela professora de Filosofia Maria Aparecida de Azevedo, com capacidade para

105 (cento e cinco) presas, contanto, no dia, com 64 (sessenta e quatro) condenadas e

273 (duzentas e setenta e três) presas provisórias. Portanto, com uma taxa de ocupação

de 168 (cento e sessenta e oito) presas a mais.

As condições, de um modo geral, são ruins. As detentas dormem, à falta de

camas, no chão. O lugar é razoavelmente limpo e higiênico, estando a merecer

reformas. Doutra banda, possui uma creche com 13 (treze) crianças, de 1 (um) mês a 1

(um) ano de idade, que ficam com as mães em local adaptado, o qual também está a

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merecer reformas, isto sem falar da necessidade de berços para as crianças. Por falar em

crianças, há de se comentar a circunstância de que elas não têm atendimento médico

(quando necessitam de assistência médica, são levadas ao serviço médico do município

e/ou estado), assim como suas mães. O local possui uma escola que se encontrava

inativa no momento da inspeção.

Nessa diligência contamos com a presença de todas as autoridades retro

mencionadas, devendo-se destacar, tão-só, que a ouvidora do DEPEN e o juiz Carlos

Eduardo Ribeiro Lemos chegaram à unidade quando findávamos a inspeção, mas, de

qualquer sorte, ela também foi por eles inspecionada.

Às 14h30min dessa mesma data, reunimo-nos com o secretário de Segurança

Pública do Estado de Vitória, o promotor de Justiça Evaldo França Martinelli, na

presença do secretário da Justiça, que nos relatou as providências tomadas em relação

ao episódio dos presos exibidos, à expiação pública, por policiais civis em greve — e

que já foi objeto de breve relato —, acontecido na sexta-feira, 10 de março de 2006,

(providências que ficaram de ser, posteriormente, comunicadas ao CNPCP), tendo Sua

Excelência nos dito, ainda, as suas grandes preocupações quanto à falta de vagas nas

delegacias de polícia do estado.

Finalmente nos dirigimos à Secretaria de Estado da Justiça, onde nos

reunimos com todas as autoridades antes elencadas, exceto o secretário de Segurança

Pública, oportunidade na qual fizemos, oralmente, uma exposição das diligências

realizadas naqueles três dias, aproveitando para reiterar que todos nos enviassem, em

deferência ao CNPCP, suas considerações a respeito do sistema prisional capixaba,

para que, como dissemos alhures, pudéssemos sopesá-las quando da elaboração dessa

peça, bem como em peças futuras.

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CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, somos de opinião que a situação do estado do

Espírito Santo é grave. Portanto, medidas hão de ser implementadas com a urgência

que a situação constatada está a exigir.

Cremos que tais medidas estão a merecer a conjugação de esforços (união de

esforços, objetivamente falando) dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo

estadual e, quiçá, do federal também; da Defensoria Pública (a qual, por sinal, há de

merecer especial atenção do estado, já que, na vara privativa da execução penal — 5ª

Vara Criminal de Vitória —, temos somente uma defensora para realizar todos os

trabalhos que lhe são cometidos por força de lei; do Ministério Público; do Ministério

da Justiça; da Ordem dos Advogados do Brasil e das demais entidades da sociedade

civil organizada ligadas, direta ou indiretamente, à questão penitenciária, por que, só

assim, irmanados, a situação capixaba poderá encontrar, ao menos em médio prazo,

bom termo. Tal sugestão faz-se necessária antes que o pior venha a acontecer.

Recomendamos, ainda, seja aguardado o envio dos ofícios ao CNPCP, tanto

pelo Poder Público, como pela sociedade civil, para que em uma próxima visita

possamos ver o que foi feito após a nossa inspeção.

Requer-se, também, que todos os autos estudados no presente relatório

sejam apensados em um único feito, visando facilitar a análise e o manuseio futuros.

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Pugnamos pela remessa do processo de nº 08037.000061/2002-31 ao DEPEN, sugerindo que esse órgão, após reunião com todos os secretários responsáveis pelas pastas afetas à questão penitenciária, produza, como aprovado pelo CNPCP, o Código de Conduta do Funcionário do Sistema Carcerário Brasileiro; pugnamos, dentro do mesmo espírito, que o DEPEN conte com as valorosas contribuições da Secretaria Nacional de Justiça. Aprovada esta recomendação, requer-se que, editado o código, retornem os autos ao CNPCP, para que, no âmbito de sua competência, possa sobre ele opinar.

Por derradeiro, em razão de tudo que vimos, somos de opinião que, no prazo máximo de 1 (um) ano, novas inspeções sejam realizadas pelo CNPCP, sem prejuízo das rotineiras inspeções do DEPEN, para que tenhamos condições de averiguar todas as providências que urgem ser levadas a efeito naquele ente federado.

Vitória, 27 de março de 2006.

Luís Guilherme Vieira Edison José Biondi Conselheiro Conselheiro

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Assunto: Complemento do relatório de inspeção realizada em Vitória/ES, nos dias 13 e 14/3/2006, em razão das decisões tomadas na reunião ordinária do CNPCP, realizada, também na cidade de Vitória/ES, em 27 e 28/3/2006. Relatores: Conselheiros Edison José Biondi e Luís Guilherme Vieira.

