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1 Linguagem audiovisual Planos de enquadramento Dimensão dos planos PG Plano geral PC Plano de conjunto PP Plano de pé PA Plano americano PAT Plano aproximado de tronco PAP Plano aproximado de peito GP Grande plano MGP Muito grande plano Plano geral (PG) O seu uso ordena-se dentro de três importantes categorias. Primeiro, pode usar- se para situar a acção global do filme. Deste modo, é frequentemente utilizado no princípio dum western ou também ao começar um plano de um arranha-céus com a câmara a girar em panorâmica. Assim aplicado, é essencialmente um plano de introdução. Em segundo lugar, pode também recorrer-se a ele para oferecer uma visão mais ampla do terreno onde se desenvolve a acção durante o filme, especialmente quando se tem de descrever a proporção ou intensidade duma batalha. Em Massacre, de Griffith, pode ver-se um exemplo dum plano geral utilizado desta forma. Griffith situou a câmara sobre a encosta duma colina para que as forças inimigas, que se aproximavam vindas do outro lado dum vale, pudessem ser claramente observadas. A terceira aplicação deste plano tem lugar quando é necessário destacar um homem do ambiente que o envolve, apresentando. Assim, em termos visuais, uma interpretação eminentemente filosófica. Também neste caso o western é um bom exemplo. O cowboy solitário que atravessa uma pradaria que parece infinita surge como uma metáfora da luta do indivíduo numa terra adversa. Plano geral em Massacre de Griffith Emshwiller, no filme Relativity, aplica o plano geral dum modo diferente. No final dum filme notável pela abundância de primeiros planos, a personagem estava

A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

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A linguagem audovisual, exerto.

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Linguagem audiovisual

Planos de enquadramento

Dimensão dos planos

PG Plano geral

PC Plano de conjunto

PP Plano de pé

PA Plano americano

PAT Plano aproximado de tronco

PAP Plano aproximado de peito

GP Grande plano

MGP Muito grande plano

Plano geral (PG)

O seu uso ordena-se dentro de três importantes categorias. Primeiro, pode usar-

se para situar a acção global do filme. Deste modo, é frequentemente utilizado no

princípio dum western ou também ao começar um plano de um arranha-céus com

a câmara a girar em panorâmica. Assim aplicado, é essencialmente um plano de

introdução.

Em segundo lugar, pode também recorrer-se a ele para oferecer uma visão mais

ampla do terreno onde se desenvolve a acção durante o filme, especialmente

quando se tem de descrever a proporção ou intensidade duma batalha. Em

Massacre, de Griffith, pode ver-se um exemplo dum plano geral utilizado desta

forma. Griffith situou a câmara sobre a encosta duma colina para que as forças

inimigas, que se aproximavam vindas do outro lado dum vale, pudessem ser

claramente observadas.

A terceira aplicação deste plano tem lugar quando é necessário destacar um

homem do ambiente que o envolve, apresentando. Assim, em termos visuais,

uma interpretação eminentemente filosófica. Também neste caso o western é um

bom exemplo. O cowboy solitário que atravessa uma pradaria que parece infinita

surge como uma metáfora da luta do indivíduo numa terra adversa.

Plano geral em Massacre de Griffith

Emshwiller, no filme Relativity, aplica o plano geral dum modo diferente. No final

dum filme notável pela abundância de primeiros planos, a personagem estava

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colocada no cimo duma montanha distante. Deste modo. o relaxamento da tensão

visual parece acentuar a insignificância da fome em toda a criação.

Plano de conjunto (PC)

De características semelhantes às do plano geral, o plano de conjunto é talvez

mais prático como plano de introdução. Existe mais clareza nos pormenores da

acção humana e menos importância do ambiente em que ela se enquadra. O

espectador pode concentrar a sua atenção em cada actor separadamente. Daí

que seja necessário o realizador definir claramente os caracteres individuais das

personagens na sequência. Não basta, no entanto, definir apenas as

personagens principais se se deixam à sua volta os outros actores indefinidos.

Dentro da cena, cada acção deve ter um significado que contribua para a

sequência total.

O plano que corta a figura à altura dos joelhos é conhecido tradicionalmente por

plano americano, devido à sua popularidade entre os realizadores de Hollywood,

em especial nas décadas de 30 e 40. Os realizadores contemporâneos, porém,

consideram-no de mau gosto, pelo que tem vindo a cair em desuso.

Plano aproximado de tronco (PAT) e Plano médio (PM)

O plano médio é basicamente o plano dum corpo humano. A maior parte do fundo

é eliminada, conseguindo-se, desta maneira, que a figura humana se converta no

centro da atenção. A figura pode ver-se inteira e, no plano aproximado de tronco,

da cintura para cima. É muito prático para mostrar as relações entre as pessoas,

mas, apesar de tudo, carece da intensidade psicológica dos primeiros planos

(planos aproximados de peito e grandes planos).

Plano aproximado de peito (PAP)

A principal característica dos primeiros planos é proporcionar ao público a

proximidade em relação a um objecto ou pessoa ao mesmo tempo que elimina o

ambiente que o envolve. Pode empregar-se este isolamento visual para acentuar

convenientemente um ponto crítico duma acção dramática ou para revelar e

salientar caracteres, intenções ou atitudes.

O plano aproximado de peito é o mais útil para a filmagem de diálogos.

Normalmente, o plano corta a figura à altura do peito, incluindo apenas a cabe- ça

e os ombros. É muito útil na montagem, já que se pode ligar com um grande

plano, permitindo também retroceder facilmente para um plano médio.

O plano aproximado de peito obriga o público a uma maior concentração da

atenção do plano médio. Dá-se nele uma maior importância ao rosto do actor,

cuja expressão requer, então, uma direcção mais meticulosa.

Plano de conjunto

Plano americano

Plano aproximado de tronco

Plano aproximado de peito

Grande plano (GP)

O grande plano é essencial para atingir a máxima intensidade dramática. A ex-

pressão do actor apresenta-se mais nítida e as características da personagem

projectam-se com mais força. Este plano pode ser muito revelador dos

pensamentos ou da vida interior do protagonista.

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Se se preferir o grande plano ao plano aproximado de peito, o realizador deve

perder o tempo que seja necessário com o actor até estar seguro de que este

ficou com uma ideia clara da razão que determinou tal escolha.

O realizador pode também achar útil filmar planos de pormenor, pequenos mas

importantes, que o montador usará numa fase posterior. Talvez sejam as mãos a

parte mais expressiva do corpo humano; os planos de pormenor que as isolam ou

que enquadram nelas um anel podem, por isso, dar uma grande intensidade

dramática.

Muito grande plano (MGP)

Todos os tipos de primeiros planos são imagens de muita força expressiva na

tela, e por isso devem ser usados com o maior cuidado. Observa-se, no entanto,

que se utilizam muitas vezes sem necessidade - na televisão, isso é muito

frequente. Aí, dado o tamanho reduzido do écran, é necessário um maior número

de primeiros planos do que num filme para um écran grande, mas, precisamente

por essa razão, o realizador deve sublinhar o sentido de cada imagem. Não deve

esquecer que a força dum plano não provém apenas do enquadramento, mas

também do contexto em que ele se integra, ou seja, há que considerar a

dimensão dos planos anteriores e posteriores. Daí que o montador se deva

certificar de que o primeiro plano está inserido com precisão na cena, para que

consiga o máximo impacte.

Planos de pormenor (PP)

Tendo em vista dar um maior interesse visual à cena ou aumentar o seu nível

dramático, o realizador pode desejar filmar vários grandes planos para aproximar

o espectador do centro da acção. Para isso recorrerá muitas vezes à

teleobjectiva, ao zoom (objectiva de focal variável) ou à grua. Mas o,

intercalamento de planos de pormenor é, pelo seu lado, visualmente estimulante,

não tendo estes obrigatoriamente de estar associados a uma tensão progressiva

ou a um clímax rápido. O plano de pormenor pode ligar-se em perfeita

continuidade com os acontecimentos que o precedem mas não deve ser feito com

o mesmo eixo do plano principal onde for inserido. É melhor deslocar a câmara

cerca de vinte graus no ângulo e, consoante a objectiva que se usar, alguns pés

na distância em relação ao actor. No caso de não se deslocar suficiente- mente a

câmara, criar-se-á um grave problema de montagem.

