A Entrevista de Ajuda Alfred Benjamin_ Cap3

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    54 A ENTREVISTA DE AJUDA"Suponho que por hoje isso e tudo. Tomamos muitas deci-soes. Da maneira como entendi, you verificar a possibilidadede cursos noturnos de eletronica, e averiguar sobre uma bolsade estudos. E voce, quais sao as coisas que ira verificar antesde nosso proximo encontro?".

    o encerramento e especialmente importante porque 0 queocorre durante esse ultimo estagio tende a determinar a im-pressao do entrevistado sobre a entrevista como urn todo.Precis amos estar certos de que demos a ele total oportunidadede se expressar, ou, alternadamente, precisamos criar urntempo conveniente para ambos com esse proposito. Devemospermitir urn tempo suficiente para 0encerramento, de modoa nao 0 apressarmos, ja que poderia criar a impressao de queestamos rejeitando 0 entrevistado. 0 que quer que fique parao fim - passos de revisao a serem dados, ou resumo dasquestoes - deveria ser analisado sem pressa e, preferivel-mente, como uma tarefa conjunta. Com paciencia, pratica,atencao e reflexao, cada urn pode desenvolver urn estilo queo satisfaca e facilite a entrevista de ajuda.

    CAPITULO TRt:S

    FILOSOFIA

    Todo profissional comprometido com a entrevista deajuda tern para si uma filosofia que orienta suas acoes. Naoimporta se tern ou nao consciencia dela, se pode ou nao ver-baliza-Ia: essa filosofia determina 0que ele faz ou deixa defazer, e de que modo se desincumbe de sua tarefa. Em term?sde sua filosofia, ele determina seu proprio papel na entrevis-ta e, dessa maneira, em grande parte 0 do entrevistado. Suasatitudes na entrevista, que podem ser explicitas ou implicitas,expressas ou nao, constituem sua filosofia em relacao a ajudae a entrevista. Se nao estiver consciente de possuir uma filo-sofia, ou se nao puder enuncia-la, urn exame de seu compor-tamento durante a entrevista de ajuda revelara qual e sua filo-sofia. Qualquer pessoa profundamente interessada em seutrabalho desejara descobrir a filosofia segundo a qual tra-balha. Tomando consciencia de como se comporta, pode de-cidir se quer agir assim, ou se gostaria de comportar-se dife-rentemente - para expressar uma filosofia diferente cia atual.

    MINHA ABORDAGEM PESSOAL

    A filosofia que mantenho esta ligada intimamente a mi-nha atuacao na entrevista de,ajuda e caracteriza, certamente,tudo que escrevi ate aqui e ainda escreverei neste livro. Naoestou tentando provar que minha filosofia esta certa ou er-

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    56 A EN TREVIS TA DE AJUDArada, se e boa ou rna; tambem nao posso determinar que im-portancia tera para voce. De qualquer modo, creio que devotentar situa-la para que voce a conheca e seja estimuladoa aprender qual e a sua filosofia. Em outras palavras, apre-sentarei a minha nao porque voce tenha obrigacao de conhe-

    .ce-la, mas principalmente porque quero encoraja-lo a pensarmais profundamente na sua propria. Tal introspeccao, porsua vez, podera capacita-lo a definir sua filosofia, e mesmo aaltera-la, agora ou no futuro, se julgar necessario.

    Na melhor das hipoteses, a entrevista de ajuda Ira pro.porcionar ao entrevistado uma experiencia significativa, le-vando-o a mudanca. A experiencia e 0 relacionamento comvoce: mudanca e 0 que resulta do relacionamento, mudancanas ideias, nos sentimentos em relacao a si mesmo e aos ou-tros, alteracao na inforrnacao que possui sobre urn topico im-portante para ele - uma mudanca nele proprio, como pessoa.Amudanca tambem e possivel para 0 entrevistador, na medidaem que participe integralmente do processo da entrevista _mas, em principio, visa 0 entrevistado. E isso ocorre emconseqiiencia do relacionamento com voce na entrevista deajuda: alguma coisa pode se alterar no entrevistado. Aquisurgem duas quest6es basicas:

    1. Qual 0 tipo de mudanca que desejamos provocar?2. Qual e a melhor maneira de obte-la?

    TIPO DE MUDAN

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    a mudanca e possfvel, mas que cabe a ele decidir quando ecomo mudar,Comportamo-nos da maneira que provara ser menos

    ameacadorn para ele, a fim de que possa explorar profunda-mente a si mesmo, explorar suas relacoes com os outros edestes com ele. Sentimos nitidamente que aprender a mudardessa maneira e born, e torna mais facil 0 caminho para novaaprendizagem e mudanca, Nao the dizemos 0 que pensar oucomo sentir: mas nosso comportamento reveJa que valoriza-mos nossos proprios pensamentos e sentimentos, e tambemos dele. Indica que quanto mais ele puder descobrir sobreseus proprios sentimentos e pensamentos, mais capacitadoesta~a para agir sobre eles ou modifica-los, caso se decidapor ISSO. Desejamos ajuda-lo a aproximar-se de si mesmo eassim, t,ambem dos outros. Sendo aceito como uma pesso~respo~sa'.:.el, ele pode aprender a ver-se como tal e a apreciara aplicacao dessa nova aprendizagem. Depois de encerradasas entrevistas, ele podera continuar a crescer.Desernpenho de urn papeZ ativo e vital. De modo algum vejo 0 entrevistador como elemento pas.

