A Ineficácia dos Direitos Fundamentais do Preso no Brasil

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    A INEFICCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO PRESO NOBRASIL1

    Resumo

    Este artigo tem como finalidade provocar uma reflexo acerca da ineficcia dosdireitos fundamentais do preso no Brasil, buscando explicar as razes dessa ineficcia.

    Nesse sentido, apresenta uma possvel soluo que garanta, com mais eficincia do que

    asseguram os meios atuais, a sua dignidade como pessoa.

    Palavras-chave:Preso. Brasil. Direitos fundamentais. Ineficcia. Ressocializao.

    1.Introduo

    A Constituio Federal estabelece, em seu art. 5, diversos direitos fundamentais,

    incluindo-se nestes os direitos referentes ao preso. No entanto, os direitos do preso no

    so respeitados pelo poder pblico, de modo que essa sua ineficcia significa quase como

    uma inaplicabilidade.

    Frente ao Estado, os presos possuem direitos fundamentais positivos e negativos,

    aqueles de posio prestativa e estes se limitam a respeitar os referidos direitos. No

    obstante essa diviso, o Estado deve respeitar a dignidade da pessoa humana, conforme

    orientam a Carta Magna (art. 1, III) e a Declarao Universal dos Direitos Humanos de

    1948, que assim prescreve em seu art. 1: Todas as pessoas nascem livres e iguais em

    dignidade e direitos. So dotadas de razo e conscincia e devem agir em relao umas

    s outras com esprito de fraternidade. Mas, o princpio fundamental d a dignidade da

    pessoa humana no respeitado quando se trata do preso. Tal fato tem sua explicao

    tanto na histrica elitizao do Estado brasileiro, quanto na caracterstica moralista de seu

    povo.

    Para combater tal desrespeito, so necessrias reformas na esfera legislativa, a

    partir de dois motivos principais: a) a funo combinatria da pena no ordenamento

    jurdico brasileiro confusa e deixa margem ao puro arbtrio do magistrado2, decorrendo

    da a necessidade da adoo de uma finalidade nica da pena restritiva de liberdade, que

    a ressocializao; b) a adoo dessa medida geraria direitos com fora coativa frente ao

    1Igor Rafael Oliveira Carneiro, 2009. Este artigo foi terceiro colocado no concurso de artigos do

    Congresso Brasileiro de Direito Penal e Processo Penal em 2009.2ZAFFARONI, E. Ral; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro.Direito PenalBrasileiroI, 2 ed., Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 140-141.

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    Estado. Sabe-se, no entanto, que o problema gerado por estas proposies no de fcil

    resoluo.

    2.A realidade dos presos e a constituio

    A realidade do Brasil no digna de um Estado Democrtico de Direito. Nosso

    pas tem um problema crnico de desemprego, fome, corrupo, entre outras mazelas.

    Essa realidade tem como consequncia efeitos moralmente desintegradores e

    crimingenos3, resultando num alto ndice de criminalidade. Os reflexos desse quadro

    podem ser vistos nas penitencirias superlotadas 4 . E o resultado uma realidade

    totalmente diferente daquela estabelecida pela lei como requisito mnimo para que a pena

    privativa de liberdade atinja sua finalidade.

    Tais fatos so incompatveis com o disposto no art.1, III, da CF. Nele, a dignidade

    da pessoa humana estabelecida como princpio fundamental. Por assim ser, todo o

    ordenamento jurdico brasileiro deve ser compatvel com este princpio, no podendo,

    pois, nenhuma norma atentar contra a dignidade da pessoa humana5. No obstante, a

    Constituio prescreve os incisos III, XLVII, alnea a, XLVII, XLIX e LXIII, todos do

    art. 5. So preceitos asseguradores da dignidade do preso. Porm, a realidade 6 no

    corresponde Constituio.