Grande plano

Muito grande plano

A direcção do olhar deve ser alvo de cuidadosa preparação. É necessário dizer

exactamente ao actor para que lado da câmara e a que altura deve olhar. Uma

grande ajuda para ele pode ser ter de observar alguma coisa concreta.

Os planos de pormenor de primeiros planos que não incluam pessoas podem ser

obtidos por processos técnicos laboratoriais, mas, devido à sua complexidade, só

são utilizados em casos muito especiais. Pode também dar-se mais vigor ao ritmo

dum filme educativo mediante uma análise cuidadosa, efectuada durante o

período de preparação, da resposta provável do público a vários planos

intercalados realizados para estimular o interesse que, eventualmente, a acção

tenha perdido.

Este tipo de plano pode também utilizar-se apenas com o objectivo de condensar

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o tempo. Também neste caso, num filme industrial que exponha processos

repetitivos e complexos, se pode aproximar o público do centro de acção. Além

disso, pode conseguir-se um razoável salto no tempo com uma montagem que

volte à acção principal, mostrando assim o processo quase completo.

Insertos

Tal como o nome indica, os insertos desviam a atenção do público da acção

principal por um curto período de tempo, centrando-a em alguém que, dentro do

filme, contempla essa acção ou outra dum plano relacionado com ela. Como

exemplo, pode apontar-se o inserto duma multidão excitada que observa uma

corrida de automóveis ou qualquer outro acontecimento desportivo. Um plano

deste tipo, inserido no momento certo, pode dar mais ritmo à cena. Este género

de plano pode ao mesmo tempo vir a ser muito útil ao montador, pois, no caso de

ter dificuldade em ligar dois planos gerais, poderá recorrer a ele para solucionar o

problema afastando-se momentaneamente da acção principal.

O uso mais vulgar do inserto é provavelmente o método de continuidade por

acção e reacção. A reacção duma terceira pessoa ao ouvir uma conversa pode

ser um importante elemento dramático na narrativa. O realizador pode também

achar útil filmar esse plano no caso de ter de realizar uma cena de características

muito estáticas, pois ele dar-lhe-á uma maior variedade visual. Assim aplicado, o

inserto representa o ponto de vista do público e pode tornar mais clara uma cena

complexa da acção.

Em Outubro Eisenstein fez uma interessante aplicação deste tipo de plano. Neste

filme, os insertos proporcionam uma análise psicológica das personagens:

Kerensky, por exemplo, é identificado com um pavão. Deste modo, o plano

contribui para o entendimento duma personagem ou situação.

A diferença principal entre o inserto e o plano de pormenor é que aquele, ao

contrário deste, não faz necessariamente parte da cena principal. É normal ajudar

o público a entender a linha narrativa usando um determinado plano da acção

principal em vez de um plano de pormenor; mas, como o inserto não faz parte da

acção principal, e não sendo necessário repetir esse plano, a montagem pode ser

feita tendo em atenção apenas a acção e o ritmo da cena.

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Ponto de vista e movimentos

O ponto de vista seleccionado pelo realizador é um importante elemento

dramático que tem à sua disposição.

O ângulo do qual olhamos os personagens num filme é em si mesmo um

significante narrativo, desde que seja capaz de descrever esse mesmo

personagem, as suas relações com outros na mesma cena, o seu estado de

espírito ou a sua intenção imediata. Por esta e muitas outras razões, o

conhecimento da importância das posições relativas da câmara é um elemento

fundamental do vocabulário do realizador, mesmo que ele trabalhe com um

operador de câmara que a saiba colocar.

O nível da câmara de filmar é função da estatura de cada personagem. O nível

normal situar-se-á aproximadamente à altura dos olhos de um adulto de estatura

normal.

(Ângulos de câmara baixos são aqueles que apontam para cima do nível normal e

ângulos altos são aqueles que apontam para baixo do nível do olhar.)

O efeito visual de cada plano é distinto, e tem o seu lugar próprio na textura

dramática do filme.

Ponto de vista normal

É o menos dramático dos ângulos de câmara para enquadrar um personagem,

porque os resultados obtidos são puramente estáticos.

A distorção vertical é mínima e as linhas verticais, do assunto apresentar-se-ão na

imagem como tal.

Quando o realizador coloca a câmara, deverá saber se o plano corresponde à

visão subjectiva de um personagem da cena, e então a altura da câmara

corresponderá ao nível do olhar desse personagem, ou se o plano corresponde à

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visão objectiva que o público tem desse actor, e, nesse caso, a altura da câmara

corresponderá à direcção do olhar do actor.

Inclinação da câmara segundo o eixo vertical

O plano em picado enquadra um personagem visto de cima e pretende diminuir a

sua força ou importância fazendo-o parecer débil ou vulnerável.

Quando executado com uma objectiva grande-angular, o plano resulta excelente

para descrever a topografia da paisagem. Se a acção tem lugar, por exemplo,

num campo de futebol ou num ringue de boxe, é uma boa forma de a localizar.

Com a câmara colocada a grande altura, a imagem evidencia mais a sua

bidimensionalidade, uma vez que as linhas de perspectiva tendem a desaparecer.

A paisagem será revelada como um mosaico de campos, rios, florestas, etc.

A imagem em picado sobre uma cidade poderia dar como resultado uma com-

posição de linhas e rectângulos.

Os grandes planos em picado provocam distorção e devem ser utilizados com

precaução.

A câmara é colocada a um nível mais baixo que o que contém a direcção normal

do olhar de um personagem, de forma a captar o objecto que está a ser filmado

de baixo para cima.

O operador orientará a câmara para cima, obrigando desta forma o espectador a

observar o objecto ou personagem de baixo para cima. Este efeito provocará,

consequentemente, o aumento de estatura e importância de um personagem, de

forma a colocá-lo numa posição dominante.

Num contexto dramático adequado, este ângulo de câmara poderá vir a criar junto

do espectador um sentimento subjectivo inquietante, especialmente se o mesmo

for conjugado com uma objectiva grande-angular.

O plano em contrapicado poderá também eliminar certas zonas dos fundos do

décor ou do exterior que não se pretendem enquadrar. Este tipo de plano é

particularmente útil em filmagens de exteriores, dado que o controlo do realiza-

dor, aí, se toma mínimo, ou nulo, no que respeita aos fundos.

Plano em Picado (ângulos de câmara Emergentes ou plongée)

Plano em Contrapicado (ângulos de câmara

emergentes) ou contre-plongée

Inclinação da câmara segundo o eixo horizontal

O efeito que se consegue mediante a inclinação da câmara segundo o eixo

horizontal é o de criar uma imagem em diagonal sobre o écran.

Essa diagonal pode ser utilizada quer o plano seja em picado quer em contra-

picado.

O efeito pode ter grandes vantagens, mas, dado que a imagem corre o risco de

distrair demasiado a atenção do espectador, deve ser utilizado discretamente e

com objectivos específicos.

Ênfase ou inclinação da câmara segundo os eixos vertical e horizontal

Utiliza-se em cenas de violência ou de acção. No primeiro caso, esta pode ser

criada pelo homem ou por forças da natureza (terramotos, dilúvios, etc.).

Um plano inclinado (segundo os dois eixos) da cabeça de um homem precedido

de um plano normal poderá indicar uma súbita mudança no estado de espírito do

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personagem. Devido à sua capacidade de atrair a atenção, este tipo de plano é

frequentemente utilizado em filmes publicitários para a televisão. Pode também

ajudar a aumenta o interesse de um filme educativo falho de acontecimentos

importantes.

A altura e a profundidade dos elementos contidos no enquadramento podem

também ser realçadas pela inclinação da câmara.

Edifícios altos, mastros de navios, pessoas de estatura elevada, podem tomar-se

ainda mais altos. Quando se aplica este processo para planos de diálogo, o tipo

de relacionamento entre os personagens poderá ser expresso intercalando planos

filmados de cima e de baixo, mantendo a câmara inclinada.

Quando se utiliza em conjugação com técnicas de sobreposição como as que

eram frequentes no cinema expressionista alemão, e recentemente nos trabalhos

de Stan Brackhage e seus imitadores, o plano com os eixos de câmara inclinados

pode ser esteticamente mais agradável e possuir visualmente maior vigor.