    SIVO. Ao contrario, vejo-o, durante todo 0 tempo, como ativo.Nao estou pressupondo que deva falar muito, mas sim quetorne sua presenca e interesses continuamente sentidos. 0entrevistador e ativo ao lograr urn entendimento tao profundoquanto possivel do mundo do entrevistado, ao encoraja-ln adescobrir como e esse mundo e como se sente nele. 0 entre.vistador e ativo em seu interesse e participacao na busca doentrevistado visando mudancas significativas. 0 entrevistadore ativo ao dar de si mesmo quando sente que isso e util eadequado. Durante todo 0 tempo ele e ativo, ao mostrar-secomo pessoa profundamente envolvida com outra pessoa.o entrevistador e e age como uma pessoa autentica. Elenao abd~ca de sua autoridade, mas a emprega de modo queo entrev~stado venha a ser a autoridade em sua propria vida.o entrevistador se vale de sua autoridade para colocar 0 entre-

    FlLOSOFIA 59vistado no centro do palco, e para mante-lo ali. Contribui comsua pessoa e com seu conhecimento profissional para ajudar 0entrevistado, e nao simples mente para exibir sua sabedoriaou suas esplendidas qualidades pessoais. Mantern sua autori-dade de modo que 0 entrevistado possa chegar a confiar emsi mesmo para encontrar seu proprio caminho e direcao, 0entrevistador revela 0 que ele proprio entende eve, aquiloque imagina que 0 entrevistado esta pensando e sentindo, paradesse modo ajuda-lo a olhar mais profundamente e tentar commais afinco atingir seu proprio eu - e nao para impor suasinterpretacoes ao entrevistado, para dizer-lhe como deve pen-sar, sentir e comportar-se. 0 entrevistador se coloca inteira-mente a disposicao do entrevistado na busca de solucoes paraeste ultimo, na busca de maneiras de mudar e ir em frente.Cria uma atmosfera onde 0 entrevistado tern urn interessegenuine no conhecimento do entrevistador, porque sabe queo outro nao quer impor-se a ele. Em sua luta, 0entrevistadodescobre a importancia das reacoes do entrevistador aos seuspensamentos, sentimentos e comportamenttos.o entrevistador nao quer que 0entrevistado dependa dele,mas que se apoie cada vez mais em simesmo. Nao recusasua autoridade, mas a usa para entender e ser entendido, epara fornecer informacoes e recursos de que dispoe. Poroutro lado, nao se oculta atras de sua autoridade para tomardecisoes em nome do entrevistado, ou fazer qualquer coisaque 0 entrevistado nao possa entender ou aceitar. Emboraagindo sob sua propria responsabilidade, ele nao tira a res-ponsabilidade do entrevistado. Quando nao se sente muitoseguro, ele 0 admite; quando esta seguro, sabe que a segurancae sua, e nao do entrevistado, 0 qual precisa descobrir seusproprios pontos de apoio, para erguer-se com firmeza.

    Esta muito em moda hoje em dia "ajudar outra pessoaa se ajudar," mas receio que freqiientemente isso nao passede uma racionalizacao para explicar tudo que, como entrevis-tadores, fazemos. Aceita-se geralmente hoje em dia esse obje-tivo no nivel cognitivo, mas nem todos mantemos necessaria-mente conceitos identicos quando nos referimos a entrevista

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    de ajuda. Desse modo, e necessario explicar detalhadamenteo que estou pensando quando emprego essas palavras. Querodizer algo muito preciso, de modo que voce possa decidir 0que pensa e sente a respeito do meu ponto de vista. Minhafilosofia nao e nova; e para alguns podera parecer ate urnpouco gasta. Mesmo assim, creio que e valida e operacional-mente solida,

    Para ir direto ao assunto, 0 que e que nos, entrevistado-res, trazemos realmente a entrevista de ajuda? Essencialmen-t~, ~razemos .nosso conhecimento, experiencia, habilidade pro-fissional, as mforma

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    62 A ENTREVISTA DE AJUDApela maneira como the damos atencao, excluindo cuidadosa-mente, sempre que possivel, interferencias externas enquantoestamos ali com ele e para ele, e ao mostrar que 0 que e im-portante para ele, tambem 0 e para nos. Quando sentimosque precisamos de mais informacao ou detalhes, nao devernospressiona-lo imediatamente, caso dai possa resultar rupturaou destruicao do fluxo de expressao do entrevistado. Se 0 fi -zermos, ele podera pensar que estamos interessados naquiloque nos parece mais importante, e nao naquilo que para elee mais significativo, e que deve adequar seu interesse ao nosso.Uma linha tenue separa 0 interesse da curiosidade. E algointangfvel, mas sei que existe; e penso que todos percebemosque a maioria dos entrevistados aprecia 0 primeiro, e se res.sente com a outra. Percebem rapidamente que, quando esta-mos interessados, e em seu favor, e que quando 0 incitamosou agimos por curiosidade, e em nosso proprio interesse.Aceitaciio do entrevistado

