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A Tradução do Humor em The Importance of Being Earnest de Oscar Wilde George de Azevedo Madeiro Faculdade de Letras – UFRJ 2007

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A Tradução do Humor em The Importance of Being Earnest de Oscar Wilde

George de Azevedo Madeiro

Faculdade de Letras – UFRJ 2007

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por

George de Azevedo Madeiro

A Tradução do Humor em The Importance of Being Earnest de Oscar Wilde

Volume Único

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar de Lingüística Aplicada, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Interdisciplinar de Lingüística Aplicada.

Orientador: Heloisa Gonçalves Barbosa

Rio de Janeiro 2007

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FOLHA DE APROVAÇÃO

George de Azevedo Madeiro

A Tradução do Humor em The Importance of Being Earnest de Oscar Wilde

Rio de Janeiro, 27 de junho de 2007

Professor Orientador:

__________________________________________________

Heloisa Gonçalves Barbosa

Professores Titulares: __________________________________________________ Luiz Edmundo Bouças Coutinho __________________________________________________ Aurora Maria Soares Neiva Professores Suplentes: __________________________________________________ Angela Maria da Silva Corrêa __________________________________________________ Kátia Cristina do Amaral Tavares

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“The world has always laughed at its own tragedies, that being the only way in which it has been able to bear them.” Oscar Wilde em A Woman of No Importance.

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RESUMO

MADEIRO, George de Azevedo. A Tradução do Humor em The Importance of Being

Earnest de Oscar Wilde. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Lingüística

Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

2007.

Estudo comparativo de duas traduções brasileiras da peça The Importance of

Being Earnest de Oscar Wilde. Foram selecionados para análise, a partir da classificação

de Redman (1952), vinte e oito epigramas humorísticos que refletem a temática da obra do

autor. Tais epigramas versam sobre pessoas, hábitos, instituições e, finalmente, entidades

abstratas. São detectados e analisados pares “solução + problema”, por meio de comparção

das traduções com o original, conforme sugere Toury (1980, 1985). A partir desta análise,

são depreendidos os recursos tradutórios utilizados, conforme descritos e classificados por

Martins (2002). Além disso, identifica-se o traço de economia nas traduções, já que tal

característica é considerada essencial para o discurso humorístico, conforme Almeida

(1999) e Rosas (2002), devendo, portanto, ser mantida nas traduções. Finalmente, é feita

uma análise quantitativa que compara os recursos utilizados nas duas traduções

examinadas.

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ABSTRACT

MADEIRO, George de Azevedo. A Tradução do Humor em The Importance of Being

Earnest de Oscar Wilde. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

This is a comparative study of two Brazilian translations of the play The

Importance of Being Earnest, by Oscar Wilde. Based on Redman’s (1952) classification, twenty-eight humoristic epigrams that reflect the author’s themes were selected for analysis. These involve people, habits, institutions, and finally, abstract entities. By comparing the translations and the original, “solution + problem” pairs were detected and analysed, as suggested by Toury (1980, 1985). This analysis served as a basis for the identification of the translational resources used, as described and classified by Martins (2002). Additionally, the feature of economy is detected, since this characteristic is considered essential for humoristic discourse, according to Almeida (1999) and Rosas (2002), and should, therefore, be maintained in a translation. Finally, a quantitative analysis is made comparing the resources employed in the translations under examination.

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Sumário

1. Introdução ......................................................................................................................

8

2. Oscar Wilde, sua época e sua obra ..............................................................................

2.1 Oscar Wilde e seu tempo ....................................................................................... 2.2 Oscar Wilde e suas peças ...................................................................................... 2.3 Oscar Wilde e seus epigramas ...............................................................................

12 12 16 21

3. Os Estudos Descritivos da Tradução ...........................................................................

3.1 Mudança de paradigma .......................................................................................... 3.2 A teoria dos poli-sistemas ..................................................................................... 3.3 Os Estudos Descritivos da Tradução ..................................................................... 3.4 Crítica e contra-crítica aos Estudos Descritivos da Tradução ...............................

25 25 27 32 40

4. Humor e Tradução .......................................................................................................

4.1 Características do discurso humorístico ................................................................ 4.2 A tradução do discurso humorístico ......................................................................

4.2.1 A possibilidade de tradução do discurso humorístico ............................... 4.2.2 A Teoria do Humor Verbal e a tradução do discurso humorístico ............ 4.2.3 A tradução lingüística e funcional do humor ............................................ 4.2.4 A tradução do jogo de palavras ................................................................. 4.2.5 A tradução do trocadilho elizabetano ........................................................

4.3 O texto teatral e algumas semelhanças com o texto humorístico ..........................

47 47 63 65 70 77 82 90 92

5. Análise de traduções de epigramas humorísticos na peça ...........................................

5.1 Epigramas relativos a pessoas ............................................................................... 5.2 Epigramas referentes a instituições e hábitos ........................................................ 5.3 Epigramas relativos a entidades abstratas ............................................................. 5.4 Recursos tradutórios empregados ..........................................................................

95 99

109 114 121

6. Considerações Finais ...................................................................................................

7. Referências Bibliográficas ............................................................................................

124

125

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1. Introdução

Muito já se teorizou e se discutiu sobre o humor. Vandaele (2002, p. 170) aponta

para o fato de que Barthes, Lévi-Strauss e Freud são as referências sobre o assunto em

questão, embora suas abordagens careçam de estudos empíricos. Possenti (1998, p. 20)

ressalta, no entanto, que antropólogos, sociólogos e, mais recentemente, lingüistas têm

realizado análises do discurso humorístico. Contudo, assinala, todas as idéias decorrentes

dessas áreas de estudo trazem poucas novidades e são pouco práticas. Considera o teórico

que, na verdade, excluem a natureza lingüística do humor (repetindo as referências

tradicionais e as autoridades no assunto). Conclui que há, portanto, uma necessidade de

estudos empíricos mais amplos, assim como de estudos de caso de ordem mais prática.

Pode-se considerar que esta mesma observação seja válida quanto à investigação na

área da tradução. Cada vez mais se fazem necessários novos estudos que não enfatizem

juízos de valor e não priorizem o produto final da tradução, práticas comuns nessa área de

estudo. Rosas (2003, p. 16) ressalta que há, também, uma carência de estudos a respeito do

humor e, principalmente, que tratem da tradução desse tipo específico de texto, devido à

extrema complexidade de ambos os fenômenos: tradução e humor.

É na tentativa de ajudar a preencher essa lacuna que a presente dissertação faz uma

reflexão sobre os Estudos da Tradução, que sofreram grande mudança a partir da década de

70, devido à proposta denominada “Estudos Descritivos da Tradução”. Fundamentado

nesses estudos, este trabalho propõe uma comparação entre duas traduções brasileiras da

peça The Importance of Being Earnest de Oscar Wilde, focalizando especificamente alguns

epigramas humorísticos nelas contidos. É feito um levantamento de pares “solução +

problema” conforme sugerido por Toury (1985). Uma vez depreendidos os recursos

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tradutórios utilizados nesses pares, tais recursos são classificados de acordo com a proposta

de Martins (2002). São identificados também os traços de economia que aparecem nas

traduções, uma vez que a economia, ou brevidade, é considerada essencial para o discurso

humorístico, conforme Almeida (1999) e Rosas (2002), sendo ideal, portanto, que seja

mantida nas traduções. Com base nessas análises, foi feito um estudo quantitativo e

comparativo dos recursos utilizados pelos tradutores.

A obra escolhida para análise, The Importance of Being Earnest, constitui um

marco na criação humorística, sendo de grande complexidade no que diz respeito ao

discurso teatral humorístico. Além disso, por mais que seja uma peça produzida e encenada

no século XIX, continua ainda muito atual devido aos temas que aborda e que registra em

seus epigramas, tais como o homem, a mulher, o casamento, as aparências etc., ou seja,

temas que eram uma preocupação da sociedade de então e que continuam a sê-lo ainda

hoje. Além de várias outras classificações, a obra analisada pode ser considerada uma

comédia de costumes que, segundo Cuddon (1977, p. 137), é um gênero que tem por tema

principal o comportamento do homem e da mulher que vivem sob determinados códigos

sociais. A peça, porém, vai além desses padrões ao radicalizá-los e criticá-los por meio do

nonsense, do exagero, além de várias outras técnicas.

O capítulo 2 desta dissertação trata de Oscar Wilde e do período em que viveu e

escreveu – a “época vitoriana”, permeada por paradoxos e incertezas. Apresenta algumas

das principais influências na obra de Wilde, tais como os movimentos literários, o

panorama sócio-político e outros autores contemporâneos. Wilde pinta um retrato realista

do século XIX nas suas obras e se destaca como grande autor em diversos gêneros. Sua

produção culmina com The Importance of Being Earnest, considerada pelo próprio autor

sua melhor obra. A peça pode ser considerada uma comédia fársica epigramática, embora

suas características muito sui generis quase impeçam uma classificação. Algumas

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características relevantes com relação à linguagem e a criação de Wilde são também

tratadas nesse capítulo.

O capítulo 3 trata da grande mudança de paradigma proporcionada aos Estudos da

Tradução por meio da incorporação a eles da teoria dos poli-sistemas, o que veio dar

origem ao que se denominou “Estudos Descritivos da Tradução”. A proposta desses

Estudos envolve análises de cunho relacional e funcional e que substituam os estudos que

enfatizavam apenas o produto final da tradução e faziam juízos de valor. O capítulo

apresenta também algumas críticas contra os Estudos Descritivos da Tradução, bem como

uma contra-crítica a estas.

No capítulo 4, inicialmente, é feita uma caracterização do discurso humorístico de

acordo com os estudos realizados por Possenti (1998), Almeida (1999) e Rosas (2000).

Logo em seguida, é apresentada uma discussão sobre a possibilidade da tradução do texto

humorístico, mais especificamente a piada, em que autores como Schmitz (1996) e

Brezolin (1997) divergem com relação a seus pontos de vista. O capítulo também faz

referência à tradução lingüística e à tradução funcional tratadas respectivamente por

Possenti (1998) e Rosas (2000). As idéias de diferentes teóricos que se propuseram a

analisar o texto humorístico também são abordadas no capítulo, a saber: Attardo (2002),

que desenvolveu a Teoria do Humor Verbal; Toury (1985), Delabastita (1996) e Attardo

(2002), que discursaram sobre a tradução do jogo de palavras propriamente dito; e Martins

(2004), que propõe uma classificação dos recursos tradutórios aplicados na análise de

trocadilhos, mais especificamente do trocadilho elizabetano. O capítulo finaliza com uma

comparação entre o texto teatral e o texto humorístico feita a partir das observações de

Bassnett (2002) e Marinetti (2005).

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Finalmente, o capítulo 5 analisa os epigramas humorísticos em The Importance of

Being Earnest de Wilde e compara duas traduções brasileiras da peça em questão. Pela

classificação desenvolvida por Redman (1952), vinte e oito epigramas humorísticos, que

tratam de temas referentes a pessoas, hábitos, instituições e entidades abstratas, foram

escolhidos com base na relevância para o estudo do humor. Foram levantados pares

“solução + problema”, conforme proposto por Toury (1980 e 1985), de modo a possibilitar

uma comparação entre o texto de origem e os textos alvo. Além disso, foi utilizada, na

análise dos epigramas, a descrição dos recursos tradutórios elaborada por Martins (2002) a

partir de seu estudo sobre os trocadilhos elizabetanos. É importante ressaltar que foi

observado também a presença ou asuência do traço de economia nas traduções, já que tal

característica é considerada essencial para o discurso humorístico, conforme Almeida

(1999) e Rosas (2002). Ao final da análise, um levantamento quantitativo foi desenvolvido

em que se comparam os recursos utilizados nas duas traduções examinadas, destacando-se

as características gerais que se manifestam nos textos alvos.

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2. Oscar Wilde, sua época e sua obra

O presente capítulo trata de alguns aspectos relacionados a Oscar Wilde, suas obras

literárias, mais especificamente suas peças teatrais, sua época e as influências sociais e

culturais experienciadas pelo escritor, assim como de sua linguagem peculiar.

2.1 Oscar Wilde e seu tempo

De acordo com Carter e McRae (1997, p. 271-272), o termo ‘Victorian Age’ é

utilizado para cobrir todo o século XIX. Conforme descrevem os autores, a rainha Vitória é

coroada em 1837, num momento em que a monarquia, enquanto instituição, já não era tão

popular. Quando a rainha sobe ao trono, Londres possuía cerca de dois milhões de

habitantes. À sua morte em 1901, Londres tinha aumentado sua população para 6,5

milhões. Essa época é, pois, marcada por uma expressiva expansão econômica e rápidas

mudanças, principalmente a mudança de uma vida rural para uma vida moderna e urbana

baseada no comércio internacional respaldado por instituições financeiras. A Grã-Bretanha

foi um dos primeiros países do mundo a se industrializar e a reinvestir os lucros em

desenvolvimento industrial. O Reino Unido tornou-se o centro da filosofia do “Livre

Comércio”, das novas tecnologias e das contínuas invenções industriais. Havia um

otimismo no ar e um sentimento de que tudo continuaria a se expandir e a melhorar.

Apesar dessa atmosfera positiva, o século XIX foi também uma época de paradoxos e

incertezas. Conforme avalia Gagnier (1997, p. 18), na época vitoriana, os valores de

progresso, tecnologia, mercados globais e o individualismo tornaram-se cada vez mais

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marcantes, e a sociedade era muito influenciada por esses valores — o progresso era,

portanto, uma questão política e moral assim como a tecnologia e a economia.

Para Carter e McRae (1997, p. 272), o contraste entre a intranqüilidade social,

ligada aos movimentos de mudança, e a afirmação de valores e padrões considerados

“vitorianos” são elementos essenciais que compõem o paradoxo da época. O

“compromisso vitoriano” é uma forma de interpretar esse dilema, o que implica num tipo

de padrão duplo entre o sucesso nacional e a exploração dos trabalhadores das classes mais

baixas do país e das colônias estrangeiras; um compromisso entre filantropia, tolerância e

repressão. Como grande representante dessa época, destaca-se Wilde, e Holland (1997, p.

3-4), por analogia, descreve-o como um personagem que possui uma dualidade em vários

aspectos, pois era anglo-irlandês com simpatia nacionalista; era protestante com tendências

católicas ao longo de sua vida; foi casado dentro dos padrões vitorianos e também

manifestou uma vida homossexual; era considerado um músico das palavras e um pintor da

língua que, uma vez, confessou que escrever o deixava entediado, ou seja, encarnava o

paradoxo na sua própria pessoa. Holland (1997, p. 15) ressalta, ainda, que várias foram as

tentativas de classificar Wilde. Parte da academia insistia que Wilde era um fenômeno

sócio-cultural passageiro e um autor de obras populares de peso leve; outros o

classificavam como um pensador moderno que ligava dois séculos, um crítico e

comentador astuto, um “rebelde conformista”. Contudo, para Holland (1997, p. 4), por

conta dessa dualidade, Wilde ultrapassa os limites de todas essas classificações. É da

seguinte maneira que Coutinho (2006, p. 9) caracteriza Wilde:

Defensor e culminador do esteticismo, Oscar Wilde (...) postulou um transtorno de papéis (...) o antinatural passou a ser o referente da nova estética, cumprindo na senda do artifício o seu destino decadentista.