Colocação da câmara

Uma tomada de vistas é basicamente a inter-relação que se estabelece entre a

câmara e a acção. Das duas componentes, a mais importante é a direcção da

acção fotografada, quer se trate de um filme de ficção altamente complexo ou de

um documentário de cinema verdade- de reduzido orçamento.

Somente quando a direcção da acção se encontra determinada é que o realizador

deve começar a trabalhar com o operador e o director de fotografia.

Wolf Rilba explica esta opinião da seguinte maneira: Quando se está a encenar

um plano, nunca se deve levar a acção à câmara, mas a câmara à acção. Isto

pode parecer óbvio, mas é surpreendente verificar quantas vezes se esquece.

Quando se trabalha na marcação1 e se procura ajustá-la em função da câmara, a

cena perde toda a espontaneidade. Quando se dirige uma acção devemos ter em

conta que ela se desenvolve organicamente, e em função dela é que devemos

colocar a câmara no local exacto, em vez de ter uma ideia preconcebida da

colocação da mesma.2

Depois de colocar a câmara tendo em conta a sua relação com a acção, o

realizador terá de verificar se as objectivas escolhidas darão a velocidade de

movimentos interiores adequada ao plano. Se, por exemplo, se utiliza urna

objectiva grande-angular, o actor que tenha de se afastar do eixo da câmara dará

a impressão de que se move muito mais rapidamente do que se fosse visto por

uma teleobjectiva. É importante ensaiar até encontrar o ritmo do movimento mais

apropriado.

Nas cenas em que participam vários actores, é importante assegurar-se logo de

início de que cada um sabe o que tem a fazer.

«A princípio, achava bastante difícil filmar uma cena com várias pessoas. Se nos

encontrarmos num quarto onde, por exemplo, estão 7 ou 8 personagens, temos

de levar em conta o que cada um deve fazer. Não se pode tê-los ali colocados

como simples manequins. Ensaiava estas cenas cuidadosamente com o meu

assistente de realização» (Clark).

Outro factor muito importante para urna correcta realização está relacionado com

as linhas de direcção do olhar. A direcção destas linhas é muito importante,

1 Marcação é, talvez, um termo com

demasiada influência do teatro. Em cinema,

será mais correcto falar de movimentos (dos

actores ou dos objectos em geral).

2 Isto quando a continuidade (ou raccord)

não implica uma posição obrigatória.

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particularmente por duas razões. Em primeiro lugar, porque, se o actor se

encontra a olhar para o lado errado da câmara, será impossível montar o plano

com a ou as acções do plano de conjunto. A segunda razão é dada em função

dos próprios actores.

Num plano com várias acções simultâneas, as linhas de direcção do olhar podem

não ser apercebidas, especialmente no caso de papéis secundários.

Se ao actor não é dada uma direcção de olhar, ele não saberá para onde o deve

fazer.

E, se não souber para onde olhar, acabará por representar desligado do conjunto.

Panorâmica 3

Existem duas formas de executar um plano em panorâmica. Uma delas pode ser

percorrer com a câmara uma zona ampla sem qualquer ponto de interesse

específico; aqui, a atenção do espectador pode passear facilmente pela imagem.

É a chamada panorâmica descritiva. Nela, o espectador pode-se dar conta da

dimensão da cena, do seu conteúdo, e terá consciência tanto da perspectiva

linear como da espacial. O público poderá também reparar em determinados

detalhes, pelo que a composição de uma panorâmica deste tipo é extremamente

delicada e importante.

Existem certas situações nas quais a atenção do público é conduzida para um

movimento particular dentro dos limites do enquadramento.

Pode tratar-se, por exemplo, do movimento de um carro através de um deserto ou

de um cavaleiro atravessando uma pradaria. Pode também ser a vista aérea de

uma cidade na qual o ângulo da câmara nos dá uma clara visão das suas ruas

desertas, pelas quais circula uma figura solitária ou um automóvel.

Seja qual for a situação, o enquadramento encontrar-se-á dividido em duas partes

pela linha do movimento descrito pela figura ou pelo automóvel. Durante a

panorâmica descritiva a atenção do espectador pode percorrer livremente o

enquadramento; mas neste último caso a atenção é guiada para que siga um

movimento determinado. É a panorâmica condutora da atenção.

3 No original, Pan Shot. É importante

chamar aqui a atenção para o facto de que o

Autor (como, aliás, todos os técnicos da

escola americana) não faz distinção entra

panorâmicas e travellings. Pan Shot refere-

se, portanto, a diversos movimentos de

câmara, quer sejam rotações no eixo vertical

(panorâmicas), translações (travellings) ou

movimentos complexos quando intervém a

dolly).

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A composição da panorâmica condutora da atenção deve ser cuidada tendo em

conta a velocidade do objecto sobre o qual se concentra o movimento e a

trajectória na qual se desloca. O público em geral distrair-se-á e, obviamente,

perderá a atenção se for obrigado a seguir movimentos complexos que se

sucedam demasiadamente rápidos.

A panorâmica descritiva e a panorâmica condutora da atenção são

frequentemente utilizadas combinadamente.

O plano inicial de uma sequência pode ser uma panorâmica descritiva lenta

seguida de uma panorâmica condutora da atenção, mediante a qual se dirija a

atenção do espectador para um objecto de interesse logo desde o início. A

narração pode prosseguir a partir deste novo objecto.

Os limites da panorâmica devem ser ensaiados antes de se filmar, para que o

plano possa ser executado com a velocidade desejada. As panorâmicas que se

filmam utilizando teleobjectivas tendem obviamente a denunciar as mínimas

vibrações dos movimentos da câmara, e nunca é de mais chamar a atenção para

que qualquer vibração no plano o inutilizará, a menos que seja produzida

intencionalmente como efeito.

É a intenção da panorâmica que determina a sua velocidade. Uma panorâmica

lenta no começo de uma sequência poderá dar a sensação de antecipação aos

espectadores.

Perante a perspectiva de uma situação dramática, a atenção do público

aumentará consideravelmente. No final duma sequência com estas características

a panorâmica lenta fará diminuir a atenção do espectador.

No extremo oposto, pode-se fazer uma panorâmica tão rápida que a imagem se

torne completamente enevoada.

Este tipo de movimento de câmara chama-se filagem e utiliza-se por vezes na

transposição de um lugar para outro.

Everything for Sale. (1968), de Andrzej Wajda

Movimentação no interior do quadro

Dado que uma das ilusões criadas na realização de um filme reside na

condensação do tempo, o realizador terá de seleccionar os planos e as

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sequências que criem da melhor maneira esse efeito.

Claro que a simples filmagem de planos não origina por si próprio esta ilusão,

mas o montador, que é quem dará a forma final ao filme. necessitará de todos os

planos, a fim de executar uma montagem bem conseguida.

Desta forma, o realizador, quando se encontra a dirigir os seus actores, deve ter

em mente a ideia global do filme.

Existem no entanto ocasiões em que a imobilidade da câmara coincide com uma

posição estática de um actor; nestes casos, o maior impacte visual obter-se-á

quando ambos, câmara e actor, se deslocam na trajectória de uma panorâmica

condutora da atenção. O realizador verificará então que a câmara estática tende a

produzir registos sem dinamismo visual.

Por outro lado, planos filmados com movimentos de câmara muito rápidos podem

incomodar o espectador, tornando demasiado evidentes as técnicas de filmagem.

Os elementos que devem ser tomados em atenção incluem a altura da câmara,

os respectivos movimentos e o tipo de objectivas a utilizar. A acção pode ser

filmada em plano geral ou em grande plano, consoante os efeitos visuais

pretendidos.

Oliver. (1968), de Carol Reed. A filmagem de baixo para cima dá maior vigor ao personagem

que salta sobre a mesa

Planos afastados Neste tipo de planos, o actor será visto como um elemento

relativamente insignificante, tendo o décor um papel predominante.

Se o actor atravessa um quarto ou uma rua, vai necessitar de um certo tempo

para o fazer, e se a duração da acção é longa, os detalhes dos fundos tornar-se-

ão importantes visualmente. O carácter do plano pode tomar-se mais interessante

mediante uma cuidada selecção de detalhes no estúdio, tais como a profusão de

cadeiras, mesas, plantas, etc., quando necessário, ou o tráfego em cenas de rua,

etc. O actor poderá também executar movimentos mais breves dentro de toda a

acção. Tanto a iluminação como a cor e o cenário criarão a forma ou a sensação

que a imagem transmitirá.

