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A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NO CONTRATO DE LOCAÇÃO Rafaela Oliveira Barbosa 1 Eliane Fontana 2 Resumo: O contrato de locação predial urbana é um instrumento que regula as relações locatícias de duas ou mais pessoas, com o objetivo de criar efeitos jurídicos à relação. De uma parte tem-se o locador e de outra o locatário. O contrato de locação necessita de pelo menos uma modalidade de garantia, sendo a fiança uma das formas mais utilizada. O fiador participa subsidiariamente da relação de locação, dando garantia ao locador da obrigação transcorrida para o locatário. Desta forma, em caso do não pagamento do aluguel e encargos locatícios pelo inquilino, cabe ao fiador arcar com estas despesas subsidiariamente, respondendo este inclusive com seus bens. Assim, este artigo tem como objetivo geral analisar a relação entre proprietário e inquilino no contrato de locação, mostrando quais as garantias existentes para reger tal relação. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico. Inicialmente, faz um estudo acerca das possibilidades de (im)penhorabilidade do único bem de família do fiador no contrato de locação, para, finalmente, examinar a relação da penhora do bem de família perante os princípios do Direito Constitucional. Nesse sentido, conclui que, embora esteja pacificada em contrário, a penhora do único bem de família do fiador afronta os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, eis que devem ser garantidos aos indivíduos a saúde, a moradia, dentre outros direitos ligados ao respeito à dignidade da pessoa. Palavras-chave: Bem de família. Contrato de locação. Fiador. Impenhorabilidade do bem de família do fiador. 1 INTRODUÇÃO O contrato de locação é um instrumento imprescindível para regular a relação de locação, nele sendo fundamental que haja cláusulas expondo os interesses individuais de locador e locatário. Também deve estar expresso pelo menos uma das modalidades de garantia locatícia, assegurando a obrigação elencada no negócio jurídico. No que tange às garantias locatícias, a mais usual atualmente é a de fiança, em que fiador garante o débito da locação na falta de pagamento por parte do locatário, respondendo subsidiariamente pela locação, até com o penhor do seu único bem de família. Tal ordenamento está disciplinado na Lei nº 8.009/1990 – Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família. Concernente à penhora do único bem de família do fiador, justifica-se a relevância de discussão acerca de tal dispositivo, eis que relacionado aos princípios fundamentais da Constituição Federal. Nesse sentido, o objetivo geral é discutir a legalidade da penhora nesse contexto, e o problema é este: é constitucional o inciso VII, do artigo 3º da Lei nº 8.009/1990, ao penhorar 1 Graduanda do curso de Bacharel em Direito do Centro Universitário Univates. [email protected] 2 Doutoranda em Direito com bolsa CAPES pela Universidade de Santa Cruz do Sul. [email protected]

A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR … · possibilidades de (im)penhorabilidade do único bem de família do fiador no contrato de locação, para, finalmente, examinar

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A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR

NO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Rafaela Oliveira Barbosa1 Eliane Fontana2

Resumo: O contrato de locação predial urbana é um instrumento que regula as relações locatícias de duas oumais pessoas, com o objetivo de criar efeitos jurídicos à relação. De uma parte tem-se o locador e de outra olocatário. O contrato de locação necessita de pelo menos uma modalidade de garantia, sendo a fiança uma dasformas mais utilizada. O fiador participa subsidiariamente da relação de locação, dando garantia ao locador daobrigação transcorrida para o locatário. Desta forma, em caso do não pagamento do aluguel e encargos locatíciospelo inquilino, cabe ao fiador arcar com estas despesas subsidiariamente, respondendo este inclusive com seusbens. Assim, este artigo tem como objetivo geral analisar a relação entre proprietário e inquilino no contrato delocação, mostrando quais as garantias existentes para reger tal relação. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizadapor meio de método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico. Inicialmente, faz um estudo acerca daspossibilidades de (im)penhorabilidade do único bem de família do fiador no contrato de locação, para,finalmente, examinar a relação da penhora do bem de família perante os princípios do Direito Constitucional.Nesse sentido, conclui que, embora esteja pacificada em contrário, a penhora do único bem de família do fiadorafronta os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, eis que devem ser garantidosaos indivíduos a saúde, a moradia, dentre outros direitos ligados ao respeito à dignidade da pessoa.

Palavras-chave: Bem de família. Contrato de locação. Fiador. Impenhorabilidade do bem de família do fiador.

1 INTRODUÇÃO

O contrato de locação é um instrumento imprescindível para regular a relação de

locação, nele sendo fundamental que haja cláusulas expondo os interesses individuais de

locador e locatário. Também deve estar expresso pelo menos uma das modalidades de

garantia locatícia, assegurando a obrigação elencada no negócio jurídico.

No que tange às garantias locatícias, a mais usual atualmente é a de fiança, em que

fiador garante o débito da locação na falta de pagamento por parte do locatário, respondendo

subsidiariamente pela locação, até com o penhor do seu único bem de família. Tal

ordenamento está disciplinado na Lei nº 8.009/1990 – Lei de Impenhorabilidade do Bem de

Família. Concernente à penhora do único bem de família do fiador, justifica-se a relevância de

discussão acerca de tal dispositivo, eis que relacionado aos princípios fundamentais da

Constituição Federal.

Nesse sentido, o objetivo geral é discutir a legalidade da penhora nesse contexto, e o

problema é este: é constitucional o inciso VII, do artigo 3º da Lei nº 8.009/1990, ao penhorar

1 Graduanda do curso de Bacharel em Direito do Centro Universitário Univates. [email protected] Doutoranda em Direito com bolsa CAPES pela Universidade de Santa Cruz do Sul. [email protected]

o único bem de família do fiador? Como hipótese, entende-se atualmente legítima a penhora

do único bem de família do fiador no contrato de locação, porém tal ordenamento contraria os

princípios básicos da Constituição Federal.

A abordagem do tema será de forma qualitativa, com base em Mezzaroba e Monteiro

(2014), utilizando-se método dedutivo, que iniciará pelo estudo do contrato de locação, com

suas características, modalidades e direitos e deveres do locador e locatário, passando pela

descrição de garantias do contrato de locação, com as modalidades e obrigações do fiador, até

culminar com o exame da (in)constitucionalidade da penhora do único bem do fiador, por

meio do uso de procedimentos técnicos baseados em doutrina, legislação e jurisprudência.

2 Características e princípios do contrato de locação

Nesta seção, o objetivo será expor aspectos sobre o contrato de locação, disciplinado

pela Lei nº 8.245/1991 – Lei do Inquilinato e Código Civil, descrevendo suas características

gerais, os princípios contratuais, os tipos de modalidade de locação existentes no Brasil, bem

como os direitos e deveres do locador e locatário.

O contrato de locação tem se tornado um instrumento essencial na relação locatícia

com o passar dos anos, mostrando ser um meio pelo qual a obrigação contratual passa a ter

efeitos jurídicos, dando maior segurança aos sujeitos na relação.

Para Venosa (2013, p. 381), “o contrato, assim como outros negócios, constitui-se

numa declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos”; em se tratando de

manifestação de vontade do ser humano perante uma obrigação, menciona o autor que “o ser

humano usa de sua manifestação de vontade com a intenção precípua de gerar efeitos

jurídicos, a expressão dessa vontade constitui-se num negócio jurídico” (p. 379).