1) Deliberou-se contatar o Governador, na pessoa de seu Secretário de Estado da

Justiça, o Presidente do Tribunal de Justiça, o Procurador Geral de Justiça, o

Defensor Público Geral, a Ordem dos Advogados do Brasil e as entidades da

sociedade civil organizada para que, em total cooperação de esforços, fosse

realizado, num prazo máximo de seis meses, um mutirão em todas as varas de

execução penal e varas criminais do estado do Espírito Santo, com o fim de

verificar a situação de todos os presos provisórios e definitivos, facilitando,

assim, o cadastro que, consoante informações colhidas na audiência pública e na

sessão ordinária do CNPCP, não existe ou, se existe, é deficiente;

2) Realizado o mutirão, todos os presos provisórios e definitivos seriam

informados sobre a sua efetiva situação processual;

3) Decorridos seis meses da reunião do CNPCP, novos ofícios serão expedidos

para as autoridades e setores da sociedade civil organizada, com o escopo de se

avaliar os problemas constantes do relatório de inspeção, para a adoção das

medidas de estilo;

4) Oficiar o Governador e o Defensor Público Geral, ambos do Estado do

Espírito Santo, com o fim de ser viabilizada a lotação de, pelo menos, cinco

defensores públicos para atuar junto à 5ª Vara Criminal — Privativa da

Execução Penal;

5) Expedição de ofício ao Secretário de Estado da Justiça do Espírito Santo

solicitando que os guardas penitenciários efetivos também sejam treinados nos

mesmos moldes do treinamento aos guardas penitenciários temporários;

6) Expedição de ofício ao Secretário de Estado da Justiça requerendo que, tão logo

findo o concurso que está sendo levado a efeito para a contratação de novos

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guardas penitenciários, sejam afastados, definitivamente, os milicianos que,

hodiernamente, fazem às suas vezes; devendo estes ter o encargo da guarda

externaa dos presídios e penitenciárias;

7) O CNPCP deverá envidar todos os esforços para, em conjunto com a Secretaria

Especial de Direitos Humanos e as Comissões de Direitos Humanos da Câmara

dos Deputados e da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo,

otimizar, no âmbito de sua competência, a solução do sistema penitenciário

capixaba, que se afigura de especial gravidade;

8) Provocar o Conselho Regional de Medicina do Estado do Espírito Santo, em

razão das denúncias que nos foram feitas na audiência pública e pelos juízes da

5ª Vara Criminal, para que o órgão, após a formalização de uma comissão,

realize novas inspeções em todas as unidades médicas do sistema prisional do

estado, requerendo que, finda a inspeção, seja o CNPCP informado acerca das

conclusões, para a adoção de medidas dentro de seu âmbito de atuação;

9) Solicitar ao DEPEN que, doravante, as inspeções técnicas levadas a efeito por

expertos ali lotados se prendam, exclusivamente, a relatar o que for de sua

competência, evitando emissão de juízos de valores sem qualquer embasamento

científico, como aconteceu no caso do estado do Espírito Santo;

10) Por determinação do presidente Mariz de Oliveira, os conselheiros Eleonora de

Souza Nunes e Geder Luiz Rocha Gomes ficaram designados para acompanhar

a tramitação do mandado de segurança, posto pelo estado do Espírito Santo,

contra ato dos juízes da 5ª Vara Criminal, que objetiva, ao fim e ao cabo, em

medida liminar, que resto concedida, em 24/3/2006, pelo desembargador

Rômulo Taddei, da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do

Espírito Santo, “a) (...) determinar que as autoridades coatoras se abstenham de praticar

novos atos que determinem o Estado do Espírito Santo a remover ou transferir os presos em

prazos exíguos para a conclusão das providências de transferências; e, b) suspender,

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imediatamente e até o julgamento definitivo, os efeitos do ato praticado pelas autoridades

coatoras, desobrigando, conseqüentemente, o Governador do Estado do Espírito Santo a

cumprir, dentre outras, a determinação contida no item ‘b’ do ato praticado, no sentido de ‘que

no dia 27, impreterivelmente, o Estado esvazie o pavilhão I da CASCUVI, retirando todos

os presos que lá estiverem, isolando-os até a sua completa reforma’”, e, no mérito,

“em caráter preventivo, se determine definitivamente que as autoridades coatoras se

abstenham de praticar novos atos que determinem o Estado do Espírito Santo a remover

ou transferir os presos em prazos exíguos para a conclusão das providências de

transferência; e, c) seja definitivamente revogado o ato coator”. (Em anexo, o ato

inquinado de coator; a mandamental e a decisão concessiva de liminar);

11) A expedição de ofício ao DEPEN para que este informe, ao conselho, sobre o

repasse de verbas para o estado do Espírito Santo, para que, diante desta

informação, o CNPCP possa adotar as medidas no âmbito de sua competência;

12) O presidente Mariz de Oliveira designou o conselheiro Luís Guilherme Vieira

para participar, em 1º/4/2006, de uma reunião, na sede da Secretaria de Estado

da Justiça, no Estado do Espírito Santo, com representantes do

Ministério Público, Procuradoria do Estado, Defensoria Pública e

representantes da sociedade civil organizada, com o fim de assistir a eventual

celebração do termo

de ajustamento de conduta que estava para acontecer nos autos de inquérito civil

público; devendo o conselheiro, na próxima sessão do conselho, fazer um

relatório verbal sobre o acontecido; e, por fim;

13) O CNPCP realizará, dentro do prazo máximo de um ano, nova visita de

inspeção no sistema penitenciário capixaba.

Brasília, 8 de maio de

2006.

Luís Guilherme Vieira Edison José Biondi Conselheiro Conselheiro

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D – RESOLUÇÃO 14/94, DO CNPCP

RESOLUÇÃO Nº 14, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1994 Publicada no DOU de 2.12.2994

O Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), no uso de suas atribuições legais e regimentais e;

Considerando a decisão, por unanimidade, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, reunido em 17 de outubro de 1994, com o propósito de estabelecer regras mínimas para o tratamento de Presos no Brasil;

Considerando a recomendação, nesse sentido, aprovada na sessão de 26 de abril a 6 de maio de 1994, pelo Comitê Permanente de Prevenção ao Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, do qual o Brasil é Membro;

Considerando ainda o disposto na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal);

Resolve fixar as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil.

TÍTULO I REGRAS DE APLICAÇÃO GERAL

CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1º. As normas que se seguem obedecem aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e daqueles inseridos nos Tratados, Convenções e regras internacionais de que o Brasil é signatário devendo ser aplicadas sem distinção de natureza racial, social, sexual, política, idiomática ou de qualquer outra ordem.

