A INDENIZABILIDADE DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO … Indenizabilidade das APP no... · 3 1.2 Desapropriação A desapropriação constitui-se em ato jurídico realizado pelo Poder Público

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    A INDENIZABILIDADE DAS REAS DE PRESERVAO

    PERMANENTE (APP) NO DIREITO BRASILEIRO.

    Rodrigo Afonso Machado1

    Sumrio: 1 Introduo conceitos. 1.1 reas de Preservao

    Permanente. 1.2 Desapropriao. 2 Indenizabilidade das reas de

    preservao permanente. 2.1 Supresso da APP por necessidade ou

    utilidade pblica. 2.2 Explorao autorizada da APP. 3 Medidas

    judiciais cabveis. 4 Parmetros para clculo das indenizaes nas

    desapropriaes ambientais. 4.1 As APP e o ITR (Imposto Territorial

    Rural). 5 Prescrio. 6 Concluso. 7 Bibliografia.

    O presente estudo tem por finalidade analisar a relao existente entre o direito de

    propriedade e as reas de Preservao Permanente delimitadas pela legislao, e a questo

    relativa possibilidade de indenizao pelo Estado dos proprietrios urbanos e rurais, em

    razo da restrio imposta ao seu direito de propriedade.

    1 INTRODUO CONCEITOS

    1.1 reas de Preservao Permanente

    A Constituio Federal de 1988, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais,

    dispe no art. 5 que garantido o direito de propriedade (inciso XXII) e, logo em seguida

    afirma que esta propriedade cumprir sua funo social (inciso XXIII). J o Cdigo Civil de

    2002, embora no traga o conceito de direito de propriedade, em seu art. 1.228, caput,

    descreve os atributos inerentes a toda propriedade, dispondo que o proprietrio tem a

    faculdade de usar, gozar, e dispor da coisa e o direito de reav-la do poder de quem quer que

    injustamente a possua ou detenha.

    Visando tutelar o meio ambiente e os recursos naturais existentes nas

    propriedades, estejam elas localizadas em zona urbana ou rural, o legislador instituiu no

    ordenamento jurdico ptrio a noo de reas de Preservao Permanente.

    As reas de Preservao Permanente (APP) so pores de terra especficas

    delimitadas na propriedade, seja ela urbana ou rural, nas quais no se admite a explorao do

    solo e/ou a supresso da cobertura vegetal, salvo com autorizao do Poder Pblico, como

    1 Advogado em So Paulo/SP. Membro do escritrio Cordeiro e Cordeiro Advogados Associados. Ps-

    graduando latu sensu em Direito Processual pela UNISUL/LFG.

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    disposto no art. 2 do Cdigo Florestal (Lei n 4771/65). O referido artigo dispe que so

    consideradas de preservao permanente a reas de florestas e demais formas de vegetao

    natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso dgua, desde o nvel mais alto em

    faixa marginal, nas nascentes, as reas no topo de morros, montes, montanhas, serras, nas

    restingas, ao redor de lagos e lagoas ou reservatrios de gua naturais ou artificiais, entre

    outras reas descritas em lei.

    Trata-se de verdadeira limitao imposta ao direito de propriedade, que se torna

    relativizado pelas disposies legais. A utilizao destas reas proibida, salvo nos casos em

    que o Poder Pblico autorizar, de acordo com as hipteses previstas neste mesmo Cdigo

    Florestal. Por isso, a alterao ou destruio das APP, sem prvia autorizao, pode acarretar

    em responsabilidades ao proprietrio.

    Nesse sentido, o Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA atravs

    das Resolues n 303/2002 e n 369/2006, estabeleceu alguns parmetros para a utilizao

    das APP, complementando o regramento presente na Lei n 4.771/65.

    A Resoluo n 303/2002 estabelece uma srie de conceitos e limites para as

    diversas reas onde se localizam as vegetaes de preservao permanente, esclarecendo as

    disposies presentes no Cdigo Florestal. Assim, esta norma ambiental definiu parmetros

    para identificao das regies onde as APP deveriam ser preservadas, como por exemplo, qual

    deveria ser considerado o nvel mais alto dos rios para se demarcar a rea de preservao

    permanente.