    Hesse nos diz que, apesar de ser modelo a ser alcanado, a Constituio possui

    algumas condies que so pressupostos de eficcia: naturais, tcnicas, econmicas e

    sociais7. Obviamente, no sero analisadas todas essas condies, mas aquelas que so

    3PAIXO, Antonio Luiz.Recuperar ou punir? Como o Estado trata o criminoso. 2 Ed. So Paulo:Cortez: autores associados. 1991. (Coleo Polmicas do nosso tempo, v. 21), p. 21.4Nosso sistema carcerrio est nas vascas do colapso; a populao de presos est comprimida por falta

    de vagas e instalaes adequadas, ensejando a eliminao, com certa freqncia, de presos pelos prpriospresos. MACIEL, Adhemar Ferreira.Dimenses do direito pblico. 1 Ed. Belo Horizonte: Livraria DelRey Editora, 2000, p. 366.5O ser humano no poder jamais ser tratado como objeto, isto , como mero instrumento para realizaodos fins alheios (...). As pessoas nunca podero ser tratadas de tal forma que se venha a negar a importnciadistintiva de suas prprias vidas. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa Humana e DireitosFundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 51.6Maus tratos verbais ou de fato; superpopulao carcerria (...); falta de higiene; condies deficientes detrabalho (...); deficincias no servio mdico (...); regime alimentar deficiente; elevado ndice de consumode drogas (...); reiterados abusos sexuais; ambiente propcio violncia. ARAUJO JUNIOR apudBITENCOURT.Privatizao das prises. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 26.7Devem ser contempladas aqui as condies naturais, tcnicas, econmicas, e sociais . A pretenso de

    eficcia da norma jurdica somente ser realizada se levar em conta essas condies. HESSE, Konrad. Afora normativa da Constituio. Traduo de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio AntonioFabris Editor, 1991, p. 15.

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    pressupostos de eficcia dos direitos fundamentais do preso (no considerando o todo pela

    parte, mas a parte como integrante do todo).

    3.Direitos fundamentais do preso e pressupostos de eficcia

    3.1 Pressupostos naturais

    A constituio de um Estado democrtico de direito uma carta poltica elaborada

    pelo povo por meio de seus representantes. No entanto, no Brasil a realidade diferente.

    Na verdade, a sociedade brasileira vive em uma semidemocracia, pois s h

    consolidada uma democracia poltica. Por outro lado, os direitos fundamentais no so

    devidamente respeitados. O que existe uma democracia puramente elitista, visto que os

    candidatos no so escolhidos livremente, mas pelos seus partidos. Em consequncia,

    aqueles que esto disposio para nos representar, esperando pelo nosso voto, j tm,

    desde o incio, suas intenes deturpadas. que, para se candidatarem, devem passar por

    obstculos praticamente intransponveis por algum que se considera um cidado honesto.

    por esses e outros fatores (dentre eles, o nvel de instruo do povo brasileiro)

    que as relaes polticas do nosso pas so distantes do povo. Ademais, pode-se dizer que

    o povo brasileiro apoltico (no episdio da proclamao da Repblica, em 1889, poucos

    sabiam o que estava acontecendo). O povo vive distante das relaes polticas, de uma

    compreenso racional de seus fatos, enfim, alheia ao texto da Constituio 8. Por todos

    esses motivos, a Constituio naturalmente ineficaz, impossibilitando assim aos

    cidados um sentimento constitucional, considerado to indispensvel por Hesse9.

    3.2 Pressupostos sociais

    A penitenciria , fundamentalmente, uma instituio correcional. Pela

    experimentao do sofrimento, privao e, principalmente, de trabalho, expressa um

    sentido no intudo de integridade moral dos que so considerados, por serem criminosos,

    8A qualidade das instituies pblicas espelha a cultura poltica da sociedade ao mesmo tempo em que

    incide sobre tal cultura. DIAS NETO, Theodomiro. Segurana Urbana: O modelo da nova preveno.So Paulo: Revista dos Tribunais, Fundao Getlio Vargas, 2005, p. 68.9Todos os interesses momentneos ainda quando realizados no logram compensar o incalculvel

    ganho resultante do comprovado respeito Constituio, sobretudo naquelas situaes em que suaobservncia revela-se incmoda. HESSE, Konrad. A fora normativa da Constituio. Traduo deGilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 21.

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    moralmente deficientes10. Este conceito derivado de um largo estudo sociolgico e

    prende-se ao mbito deontolgicopelo menos no Brasil.

    No entanto, mnima a parcela dos brasileiros que tm essa conscincia. No

    conceito geral e comum, a priso o lugar que no qu al pessoa vai pagar pelo que fez.