Em se tratando de efeitos do contrato, Gomes (2001, p. 160) refere:

O principal efeito do contrato é criar um vínculo jurídico entre as partes. Fonte deobrigações, é tamanha a força vinculante do contrato que se traduz, enfaticamente,dizendo-se que tem força de lei entre as partes. O contrato deve ser executado talcomo se suas cláusulas fossem disposições legais para os que o estipularam. Quemassume obrigação contratual tem e honrar a palavra empenhada e se conduzir pelomodo a que comprometeu.

Desse modo, sendo o contrato um instrumento para reger as relações econômicas, em

meio ao crescimento da economia e no passar dos anos a forte procura da aquisição de

imóveis urbanos no país, com o objetivo de locação para aumentar a renda familiar em

investimentos de imóveis, tanto residenciais como comerciais, faz-se imprescindível a

necessidade de documentar esta relação de locação, de modo a dar eficácia jurídica,

explicitando garantias, direitos e obrigações para as partes relacionadas ao negócio jurídico.

No Brasil, a locação não pressupõe a transmissão de propriedade do imóvel, e sim de

posse. Nesse sentido, para Marki (1995, p. 127), locação é “o contrato pelo qual uma das

partes, mediante prestação em dinheiro, obriga-se em favor de outra a colocar-lhe à disposição

uma coisa, a prestar-lhe um serviço, ou executa determinada obra”. Nessa mesma linha de

pensamento, Souza (2014, p. 10) disciplina o objetivo do contrato de locação: “o objetivo do

contrato de locação, ao contrário do que ocorre na compra e venda, não é a transferência da

propriedade, e sim da posse. O locatário passa a ser o possuidor direto do imóvel,

conservando ao locador a posse indireta”.

O contrato de locação tem como principal característica ser formulado de comum

acordo diante da vontade dos sujeitos, por meio de diversas cláusulas, estabelecendo de

maneira clara, coerente e equilibrada garantias, direitos e deveres para ambos que o integram.

Assim, estipulando os dados completos das partes, o tipo de imóvel objeto, o prazo para

locação do imóvel urbano, o valor do aluguel com a data de vencimento dos pagamentos

expressa, bem como, em caso do não pagamento por parte do inquilino, os efeitos. Ao serem

pactuados os contratos de locação, sempre devem ser observados os princípios do direito

contratual como forma de equilibrar a relação e os interesses individuais das partes

(GABURRI, 2011).

Coelho (2007, p. 23) compreende os princípios contratuais desta forma:

Trata-se de normas de grande generalidade, expressas em dispositivos de direitopositivo ou deles extraídas por via argumentativa, as quais ajudam a nortear osjuízes na apreciação de demandas que versam sobre a existência, validade ecumprimento dos contratos.

Sendo assim, os princípios contratuais são o alicerce que orientam a formulação do

contrato de locação, por intermédio de fundamentos do ordenamento jurídico, alguns

previstos no Código Civil e outros implícitos por força obrigatória do contrato. A seguir

identificar-se-ão os principais princípios concernentes ao direito contratual.

Em primeiro lugar, comenta-se acerca do princípio da autonomia da vontade, sendo

de suma importância no momento da celebração do contrato, eis que cabe aos sujeitos do

contrato o livre arbítrio de expor seus interesses particulares e individuais promovendo limite

para equilibrar as vontades de ambas as partes. O art. 425 do Código Civil disciplina as

normas gerais do princípio da autonomia de vontade, deixando claro que há limites de ordem

pública que devem ser respeitados primordialmente antes de qualquer interesse particular,

pois o interesse do Estado e da coletividade prevalece ao interesse individual (GABURRI,

2011).

De todo modo, é importante expor o princípio da função social do contrato,

disciplinado no art. 421 do Código Civil, conceituado por Gama (2008, p. 92) assim:

O princípio em estudo determina que os interesses individuais das partescontratantes sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais sempre queestes se fizerem presentes. É a consagração do princípio da sociabilidade que, aolado dos princípios da eticidade e da operabilidade, norteia o atual texto civil.

Dessa forma, fica claro que esse princípio debilita e restringe o princípio da autonomia

de vontade, por óbvio não o invalida totalmente, pois cabe valorizar a dignidade da pessoa

humana, porém priorizando que os interesses particulares não podem gerar prejuízos ao

interesse social.

No direito contratual civil também há o princípio da força obrigatória do contrato,

este sem previsão legal no Código Civil como os demais vistos até então. Liga-se tal princípio

ao pacta sunt servanda, em que os próprios contratantes formulam as regras do contrato de

locação auferindo-se-lhes o dever de cumprir o que foi acordado nos moldes celebrados

(GABURRI, 2011).

Nesse contexto, há também o princípio da boa fé objetiva elencado no art. 422 do

Código Civil e destacado por Gama (2008, p. 97) como “o parâmetro de correção de conduta

leal, proba e honesta”. Assim, esse princípio faz com que cada caso tenha as suas

peculiaridades no que concerne às considerações contratuais elencadas através da boa fé e dos

bons costumes, presumindo-se presente na celebração do contrato (GABURRI, 2011).

Ainda em referência aos principais princípios do direito contratual, tem-se o princípio

da relatividade e os efeitos contratuais perante terceiros, disciplinado por Gaburri (2011,

p. 53), como aquele que: “segundo o princípio do pacta sunt servanda, o contrato faz lei entre

as partes. Assim, infere-se que apenas os contratantes encontram-se vinculados àquilo que

avençaram, ou seja, o contrato é ato estranho a terceiros”.

Em regra, os contratos são celebrados com o intuito de auferir efeitos apenas aos

sujeitos que o integram; todavia, os efeitos contratuais também de alguma forma atingem a

terceiros (que não são partes) e que nem mesmo sabem da sua existência. Dessa forma há a

estipulação em favor de terceiro (pactum in favorem tertii), disciplinada nos arts. 436 a 438 do

Código Civil, dando suporte jurídico ao terceiro atingido, a promessa de fato de terceiro

elencada nos arts. 439 a 440 do Código Civil, discorrendo sobre a obrigação estipulada a

terceiro. Por fim, o contrato com a pessoa a declarar, disposto nos arts. 467 a 471 do Código

Civil, disciplinando a substituição de uma das partes por terceiro, e desta resultando direitos e

obrigações contratuais (GABURRI, 2011).

Ainda quanto às características, o contrato de locação pode ser bilateral e

sinalagmático, eis que gera obrigações recíprocas para ambas as partes; é oneroso, pois o

locador percebe valor do locatário neste preâmbulo chamado de aluguel, ao passo que diante

disso é privado da posse direta da coisa, porém detém propriedade do imóvel locado

(GABURRI, 2011).

Pelo fato de o contrato de locação ter como característica essencial ser oneroso, ele

cria uma relação de prestação e contraprestação, pois ambas as partes percebem benefício

econômico nesta relação, e se a locação fosse gratuita ter-se-ia o comodato em vez do

contrato de locação (SOUZA, 2014).

Pelas cláusulas contratuais serem previamente estabelecidas entre as partes, com pleno

conhecimento dos contratantes e não envolver riscos, o contrato de locação também tem como

característica ser consensual, conforme Souza (2014, p. 10): “o contrato é consensual, e não

real, aperfeiçoando-se a partir do consenso da vontade das partes, quanto às condições da

locação, independentemente da entrega do imóvel, ou das respectivas chaves”. Também é

comutativo, pois o acordo de vontades definido pelos sujeitos tem eficácia real durante toda a

vida do contrato, dando razoabilidade ao equilíbrio econômico de forma a proteger ambas as

partes.