    J a Resoluo n 369/2006 dispe sobre os casos excepcionais em que poder

    ocorrer a supresso da vegetao existentes nas APP, nas hipteses de utilidade pblica e

    interesse social, mediante prvia autorizao do rgo ambiental competente. Nessas

    situaes, tambm estabeleceu parmetros e condies especficas para o uso das reas de

    preservao permanente, como a realizao de procedimento administrativo para obteno de

    licena para modificao da APP.

    As duas Resolues so dispositivos recentes, que visam principalmente adequar a

    legislao ambiental realidade scio-econmica dos imveis urbanos e rurais. Afinal, o

    esprito e a vontade preservacionista exigido pela legislao e, dos quais os proprietrios tm

    tido cada vez conscincia, devem co-existir com a necessidade de uso econmico das

    propriedades, que muitas vezes esbarra no rgido e antigo regramento ambiental. Por isso, a

    importncia da edio de normas infralegais que viabilizam a explorao sustentvel dos

    recursos naturais.

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    1.2 Desapropriao

    A desapropriao constitui-se em ato jurdico realizado pelo Poder Pblico no

    qual este ente, para fins de utilidade pblica, interesse social ou em situaes de emergncia,

    restringe o direito de propriedade, retirando-o completamente do domnio do proprietrio. Nas

    palavras de Celso Antnio Bandeira de MELLO, pode-se dizer que a desapropriao vem a

    ser o procedimento administrativo diante do qual o Poder Pblico, compulsoriamente, despeja

    algum de uma propriedade e a adquire para si, mediante indenizao, fundada em um

    interesse pblico.2

    , ainda, segundo Maria Helena DINIZ, uma modalidade de perda da

    propriedade.3

    Esta interferncia no direito de propriedade s pode ocorrer mediante justa e

    prvia indenizao da rea desapropriada pelo Estado, e conforme procedimento adequado.

    o que dispe o art. 5, XXIV da Constituio Federal de 1988.

    Nas palavras de Srgio FERRAZ, para que o Poder Pblico possa,

    compulsoriamente, despejar algum de sua propriedade, atravs de ato expropriatrio,

    necessrio se faz a prvia e justa indenizao, que pressuposto bsico e necessrio ao

    exerccio deste direito.4

    Neste sentido, a indenizao consiste no pagamento feito ao proprietrio de

    imvel que teve parte ou a totalidade de sua rea desapropriada pelo Poder Pblico. O valor

    da indenizao definido de acordo com o tamanho da rea desapropriada e seus acessrios.

    A indenizao deve exprimir uma compensao, integral ou prxima, do dano causado.5

    Caso o Estado venha interferir no direito de propriedade do indivduo, seja atravs

    de ato administrativo, seja por meio de disposio legal, sem observar os procedimentos

    legais exigidos, estar configurada a hiptese de desapropriao indireta. Neste caso, a

    indenizao tambm devida, e deve ser cobrada do ente expropriante pelas vias judiciais

    adequadas.

    2 Elementos do Direito Administrativo, So Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 188

    3 Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 18 ed. So Paulo: Saraiva, 2002, p 171 v. 4 4 A justa indenizao na desapropriao, So Paulo: RT, 1978, p. XI.

    5 FERRAZ, Srgio.Op. Cit, p. X

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    2 INDENIZABILIDADE DAS REAS DE PRESERVAO PERMANENTE

    Vistos os conceitos acima, necessrio agora se fazer uma anlise para constatao

    se os institutos jurdicos apresentados, em especial a desapropriao, podem ser aplicados nos

    casos em que a legislao impe a formao das reas de Preservao Permanente dentro das

    propriedades urbanas e rurais. preciso verificar se h possibilidade dos proprietrios

    urbanos e rurais serem indenizados pela limitao ao gozo de seu direito de propriedade nos,

    termos da legislao ambiental vigente, e em quais casos esta indenizao devida.

    A corrente majoritria da doutrina entende que as APP so reas insuscetveis de

    explorao, que devem ser preservadas de forma absoluta, isto , sem sofrer qualquer

    processo de modificao. Constituem-se em bens comuns de todos, que visam proteger os

    recursos hdricos e os leitos dos rios da eroso causada pelo processo de lixiviao6 e,

    portanto, no suscetveis desapropriao. Assim, ainda que estas pores da propriedade

    tenham potencial de utilizao pelos proprietrios, a proibio do uso e gozo desta

    potencialidade no resultaria em pagamento de uma indenizao pelo Estado.