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Carter e McRae (1997, p. 272) afirmam que a literatura da época vitoriana reflete

todas as preocupações sociais do período. O romance como forma tornou-se amplamente

popular e foram os romancistas, no lugar dos poetas, quem se tornaram os representantes

literários. Havia um movimento em favor da democracia, assim como no resto da Europa.

Contudo, enquanto a Europa continental sofria com revoluções e agitações políticas, na

Grã-Bretanha, o governo controlava fortemente o país. Os movimentos da classe

trabalhadora, dos grupos republicanos, dos sindicatos e das expressões dissidentes do

governo eram contidos ao máximo. A expressão literária, porém, florescia.

Para Carter e McRae (1997, p. 307-308), a insistência do movimento estético na

questão da “Arte pela Arte” era, na verdade, uma busca por novos valores como em

qualquer movimento filosófico ou político, mas seus valores e motivações foram

questionados com maior propriedade por Wilde (a figura mais marcante a partir de 1878).

A atribuição de valores a coisas abstratas como a arte, a beleza e a cultura é parte da busca

instaurada ao final da era vitoriana em um universo que mudava muito rapidamente. Para

os teóricos mencionados, o movimento estético remonta às idéias de Keats, em um de seus

poemas, de 1819, denominado Ode on a Grecian Urn. Porém, a reavaliação da arte e suas

conseqüências filosóficas são encontradas mais significantemente nas obras dos críticos

mais influentes da época: John Ruskin e Walter Pater (mestres de Wilde).

Segundo Carter e McRae (1997, p. 309), as várias tendências na escrita dos fins da

época vitoriana estão presentes nos trabalhos de Wilde, que muito é lembrado como o

autor de comédias teatrais e pelo humilhante fim de carreira ao ser sentenciado a dois anos

de trabalhos forçados por ter infringido a lei com sua conduta homossexual. A dicotomia

entre o espirituosismo social e elegante e a frivolidade aparente dos enredos cômicos, a

vergonha e o escândalo da vida pessoal de Wilde são emblemáticos da crise moral

vitoriana. A ética transgressora de Wilde era um completo jogo consciente com as

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pressuposições vitorianas. Uma das histórias de Wilde que mais efetivamente explora os

valores e padrões vitorianos acerca de uma variedade de temas incluindo a arte é The

Picture of Dorian Gray (1891). Até hoje, esse texto continua sendo controverso e tem sido

lido como várias formas de crítica — uma crítica feita ao movimento da “Arte pela Arte”,

uma crítica ao amor próprio superficial e uma crítica à sociedade vitoriana, que não

reconhece suas próprias responsabilidades morais. Com seus ensaios The Truth of Masks

(1885) e The Soul of Man Under Socialism (1891), Wilde sonda a fachada vitoriana e

avalia os detalhes e as implicações das hipocrisias — o padrão da época. Dessa forma, a

Carter e McRae (1977) consideram que Wilde retrata de forma realista o século XIX, um

século que a sociedade não gostaria de aplaudir ou de ser forçada a reconhecer, porém essa

mesma sociedade aplaudiu e apreciou a realidade que vivia ao vê-la encenada nos palcos

teatrais.

Conforme apontam Carter e McRae (1997, p. 340-341), houve um período de forte

censura no teatro entre 1737 e 1968. Por cerca de 230 anos uma grande variedade de

tópicos não puderam ser tratados sob a forma dramática. Após esse período, Tom

Robertson traz uma nova tendência realista que se iniciou em 1860 e se estendeu por

aquela década. Robertson foi o primeiro escritor de teatro a insistir em incluir elementos da

vida real no cenário. As questões sociais, apresentadas de maneira quase não controversa,

tornaram-se mais polêmicas nas décadas de 80 e de 90 daquele século. A essa época, as

obras de Emile Zola e Thomas Hardy eram queimadas publicamente devido ao ultraje

moral que causavam. No drama, o mesmo ocorreu com as traduções das peças de Henrik

Ibsen. Suas primeiras peças foram escritas no final dos anos 60 daquele século, porém foi

apenas em 1880 que Os pilares da sociedade foi encenada na Inglaterra. O ensaio de

Bernard Shaw denominado The Quintessence of Ibsenism, publicado em 1891, deu grande

visibilidade às obras de Ibsen. Wilde escreve nesse mesmo ano The Soul of Man Under

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Socialism a partir do novo fluxo de idéias socialistas, fabianistas (o socialismo de Shaw) e

estéticas.

Após essa contextualização da época de Wilde e algumas das suas influências, a

próxima subseção trata de suas obras teatrais.

2.2 Oscar Wilde e suas peças

Carter e McRae (1997, p. 341) apontam que as mais famosas peças de Wilde foram

escritas e encenadas num período de três anos, entre 1892 e 1895. Conforme os autores,

são peças brilhantemente espirituosas, que podem ser classificadas como comédias

epigramáticas e que revelam uma preocupação social nas entrelinhas.

Pearson (1946, p. 221), também ao caracterizar as peças de Wilde, relata que todas

foram escritas enquanto o autor estava de férias, e os nomes dos personagens eram

geralmente inspirados nos lugares que o dramaturgo visitava ou de sua vizinhança, ou seja,

em elementos que o cercavam. Suas peças eram álbuns de recorte nos quais colava partes

das lembranças de suas próprias conversas, ou de outras obras suas. Por exemplo, Raby

(1995, p. xxii), no prefácio de uma das coletâneas das obras completas de Wilde, ressalta

que o trocadilho com o nome “Ernest” foi uma elaboração a partir da peça A Woman of No

Importance, em que Mrs. Allonby fora levada a acreditar que seu marido não se apaixonara

por ninguém antes dela.

Carter e McRae (1997, p. 342) ilustram também essa característica, de inspirar-se

em sua própria obra para definir a temática textual, e o tom das falas dos personagens, ao

apontar para o fato de o ensaio The Truth of Masks de Wilde ser a chave para as suas

comédias. A análise de Coutinho (2006, p. 12) corrobora esta avaliação:

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Ao longo de The Truth of Masks, Oscar Wilde traceja as moldagens do cruzamento entre o ético e o estético, consagrando o papel do artista nas simulações do palco da vida. Nessa tarefa, ele se destaca como o grande propagador da afetação fin-de-siècle, que abalou os disfarces do Decadentismo nos exotismos de efeito engenhoso que mobilizaram as cenas dirigidas pela fala do dandy.

Retomando a questão dos temas tratados pelo dramaturgo, Carter e McRae (1997,

p. 342) os descrevem como se segue: em A Woman of No Importance (1893), o tema

principal é o nascimento ilegítimo; o tema presente em Lady Windermere’s Fan (1892), e

em An Ideal Husband (1895) são indiscrições culpáveis; The Importance of Being Earnest

(1895) aborda origens sociais obscuras. Desse modo, parece provável que a primeira serviu

de inspiração para a última, assim como a segunda criação influenciou a terceira.

Conforme ressalta Pearson (1946, p. 223), a primeira peça de Wilde, Lady

Windermere’s Fan, foi um grande sucesso já na sua primeira apresentação, em 1892. Nada

se comparava a esta obra desde The School for Scandal, uma das peças de Sheridan, 120

anos antes. De acordo com Pearson (1946, p. 225), poucos foram os críticos que elogiaram

a peça, e muitos se recusaram a admitir seu humor devido à “petulância insolente” de

Wilde. Popularmente, a peça foi muito comentada, e os epigramas que continha eram

citados em todos os lugares.

Conforme descreve Pearson (1946, p. 227-229), Salome, a segunda peça de Wilde,

a princípio seria uma ligeira parábola em inglês, mas tornou-se uma peça em francês.

Salome foi inicialmente publicada em Paris em fevereiro de 1893. Somente após um ano

uma versão traduzida para o inglês apareceu em Londres. Em junho de 1892, a peça foi

proibida como conseqüência de uma lei antiga que protegia temas e personagens

religiosos. A indignação de Wilde foi enorme, e muitos críticos ficaram do seu lado, pois

acreditava que esse ato, na verdade, insultava os palcos como forma de arte, e não a ele

próprio. Pela primeira vez, Wilde perdeu seu senso de humor e anunciou num jornal

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parisiense que tinha a intenção de se tornar cidadão francês. No entanto, devido a sua

grande fama com Lady Windermere’s Fan, e reconhecendo que havia julgado os ingleses

com excessivo rigor, Wilde voltou atrás.

Segundo Pearson (1946, p. 236-237), A Woman of No Importance foi encenada pela

primeira vez em 1893 e repetiu o sucesso da primeira peça de Wilde. Apesar das brigas e

discordâncias entre os críticos e o dramaturgo, o público continuava a aclamá-lo. Contudo,

conforme descreve Pearson (1946, p. 239-244), o extraordinário sucesso das duas peças

produziu efeitos negativos na vida de Wilde. Com o dinheiro jorrando de suas comédias,

com os intermináveis convites da aristocracia, com o mundo artístico e social londrino

infestado pelos diálogos de suas peças, com seu nome na boca de todos, Wilde alcançava

seu grande desejo. Sua fama cruzou o Canal da Mancha e, pela primeira vez, os parisienses

aclamaram um autor britânico. Dois anos vivendo essa vida produziram, em Wilde, uma

personalidade bastante diferente daquela dos anos 80. Conforme relata o biógrafo, Wilde

considerava qualquer crítica como ofensa, demonstrava uma arrogância anormal, e suas

atitudes para com aqueles que não o elogiavam ou o agradavam era desdenhosa. Conforme

se tornava mais próspero, mais se tornava absurda sua conduta, e o ódio por sua pessoa,

que começou a ser fomentado a partir de então por certas figuras, perseguiu-o até o fim de

sua vida. Conforme ressalta Pearson (1946, p. 244), Wilde tinha poucos amigos no círculo

literário. Na década de 90, não possuía nenhum, o que sugere que ele mesmo se

considerava um fenômeno único — muitos até achavam que tinha enlouquecido.

Pearson (1946, p. 247-248) comenta que An Ideal Husband foi encenada em janeiro

de 1895 com sucesso instantâneo. A peça demonstra um considerável avanço na sua

construção e na caracterização dos personagens em comparação com as duas comédias

anteriores. Bernard Shaw, que era renomado crítico já nesta época, fez justiça a Wilde

como escritor teatral, criticando-o de maneira positiva por essa peça.

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The Importance of Being Earnest, de acordo com Pearson (1946, p. 251-257), foi

fruto da situação em que Wilde se encontrava no verão de 1894. O dramaturgo ia muito

mal financeiramente e vendeu os direitos de uma peça que ainda não tinha escrito. A

princípio, a trama era bastante complexa, e envolvia um caso de dupla identidade. Mas,

após algumas mudanças, a encomenda deu lugar à genialidade de Wilde que transgrediu o

estilo e os costumes do século XVIII, rompendo seus padrões. Wilde descreveu essa peça

como um tipo de comédia fársica e a considerava a melhor já escrita por ele próprio.

Conforme avalia Raby (1995, p. xxiii), no seu prefácio à peça, qualquer que seja a

classificação dessa obra, Wilde criou algo que transcendeu o gênero da farsa. Para Pearson

(1946, p. 259), a perfeita fusão do lado emocional imaturo de Wilde com seu lado

intelectual super maduro produziu uma obra de arte — e The Importance of Being Earnest

é essa obra de arte. Não há classificação para esta peça, segundo o teórico, posto que não

se pode compará-la a nenhuma farsa, comédia ou comédia fársica já escrita — a peça não

segue nenhuma regra e cria suas próprias leis; é, portanto, sui generis. Ridiculariza tudo o

que o ser humano considera sério: o nascimento, o batismo, o amor, o casamento, a morte,

o funeral, a ilegitimidade e a respeitabilidade etc. Corroborando essa idéia, Raby (1995, p.

xxi) aponta para o fato de que Wilde, com essa peça, embarcou em um gênero

completamente novo.

Conforme Pearson (1946, p. 257), a primeira encenação de The Importance of

Being Earnest ocorreu em fevereiro de 1985 e foi mais um sucesso de grandes proporções.

Os críticos da época esforçaram-se para encontrar defeitos na peça mas, dessa vez, tiveram

de admitir que era extremamente engraçada. Contudo, para grande surpresa da mídia,

Shaw discordou dos críticos, dizendo que a peça era realmente divertida, mas que sentia

que tinha perdido seu tempo ao assisti-la.

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Além disso, Raby (1995, p. xxiv-xxv), expressa que The Importance of Being

Earnest constituiu um estilo cômico verbal em que personagens falam um tipo de

linguagem bela e sem sentido que tem grande comicidade, misturada com fantasia. O

diálogo, para Wilde, era o artifício para a criação de suas peças. Nessa peça em especial,

Wilde consegue subjugar a trama ao diálogo tão bem que parece que nada poderia afetar a

confiança de seus personagens ao proferir suas falas. Wilde alcança a total suspensão da

crença, criando um espelho impecável no qual sua platéia contemporânea poderia

enxergar, se desejasse, a si mesma. A peça consegue desconcertar e tornar eficazes os

padrões tradicionais e, ao mesmo tempo, sugere que não têm relevância para os

participantes. Apesar de destacada da realidade social, a peça constitui uma crítica ao

absurdo de todas as formas e convenções.

Para Raby (1995, p. xxiii), The Importance of Being Earnest não é “nem uma peça

superficial, nem trivial, mas trata puramente das aparências, envolve puramente o jogo de

palavras”. As aparências, o estilo, e a ficção são tratados como essência, não apenas pelos

personagens espirituosos e pelos dândis, mas também pelo mordomo, o guardião “sério”, a

matriarca, a ingênua e, finalmente, pela governanta e pelo clérigo.

É importante, ainda, mencionar que, segundo Gagnier (1997, p. 20), na crise da

legitimação dos valores modernos vitorianos, Wilde conseguiu enxergar que o “eu” não era

inevitavelmente indubitável, racional e progressivo, mas socialmente construído. Percebia

que esse “eu” era construído pela linguagem e, por isso, subvertia os padrões

convencionais do discurso. Considerava esse “eu” como sendo construído por instituições

sociais como a escola, o casamento, a família, a medicina, a lei, a prisão — instituições

pelas quais exerceu suas faculdades críticas. Para a mesma autora (GAGNIER, 1997, p.