    Trata-se, como se v, de um conceito maniquesta, esvaziado de causas e consequncias.

    De modo diferente se pensava nos tempos medievos11, ou nos iluminados12, visto que, j

    se tinha conscincia de que muitos dos crimes eram gerados pela pobreza, fome,

    desemprego, dentre outras razes, no porque o delinquente era de m ndole. Nota-se,

    pois, que uma das razes pelas quais os direitos fundamentais do preso no so respeitados

    reside nessa mentalidade social, que, por ser desprovida de conhecimento do significado

    da dignidade do ser humano, acredita ser necessrio excluir e castigar para manter a paz

    e a integridade moral da sociedade.

    Portanto, um dos pressupostos de eficcia dos direitos em discusso inexistente,

    porquanto a prpria sociedade, sujeita de todos os direitos, que no respeita esses

    direitos. Essa atitude dificulta sua eficcia, pois, aquele que deve cumprilos no os cumpre

    (ressalte-se que, em tese, num pas democrtico, o povo que determina as prioridades).

    Por essas razes, os pressupostos sociais encontram-se ausentes.

    3.3 Pressupostos econmicos

    Para que os direitos em estudo sejam eficazes, necessrio que sejam tomadas

    certas para tal fim. Com a alta criminalidade existente, preciso que haja vagas em prises

    para abrigar todos, em tipos apropriados de estabelecimento (conforme est determinado

    na Carta Magna13). Assim, os delinqentes que forem remetidos aos presdios devem ter

    condies mnimas de existncia, dentro dos padres exigidos pela Organizao Mundial

    de SadeOMS. No por serem presidirios (criminosos) que devam ser desprovidos

    10PAIXO, Antonio Luiz. Recuperar ou punir? Como o Estado trata o criminoso. 2 Ed. So Paulo:Cortez: autores associados. 1991. (Coleo Polmicas do nosso tempo, v. 21), p. 20-21.11Nisto, a justia da Inglaterra e de muitos pases se assemelha aos mestres que espancam os alunos emlugar de instru-los. Em vez de fazer com que os ladres sofram pavorosos tormentos, no seria melhorgarantir a existncia a todos os membros da sociedade, a fim de que ningum se visse na necessidade deroubar primeiro e morrer depois? MORE, Thomas. Utopia. Trad. Heloisa da Graa Burati. So Paulo:Rideel, 2005, p. 19.12Finalmente, a maneira mais segura, porm ao mesmo tempo mais difcil, de tornar os homens menospropensos prtica do mal a aperfeioar a educao. BECCARIA, Cesare.Dos Delitos e das Penas. 1Ed. Rideel, 2003, p. 136.13Art. 5, XLVIII, CF. A pena ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do

    delito, a idade e o sexo do apenado.

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    de dignidade 14 . Todas essas medidas requerem disponibilidade financeira. Mas a

    realidade muito diferente do que foi desejado pelo constituinte, por desdia ou omisso

    da administrao.

    3.4 Pressupostos tcnicos

    H ainda os pressupostos tcnicos para a eficcia dos direitos fundamentais. So

    eles as condies ou possibilidades de concretizao desses direitos. Mas essa

    caracterizao encontra problemas de difcil soluo, porquanto atinge todo um sistema

    anteriormente estabelecido (ou mesmo imposto) no seio da sociedade inteira. Por outro

    lado, a sua no concretizao acarreta numa ofensa dignidade da pessoa humana e um

    possvel retrocesso legal, com a possvel legalizao da pena de morte, alm de outras

    polticas criminais que partem da teoria da preveno geral negativa, que busca prevenir

    a prtica de novos delitos por meio da imposio de penas mais severas, buscando

    dissuadir os outros concidados a no praticar os mesmos crimes, temendo as

    consequncias 15 . Tal estratgia de poltica criminal desconsidera a capacidade de

    discernimento do ser humano, ferindo assim o princpio da dignidade da pessoa humana,

    e podendo ocasionar revoltas cada vez mais intensas, dentro e fora dos presdios.

    Portanto, os direitos fundamentais do preso tambm exigem os pressupostos de

    eficcia de ordem tcnica. Em consequncia, estabelece-se um dilema entre deixar o

    criminoso fora das grades, para que seus direitos fundamentais no sejam desrespeitados,

    ou enfrentar as condies gravssimas de sua no aplicao. Para que tais pressupostos

    sejam atendidos, necessrio que, ou no existam dilemas, ou que sejam de fcil

    resoluo.