    2.1 Supresso da APP por necessidade ou utilidade pblica

    No entanto, casos h em que a vegetao de preservao permanente sofre

    modificaes, sobretudo quando se tratam de atividades de interesse social ou necessidade

    pblica, situaes nas quais o Estado o propulsor destas transformaes. Estas atividades,

    que j foram at objeto de regulamentao pelo CONAMA, como se viu anteriormente,

    acabam por causar transformaes nas APP e tambm limitando o gozo dos direitos de

    propriedade relativos ao imvel.

    Nesta situao, a utilizao da rea de Preservao Permanente de determinada

    propriedade para fins de necessidade ou interesse pblicos revela-se uma clara e inequvoca

    afronta do Estado na propriedade do particular. ato desapropriatrio e o proprietrio deve

    ser indenizado pela limitao imposta a seu imvel, at porque o responsvel pelo dever de

    conservao das APP, e a supresso da vegetao existente nesta rea, de forma ilegal e

    indevida, poderia acarretar-lhe sanes de natureza cvel e penal.

    6 Termo geral utilizado para a remoo pela gua de materiais solveis contidos no solo.

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    2.2 Explorao autorizada da APP

    H, ainda, por outro lado, situaes em que as APP so objeto de explorao

    econmica perpetrada pelo proprietrio, baseada no desenvolvimento sustentvel do imvel e

    na gerao de riquezas para o setor econmico-produtivo. Nessas hipteses, a supresso da

    vegetao de preservao permanente ocorre atravs da tcnica do manejo florestal

    sustentvel, mediante autorizao do rgo pblico competente, como o IBAMA, a CETESB

    e o DPRN e aps a submisso do projeto de explorao a um rigoroso procedimento

    administrativo.

    Aqui, a modificao na APP d-se de forma lcita e sustentvel, objetivando o uso

    econmico dos recursos naturais presentes no local. A limitao ocorre, no entanto, quando o

    Estado resolve impedir que o proprietrio obtenha frutos desta atividade. Portanto, eventual

    proibio de uso destes recursos tambm gera ao proprietrio o direito indenizao, em

    razo dos frutos da atividade que espera obter e no mais receber. uma hiptese de

    desapropriao indireta7.

    Assim, nestes casos em que ocorreu a alterao de reas consideradas

    insuscetveis de explorao, mas que tiveram sua formao rborea-arbustiva parcial ou

    totalmente suprimida mediante autorizao, indaga-se sobre o direito do proprietrio em

    receber uma quantia a ttulo de indenizao pela proibio da explorao de poro de terra

    que de sua titularidade, em razo da limitao imposta por lei.

    Para alguns autores como Antnio Herman V. BENJAMIM8 e Paulo Affonso

    Leme MACHADO9, as reas de preservao permanente so consideradas limites internos da

    propriedade, integrando a essncia do domnio e transmitidas com o prprio ttulo do imvel.

    Por isso, no seriam indenizveis.

    Por outro lado, o prprio Cdigo Florestal prev expressamente uma hiptese em

    que cabe a indenizao da poro da terra no qual se localiza a rea considerada de

    preservao permanente. Ocorre quando a referida rea est sendo utilizada para o cultivo de

    culturas, tal como dispe o art. 18, 1:

    Art. 18. Nas terras de propriedade privada, onde seja

    necessrio o florestamento ou o reflorestamento de

    7 A desapropriao indireta a invaso e tomada, pelo Estado, de bem de terceiro sem o devido processo legal,

    retirando o contedo econmico da propriedade. 8 Vide Dano ambiental: preveno e reparao e represso. So Paulo: Revista dos tribunais, 1993.

    9 Cf. Direito ambiental brasileiro. 10 ed. rev. atual. e amp. So Paulo: Ed. Malheiros, 2002.

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    preservao permanente, o Poder Pblico Federal poder faz-

    lo sem desapropri-las, se no o fizer o proprietrio.

    1 Se tais reas estiverem sendo utilizadas com culturas, de

    seu valor dever ser indenizado o proprietrio.