Em regra, o contrato de locação não é personalíssimo, pois em causa de morte do

locatário a locação pode ser cedida a outro. Não é solene, pois para haver eficácia não é

exigida a forma em lei, desta forma admitindo ser verbal ou escrito. Cabe ressaltar que a lei

admite contrato de locação verbal como dito, porém, se vierem a ocorrer conflitos em razão

da locação, dificulta-se a prova em razão de ela não ser expressa ou escrita, neste caso

cabendo o ônus da prova ao locador (GABURRI, 2011). Assim, é sempre mais garantido que

o contrato de locação, como qualquer outro contrato, siga o modo escrito, pois, dessa maneira,

garantem-se inúmeras vantagens de respeito mútuo dos sujeitos ao que foi acordado e

expressamente registrado nas cláusulas contratuais formuladas por ambos, de comum acordo.

Querendo as partes a renovação do contrato de locação não residencial, há a exigência

de contrato escrito, conforme menciona o disposto no art. 51, inc. I, da Lei do Inquilinato.

Para Gaburri (2011, p. 226), “para figurar no contrato de locação basta que a pessoa tenha

capacidade de exercício, direitos e poderes de administração sobre a coisa, sem que lhe seja

exigido qualquer requisito de legitimidade”.

No contrato de locação há dois ou mais sujeitos envolvidos no negócio jurídico, objeto

da relação, em que o locador, proprietário, pessoa natural ou jurídica, dá a posse de uma coisa

ao locatário, também chamado de inquilino. Desse modo, o locador pode ser dono ou não da

coisa locada.

2.1 Das modalidades de locação

São as modalidades de locação: a locação residencial, a locação não residencial e a

locação por temporada, por seguinte as características de cada uma:

A locação residencial é o tipo de locação destinada exclusivamente à moradia,

independentemente do número de pessoas, ou do local que se localiza o imóvel; é tida como

residencial pelo destino a que ela se restringe, não por qualquer outro tipo de distinção.

Ainda, Gaburri (2011, p. 248) explica o entendimento jurisprudencial acerca dessa

modalidade de locação conforme alguns usos:

A jurisprudência entende que o fato de se utilizar um dos cômodos do imóvelresidencial para fins de se estabelecer consultório odontológico, escritório deadvocacia, salão de beleza ou outra atividade liberal não descaracteriza a locaçãocomo residencial, para transformá-la em comercial ou não residencial. Ajurisprudência não considera como residencial a locação de pensionato e derepública, porque inexiste o elemento subjetivo, qual seja, o ânimo de permanência.

Já a locação por temporada está disciplinada no art. 48 da Lei do Inquilinato, e

destina-se a posse, uso e gozo temporário do imóvel, por exemplo, em casos de cursos, obras

no imóvel de propriedade, tratamento de saúde e férias. Nesses casos, com data para início e

fim, mencionada no contrato de locação, não podendo ultrapassar noventa dias. Gaburri

(2011, p. 248) discorre acerca do entendimento jurisprudencial da locação por temporada, na

exceção correspondente ao prazo: “entende a jurisprudência que não se descaracteriza a

locação para temporada se a necessidade transitória ultrapassar o prazo de noventa dias, como

no caso de o tratamento médico alongar-se além do inicialmente previsto”.

Em se tratando de locação por temporada, em que houver mobília no imóvel, esta

deverá ser discriminada no contrato de locação, e o estado em que se encontra, sendo do

interesse do locatário exigir essa descrição de bens, para proteger-se de possíveis futuros

conflitos. (GABURRI, 2011).

Dessa forma, ao final do prazo da locação por temporada, sem que haja o pedido de

restituição do imóvel nos primeiros trinta dias por parte do locador, o contrato passa a vigorar

por tempo indeterminado, não podendo mais serem exigidos os encargos e valores

compreendidos aos alugueis. Neste mesmo contexto, Gaburri (2011, p. 255) discorre:

Ocorrendo tal prorrogação, o locador somente poderá exigir a desocupação doimóvel mediante denúncia motivada, nos termos do art. 47 da Lei do Inquilinato –Lei nº 8.245/1991, ou mediante denúncia vazia após trinta meses de seu início, ouseja, conta-se esse prazo desde quando ainda vigorava por temporada.

Já em se tratando da locação predial de imóveis não residenciais, estes destinam-se a

fins comerciais, ou também chamados de empresariais, por exemplo, lojas, escritórios de

advocacia, consultórios médicos, consultórios odontológicos, etc.. Todos com o fim especial

de atendimento ao público, empresário individual ou pessoa jurídica de direito privado.

Segundo o art. 982 do Código Civil é tida como empresarial a locação em que o

locatário seja pessoa jurídica, caracterizada como sociedade simples, ainda que exerça

atividade lucrativa. Nesses termos, observa-se que o critério caracterizador da locação não

residencial é o da exclusão, pois caso a locação não seja caracterizada com o fim especial de

moradia, logo será uma locação não residencial (GABURRI, 2011).

O art. 55 da Lei do Inquilinato infere que também será considerada locação não

residencial quando o locatário do imóvel urbano for pessoa jurídica, e o destino final do

mesmo for para uso de diretores, sócios, gerentes, ou empregados da empresa. Como uma das

principais características desse tipo de locação tem-se o direito potestativo do locatário em

requerer a renovação do contrato por igual prazo, desde que preenchidos os requisitos legais

disciplinados pelo art. 51 da Lei nº 8.245/1991.

Gaburri (2011, p. 249) descreve a locação não residencial por prazo determinado:

Não implica direito de renovação, o contrato cessa de pleno direito, findo o prazodeterminado, independentemente de notificação ou aviso. Entretanto, se o locatáriopermanecer no imóvel por mais de 30 dias, sem oposição do locador, presume-se alocação com as mesas cláusulas, porém, sem prazo determinado, hipótese em que alocação poderá ser denunciada a qualquer tempo, por escrito, concedendo-se aolocatário o prazo de 30 dias para a desocupação.

Desta feita, a Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul, em relação à locação não residencial, por prazo indeterminado, julgou Apelação Cível:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL POR TEMPOINDETERMINADO. DESPEJO. DENUNCIA VAZIA. REQUISITOS PREENCHI-DOS. INDENIZAÇÃO DE FUNDO DE COMÉRCIO. DESCABIMENTO. HONO-RÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANUTENÇÃO. Por força do disposto no art. 57 daLei n. 8.245/1991, para que se perfectibilize a denúncia vazia de contrato de locaçãonão residencial por tempo indeterminado é imprescindível a prévia notificação doinquilino, concedendo-lhe 30 dias para desocupação do imóvel. Presente ocomprovante da prévia notificação, é de ser mantida a sentença que julgouprocedente o pedido na presente ação de despejo. O direito à indenização pela perdado fundo de comércio somente se verifica quando houver juízo de procedênciade ação renovatória do respectivo contrato de locação, o que não ocorre no caso.APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70068624642, DécimaSexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo,Julgado em 19/05/2016).

Assim, independente de qual seja o tipo de locação, na celebração do contrato precisa

ser mencionado que se trata de um contrato de locação residencial, por temporada ou não

residencial.

2.2 Dos direitos e deveres do locador e locatário

O locador e locatário têm como principal obrigação, conforme menciona Gaburri

(2011, p. 230), “transmitir a posse direta da coisa ao locatário, e permitir que este a exerça

mansa e pacificamente”, e o locatário “pagar os aluguéis e conservar a coisa, para, ao final,

restituí-la no mesmo estado em que a recebeu, ressalvadas suas deteriorações naturais” (p.

232).