25), Wilde, através do diálogo e do debate, era um filósofo que tornava públicas suas idéias

em uma sociedade de massa composta de públicos com vários interesses em conflito. Para

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a teórica (GAGNIER, 1997, p. 27), Wilde expunha sem piedade a superficialidade e a falta

de conteúdo moral de seu público enquanto, ao mesmo tempo, criava representações tão

glamurosas e poderosas desse mesmo público que acabavam por perdoá-lo, e até mesmo

aclamá-lo. Ou seja, mesmo criticando sua própria sociedade, Wilde era uma das figuras

mais populares de seu tempo, o que reforça mais uma vez seu aspecto de duplicidade,

mencionado anteriormente por Carter e McRae (1997, p. 272). Conforme ressalta

McCormack (1997, p. 97), Wilde apropriou-se do discurso vitoriano íntegro e simplificado

e propôs uma fala dupla, irônica e espirituosa. A partir da afirmação de que a máscara

representa um elemento mais eloqüente comparado ao rosto, Coutinho (2006, p. 10)

ressalta que

Essa afirmação sintetiza o comportamento que rege não apenas a operação de seu teatro, mas a importação de toda sua escrita, o ponto de vista da pose e do discurso, a marcação cênica e cínica do dandy, acomodando a pontuação da retórica responsável pelo tom de conversa que conduz seu desempenho, favorecendo-lhe as renovações de epigramas e boutades de efeito, assegurando-lhe especialmente os ganchos pelos quais a conversação sustenta a ciranda dos paradoxos.

A próxima subseção trata da linguagem de Wilde.

2.3 Oscar Wilde e seus epigramas

Pearson (1946, p. 191) descreve Wilde como sendo alguém superior comparado a

qualquer outro homem tanto na capacidade de comunicação, como na arte de conversar,

quanto em presença de espírito. O autor, para quem Wilde supera seus contemporâneos,

tais como Whistler, Henley, Shaw e Carson, elenca várias situações em que Wilde

demonstrou essa superioridade. Parte da espirituosidade de Wilde, para Pearson (1946, p.

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192) é refletida em suas peças, mas muito pouco. Para o biógrafo, o humor de Wilde era

completamente espontâneo e realizado sem o menor esforço. Por esse motivo, a alta

sociedade londrina sempre desejava sua companhia, pois todos estavam certos de que se

divertiriam ao lado dele. Qualquer que fosse o tema, Wilde estava pronto para usar de seu

humor de imediato, sendo a frivolidade seu tema central. O que os outros consideravam

sério, Wilde tratava com humor; o que o público em geral tomava por trivial era tratado

por Wilde com grande solenidade. Seu método favorito de ridicularizar padrões

convencionais era mudar uma ou duas palavras em um provérbio ou clichê, e incluir um

toque de verdade, como por exemplo: “Work is the curse of the drinking classes.”; “I can

resist everything except temptation.”, “Whenever I think of my bad qualities at night, I go

to sleep at once.”, “He is old enough to know worse.” etc.

Para Pearson (1946, p. 193-194), a maioria das melhores frases de Wilde constitui

um misto de diversão e profundidade, e a razão pela qual Wilde ainda é lido com prazer é a

sua comicidade peculiar, que fez dele um dos humoristas mais espirituosos de todos os

tempos. Pearson (1946, p. 195-197) lista uma série de situações em que Wilde demonstra

esse seu lado humorístico exacerbado, como por exemplo: a) após Coulson Kernahan ter

exposto um resumo honesto de sua crença religiosa, Wilde exclamou: “You are so

evidently, so unmistakably sincere, and most of all so truthful, that... I can’t believe a

single word you say.”; b) ouvindo os maldosos ataques sobre sua pessoa relatados por um

de seus conhecidos, Wilde comentou sobre a situação com um tom de pesar e indignação:

“It is perfectly monstrous, and quite heartless, the way people go about nowadays saying

things against one behind one’s back that are absolutely and entirely... true.”; c) Lorde

Avebury tinha publicado sua lista dos cem melhores livros e pediu a Wilde, como

celebridade da época, que também o fizesse, mas este lhe respondeu: “I fear that would be

impossible ... Because I have only written five.”

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Além disso, Pearson (1946, p. 197) afirma que Wilde era um mestre no absurdo

satírico. Como exemplo de situações, cita (p. 199): a) no início da década de 1890, a

Inglaterra estava prestes a entrar em guerra contra a França, e a Wilde foi pedida uma

opinião sobre o acontecimento: “We will not go to war with France ... because her prose is

perfect.”; b) “What a terrible weather we are having”, disse uma solene intelectual que

jantava com Wilde. “Yes, but if it wasn’t for the snow, how could we believe in the

immortality of the soul?”, respondeu ele. “What an interesting question, Mr. Wilde! But tell

me exactly what you mean.” contrapôs a intellectual. E Wilde redarguiu: “I haven’t the

slightest idea.”

Conforme analisa Pearson (1946, p. 199), Wilde podia ser tão profundo quanto

fingia ser superficial, e sua genialidade lhe permitia condensar em uma frase o que outros

tentariam explicar em um livro: ninguém jamais produziu tantas idéias profundas

disfarçadas pelo paradoxo. Ao transformar os pontos de vista, Wilde forçava seus ouvintes

a enxergar a vida por ângulos incomuns e, então, ampliava os limites da verdade. A frase

seguinte, citada por Pearson (1946, p. 200), ilustra essa característica: “The only way to get

rid of a temptation is to yield to it.” Cabe ressaltar aqui a idéia de Gagnier (1997, p. 32) de

que Wilde era público, erótico, ativo, dialogicamente formal e preocupado com as

inversões dialéticas da linguagem e da vida da classe média.

É também relevante a idéia de McCormack (1997, p. 103) no que diz respeito à

obra de Wilde:

o que o marca como escritor é sua preferência pela fantasia em lugar do realismo, por uma linha narrativa que opera em vários níveis e que se suspende a si mesma e se torna complexa por uma série de digressões; por uma ruptura entre o roteiro e o discurso, na qual a ação é suspensa indefinidamente por um tipo de logorréia, de

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modo que o seu interesse se volta para um comprometimento com a linguagem, que em si própria é um tipo de decoração verbal.1

McCormack (1997, p. 98) ao avaliar as obras de Wilde, determina que o

dramaturgo se fez através de seus comentários notáveis. Essas frases consideradas

espirituosas, as piadas, os jogos de palavra eram distribuídos pelos personagens e por

outros textos. Uma vez criada uma frase, era provável que reapareceria em alguma outra de

suas obras. Dessa forma, Wilde tornou-se seu próprio plagiador, improvisando sobre uma

série de frases que mantinha em sua mente, um criador da tradição oral com seus próprios

critérios — “Beer, the Bible and the seven deadly virtues have made our England what it

is”.

São essas surpreendentes frases lapidares que são conhecidas como os “epigramas

de Wilde” e que permeiam sua obra. De acordo com Cuddon (1997, p. 230-231),

originalmente o epigrama era uma inscrição em um monumento ou estátua que se

transformou em um gênero literário primeiramente na Grécia (século X a.C.) e

posteriormente em Roma. Essa forma foi bastante cultivada no século XVII na Inglaterra

por Herrick, William Drummond of Hawthornden, Dryden e Swift, e no século XVIII por

Pope, Prior, Richard Kendal, Burns e Blake. Outros famosos epigramáticos foram Lord

Chesterfield, Byron, Bernard Shaw, F. E. Smith e Wilde. Mais recentemente, o epigrama

constitui uma declaração espirituosa e curta em verso ou em prosa que pode ser elogiosa,

satírica ou aforística, ou seja, que contém alguma verdade.

Como mencionado no capítulo 1, esta dissertação faz uma comparação entre duas

traduções brasileiras de The Importance of Being Earnest. O próximo capítulo, portanto,

abordará a teoria da tradução utilizada como arcabouço teórico para esta análise.

1 Esta e todas as demais traduções de textos citados escritos originalmente em inglês são de minha autoria.

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3. Os Estudos Descritivos da Tradução

O presente capítulo tem por objetivo traçar um breve histórico das mudanças

ocorridas nos Estudos da Tradução a partir dos anos 70, determinar o ponto de partida

dessas mudanças e indicar quais foram as conseqüências relevantes dessas mudanças para

os Estudos em questão, a saber, o desenvolvimento da vertente denominada Estudos

Descritivos da Tradução, desenvolvida por Gideon Toury (1980, 1985). Além disso, este

capítulo também apresenta alguns contra-argumentos para a proposta desses estudos,

constituindo uma discussão fundamental para a evolução da pesquisa envolvendo o campo

teórico da tradução.

3.1 Mudança de paradigma

De acordo com a avaliação feita por Hermans (1985, p. 10), em meados da década

de 70, surge um grupo de pesquisadores no âmbito internacional que tentou quebrar o

paradigma até então vigente nos Estudos da Tradução, mais especificamente nos estudos

da Tradução Literária. Conforme o teórico (HERMANS, 1985, p. 10-11), o objetivo dos

estudiosos que formavam esse grupo era o de estabelecer novas diretrizes com relação ao

estudo da tradução literária com base em uma teoria mais abrangente e em uma pesquisa

pragmática mais constante. Esse grupo não constituía uma escola, mas um elenco de

pesquisadores geograficamente espalhados com interesses amplos variados, e que

possuíam alguns conceitos básicos em comum, como por exemplo:

a) considerar a literatura como um sistema complexo e dinâmico;

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b) acreditar numa relação contínua entre modelos teóricos e estudos de caso de

ordem prática;

c) abordar a tradução literária de maneira descritiva e orientada para o texto alvo,

de modo funcional e sistemático; e

d) interessar-se pelas normas e limitações que governam a produção e a recepção

das traduções, bem como interessar-se pela relação entre traduções e outros

tipos de texto, assim como pelo papel e pelo lugar das traduções em uma

determinada literatura e na interação entre as literaturas.

Hermans (1985, p. 11) refere-se ao importante fato de que o conceito de literatura

como sistema surgiu com o Formalismo Russo (formalistas de Leningrado) e com o

Estruturalismo Checo (estruturalistas de Praga). Esse conceito foi desenvolvido pelo grupo

de estudiosos que revolucionaram os Estudos da Tradução a partir da década de 70.

Hermans (1985, p. 11) destaca, ainda, que o trabalho de Itamar Even-Zohar (um dos

teóricos do grupo), da Universidade de Tel Aviv, em particular, influenciou diretamente

para o desenvolvimento dessa nova abordagem dos estudos da tradução.

Foi Even-Zohar quem desenvolveu a noção de literatura como poli-sistema.

Segundo o próprio teórico (EVEN-ZOHAR, 1990, p. 1), a teoria dos poli-sistemas surgiu

de uma necessidade de resolver problemas oriundos da teoria da tradução até então

vigente. Para Vieira (1996b, p. 124), Even-Zohar propôs essa nova abordagem a partir da

sua insatisfação com o legado positivista científico de registrar e classificar. Esse legado é

oriundo, conforme descreve Bassnett (2002, p. 12), de uma longa tradição que disseminou

um conceito de tradução bastante restrito. A tradução era considerada uma atividade

secundária, um processo mecânico, que não permitia o exercício da criatividade. Os

estudos realizados, segundo a teórica, ou ofereciam juízos de valor sobre as obras de

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grandes escritores considerados canônicos, ou analisavam o produto. Em outras palavras, o

texto final traduzido era enfatizado em vez de o processo em si. Esses estudos, segundo

Bassnett (2002, p. 7), baseavam-se em comparações entre o original e a tradução, e

geralmente se inventariava o que foi “perdido” ou o quão o original fora “traído” após o

processo tradutório. Dentro dessa tradição, segundo Bassnett (2002, p. 13), o papel do

tradutor era o de um agente sem a possibilidade de ser criativo, e, portanto, subserviente ao

texto fonte.

A subseção seguinte descreve a teoria dos poli-sistemas desenvolvida por Even-

Zohar (1990, 1997).

3.2 A teoria dos poli-sistemas

Para Even-Zohar (1990, p. 4-5), a necessidade de novas hipóteses no campo dos

estudos literários derivou da falta de interesse pelas teorias nos campos de estudo cultural e

lingüístico existentes e que não eram adequadas. De acordo como o autor:

trabalhar com o Funcionalismo Dinâmico em geral, e com a teoria dos poli-sistemas em particular, é completamente incompatível com o espírito que permeia atualmente as grandes direções tomadas pela comunidade acadêmica literária. (EVEN-ZOHAR, 1990, p. 6)

A citação em questão aponta para a insatisfação do autor para com a tradição dos

estudos literários e a necessidade, em sua opinião, de uma mudança no paradigma vigente

na época.

Sob o ponto de vista de Even-Zohar (1990, p. 9), o fenômeno semiótico literário

poderia ser mais bem compreendido e estudado se considerado como um grupo de

sistemas. A literatura, para Even-Zohar (1990, p. 2), não é considerada uma atividade

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isolada na sociedade, mas um fator integral, muito forte e geralmente central. Além disso,

segundo o autor, essa nova abordagem propunha a substituição do modo de coleta de dados

positivista por uma abordagem funcional baseada numa análise relacional. Fazia-se

necessária, segundo o mesmo estudioso, como meta principal, a “detecção de leis que

governam a diversidade e a complexidade de um fenômeno, em vez de seu registro e de

sua classificação”. Como define Even-Zohar (1990, p. 11), o sistema semiótico pode ser

uma estrutura aberta e heterogênea, e portanto, raramente, um sistema único. A partir daí,

como definição, um poli-sistema é

um sistema múltiplo, um sistema de vários sistemas que se cruzam e se sobrepõem, utilizando opções diferentes simultaneamente, mesmo assim funcionando como uma estrutura completa, cujos membros são interdependentes. (Even-Zohar, 1990, p. 11)

No âmbito da teoria dos poli-sistemas, é importante ressaltar a noção de repertório.

Segundo Even-Zohar (1990, p. 17), o repertório consiste de um grupo de leis e elementos

que determinam a produção de textos. Conforme avalia o autor (EVEN-ZOHAR, 1997, p.

21), sem um grupo de repertórios compartilhados em comum, nenhum grupo de

indivíduos, parcial ou completamente, poderia comunicar-se ou organizar-se de uma

maneira aceitável e significativa para os membros do grupo — o mesmo é válido para a

produção da literatura. O repertório será comparado à noção de script, desenvolvida

posteriormente pela Teoria do Humor Verbal, no capítulo 4.

Segundo Even-Zohar (1997, p. 26), é rara uma sociedade que não possua um

repertório estabelecido. Para o teórico, ao mesmo tempo em que os repertórios podem ser

anônimos, podem ter sido desenvolvidos por grupos com objetivos em comum, até porque

muitas vezes um único indivíduo não possui a força que um grupo teria para mudar a

sociedade. Os grupos de indivíduos ou o indivíduo, segundo Even-Zohar (1997, p. 27-28),

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que controla(m), domina(m) e regula(m) a cultura são ativos na produção de seu próprio

repertório. Muitos criam, a partir daí, o senso do “eu próprio” ou de identidade coletiva.

Como conseqüência, um determinado produto, ou seja, qualquer grupo de signos ou

materiais, até mesmo um comportamento, não podem ser produzidos sem se basearem num

repertório.

Pensando em Wilde, pode-se considerar que o autor tratava, em suas obras, dos

repertórios que mais interessavam e/ou afligiam a sociedade (o nascimento, o batismo, o

amor, o casamento, a morte, o funeral, a ilegitimidade, a respeitabilidade etc. (como

mencionado anteriormente) e, ao mesmo tempo, criticava esses repertórios, produzindo

outros novos através do absurdo e do cômico. Wilde quebrou e criou vários outros padrões,

não só na produção de seu próprio texto, como também ao criticar a sociedade nas

entrelinhas de suas obras.