Art. 2º. Impõe-se o respeito às crenças religiosas, aos cultos e aos preceitos morais do preso.

Art. 3º. É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal.

Art. 4º. O preso terá o direito de ser chamado por seu nome.

CAPÍTULO II DO REGISTRO

Art. 5º. Ninguém poderá ser admitido em estabelecimento prisional sem ordem legal de prisão.

Parágrafo Único. No local onde houver preso deverá existir registro em que constem os seguintes dados:

I – identificação;

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II – motivo da prisão;

III – nome da autoridade que a determinou;

IV – antecedentes penais e penitenciários;

V – dia e hora do ingresso e da saída.

Art. 6º. Os dados referidos no artigo anterior deverão ser imediatamente comunicados ao programa de Informatização do Sistema Penitenciário Nacional – INFOPEN, assegurando-se ao preso e à sua família o acesso a essas informações.

CAPÍTULO III DA SELEÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PRESOS

Art. 7º. Presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabelecimentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como: sexo, idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da individualização da pena.

§ 1º. As mulheres cumprirão pena em estabelecimentos próprios.

§ 2º. Serão asseguradas condições para que a presa possa permanecer com seus filhos durante o período de amamentação dos mesmos.

CAPÍTULO IV DOS LOCAIS DESTINADOS AOS PRESOS

Art. 8º. Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente.

§ 1º. Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições.

§ 2º. O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto.

Art. 9º. Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que ser refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação.

Art. 10º O local onde os presos desenvolvam suas atividades deverá apresentar:

I – janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar circulação de ar fresco, haja ou não ventilação artificial, para que o preso possa ler e trabalhar com luz natural;

II – quando necessário, luz artificial suficiente, para que o preso possa trabalhar sem prejuízo da sua visão;

III – instalações sanitárias adequadas, para que o preso possa satisfazer suas necessidades naturais de forma higiênica e decente, preservada a sua privacidade.

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IV – instalações condizentes, para que o preso possa tomar banho à temperatura adequada ao clima e com a freqüência que exigem os princípios básicos de higiene.

Art. 11. Aos menores de 0 a 6 anos, filhos de preso, será garantido o atendimento em creches e em pré-escola.

Art. 12. As roupas fornecidas pelos estabelecimentos prisionais devem ser apropriadas às condições climáticas.

§ 1º. As roupas não deverão afetar a dignidade do preso.

§ 2º. Todas as roupas deverão estar limpas e mantidas em bom estado.

§ 3º. Em circunstâncias especiais, quando o preso se afastar do estabelecimento para fins autorizados, ser-lh-á permitido usar suas próprias roupas.

CAPÍTULO V DA ALIMENTAÇÃO

Art. 13. A administração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos.

Parágrafo Único – A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e de dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para manutenção da saúde e do vigor físico do preso.

CAPÍTULO VI DOS EXERCÍCIOS FÍSICOS

Art. 14. O preso que não se ocupar de tarefa ao ar livre deverá dispor de, pelo menos, uma hora ao dia para realização de exercícios físicos adequados ao banho de sol.

CAPÍTULO VII DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SANITÁRIA

Art. 15. A assistência à saúde do preso, de caráter preventivo curativo, compreenderá atendimento médico, psicológico, farmacêutico e odontológico.

Art. 16. Para assistência à saúde do preso, os estabelecimentos prisionais serão dotados de:

I – enfermaria com cama, material clínico, instrumental adequado a produtos farmacêuticos indispensáveis para internação médica ou odontológica de urgência;

II – dependência para observação psiquiátrica e cuidados toxicômanos;

III – unidade de isolamento para doenças infecto-contagiosas.

Parágrafo Único - Caso o estabelecimento prisional não esteja suficientemente aparelhado para prover assistência médica necessária ao doente, poderá ele ser transferido para unidade hospitalar apropriada.

Art. 17. O estabelecimento prisional destinado a mulheres disporá de dependência dotada de material obstétrico. Para atender à grávida, à parturiente e à convalescente,

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sem condições de ser transferida a unidade hospitalar para tratamento apropriado, em caso de emergência.

Art 18. O médico, obrigatoriamente, examinará o preso, quando do seu ingresso no estabelecimento e, posteriormente, se necessário, para :

I – determinar a existência de enfermidade física ou mental, para isso, as medidas necessárias;

II – assegurar o isolamento de presos suspeitos de sofrerem doença infecto-contagiosa;

III – determinar a capacidade física de cada preso para o trabalho;

IV – assinalar as deficiências físicas e mentais que possam constituir um obstáculo para sua reinserção social.

Art. 19. Ao médico cumpre velar pela saúde física e mental do preso, devendo realizar visitas diárias àqueles que necessitem.

Art. 20. O médico informará ao diretor do estabelecimento se a saúde física ou mental do preso foi ou poderá vir a ser afetada pelas condições do regime prisional.

Parágrafo Único – Deve-se garantir a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do preso ou de seus familiares, a fim de orientar e acompanhar seu tratamento.

CAPÍTULO VIII DA ORDEM E DA DISCIPLINA

Art. 21. A ordem e a disciplina deverão ser mantidas, sem se impor restrições além das necessárias para a segurança e a boa organização da vida em comum.

Art. 22. Nenhum preso deverá desempenhar função ou tarefa disciplinar no estabelecimento prisional.

Parágrafo Único – Este dispositivo não se aplica aos sistemas baseados na autodisciplina e nem deve ser obstáculo para a atribuição de tarefas, atividades ou responsabilidade de ordem social, educativa ou desportiva.

Art. 23 . Não haverá falta ou sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar.

Parágrafo Único – As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e a dignidade pessoal do preso.

Art. 24. São proibidos, como sanções disciplinares, os castigos corporais, clausura em cela escura, sanções coletivas, bem como toda punição cruel, desumana, degradante e qualquer forma de tortura.

Art. 25. Não serão utilizados como instrumento de punição: correntes, algemas e camisas-de-força.