    (...) [grifo nosso]

    A interpretao do dispositivo supracitado no deixa dvidas que, constatada a

    utilizao das reas de Preservao Permanente para o cultivo de culturas, o Estado tem a

    obrigao de indenizar o proprietrio rural em face da verdadeira desapropriao indireta que

    significa a delimitao das referidas APP. Desse modo, cabvel a indenizao pelo Estado

    ao proprietrio.

    O Cdigo Florestal de 1934, que foi revogado pelo diploma vigente, previa e

    assegurava indenizaes aos proprietrios de florestas privadas declaradas protetoras, as quais

    correspondem as atuais reas de Preservao Permanente.

    Assim, nos casos em que h explorao econmica das APP, devidamente

    fundadas no manejo florestal sustentado e autorizado na forma da lei, o proprietrio dever ser

    indenizado em razo de no mais poder usufruir dos lucros que esperava obter como resultado

    desta explorao econmica.

    Nas palavras de Ibraim ROCHA, o que ser indenizado ser a explorao dos

    frutos, pois somente estes foram autorizados pelo rgo ambiental.10

    Assim sendo, duas so as situaes que se referem explorao das APP, e das

    quais podem resultar o dever de indenizao pelo Estado ao proprietrio. De um lado, todas as

    vezes que as reas de Preservao Permanente forem objeto de explorao para fins sociais,

    seja por interesse pblico (construo de uma ponte, por exemplo) seja necessidade pblica

    (captao de gua para combate a incndio), o proprietrio deve ser indenizado pelos

    prejuzos vegetao, tenha sido ela suprimida ou no.

    Por outro lado, sempre que o Estado impor ao proprietrio proibio de

    desenvolver atividade econmica na APP, devidamente autorizada pelo rgo ambiental

    competente, como a extrao de frutos de rvores nativas, por exemplo, tambm gera uma

    obrigao para o ente pblico de indenizar o dono do imvel em razo dos lucros que no

    mais receber de sua atividade econmica.

    10

    Desapropriao e biodiversidade: anlise de um caso concreto na Amaznia. Revista de direito ambiental.

    n 39, p. 110.

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    O Estado tem o dever tutelar o meio ambiente, utilizando-se de todos os

    mecanismos existentes para efetivar conservao dos recursos naturais disponveis. Contudo,

    tem tambm a obrigao legal de respeitar os direitos de cada cidado, entre eles o de poder

    utilizar sua propriedade, segundo os preceitos do desenvolvimento sustentvel. Havendo a

    necessidade de restringir o uso e gozo do direito de propriedade, em um patamar maior que ao

    determinado pelo princpio da sustentabilidade, impe-se o pagamento de indenizao pela

    limitao deste direito.

    A jurisprudncia tambm tem se posicionado neste sentido:

    DESAPROPRIAO DIRETA MATAS SUJEITAS

    PRESERVAO PERMANENTE VEGETAO DE

    COBERTURA INDENIZAO DEVIDA RECURSO

    DESPROVIDO. A existncia de cobertura vegetal sujeita

    limitao legal quanto explorao no elimina o valor

    econmico das matas preservadas, nem afeta negativamente o

    patrimnio do expropriado. No admissvel considerar essa

    vegetao como elemento neutro na apurao do valor devido

    pelo expropriante, mxime Quando o uso do subsolo implicar

    no desmatamento da rea com o aproveitamento econmico da

    extrao da madeira. (ApCiv. n 143.834-2 3 Cmara cvel

    TJPR j. 25.05.2004 - Rel. Des. Munir Karam.)

    ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAO INDIRETA.

    PRESCRIO. MATAS DE PRESERVAO

    PERMANENTE. INDENIZABILIDADE. LAUDO

    PERICIAL. SUM. 7/STJ. JUROS COMPENSATORIOS.

    CUMULAO DOS JUROS MORATORIOS COMO OS

    COMPENSATORIOS. APLICAO, NA ESPECIE, DAS

    SUMULAS 12, 69, 70, 98, 102 E 114/STJ. condio "sine

    qua non" para o conhecimento do recurso especial, interposto

    com fulcro na letra "a", iii, do art. 105, CF/1988, que o v.

    acrdo vergastado tenha enfrentado os dispositivos de leis

    federais tidos por violados (Sum. 282 e Sum. 356/STF). "A ao

    de desapropriao indireta prescreve em vinte anos" - a Sum.