Enquanto para Souza (2014, p. 22) distingue-se as obrigações de locador e locatário,

em:

Locador, suporta as obrigações de entregar a coisa locada em estado de servir ao usoa que se destina, de manter a sua forma, de fazer as reparações dos danosdecorrentes do uso normal, e o locatário tem a obrigação de restituir a coisa, ao finaldo contrato, no estado em que a recebeu, ressalvados os danos decorrentes do tempoe do uso normal; a de pagar pontualmente o aluguel avençado; a de conservá-la,como se sua fosse.

No plano legal, Os deveres do locador estão elencados no art. 22, inc. I a X, da Lei do

Inquilinato, como se explica a seguir. Como característica principal da obrigação do locador

tem-se a entrega da coisa ao locatário no tempo, lugar, e modo, em plenas condições de ser

utilizada ao fim que se destina. Nesse diapasão, Souza (2015, texto digital) menciona um fato

ocorrido no Brasil, relacionado às condições plenas de uso do imóvel:

É dever do locador entregar o imóvel alugado em condições de uso, do contráriodeve responder pelos defeitos anteriores à assinatura do contrato de locação. Comesse argumento, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeirocondenou um hotel da Barra da Tijuca a indenizar um restaurante por danos materiale moral. O estabelecimento arrendou o bar do hotel, mas não pode exercer aatividade em razão dos problemas estruturais do local.

Em caso de deterioração da coisa locada, o art. 567 do Código Civil disciplina que o

locatário pode exigir o abatimento proporcional do valor da locação, ou até a resolução do

contrato, porém deixando bem claro que se enquadra apenas se a coisa deixar de servir para o

fim a que se destinava, em razão das deteriorações.

Como segundo dever do locador, este tem de “garantir, durante o tempo de locação, o

uso pacífico do imóvel locado”; no que tange ao disciplinado neste inciso II do art. 22 da Lei

do Inquilinato, o art. 566 do Código Civil também discorre acerca da obrigação do locador, a

qual deve ser a de garantir durante toda a duração do contrato de locação o uso pacífico da

coisa locada. E a partir da celebração do contrato, tanto o proprietário como o inquilino têm a

posse do imóvel urbano, ambos de maneira oposta, o locatário tem a posse direta, e o locador

a posse indireta (SOUZA, 2014).

No inciso terceiro, está devidamente disciplinado como dever do locador “manter,

durante a locação, a forma e o destino do imóvel”, ou seja, cabe ao locador preservar o imóvel

nas mesmas condições que o recebeu na celebração do contrato, mantendo o tipo de locação a

que se destina o imóvel durante todo o tempo do contrato. Em se tratando de obras para

benfeitorias, inicialmente fica o locador proibido de fazer qualquer alteração no imóvel sem

antes obter o consentimento por escrito do locatário autorizando-o. O que se assegura no

disposto neste inciso é a preservação do destino do imóvel, estipulado expressamente no

contrato de locação, de certa forma que o proprietário não venha por ocasião ser surpreendido

com alteração do devido fim a que se esteja utilizando o imóvel de sua propriedade (SOUZA,

2014).

No que concerne aos vícios ou defeitos anteriores à locação, o inciso quarto refere-se

como dever do locador de “responder pelos vícios ou defeitos à locação”, da mesma forma,

Souza (2014, p. 110) refere que “será preciso, entretanto, que o defeito seja anterior ao

contrato e que realmente influa na utilidade ou no valor da coisa; pelo sistema do Código

Civil só o vício oculto permitiria ao alienatário reclamar a redibição ou a redução do preço”.

Explica o doutrinador que este é um dos deveres mais incertos do locador, o qual, através da

vaga redação, faz caber ao arbítrio do juiz diante cada caso distinto e individual decidir as

controvérsias.

Já em se tratando do disposto pelo inciso quinto do art. 22, este menciona que o

locador tem o dever de “fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do

estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos

existentes”. Assim, no caso do locatário vir a solicitar durante a vida contratual a descrição do

estado em que se encontra o imóvel, o locador tem o dever de assim o fazer, descriminado de

maneira clara os danos e defeitos do imóvel. Neste caso, não pode o locador negá-la, sob pena

de o locatário valer-se de medida cautelar para conseguir o propósito (SOUZA, 2014).

O inciso sexto evidencia que o locador deverá “fornecer ao locatário recibo

discriminado das importâncias pagas por este, vedada a quitação genérica”. Souza (2014, p.

112), discorre sobre o devido fornecimento de recibo por parte do locatário:

Para que a quitação se considere regular, apta a produzir efeito liberatório dodevedor, exige o art. 320 do Código Civil que designe o valor e a espécie da dívidaquitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar dopagamento, assim como a assinatura do credor, ou de quem legitimamente orepresente.

Desta forma, o locador tem o dever, conforme o inciso sétimo, de “pagar as taxas de

administração imobiliária se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas

necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador”, cabendo ao locador o

pagamento das taxas imobiliárias. Fica proibida a administração imobiliária de cobrar

qualquer espécie de valor do locatário, no que tange a qualquer preço de oferta do imóvel ou

despesas auferidas pela imobiliária para se obter o propósito, que é a devida locação do

imóvel urbano.

Ainda, no que concerne às taxas imobiliárias, conforme o inciso oitavo, cabe ao

locador pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio do seguro complementar contra fogo, que

incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no

contrato”. Em regra, cabe ao locatário efetuar o pagamento dos impostos e taxas concernentes

à locação do imóvel urbano, como luz, água, esgoto etc.

O inciso nove menciona que o locador tem o dever de “exibir ao locatário, quando

solicitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas”. Desta forma,

em hipótese alguma pode o locador se negar, ao passo que tem o dever de sempre que o

locatário solicitar os recibos dos pagamentos feitos, demonstrá-los.

No que tange ao dever do locador em relação às despesas condominiais, mencionadas

no inciso dez, cabe “pagar as despesas extraordinárias de condomínio”, estas tidas como

despesas imprevisíveis, como nos casos de caso fortuito ou de decisões de reparos no prédio,

acordados em reunião de condomínio; e ao locador, as despesas ordinárias, essas concernentes

a conservação de uso do imóvel (SOUZA, 2014).

Já as obrigações e deveres do locatário estão elencadas no art. 23, inc. I a XII da Lei

do Inquilinato – Lei nº 8.245/1991, como se descrevem alguns aspectos na sequência. Como

primeira obrigação, o locatário tem de “pagar pontualmente o aluguel e os encargos da

locação, legal ou contratual exigíveis, no prazo estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil

do mês seguinte ao vencido. No imóvel locado, quando outro local não tiver sido indicado no

contrato”, a obrigação mais importante concernente ao locatário certamente é a de efetuar o

pagamento do valor do aluguel exatamente no dia estipulado no contrato de locação e nos

meses subsequentes, ou então, até o sexto dia útil do mês, como referido no próprio inciso.

O objetivo do contrato de locação é a prestação e contraprestação, ou seja, é

necessariamente importante o pagamento pontual do aluguel. Quando este não é cumprido,

propicia o enriquecimento ilícito e sem causa por parte do locatário, incidindo sobre o

princípio da boa fé objetiva.

Souza (2014, p. 128) comenta o disposto no inciso segundo como dever do locatário,

de “servir-se do imóvel para o uso convencionado ou presumido, compatível com a natureza

deste e com o fim a que se destina, devendo tratá-lo com o mesmo cuidado como se fosse

seu“, ou seja, a obrigação do locatário referente ao zelo para com o imóvel locado “é dever do

locatário usar o imóvel para o fim previsto no contrato, não o modificando sem a prévia e

expressa autorização do locador. Também é obrigação do locatário tratar do imóvel com o

mesmo cuidado, como se seu fosse”, Souza (2014, p.129).