Art. 26. A norma regulamentar ditada por autoridade competente determinará em cada caso:

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I – a conduta que constitui infração disciplinar;

II – o caráter e a duração das sanções disciplinares;

III - A autoridade que deverá aplicar as sanções.

Art. 27. Nenhum preso será punido sem haver sido informado da infração que lhe será atribuída e sem que lhe haja assegurado o direito de defesa.

Art. 28. As medidas coercitivas serão aplicadas, exclusivamente, para o restabelecimento da normalidade e cessarão, de imediato, após atingida a sua finalidade.

CAPÍTULO IX DOS MEIOS DE COERÇÃO

Art. 29. Os meios de coerção, tais como algemas, e camisas-de-força, só poderão ser utilizados nos seguintes casos:

I – como medida de precaução contra fuga, durante o deslocamento do preso, devendo ser retirados quando do comparecimento em audiência perante autoridade judiciária ou administrativa;

II – por motivo de saúde,segundo recomendação médica;

III – em circunstâncias excepcionais, quando for indispensável utiliza-los

Em razão de perigo eminente para a vida do preso, de servidor, ou de terceiros.

Art. 30. É proibido o transporte de preso em condições ou situações que lhe importam sofrimentos físicos

Parágrafo Único – No deslocamento de mulher presa a escolta será integrada, pelo menos, por uma policial ou servidor pública.

CAPÍTULO X DA INFORMAÇÃO E DO DIREITO DE QUEIXA DOS PRESOS

Art. 31. Quando do ingresso no estabelecimento prisional, o preso receberá informações escritas sobre normas que orientarão seu tratamento, as imposições de caratê disciplinar bem como sobre os seus direitos e deveres.

Parágrafo Único – Ao preso analfabeto, essas informações serão prestadas verbalmente.

Art. 32. O preso terá sempre a oportunidade de apresentar pedidos ou formular queixas ao diretor do estabelecimento, à autoridade judiciária ou outra competente.

CAPÍTULO XI DO CONTATO COM O MUNDO EXTERIOR

Art. 33. O preso estará autorizado a comunicar-se periodicamente, sob vigilância, com sua família, parentes, amigos ou instituições idôneas, por correspondência ou por meio de visitas.

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§ 1º. A correspondência do preso analfabeto pode ser, a seu pedido, lida e escrita por servidor ou alguém opor ele indicado;

§ 2º. O uso dos serviços de telecomunicações poderá ser autorizado pelo diretor do estabelecimento prisional.

Art. 34. Em caso de perigo para a ordem ou para segurança do estabelecimento prisional, a autoridade competente poderá restringir a correspondência dos presos, respeitados seus direitos.

Parágrafo Único – A restrição referida no "caput" deste artigo cessará imediatamente, restabelecida a normalidade.

Art. 35. O preso terá acesso a informações periódicas através dos meios de comunicação social, autorizado pela administração do estabelecimento.

Art. 36. A visita ao preso do cônjuge, companheiro, família, parentes e amigos, deverá observar a fixação dos dias e horários próprios.

Parágrafo Único 0- Deverá existir instalação destinada a estágio de estudantes universitários.

Art. 37. Deve-se estimular a manutenção e o melhoramento das relações entre o preso e sua família.

CAPÍTULO XII DAS INSTRUÇÕES E ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL

Art. 38. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso.

Art. 39. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação e de aperfeiçoamento técnico.

Art. 40. A instrução primária será obrigatoriamente ofertada a todos os presos que não a possuam.

Parágrafo Único – Cursos de alfabetização serão obrigatórios para os analfabetos.

Art. 41. Os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequados à formação cultural, profissional e espiritual do preso.

Art. 42. Deverá ser permitido ao preso participar de curso por correspondência, rádio ou televisão, sem prejuízo da disciplina e da segurança do estabelecimento.

CAPÍTULO XIII DA ASSISTÊNCIA RELIGIOSA E MORAL

Art. 43. A Assistência religiosa, com liberdade de culto, será permitida ao preso bem como a participação nos serviços organizado no estabelecimento prisional.

Parágrafo Único – Deverá ser facilitada, nos estabelecimentos prisionais, a presença de representante religioso, com autorização para organizar serviços litúrgicos e fazer visita pastoral a adeptos de sua religião.

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CAPÍTULO XIV DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA

Art. 44. Todo preso tem direito a ser assistido por advogado.

§ 1º. As visitas de advogado serão em local reservado respeitado o direito à sua privacidade;

§ 2º. Ao preso pobre o Estado deverá proporcionar assistência gratuita e permanente.

CAPÍTULO XV DOS DEPÓSITOS DE OBJETOS PESSOAIS

Art. 45. Quando do ingresso do preso no estabelecimento prisional, serão guardados, em lugar escuro, o dinheiro, os objetos de valor, roupas e outras peças de uso que lhe pertençam e que o regulamento não autorize a ter consigo.

§ 1º. Todos os objetos serão inventariados e tomadas medidas necessárias para sua conservação;

§ 2º. Tais bens serão devolvidos ao preso no momento de sua transferência ou liberação.

CAPÍTULO XVI DAS NOTIFICAÇÕES

Art. 46. Em casos de falecimento, de doença, acidente grave ou de transferência do preso para outro estabelecimento, o diretor informará imediatamente ao cônjuge, se for o ocaso, a parente próximo ou a pessoa previamente designada.

§ 1º. O preso será informado, imediatamente, do falecimento ou de doença grave de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão, devendo ser permitida a visita a estes sob custódia.

§ 2º . O preso terá direito de comunicar, imediatamente, à sua família, sua prisão ou sua transferência para outro estabelecimento.