    4.Uma possvel soluo: finalidade ressocializadora da pena

    4.1

    Direitos fundamentais positivos e negativos do preso

    Como foi exposto, os direitos fundamentais do preso no so efetivados. Para tanto,

    preciso que sejam impostas obrigaes ao Estado, como afirma Hesse: Direitos

    14Poderemos ento argumentar que a imposio de uma pena de priso em regime fechado (...) no assumea condio de ofensa ao contedo em dignidade. SARLET, Ingo Wolfgang.Dignidade dapessoa Humana

    e Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 136.15ZAFFARONI, E. Ral; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito PenalBrasileiroI, 2 ed., Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 127-128.

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    fundamentais no podem existir sem deveres.16Assim, faz-se necessria a classificao

    dos direitos em comento em positivos e negativos 17 para uma melhor aplicao.

    Caracterizam-se como de direitos fundamentais duplaface, porque a ausncia de um

    acarreta o outro e vice-versa.

    Os direitos fundamentais positivos do preso seriam aqueles necessrios

    estruturao de um sistema prisional adequado para o seu cumprimento, o Estado deve

    oferecer, com medidas prestacionais, as condies necessrias ao aprisionamento sem que

    este Estado no desrespeite a dignidade do prisioneiro18. Tais direitos so explcitos no

    art. 5, incisos XLVIII e LXIII da CF, como tambm na Lei de Execuo Penal (Lei n

    7.210/84), tais como nos arts. 1, 10 e 11.

    J os direitos negativos esto relacionados absteno do Estado. Assim, de um

    lado, o Estado age para proteger o apenado (direito positivo), de outro, deixa de agir para

    proteger o apenado (direito negativo). Tais direitos podem ser visualizados nos incisos III,

    XLVI, XLVII, alnea e, e XLIX, todos do art. 5 da Lei Maior. Todavia, so

    desrespeitados, numa flagrante afronta dignidade da pessoa humana. O que no pode

    ocorrer, visto que, se existem normas que probem a violao dos direitos humanos, a

    sentena que condena privao de liberdade em condies violadoras dos direitos

    humanos entrar em conflito com todas as normas do ordenamento jurdico.19

    4.2 A ressocializao como finalidade da pena

    O ordenamento jurdico ptrio, conforme afirma Zaffaroni, adota a teoria

    combinatria da pena20, que tem como funes a retribuio (art. 59 do CP), a preveno

    (art. 59 do CP), e a ressocializao (art. 1 da LEP). Para a pena privativa de liberdade,

    esta combinao revela-se inconstitucional. Alm disso, uma pssima poltica criminal

    (sem querermos entrar no mrito dos outros tipos de pena). Em nossa concepo, a teoria

    que deveria ser adotada seria a da preveno especial positiva (as teorias re: reeducao,

    reintegrao social,...).

    16HESSE, Konrad.A fora normativa da Constituio. Traduo de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 21.17 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa Humana e Direitos Fundamentais, Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2001, p. 96.18Idem, p. 136.19MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Traduo de Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de

    Toledo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 91.20ZAFFARONI, E. Ral; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito PenalBrasileiroI, 2 ed., Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 140.

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    Apostar numa possvel recuperao do preso muito mais vantajoso do que exp-

    lo a uma situao muito mais crimingena e moralmente desintegradora do que em

    liberdade. Talvez a teoria combinatria, um misto entre as teorias da preveno geral

    negativa e positiva, na situao em que se encontra o nosso pas, seja o fator

    preponderante da crescente criminalidade (em vez de escola da vida, a priso escola do

    crime).

    No fosse isto, a funo ressocializadora da pena a nica compatvel com o

    princpio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1, III, da CF), porquanto a

    nica que deixa de descaracterizar a pessoa como um fim em si mesma. Permitir que seres

    humanos sejam aprisionados nas condies em que se encontram as penitencirias, o

    mesmo que trat-los como meio (de modo diverso, h quem acredite que as penas

    deveriam ser ainda mais severas21), e o que se espera que se tornem homens ainda piores.