Planos próximos Quando se utiliza um travelling (movimento de charriot sobre

calhas) para filmar um grande plano, a expressão do actor assume uma

importância do maior relevo. Os fundos ficarão minimizados. A iluminação terá

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uma grande importância, assim como a posição de câmara. Alguns factores que

se devem ter em atenção: a altura da câmara (quer esteja colocada

horizontalmente ou inclinada) e a composição do enquadramento

(independentemente de o actor se movimentar rápida ou lentamente).

Qual deverá ser a posição do actor em relação à câmara? De frente, de perfil ou

de costas?, etc. A natureza expressiva do plano dependerá fundamentalmente da

colocação da câmara. Geralmente, os planos que focam de baixo, apanhando

toda a face, proporcionam uma imagem com muita força expressiva, ao passo

que aqueles que focam de cima provocam uma imagem débil. Um plano de perfil

com uma composição equilibrada do quadro pode resultar numa certa monotonia

expressiva, a não ser que a imagem possua um fundo interessante ou haja uma

movimentação rápida do actor.

Um plano de um personagem tomado a três quartos de baixo4 cria uma certa

energia expressiva no personagem e em muitas circunstâncias resulta melhor do

que outro que o enquadre de frente. Visualmente, este ângulo de enquadramento

é mais natural, dado que o plano em contrapicado, por vezes demasiado

dramático, poderá conduzir o espectador a uma tomada de consciência do ângulo

da câmara.

0 Jogador Profissional. (1963), de Lindsay Anderson. Um ângulo baixo de câmara

combinado com uma movimentação de actor em direcção à câmara dá uma maior ênfase ao

tamanho da figura e à sua expressão agressiva.

De um plano afastado a um plano próximo A deslocação de um personagem

de uma certa distância até à frente da câmara é uma das acções básicas de

movimentação do actor (assim como afastar-se dela). Durante esta deslocação

produzir-se-ão sucessivamente as características dos planos afastados e dos

planos próximos.

A uma altura normal da câmara, o actor, ao deslocar-se desde uma posição longe

da câmara até ao primeiro plano, criará uma imagem progressivamente mais

forte; o efeito oposto será observado se o actor se afasta dela.

4 Três quartos é uma expressão da

terminologia fotográfica - e da pintura -

que indica a posição de uma figura

colocada sobre um eixo horizontal oblíquo

relativamente mesmo eixo da câmara. Por

extensão, aplica-se também aos ângulos

de câmara com deslocação do eixo

vertical.

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Trono de Sangue. (1958), de Akira Kumsawa. Uma impetuosa movimentação

sobre um fundo desfocado torna a perseguição mais excitante.

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Objectivas e composição

Existe hoje em dia uma gama variadíssima de objectivas à disposição do

realizador, e poderia pensar-se que é para este uma tarefa impossível estar a par

das novas criações técnicas. O que sucede, porém, é que, na prática, as mesmas

casas que alugam as câmaras fornecem simultaneamente (caso não se

especifique o tipo de objectivas pretendido) um equipamento óptico básico que

geralmente inclui uma selecção que varia de 12,5 mm a 50 mm. Um dos aspectos

mais difíceis da responsabilidade do realizador é ter uma ideia clara da imagem

que ele pretende obter, mais do que saber o tipo de objectiva a utilizar. Deve-se

desde já estabelecer uma diferença entre o realizador que se encontra a trabalhar

com um chefe operador (sendo da responsabilidade deste último a escolha do

tipo de objectiva) e o realizador/operador à câmara, que executará em simultâneo

esta operação. No primeiro caso, o chefe operador decidirá as objectivas a serem

utilizadas depois de ter consultado o realizador, o director de fotografia e, talvez, o

director da cenografia; no segundo caso, o realizador escolherá ele próprio o tipo

de objectiva a ser utilizado.

No entanto, quer o realizador trabalhe ou não com um chefe operador, será

sempre a imagem no écran que ditará a escolha das objectivas, e é por isso que

se toma importante que, durante a preparação, o realizador seja capaz de

visualizar o tipo de imagem que procura. Este processo aplica-se particularmente

no «cinema verdade», em que se torna necessária a utilização da objectiva zoom

(objectiva de distância focal variável), e também especialmente nos casos em que

não se pode gastar muita película. Um dos maiores erros que poderá vir a ocorrer

com uma objectiva deste tipo relaciona-se com a constante variação da distância

focal durante a rodagem do plano. A não ser que a ele recorram deliberadamente

por motivos de estilo, o uso constante da zoom significa que o realizador ou o

operador à câmara não assimilaram suficientemente a configuração do plano ou o

efeito que se pretendia obter.

Ângulo de abertura da objectiva

O ângulo de abertura da objectiva a que se faz geralmente referência é a medida

do ângulo de campo no plano horizontal. Contudo, o campo da objectiva também

tem dimensão vertical, e o campo total de uma objectiva, numa projecção

esquemática, como a da figura ao lado, é uma pirâmide. A acção que tiver lugar

fora dessa pirâmide não será enquadrada. Quando se planifica a acção dentro do

enquadramento, o realizador deve ter em conta o ângulo vertical do campo, pois a

acção pode desenvolver-se no eixo vertical. Há que ter também em consideração

o facto de a distorção se processar tanto no plano vertical, o que é mais corrente,

como o plano horizontal.

Supondo que a distância da câmara ao objecto é fixa, uma gama de objectivas de

diferentes distâncias focais poderá provocar variações nas dimensões relativas

dos objectos contidos na imagem. As objectivas classificam-se segundo a

distância focal ou a abertura angular, que são função uma da outra. Qualquer

destes dois elementos serve, na prática, para definir o campo das objectivas,

como já foi referido anteriormente.

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As objectivas representadas na figura acima referida têm uma distância focal de

25 mm, produzindo imagem desde o infinito até aos 25 mm de distância entre a

câmara e o objecto. Estas objectivas proporcionam uma distorção mínima e

chamam-se objectivas normais5. No formato de 35 mm, a objectiva normal é a de

50 mm. (A fim de evitar confusões, todas as objectivas descritas serão para

câmaras de 16 mm.) 6

Objectivas grandes-angulares

As objectivas com menos de 25 mm de distância focal são denominadas

objectivas grandes-angulares ou «de foco curto». As mais frequentemente utiliza-

das dentro deste tipo são as de 12,5 mm e 17,5 mm, mas toda a gama de

grandes-angulares começa com a objectiva de 5,7 mm de distância focal, com um

ângulo de 108 graus. Devido ao seu largo campo, estas objectivas são muito úteis

para filmar em espaços pequenos, como por exemplo um quarto pequeno, o

interior de um automóvel, etc. No entanto, as imagens estão sujeitas a sofrer

distorção da perspectiva, que pode atenuar o efeito dramático. Estas objectivas

podem ocasionar certos problemas quando são utilizadas para filmar pessoas,

especialmente grandes planos. O nariz, as mãos e os pés aparecerão

grandemente exagerados, assim como todos os outros contornos naturais do

corpo.

Teleobjectivas

As objectivas com uma distância focal maior do que as objectivas normais são

designadas «teleobjectivas» ou objectivas «de longo foco». As suas focais

oscilam entre 37,5 mm e 50 mm, ou mesmo 75 mm, sendo estas últimas as mais

frequentemente utilizadas. Caracterizam-se por urna pequena abertura angular e

tendem a comprimir a profundidade de campo, aproximando assim da câmara os

objectos distantes. Estas objectivas são mais utilizadas em filma- gens de

exteriores, onde a acção, muitas vezes distante, deve ser aproximada da câmara,

ou quando é impossível aproximar-se da acção devido à interposição de

multidões, etc. Filmes de noticiário cinematográfico, assim como acontecimentos

desportivos, ou estudos da natureza, dependem bastante de uma teleobjectiva de

qualidade.

5 A razão por que se chamam normais a

estas objectivas deve-se ao facto de terem

um campo muito semelhante ao da visão

humana, quando referida ao formato útil do

enquadramento.