CAPÍTULO XVII DA PRESERVAÇÃO DA VIDA PRIVADA E DA IMAGEM

Art. 47. O preso não será constrangido a participar, ativa ou passivamente, de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social, especialmente no que tange à sua exposição compulsória à fotografia ou filmagem

Parágrafo Único – A autoridade responsável pela custódia do preso providenciará, tanto quanto consinta a lei, para que informações sobre a vida privada e a intimidade do preso sejam mantidas em sigilo, especialmente aquelas que não tenham relação com sua prisão.

Art. 48. Em caso de deslocamento do preso, por qualquer motivo, deve-se evitar sua exposição ao público, assim como resguardá-lo de insultos e da curiosidade geral.

CAPÍTULO XVIII DO PESSOAL PENITENCIÁRIO

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Art. 49. A seleção do pessoal administrativo, técnico, de vigilância e custódia, atenderá à vocação, à preparação profissional e à formação profissional dos candidatos através de escolas penitenciárias.

Art. 50. O servidor penitenciário deverá cumprir suas funções, de maneira que inspire respeito e exerça influência benéfica ao preso.

Art. 51. Recomenda-se que o diretor do estabelecimento prisional seja devidamente qualificado para a função pelo seu caráter, integridade moral, capacidade administrativa e formação profissional adequada.

Art. 52. No estabelecimento prisional para a mulher, o responsável pela vigilância e custódia será do sexo feminino.

TÍTULO II REGRAS APLICÁVEIS A CATEGORIAS ESPECIAIS

CAPÍTULO XIX DOS CONDENADOS

Art. 53. A classificação tem por finalidade:

I – separar os presos que, em razão de sua conduta e antecedentes penais e penitenciários, possam exercer influência nociva sobre os demais.

II – dividir os presos em grupos para orientar sua reinserção social;

Art. 54. Tão logo o condenado ingresse no estabelecimento prisional, deverá ser realizado exame de sua personalidade, estabelecendo-se programa de tratamento específico, com o propósito de promover a individualização da pena.

CAPÍTULO XX DAS RECOMPENSAS

Art. 55. Em cada estabelecimento prisional será instituído um sistema de recompensas, conforme os diferentes grupos de presos e os diferentes métodos de tratamento, a fim de motivar a boa conduta, desenvolver o sentido de responsabilidade, promover o interesse e a cooperação dos presos.

CAPÍTULO XXI DO TRABALHO

Art. 56. Quanto ao trabalho:

I - o trabalho não deverá ter caráter aflitivo;

II – ao condenado será garantido trabalho remunerado conforme sua aptidão e condição pessoal, respeitada a determinação médica;

III – será proporcionado ao condenado trabalho educativo e produtivo;

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IV – devem ser consideradas as necessidades futuras do condenado, bem como, as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho;

V – nos estabelecimentos prisionais devem ser tomadas as mesmas precauções prescritas para proteger a segurança e a saúde dois trabalhadores livres;

VI – serão tomadas medidas para indenizar os presos por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em condições semelhantes às que a lei dispõe para os trabalhadores livres;

VII – a lei ou regulamento fixará a jornada de trabalho diária e semanal para os condenados, observada a destinação de tempo para lazer, descanso. Educação e outras atividades que se exigem como parte do tratamento e com vistas a reinserção social;

VIII – a remuneração aos condenados deverá possibilitar a indenização pelos danos causados pelo crime, aquisição de objetos de uso pessoal, ajuda à família, constituição de pecúlio que lhe será entregue quando colocado em liberdade.

CAPÍTULO XXII DAS RELAÇÕES SOCIAIS E AJUDA PÓS-PENITENCIÁRIA

Art. 57. O futuro do preso, após o cumprimento da pena, será sempre levado em conta. Deve-se anima-lo no sentido de manter ou estabelecer relações com pessoas ou órgãos externos que possam favorecer os interesses de sua família, assim como sua própria readaptação social.

Art. 58. Os órgãos oficiais, ou não, de apoio ao egresso devem:

I – proporcionar-lhe os documentos necessários, bem como, alimentação, vestuário e alojamento no período imediato à sua liberação, fornecendo-lhe, inclusive, ajuda de custo para transporte local;

II – ajuda-lo a reintegrar-se à vida em liberdade, em especial, contribuindo para sua colocação no mercado de trabalho.

CAPÍTULO XXIII DO DOENTE MENTAL

Art. 59. O doente mental deverá ser custodiado em estabelecimento apropriado, não devendo permanecer em estabelecimento prisional além do tempo necessário para sua transferência.

Art. 60. Serão tomadas providências, para que o egresso continue tratamento psiquiátrico, quando necessário.

CAPÍTULO XXIV DO PRESO PROVISÓRIO

Art. 61. Ao preso provisório será assegurado regime especial em que se observará:

I – separação dos presos condenados;

II – cela individual, preferencialmente;

III – opção por alimentar-se às suas expensas;

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IV – utilização de pertences pessoais;

V – uso da própria roupa ou, quando for o caso, de uniforme diferenciado daquele utilizado por preso condenado;

VI – oferecimento de oportunidade de trabalho;

VII – visita e atendimento do seu médico ou dentista.

CAPÍTULO XXV DO PRESO POR PRISÃO CIVIL

Art. 62. Nos casos de prisão de natureza civil, o preso deverá permanecer em recinto separado dos demais, aplicando-se, no que couber,. As normas destinadas aos presos provisórios.

CAPÍTULO XXVI DOS DIREITOS POLÍTICOS

Art. 63. São assegurados os direitos políticos ao preso que não está sujeito aos efeitos da condenação criminal transitada em julgado.

CAPÍTULO XXVII DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 64. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária adotará as providências essenciais ou complementares para cumprimento das regras Mínimas estabelecidas nesta resolução, em todas as Unidades Federativas.