    Todos refletimos bastante sobre 0 importante conceito deaceitacao, e 0 papel que ele tern na entrevista de ajuda.Aceitacao significa tantas coisas diversas para tantas pessoasdiferentes que julgo necessario explicar 0 que significa paramim. Basicamente, para mim aceitacao significa tratar 0 en-trevistado como urn igual, e considerar seus pensamentos esentimentos com sincero respeito. Isso nao quer dizer con-cordancia: nem pensar ou sentir como ele; nao significa va-lorizar 0 que ele valoriza. Pelo contrario, trata-se da atitudesegundo a qual 0 entrevistado tern tanto direito quanto eua ideias, sentimentos e valores proprios: e querer fazer 0 ma-ximo possivel para entender 0 espaco vital do entrevistadoem termos de suas ideias, sentimentos e valores, e nao con-forme as minhas. E dificil manter tal atitude, e mais aindacomunica-la ao entrevistado. As vezes pode ser mal compreen-dida, e interpretada como anuencia, consentimento ou confir-macae. Mesmo assim, nao resta outra escolha senao tentar.De outra maneira, 0 entrevistado suspeitara que 0 estamos jul-

    FILOSOFIA 63gando, pedindo que pense e sinta como nos ou, pior ainda,que sinta e pense como acreditamos que deveria estar pen-sando e sentindo.

    Quando aceito uma ideia ou sentimento, estou dizendoao entrevistado mais ou menos 0 seguinte: "Estou ouvindovoce", ou "Entao e assim que voce ve a coisa", Procuro mos-trar-lhe 0 que ele me mostrou, para que, assim, ele possa exa-mina-lo, tomar consciencia, refletir - fazer 0 que bern enten-der - mas, basicamente, para que '0 feedback the permitaverificar se esta expressando seu verdadeiro eu, ou urn euque deseja ernendar, rejeitar ou modificar. Em outras pala-vras, ten to fornecer ao entrevistado urn feedback que naoseja distorcido pela minha propria pessoa e personalidade.Reenvio ao emissor a cornunicacao que me transmitiu. Quantomenos ruido houver na devolucao, mais eu a aceitei. Nadaha de mim mesmo nesse processo, exceto a maneira comorecebi a mensagem e a transmiti de volta. Sou urn ouvintefiel, urn observador e informante fidedigno. 0 que devolvoao entrevistado sao "fates" que ele enunciou. Eles podem seraltamente emocionais ou intelectuais; podem ser claros ounao para mim; podem me parecer "boris" ou "maus" - oumesmo incompreensiveis. Relato 0 que recebi. Trato 0 queele me disse com respeito, e trato-o como urn igual, valendotanto quanta eu.

    Quando Bill exclama: "Meu professor de matematica e urnperfeito bobo", aceito isso, mostrando-lhe a opiniao desfavo-ravel que tern de seu professor, para que faca 0 que quisercom essa informacao. Bill pode repeti-la, modifica-la, am-plia-la, etc. Talvez seja verdade que posso aceitar mais pronta-mente 0 que Bill me disse se minha propria opiniao coincidecom a dele, e menos se for contraria: mas isso apenas de-monstra como e realmente complicado e dificil 0ato de aceitar.Obviamente posso ir alem da simples aceitacao, Posso con-cordar com Bill, ou discordar dele. Aceitando como ele sesente, posso considerar necessario dizer-Ihe como eu me sinto,Posso recompensa-lo ou puni-lo, mas se quiser aceitar seussentimentos sobre 0 professor de matematica, tudo que posso

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    fazer e fornecer-lhe 0 feedback, e atraves do meu comporta-mento deixar claro que 0 entendi.

    Quando a Sra. L. diz que 0 apartamento, 0 qual voce tevetantas dificuldades para encontrar, "nao passa de urn velhocortico ", voce pode se sentir ofendido e querer reagir a altura.Entretanto, se voce aceita a Sra. L. e seus sentimentos a res-peito do apartamento, tudo que pode dizer e mais ou menoso seguinte: "Acho que a senhora nao deu importancia ao apar-tamento". Isso e aceitar os sentimentos do entrevistado. Sevoce esta ressentido com ela, por causa das dificuldades queteve, entao nao a esta aceitando. Nao estou insistindo no fatode que voce devia aceita-la: estou apenas salientando que vocenao esta. Voce pode mesmo perceber-se dizendo: "Bern, en-tendo que nao tenha dado importancia a esse lugar. Tenteimuito encontrar urn, e isso foi 0 melhor que consegui. Estouurn pouco magoado, mas nao significa que estou criticando asenhora pelos seus sentimentos. Bern sei que nao tentou tudoque tentei para encontrar esse apartamento". Em outras pa-]avras , podemos ser capazes de aceitar ideias e sentimentosdas outras pessoas, mas nao as pessoas em si; e as vezes po-demos verbalizar isso.

    Urn outro aspecto da aceitacao e a habilidade em tratarcom respeitosa igualdade alguem de outra cultura, raga, corou fe. Nesse caso, nossas lentes podem distorcer 0feedback,e a natureza da distorcao vai depender do tipo de lentes queempregamos. A aceitacao nao exige que se goste muito de al-guem, mas, obviamente, e irnpossfvel quando existe uma forteantipatia. Em minha opiniao, nao podernos ajudar verdadeira-mente uma pessoa que nao podemos aceitar. Nessa situacao.o unico caminho possivel e nao iludir 0entrevistado nem anos mesmos, mas ajuda-lo a encontrar alguern que 0 aceite.Isso nao e urn fracasso. Pelo contrario, se tentamos honesta-mente aceita-lo, mas nao conseguimos, nao ha alternativamelhor.