Assim, fica claro que o locatário tem o dever de comunicar ao locador em caso de

mudança no tipo de locação, eis que o locador decidirá se cabe ou não a pretensão do

locatário. Também, como dever fundamental do locatário, o inciso terceiro refere-se “restituir

o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do

seu uso normal“, de tal forma que esta obrigação mantém o raciocínio da anterior, deixando

assim claro que o locatário tem o dever e a obrigação, ao final da locação urbana, entregar o

imóvel no mesmo estado que recebeu, no que concerne à pintura externa e interna,

acabamentos, fechaduras das portas, e demais detalhes que precisam ser observados no

momento da cessação do contrato e entrega das chaves. Desta maneira, o imóvel deve estar

apto para o uso a que se destina no momento da entrega e no início do contrato de locação.

Cabe ao locatário, conforme o inciso quarto, “levar imediatamente ao conhecimento

do locador o surgimento de qualquer dano ou defeito, cuja reparação a este incumba, bem

como as eventuais turbações de terceiros”, devendo ser reparados pelo locador os danos

decorrentes do tempo e uso normal do imóvel urbano, porém, é preciso que o locatário dê

conhecimento desses danos ao locador, seja por contato telefônico, seja por meio escrito,

desde que chegue o aviso ao proprietário para sanar os danos, defeitos ou eventuais turbações

de terceiros (SOUZA, 2014).

Já o inciso quinto disciplina “realizar a imediata reparação dos danos verificados no

imóvel, ou nas suas instalações, provocados por si, seus dependentes, familiares visitantes ou

prepostos”, ou seja, em regra, todos os danos provocados no imóvel urbano durante uso do

mesmo pelo locatário, seus dependentes, familiares, visitantes ou prepostos, devem ser

sanados pelo mesmo as suas custas, pois no momento do início do contrato de locação o

imóvel encontrava-se em plenas condições de uso para o fim a que se destina, e nestas

mesmas condições ele precisa ser entregue ao fim do contrato.

No que concerne ao inciso sexto, este infere-se “não modificar a forma interna ou

externa do imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do locador”, na proteção ao

locador perante a guarda de seu imóvel no que tange a forma e padrão. O locatário,

impreterivelmente, precisa informar o proprietário sobre quaisquer reformas que pretende

fazer no imóvel que detém a posse, sendo elas tanto internas como externas, devendo haver o

prévio consentimento do proprietário autorizando as mudanças que o locador deseja.

Já o inciso sétimo disciplina como dever do locatário “entregar imediatamente ao

locador os documentos de cobrança de tributos e encargos condominiais, bem como qualquer

intimação, multa ou exigência de autoridade pública, ainda que dirigida a ele, locatário”. Ao

passo que, no decorrer do contrato de locação, o locatário recebe em seu nome ou em nome

do próprio locador diversas correspondências entregues no endereço do imóvel locado, estas,

independentemente do teor devem sempre ser comunicadas ao locador, sob pena de o

locatário responder pelos danos causados ao locador.

O inciso oitavo menciona como dever do locatário “entregar imediatamente ao locador

os documentos de cobrança de tributos e encargos condominiais, bem como qualquer

intimação, multa ou exigência de autoridade pública, ainda que dirigida a ele, locatário”.

Desta forma, no que tange às despesas de telefone, energia elétrica, água, gás e esgoto, estes

são gastos exclusivos do uso diário do imóvel, estando o locatário na posse, nada mais certo e

justo que auferir a ele o pagamento dessas taxas básicas de consumo, em caso de não o fazer e

surgir prejuízo ao locador, responde o locatário por perdas e danos.

Nas situações elencadas nesse inciso oitavo, cabe ressaltar uma que usualmente

acontece e que gera inúmeras ações nos Juizados Especiais Cíveis, que ocorre quando

locatário desocupa o imóvel, deixando inúmeras contas atrasadas: água, luz, telefone etc.,

estas recaindo sobre o locador, restando cessados os serviços prestados pelas concessionárias.

O locador, querendo vir a realugar o imóvel para outra pessoa, terá de satisfazer a cobrança de

débitos em aberto para reativar os serviços por parte das concessionárias.

O inciso nono menciona como dever do locatário “permitir a vistoria do imóvel pelo

locador ou por seu mandatário, mediante combinação prévia de dia e hora, bem como admitir

que seja o mesmo visitado e examinado por terceiros, na hipótese prevista no art. 27”. Esta

disposição protege o locador na forma da conservação de seu imóvel, eis que o locatário é

obrigado a ceder à vistoria do imóvel sempre que o locador tiver interesse para auferir a

situação que o mesmo se encontra.

Já o inciso dez menciona que incumbe ao locatário “cumprir integralmente a

convenção de condomínio e os regulamentos internos”. Normalmente, todo prédio urbano tem

uma comissão de condomínio, com o objetivo de auxiliar a pessoa do síndico no que concerne

à organização de gastos do condomínio, a cobrança e a supervisão das regras de convivência

entre vizinhos, valores para fundo de reserva do condomínio, bem como demais

responsabilidades.

No inciso onze, percebe ao locatário “pagar o prêmio do seguro de fiança”. Desta

forma, o prêmio do seguro de fiança será pago quando o locador for beneficiário único de um

seguro contratado pelo locatário, prevendo a garantia de pagamento de aluguel, em caso de

inadimplência por parte do inquilino antes de comunicar o fiador. Esta garantia foi inserida

em uma das modalidades contratuais previstas na Lei do Inquilinato.

Ainda, em se tratando de despesas, cabe ao locatário, conforme o inciso doze, “pagar

as despesas ordinárias de condomínio“. Têm-se como despesas ordinárias de condomínio, as

elencadas no art. 23, §1º, consideradas aptas ao locatário, pois auferem ao consumo próprio

do mesmo, restando ao locador o dever de arcar com as despesas extraordinárias de

conservação do imóvel urbano durante o período do contrato, proporcionando ao locatário

tranquilo uso da coisa (SOUZA, 2014).

Em caso de qualquer deficiência do locatário no cumprimento do contrato de locação,

o fiador responde subsidiariamente pela inadimplência, conforme sistematiza-se Weissheimer

(2015, p. 78):

O fiador responde desde eventual deficiência do locatário no cumprimento docontrato principal até sua total inadimplência. Na verdade, o fiador não cria umaobrigação nova, mas estende a si a obrigação do afiançado, podendo esta obrigaçãoser total ou limitada, como observa Barbi (2001).

Neste contexto, cabe expor quem pode ser fiador: “podem ser fiadores todas as

pessoas que tenham a livre disposição de seus bens, ficando afastadas, contudo, os incapazes

em geral” (GONÇALVES, 1998).

3 Das modalidades de garantias locatícias

Nesta seção, serão descritas as garantias locatícias, identificando-se as suas

modalidades que regem as relações de locação, bem como obrigações do fiador.

As garantias locatícias estão disciplinas no art. 37 da Lei nº 8.245/1991 – Lei do

Inquilinato, havendo quatro modalidades: caução, fiança, seguro de fiança locatícia e cessão

fiduciária de quotas de fundo de investimento. O objetivo dessas garantias é assegurar o

locador quanto ao cumprimento das obrigações por parte do locatário; contudo, a lei admite a

escolha de apenas uma das garantias em cada contrato de locação, vedado, sob pena de

nulidade contratual, haver mais de uma modalidade de garantia no mesmo contrato de locação

(SANTOS, 2012).