Art. 65. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

EDMUNDO OLIVEIRA Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

HERMES VILCHEZ GUERREIRO Conselheiro Relator

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E – RELATÓRIO DE INSPEÇÃO EM PRESÍDIOS DE VIANA, EL ABORADO

PELA 5ª VARA CRIMINAL DE VITÓRIA

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

PODER JUDICIÁRIO 5ª VARA CRIMINAL DE VITÓRIA - PRIVATIVA DAS EXECUÇÕ ES

Ofício GAB n° /2005 Senhor Secretário,

Ref: INSPEÇÃO PSMA Já realizamos dezenas de inspeções no PSMA (presídio de segurança máxima) de Viana. Este presídio foi inaugurado há menos de 4 (quatro) anos. Vale destacar que este presídio foi concebido dentro dos planejamentos arquitetônicos dos famosos “Super Max” americanos, conhecidos mundialmente pela estrutura física e gestão que fornecem o máximo de proteção contra fugas de presos de alta periculosidade. Infelizmente, desde o início o presídio já dava sinais de que não iria funcionar, e isso foi por nós denunciado em relatórios anteriores, até mesmo antes da inauguração, demonstrando que em várias paredes internas mais de um terço era de isopor, que o concreto utilizado na obra era pouco resistente e que não existiam protocolos de segurança e gestão pré-estabelecidos pela SEJUS. Tal presídio já passou por várias reformas, todas demonstradas em nossos relatórios como de “péssima qualidade” e de fragilidade visível até para nós leigos. Ou seja, como sempre dissemos, foram gastos milhões de reais em várias reformas e não se conseguiu manter o mínimo de condições de funcionamento, gestão e segurança. Vale registrar que neste presídio, que era para ser de segurança máxima, já ocorreram várias fugas, pela muralha, pelo portão de entrada e sabe-se lá mais por onde. Recebemos várias e constantes denúncias de túneis, armas, celulares, articulações de crimes e outras ações dentro do PSMA. Com base nisso agendamos

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inspeção, que coincidiu com a incursão do BME/PM no presídio. Naquela oportunidade encontramos uma situação calamitosa, que passamos a relatar:

A) TODAS AS PAREDES E GRADES ESTÃO QUEBRADAS: Os presos conseguiram destruir as grades e paredes entre celas e galerias, ou seja, estão com controle de todo o presídio, sendo contidos apenas por cadeados dos “chapões”, pelas muralhas e pelos fuzis da PM, trazendo grande fragilidade ao estabelecimento, que não tem condições de separar presos, tornando impossível inclusive indentificar aqueles que estão nas celas onde são encontradas drogas, celulares e armas, trazendo ainda mais impunidade, pois mesmo que tudo seja encontrado, não se sabe quem é o dono.

(Foto 01: parede entre galeria derrubada; Foto 02: buraco aberto entre celas)

(Foto 01: as grades das celas foram arrancadas e encontram-se amontoadas;

Foto 02: buraco no teto sendo tapado com vergalhões improvisados)

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B) EXISTEM VÁRIOS BURACOS NO PISO, DANDO ACESSO AO TÉRREO:

Foram gastos milhões de reais para o presídio ser colocado

sobre pilares e, como se vê, vários buracos foram abertos no piso, dando acesso aos presos para o pátio de visitas, onde vários túneis são cavados.

No dia desta inspeção, encontramos um túnel de 18 metros, que

tinha sido “tapado” há alguns dias pelos agentes penitenciários. Há cinco dias atrás outro túnel de 16 metros foi encontrado.

Vale destacar que os túneis que estão sendo feitos, caso encontrem a linha do esgoto levarão os presos para o lado externo da muralha, em questão de minutos.

(Fotos 01 e o2: buracos no teto, com visão do pátio e de dentro das galerias)

(Fotos 01 e 02: túnel encontrado no pátio, vários sacos de terra retirados,

assim como uma mangueira de incêndio que servia como duto de ar, vários ventiladores e muitos metros de fios com lâmpadas)

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C) OS RISCOS DO PÁTIO DE VISITAS:

É um absurdo ser necessário que nós Juízes da VEP tenhamos que ir ao presídio para acharmos 8 (oito) grades do pátio de visitas cerradas. Em vários pontos existem amarras feitas de pano, que os presos usam, em tese, para esticar suas “cabanas” de visitas. Acontece que os agentes não inspecionam como deveriam. Paramos nossa inspeção, e deixamos várias outras grades com as tais amarras. Solicitamos que o Assistente de Direção determinasse que tudo fosse fiscalizado, porém, sentimos muita má vontade daquele, e não sabemos se o trabalho foi feito.

Nos pátios é muito fácil encontrar blocos de cimento soltos no

piso, o que facilita o trabalho de escavação. Assim, com a total falta de fiscalização, os túneis são iniciados diariamente.

(Foto 01: grades cerradas no pátio de visitas;

Foto 02: tampa de concreto facilmente aberta no pátio)

(Foto 01: mais grades cerradas; Foto 02: outro túnel descoberto e começando a ser aberto)

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D) AS DROGAS DOMINAM O SEGURANÇA MÁXIMA: Fomos informados por um interno que naquela semana tinha

entrado 6 kg (seis quilos) de maconha para o presídio. Na inspeção só conseguimos localizar aproximadamente 400 g (quatrocentos gramas) de maconha e 300 pedras de crack.

Não há controle sobre a entrada de drogas no PSMA,

permanecendo intensa a movimentação do tráfico interno e externamente. Obviamente há conivência de Agentes penitenciários e/ou policiais que trabalham no presídio.

As falhas nos protocolos de gestão e segurança são diversas.

Por exemplo, fomos informados por agentes que a revista aos “malotes” são feitas de forma temerária. O visitante coloca o malote na mesa, à frente do agente, que revista tudo; em seguida, o agente coloca todo o material para o lado, determinando que a própria visita recoloque os objetos no malote e, ato contínuo, o agente começa a revirar outro “malote”. Como se vê, o momento em que a visita recoloca os objetos na sacola é o ideal para colocar também celulares, drogas e armas, pois a sacola já está liberada e não será mais revistada. Assim como a visita só será revistada após este procedimento dos malotes. É perfeito: coloca-se o objeto ilícito dentro do malote já liberado e vai para a revista sem o tal objeto.