    A incapacidade de aceitar alguern pode ocorrer mesmoque nao existam diferencas culturais. Pode existir 0 que econhecido como choque de personalidade. Tambem aqui a

    FlLOSOFIA 65melhor e permitir que entendamos 0 que esta ocorrendo, paraque possamos liberar 0 entrevistado e a nos mesmos de umasituacao desconfortavel e sem objetivo. Para resumir, na en-trevista de ajuda devemos ser capazes de aceitar a nos mes-mos - nossas 'ideias e sentimentos tambem ~ e de agir deacordo. Nossa escala de aceitacao pode ou nao aumentar como tempo, mas so podemos ajudar quando podemos aceitar.Compreensiio

    A certeza de que foi compreendido e de fato urn aspectoimportante da experiencia significativa que 0 entrevistado le-vara consigo da entrevista de ajuda, se 0 relacionamento entreele e 0 entrevistador for positivo. E essencial para 0 processode entrevista que 0 entrevistado seja compreendido, mas exis-tern diversas maneiras de cornpreensao, e algumas ajudammais que outras.

    Tres formas de cornpreensiio. Atraves dos seculos, gran-des escritores demonstraram - e mais recentemente muitospsicologos salientaram - que ha tres modos alternativos deuma pessoa compreender outra. Urn deles e saber "sobre"ela. Leio sobre ela, ouco outros falarem dela, participo dadiscussao sobre ela em reunioes de equipe - eu sei a respeitodela. Cornpreendo-a, por assim dizer, atraves dos olhos dosoutros, e nao atraves dos meus ou dos seus. Trata-se de umacompreensao remota, distante da propria pessoa.

    Tomemos dois exemplos simples: sei que Louis so falafrances. E entao, quando 0 encontro, dirijo-me a ele em seuidioma, e conversamos. Assim, soube antecipadamente algosobre ele, agi de acordo e funcionou. Mas nunc a e tao simplesassim. A partir do relatorio que me foi entregue, sei que Carole uma estudante fraca, e que talvez tenha problemas. Quandoa entrevisto, gradual mente percebo que ela ouve muito mal,tern vergonha disso, e tenta desesperadamente ocultar 0 fato.Isso nao foi dificil de descobrir, mas simplesmente implicouem desistirda tentativa de saber a respeito de Carol e em co-mecar a compreende-la.

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    Esse metodo e menos distante, e esta urn passo maisproximo da propria Carol.

    A segunda maneira de se compreender uma pessoa, por-tanto, e compreende-la, nao atraves dos olhos dos outros, masatraves dos nossos. Como esse e 0metodo pelo qual com-preendemos mais freqiientemente os outros, vamos examina-lomais detidamente. Quando eu compreendo voce, ou falhonessa tentativa, emprego recursos que estao a minha disposi-cao: minha aparelhagem de percepcao, meu pensamento, meussentimentos, meu conhecimento, minhas habilidades. Eu com-preendo voce ou nao em meus termos, conforme men espacovital, minha estrutura interna de referencia, Se nao falamosa mesma linguagem - apesar de ambos falarmos a mesmalingua - nao poderei de modo algum compreende-lo. Se estousofrendo de indigestao, compreenderei voce de maneira dife-rente daquela que 0Faria se a pessoa que amo tivesse acabadode concordar em casar-se comigo. E, e claro, 0mesmo ocorrea voce em seus esforcos para compreender-me, exceto que paravoce ainda e mais diftcil, Voce veio me procurar buscandoajuda; e, portanto, alern de tudo 0 mais, voce tern em menteo motivo pelo qual veio me ver,

    Em resumo, quando eu compreendo voce, ou deixo de fa-ze-lo, e em meus termos, conforme meus conhecimentos, mi-nha experiencia, minha imaginacao. Suponho que freqiiente-mente nao podemos faze-Io de outra maneira, e 0 melhor etermos consciencia de que e isso que estamos fazendo. Per-mitam-me dar uns poucos exemplos para esclarecer: "Eunao 0 compreendo. Esta tao quente aqui, e mesmo assim vocese queixa que esta frio". Isso e simpJes e 6bvio. Nao possoentender que voce esteja com frio, quando eu estou com calor.Naturalmente, a inferencia e que ha algo errado com voce."Eu 0compreendo perfeitamente. Se estivesse em seu lugar,teria agido da mesma forma." Esse exemplo tambem e claro,mas comparemos com 0 seguinte: "Eu nao 0 compreendo. Emseu Iugar, teria feito 0 oposto, e the asseguro ... ".

    Talvez existam algumas emocoes humanas universais, mastendemos a compreender apenas em termos de nos mesmos

    FILOSOFIA 67a pessoa que as expressa. Entendo sua expressao de conten-tamento ou tristeza, se for compativel com a alegria ou tristezaque ja experimentei, conheci ou posso imaginar. De outromodo, nao posso compreender, e e muito provavel que 0 con-sidere "errado", "estranho" ou "absurdo". Posso compreeen-der 0 sofrimento do Sr. A. pela perda de sua mao direita.Nao posso compreeender a dor que 0 Sr. B. expressa pelaperda de parte do dedo minimo esquerdo. Entendo Johnny C.,que gosta da escola, mas nao posso por mim mesmo compreen-der Johnny D., que a odeia. Posso compreender 0 fato de setomar uma bebida alcoolica de vez em quando. Posso mesmocompreender 0 Sr. E., que gasta parte de seu cheque de segurode aposentadoria em bebida. Mas simplesmente nao consigocompreender 0 Sr. F., que gasta todo seu salario mensal nobar, em uma semana, bate em sua mulher e me culpa por naoter dinheiro!