    119/STJ. Conforme j decidiu esta corte, as matas que recobrem

    a rea expropriada representam um valor econmico, portanto,

    as limitaes administrativas quando superadas pela ocupao

    permanente, vedando o uso, gozo e livre disposio da

    propriedade, impe-se a obrigao indenizatria justa, espancando mascarado confisco. A discusso quanto a

    indenizao esbarra na Sum. 7/STJ, uma vez que e impossvel o

    seu reexame pela via eleita do especial. "Na desapropriao

    direta, os juros compensatrios so devidos desde a antecipada

    imisso na posse e, na desapropriao indireta, a partir da

    efetiva ocupao do imvel". - Sum. 69/STJ. Da mesma forma:

    "os juros compensatrios, na desapropriao indireta, incidem a

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    partir da ocupao, calculados sobre o valor da indenizao,

    corrigido monetariamente." - Sum. 114/STJ. "A incidncia dos

    juros moratrios sobre os compensatrios, nas aes

    expropriatrias, no constitui anatocismo vedados em lei." Sum.

    12 e Sum. 102/STJ. Recurso especial a que se nega provimento.

    (REsp 95299 / SP 1 T. - STJ - j. 20.02.1997 - Min. Jos de

    Jesus Filho).

    MATAS DE PRESERVAO PERMANENTE.

    INDENIZAO. JUROS COMPENSATRIOS. Quanto

    indenizao das matas de preservao permanente, a

    jurisprudncia predominante no sentido do que se decidiu no

    RE 134297, relativo mesma Reserva Florestal do Estado de

    So Paulo na Serra do Mar. A questo dos juros compensatrios,

    no caso, foi decidida com base na jurisprudncia do STJ fundada

    em princpios constitucionais. (...) Recurso improvido. (AgRg

    no Ag In 273.029-5/SP 1 T. STF j. 19.02.2002 Min.

    Moreira Alves).

    RECURSO EXTRAORDINARIO - ESTACO

    ECOLGICA - RESERVA FLORESTAL NA SERRA DO

    MAR - PATRIMNIO NACIONAL (CF, ART. 225,

    PAR.4.) - LIMITAO ADMINISTRATIVA QUE AFETA

    O CONTEDO ECONMICO DO DIREITO DE

    PROPRIEDADE - DIREITO DO PROPRIETRIO A

    INDENIZAO - DEVER ESTATAL DE RESSARCIR OS

    PREJUZOS DE ORDEM PATRIMONIAL SOFRIDOS

    PELO PARTICULAR - RE NO CONHECIDO. - Incumbe

    ao Poder Publico o dever constitucional de proteger a flora e de

    adotar as necessrias medidas que visem a coibir prticas lesivas

    ao equilbrio ambiental. Esse encargo, contudo, no exonera o

    Estado da obrigao de indenizar os proprietrios cujos imveis

    venham a ser afetados, em sua potencialidade econmica, pelas

    limitaes impostas pela Administrao Pblica. A proteo

    jurdica dispensada as coberturas vegetais que revestem as

    propriedades imobilirias no impede que o dominus venha a

    promover, dentro dos limites autorizados pelo Cdigo Florestal,

    o adequado e racional aproveitamento econmico das arvores

    nelas existentes. A jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal

    e dos Tribunais em geral, tendo presente a garantia

    constitucional que protege o direito de propriedade, firmou-se

    no sentido de proclamar a plena indenizabilidade das matas e

    revestimentos florestais que recobrem reas dominiais privadas

    objeto de apossamento estatal ou sujeitas a restries

    administrativas impostas pelo Poder Publico. Precedentes. A

    circunstncia de o Estado dispor de competncia para criar

    reservas florestais no lhe confere, s por si - considerando-se os

    princpios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de

    propriedade -, a prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de

    indenizao compensatria ao particular, quando a atividade

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    pblica, decorrente do exerccio de atribuies em tema de