(Fotos 01 e 02: Maconha encontrada nas celas)

(Fotos 01 e 02: pedras de crack aprendidas nas celas)

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E) OS CELULARES E O BLOQUEADOR:

A fragilidade do concreto utilizado permite que os presos

construam diversos “cafofos” usados para esconderem armas, drogas e celulares. Nesta revista foram encontrados dezenas de aparelhos, todos falando e com muito crédito. Em alguns telefones observamos que os internos colocaram, em um só dia, mais de R$ 500,00 (quinhentos reais) de créditos.

Observamos mais uma vez que o bloqueador não está

funcionando. Como é isso? O Estado pagou pelo equipamento? Perguntamos isso por que na verdade ele NUNCA funcionou de forma eficaz.

(Foto 01: celulares encontrados; Foto 02: “cafofo” dentro de uma cela, com 4 celulares)

F) AS ARMAS DENTRO DO SEGURANÇA MÁXIMA: Tivemos a informação de que dentro de três celas estavam

escondidas 7 (sete) armas de fogo. Após busca minuciosa logramos êxito em localizar 4 (quatro) pistolas, calibre .380, farta munição e 6 (seis) carregadores.

Sem falar em várias armas brancas e ferramentas diversas.

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G): RISCO PARA AS VISITAS Muito nos preocupou ao verificarmos que apesar do caos quanto

à segurança do presídio, a SEJUS instalou brinquedos na área interna junto à muralha para que os filhos de presos possam se distrair. A iniciativa seria louvável se fosse na área externa e não houvesse risco iminente de fugas como aqui relatado.

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H) A ORGANIZAÇÃO DOS PRESOS:

Os presos estão articulados e organizados no presídio para fins

criminosos. Encontramos numa cela revistada uma escala de vigia dos presos, que monitoram a aproximação de agentes ou policiais, provavelmente para que possam cavar ou traficar livremente.

Outra relação interessante, é um suposto controle de tráfico

interno, que indica movimentações impressionantes, com valores até de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

I) OUTRAS PREOCUPAÇÕES: Apesar de termos conseguido descobrir tantas coisas erradas

nesta inspeção, ontem fomos procurados pelo mesmo informante que nos levou a realizar tal vistoria e disse que tudo continua como antes no presídio. À guisa de paradigma passamos a reproduzir algumas informações mais recentes:

a) que na sexta-feira passada, presos da ala “A” foram vistos

novamente no piso, ou seja, já abriram os remendos feitos pela SEJUS, que leva os presos até o pátio de visitas;

b) que presos continuam afirmando que fugirão até o natal; c) que sabe que um preso que está na cela de passagem está

comprando uma fuga por R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais); d) que a metodologia de revista nos “malotes” continua frágil e

facilitadora de entrada de drogas, armas e celulares no presídio; e) que presos com grande poder econômico estão tentando aliciar os

agentes penitenciários; f) que os presos continuam recebendo drogas, pois são vistos

constantemente fazendo uso de maconha; g) que o efetivo da PM na muralha é insuficiente para a vigia efetiva

nos presos no pátio de visitas;

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J) CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Feito todo este relato, e considerando que a experiência tem

demonstrado que com a aproximação dos festejos de final de ano a população carcerária fica mais motivada a fugir, estamos realmente preocupados com a segurança do PSMA.

É sabido que os presos considerados de maior periculosidade

do Estado estão recolhidos naquele presídio, sendo necessário que a SEJUS faça alguma coisa visando reforçar a segurança e diminuir tais riscos de fuga em massa iminente.

Pelo exposto, e sendo competência do Juiz da Execução A

INTERDIÇÃO, NO TODO OU EM PARTE, ESTABELECIMENTO PE NAL QUE ESTIVER FUNCIONANDO EM CONDIÇÕES INADEQUADAS , DETERMINAMOS:

A) Que a SEJUS apresente um relatório circunstanciado sobre quais as

medidas de segurança que adotará visando minimizar o risco de fuga em massa; B) Que seja apresentado à VEP quais as mudanças nos protocolos de gestão

e segurança que serão adotados de forma imediata; C) Que seja informado quais modificações estruturais, de grades, reformas ou

outros itens de segurança que serão realizadas em caráter de urgência. FIXAMOS o prazo de 15 dias para as providências . Esgotado

o prazo, tomaremos outras medidas que forem necessárias. Estaremos encaminhando cópias desta decisão para o MP, SESP, TJES, PROCURADORIA DA REPÚBLICA e DEPEN.

Vitória, 04 de novembro de 2005.

CARLOS EDUARDO RIBEIRO LEMOS Juiz de Direito

GRÉCIO NOGUEIRA GRÉGIO Juiz de Direito

Ao Exmo. Sr. Dr. FERNANDO ZARDINE MD Secretário de Estado da Justiça

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F – RELATÓRIO DE INSPEÇÃO DA 5ª VARA CRIMINAL DE VI TÓRIA, SOBRE

PRESÍDIOS DE VILA VELHA

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO

5ª VARA CRIMINAL DE VITÓRIA - PRIVATIVA DAS EXECUÇÕ ES

Ofício GAB n° /2006 Senhor Secretário,

Ref: INSPEÇÃO CAP Cumprindo nossas obrigações legais e buscando verificar um informe sobre um plano de fuga em massa, realizamos inspeção na CAP (Casa de Passagem) localizada no Complexo Penitenciário de Vila Velha, no dia 11 do corrente mês e ano. Primeiramente, vale destacar, que ao chegarmos no presídio com o BME fomos informados pelo Diretor que lá estavam 715 presos; naquele dia a DIGESP informava 705 presos e, ao final, o BME computou a presença real de 706 presos, o que demonstra mais uma falta de controle da SEJUS até mesmo sobre o número de presos recolhidos nos estabelecimentos. Quadra também registrar que este presídio foi concebido para ser “a porta de entrada do sistema”, ou seja, o local para fazer a triagem dos presos provisórios pelo perfil criminológico visando o encaminhamento correto para uma das unidades prisionais. Acontece, que o presídio nunca se prestou a este fim e, pela total deficiência de vagas e estrutura do sistema, encontra-se hoje superlotado e tendo sido utilizado como verdadeiro cadeião, com a colocação definitiva e não temporária de presos provisórios e condenados . A DIGESP (Diretoria Geral de Estabelecimentos Prisionais) informou no dia de hoje que a capacidade atual da CAP é de 244 presos , estando entretanto com 722 internos , ou seja, um excedente de 478 presos, o que representa 195,90% acima da capacidade .