    Se nao compreendemos uma outra pessoa, talvez queira-mos descobrir 0 que esta gerando 0 obstaculo. Com 0 tempo,podemos aceitar a falta de comunicacao como inevitavel emdeterminadas circunstancias, Entao, no minimo, podemos ten-tar enfrentar 0 que nao estamos compreendendo. Embora abarreira nao seja removida, tampouco sera reforcada.

    A terceira mane ira de compreender outra pessoa e a maissignificativa, embora simultaneamente a mais dificil. Trata-sede compreender com a outra pessoa, como Rogers (1961, Cap.17) tao bern 0 situou. E necessario deixar tudo de lado, menosnosso senso comum de humanidade, e somente com ele tentarcompreender com a outra pessoa como ela pensa, sente e veo mundo ao seu redor. Significa nos livrarmos de nossa es-trutura interna de referencia, e adotar a do outro. A questaonao e discordar ou concordar com ele, mas compreender 0que e ser com ele. Aparentemente e simples, mas, na realidade,muito diffcil de se realizar.

    Todos os medicos consultados foram unanimes em afir-mar que 0 Sr. Crane precisa de uma cirurgia cardiaca. Con-cordaram tratar-se de uma intervencao simples, realizada comfreqiiencia e com uma alta porcentagem de sucesso. Posso

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    68 A ENTREVISTA DE AJUDAsaber alguma coisa sobre doencas do coracao; posso mesmoja ter sido operado. Mas ali estava 0 Sr. Crane, teimosamenterecusando-se a pensar na operacao. Quero compreender comele 0 que se passa em seu interior, e farei todo 0 possivel paracompreender, com 0 Sr. Crane, 0 que significa a operacao paraele, 0 que esta por detras de sua teimosa oposicao, Querocompartilhar com ele sua forte resistencia ao que e, segundoos medicos, urna coisa simples. Talvez eu nao tenha sucesso,mas quero ten tar tudo que estiver ao meu alcance. Talvezele fale de seus temores profundos. Se 0 fizer, nos dois pode-remos entao explora-los, e talvez 0 Sr. Crane se submeta a in-tervencao, Mas se 0 considero teimoso, tolo ou primitivo, sepor causa de sua atitude me sinto repelido ou rejeitado, sepremido pelo tempo insisto para que veja as coisas a minhamaneira, provavelmente nao chegarei a lugar nenhum.

    Ouvir: urn instrumento essencial, A compreensao exige 0uso de urn instrumento indispensavel: ouvir. Ouvir de ver-dade e urn trabalho dificil, implicando muito pouca coisa demecanico Ouvir exige, antes de mais nada, que nao estejamospreocupados, pois se estivermos, nao podemos dar uma aten-cao plena. Em segundo lugar, ouvir implica em escutar 0modo como as coisas estao sendo ditas, 0 tom usado, as ex-pressoes, os gestos empregados. E mais, ouvir inclui 0esforcode perceber 0 que nao esta sendo dito, 0que apenas e sugerido,o que esta oculto, 0que esta abaixo ou acima da superficie.Ouvimos com nossos ouvidos, mas escutamos tambem comnossos olhos, coracao, mente e visceras.

    Nosso objetivo e ouvir com cornpreensao. Isso precisaser aprendido e praticado. Devemos nos familiarizar comesse instrumento, ver como funciona para que possamos utili-za-Io 0 melhor possivel. Devemos compreender 0 que ha deimplicacao para nos no ato de ouvir, antes de sermos capazesde ouvir com compreensao. Urn teste simples nos mostrarase es~amos aprendendo a ouvir. Tern funcionado comigo, etambem com alguns de meus alunos. 0 teste e 0 seguinte:se durante a entrevista de ajuda voce puder dizer com suasproprias palavras 0 que 0 entrevistado disse, e dizer a ele com

    FILOSOFIA 69suas palavras os sentimentos que ele expressou e, entao, eleaceitar tudo isso como emanando dele, existe uma grandepossibilidade de que voce 0 tenha ouvido e compreendido.

    Na medida em que aprendemos mais e mais a escutar comcompreensao os outros, mais aprendemos a escutar com com-preensao a nos proprios. 0 resultado e que, eventualmente,seremos capazes de ouvir 0 entrevistado enos mesmos simul-taneamente, sem que urn se coloque no caminho do outro. Edepois, como sou aquele que ouve com compreensao - pelomenos tento firmemente - minha presenca e importante. Ajoe reajo. Seguindo 0 entrevistado, penso e sinto. Logo podereidizer algo; e entao, enquanto presto atencao nele, tambemdevo fazer isso comigo. Muitas vezes e complicado, pois mes-mo com a melhor intencao me surpreendo avaliando-o e aquiloque ocorre entre nos. Encontro-me aprovando aqui, e desa-provando ali; concordando ou discordando; confirrnando ounegando. Posso expressar tudo isso, apenas uma parte, ounada. Mas devo ouvir a rnim mesmo, assim como a ele, poisambos estamos envolvidos e somos importantes.