6 Para definir aquilo que se considera

objectiva «normal», deve-se ter em conta

dois factores. Se se utilizar a distorção

provocada por uma objectiva como critério

principal, então a objectiva de 25 mm pode

ser considerada «normal», visto transmitir

um mínimo de distorção. Se se utilizar,

porém, o ângulo de visão do olho humano

como critério padrão, então uma objectiva

perto da de 20 mm poderia ser considerada

«normal». Os profissionais da câmara

tendem a aplicar este último critério.

Objectivas e os efeitos espaciais

Uma forma útil de comparar as objectivas relativamente à compressão da pro-

fundidade de campo é realizar o plano aqui representado com um conjunto de

objectivas diferentes. O personagem deve manter-se tanto quanto possível à

mesma distância aparente no visor de cada uma das objectivas. Os resultados

podem ser observados nesta sequência de três fotogramas. (As fotografias foram

tiradas com uma câmara fotográfica de 35 mm.)

Page 15: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

15

75 mm (teleobjectiva)

50 mm (normal)

35 mm (grande-angular)

Profundidade de campo

Page 16: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

16

A profundidade de campo de uma objectiva é definida como «a zona nítida em

profundidade que se obtém na imagem». A profundidade de campo depende de

um número variável de factores: a distância focal das objectivas, a abertura do

diafragma e a distância objecto/objectiva.

A profundidade de campo aumenta quando (1) a abertura do diafragma diminui,

produzindo uma distância focal constante, que mantém o foco numa zona maior;

(2) a câmara se afasta do objecto sem mudança na distância focal nem na

abertura do diafragma; e (3) decresce a distância focal, apesar de a abertura do

diafragma e a distância do objecto se manterem constantes.

Como regra geral, quanto menor for a abertura do diafragma da objectiva maior

será a profundidade de campo. Reciprocamente, quanto maior for a abertura do

diafragma menor será a profundidade de campo. O operador terá maior

possibilidade de explorar a profundidade de campo num plano quando tiver à sua

disposição muita luz. Claro que isto pode provocar problemas se o realizador

desejar uma grande profundidade de campo em determinadas situações em que

a luz é escassa. A ausência de luz provoca inevitavelmente uma menor

profundidade de campo, a menos que seja utilizada urna emulsão mais rápida

(mais sensível), com uma consequente redução da qualidade da imagem.

Utilizando uma abertura de diafragma maior e a resultante profundidade de

campo, um realizador poderá isolar um actor do resto do ambiente, quer com a

finalidade de dramatizar quer por motivos meramente estéticos. Tal facto pode

tomar-se visualmente mais eficaz quando se utiliza um plano médio ou um grande

plano.

Quando se prepara um plano, o realizador deve trocar impressões com o director

de fotografia e o chefe operador para definir que tipo de imagem deseja obter. É

muito provável que não possa especificar uma objectiva em particular, ou o tipo

de iluminação necessária, mas deverá saber que tipo de efeito pretende obter, o

chefe operador e o director de fotografia poderão então sugerir determinada

objectiva e o tipo de luzes que devem ser utilizadas a fim de garantir ao realizador

o efeito desejado.

As perguntas a que um realizador deveria responder à medida que vai elaborando

o seu guião seriam aproximadamente as seguintes:

Necessitarei eu de um grande número de detalhes específicos no plano a filmar?

Necessitará o público de reconhecer determinados personagens, que podem

estar espalhados por vários locais da zona enquadrada?

Page 17: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

17

Se a resposta for afirmativa, o realizador terá necessidade de dispor de um

campo de visão muito nítido para possuir uma profundidade global do plano.

Devo criar relações espaciais entre os personagens por motivos de ordem

dramática ou estética?

Devo isolar uma pessoa de um objecto para lhe dar maior ênfase ou dar um muito

grande plano?

Necessito dar determinado ênfase a uma certa parte do enquadramento?

Devo relacionar a acção com os detalhes do fundo em planos de exteriores?

Estes elementos e outros contribuirão para que o realizador forme uma imagem

mental da cena que procura obter no écran, e influenciarão na escolha das

objectivas e no planeamento da iluminação adequada.

A selecção das objectivas pode constituir também um elemento dramático quando

se filmam planos em que intervêm dois ou três intérpretes. As objectivas grandes-

angulares podem exagerar em demasia o espaço existente entre dois actores e,

com a colaboração de câmara adequada, este espaço pode sugerir o tipo de

relação. Nas figuras da esquerda dois personagem estão frente a frente em

planos distintos.

Na figura 1, a objectiva grande-angular dá a impressão visual de que o

personagem que se encontra à esquerda do enquadramento está mais afastado

do outro, diminuindo-lhe simultaneamente o seu tamanho relativo na imagem. O

personagem da direita encontra-se numa posição dominante. O efeito poderia ser

acentuado ainda muito mais se a câmara se situasse em contrapicado.7

Fig.1

Na figura 2 foi utilizada uma teleobjectiva que aproxima, aparentemente, os

personagens, do que resulta para ambos a mesma dimensão relativa na imagem.

Neste caso, a atenção do público centrar-se-á no personagem da esquerda, visto

este estar virado para o público. Se o ângulo de câmara se elevasse, o

personagem da esquerda obteria uma nítida ênfase a seu favor. No entanto,

aproximar os personagens um do outro mediante recursos ópticos pode ser uma

forma inadequada de utilizar a teleobjectiva, visto retirar ao enquadramento toda a

profundidade. Outros meios têm de ser utilizados a fim de dar maior espaço e

volume às imagens planas. A iluminação e a composição do estúdio podem

contribuir para este propósito.

Ângulos de câmara como o utilizado na figura 3 dão o mesmo destaque a ambos

os personagens. As composições simétricas não despertam grande interesse se

não houver um diálogo importante ou uma iluminação que destaque visualmente

um ou outro dos personagens.

fig.2

Fig.3

7 Com o eixo horizontal da câmara inclinado de baixo para cima.

Page 18: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

18

Je t'aime, Je t´aime, (1968), de Alain Resnais. A proximidade das delas pessoas pode

ser acentuada através de uma teleobjectiva (imagem acima). As objectivas de tipo grande-angular podem dar grande ênfase ao conflito psicológico existente entre dois

personagens (imagem abaixo)

World of Apu. (1958), de Saryajit Ray

A iluminação é frequentemente pensada como urna forma através da qual o

operador cria o clima exacto de uma cena, iluminando uma pessoa ou um

determinado objecto de forma a chamar a atenção do público para eles. Estas

são, certamente, formas importantes de utilizar a luz, mas a função fundamental

desta no interior de um estúdio é a de «criar espaço». Demasiada luz destrói o

espaço; num plano é o equilíbrio entre a luz e a obscuridade que cria esta ilusão.

Se tomarmos como exemplo uma cabeça iluminada, poderemos fazer que esta

desapareça apagando as luzes ou, contrariamente, fazendo convergir sobre ela

mais luz.

Na maior parte dos filmes, a tendência é para empregar uma iluminação

demasiado forte, e este facto é mais perceptível nas realizações de transmissões

televisivas. Esta característica deve-se talvez ao facto de os écrans de televisão

serem pequenos e, portanto, não existir a necessidade de fazer uma composição

em profundidade, como é o caso dos filmes que serão projectados num écran

maior. O realizador que utilize muita iluminação ganha certamente em

profundidade, mas perderá em flexibilidade composicional.

Page 19: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

19

Lawrence da Arábia, (1962), de David Lean. A caracterização pode ser ajudada com

uma cuidadosa iluminação. Na fotografia de cima, deu-se à figura da esquerda uma

iluminação contratante, rigorosa, ao passo que na figura da direita uma luz ténue

sobre o rosto dá ao personagem um aspecto misterioso e subtil.

Mudança do foco

Há algumas situações em que o realizador pode desejar que a atenção do público

seja desviada para determinada zona do enquadramento. Pode consegui-lo

mudando a posição do foco dentro da imagem. Este recurso é utilizado

frequentemente em filmes publicitários, mas, se se usa demasiadamente tal

técnica nas realizações de filmes comerciais, pode chegar-se ao extremo de que

a variação do foco apareça como uma trucagem sem qualquer sentido. A

mudança do foco, como hoje em dia outros efeitos técnicos, deve ter a sua

motivação no contexto do filme. Deverá fazer parte da estrutura dramática e, de

certa maneira, engrandecer essa estrutura, mas sem distrair o público corri os

seus efeitos invulgares. Nas imagens 1 e 2, o foco muda do personagem à

esquerda do enquadramento para o que se situa à sua direita. Este último

personagem poderá ser um novo elemento dramático na história, e o realizador

pode querer que o público esqueça o personagem da esquerda para concentrar

toda a sua atenção no outro. A cena poderá abranger um grande plano do

personagem da direita, que suceda aos dois planos anteriores. Neste caso, a

mudança do foco não será perceptível pelo público, que estará absorvido pelo

contexto dramático da cena.