Nesse contexto, Weissheimer (2015, p. 72) explica:

O conteúdo da garantia, sempre a serviço de outra obrigação, é eliminar um riscoque pesa sobre o credor. Trata-se, pois, de uma obrigação acessória à principal demodo que a noção de segurança se mostra então ligada à noção de garantia documprimento de obrigação.

A Lei nº 8.245/1991, em seu art. 38, refere que a caução é destinada a assegurar o

cumprimento de determinada obrigação, cabendo tanto em bens móveis como bens imóveis,

em dinheiro ou títulos e ações.

Quanto à fiança, está disposta no inciso II do art. 37 da Lei do Inquilinato, conceituada

por Santos (2012, p. 238) como “contrato pelo qual um terceiro (fiador) vem garantir, total ou

parcialmente, diante do credor (locador, no caso), o cumprimento de obrigação assumida pelo

devedor, que é o afiançado, no caso, o locatário”. Quando houver a garantia de fiança na

obrigação, esta deve ser mencionada em cláusula específica no momento da celebração do

contrato, referindo os dados completos do fiador, da mesma forma que o inquilino. A fiança é

um contrato que de um lado se encontra o fiador e do outro o credor, ficando de fora o

devedor, conforme entendimento desse autor.

Em se tratando do contexto de conceituar as modalidades de garantias, cabe mencionar

o caso de suposta garantia de caução e fiança por parte de pessoas casadas, segundo Santos

(2012, p. 238):

A fiança e a caução em imóveis, se firmadas por pessoa casada, devem ter aautorização do outro cônjuge, como o exigia o Código Civil de 1916, e como exigeo Código Civil de 2002 (art. 1.647, inc. I e III), ressalvado o regime da separaçãoabsoluta de bens.

Ainda, a fiança é uma das modalidades mais utilizadas no contrato de locação,

basicamente dá para se dizer que é quando uma pessoa, um terceiro não interessado na

obrigação, dá garantia de pagamento caso o locatário venha a descumprir com suas

obrigações (WEISSHEIMER, 2015).

Outra figura de modalidade de garantia que pode haver na locação é o seguro de fiança

locatícia, disposto no inc. III do art. 37 da Lei nº 8.245/1991, o qual tem como principal

finalidade favorecer as pessoas hipossuficientes, que não provêm de algum conhecido ou

amigo que possa ser fiador. Dessa forma, o seguro fiança locatícia beneficia a pessoa do

locador, com prazo de validade de um ano, cabendo renovação em caso de expiração do

prazo, conforme menciona essa autora.

Por sua vez, Santos (2012, p. 238) destaca que o seguro de fiança locatícia “nada mais

é do que um contrato de seguro, sabendo-se que, por este, uma das partes (seguradora) se

obriga para com a outra (locador), mediante o pagamento de um prêmio, a indenizá-lo do

prejuízo resultante de riscos predeterminados contratualmente”. Desta forma, menciona que

essa espécie de garantia não é muito utilizada na prática, porém pode vir a ser, pois muitas

vezes é difícil conseguir um fiador que aceite assumir a obrigação, ou então, muitas vezes se

torna complicado dar uma caução, valendo-se como forma mais acessível o seguro fiança

locatícia.

Quanto à última modalidade de garantia locatícia, chamada de cessão fiduciária de

fundo de investimento, esta encontra-se disciplinada no inc. IV do art. 37, da Lei do

Inquilinato, não tendo grande repercussão nas relações locatícias, sendo antigamente

conhecida como “Medida Provisória do Bem”. Segundo Weissheimer (2015, p. 76), a

modalidade “tem o intuito de ofertar fundo de investimento do locatário para o locador, visto

que, na cessão fiduciária, quotas de investimento são cedidas como garantia ao locador no

caso de inadimplemento contratual”.

Desse modo, vistos os quatro tipos de modalidade de garantias locatícias existentes,

ainda pode o locador, por livre escolha preferir não exigir nenhuma delas no contrato de

locação. Ocorre que na prática isso é muito difícil de acontecer, pois as garantias locatícias

existem especificamente com o objetivo de proteger o locador na obrigação. Porém, em o

locador optando por não haver garantia locatícia no contrato, o art. 42 da Lei do Inquilinato

assegura o direito de antecipadamente o locador exigir o pagamento da locação até o sexto dia

útil do mês vincendo.

3.1 Das obrigações do fiador no contrato de locação

Gonçalves (apud Weissheimer, 2015, p. 80) discorre acerca da capacidade do fiador,

“no que diz respeito à capacidade do fiador, é genérica, visto que podem ser fiadores todas as

pessoas que tenham a livre disposição de seus bens, ficando afastadas, contudo, os incapazes,

em geral”.

Rizzardo (2009, p. 07) explica sobre a fiança e a pessoa do fiador:

A fiança é, portanto, o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a pagar ao credor oque a este deve um terceiro. Alguém estranho à relação obrigacional originária,denominado fiador, obriga-se perante o credor, garantindo o seu patrimônio asatisfação do crédito deste, caso não o solva o devedor.

No que tange à responsabilidade do fiador perante a obrigação contraída no contrato

de locação, essa obrigação permanece da entrega das chaves do imóvel para moradia até a

devida entrega destas ao findar a locação, assim, caracterizando cláusula leonina. Vale

mencionar que cláusula leonina é aquela que, de certa forma abusiva, basicamente beneficie

apenas uma das partes, prejudicando a outra, e dando maior amparo para a beneficiada

(WEISSHEIMER, 2015).

O fiador entra no contrato de locação sem benefício algum, cujo objetivo unicamente é

o de assegurar a dívida em caso de inadimplência por parte do locatário, ou seja, é um terceiro

à negociação, sem interesse algum no objeto. Pode-se dizer que o fiador é uma pessoa que

com boa fé e boa vontade entra na negociação, assegurando o direito à moradia de uma pessoa

(locatário) que não tem condições financeiras de comprar um imóvel próprio e precisa valer-

se da locação como meio disponível à moradia, dependendo de um fiador para isso (CARLI,

2009).

O art. 40 da Lei nº 8.245/1991infere as possibilidades de o locador solicitar a mudança

de fiador no contrato de locação: morte do fiador; ausência, interdição, recuperação judicial,

falência ou insolvência do fiador declaradas judicialmente; alienação ou gravação de todos os

bens imóveis do fiador ou sua mudança de residência sem comunicação ao locador;

exoneração do fiador; prorrogação da locação por prazo indeterminado, sendo a fiança

ajustada por prazo certo; desaparecimento dos bens móveis; desapropriação ou alienação do

imóvel; exoneração de garantia constituída por quotas de fundo de investimento; liquidação

ou encerramento do fundo de investimento de que trata o inciso IV do art. 37 desta lei;

prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de

sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 dias

após a notificação ao locador.

4 Da penhora de bens no contrato de locação

Nesta seção, o objetivo será discutir acerca das possibilidades da (im)penhorabilidade

do único bem de família do fiador no contrato de locação, examinando a

(in)constitucionalidade da Lei nº 8.009/1990 (Lei da impenhorabilidade do bem de família) a

esse respeito.

Entende-se como penhora de bens a execução de quantia certa, também entendida

como um ato executivo praticado em cumprimento de sentença, com o intuito principal de

satisfazer o crédito devido (CARLI, 2009). Há diversas formas de penhora, sendo que será

estudada nesta subseção a penhora de bens do fiador na modalidade de garantia de fiança no

contrato de locação.