    direito florestal, impedir ou afetar a vlida explorao

    econmica do imvel por seu proprietrio. - A norma inscrita no

    ART.225, PAR.4., da Constituio deve ser interpretada de

    modo harmonioso com o sistema jurdico consagrado pelo

    ordenamento fundamental, notadamente com a clusula que,

    proclamada pelo art. 5., XXII, da Carta Poltica, garante e

    assegura o direito de propriedade em todas as suas projees,

    inclusive aquela concernente a compensao financeira devida

    pelo Poder Pblico ao proprietrio atingido por atos imputveis

    a atividade estatal. O preceito consubstanciado no ART.225,

    PAR. 4., da Carta da Repblica, alm de no haver convertido

    em bens pblicos os imveis particulares abrangidos pelas

    florestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlntica, Serra do

    Mar, Floresta Amaznica brasileira), tambm no impede a

    utilizao, pelos prprios particulares, dos recursos naturais

    existentes naquelas reas que estejam sujeitas ao domnio

    privado, desde que observadas as prescries legais e

    respeitadas as condies necessrias a preservao ambiental. A

    ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de

    propriedade (CF/88, art. 5., XXII). Essa proteo outorgada pela

    Lei Fundamental da Repblica estende-se, na abrangncia

    normativa de sua incidncia tutelar, ao reconhecimento, em

    favor do dominus, da garantia de compensao financeira,

    sempre que o Estado, mediante atividade que lhe seja

    juridicamente imputvel, atingir o direito de propriedade em seu

    contedo econmico, ainda que o imvel particular afetado pela

    ao do Poder Pblico esteja localizado em qualquer das reas

    referidas no art. 225, PAR. 4., da Constituio. - Direito ao meio

    ambiente ecologicamente equilibrado: a consagrao

    constitucional de um tpico direito de terceira gerao (CF, art.

    225, caput). (RE 134297 / SP 1 T. STF j. 13.06.1995

    Min. Celso de Mello).

    Por fim, destaca-se a questo das reas de Preservao previstas na Lei

    9.885/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservao SNUC.

    O SNUC abrange diversas reas de preservao ambiental, entre elas as Reservas

    e Estaes Ecolgicas, Parque Nacionais, as quais recebem a denominao de Unidades de

    Conservao. Estas Unidades de Conservao quando institudas pelo Poder Pblico, tambm

    limitam o pleno gozo do direito de propriedade, relativizando-a. E, justamente por relativizar

    o uso da propriedade, impondo uma limitao administrativa mesma, a criao destas reas

    enseja ato de desapropriao pelo Poder Pblico e conseqente pagamento de um quantum

    indenizatrio para o proprietrio desapropriado.

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    o que dispe, por exemplo, o art. 9, 1 da sobredita Lei, ao versar sobre a

    criao das Estaes Ecolgicas:

    Art. 9. A Estao Ecolgica tem como objetivo a preservao

    da natureza e a realizao de pesquisas cientficas.

    1 A Estao Ecolgica de posse e domnio pblicos, sendo

    que as reas particulares includas em seus limites sero

    desapropriadas, de acordo com o que dispe a lei.

    Assim, quando a criao das Unidades de Conservao previstas na Lei n

    9.885/2000 englobar parte ou totalidade de propriedade de particulares, indiscutvel a

    obrigao do Estado em indenizar o proprietrio em razo da desapropriao de seu imvel,

    como consta expressamente da legislao vigente.

    Em suma, observa-se que as reas de Preservao Permanente so limitaes

    impostas pela legislao ambiental que relativizam o pleno gozo dos direitos inerentes

    propriedade, na medida em que seriam inexplorveis. Contudo, a delimitao destas pores

    do imvel no pode ser de tal forma absoluta a ponto de impedir ou inviabilizar o

    desenvolvimento econmico e social e a gerao de riquezas, devendo estas restries quando

    indevidamente implementadas, resultarem em pagamento de um quantum indenizatrio aos

    proprietrios.

    3 MEDIDAS JUDICIAIS CABVEIS

    A utilizao das reas de Preservao Permanente para realizao de atividades

    de utilidade pblica e/ou necessidade pblica deve ocorrer a partir da obedincia pelo Estado

    dos ditames legais, mediante edio do decreto desapropriatrio e, assim, respeitando o

    princpio do devido processo legal.

    No entanto, nos casos em que o Poder Pblico retira do proprietrio o pleno

    domnio sobre determinada parte seu imvel sem obedecer ao disposto na legislao, o titular

    da propriedade deve valer-se do instrumento jurdico adequado para defender seus interesses

    em juzo. A situao, que invariavelmente configura-se como desapropriao indireta, deve

    ser combatida por meio de Ao Ordinria Indenizatria contra o prprio Estado, haja vista

    este ter alijado o proprietrio de seus bens sem, contudo, pag-lo a devida indenizao.