Dentro dessa dinâmica proposta pela teoria dos poli-sistemas, Wilde seria o

produtor que, como define Even-Zohar (1997, p. 30-31), é o indivíduo que produz ao

operar ativamente um repertório e até realiza a produção de “novos” produtos — são os

intelectuais ou homens das letras, como exemplifica o autor, aqueles que adquirem em

determinadas sociedades um status de legítimos produtores de repertórios para a sociedade

como um todo. Produtores individuais, segundo o teórico, muitas vezes não causam

nenhum impacto na cultura, no sentido de ações que acarretam mudança, ou melhor,

alterações no próprio repertório. Por outro lado, há indivíduos que se engajam numa

produção inovadora e, às vezes, como parte de um grupo organizado, causam um impacto

que muda a sociedade — é o caso de Wilde. O consumidor é o indivíduo que lida com um

produto já feito, operando passivamente um repertório. Esse agente encarrega-se da

identificação das relações entre o produto e o conhecimento de um repertório, ou seja,

reconhece, compreende, soluciona e decifra — são os leitores.

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A literatura, para Even-Zohar (1990, p. 17), nessa perspectiva, não pode ser

concebida como um grupo de textos, um agregado de textos ou um único repertório. Os

textos e o repertório são, portanto, manifestações da literatura. Além disso, os textos,

segundo Even-Zohar (1997, p. 29) podem circular dentro de um mercado de maneiras

variadas — como textos integrais ou como fragmentos textuais. Há também de se ressaltar

que o produto da literatura é constituído de itens do repertório cultural: modelos de como

se organiza, se vê e se interpreta a vida. São, pois, para o teórico, uma fonte para modelos

adotados, ou seja, hábitos que prevalecem em vários níveis da sociedade, ajudando a

direcioná-la, preservá-la e estabilizá-la.

Conforme Even-Zohar (1990, p. 25), dentro da dinâmica dos poli-sistemas, uma

literatura pode ser influenciada por outra literatura, como resultado das propriedades que

são transferidas de um poli-sistema a outro. A literatura traduzida, para o mesmo teórico,

constitui um exemplo desse processo. E o estudo dos textos traduzidos, dentre outros,

constitui objeto indispensável para o entendimento de como e por que as conversões

ocorrem, dentro e entre os sistemas. O teórico (EVEN-ZOHAR, 1990, p. 20) define

conversão como qualquer transformação que ocorra de um sistema para outro.

Como avalia Hermans (1980, p. 11), a teoria dos poli-sistemas enxerga a literatura

como sendo um elemento dentre vários na constante luta pela dominação entre as várias

subdivisões e camadas do sistema. Para ele, do ponto de vista da literatura alvo, toda

tradução implica num determinado grau de manipulação do texto fonte para um

determinado fim. Considera, também, o teórico, que a tradução representa um exemplo

crucial do que ocorre na relação entre diferentes sistemas lingüísticos, literários e culturais.

De acordo com Hermans (1980, p. 12), a teoria do poli-sistema fornece uma estrutura

adequada para o estudo da literatura traduzida.

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Hermans (1985, p. 12-15) defende, pois, que esse método descritivo toma o texto

traduzido como ele é e tenta determinar os vários fatores que podem explicar sua natureza

particular. Logo, o pesquisador não pode ter uma postura permeada por noções

preconceituosas sobre a tradução e a análise de qualquer texto deve começar pelo texto

traduzido em si, do fato empírico. Assim, o trabalho prático deve ser descritivo e orientado

pelo texto alvo. Além disso, essa visão deve considerar em termos funcionais as estratégias

textuais que determinam como uma tradução aparenta ser e, mais amplamente, como a

tradução funciona na literatura receptora (alvo).

A partir dessa análise, é importante lembrar que, para Even-Zohar (1997, p. 15), a

idéia de ‘sistema’ torna possível um estudo sem a necessidade de nomenclaturas e

classificações intricadas. Em vez disso, um grupo relativamente pequeno de relações

poderia ser formulado como hipótese para se explicar um grande e complexo arranjo de um

determinado fenômeno. Espera-se da teoria dos poli-sistemas, de acordo com o autor

(EVEN-ZOHAR, 1997, p. 18), que sirva como ambiente teórico para o estudo da cultura,

permitindo o desenvolvimento de ferramentas versáteis que possibilitem o manejo da

heterogeneidade e da dinâmica.

Como conseqüência dos estudos de Even-Zohar, Gideon Toury desenvolveu suas

idéias. De acordo com Toury (1985, p. 16), nenhuma ciência empírica pode considerar-se

completa e autônoma a menos que tenha desenvolvido um ramo descritivo. O autor

acreditava que, até aquele momento, os Estudos da Tradução não tinham desenvolvido esse

ramo, devido ao paradigma vigente. De acordo com o mesmo teórico (TOURY, 1985, p.

17), fazia-se necessário um ramo científico sistemático, baseado em suposições claras e

munido de uma metodologia e técnicas de pesquisa as mais explícitas possíveis. Essa nova

forma de tratar os Estudos da Tradução denomina-se Estudos Descritivos da Tradução, a

qual será descrita na seguinte subseção.

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3.3 Os Estudos Descritivos da Tradução

De acordo com Toury (1985, p. 18), os textos traduzidos e seus elementos

constituintes são fatos observáveis. Em oposição, os processos tradutórios só podem ser

supostos ou reconstituídos sem muita certeza. Para o teórico, qualquer pesquisa deve

iniciar-se pelos fatos que são observáveis (assim como acredita Even-Zohar, 1997), ou

seja, pelo próprio texto traduzido. Além disso, o autor (TOURY, 1980, p. 82) defende que

os textos traduzidos são fatos que pertencem a apenas uma língua e a apenas uma tradição

textual — a língua receptora, ou seja, a tradução que, para o teórico (TOURY, 1985, p.

19), é condicionada pelos objetivos aos quais atende, e esses objetivos são determinados

no(s) e pelo(s) sistema(s) receptor(es). Conseqüentemente, o estudioso aponta para o fato

de que os tradutores operam primeira e principalmente segundo os interesses da cultura

para a qual o texto está sendo traduzido. Conforme Toury (1985, p. 19),

as traduções são fatos de um único sistema: o sistema alvo. (...) Não apenas deixaram o sistema fonte para trás, como também não estão em posição para afetar suas normas e regras textuais e lingüísticas, sua história textual, ou o texto fonte como tal. Pelo contrário, as traduções podem muito bem influenciar a cultura e a linguagem receptora.

A citação demonstra que, para o autor, o texto fonte não terá relevância

fundamental para o estudo descritivo de uma tradução, idéia que nega a canonização e a

sacralização do texto original decorrente do paradigma estabelecido anteriormente para os

estudos da tradução.

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Segundo Toury (1985, p. 21-22), para se realizar uma análise de tradução adequada,

é aconselhável que se sigam as seguintes diretrizes dentro do arcabouço dos Estudos

Descritivos da Tradução:

a) Primeiramente, deve-se considerar os textos avaliados como sendo traduções do

ponto de vista intrínseco da cultura alvo, sem referência aos seus textos fonte

correspondentes, e estudá-los do ponto de vista de sua aceitabilidade em seu

novo sistema, como textos na língua alvo e/ou como traduções na língua para a

qual foram traduzidos — segundo o autor (TOURY, 1980, p. 55), é a adoção

das normas do pólo receptor que torna um texto aceitável;

b) o segundo passo deve ser mapear esses textos, através de seus elementos

constitutivos, como fenômenos de tradução, em seus equivalentes no sistema

fonte apropriado, identificados como tais no curso de uma análise comparativa,

como soluções para os problemas de tradução;

c) em seguida, deve-se identificar e descrever as relações (unidirecionais e

irreversíveis) que existem entre os membros de cada par; e

d) finalmente, deve-se classificar essas relações através de uma noção de

equivalência relacional-funcional, estabelecida como pertinente ao corpus em

estudo, com relação ao conceito geral de tradução que subjaz ao corpus.

De acordo com Toury (1985, p. 25), as relações funcionais obtidas a partir dos

textos traduzidos e outras áreas do sistema alvo são suplementadas por um segundo grupo

de relações, as relações entre o sistema alvo e o sistema fonte. Essas relações, segundo o

autor, são consideradas as relações de tradução propriamente ditas, pois remetem os

problemas correspondentes no texto fonte às soluções no texto traduzido, estabelecendo a

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relação tradutória como pares “problema + solução”. Dessa forma, de acordo com o

teórico, o problema (no texto fonte) e a solução (no texto meta) são mutuamente

estabelecidos no curso da análise comparativa e inevitavelmente apresentam-se como um

par associado.

Além disso, Toury (1985, p. 28) afirma que os problemas tradutórios são sempre

reconstruídos em vez de determinados. São reconstruídos através de uma comparação

“alvo-fonte”. Conforme o teórico (TOURY, 1985, p. 30), a partir do estabelecimento dos

pares “problema + solução”, uma tentativa de traçar os padrões regulares que os governam

pode ser realizada. O teórico (TOURY, 1985, p. 31) descreve o processo de

estabelecimento dos pares associados, dentro de um poema, por exemplo, como o seguinte:

primeiramente escolhe-se um sintagma do texto alvo, caso não seja possível substituí-lo

por uma unidade sintático-semântica correspondente do sistema fonte, então move-se para

uma unidade maior dentro do próprio verso, caso ainda não seja possível o procedimento

de substituição, move-se para uma unidade maior no mesmo verso, ou no próximo verso,

ou na estrofe sucessivamente.

Segundo Toury (1985, p. 34), um dos principais objetivos da determinação dos

pares associados “problema + solução” e do estabelecimento das mudanças na tradução é

tornar possível a descrição e a explicação das relações de tradução que de fato existem

entre os membros dos pares.

Teorizando na mesma linha de raciocínio, Van Den Broeck (1985, p. 57), determina

que uma tradução adequada não constitui um texto propriamente dito, mas sim uma

reconstrução hipotética das relações e funções textuais do texto fonte. O teórico aponta

para a existência de dois tipos de mudança no processo tradutório — mudanças

obrigatórias, que são governadas por regras, ou seja, impostas pelas regras do sistema

cultural e lingüístico alvo; e mudanças opcionais, que são determinadas pelas normas do

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tradutor. A ocorrência de tais mudanças indica a preocupação do tradutor de criar um texto

alvo aceitável, ou seja, um texto consoante às normas do sistema alvo — o tradutor pode

não apenas quebrar normas alvo como quebrar regras alvo. Cabe ressaltar aqui o conceito

de equivalência adotado dentro da abordagem descritiva. Segundo Toury (1985, p. 36),

esse conceito diferencia-se dos conceitos tradicionais segundo os quais se estabelece uma

única relação alvo-fonte com base nesse ou naquele tipo de constante. O conceito relevante

para o autor é um conceito funcional-relacional. Para Toury (1980, p. 37), uma tradução,

dentro do âmbito dos Estudos Descritivos da Tradução, será qualquer enunciado na língua

alvo que seja considerado como tradução pela cultura alvo.

A partir das idéias formuladas pelos Estudos Descritivos da Tradução, Lambert e

Van Gorp (1985, p. 44-45), propõem um esquema que lhes permite demonstrar que o

sistema literário fonte e o sistema literário alvo são sistemas abertos que interagem com

outros sistemas. As possíveis relações que o esquema dos teóricos (LAMBERT e VAN

GORP, 1985, p. 44-45) propõe são as seguintes:

a) T1 --- T2 (relações entre o texto original e sua tradução);

b) A1 --- A2 (relações entre autores);

c) R1 --- R2 (relações entre leitores);

d) A1 --- T1 ≅ A2 --- T2 (intenções autorais nos sistemas fonte e alvo, e suas correlações);

e) T1 --- R1 ≅ T2 --- R2 ((cor)relações pragmáticas e de recepção nos sistemas fonte e alvo);

f) A1 --- A1’, A2 --- A2’ (situação do autor em respeito a outros autores, em ambos os sistemas);

g) T1 --- T1’, T2 --- T2’ (situação do original e da tradução enquanto textos em relação a outros);

h) R1 --- R1’, R2 --- R2’ (situação do leitor dentro dos sistemas respectivos);

i) Sistema Alvo --- Sistema Literário (traduções dentro de uma dada literatura); e

j) Sistema (Literário) 1 --- Sistema (Literário) 2

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(relações em termos de conflito ou harmonia entre ambos os sistemas).

Os autores (LAMBERT e VAN GORP, 1985, p. 44) ressaltam que, como toda

tradução é o resultado de relações particulares entre os parâmetros mencionados no

esquema, deverá ser tarefa do acadêmico estabelecer quais as relações mais importantes.

Portanto, as relações priorizadas na presente pesquisa envolvem as relações T1 – T2, as

relações entre o texto original e suas traduções, tendo em vista que compara duas traduções

e traça suas respectivas relações com o texto fonte.

Para Lambert e Van Gorp (1985, p. 46), as características estilísticas de uma

determinada tradução podem ser primariamente orientadas pelo sistema alvo; contudo,

suas referências sócio-culturais podem ser extraídas do texto fonte. De acordo com os

autores, nenhuma tradução jamais aceitará o texto fonte ou o sistema fonte como seus

modelos exclusivos, conterá, pois, inevitavelmente, todos os tipos de interferências

derivadas do sistema alvo, idéia consonante com a proposta de Toury (1985).

Acresce que, para os teóricos (LAMBERT e VAN GORP, 1985, p. 46),

considerando que a tradução é essencialmente o resultado das estratégias de seleção

originadas e pertencentes aos sistemas de comunicação, a tarefa do acadêmico deve ser

estudar as prioridades — as normas e modelos dominantes — que determinam essas

estratégias. O mesmo prevê Toury (1980, p. 112-113) ao teorizar que qualquer comparação

textual é indireta, ou seja, serão as categorias selecionadas pelos estudiosos a partir de um

construto hipotético que serão relevantes para um determinado estudo. Além disso, não se

pode comparar os textos apenas justapondo-os, mas também se faz necessário uma

referência que venha a ser identificada com o texto fonte e uma combinação de categorias

colhidas nos textos alvo e fonte.

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Conforme Lambert e Van Gorp (1985, p. 47), é também impossível resumir todas

as relações envolvidas na atividade da tradução. Logo, é necessário estabelecer prioridades,

ser sistemático, evitar julgamentos e convicções e localizar os aspectos e relações

observados dentro de um esquema de equivalência geral. Em cada análise com objetivos

sistemáticos, deve-se tentar determinar quais as ligações dominantes e quais são as suas

funções precisas.

Além disso, conforme Lambert e Van Gorp (1985, p. 51), todo aspecto particular

do processo de tradução deveria ser descrito e discutido não apenas em termos do sistema

Autor-Texto-Leitor, mas também em termos do sistema de tradução e, talvez, até de outros

sistemas culturais. Deve-se, portanto, segundo os teóricos, evitar uma preocupação

exclusiva com tradutores individuais e com textos individuais ou a sua recepção. Não se

podem analisar apropriadamente traduções específicas se não se levar em consideração

outras traduções que pertençam ao mesmo sistema. Para os autores, não constitui absurdo

nenhum estudar um único texto traduzido ou um único tradutor; porém, é um absurdo

desconsiderar o fato de que essa tradução ou esse tradutor tenham ligações com outras

traduções e tradutores. Dessa forma, o presente estudo compara dois textos produzidos no

sistema alvo a partir de um mesmo texto fonte.