Deslocando os fundos, o realizador pode realçar a acção que se passa em

primeiro plano ou isolar um indivíduo de uma multidão.

Fig.1

Fig.2

Fig.3

Page 20: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

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See You Tomorrow, (1961), de J. Morgenstern

Zoom

A zoom (objectiva de distância focal variável) é utilizada muitíssimas vezes para

substituir o travelling ou a dolly (grua pequena), mas pode suceder que, quando

usada deste modo, produza um efeito confuso na perspectiva. Se bem que já

tivesse sido utilizada na década de trinta, só por volta dos anos cinquenta é que

começou a ser mais empregue, e nos anos sessenta converteu-se na objectiva da

moda. Recentemente, este tipo de objectiva obteve uma certa popularidade e a

sua utilização, ainda que compreendida por alguns, contínua, por parte de outros,

a não ser explorada nas suas máximas qualidades potenciais.

Em determinados momentos, uma objectiva de distância focal variável pode ser

extremamente útil e mais conveniente do que um conjunto de objectivas. É o caso

de jornais de actualidades, do «cinema verdade» ou de determinado plano que

deva ser filmado como resultado de uma decisão instantânea do operador. Cenas

que, em princípio, deveriam ser filmadas formalmente com objectivas do tipo 17,5

mm, 25 mm ou 75 mm podem ser muito mais habilmente tratadas com um zoom.

Utilizada desta forma, a objectiva aproxima a câmara da acção, ficando deste

modo demonstrada a sua funcionalidade.

A característica de distorção em profundidade da imagem constitui um elemento

inoportuno quando ela é utilizada para filmar uma acção na qual a profundidade é

um elemento visual importante. De qualquer modo, em determinadas

composições, pode ter-se em conta a eliminação da profundidade da imagem, e

até mesmo a distorção pode ser utilizada positivamente com propósitos estéticos.

Por outras palavras, se se planificar utilizando planos com ausência de relevo, a

zoom pode ser um contributo muito positivo. Se, pelo contrário, se planificar uma

cena com profundidade e, portanto, com perspectiva, é melhor evitar a zoom.

Outra característica importante que leva a utilizar esta objectiva reside na

facilidade de movimentação, ou seja, em afastar-se ou aproximar-se do objecto.

Tal movimento pode ser emocionante e dramático, irias deve haver uma

motivação dentro de toda a estrutura da sequência. O movimento de avanço e

recuo feito de forma rápida pode ser cansativo para o público e transformar-se

simplesmente numa trucagem técnica, caso seja utilizado com demasiada

Page 21: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

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frequência e sem qualquer tipo de razão.

Objectivas e o movimento

A relação entre a grandeza de uma objectiva e o movimento dentro do quadro

torna-se mais evidente nas filmagens de interiores. Na verdade, uma das

principais razões para se fazerem ensaios com a câmara8 no estúdio deve-se ao

facto de a acção e as objectivas serem inseparáveis em muitos aspectos. Se a

acção tiver lugar num pequeno quarto, as objectivas escolhidas serão diferentes

das que se utilizariam caso se filmasse a mesma cena num estúdio. Para poder

filmar espaços limitados nos exteriores, o realizador terá de recorrer a objectivas

grandes-angulares. Os movimentos em direcção à câmara, bem como aqueles

que se afastam dela, seriam exagerados e os actores ver-se-iam forçados a

movimentar-se de uma forma muito mais lenta a fim de salvaguardar a distorção.

Num estúdio, certamente que o realizador contaria com cenários de paredes

movíveis que lhe permitiriam movimentar a câmara mais afastada da acção e

utilizar objectivas normais. Por isso, a mesma acção teria de ser realizada de

forma diferente para cada um dos casos.

Nos planos em que seja necessário utilizar uma teleobjectiva, terá de se contar

com movimentos aparentes, em profundidade, muito lentos. Não é grande

solução, para compensar esta característica das teleobjectivas, aumentar ou

diminuir a velocidade de movimentação dos actores nas suas deslocações em

profundidade, porque a compressão aparente do campo óptico manter-se-á

sempre. No entanto, este fenómeno óptico pode servir em determinados casos,

fazendo um aproveitamento dos actores que se aproximam - deslocando-se de

uma certa distância em direcção à câmara - como efeito dramático. Por exemplo,

um certo mistério pode envolver uma figura que se aproxima lentamente a partir

de uma certa distância para se encontrar com outra figura colocada muito perto

da câmara. O tempo que dura este movimento no écran pode levar alguns

minutos, como, por exemplo, no caso da aparição de Omar Sharif em Lowrence

da Arábia.

Quando se filma a natureza com uma teleobjectiva, a distorção dos movimentos

pode invalidar as intenções expressivas, porque os efeitos dramáticos produzidos

por esta objectiva nem sempre correspondem ao que se pretende. Quando se

está a filmar um jornal de actualidades tenta-se obter um retrato fiel da realidade,

mas as pessoas aproximadas pela câmara com uma objectiva da ordem dos 75

ou 100 mm pode parecer que se movimentam demasiado lentamente para os

poucos segundos que aparecem no écran. Filmar acontecimentos desportivos de

uma certa distância pode igualmente oferecer resultados pouco brilhantes,

especialmente se a acção tiver lugar ao longo de uma só linha de movimento.

Nestes casos, um conhecimento prévio e esmerado do local da filmagem seria

extremamente útil a fim de se encontrar para a câmara de filmar a melhor posição

e as objectivas que melhor se adaptam às circunstâncias.

Distorção

Se o realizador desejar incluir num plano um grande número de acções

secundárias, deverá normalmente escolher uma objectiva grande-angular. No

8 Diz-se correctamente ensaios de câmara, mesmo quando os actores também intervêm.

Page 22: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

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entanto, este tipo de objectiva possui o grande inconveniente da distorção, e, se

no plano se incluírem objectos em posição vertical, o realizador poderá ter sérias

dificuldades.

«Ao filmar a igreja em Cerimónia Secreta tive um problema difícil, o mesmo

acontecendo em Figures in a Landscape, este de menor grau, visto que no

primeiro filme trabalhei num décor construído pelo homem e no segundo pela

natureza. Em Cerimónia Secreta procurei uma objectiva grande-angular que

tivesse uma abertura de campo suficiente para que eu pudesse ver a chegada de

um autocarro e, ao mesmo tempo, a igreja, tudo visto a uma distância apropriada,

a fim de proporcionar o sentido ou espaço alargado que existia à sua volta, como

é característico da Londres de hoje. Também desejava ver o campanário, já que

se tratava de uma igreja bastante interessante. No meu filme O Mensageiro

encontrarão um plano semelhante, onde pretendi obter o fundo filmado em

contrapicado, juntamente com o pátio empedrado em frente da Catedral de

Norwich. Queria captar todo o sentimento que ela irradia; em casos como este,

tem de se ser muito cuidadoso, pois pode acontecer que o índice de distorção

seja tal que falseia o conjunto. Por vezes o espectador não nota o efeito

produzido, quando este não é demasiado evidente, podendo mesmo ser útil em

determinadas circunstâncias. Outras vezes, a distorção pode ser tão lesiva que se

tenha de deixar fora de campo a parte superior da catedral, ou baixar o

campanário - o que não é um caminho nada óbvio para resolver a situação.

(Losey).

A distorção pode ser aplicada com efeitos positivos, mas deve ter um fim

determinado. Teoricamente, cada objectiva, excepto as objectivas normais, tem a

sua distorção característica, e seria útil que o realizador filmasse um mesmo

objecto com toda a gama possível de objectivas e examinasse em seguida o

resultado do ponto de vista da distorção. Utilizada como deve ser, a distorção

pode dar um contributo muito importante ao sentido e ao próprio dramatismo de

uma cena, mas, se esta for mal utilizada, facto que é muito frequente, aparecerá

como uma trucagem. O público deve ser orientado mediante a distorção para o

drama ou para o conhecimento dos personagens, mas sem se aperceber

excessivamente do efeito. Utilizando uma objectiva grande- -angular para grandes

planos de autores, pode conseguir-se um efeito de terror que se poderá perder

facilmente se o público reparar demasiado na distorção como efeito.