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Porém, na verdade, pelo que verificamos o presídio é imprestável para o recolhimento de até mesmo um detento, pelo total depredação, insalubridade e insegurança do mesmo. Passamos a destacar os principais pontos observados:

A) TODAS AS PAREDES E GRADES ESTÃO QUEBRADAS, ASSIM COMO TODOS OS ANDARES INTERLIGADOS, CHEGANDO ATÉ AO PÁTI O INFERIOR: Apesar da SEJUS ter realizado uma “grande reforma” há pouco tempo, colocando o presídio sobre pilotis, os presos conseguiram abrir buracos nas Lages de cada andar, interligando-os, levando até mesmo ao piso. Os presos estão amontoados e contidos apenas por cadeados dos “chapões”, e pelos fuzis da PM, trazendo grande fragilidade ao estabelecimento, que não tem condições de separar presos, tornando impossível inclusive identificar aqueles que estão nas celas onde são encontradas drogas, celulares e armas, trazendo ainda mais impunidade, pois mesmo que tudo seja encontrado, não se sabe quem é o dono.

(Fotos 01 e 02: buracos na lage do piso 3 para o 2)

B) EXISTEM VÁRIOS BURACOS NAS GRADES DAS ESCADAS QU E LIGAM OS ANDARES DA CAP, POR ONDE OS PRESOS TRANSITAM LIVREM ENTE POR

TODO O DIA:

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(Foto 01: grade do pátio do banho de sol já serradas;

Foto 02: grades do teto do acesso externo totalmente quebradas)

C) INSALUBRIDADE:

As celas da CAP são fétidas, com grande número de infiltrações, inclusive com alagamentos em banheiros. Em alguns locais a agra empoçada dos banheiros se mistura com o retorno do esgoto, tendo os presos que tomarem banho pisando literalmente em fezes flutuantes (foto 01 ).

É muito difícil fazer uma revista neste presídio em razão do descontrole

sobre o que entra para os internos. O número de roupas, comida e objetos pessoais poluem ainda mais o ambiente já lotado de pessoas. Observa-se o grande número de objetos no interior de uma cela, inclusive, com um carregador de celular pendurado na entrada (foto 02 ).

(foto 01) (foto 02) O número de presos dentro do presídio é tão absurdo que a polícia não teve

como deslocar todos para o pátio de banho de sol para a inspeção, que teve que ser realizada por andar, sendo que um por vez era deslocado para o pátio, enquanto nos outros a contenção era feita dentro das próprias celas.

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(Fotos 01 e 02: presos das celas contidos dentro das mesmas)

D) AS DROGAS E CELULARES ENTRAM LIVREMENTE NA CAP: Na inspeção foram localizados 578 buchas de maconha, 12

pedras de crack, 2 pacotinhos de cocaína e diversos celulares, sem falar em facas, suchos, brocas, dinheiro e cordas.

Não há controle sobre a entrada de drogas na CAP,

permanecendo intensa a movimentação do tráfico interno e externamente.

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E) OUTROS OBJETOS ENCONTRADOS:

Pasmem, dentre outras coisas inaceitáveis dentro de um

estabelecimento prisional, destaco a localização de diversas garrafas com cimento, normalmente utilizado para camuflar “cafofos” e túneis que estão sendo abertos.

Dezenas de ferramentas de fabricação caseira também foram

encontradas, além de inúmeras serras.

F) ELETRODOMESTICOS: Centenas de eletrodomésticos estavam dentro das celas,

principalmente ventiladores, televisores e rádios e toca CDs. Vale destacar que recentemente celulares foram encontrados escondidos dentro das bases de ventiladores em outro presídio, obrigando que os trabalhos demorassem muito com a abertura de todos os aparelhos para revista.

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G) CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Feito todo este relato, e comparando as informações que tínhamos com o quadro encontrado na CAP, chegamos à conclusão que realmente estava tudo preparado para uma fuga em massa sendo necessário que a SEJUS faça alguma coisa visando reforçar a segurança e diminuir tais riscos de fuga em massa iminente. Sem falar na “masmorra medieval” que se tornou aquele estabelecimento.

Pelo exposto, e sendo competência do Juiz da Execução A

INTERDIÇÃO, NO TODO OU EM PARTE, ESTABELECIMENTO PE NAL QUE ESTIVER FUNCIONANDO EM CONDIÇÕES INADEQUADAS , DETERMINAMOS:

A) Que a SEJUS apresente um relatório circunstanciado sobre quais as

medidas de segurança que adotará visando minimizar o risco de fuga em massa; B) Que seja apresentado à VEP quais as mudanças nos protocolos de gestão

e segurança que serão adotados de forma imediata; C) Que seja informado quais modificações estruturais, de grades, reformas ou

outros itens de segurança que serão realizadas em caráter de urgência. FIXAMOS o prazo de 15 dias para as providências . Esgotado

o prazo, tomaremos outras medidas que forem necessárias.

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Estaremos encaminhando cópias desta decisão para o MP, SESP, TJES, PROCURADORIA DA REPÚBLICA e DEPEN.

Vitória, 19 de janeiro de 2006.

CARLOS EDUARDO RIBEIRO LEMOS Juiz de Direito

GRÉCIO NOGUEIRA GRÉGIO Juiz de Direito

Ao Exmo. Sr. Dr. ÂNGELO RONCALI MD Secretário de Estado da Justiça

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