Complementando o esquema de Lambert e Van Gorp (1985, p. 44-45), Van Den

Broeck (1985, p. 58) propõe os seguintes estágios para uma comparação de um texto alvo

com seu texto fonte:

a) análise do texto fonte que leva à formulação de uma tradução adequada

— essa análise compreende todos os níveis textuais nos quais elementos

lingüísticos e extra-lingüísticos tenham relevância funcional. Inclui

componentes fonéticos, lexicais e sintáticos, variação lingüística, figuras

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retóricas, estruturas poética e narrativa, elementos de convenção do texto

(seqüências textuais, pontuação, italização etc.), elementos temáticos, e

assim por diante — há ainda que se ressaltar que deve ser dada prioridade

a certos aspectos relacionados à estruturação hierárquica dos vários

componentes textuais e suas inter-relações;

b) comparação dos elementos do texto alvo correspondentes aos seus

equivalentes, levando-se em consideração as várias mudanças (ou

desvios) com relação ao texto fonte e

c) descrição generalizada das diferenças entre a exata equivalência do texto

alvo/texto fonte e a tradução adequada, com base na comparação dos

elementos equivalentes — essa descrição determinará o grau ou o tipo de

equivalência entre o texto alvo e o texto fonte.

De acordo com Van Den Broeck (1985, p. 58), uma descrição da tradução

cientificamente embasada não pode ser confundida com uma análise de erros pois, apesar

de tal análise ter seu fundo didático, não oferece um sério embasamento crítico.

Geralmente, a análise de erros considera mudanças (adaptações, ou seja, qualquer

procedimento que diferencie o texto alvo do texto fonte) como procedimentos errôneos,

principalmente quando a análise não coincide com a norma do tradutor. A análise proposta

pelo teórico tem uma natureza diferente, posto que não se interessa por a tradução ser

“adequada”, “correta”, ou “bem sucedida”. A análise deve se ater aos “comos”, às “razões”

dos textos traduzidos.

Um modelo apropriado de descrição de tradução, segundo Van Den Broeck (1985,

p. 59) deve levar em consideração as múltiplas relações entre o texto fonte e o sistema de

textos similares e/ou outros textos originados da mesma língua, cultura e tradição; entre os

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sistemas fonte e alvo; entre o texto alvo e outras traduções do mesmo texto fonte, e assim

por diante.

Para o autor (VAN DEN BROECK, 1985, p. 60), dizer que o objetivo da crítica de

tradução, pelo menos implicitamente, começa a partir de uma base descritiva é admitir que

o ofício da crítica da tradução é uma ocupação acadêmica, que requer habilidades literárias

assim como competência inter-cultural e inter-lingüística. Seria, portanto, uma questão

mais de conhecimento do que de gosto, de compreensão do que de avaliação.

É papel do crítico, segundo o autor (VAN DEN BROECK, 1985, p. 60-61),

concordar ou discordar dos métodos escolhidos pelo tradutor para uma determinada

finalidade. É o crítico quem deve duvidar da eficácia das estratégias escolhidas, criticar

decisões tomadas para com certos detalhes. Contudo, o crítico não pode confundir suas

normas com as do tradutor. É função também da crítica contribuir para uma maior

conscientização das normas dentre todas aquelas envolvidas na produção e recepção das

traduções. Dessa forma, toda tradução implica em uma forma de crítica do seu original.

Logo, o crítico de tradução é o crítico da crítica, pois traz seu juízo de valor para avaliar

um fenômeno constituído de juízos de valores.

A última subseção deste capítulo descreve e contra-argumenta algumas críticas aos

Estudos Descritivos da Tradução.

3.4 Crítica e contra-crítica aos Estudos Descritivos da Tradução

Conforme avalia Bassnett (2002, p. 6-7), a teoria dos poli-sistemas constituiu um

desenvolvimento radical dentro dos Estudos da Tradução, pois diminuiu a ênfase dos

debates infrutíferos sobre fidelidade e equivalência com relação ao texto traduzido. Além

disso, para a autora, essa teoria promoveu as bases para um novo tipo de estudo

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interdisciplinar dentro dos Estudos de Tradução. Essa nova abordagem tomou uma nova

direção em que se procurava não mais avaliar, mas sim compreender as mudanças

ocorridas no processo tradutório dos textos de um sistema literário para o outro.

Corroborando a mesma idéia, Vieira (1996b, p. 128) declara que essa mudança de

paradigma foi algo extremamente benéfico para os Estudos da Tradução, pois trouxe um

momento de desenvolvimento e de superação da estagnação estabelecida pelas abordagens

anteriores que tendiam a focar “na unidade operacional da palavra, a serem normativas e

centradas no autor”.

Para Vieira (1996a, p. 105), foi no final da década de 70 e nas décadas

subseqüentes que as teorias desenvolvidas contribuíram para que os Estudos da Tradução

transcendessem a unidade operacional da palavra, passando a abarcar a macro-estrutura da

História e da Cultura, incorporando, ainda, o papel do leitor no processo. Tais teorias, a

partir da insatisfação com aquelas centradas no texto, desenvolveram outras novas que

contemplassem as questões de pragmática e de contextualização. E ainda foram possíveis

formulações teóricas mais amplas em torno do problema do leitor e do pólo receptor.

Contudo, para Vieira (1996, p. 105-106), tais contribuições, ou seja, a teoria da

recepção formulada por Jauss e Iser2 da Escola de Constância, a teoria dos poli-sistemas

apresentada por Itamar Even-Zohar3 e desenvolvida por Gideon Toury4, ambos da Escola

de Tel Aviv, e a teoria das refrações ou reescrita formulada por Lefevere5 possuem um

caráter fragmentário e pontual.

2 ISER, Wolfgang (1979). A interação e o leitor: textos de estética da recepção. Sel., trad., introd., Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra; JAUSS, Hans Robert. (1980). Esthétique de la recéption et communication littéraire. In: Congress of the International Comparative Literature Association. Innsbruck: Verlag des Institutes für Sprachwissenschaft der Universität Innsbruck. 3 EVEN-ZOHAR, Itamar (1979). Polysystem Theory. Poetics Today, Tel Aviv, v. 1, n.1/2. p. 287-310 4 TOURY, Gideon (1980). In Search of a Theory of Translation. Tel Aviv: The Porter Institute for Poetics and Semiotics. 5 BASSNETT, Susan and LEFEVERE, André (eds.) (1990). Translation, History & Culture. Londres e Nova York: Pinter Publishers.

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De acordo com Vieira (1996, p. 108 e p. 130), o construto de Even-Zohar e Toury

contempla a relação entre a literatura traduzida e a receptora. Porém, o sistema literário,

para esses autores, não inclui a dimensão humana, embora seja difícil conceber um sistema

literário sem editores, tradutores e leitores (os produtores e os receptores dos signos).

Segundo Vieira (1996, p. 131), o raciocínio funcional e relacional de Even-Zohar pode ser

prejudicado pela exclusão da dimensão humana, o que pode tê-lo levado a se apoiar

bastante em oposições binárias — característica dos Formalistas Russos — embora de

forma relacional. Para a autora, as oposições binárias podem ser insuficientes quando

usadas para descrever o fenômeno eminentemente humano que é a cultura. Além disso,

para a teórica, um modelo respaldado em oposições binárias pode levar a um raciocínio

maniqueísta e a generalizações apressadas.

Fica evidente que a autora desprezou a idéia dos agentes envolvidos na produção

literária, desenvolvida por Even-Zohar (1997, p. 21-28). O autor, ao definir sua noção de

repertório, ressalta a importância do produtor, do consumidor e da literatura como agentes

e produto da dinâmica estabelecida pelos poli-sistemas. Dessa forma, é relevante para a

teoria a questão do humano, principalmente se se considerarem as contribuições feitas por

Lambert e Van Gorp (1985) assim como as idéias de Van Den Broeck (1985), que vão

além da utilização dos pares “problema + solução” para uma análise de tradução e que

utilizam também elementos extratextuais que influenciam a produção textual.

Segundo Vieira (1996b, p. 131-132), a teoria dos poli-sistemas constitui um

avanço, mas não uma resposta ao problema da contextualização da tradução e à percepção

de Even-Zohar de que uma tradução deve ser examinada dentro de um conjunto de

traduções é metodologicamente viável.

Uma outra questão apontada por Vieira (1996b, p. 125) relaciona-se com a

definição de poli-sistema criada por Even-Zohar. De acordo com a autora, foi com o intuito

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de enfatizar o caráter dinâmico e heterogêneo dos sistemas que o teórico cunhou esse

termo. Em vez de ‘sistema’ — um poli-sistema seria uma rede fechada de relações na qual

os seus membros assumem um determinado valor através de seus respectivos opostos. Mas

um poli-sistema também constitui uma estrutura aberta composta de várias redes

simultâneas de relações — ou seja, o termo ressalta a idéia de uma multiplicidade de

relações na heterogeneidade da cultura.

Nessas condições, Vieira (1996b, p. 125) ressalta que, através de movimentos

centrífugos e centrípetos, os fenômenos são levados do centro para a periferia e vice-versa.

— são as denominadas conversões. A teórica postula que tais mudanças ocorrem posto que

as conversões se dão em decorrência da crescente inabilidade das propriedades

canonizadas e situadas no centro de atender a necessidades funcionais — estrato

canonizado versus não canonizado — um só existe senão pelo outro e vivem numa tensão

dinâmica. Uma cultura só se mantém se houver tensões dinâmicas — essas tensões

produzem ao mesmo tempo o equilíbrio para que o sistema não entre em colapso — e a

tensão também produz a evolução do sistema (VIEIRA, 1996b, p. 126).

De acordo com a análise de Vieira (1996b, p. 126), essas oposições binárias, para

Even-Zohar, conferem dinamismo à teoria dos poli-sistemas, ao contrário das abordagens

neo-positivistas, desde que essas oposições sejam vistas à luz das tensões geradas por sua

luta pelo domínio. Segundo a autora, “é essa feição essencialmente dinâmica que o levou a

postular que o seu objeto de estudo não pode ser restrito a textos individuais; com uma

rede de relações, é necessário que se trabalhe com uma multiplicidade de textos” (VIEIRA,

1996b, p. 126). Assim, conforme defende Vieira (1996b, p. 126), a teoria dos poli-sistemas

é suficientemente abrangente para acomodar estudos descritivos da literatura tendo a

cultura como unidade operacional.

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Pela avaliação de Vieira (1996b, p. 127) segundo Even-Zohar6,

a literatura traduzida não é apenas um sistema em si, mas também um sistema participando plenamente da história do poli-sistema. (...) A literatura traduzida pode ser inovadora, conservadora, simplificada, estereotipada etc. (...) e pode participar ou não de mudanças.

Para a mesma teórica, caso a literatura tenha um papel primário, será parte

integrante de forças inovadoras — introduzirá novos modelos de realidade, nova

linguagem poética, novas matrizes técnicas. Essa literatura constituirá força primária

especialmente se uma literatura receptora for periférica ou frágil ou quando há reviravoltas,

crises ou vácuos numa literatura. A literatura traduzida, se for primária, pode influenciar

normas, comportamentos e estratégias tradutórias, violará convenções da literatura

receptora buscando adequação ao se aproximar do original.

Conforme aponta Bassnett (2002, p. 6-7), até o final dos anos 80, os Estudos da

Tradução foram dominados pela abordagem sistemática pioneira de Even-Zohar e Gideon

Toury. Como citado anteriormente, segundo a autora, a teoria dos poli-sistemas constituiu

um desenvolvimento radical, pois mudou o foco de atenção dos estudos até então

realizados. A abordagem de Toury, decorrente dos Estudos Descritivos da Tradução foi

refutada por muitos acadêmicos devido a sua ênfase exagerada no sistema alvo (TOURY,

1980, 1985). Toury (1985, p. 19), por sua vez, mantém sua idéia, posto que considera que

qualquer tradução é realizada principalmente para atender a uma necessidade na cultura

alvo. Além disso, Toury (1985, p. 19) rejeita explicitamente qualquer idéia que indique que

a teoria da tradução sirva para melhorar a qualidade das traduções, pois considera que a

tarefa dos teóricos é muito diversa da tarefa dos tradutores.

6 EVEN-ZOHAR, Itamar (1978) The Position of Translated Literature within the Literary Polysystem. In: HOLMES, J. S. et al (ed.) Literature and Translation: New Perspectives in Literary Studies. Leuven: Acco. p. 117-127.

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Segundo Bassnett (2002, p. 7), as idéias de Toury não são universalmente aceitas,

mas são amplamente respeitadas. Tanto é que, observa a autora, durante os anos 90, fez-se

uma grande quantidade de trabalhos sobre normas de tradução e persistiu o alerta para a

necessidade de uma maior cientificidade nos Estudos da Tradução.

Conforme avalia Vieira (1996, p. 132), a teoria desenvolvida por Toury tem como

características uma formalização maior e uma radicalização da teoria dos poli-sistemas. A

autora prossegue, afirmando que, apesar de se distanciar dos estudos especulativos, a

abordagem de Toury focaliza traduções realmente existentes: o produto e não o processo

da tradução e, portanto, há uma ênfase no pólo receptor e nas soluções nele encontradas.

Segundo Vieira (1996, p. 133), Toury faz uma certa confusão ao defender que a

tradução centrada no original gera um trabalho de natureza diretiva e normativa, por se

considerar a tradução como uma reconstrução do original. Na verdade, segundo a autora,

tudo isso depende do conceito de fidelidade que se utiliza. Se concebermos a tradução

como reescrita, a visão de cópia especular deixa de fazer sentido, assim como o caráter

normativo. Para a teórica, a mera transposição nos eixos temporal e espacial imprime um

novo estatuto ontológico ao texto original.

Conforme avalia Vieira (1996, p. 133-134), a postura radical de que as traduções

são fatos apenas do sistema receptor é problemática. Essa postura elimina referenciais

como a fonte, e impede a descrição de traduções como um fenômeno bidirecional em

decorrência da reversibilidade do signo. Uma colocação menos radical, segundo a teórica,

daria maior flexibilidade à teoria de Toury (1985).

Desta forma, segundo a autora (VIEIRA, 1996b, p. 135), é excessiva a

formalização da teoria de Toury, ou seja, a visão de tradução como comportamento

regulado por normas e a busca de universais de comportamento tradutório. Essa orientação

universalista só faz sentido se se adotar a visão de tradução como comportamento e a visão

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de literatura e da cultura como normas. Do contrário, uma teoria geral faria desaparecerem,

inevitavelmente, as especificidades culturais.