    Aqui existe urn perigo que deve ser indicado clararnente.Posso escutar tao cuidadosamente e tentar de tal modo com-preender, que acabo sendo absorvido pela estrutura internade referencia do entrevistado; como resultado, terei dificul-dades em nos separar. Se isso acontecer, nao serei capaz deajudar, porque a forma de ajuda que geralmente 0 entrevis-tado exige vai alem do ouvir com compreensao, Devo perma-necer eu mesmo - ainda que seja sornente para capacita-lo aaproximar-se de si mesmo. Enquanto ouvir com cornpreensao,posso compreender algo que ele ainda nao entendeu; possoadquirir insights sobre sua situacao que talvez ele precisesaber para mudar. Se me afasto muito de mimmesmo, echego demasiado perto dele, nao estarei ali com minhapropria estrutura de referenda para ajuda-lo quando maisprecisar de mim. Depois de muito esforco, posso chegar asentir que compreendo com 0 Sr. Crane 0 que 0 afasta desua cirurgia cardiaca, mas somente comunicando isso a ele,examinando 0 problema com ele, poderei ajuda-lo a tomar a

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    70 A ENTREVISTA DE AJUDAdecisao que 0 levara a intervencao e talvez a uma vida commais saude e melhor.

    Sugestiio de objetivos para 0 ouvir. Os que se iniciamna entrevista de ajuda frequentemente perguntam 0 que de-vern procurar compreender agora que realmente desejam ou-vir. ~ 'claro que nao existe nenhuma resposta global, pois hamuitas variaveis implicadas. Contudo, pode ser importanteouvir com cornpreensao alguns ou todos os seguintes itens:

    1. Como 0 entrevistado pensa e sente em relacao a simesmo; como ele se percebe.

    2. 0 que ele sente e pensa sobre os outros em seu mun-do, especialmente aqueles que the sao importantes; 0 que elepensa e sente em relacao as pessoas em geral.

    3. Como ele percebe os outros relacionados consigo;como, em sua opiniao, os outros pensam e sentem a seu res-peito, especialmente aqueles que sao importantes em sua vida.4. Como percebe 0 material que ele, 0 entrevistador ouambos desejam discutir. 0 que pensa e como se sente sobreo que esta envolvido.

    5. Quais sao suas aspiracoes, ambicoes e objetivos.6. Que mecanismos de defesa emprega.7. Que mecanismos de enfrentamento usa ou e capaz deusar.8. Quais sao seus valores; qual e sua filosofia de vida.Nao e necessario lembrar que nao demos "urn guia apro-

    vado": trata-se apenas de algo com que principiamos a tatear- como urna mao no escuro. Com urn pouco de Iuz, podemosdeixar cair a mao.I~'''lf)ns,eguir empatia.

    Agora uma historinha. Em urn dos kibutz de Israel, haviaurn burro. Era urn burro especial, na verdade, com suas longasorelhas sedosas e grandes olhos brilhantes; e todas as criancaso amavam profundamente. Assim, quando, urn dia, ele desa-

    FILOSOFIA 71pareceu, todas as criancas ficaram angustiadas, pois ele eraa atracao favorita das criancas da comunidade. Durante amanha, as criancas costumavam vir em duas ou tres, ou emgrupos inteiros com seus professores, para visitar 0 burro. Osmenores chegavam a cavalga-lo urn pouco. A tarde, as criancasobrigavam seus pais a irem ver Shlomo, 0 burro. Mas agoraele estava perdido, e as criancas estavam abatidas e tristes.A tristeza foi contagiosa; e antes que 0 dia terminasse, todosos membros do kibut; haviam se reunido no vasto refeitorio e,com a preocupacao estampada em todos os rostos, estavamdecidindo 0 que fazer. Haviam procurado em todas as partes,mas Shlomo, 0 burro, nao fora encontrado.

    No mesmo kibutz vivia urn anciao, pai de urn dos primei-ros colonos. Ultimamente estava urn pouco seniI, e as criancasas vezes 0 arreliavam abertamente, apesar dos adultos agiremcorn urn pouco mais de circunspeccao. Entao, quando toda apopulacao da comunidade se encontrava reunida no novo evasto refeitorio, pensando no que fazer, entrou 0 velho pu-xando Shlomo atras de si. Se 0 jubilo foi enorme, 0 espantoe a surpresa foram maiores ainda. Enquanto as criancas ro-deavam 0 animal, os adultos cercaram 0 velho. "Como foi,perguntaram ao anciao, que voce foi 0 unico entre nos queconseguiu localizar 0burro? 0 que voce fez?"

    Voces podem imaginar muito bern 0 embaraco do velho,e tambern sua alegria, pois nunca haviam the dado tanta aten-cao. Passou a mao par sua careca, olhou para 0 teto, e depoispara 0 chao, sorriu e disse: "Foi simples. Eu me perguntei:Shlomo (que tambem era 6 nome do velho) r se voce fosseShlomo, 0burro, onde voce iria? Entao, fui ate hi, encontrei-oe 0 trouxe de volta". Incidentalmente, Feniason (1952) contauma historia similar. So possa jurar pela minha como ver-dadeira.