Os efeitos estéticos conseguidos com o aproveitamento da distorção em

determinada sequência de Figures in a Landscape são apreciados por Joseph

Losey.

«Toda a sequência final de Figures in a Landscape foi planeada com base numa

determinada distorção, porque me deu a impressão, quando o revelamos pela

primeira vez, de que a parte superior do glaciar, por onde os personagens se

arrastavam, tinha quase a forma da curvatura da Terra e, deste modo, era

possível exagerar este efeito. Queria transmitir o sentido de que os personagens

se encontravam no fim do mundo, e quando sobrevoamos de helicóptero o local

de filmagem vimos, pela primeira vez, que eles pareciam estar praticamente

parados sobre o nada. Criava-se o estranho sentimento de que existia um vazio, e

isto resultou maravilhosamente, porque nos surgiu então a ideia de que esse seria

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o fim do mundo, tendo acontecido o mesmo com a ideia do abismo. Tomei então

a decisão de utilizar a distorção, a fim de que as coisas convergissem para o topo

do glaciar, dando ao mesmo tempo um certo ênfase à curvatura da neve. Este

factor foi também bastante útil tematicamente, dado que desejava repor a ideia de

que as criaturas humanas são apenas pontos na vasta paisagem.

Seconds (1966), de John Frankenheimer.

Plano filmado com uma objectiva olho-de-peixe

Page 24: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

24

Continuidade espacio-temporal

A essência do argumento será o assunto escolhido pelo realizador ou pelo

argumentista. Este, será comunicado ao espectador por intermédio de um fluxo

de imagens visuais que possuirão um significado, tanto individualmente como no

seu conjunto. O realizador terá de seleccionar as imagens que, juntamente com

outras, proporcionem a melhor forma de comunicar o assunto. Cada imagem é

uma ideia; cada cena é uma sucessão de ideias que, uma vez montadas, dão à

narração cinematográfica uma fluidez lógica e harmoniosa. Ao elaborar a sua

planificação o realizador deve assegurar-se de que cada plano dará mais sentido

ao relato global do filme, não sendo susceptível de uma leitura que crie confusão

no espectador, a não ser que seja essa a intenção do realizador, tal como

acontece normalmente, por exemplo, num anúncio.

Assim, os planos devem ser vistos como fragmentos de uma única continuidade

que facilite ao público a compreensão da solução fundamental de uma cena e lhe

dê a possibilidade de relacioná-la com as estruturas significantes apresentadas

noutras. É nesta continuidade que reside a força da estrutura geral do filme.

A forma como os espectadores «lêem» as imagens que surgem no écran, dentro

do contexto do cinema narrativo, foi descoberta pelos realizadores nos primeiros

anos em que o cinema começava a desenvolver-se. O público de hoje continua a

ter os elementos básicos que dão continuidade ao filme da mesma forma que o

fazia o espectador de há cinquenta anos atrás, ainda que tenhamos de

reconhecer que a forma de montar as imagens foi sendo alterada, principalmente

a partir do advento da televisão.

Continuidade direccional

No gráfico à direita, um homem caminha por uma rua. Entra na imagem pelo lado

esquerdo e deve sair pelo lado direito. Nos planos que se lhe seguem deverá

continuar a entrar pela esquerda e a sair pela direita, para que se possa

compreender que caminha sempre na mesma direcção. Se o plano 4 fosse

inserido entre o 2 e o 3, o sentido da direcção perder-se-ia. O actor apareceria a

entrar na imagem pela direita, dirigindo-se para o lado esquerdo, o que provocaria

grande confusão no espectador.

Se no começo da sequência ficou estabelecido que esse indivíduo saía de sua

casa e se dirigia para a loja que se encontra à sua direita, a pessoa manterá um

movimento permanente nessa direcção até que chegue ao seu destino. Qualquer

desvio que se produza neste sentido de direcção do movimento já estabelecido

deverá ser claramente expresso dentro do contexto da narração visual.

A continuidade direccional deve ser muito bem planificada quando o guião exige

urna acção contínua que englobe um grande número de planos a rodar em

exteriores. As mesmas regras que se observam no caso do homem que caminha

pela rua são aplicáveis quando se trata, por exemplo, da deslocação de um

automóvel. No exemplo que se observa em baixo, um veículo branco persegue

outro negro, que se desloca no écran da esquerda para a direita. Esta direcção do

Plano 1

Plano 2

Plano 3

Plano 4

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25

movimento será mantida, a não ser que o realizador varie o sentido direccional

mediante a utilização de uma panorâmica, de um travelling ou de um plano na

vertical (picado), onde se percebe que a estrada mudou de direcção. O plano 4

não deve ser inserido entre o 2 e o 3 se não for precedido por qualquer dos

recursos anteriormente referidos.

Plano 1

Plano 3

Plano 2

Plano 4

Uma longa viagem de automóvel, barco ou comboio, caracterizada por um longo

decurso espácio-temporal, que é um factor-chave para a interpretação do filme,

pode expressar-se por planos cruzados, alternados, numa sequência de

montagem rápida. No entanto, o ângulo dos planos para este tipo de sequência

deveria estar plenamente relacionado com a direcção da viagem, de forma que o

efeito visual cumulativo fosse neutro. O objecto em questão movimentar-se-á

mais de cima para baixo ou de baixo para cima do que no sentido esquerda-

direita, ou vice-versa.

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26

Quando se trata de dois personagens que não possuem qualquer tipo de relação

entre si e que aparecem em imagens consecutivas, mesmo que se desloquem na

mesma direcção, não se deve tirar necessariamente como conclusão que elas

convergem para o mesmo ponto. Se o realizador quiser demonstrar que vão

encontrar-se num local determinado, devem então ser vistos deslocando-se em

sentidos opostos ao longo de sucessivos planos. Na plano seguinte, vê-se o outro

grupo deslocando-se em sentido contrário. Deduz-se, pois, que ambos os grupos

se encontrarão num plano posterior.

Esta técnica pode ser empregue para acentuar dramaticamente o conflito

existente entre dois partidos ou grupos opostos, podendo também ser utilizada

simplesmente para assinalar que duas ou mais pessoas que se deslocam

partindo de pontos diferentes se reunirão num certo momento. A utilização da

continuidade direccional para criar um certo suspense é um dos lugares-comuns

mais antigos do cinema e constitui a base para o ponto culminante de muitos

westerns, assim como tem servido também de estrutura fundamental para filmes

mais recentes.

Ficou estabelecido que mudar o sentido direccional dos objectos sem as

necessárias explicações origina na mente do espectador unia certa

desorientação. Mas existem ocasiões nas quais o realizador deseja alterar

legitimamente a continuidade narrativa do filme, o que pode dever-se a intenções

dramáticas ou mesmo puramente estéticas. Por outro Indo, um filme tomar-se

num único sentido. O procedimento mais fácil para mudar o sentido direccional

aos personagens pode ser executado pelo próprio actor no interior do plano. Pode

aparecer em campo deslocando-se da esquerda para a direita e a meio do

caminho dar uma meia-volta e regressar ao local donde tinha partido,

abandonando por fim o écran pela esquerda. A nova direcção fará entrar no

enquadramento pela direita, se o movimento continuar.

Alguns planos resultam indeterminados no que se refere à direcção do movimento

e podem ser intercalados, ou para sublinhar uma pausa da acção, ou quando o

realizador deseja mudar o ponto de vista da câmara. Planos de cavalos, pessoas

correndo, tráfico de rua, etc., intercalados no meio duma sequência, ou até

mesmo dum plano, dividem-nos, mas mantêm o equilíbrio visual. Também os

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27

planos de objectos em movimento que estão acima ou abaixo da linha do

horizonte da câmara, e movendo-se ora em direcção à câmara ora afastando-se

dela (por exemplo, vários aviões voando em formação, ou trânsito visto de uma

ponte sobre uma auto-estrada), mantêm o mesmo equilíbrio.