Aplicando o modelo de Toury em um estudo de caso prático, Mota (1996, p. 255)

conclui que “os modelos, por natureza, são limitados a um determinado aspecto do

fenômeno que investigam”. Toury, segundo a autora, não detalha, em nenhum momento,

como aplicar a terceira parte de sua análise, em que o autor propõe que se deve reconstruir

os processos de tomada de decisão realizados pelos tradutores. Nesse caso, conclui a

autora, o analista só pode inferir baseando-se em evidências lingüísticas dos textos, o que

muita vezes não é suficiente para explicar um processo de tomada de decisão (MOTA,

1996, p. 255).

Conforme analisa Mota (1996, p. 255), o modelo de Toury é produtivo em relação à

análise comparativa entre texto fonte e texto alvo — análise menos intuitiva do processo

baseada nas noções de equivalência e adequação do texto fonte/texto alvo. O modelo de

Toury, portanto, necessita de refinamento com relação à última parte da análise, que sugere

a reconstrução de tomada de decisão feita pelo tradutor. Deve-se reconhecer, na opinião da

autora, que uma análise com uma abordagem lingüística apenas não é suficiente para dar

conta de todas as características, ou explicar a complexidade de um texto. É necessário

levar em consideração variáveis sociológicas envolvidas em sua construção.

A lacuna existente na teoria de Even-Zohar (1997) e Toury (1985), citadas por

Vieira (1996b) e por Mota (1996), pode ser adequadamente complementada pelas

sugestões de análise de Lambert e Van Gorp (1985), assim como as de Van der Broeck

(1985) em que fatores que vão além da produção textual em si são relevantes para uma

análise de tradução.

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O próximo capítulo trata das questões do humor e de alguns instrumentos para

análise de tradução dos textos humorísticos, baseados nos pontos de vista lingüístico e

funcional.

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4. Humor e tradução

O presente capítulo apresenta questões relacionadas ao humor assim como teorias

que envolvem a tradução do discurso humorístico.

4.1 Características do discurso humorístico

Conforme Almeida (1999, p. 18-20), no processo comunicativo, o indivíduo, de

maneira consciente ou não, pretende obter eficiência ao transmitir sua informação — ser

eficiente, para o autor, significa “maximizar a produtividade das informações”

(ALMEIDA, 1999, p. 19). Ainda, para o mesmo autor, o recebedor da mensagem pode

inferir outras informações; para que esse processo aconteça, o indivíduo necessita do

conjunto de hipóteses pertencentes à memória conceitual, que provêm de quatro fontes: da

percepção, da codificação, da memória enciclopédica e do processo dedutivo (ALMEIDA,

1999, p. 20). Para o teórico, qualquer processo de comunicação informativo possui regras

que devem ser observadas pelos interlocutores e tal processo prioriza a inteligibilidade e

veracidade de seu propósito. Há, portanto, conforme caracteriza o estudioso, o

estabelecimento de um acordo tácito e consensual em que as regras são respeitadas de

forma recíproca. O autor aponta para o fato de que, na relação cômica, ao contrário do que

ocorre na comunicação informativa, deve existir a desobediência de certas normas para que

o humor seja possível. Segundo Almeida (1999, p. 40), “ser irônico é desobedecer a uma

regra básica da comunicação, comum aos interlocutores: a suposta adesão ao conteúdo

proposicional do enunciado”.

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Essa idéia também é considerada por Possenti (1998, p. 141), posto que, para o

teórico, “existem restrições sobre certos discursos que, no entanto, são violadas, e existem

regras discursivas que, no entanto, nem sempre são seguidas” — essa dinâmica é

constitutiva do texto humorístico, mais especificamente, da piada.

Conforme aponta Almeida (1999, p. 39), o maior sintoma do cômico é o riso, e sua

principal característica, o distanciamento que predomina sobre a identificação. O cômico,

conforme esclarece Almeida (1999, p. 41), é fruto

de um processo interpretativo individual em que a qualidade cômica atribuída a um indivíduo, além de ser formulada por uma instância externa a ele e além de possuir um caráter depreciativo, está relacionado à obtenção de prazer.

Existem várias razões para que o humor aconteça. Para Almeida (1999, p. 12), o

humor pode ser conseqüência de um deslocamento, em que o indivíduo se distancia de

alguma forma de determinada situação para constituir seu ponto de vista. Além disso, para

o autor (ALMEIDA, 1999, p. 13), o cômico também tem por característica um desvio, em

outras palavras, uma inabilidade (e, portanto, tem menos importância que outros gêneros);

por outro lado, esse desvio pode causar uma auto-reflexão. Segundo Almeida (1999, p. 21),

o cômico também pode ser fruto da observação de um desvio de comportamento em que o

observador toma por base, em sua memória, um conjunto de hipóteses derivadas de um

padrão de comportamento que gera modelos de condutas. Almeida (1999, p. 22) também

ressalta que os indivíduos podem não dividir o mesmo ambiente cognitivo em

determinados casos. Logo, esses mesmos indivíduos podem não ser capazes de realizar as

mesmas hipóteses. Neste caso, esse compartilhamento pode se dar apenas parcialmente.

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Em várias histórias, o cômico decorre de os personagens produzirem ambigüidade a

partir de um enunciado e/ou contexto interpretativos diferentes. O autor cita uma série de

exemplos que ilustram esse aspecto, como o seguinte:

Ao passar diante da casa do amigo, cuja janela se encontrava aberta, o matuto mineiro dá uma olhada para dentro e percebe o amigo diante da televisão ligada. Ele o saúda dizendo: Tarde

amigo! Firme? O outro responde então: Não, futebor. (ALMEIDA 1999, p. 22)

Para Almeida (1999, p. 143-144), a inferência de uma intencionalidade é

importante para a compreensão de qualquer tipo de texto. A relação espirituosa se apóia

em implicitações, subentendidos e alusões, cuja apreensão exige tanto o conhecimento de

proibições e de padrões de comportamento, quanto uma capacidade interpretativa

satisfatoriamente produtiva, capaz de fazer associações, deduções e perceber desvios e

contradições. Em compensação, constituirá um prazer suplementar para o leitor o fato de

ter enxergado o materialmente invisível e compreendido aquilo que não foi dito e que está

fora do alcance dos indivíduos cômicos. Tendo identificado o tipo de contrato proposto e

aceito previamente suas regras, ao iniciar a exploração do texto, o leitor partirá em busca

de sinais que poderão levá-lo ao estabelecimento de, pelo menos, dois tipos de relação.

Numa primeira relação possível, a observação de um comportamento inadequado,

incoerente, um desperdício, uma inabilidade ou falta de senso crítico, que torna o

personagem cômico — favorece a relação cômica, de caráter unívoco, que ocorre apenas

no sentido leitor-personagem. Numa segunda relação, em termos menos conscientes, o

leitor participa de uma relação espirituosa com o autor a partir da habilidade deste de

provocar o riso por meio da narrativa — se é objetivo do autor suscitar o prazer do leitor,

em contrapartida, será o alvo do reconhecimento deste.

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Essa mesma idéia é defendida por Rosas (2002, p. 34):

Como em todas as situações em que há alguma troca verbal, aquelas que envolvem o humor também implicam cooperação e, por isso mesmo, estão sujeitas a conflitos. Mas isso não quer dizer que haja revogação sumária de toda possibilidade de contrato, pois também o conflito se dá sob contrato: é um des-acordo, que “une”, de qualquer forma, as partes envolvidas. No caso do texto humorístico, é preciso que o leitor/intérprete identifique o novo contrato que lhe está sendo proposto e aceite suas regras — tipifique o novo contrato que lhe está sendo proposto e aceite suas regras — que cumpra, portanto, a sua parte. Sua recompensa na relação espirituosa que estabelece com o emissor está tanto na apreensão de alusões e subentendidos que demandam o conhecimento de padrões e o reconhecimento de contradições e desvios quanto na verificação de sua própria capacidade de produzir associações, analogias e inferências, detectando o que está além da percepção do observado — ou seja, do alvo ou personagem cômico.

Segundo Almeida (1999, p. 145), há dois movimentos simultâneos que

caracterizam o contrato humorístico. Por um lado, o distanciamento crítico do leitor em

relação ao personagem ridículo no caso da relação cômica; por outro, uma aproximação e

uma cumplicidade entre as instâncias de caráter extratextual, autor e leitor, no caso da

relação espirituosa, visto que compartilham, com exclusividade, hipóteses através das

quais se referem crítica ou ironicamente a personagens e situações. O contrato espirituoso

possui uma dinâmica compensatória em que a aliança entre as instâncias comicizantes se

alimentam da exclusão e da depreciação a que se submete o personagem cômico — a

importância do fato cômico não reside tanto nas suas características, mas no modo como é

percebido e nas relações que se estabelecem a partir dele: o isolamento do indivíduo

ridículo e a conseqüente aproximação que se cria entre aqueles que desfrutam da cena,

tenham eles uma existência extratextual ou diegética. Em termos cognitivos, o personagem

cômico é isolado sobretudo porque não tem acesso a determinadas informações — que

estariam ao alcance do leitor e, às vezes, de outros personagens — ou pela sua própria

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incapacidade de tratá-las com um grau elevado de produtividade. Não fosse o caso, seria

capaz de formular as mesmas hipóteses que os outros, sem as quais estes também estariam

expostos ao isolamento e ao ridículo.

Para Almeida (1999, p. 41-42), todo indivíduo possui um conceito de

comportamento padrão relativo às atitudes em geral. O efeito cômico poderá surgir de um

desvio de comportamento. Quanto mais o desvio for inconsciente e mecânico, maior

poderá ser o efeito cômico. A observação do desvio desencadeia o riso, que é um modo de

evidenciar esta ruptura, e até mesmo de corrigi-la socialmente.

Ainda dentro dessa análise social, Almeida (1999, p. 127) defende que a

comicidade proporciona um prazer que advém da observação de comportamentos que se

distanciam um do outro — o comportamento definido como padrão, normal, lógico e

previsível contrastado com o imprevisível, com algo insólito e transgressor.

Nessa dinâmica, conforme observa Almeida (1999, p. 43), todo indivíduo avalia a

imagem do outro a partir de sua percepção e é ao mesmo tempo incapaz de identificar

como é analisado pelo outro. Todos são alvo da percepção e da crítica de outros. O

observador, ao depreciar o indivíduo cômico, obtém prazer em decorrência da percepção

de que o indivíduo do qual se ri, o qual se despreza, não é ele próprio. Contudo, o

observador, ao sentir-se superior, manifesta sua própria inferioridade ao ser projetado para

a consciência do outro. Ainda assim, para o teórico, o ridículo deriva do convívio social,

ou seja, é uma característica da condição humana.. Conforme avalia o autor,

o humor desprende-se do particular e termina por abalar o princípio do sério, desprezando o controle, as oposições, a rigidez. Com a vista alcançando para além das regras sociais, o homem acede a uma dimensão mais ampla onde o riso é também consciência e aceitação da relatividade, da alternância, da renovação (ALMEIDA, 1999, p. 43).

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Comparado a essa dinâmica, Rosas (2002, p. 25-26) traz a distinção entre o cômico

e o espirituoso, que podem ser conceitos muitas vezes intercambiáveis. Para a autora,

quando rimos de nosso interlocutor (porque ele fez ou disse algo ridículo), nós: a) não nos identificamos com ele e b) somos superiores a ele. Já quando rimos com nosso interlocutor (porque ele disse algo espirituoso acerca de si mesmo, de nós ou de um terceiro), nós: a) nos identificamos com ele e b) não podemos ser, portanto, nem superiores nem inferiores a ele. Isso pode ocorrer porque, enquanto na relação cômica bastam dois elementos (observado e observador) entre os quais se exige distanciamento, na espirituosa há de haver três: o observador comunica aquilo que sabe do observado (que, independe de ser ele próprio ou o receptor da mensagem, é funcionalmente o segundo elemento na relação) a um terceiro. O observado se torna, portanto, o emissor de uma mensagem sobre a situação ou o indivíduo cômico (o observado) que visa a aliciar o receptor, provocando-lhe o riso através da identificação e da cumplicidade na observação compartilhada. (...) A relação cômica é uma relação de primeira mão, que pode abrir mão do verbal, de modo que o riso tem um caráter de antagonista, menosprezador e marginalizante; enquanto que a relação espirituosa é de segunda mão, posto que o receptor tem um relato formulado sobre o observado que lhe é comunicado.

Possenti (1998, p. 134) corrobora essa idéia ao definir que o discurso humorístico é

também uma forma de expressão do racismo e, como conseqüência, o riso não passaria,

pois, de um substituto de um desejo de agressão, um substituto característico dos

civilizados — o humor também tem, portanto, um caráter social, conforme indica Possenti

(1998) em consonância com as idéias de Almeida (1999) e Rosas (2002).

Para Almeida (1999, p. 12), “o humor desperta a consciência crítica”. Além disso,

tanto o humor quanto a ironia, para o teórico, rompem

com os valores criteriosamente estabelecidos (...) A consciência irônica substitui o absoluto pelo relativo, pois é capaz de apagar as fronteiras entre o certo e o errado, o positivo e o negativo, o grave e o irrisório, o fundamental e o acessório. (...) Constitui um movimento de recuo da consciência e traz uma nova perspectiva.

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Assim, o humor representa a vitória do prazer sobre a dor. A atitude humorística toma o lugar da ira e do descontentamento, quando o indivíduo muda seu posicionamento em face de uma situação que causa sofrimento e consegue reverter a tendência à dor. (ALMEIDA, 1999, p. 44)

O enunciado cômico, segundo Almeida (1999, p. 21-22), pode ser espirituoso tanto

pelo desvio que gera quanto pela produtividade pela qual é formulado. Assim, o processo

de representação do cômico tem por características a economia e o duplo sentido. Para

Almeida (1999, p. 87), o conceito de economia distingue-se do conceito de redução, pois a

redução pertence ao processo de representação e é um processo básico de qualquer código.

Já a economia

é uma tendência pessoal que o sujeito manifesta de modo mais ou menos acentuado através do seu discurso (...) é obtida através de um comportamento produtivo, que por si só, pode desencadear o riso e marcar um discurso espirituoso (...) pode ser situada em dois níveis: na pertinência de traços em relação à sua capacidade de representar os objetos e na pertinência da situação representada em relação aos efeitos contextuais que produz. (ALMEIDA, 1999, p. 87)

Além disso, conforme o autor, também “a capacidade de um enunciado

desencadear hipóteses adicionais à luz das quais será feita sua própria interpretação é uma

característica da economia” (ALMEIDA, 1999, p. 92).