    Essa historia exemplifica 0 aspecto da empatia, que e im-portante na entrevista de ajuda, tal como a entendo. Empatiasignifica voce sentir-se por dentro, participar do mundo inte-rior da outra pessoa, embora permanecendo voce mesmo. 0velho encontrou 0 burro porque tentou sentir para onde 0

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    72 A ENTRE1'ISTA DE AJUDAburro gostaria de ter ido, como se ele fosse 0 burro por urnmomento. Ele sabia que nao era; porem foi ate hi e 0 trouxede volta.""A empatia na entrevista de ajuda e similar a ter-ceira mane ira de compreender - compreender com - jadiscutida acima. 0 entrevistador empatico tenta, ate ondefor possivel, sentir a estrutura interna de referencia do entre.vistado, e tenta ver 0 mundo atraves dos olhos deste, comose fosse 0 seu pr6prio. As palavras "como se" sao cruciais,pois apesar do entrevistador ser empatico, nao deve perder devista 0 fato de que permanece ele mesrno. Sabendo 0 tempotodo que e diferente do entrevistado, ele tentar sentir a espe-cificidade do mundo interior de pensamentos e sentimentosdo outro, para chegar mais perto dele, para compreender comele ate onde for possivel.o entrevistador ernpatico explora com 0 entrevistado 0mundo interno de pensamentos e sentimentos deste, visandoaproxima-lo mais de seu pr6prio mundo, de seu pr6prio eu.o entrevistador empatico preocupa-se tanto com 0 eu do entre-vistado, e quer tanto que este tambern aprenda a preocupar-se,que esta pronto a abandonar temporariamente seu pr6prioespaco vital, e ten tar pensar e agir e sentir como se 0 espacovital do outro fosse 0seu pr6prio. Estando la, pode compreen-der com 0 entrevistado, mas somente quando retorna a simesmo, ao seu pr6prio espaco vital. e que ele se torna capazde ajudar. Agora ele pode compartilhar pensamentos e senti-mentos do entrevistado como se fossem seus, porque os com-preen de com ele. 0 entrevistado tera sentido isso. Ele terasenti do que 0 entrevistador realmente se importa com ele por-que fez 0 possivel para compreende-Io; agora 0 entrevistadoprecisara das reacoes do entrevistador ao que encontrou, paraque essa compreensao de si mesmo se tome parte da interacao.

    Retornemos por urn momenta ao Sr. Crane, aquele quenecessita de uma opera

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    Aqui esta uma historia que Coleman (1964) e outros rela-tam. Ha muitos seculos atras, Avicena, 0 famoso medico arabeda Idade Media, foi importunado pelos amigos de urn prmcipedoente, que residia em uma terra distante: queriam que fosseate la e curasse 0 doente. Diziam que 0 prmcipe estava muitoenfermo, que muitos medicos haviam side consultados, mastodos fracassaram. Ele, Avicena, era sua ultima esperanca.Quando 0 famoso medico ouviu isso, mostrou-se interessado eperguntou pelos sintomas da doenca do principe. Os amigosresponderam afirmando que 0 prmcipe teimava em acreditarque havia se transformado em uma vaca, e exigia ser abatido.Avicena concordou em deslocar-se ate onde residia 0desafor-tunado principe.

    Como 0prmcipe era muito amado por seus suditos, tudoque era possivel ja havia side experimentado antes do apeloa Avicena. Tentou-se .tratamentos de todo tipo: pilulas, pur-gantes, unguentos, inalacoes, ventosas, sangrias, cataplasmas,descanso, exercicios, festins e jejuns - que de nada serviram.o principe ainda insistia em afirmar que era uma vaca e,portanto, deveria ser abatido. Uma longa viagem pelas ca-pitais do mundo nao havia melhorado suas condicoes, e nemmesmo acorrenta-lo por urn mes ao seu leito. Experirnenta-ram a persuasao, 0encorajamento: apesar de tudo, a doencapassaria, sem duvida, e muito depressa; todos sabiam, e mes-mo 0principe deveria saber, e claro, que ele nao era uma vaca,mas urn soberano amado. Tambem em nada resultara a co-miseracao pelo seu triste destino. Finalmente, ameacaramdestrona-Io caso nao parasse com aquela tolice infeliz. Aindaassim, 0 prmcipe permaneceu firme: ele era uma vaca e de-veria ser abatido.

    Avicena chegou. Prirneiro, tentou saber tanto quanto pos-sivel sobre 0principe, escutando a todos cuidadosamente -e naquele pais havia muitos que queriam falar. Depois, tentoucompreender 0 principe, escutando-o. Como ele nao dizianada mais do que "muuuu", isso adiantou muito pouco. Entao,tao empaticamente quanto podia, tentou compreender como principe seu estranho mundo interior. Finalmente, disse ao

    FILOSOFIA 75principe: "Sim, agora compreendo que voce e uma vaca, e deveser abatido. Mas, prtncipe. voce esta tao magro que ,an~esseria preciso engordar urn pouco". Ouvind~ iss~, 0 prmcipecomecou a comer - coisa que quase nao fazia ultImame~te ---:e a apreciar suas refeicoes. Entao, lentamente. .. 0 final eobvio.

    Se Avicena houvesse se identificado com 0 princip~, ha-veri a duas vacas pedindo para serem abatidas. Se trvessesimpatizado com ele, nao teria agido m.elhor que seus ant~-cessores. 0 que houve foi uma empatIa tal que cOns~gu1Uajudar. E claro que ele foi bern sucedido, caso contrario eunao teria contado essa historia.