    Por meio da ressocializao, o delinqente tem a oportunidade de ser uma pessoa digna22.

    4.2Possvel soluo: adoo da ressocializao pela constituio

    Como foi exposto anteriormente, as normas fundamentais expostas no art. 5 da

    CF no possuem fora normativa. Portanto, necessrio que seja feita uma reforma na

    Constituio, prevendo a funo ressocializadora da pena, tal como ocorre na

    Constituio da Espanha 23.

    Como no existem normas constitucionais expressas acerca da finalidade da pena,

    a funo ressocializadora deveria ser deduzida, pela doutrina e pela jurisprudncia, com

    base no princpio da dignidade do homem, tal como ocorre na Alemanha 24. Faz-se

    necessrio, pois, encontrar-se uma maneira de se forar o Estado a assegurar dignidade

    queles que deveriam possuir. Na dico de Jos Afonso da Silva, os citados incisos do

    21O fim das penalidades no torturar e afligir um ser sensvel, nem desfazer um crime que j estpraticado. (...) Quanto mais terrveis forem os castigos, tanto mais cheio de audcia ser o culpado em evit-los. BECCARIA, Cesare.Dos Delitos e das Penas. 1 Ed. Rideel, 2003, p. 58-59.22O direito um bem da pessoa e para a pessoa, porque uma necessidade para que o ser humano possaviver conforme sua dignidade, desenvolver-se e crescer na plena medida de sua humanidade.GROCHOLEWSKI, Zenon.A filosofia do direito nos ensinamentos de Joo Paulo II e outros escritos.SoPaulo: Paulinas, 2002, p. 43.23Art. 25/2 da Const. Espanhola: A pena limitativa da liberdade e a medida de segurana devem tender

    reeducao e reinsero social e no podem consistir em trabalhos forados.24PALAZZO, Francesco C., Valores Constitucionais e Direito Penal, Trad. Gerson Pereira dos Santos,Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 64.

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    art. 5, tm como destinatrios mais o poder pblico e seus agentes em qualquer nvel do

    que os indivduos em particular25.

    Um mtodo que acreditamos ser forte o suficiente para coagir o Estado e seus

    agentes a cumprir seus deveres a disposio de um texto legal estabelecendo a finalidade

    da pena. Com isso, o Estado se viria na iminncia de um colapso total do sistema penal.

    que, ao dar-se uma finalidade pena, tambm se d um dever de cumpri-la e,

    consequentemente, um direito a seu cumprimento.26

    5.Concretizao dos direitos fundamentais: meta a ser cumprida

    O cumprimento desta meta pode gerar um dilema. A questo que, havendo ou

    no a insero de um texto constitucional sobre a finalidade da pena, preciso decidir

    entre a concretizao ou a ponderao desses direitos fundamentais 27.

    Para a concretizao dos direitos fundamentais positivos do preso, faz-se

    necessria uma srie de reformas, visto que o descumprimento desses direitos acarreta

    direitos negativos, e esses direitos negativos dar-se-iam em face do Estado. neste ponto

    que pode surgir a crise. Em suma, ante a necessidade de se concretizar os direitos positivos,

    havendo ausncia destes, talvez fosse preciso soltar todos os presos, com base no princpio

    da isonomia, ou conduzir a uma minimalizao do nosso sistema punitivo, deixando na

    priso somente os presos considerados mais perigosos.

    Havendo dilema entre a segurana da sociedade e os direitos do preso, pelo

    princpio da fora normativa da constituio, haveria preponderncia dos direitos

    fundamentais do preso (justamente por serem fundamentais). No entanto, o bom senso

    nos leva a refletir um pouco sobre a questo. Nesse sentido, Walter Burckhardt enfatiza:

    quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservao de um

    princpio constitucional, fortalece o respeito Constituio e garante um bem da vida

    indispensvel essncia do Estado, mormente ao Estado democrtico 28.

    25SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 29 ed., So Paulo: Malheiros, 2007,p. 196.26A ao administrativa tem necessidade de ser provocada, a Administrao aplica frouxamente as leisque no lhe pedem que aplique. CRUET, Jean.A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis. Leme: Edijur,2002, p. 88.27 Paulo Bonavides fala em crise de inconstitucionabilidade. BONAVIDES, Paulo. Curso de DireitoConstitucional. 23 ed., So Paulo: Malheiros, 2008, p. 388- 391.28

    HESSE, Konrad.A fora normativa da Constituio. Traduo de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 22.