Uma importante distinção dentro do gênero cômico é a diferença entre o espírito de

palavras e o espírito de pensamento. Conforme define Almeida (1999, p. 46), o primeiro

gera ambigüidade no enunciado. Essa característica humorística possibilita duas vias

interpretativas diferentes. A condensação se faz presente nesses tipos de construção e, para

exemplificar tal característica, o autor cita como exemplo a seguinte situação cômica:

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A indignação de um cidadão carioca diante da falta de princípios e de honestidade da classe política brasileira expressava-se num adesivo colado no vidro traseiro de um carro, em 1992, nos seguintes termos: Vote nas putas, nos filhos não adianta. (ALMEIDA, 1999, p. 46)

Já o espírito de pensamento, para o teórico, não depende da estrutura lingüística. O

desvio deriva de algo ilógico diferente do comportamento padrão. A principal técnica

desse tipo de representação é o deslocamento que provoca estranhamento e surpresa. Uma

outra técnica do espírito de pensamento é a representação indireta, que ocorre ao se

estabelecerem alusões, metáforas e/ou comparações. Como exemplo, o autor cita a

seguinte piada:

a história do escriturário, orgulhoso de seu temperamento prático e econômico, que conta ao colega um episódio que lhe ocorreu na véspera: — Cheguei em casa, e vi minha mulher na cozinha descascando cebola, com os olhos encharcados. Então, contei uma história triste para aproveitar as lágrimas. (ALMEIDA, 1999, p. 47)

Cabe ainda ressaltar que, para Almeida (1999, p. 47), são inúmeras as conexões

entre todas essas técnicas; e o uso de uma não exclui a utilização de outras.

Caracterizando o humor, Vandaele (2002, p. 159) ressalta que há dois tipos de

sentimentos de humor: um sentimento causado por atos (provavelmente) intencionais

(atribuição interna) em oposição ao humor de situação, no qual a percepção do humor é

atribuída a causas externas, não intencionais. Além disso, é preciso questionar se na

situação há um comunicador, uma intenção e/ou efeito humorístico aparente. Tais

questionamentos, segundo o autor, levam a quatro possíveis situações: a) quando não há

comunicador (ou seja, nenhuma intenção) — há uma situação cômica que pode ser

incongruente (a forma de uma nuvem ou uma situação embaraçosa); b) quando há um

comunicador aparente, nenhuma intenção, porém um efeito humorístico se faz presente —

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há o humor não intencional que pode causar vários efeitos no emissor (de sentimento de

inferioridade a uma rápida compreensão da incongruência); c) quando há um comunicador,

há uma intenção humorística aparente e um efeito humorístico, constitui-se o humor

intencional, mesmo que o humor intencional possa diferir do efeito humorístico; e d)

quanto há um comunicador evidente, há uma intenção humorística óbvia mas não há efeito

humorístico, ocorre o humor inalcançado, mais uma vez seguido de todos os tipos de

implicações emocionais subseqüentes. Como conseqüência do humor intencional, segundo

Vandaele (2002, p. 161), os sentidos intencionais do comunicador reconstruídos a partir de

seu comportamento verbal ou não verbal causam no receptor a percepção da intenção do

humor, o que pode ser avaliado espontaneamente ou artificialmente através de um

sorriso/riso fisiológico inevitável, um sorriso/riso não fisiológico realizado, ou qualquer

outro possível sinal como raiva, silêncio etc.

Uma outra característica importante do discurso humorístico, identificada por

Almeida (1999) e Rosas (2002), é que a linguagem do humor deve ser ambígua, mas nunca

redundante. Dessa forma, a economia se torna imprescindível para o cumprimento do

objetivo do emissor, que é o de provocar o riso. Na tradução de uma piada, conforme

Rosas (2002, p. 54), deve-se observar a questão da bitextualidade, posto que o tradutor

deve selecionar as estruturas e/ou itens fonéticos, lexicais que possam transcriar um efeito

semelhante em outra língua. A bitextualidade, segundo a estudiosa, está “presente na

origem do caráter fundamentalmente dúplice do texto humorístico” (ROSAS, 2002, p. 54).

Assim como Almeida (1999) e Rosas (2002) defendem a idéia da ambigüidade,

Possenti (1998, p. 37) ao descrever as características da piada, afirma que “[elas] ilustram

de forma brutalmente clara a tese da ambigüidade, ou, ainda melhor, do equívoco que a

linguagem pode produzir”. Tipicamente, segundo Possenti (1998, p. 39), uma piada possui

algum elemento lingüístico com pelo menos dois sentidos possíveis, e o leitor não tem

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apenas de identificar tais sentidos, mas descobrir que um dos dois, o mais óbvio, deve ser

deixado de lado, enquanto que o outro, menos óbvio, deve ser considerado relevante e

dominante. As piadas operam, segundo Possenti (1998, p. 40), com ambigüidades, sentidos

indiretos, implícitos etc. e, portanto, para se compreender qualquer piada, se faz necessário

“mover-se” pelo texto. Ainda em diálogo com Almeida (1999), Possenti (1998, p. 38)

observa que “todas as piadas veiculam, além do sentido mais apreensível, uma ideologia,

isto é, um discurso de mais difícil acesso ao leitor”.

Ao ressaltar a importância dos elementos que constituem a piada, Possenti (1998, p.

24) afirma que estes são dados de tipo crucial, com as vantagens de que se encontram em

grande quantidade (provavelmente em todas as culturas) e são dados efetivamente

enunciados pelos falantes, e que não precisam ser criados ad hoc para experimentos, são

portanto dados e/ou exemplos autênticos (situação que se contrapõe a muitos estudos

lingüísticos).

De acordo com análise de Possenti (1998, p. 25-26), as piadas são interessantes

para os estudiosos uma vez que só existem piadas sobre temas socialmente controversos.

Basicamente, o autor elenca os temas que o universo das piadas compreende:

sexo, política, racismo (e variantes como etnia e regionalismo), canibalismo, instituições em geral (igreja, escola, casamento, maternidade, as próprias línguas), loucura, morte, desgraças, sofrimento, defeitos físicos (também são considerados como defeito a velhice, a calvície, a obesidade, órgãos genitais pequenos ou grandes) etc. (POSSENTI, 1998, p. 25-26).

Desse modo, Possenti (1998, p. 43) argumenta que as piadas são relativamente

poucas, ou seja, as mesmas piadas ou as mesmas idéias são repetidas com pequenas

variações, trocando-se às vezes os personagens. Como exemplo, Possenti (1998, p. 43) cita

as piadas sexistas que repetem estereótipos que poderiam ser considerados universais. Essa

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universalidade ocorre “não só no sentido de que provavelmente todos os povos produzem

piadas, mas no sentido de que elas versam sobre poucos tópicos, sempre os mesmos, e

apenas variam como decorrência de certas especificidades lingüísticas” (POSSENTI, 1998,

p. 44).

Uma outra característica da piada, segundo Possenti (1998, p. 26), é a utilização de

estereótipos, que veiculam uma visão simplificada dos problemas, pois, assim, tornam

possível a compreensão de interlocutores não-especializados.

Um outro traço marcante da piada seria a possibilidade de veiculação de um

discurso proibido, subterrâneo, não oficial, que não se manifestaria, talvez, através de

outras formas de coletas de dados — as piadas, portanto, promovem discursos não

explicitados correntemente. Muitas vezes, as piadas, segundo Possenti (1998, p. 142),

dizem os discursos que muitos de nós gostaríamos de dizer em nosso próprio nome, não

houvesse as regras sociais que nos controlam.

Possenti (1998, p. 27) considera ainda que, do ponto de vista estritamente

lingüístico, as piadas constituem peças textuais que demonstram ter seu autor um domínio

da língua de alguma forma complexo. Apesar de complexo, Possenti (1998, p. 27-36)

afirma que é possível classificar as piadas com base no nível, ou no mecanismo lingüístico

que esses tipos de texto acionam. Obviamente, um mesmo texto humorístico, ou uma

mesma piada, pode acionar mais de um mecanismo simultaneamente. Existem, de acordo

com o teórico, piadas que se utilizam de mecanismos fonológicos, morfológicos, lexicais,

dêiticos, sintáticos, de pressuposição, de inferência, de conhecimento prévio, de variação

lingüística e de tradução.

Possenti (1998, p. 42), ao avaliar o que muitos pensam sobre a piada, ataca a idéia

de que as piadas sejam culturais. Ora, a rigor, argumenta, tudo é cultural, não só as piadas.

Tal fato, segundo o autor, não contribui para a explicação ou caracterização da piada. É

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preciso, pois, segundo Possenti (1998, p. 42), que se evidencie quais fatores culturais são

relevantes para quais aspectos das piadas e, mais importante ainda, quais fatores culturais

distinguem as piadas produzidas em um país ou em uma cultura.

Consoante com essa idéia, Rosas (2002, p. 39) destaca que “é impossível alijar o

elemento cultural – o qual, mais que subjacente, é formador por excelência desse

conhecimento. Assim, com o intuito de negar valor, interesse ou viabilidade ao estudo

lingüístico do humor – ou ao de sua tradução –, afirma-se muitas vezes que ‘as piadas são

culturais’”. A autora afirma que isso tudo é óbvio, mas não apenas com relação às piadas; é

preciso conhecer a cultura para entender piadas e rir delas, como também para entender

“canções, histórias infantis, mitos, receitas culinárias, leis, regras políticas etc.” (ROSAS,

2002, p. 39).

Um outro “lugar-comum” sobre o que se pensa sobre as piadas é a idéia de que uma

piada mal contada não funciona. Para Possenti (1998, p. 44), qualquer texto mal

organizado não funcionaria, o que ocorre também com a piada. O que não pode faltar, além

da organização, é o elemento que traga uma ambigüidade relevante para a configuração da

piada (POSSENTI, 1998, p. 45). O riso, segundo o autor, ocorre devido à presença de uma

passagem do texto que parece ter uma interpretação óbvia e, de repente, descobre-se que

pode ter uma outra ainda mais óbvia.

Um outro aspecto controverso levantado por Possenti (1998, p. 45) é a quantidade

de riso que uma piada provoca. Muitos pensam que quanto mais se ri, melhor é a piada. Ou

alternativamente, por conseqüência, pessoas que teatralizam ou representam melhor a

piada são melhores contadores de piadas que os outros. Nesses domínios, para o teórico,

aspectos diferentes estão sendo confundidos, posto que grandes piadas podem não

provocar gargalhadas, mas apenas sorrisos leves. Por outro lado, atores que fazem seu

público rir podem estar produzindo tal efeito através de uma série de outros recursos que

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não tenham relação com a piada. Muitas histórias engraçadas não são piadas, avalia o

teórico. Logo, o que faz com que uma piada seja uma piada, segundo Possenti (1998, p.

46), não é o tema em si, mas o modo como o texto apresenta tal tema ou uma tese sobre

esse tema. Portanto, para esse estudioso, a piada envolve uma técnica, e não uma série de

“lugares-comuns”. Além disso, como aponta Rosas (2002, p. 43) “a intencionalidade

humorística de um texto não é o suficiente para provocar o riso”.

Um outro “cliché” sobre o humor é a defesa de que este sempre é crítico. Para

Possenti (1998, p. 49), “o humor nem sempre é progressista”. Uma característica comum

do humor é a possibilidade de se dizer algo um tanto proibido, idéia também defendida por

Almeida (1999). Mas tal elemento proibido, não necessariamente precisa ser crítico,

revolucionário, contrário às normas. O humor, segundo Possenti (1998, p. 4),

pode ser extremamente reacionário, quando é uma forma de manifestação de um discurso veiculador de preconceitos, caso em que acaba sendo contrário a costumes que são, de alguma forma, bons ou, pelo menos razoáveis, civilizados, como os tendentes ao igualitarismo, sem dúvida melhores que os seus contrários.

Uma outra característica importante da piada, apontada por Possenti (1998, p. 52-

53), envolve a questão da interpretação textual. Os textos em geral são abertos e permitem

uma multiplicidade de interpretações — sobre esses textos o leitor deve trabalhar para

obter as interpretações possíveis, ou descobrir e ficar com as outras todas. Mas existem

textos que impõem uma leitura única. Tais textos, se não interpretados da maneira deles,

não produzem seu principal efeito e, portanto, desautorizam qualquer outra leitura. A

maioria das piadas têm essa característica, posto que a sua interpretação é comandada por

regularidades lingüísticas. Apesar dessa dinâmica imposta pela piada, Possenti (1998, p.

61) deixa claro que:

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um texto que impõe a seus leitores uma leitura única, sob pena de não entenderem sua razão de ser, não é a mesma coisa que dizer que o leitor é um receptor passivo de um texto, diante do qual só lhe resta a mera decodificação, isto é, o agenciamento puro e simples de seu conhecimento lingüístico.

Esses textos, segundo o teórico (POSSENTI, 1998, p. 61), na verdade, têm sua

estratégia de imposição de leitura, em que apresentam ao leitor diversas possibilidades,

para em seguida impedir-lhe algumas.

Assim como Possenti (1999), Rosas (2002, p. 53-54), ao comparar a linguagem do

humor à da poesia, defende que ambas requerem como condição necessária para suas

configurações a presença da ambigüidade, ao contrário de outros tipos de texto. Contudo,

na poesia, a ambigüidade não pode ser resolvida, a fim de gerar várias possibilidades de

interpretações. No caso do humor, segundo a autora (ROSAS, 2002, p. 53-54), “em que a

mente também é levada a saltos cognitivos”, há uma diferença, posto que a ambigüidade

não pode gerar outros sentidos, mas sim, uma interpretação alternativa, cujo equívoco será

revelado ao final do texto, com o desfecho ou punchline (frase que conclui a piada).

Uma outra crítica feita por Possenti (1998, p. 80) envolve o fato de que a lingüística

voltada para a análise do humor desenvolveu estudos tradicionais que enfocam apenas a

palavra e, no máximo, avaliam o duplo sentido. A palavra, segundo Possenti (1998, p. 81)

tem outros humores além do duplo sentido, e possui uma infinidade de complexidades

lingüística ou de temas recalcados. Muitas vezes, o efeito cômico surge da subversão de

um valor (Possenti, 1998, p. 82), a partir de uma analogia (Possenti, 1998, p. 84), de uma

referência extensiva anafórica (Possenti, 1998, p. 138), de uma técnica que joga com a

diferença entre uso e menção (Possenti, 1998, p. 145), do simples uso de um elemento

surpresa (Possenti, 1998, p. 150), não necessariamente de uma ambigüidade. O humor

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baseado na palavra, segundo Possenti (1998, p. 92), não é um humor simples de ser tratado

do ponto de vista lingüístico.

Almeida (1999, p. 153) sintetiza a questão do humor da seguinte forma:

a alternância das posições eu/outro, crítico/criticado, comicizante/cômico faz do sucesso e do fracasso o verso e o reverso da mesma moeda, do alto e do baixo, situações necessárias à unidade; da morte, uma etapa do ciclo da vida; do fim, um novo ponto de partida. O rigor baseado em critérios de verdade é suplantado por sentimentos de relatividade e de temporalidade; a crítica abre espaço à tolerância e à compaixão. Dentro de um contexto social e histórico mais amplo, a verdade oficial e a seriedade surgem como visões parcializantes de um todo, fruto de incessantes tentativas de se controlar o mundo e o homem através das instituições. Esta é a dimensão mais nobre e terapêutica do humor, pois, além de constituir-se como um mecanismo de prazer, tem a vantagem de combater a exacerbação da vaidade, da ambição e do sentimento de levar-se tão a sério, mostrando ao homem a medida de seu próprio consolo, e dimensionando seu sucesso na proporção da sua própria dor.