    Para Hely Lopes MEIRELLES

    a desapropriao indireta no passa de esbulho da propriedade particular e

    como tal no encontra apoio em lei. situao de fato que se vai

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    generalizando em nossos dias, mas que a ela pode opor-se o proprietrio at

    mesmo com os interditos possessrios. Consumado o apossamento dos bens e

    integrados no domnio pblico, tornam-se, da por diante, insuscetveis de

    reintegrao ou reivindicao, restando ao particular espoliado haver a

    indenizao correspondente da maneira mais completa possvel, inclusive

    correo monetria, juros moratrios, compensatrios a contar do esbulho, e

    honorrios de advogado, por se tratar de ato caracteristicamente ilcito da

    administrao.11

    J Maria Sylvia Zanella di PIETRO, preleciona que s vezes, a administrao

    no se apossa diretamente do bem, mas lhe impe limitaes ou servides que impedem

    totalmente o proprietrio de exercer sobre o imvel os poderes inerentes do domnio; neste

    caso, tambm se caracterizar a desapropriao indireta.12

    Assim, as reas de Preservao Permanente presentes nas propriedades urbanas e

    rurais e incorretamente desapropriadas pelo Poder Pblico geram direito indenizao do

    proprietrio.

    Igualmente, quando houver a proibio de explorao sustentvel das APP pelos

    titulares do imvel, tambm se deve ingressar em juzo com ao de indenizao pelas perdas

    e danos decorrentes desta proibio. cabvel o pedido de indenizao por lucros cessantes,

    acrescidos de juros compensatrios, quando ficar devidamente comprovado que o proprietrio

    no mais poder exercer atividade econmica naquela rea, em decorrncia do bice imposto

    pela limitao administrativa.

    4 PARMETROS PARA CLCULO DAS INDENIZAES NAS

    DESAPROPRIAES AMBIENTAIS

    O clculo da indenizao das reas de Preservao Permanente deve considerar

    no somente a rea objeto da desapropriao, mas tambm outros fatores inerentes

    propriedade e que influem no quantum final. Assim, deve-se observar a localizao e a

    dimenso do imvel, sua aptido agrcola e a rea ocupada. Alm disso, a cobertura florstica

    tambm deve ser indenizada, desde que comprovada a sua potencialidade econmica.

    Segundo Srgio FERRAZ a indenizao deve compreender no apenas os danos

    emergentes, mas igualmente, os lucros cessantes indiscutveis13

    .

    Nesse sentido, no caso das desapropriaes diretas ou indiretas o expropriado tem

    direito a receber juros compensatrios, j inclusos na indenizao, destinados a cobrir os

    11

    Curso de Direito Administrativo, So Paulo Revista dos Tribunais, 1977. 12

    Direito Administrativo. 15 ed. So Paulo: Altas, 2003, pag.177. 13

    Op. Cit., p.19.

  • 12

    lucros cessantes vista do desapossamento antecipado. Este, alis, o posicionamento do

    Superior Tribunal de Justia, conforme entendimento sumular abaixo:

    Smula 12: Em desapropriao, so cumulveis juros

    compensatrios e moratrios.

    Smula 113: Os juros compensatrios, na desapropriao

    direta, incidem a partir da imisso da posse, calculados sobre o

    valor da indenizao, corrigidos monetariamente.

    Smula 114: Os juros compensatrios, na desapropriao

    indireta, incidem a partir da ocupao, calculados sobre o valor

    da indenizao, corrigido monetariamente.

    4.1 As APP e o ITR (Imposto Territorial Rural).

    A legislao ptria excluiu do clculo do ITR as reas de Preservao

    Permanente e as Reservas Legais (Lei n 9.393/96, art. 10, inciso II), haja vista o

    reconhecimento pelo legislador da funo preservacionista destas reas. Isto ocorre porque a

    excluso da APP da rea tributvel do imvel visa incentivar a proteo do meio ambiente e a

    formao e recuperao da vegetao nas propriedades rurais.

    Por outro lado, como demonstrado anteriormente, possvel a explorao das

    APP pelo proprietrio, desde que autorizado pelo rgo ambiental competente.