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    J houve deciso judicial no sentido de uma concretizao dos direitos

    fundamentais do preso. A Quinta Cmara Criminal do TJRS determinou que o condenado

    somente seja recolhido priso quando houver presdio que atenda s exigncias mnimas

    da LEP29.

    6.Concluso

    A tarefa da ressocializao extinguir as prises. Para tal meta ser alcanada (e

    no ser), a pena restritiva de liberdade deve ser tratada como purgatrio, devido s suas

    funes reeducadora, restaurativa, e reintegrativa. Contudo, no basta ser adjetivada como

    purgatrio, deve haver uma vontade de que seja assim. Para tanto, deve-se ter a

    conscincia de que os direitos humanos so para o bem do homem, preocupando-se,

    portanto, com o que seja melhor, num sentido amplo, para os presos. A devoluo da

    dignidade do homem que estava preso melhor no s para este, mas para toda a

    sociedade brasileira.

    No entanto, a sociedade, para manter sua integridade moral, prefere enxergar os

    criminosos como inimigos e puni-los como tal, em razo de sentir-se trada. Sem perceber,

    pratica uma vingana injusta, porquanto muitas das vezes a situao invertida, o

    delinquente torna-se vtima e o Estado agressor. Esta crise necessita de soluo, no

    entanto, no devolvendo o mal na mesma medida que esta se resolver, mas praticando

    um bem maior. Pode ser que, ao receber o devido respeito, o preso no encontre mais

    sentido no crime.

    No obstante, o poder pblico no aplica, por meio de seus agentes, aquilo que

    est disposto na Carta Magna. O poder legislativo deve dar sentido explcito pena, mas

    permite ao magistrado total arbtrio. O poder executivo deve disponibilizar mais fundos

    para as penitencirias e aplic-los corretamente, mas no os faz. O poder judicirio, por

    outro lado, no deveria aplicar as normas que violassem os direitos humanos, tanto por

    essas normas serem incompatveis com o texto constitucional, quanto pelos resultados

    prticos de sua aplicao.

    29"No se admite, no Estado Democrtico de Direito, o cumprimento da lei apenas no momento em queprejudique o cidado, sonegando-a quando lhe beneficie. Misso judicial: fazer cumprir, apesar de algumranger de dentes, os direitos da pessoaseja quem for, seja qual o crime cometido. unanimidade, deramparcial provimento ao apelo para reduzir a pena do acusado. Por maioria, determinaram que o apenadocumpra pena em domiclio enquanto no houver estabelecimento que atenda aos requisitos da LEP,

    vencido o Relator, que determinava a suspenso da expedio do mandado de priso enquanto no houverestabelecimento que atenda a tais requisitos" (Apelao crime n. 70029175668, Rel. Des. Amilton Buenode Carvalho).

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    Portanto, em virtude do descumprimento da Constituio Federal, da falta de

    sentido na punio e do desrespeito dignidade do detento, por culpa do Estado e da

    sociedade, que ocorre a ineficcia dos direitos fundamentais do preso.

    Referncias

    ARAJO JNIOR, Joo Marcello de. Privatizao das prises.So Paulo: Revista dosTribunais, 1995.

    BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.1 ed. Rideel, 2003.

    BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.23 ed., So Paulo: Malheiros,2008.

    CRUET, Jean. A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis.Leme: Edijur, 2002.

    DIAS NETO, Theodomiro. Segurana Urbana: O modelo da nova preveno. So Paulo:Revista dos Tribunais, Fundao Getlio Vargas, 2005.

    GROCHOLEWSKI, Zenon.A filosofia do direito nos ensinamentos de Joo Paulo II eoutros escritos.So Paulo: Paulinas, 2002.

    HESSE, Konrad. A fora normativa da Constituio. Traduo de Gilmar Ferreira

    Mendes. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

    MACIEL, Adhemar Ferreira. Dimenses do direito pblico. 1 ed. Belo Horizonte:Livraria Del Rey Editora, 2000.

    MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Traduo de Tadeu Antonio Dix Silva e MariaClara Veronesi de Toledo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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