Nesse sentido, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao

agravo regimental, legitimando a penhora do bem de família do fiador:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.CONTRATO DE LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE IMÓVEL DOFIADOR. POSSIBILIDADE PRECEDENTES.1. O Superior Tribunal de Justiça, na linha do decidido pelo Supremo TribunalFederal, tem entendimento firmado no sentido da legitimidade da penhora sobre bemde família pertencente a fiador de contrato de locação.2. Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes paraautorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida porseus próprios fundamentos.3. Agravo regimental não provido. (Agravo regimental no recurso especial nº1347068, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministro RicardoVillas Bôas Cueva. Julgado em 09/09/2014, publicado em 15/09/2014).

As exceções à impenhorabilidade aparecem no art. 3º, sendo que no seu inc. VII está

disposta a legitimidade da penhora do único bem de família em caso de fiador no contrato de

locação. No entendimento de Carli (2009), ocorre que o fiador entra na obrigação sem

interesse algum, é pessoa de boa fé, que tem como único intuito o auxílio ao locatário no

acesso à moradia, que é direito básico, fundamental e digno a qualquer que seja o indivíduo,

restando tamanha injustiça e falta de respeito ao resguardo e proteção da família.

Conforme ementa do Superior Tribunal de Justiça, este entende que a penhora do bem

de família do fiador confronta o disposto na Constituição Federal, eis que há a inobservância

aos princípios fundamentais do fiador, que entra em uma relação de locação para auxiliar o

locatário para que ele consiga ter acesso à moradia. Nesta relação, o mesmo pode vir a sair

lesado, não só a si como toda sua família, tornando vulnerável o imóvel conquistado como

bem maior da família (WEISSHEIMER, 2015).

Com as alterações que a Lei de Locações (8.245/1991) promoveu em face da lei do

bem de família (8.009/1990), ao acrescentar o inciso VII na Lei da impenhorabilidade do bem

de família, a jurisprudência dominante passou a entender pela constitucionalidade da

constrição sobre o bem de família em casos de fiança locatícia. Não raros são os julgados no

sentido de considerar válida a penhora sobre o bem do fiador, ainda que este constitua um

bem de família, isto porque a citada lei de locações autorizou expressamente a penhora do

bem de família para garantir débitos decorrentes de fiança locatícia (ABREU, 2007).

Diniz (apud ABREU 2007, texto digital) explica sobre a penhora:

Perante esta disposição normativa, o fiador de contrato de locação não poderá opor aimpenhorabilidade do imóvel que lhe serve de moradia, no processo de execuçãocontra ele movido, em razão de fiança prestada (AASP, 1.810:6, 1.733:3). Se oinquilino não cumprir seus deveres locativos, abrir-se-á execução contra o seufiador, e o seu imóvel onde este reside não estará coberto pela garantia deinsuscetibilidade de penhora.

Entretanto, há teses que sustentam que a referida lei ainda mantém sua

constitucionalidade, uma vez que os invocados princípios da isonomia e da moradia não

teriam sido violados. Isso tudo porque, no caso da isonomia, não se poderia confundir as

figuras do locatário e do fiador, por terem natureza jurídica diversa, sendo que apesar do

gravame maior recair sobre o fiador, tal fato, por si só, não representaria uma ofensa ao

princípio da isonomia. Ainda no que tange ao princípio da isonomia, já se tem defendido

também que ofensa a este haveria no caso do reconhecimento da inconstitucionalidade da

norma, eis que a aplicação da lei em benefício exclusivo do fiador trataria as partes de

maneira desigual, ferindo, portanto, o que determina o artigo 5º caput da Constituição Federal

(ABREU, 2007).

No que infere ao princípio constitucional da moradia, argumentam os contrários à tese

de inconstitucionalidade que a incidência do direito social de moradia, previsto no artigo 6º da

Constituição Federal, trataria de uma norma programática, carecendo, portanto, de

regulamentação, sem a qual não possuiria eficácia plena (ABREU, 2007).

Defende-se ainda o posicionamento de que o direito à moradia não estaria sendo

afrontado com a penhora, eis que, ao garantir a lei do inquilinato, esta exceção à regra de

impenhorabilidade dos bens de família, aumentaram-se as garantias locatícias, trazendo

menos risco a essa modalidade de contrato. Portanto, menores preços aplicados no mercado, o

que, na prática, refletiria até mesmo em maior garantia de acesso ao direito de moradia. Tal

tese parece ter sido adotada pelo ministro Cezar Peluso, ao relatar o Recurso Extraordinário

407.688 (ABREU, 2007).

Referente ao art. 40 da Lei do Inquilinato, cabe ressaltar o parágrafo único, o qual

dispõe que o locador pode notificar o locatário para que ele apresente nova garantia locatícia

no prazo de trinta dias, sob pena de desfazimento da locação.

Já no que tange ao bem de família do fiador, este, mesmo que sendo o único para

residência e domicílio da família, a jurisprudência entende pela penhora do imóvel em caso de

descumprimento da obrigação por parte do locatário, ou seja, o fiador é um terceiro

desinteressado no objeto do contrato de locação e garante a dívida com seu único bem de

moradia para a família.

Segue entendimento da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

acerca da confirmação da penhora do bem de família do fiador no contrato de locação:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. FIANÇA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO.EMBARGOS DE TERCEIRO. LEGITIMIDADE DOS FILHOS, PARAQUESTIONAR A PENHORA DE IMÓVEL RESIDENCIAL. BEM DE FAMÍLIA.PRECEDENTES DO COLENDO STJ. PENHORABILIDADE, NO CASOCONCRETO, POR SE TRATAR DE HIPÓTESE DE FIANÇA PRESTADA EMCONTRATO DE LOCAÇÃO, FAZENDO INCIDIR A EXCEÇÃO INSTITUÍDAPELA LEI Nº 8.009/90. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 8.245/91. O INC. VII DOART. 3º DA LEI Nº 8.009/90, INTRODUZIDO PELA LEI Nº 8.245/91, VEDA AALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA EMPROCESSO MOVIDO POR OBRIGAÇÃO DECORRENTE DE FIANÇACONCEDIDA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONALNº 26/2000. DIREITO À MORADIA. INSERÇÃO NOS DIREITOS SOCIAIS.NORMA PROGRAMÁTICA. A MERA INCLUSÃO DA MORADIA ENTRE OSCHAMADOS DIREITOS SOCIAIS NÃO TEM O EFEITO DE CONVERTÊ-LOSEM DIREITO INDIVIDUAL, ALCANÇANDO OS LOCADORESPARTICULARES E IMPEDINDO-OS DE EXECUTAR SEUS CRÉDITOSLOCATÍCIOS COM A PENHORA DO IMÓVEL RESIDENCIAL DO FIADOR.PRECEDENTES DO STF. IMPENHORABILIDADE. MATÉRIA JÁLEVANTADA ANTERIORMENTE PELOS FIADORES E AFASTADA, TENDOTRANSITADO EM JULGADO. SENTENÇA CONFIRMADA. POR MAIORIA,NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70065874026,Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augustode Freitas Barcellos, Julgado em 09/03/2016, publicado em 18/03/2016).

Logo, diante de tal entendimento, esclarece-se a aceitação da penhora do único bem de

família do fiador no contrato de locação, mesmo com o questionamento dos filhos incidindo

ser o único bem de família sem qualquer outro imóvel para moradia.