    Assim, nos casos em que estas reas estiverem sendo utilizadas pelo proprietrio,

    com a devida autorizao, e ento forem alvo de processo desapropriatrio, elas devem ser

    consideradas e includas na rea total que ser base de clculo para estabelecimento do valor

    da indenizao.

    Haver perdas por parte do proprietrio que investiu recursos no desenvolvimento

    econmico de sua propriedade, e a expropriao de suas terras pelo Estado acarretar em

    prejuzos que devem ser compensados por meio de verba indenizatria.

    5 PRESCRIO

  • 13

    Por fim, h a questo do prazo prescricional para a propositura da ao de

    indenizao por apossamento administrativo. O Superior Tribunal de Justia editou smula

    definindo que a ao de desapropriao indireta prescreve em vinte anos. (Sum. 119). O Novo

    Cdigo Civil, que entrou em vigor em 2003, dispe em seu art. 205 que a prescrio ocorre

    em 10 anos (prazo geral). Porm, o art. 2.028 diz que sero os da lei anterior (CC/1916) os

    prazos, quando reduzidos por este Cdigo, e se, na data de sua entrada em vigor, j houver

    transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

    O Governo Federal, atravs de Medida Provisria (2183-56, de 24.08.2001),

    alterou o art. 10, pargrafo nico do Decreto-lei n 3.365/1941, dispondo que extingue-se em

    cinco anos o direito de propor ao de indenizao por apossamento administrativo ou por

    desapropriao indireta, bem como ao que vise a indenizao por restries decorrentes de

    atos do Poder Pblico.

    Assim, atualmente, o proprietrio tem 05 (cinco) anos, contados da data em que o

    ato administrativo se efetivou, para propor a ao de indenizao contra o Poder Pblico, em

    face da limitao da rea de preservao permanente em seu imvel. Todavia, se este ato

    administrativo consumou-se antes da entrada em vigor das alteraes trazidas pela referida

    Medida Provisria, a prazo ser o do Cdigo Civil. Afinal, a vigncia de nova lei deve

    respeitar o ato jurdico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 6 da LICC).

    6 CONCLUSO

    Diante de todo o exposto, conclui-se que as reas de Preservao Permanente so

    limitaes impostas ao direito de propriedade voltadas para a tutela dos recursos naturais

    disponveis, em especial os recursos hdricos. Embora a legislao defina que so reas

    insuscetveis de explorao, possvel a realizao de projetos dentro de seus limites,

    principalmente quando se tratarem de atividades de interesse ou necessidade pblica, ou

    quando a atividade econmica desenvolvida ocorra mediante aprovao do rgo ambiental

    competente.

    Nestes casos, quando a interferncia do Estado resultar em violao dos direitos

    de uso e gozo da APP, de titularidade do proprietrio, estas reas so passveis de

    indenizao, devendo o dono do imvel ingressar em juzo com a competente ao

    indenizatria para tutela de seus direitos. A previso legal encontra-se no prprio Cdigo

    Florestal, na Lei 9.885/2000 e na prpria legislao que versa sobre os casos de

    desapropriao. (Decreto 3.365/1941).

  • 14

    A indenizao deve abranger o total da terra desapropriada, bem como sua

    cobertura florstica, acrescentados de juros compensatrios. Os Tribunais Superiores (STJ e

    STF) tm admitido a indenizabilidade das reas de Preservao Permanente, garantindo que o

    direito de propriedade seja exercido em consonncia com os princpios constitucionais e

    ambientais vigentes.

    Sobre a rea de Preservao Permanente no pode incidir tributos, como a ITR. A

    referida rea deve inclusive ser excluda do clculo de pagamento do Imposto Territorial

    Rural, uma vez que se trata de poro de terra destinada proteo dos recursos naturais. Mas

    deve ser considerada para fins de clculo do valor da indenizao por desapropriao.

    O prazo para a propositura de ao indenizatria contra o Poder Pblico por

    motivo de desapropriao indireta de cinco anos, contados a partir da ocorrncia do ato

    expropriatrio (Lei da Desapropriao). Contudo, se este ato se consumou antes da entrada

    em vigor da lei nova, o prazo ser contado de acordo com as disposies do Cdigo Civil de

    2002.

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