Se bem que os planos neutros, isto é, sem direcção definida, favoreçam a

mudança do sentido direccional, possuem outro tipo de explicações. Um fluir

contínuo de imagens de um extremo ao outro do écran pode resultar fastidioso e

provocar desinteresse no público. Um grande plano de um rosto acrescenta

dramatização à situação, já que a audiência estabelece melhor contacto com este

tipo de imagens do que com a imagem de um personagem visto de costas ou de

perfil.

Estes planos também podem ser utilizados como técnica de transição se a

câmara focar o actor caminhando na sua direcção e, no seguimento desta

continuidade, aparecer de costas afastando-se da câmara. Este estratagema não

só é eficaz para alterar o sentido direccional dentro do enquadramento, como

também serve para mudança de locais em exterior, de personagens ou do tempo.

Contracampo

Os planos em contracampo que envolvam duas ou mais personagens têm de ser

escrupulosamente planificados. No exemplo apresentado no gráfico e diagrama

da página que segue, a figura de negro aparece no écran caminhando na

direcção esquerda-direita (Plano 1). O plano aproximado da outra personagem,

representada de branco, mostra a direcção do seu olhar quando segue a figura de

negro. O contracampo em 3 mostrará esta última deslocando-se da direita para a

esquerda como no plano 3, e não como no plano 3X.

Page 28: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

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Plano 1

Plano 2

Plano 3

Plano 3X

Eixo da acção aplicado ao princípio do triângulo

Na situação de triângulo, em que as figuras estão devidamente colocadas, a

câmara estabelecerá a posição dos personagens da forma indicada no diagrama

da página seguinte. Este plano de posições é útil porque permite aos

espectadores saberem exactamente onde se situa cada um dos personagens em

relação aos outros. O realizador poderá filmar imediatamente uma série de

planos, com dois actores ou apenas um, que estes relacionar-se-ão

posicionalmente entre si.

No plano 9 a câmara estabelece um triângulo com eixos de acção entre cada um

dos personagens. Os três planos que configuram este triângulo, aos quais podem

seguir-se grandes planos individuais ou planos de duas pessoas, são importantes

para estabelecer uma posição relativa dos actores, e, a menos que estes mudem

de posição durante a filmagem, as suas posições relativas permanecem durante

toda a cena.

Page 29: A Linguagem Audiovisual in "A Realização Cinematográfica", Terence Marner

29

Plano 9

Plano 10

Plano 11

Planos de dois actores baseados no princípio do triângulo.

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30

Resumo

O trabalhar cuidadosamente com base no princípio do triângulo tem como

principal objectivo clarificar a acção para o público. Uma vez estabelecida a cena

e filmado um plano com dois actores, é surpreendente a rapidez com que o

público esquece a colocação dos personagens que ficam fora do enquadramento.

Se, conjugado a este facto, o realizador cruzar continuamente o eixo de acção,

então a assistência (e o montador) terão dificuldades em encontrar o sentido da

acção.

Continuidade segundo a direcção do olhar

Em muitas ocasiões o realizador terá de trabalhar com um grande número de

pessoas, numa só cena, que poderão estar sentadas em volta de uma mesa, ou

umas de pé e outras sentadas, como por exemplo durante uma festa. A cena

poderá ser conduzida através de um diálogo geral, passando a câmara entre os

diversos convidados e apanhando breves trechos dos diálogos estabelecidos

entre eles. Na cena pode existir um centro de interesse definido por uma pessoa

que atrai a atenção dos presentes. Pode ainda acontecer que três determinadas

pessoas estejam a manter entre si certa conversa, durante a qual cada uma delas

fala por períodos aproximadamente idênticos de tempo de projecção. Sejam quais

forem as circunstâncias, haverá certamente um número de planos mostrando

apenas uma ou duas pessoas do conjunto total e o público deverá ter uma ideia

precisa da posição relativa dos personagens que se encontram fora de campo

nesses planos.

Tendo em conta que o público esquecerá facilmente onde se encontrarão os

actores que não vê em relação àqueles que se encontram representados no

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écran, o realizador filmará um grande número de planos de montagem que

ajudarão a restabelecer o sentido total da cena, sempre que for necessário.

Filmará dois ou três planos de grupos de pessoas dialogando entre si e um certo

número de grandes planos individuais, como planos de reacção, planos de

pormenor, ou outros que acentuem a atenção sobre algo em especial. De todas

as maneiras, é fundamental situar a câmara de filmar de modo que a continuidade

da sequência se mantenha. No interior da cena, a continuidade depende de dois

factores extremamente importantes. A câmara deve situar-se do lado correcto do

eixo de acção do personagem ou do grupo, de forma que cada plano possa ser

intercalado com continuidade entre os planos filmados previamente e respeitantes

ao mesmo grupo ou ao mesmo personagem. A única excepção verifica-se nos

casos em que os personagens têm de se deslocar constantemente dentro do

enquadramento, como fazendo parte da acção, o que conduz a uma variação

contínua dos eixos de acção.

Em aditamento a esta situação, a câmara poderá, por si só, mudar de posição, a

fim de acentuar a sensação de que um determinado grupo se encontra em

movimento.

De qualquer forma, logo que, através de dois ou três planos da situação, o público

se encontra esclarecido no respeitante às posições relativas dos personagens,

aplicam-se então as regras normais da continuidade. O segundo factor importante

para manter a direcção correcta do enquadramento consiste em verificar se as

pessoas olham exactamente na direcção correcta.

A direcção dos actores e a selecção dos planos deverão ser determinadas

consoante o dramatismo da cena. Um personagem que tenha um certo

ascendente sobre outros deverá ser apresentado de uma forma que visualmente

esteja de acordo, e o texto que terá de dizer corresponderá ao tipo de ascendente

que lhe é conferido. Como exemplo, um homem que é interrogado pelo chefe;

durante a sequência, este permanece sempre sentado. A acção que origina a

entrada de um terceiro homem, por exemplo, e a conversa que se gera junto da

mesa no gabinete giram à volta do homem sentado, e a câmara continua a

mostrá-lo numa posição autoritária.

O realizador dividirá a acção em grandes planos, planos aproximados e planos

médios, ainda que pudesse concretizar a conversa num único plano dos três ou

com uma sucessão de grandes planos individuais. No entanto, a utilização

contínua do princípio do triângulo poderia desequilibrar o drama e cansar

rapidamente o público, assim como uma sucessão de grandes planos dos

diferentes rostos poderia confundir o público no que diz respeito à posição relativa

dos actores.

Uma vez a cena constituída, o realizador poderá fragmentar num determinado

grupo de pessoas um certo número de grandes planos, através dos quais o

principal interesse se fixe talvez naquilo que se diz e no diferente tipo de reacções

individuais frente a essas mesmas palavras.

Depois de ter apresentado os seus personagens ao público mediante um plano

geral, será bom recordar as variadas posições das pessoas integradas nesse

grupo, mesmo quando estas não se encontrem presentes no enquadramento. A

única indicação visível que o público tem acerca da posição de cada actor está na

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direcção dos olhares dos que lhe dirigem a palavra. Se a direcção do olhar for

dada num sentido errado, o público ficará certamente confuso.

Plano 1

Plano 2: a levanta o olhar para b

A linha do olhar deve bissetar (passar ao meio d`) o ângulo entre a câmara e o eixo da acção definido pelos dois actores. como se assinala com uma seta no esquema ao lado.

No plano 1, a, b, e c estão falando à volta de uma mesa. Um homem, a, está

sentado, enquanto b e c estão de pé.

No plano 2, a olha para b; a encontra-se situado à esquerda do enquadramento9 e

olha em direcção à direita do mesmo. A posição da câmara é representada como

se indica no esquema do plano 2. Para filmar b a olhar para a, a câmara situa-se

entre a e c. A figura situa-se ligeiramente à direita do enquadramento e o olhar

orienta-se para a esquerda do enquadramento, para baixo. O eixo de acção deste

plano situa-se entre a e b e a câmara poderá situar-se em qualquer parte

adequada sobre o sector da linha que corresponde a c.

9 É o que se costuma designar por «ar à esquema» ou «à direita». Como regra geral, devem considerar-se sempre com «ar» do lado para onde os personagens olham. É uma questão de equilíbrio do enquadramento pelo peso «induzido» por outro personagem fora de campo.

b olha para a

b olha para c

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c olha para b

c olha para a

a olha para c

Plano neutro de a

Terence St. John Marner in A Realização Cinematográfica