Contudo, Credie (2010) entende que há injustiça praticada a pessoa do fiador no

contrato de locação, eis que ele só existe e entra na obrigação com o único fim específico de

ajudar a cumprir com os princípios constitucionais, para que outro (locatário) tenha acesso ao

direito mínimo fundamental de moradia.

4.1 A (in)constitucionalidade da Lei n. 8.009/1990

A Lei nº 8.009/1990 dispõe acerca da impenhorabilidade do único bem de família,

protegendo-o de qualquer execução. Porém, o art. 3º menciona os casos legítimos para

penhora do único bem de família, e um deles, o mais importante no contexto em questão, é o

disposto no inc. VII, que assegura a penhora no caso de fiador no contrato de locação

(CJAKOWSKI, 2001).

A família é de importância máxima na sociedade que alicerça o Estado, restando

crítica à constitucionalidade do art. 3º, inc. VII da Lei nº 8.009/1990, bem como há

divergência doutrinária discorrendo sobre este assunto, porém, ainda é minoritária a corrente

que defende a inconstitucionalidade da Lei nº 8.009/1990 (CARLI, 2009).

Carli (2009, p. 124) refere-se às afrontas à Constituição Federal pelo art. 3º, inc. VII

da lei em questão:

Há que se considerar que a norma inserta no art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/1990,que afasta o véu da imunidade (da impenhorabilidade) do bem de família do fiador,viola a Constituição Federal de 1988, sob vários aspectos: 1. Viola o princípio dadignidade da pessoa humana; 2. Contraria o princípio da igualdade, uma vez que dátratamento desigual ao locatário em detrimento do fiador; 3. Afronta o princípio daproibição do retrocesso; e, por fim, 4. Viola outros valores fundamentais como: avida, o desenvolvimento humano e o mínimo existencial.

Em sendo o bem de família um direito fundamental e de total proteção, é notória a

inconstitucionalidade da Lei nº 8.009/1990, eis que em hipótese alguma pode ser legítima a

penhora do único bem de família, afastando totalmente os preceitos da Carta Magna, lei

maior, que se sobrepõe a qualquer outra; é de total desrespeito a constitucionalidade da

referida lei, e mais ainda, é uma afronta evidente aos princípios básicos intitulados na

Constituição Federal de 1988, na visão de Credie (2010).

Veja-se outro posicionamento da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul acerca da confirmação de penhora de único bem de família do fiador no

contrato de locação:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONFISSÃO DEDÍVIDA COM ORIGEM EM CONTRATO DE LOCAÇÃO.PENHORABILIDADE DO IMÓVEL DO FIADOR. BEM DE FAMÍLIA.POSSIBILIDADE. EXCEÇÃO LEGAL. PRECEDENTES DO STF E DO TJRGS.PREQUESTIONAMENTO. IMPROCEDÊNCIA CONFORMADA EM GRAURECURSAL. O STF consolidou o entendimento pela constitucionalidade do art. 3º,inciso VII, da Lei 8.009/90 (acrescido pela Lei n. 8.245/91), o qual não afronta art.6º da Constituição Federal (RE 407.688 - Plenário do STF). Não há [que se] falar emimpenhorabilidade do bem imóvel dado em garantia pelo fiador, mesmo que se tratede moradia e único bem do devedor, considerando a prova no sentido de que adívida é originária de contrato de locação. Precedentes do STF e deste Tribunal.APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70064451917, Décima SextaCâmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins,Julgado em 18/06/2015).

Tem crescido na jurisprudência uma análise do Direito Privado à luz do Texto Maior e

de três princípios básicos: a proteção da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), a

solidariedade social (artigo 3º, I) e a isonomia (artigo 5º, caput). Esses, justamente os

princípios daquilo que se denomina Direito Civil Constitucional (CREDIE, 2010).

Essa é a interpretação que se espera, visando consubstanciar um Direito Civil

renovado, mais justo e solidário. O contrato não pode fugir dessa concepção, sendo certo que

a interpretação de inconstitucionalidade do artigo 3º, VII, da Lei 8.009/90 mantém relação

direta com o princípio da função social dos contratos.

Por esse princípio, os contratos devem ser interpretados de acordo com o contexto da

sociedade, o que constitui um regramento de ordem pública e com fundamento constitucional,

o que pode ser retirado dos artigos 421 e 2.035, parágrafo único, do novo Código Civil e da

tríade dignidade-solidariedade-igualdade.

Cria-se a hipótese de possível (im)penhorabilidade do único bem de família do fiador,

sendo como regra máxima a disciplinada na Constituição Federal, não cabendo

preponderância a qualquer outra lei que afronte os preceitos de direitos fundamentais básicos,

sendo de total injustiça a pessoa do fiador, no contrato de locação, ser legal a penhora de seu

único bem, visto que ele entra na relação de locação apenas com o único intuito de dar

oportunidade do locatário ter acesso ao direito mínimo de moradia (CARLI, 2009).

5 CONCLUSÃO

Diante da evolução da economia, o contrato de locação tornou-se um instrumento de

importância, independentemente do valor do objeto, ou de qualquer outro fator, é

imprescindível e indispensável. Também entende-se que há maior proteção ao locador, sendo

o locatário detentor de muito mais deveres e obrigações do que benefícios.

No que tange aos quatro tipos de modalidades de garantias locatícias, preconiza-se a

mais usual, a garantia de fiança, disponibilizada pela pessoa do fiador em benefício do

locatário, e de certa forma do locador também como proteção à relação. Também fica claro

que o fiador nas suas obrigações é injustiçado no que concerne à penhora de seu único bem de

família, em caso de suposto descumprimento da obrigação por parte do locatário.

Logo, entende-se que de acordo com alguns julgados pesquisados,

contemporaneamente aceita-se a penhora do único bem de família do fiador no contrato de

locação; contudo, é este instituto uma afronta à Carta Magna, visto que o bem de família é de

extrema supremacia de respeito e direito dos indivíduos. A Lei nº 8.009/1991 disciplina a

penhora do único bem de família do fiador, sendo esta (in)constitucional, e não podendo esta

se sobrepor à Constituição Federal. Como possibilidade de resolução desta afronta teria talvez

a aceitação de bens móveis do fiador, não causando tanto constrangimento ao direito básico

de moradia.

O problema que deu base a este texto – é constitucional o inciso VII, do artigo 3º da

Lei nº 8.009/1990, ao penhorar o único bem do fiador? – pautado nas hipóteses de

(im)penhorabilidade do único bem de família do fiador, e a maior delas é a afronta aos

princípios constitucionais fundamentais, com atenção ao princípio da dignidade da pessoa

humana, este valendo-se de suprema importância com proteção pelo menos ao básico como:

saúde e moradia do indivíduo. Desta forma, a penhora do único bem de família do fiador no

contrato de locação deveria ser totalmente vedada, pois o fiador como pessoa que entra na

relação com boa-fé para ajudar o locatário a ter acesso à locação, deveria ser um indivíduo

com proteção, e não o contrário, tendo os entendimentos dos Tribunais como injustos, perante

a pessoa do fiador.

Portanto, se fez notório que a hipótese proposta não é aceita pelos Tribunais, que

entendem legítima a penhora do único bem de família da pessoa do fiador no contrato de

locação. Desta forma, a matéria se diz pacífica e constitucional, há legitimidade na disciplina

da penhora, neste caso em específico. Porém, trata-se de matéria de repercussão, com

relevância nos princípios da família, na moradia, nos precedentes sociais e na economia em

geral, não deixando de lado os princípios constitucionais da dignidade humana.

REFERÊNCIAS

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