    Ainda nao tivemos exatamente nossa discussao filos6fica.Para dizer a verdade, atingimos agora 0 que julgo ser 0 fococentral: nos mesmos na entrevista de ajuda. Vamos suporque queremos nos comportar da maneira proposta nesse. ca-pitulo. Uma pergunta se coloca: como poden:os comumcartudo isso ao entrevistado? Como podemos faze-lo saber querealmente 0 respeitamos e que estamos realmente interessa-dos, que 0 estamos ouvindo cuidadosamente, que esta~os ten-tan do cornpreende-lo ao maximo possivel, que 0 acettamos eao seu mundo, por aquilo que sao, e que queremos ser em-paticos ate 0 ponto que nos e possivel? E iss~ porque po-demos nos interrogar sobre qual 0valor de tudo ISSO,a menosque 0 entrevistado sinta nosso interesse e desejo honesto deajuda-lo.

    Nao posso iludir essa linha basica de questionamento.Tenho uma resposta. Talvez nao seja sansfatona: po~e sertomada como uma ameaca, ou entao causar urn susprro dealivio. Qualquer que seja sua reacao, para mim, ao menos,e uma resposta. A resposta e: pelo nosso propri~ co:uporta-mento durante a entrevista. Somente isso comumcara ao en-trevistado 0 que realmente estamos sentindo e pensando.Estamos envolvidos no relacionamento tanto quanto ele, ~ 0que fazemos ou deixamos de fazer, 0 q~e, dizemos ou ?ao,ocorrera diante do entrevistado. Ele sentira e respondera ao

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    76 A ENTREVISTA DE AJUDAnosso calor ou frieza, ao nosso verdadeiro envolvimento oua nossa fachada, a nossa atencao ou indiferenc;a. Ele nosresponders como uma pessoa que pensa e sente, se nos per.mitirmos aparecer como tal. Ele reagira a tudo de nos queapresentarmos - ou a nada de nosso, se for isso que esti-vermos the dando.

    A questao, entao, transforma-se na seguinte: como deveo entrevistador comportar-se na entrevista de ajuda? Gostariamuito de apresentar minha resposta, porque sinto que ela ebasicamente correta. Sinto-me tao seguro a esse respeito quepoderei ate parecer dogmatico.

    Humanizar a essenciaAcredito, com os existencialistas (Beck, 1966 ver especial.

    mente 0 capitulo de Dreyfus; Buber, 1952; Bugental, 1965;Jourard, 1964), que 0 entrevistador deve comportar-se comoser humano na entrevista, expondo sua humanidade tantoquanto posstvel. Ele nao deve se comportar nem como urnboneco, nem como urn tecnico. Deve deixar de lado qualquermascara, fachada ou outro "equipamento profissional", queerie barreiras entre ele e 0 entrevistado. Deve dar-se na en-trevista de ajuda, de uma maneira tao aberta que 0 entrevis-tado possa facilmente encontra.lo e, atraves dele, chegar maisperto de si mesmo e. dos outros. 0 entrevistador nao deveter medo de revelar-se. Ele quer que 0 entrevistado se revele,e que aprenda alguma coisa sobre ele, sendo ajudado dessamaneira. Ele quer que 0entrevistado aprenda com seu com-portamento que ele, 0 entrevistado, nao deve se revelar, queisso e perigoso, indesejavel e inadequado? Se 0 entrevistadore frio e distante, pode esperar que 0 entrevistado se aproximee seja caloroso? Quando 0entrevistador e cauteloso e cuida-doso, pode 0 entrevistado ser aberto? Esse podera sentir-selivre para expressar de maneira aberta seus pensamentos esentimentos a alguerr, entrincheirado atras da barricada doprofissionalismo? Se 0 entrevistador tenta compreender comele seus pensamentos e sentimentos, 0 entrevistado nao tera

    FILOSOFIA 77necessidade desses pensamentos sobre seus pensamentos, des-ses sentimentos sobre seus sentimentos?

    Na entrevista de ajuda, ser humano refere-se a algumacoisa - alern do que ja foi dito sobre respeito, interesse,ouvir, compreender, aceitar e empatia - de nosso propriocomportamento que da substancia a essas atitudes. Antes demais nada, precisamos estar preparados para mostrar ao en-trevistado que sornos, sem nos ocultarmos, para que ele sesinta encorajado a olhar para 0 que ele e , sem reservas. De-vemos ser sinceros, autenticos, congruentes - nao apenasagindo, mas sendo. Enquanto 0entrevistado alimentar qual-quer duvida sobre nos como seres humanos, nao ira se per-mitir confiar em nos. Sentira que nao e sabio, nem segurae nem aceitavel confiar nos outros e em si mesmo. Se elesente que somos autenticos no que fazemos e dizemos, pelamaneira como expressamos nossos pensamentos e sentimen-tos, nossas ambivalencias e incertezas, pode aprender que eseguro expor-se por meio dos seus. Se nos ouve e nao sentenenhuma mensagem contraditoria por detras de nossas pa-lavras, podera aprender a escutar genuinamente a si proprio,sem censura.

    Devemos aprender a nos tornar mais sensiveis ao queocorre na entrevista de ajuda: ouvir com aquele "terceiroouvido" que Reik (1954) descreve, e deixar 0 entrevistadosaber que somos sensiveis e conscientes, e nao porque lhedizemos isso, mas porque nos comportamos de modo queveja 0que somos. Devemos nos permitir ser Iivres e espon-taneos: nao precisamos nos manter a distancia, numa tenta-tiva de atingirmos 0padrao do entrevistador "modelo", ternen-do que 0 entrevistado aprenda a reagir a ele, e nao a nos.Nunca atingiremos a perfeicao na entrevista, mas estou fir-memente convencido de que poderemos nos aproximar dahumanidade que constitui sua essencia,