Complementando as idéias de Almeida (1999), Vandaele (2002, p. 151) define o

que não é humor. Segundo este autor, o humor não é uma forma convencional de

expressão em que se atribui em sentidos a formas lingüísticas lexicalizadas; o humor não

se atribui a significantes, embora alguns itens lexicais (palavras ou sintagmas) sejam

convencionalmente considerados humorísticos; o humor não é necessariamente uma

conseqüência de sentidos literais meramente das frases, ou seja, de seu conteúdo

proposicional. Segundo o mesmo teórico (VANDAELE, 2002, p. 155), considerar uma

mensagem humorística significa simplesmente considerar a natureza séria de outras

mensagens. É geralmente aceito que o texto sério possua um grande número de

subgêneros, os quais possuem diferentes propósitos e efeitos: o texto informativo, o texto

emotivo, o texto instrutivo, o texto persuasivo etc. O humor, por outro lado, tanto pode ser

simplesmente considerado o efeito de um texto, assim como a seriedade dos textos sérios

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pode ser considerada como uma característica geral desse tipo de texto. Dessa forma, para

o teórico, o humor pode ser subdividido em tipos mais específicos: a sátira, a paródia etc.

Possenti (1998, p. 13), ao fazer um histórico sobre os estudos humorísticos afirma

que “são incontáveis os estudos sobre o humor”. Contudo, para o mesmo estudioso, a

maioria das obras que tratam do assunto envolvem questões filosóficas, psicológicas e

sociológicas, enquanto muito poucas tratam dos aspectos lingüísticos envolvidos na

produção do humor. Tais explicações, segundo Possenti (1998, p. 20), baseadas nos

campos sociológicos, psicológicos etc. tornaram-se banais e repetitivas.

Falta no campo do humor, segundo Possenti (1998, p. 14), “pontos de vista novos”,

ou seja, considerar as piadas a partir de um ponto de vista exclusivamente lingüístico, ou

seja, falta descrever o que é especificamente lingüístico na piada. Para tanto, dever-se-ia

explicar o “como” e não o “porquê” do humor, conforme se tem feito. Possenti (1998, p.

17) indica a necessidade de uma descrição das “chaves lingüísticas que são o meio que

desencadeia nosso riso”.

A partir de sua experiência, Possenti (1998, p. 20) conclui que não existe uma

lingüística do humor, posto que

não há uma lingüística que tenha tomado por base textos humorísticos para tentar descobrir o que faz com que um texto seja humorístico, do ponto de vista dos ingredientes lingüísticos; no caso de se concluir que o humor não tem origem lingüística, que ele não é da ordem da língua, não há uma lingüística que explicite ou organize os ingredientes lingüísticos que são acionados para que o humor se produza; e não há uma lingüística que se ocupe de decidir se os mecanismos explorados para a função humorística têm exclusivamente esta função ou se se trata do agenciamento circunstancial de um conjunto de fatores, cada um deles podendo ser responsável pela produção de outro tipo de efeito em outras circunstâncias ou em outros gêneros textuais.

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Possenti (1998, p. 21) argumenta que o que existe na verdade são lingüistas que

trabalham eventualmente sobre ou a partir de dados colhidos em texto humorísticos e, com

esses dados, pode-se discutir os efeitos produzidos nos níveis sintático, morfológico,

fonológico, pelas regras de conversação, inferências, pressuposições etc. Para o autor,

imaginar a existência de uma lingüística do humor implicaria a existência de um grupo de

humoristas ou produtores de piadas que decidissem apenas produzir textos de humor e que

explorassem determinado aspecto de determinada língua ou da linguagem, o que não existe

— os aspectos explorados pelo humor são os mais variados.

Para que as piadas se tornem importantes dentro do campo da ciência lingüística,

seria preciso, segundo Possenti (1998, p. 22), considerar os aspectos tipicamente

lingüísticos do humor, deixando em segundo plano — mas sem excluí-las — outras

questões que fossem relevantes. Dentro do âmbito lingüístico, a pergunta que a lingüística

deveria buscar responder é “qual a característica textual, verbal da piada?” (Possenti, 1998,

p. 23).

Além disso, Vandaele (2002, p. 155) afirma que há uma necessidade de ampliação

e refinamento do sentido do humor e, para isso, se faz necessária uma investigação do

humor em que se deve analisar suas causas lingüísticas ou não lingüísticas e seus efeitos

intencionais e não intencionais.

A próxima seção aborda a tradução do discurso humorístico.

4.2 A tradução do discurso humorístico

Segundo Vandaele (2002, p. 150), a existência do aspecto humorístico sugere que a

tradução do humor seja qualitativamente diferente de outros tipos de tradução. Para o

teórico, não se pode comparar a tradução do humor a outros tipos de tradução. Há quatro

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aspectos importantes para a tradução que se destacam ao se analisar o discurso

humorístico: a) o humor tem por conseqüência a manifestação/exteriorização do riso; b) há

de se distinguir entre a apreciação do humor e sua produção, posto que são duas

habilidades distintas; c) a apreciação do humor varia individualmente — um tradutor pode

identificar uma situação supostamente cômica e não considerá-la engraçada e d) a

racionalização do humor através do processo tradutório pode modificar o efeito do humor.

Vandaele (2002, p. 151), baseando-se nas teorias pragmática, dinâmica e funcional,

conclui que a equivalência tradutória pode ser concebida em termos cognitivos, mentais e

intencionais, como uma relação entre dois textos (fonte e alvo) capaz de produzir o mesmo

efeito ou um efeito similar, como resultado da reconstrução da intenção do texto fonte e na

recodificação no texto alvo pelo mesmo efeito intencional. O humor, segundo o autor, pode

ser facilmente reconstituído como efeito humorístico e, portanto, a tradução do humor teria

por objetivo alcançar o mesmo efeito humorístico alcançado pelo original.

Para Vandaele (2002, p. 165), a tradução é potencialmente uma atividade ética

enquanto comunicação informativa (a comunicação dita bona-fide), contudo, não é bem

assim no que se refere à tradução do humor. O humor pode constituir uma força muito

positiva, mas é potencialmente também um mecanismo retórico forte que não está muito

atrelado à ética. Para Vandaele (2002, p. 166), como conseqüência disso, não deve haver

regras éticas associadas à tradução do humor, mas é importante estabelecer regras quanto

às funções do humor.

Vandaele (2002, p. 168) ressalta que, embora não exista uma receita para o humor e

que o cômico derive de um processo semântico criativo induzido por qualquer significante

possível — existem padrões e sinais que têm potencial cômico — “humour moves in

mysterious but traceable ways” (VANDAELE, 2002, p. 170).

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Vandaele (2002, p. 170) aponta para o fato de que Barthes, Lévi-Strauss ou Freud

são as referências enquanto autoridades no âmbito dos estudos do humor como um

substituto pobre de estudos empíricos mais aprofundados. Assim, o teórico defende que os

estudos de caso devem continuar a ser conduzidos e não podem simplesmente ser

substituídos por um conhecimento comparativo da fonte e do alvo, pois nem sempre a

comparação dos modelos de competência da fonte e do alvo podem prever o desempenho

da tradução do humor.

A próxima subseção discute a possibilidade de tradução do discurso humorístico.

4.2.1 A possibilidade da tradução do discurso humorístico

Possenti (1998, p. 36) acredita que é possível traduzir algumas piadas e outras não,

posto que a tradução pode causar a perda da característica crucial da piada. Possenti (1998,

p. 43) afirma que existe um tipo de piada que não pode ser repetida, dita não-transcultural,

pois depende de fatores estritamente lingüísticos e, portanto, só pode funcionar no interior

de uma língua ou de línguas aparentadas. Essa idéia, conseqüentemente, reforça a

impossibilidade de tradução em determinados casos, uma vez que qualquer variação faria

da piada uma nova piada.

Segundo Schmitz (1996, p. 94), o humor é um fenômeno humano básico, que todas

as culturas, sociedades e classes sociais conhecem. É difícil, pois, pensar numa sociedade

ou grupo que não conheça alguma manifestação de humor. Conforme resenha o autor,

vários especialistas, respaldados por uma variada gama de disciplinas, têm estudado o

humor. Um dos pioneiros desse estudo é o psicanalista austríaco Sigmund Freud.

Antropólogos, sociólogos, psicólogos e mais recentemente lingüistas têm analisado o

humor e o papel dele na sociedade humana. Mas todas as idéias decorrentes desses

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pensamentos, conforme defende Possenti (1998, p. 14), não são originais, são pouco

práticas e deixam de lado a natureza lingüística do humor.

O teórico (SCHMITZ, 1996, p. 87), ao discorrer sobre a tradução do discurso

humorístico e da possibilidade de traduzi-lo, defende que essa empreitada é possível em

parte, assim como acredita Possenti (1998, p. 36). Segundo Schmitz (1996), não há

problemas quando o humor depende do contexto ou da situação. Por outro lado, quando o

humor envolve ambigüidade fonológica, semântica ou sintática, sua tradução fica mais

complicada devido às diferenças estruturais entre a língua-fonte e a língua-alvo. Ao mesmo

tempo, o autor acredita que a meta da tradução deve ser seu efeito geral, explicando que:

o critério para a tradução de piadas de uma determinada língua para outra não deve ser baseado na reconstrução de um determinado texto humorístico original. O essencial não é a fidelidade ao texto original mas o comprometimento de (re)criar um efeito humorístico na língua de chegada (SCHMITZ, 1996, p. 88).

Schmitz (1996, p. 88) afirma, ainda, que o humor constitui um discurso, ou melhor,

um gênero, bastante complexo, que está intimamente ligado à cultura de um povo. O que é

considerado engraçado é subjetivo, argumenta, posto que:

existem milhares de piadas, chistes e adivinhações para todos os gostos. Há indivíduos que dificilmente apreciam o humor de um determinado tipo de piada. Outros que não toleram as piadas, tachando-as com os adjetivos “infantis”, “ridículas”, “horríveis”, ou “infames”. Por outro lado há aqueles que se deleitam com uma piada ou uma história humorística. Alguns falantes inventam piadas, guardando-as na memória, para usar num momento adequado. Em certas situações conversacionais, a piada serve para ajudar os participantes, facilitando a interação e promovendo solidariedade entre os mesmos. (SCHMITZ, 1996, p. 88)

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Schmitz (1996, p. 89) aponta para o fato de que há casos de humor possíveis de

traduzir e outros difíceis ou até impossíveis de traduzir sem uma recriação total da situação

ou conteúdo humorístico. Por exemplo, segundo o autor, nem sempre uma determinada

língua tem os recursos lexicais necessários para um jogo de palavras engraçado. Para

elaborar uma tradução na qual o humor do original é mantido, seria necessária uma

reestruturação junto com uma boa dose de criatividade por parte do tradutor. O autor

defende a idéia de que o essencial nesse tipo de tradução é reconstruir ou recriar um efeito

humorístico na própria língua-alvo, ainda que haja mudanças mínimas ou mesmo drásticas

nessa língua. Daí se vê que

é plenamente admissível mudanças do tema e também da situação do chiste ou piada, pois a fidelidade ao texto original e a insistência no significado único do mesmo não procedem. Esta postura conduz em certos casos até uma troca de piada, especialmente quando o tradutor não encontra recursos adequados na língua de chegada. (SCHMITZ, 1996, p. 92)

Brezolin (1997, p. 15) produz um artigo com o objetivo de criticar as idéias de

Schmitz (1996) apresentadas anteriormente. Em seu estudo, Brezolin (1997) defende a

idéia de que é possível traduzir o humor, assim como é possível ensinar a traduzi-lo,

resguardadas as devidas dificuldades inerentes ao ato tradutório. O autor acredita que há

procedimentos a serem seguidos de modo a recuperar mecanismos lingüísticos,

pragmáticos e culturais, e manter o mesmo, ou quase o mesmo, efeito humorístico no texto

traduzido.

Ambos autores concordam com o fato de que o texto humorístico constitui um

grande desafio para os tradutores. Porém, não existe um consenso entre ambos e até

mesmo entre vários autores com relação à possibilidade de tradução desse tipo de texto.

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As piadas, segundo Brezolin (1997, p. 16), constituem um universo textual

completo, que permite ao tradutor conhecer o texto todo. Além desse pressuposto, o autor

se preocupa com a resposta para a pergunta: “é possível traduzir o humor?”. Segundo o

autor, a resposta é “sim”, desde que

tenha sido o humor criado com base no contexto ou situação, ou num mecanismo lingüístico (fonológico, semântico ou sintático), a tradução do humor sempre será uma tarefa difícil, tão difícil quanto traduzir qualquer outro tipo de texto, porém praticável (BREZOLIN, 1997, p. 17).

Para o autor, traduzir um texto humorístico ou não-humorístico não se baseia em

teorias de tradução que tentam, a todo custo, recuperar o significado do original. Uma

visão adequada, segundo o teórico, visa tentar percorrer caminhos que desmascaram a

ilusão de que se pode compreender o original somente por intermédio dos significantes

analisados na hora da leitura.

O significado do texto fonte está muito mais naquele que o lê, pois esse texto

começa apenas a existir no momento em que está sendo lido. Arrojo (1992, p. 78)

corrobora essa idéia ao dizer que “qualquer tradução, por mais simples e despretensiosa

que seja, traz consigo as marcas de sua realização: o tempo, a história, as circunstâncias, os

objetivos e a perspectiva de seu realizador”. De acordo com a teórica (ARROJO, 1992, p.

78), toda tradução revela sua origem numa interpretação exatamente porque o texto de que

parte, o chamado “original”, somente vive através de uma leitura que será sempre e

necessariamente também produto da perspectiva e das circunstâncias em que ocorre.

Para Brezolin (1997, p. 18), o que torna viável a tradução de uma piada, assim

como outros tipos de texto, é necessariamente uma concepção de tradução que, além de

prever as várias interpretações de cada leitor, aceita o recurso de recriação como a única

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saída para alguns casos, como, por exemplo, um texto em que o humor ocorre em nível

fonológico.

A tradução de piadas, para Brezolin (1997, p. 19), não deve apenas refletir uma

preocupação com o desafio que representa esse tipo de texto, mas também com as

imposições criadas pela estrutura das línguas envolvidas. As piadas possuem diferentes

mecanismos em suas estruturas internas, e determinados elementos criam o humor.

Diversos aspectos, tanto culturais quanto lingüísticos, na língua fonte podem ser trazidos à

discussão antes de se buscar uma solução na língua alvo.

Para Brezolin (1997, p. 19), o resultado de uma tradução está intimamente ligado

aos objetivos a que esta se propõe. Portanto, conclui o autor, o tradutor deve construir um

leitor antes de iniciar a tradução.

Não há grandes dificuldades para a tradução de piadas em que o humor depende do

contexto ou da situação, tanto para Schmitz (1996) quanto para Brezolin (1997). Por outro

lado, acreditam, piadas baseadas em itens lexicais, morfológicos e/ou fonológicos

requerem um tratamento mais elaborado por parte do leitor/ouvinte, pois o humor reside

em aspectos lingüísticos e, portanto, mais difíceis de traduzir. Segundo Brezolin (1997, p.

25), uma vez que se detecta o mecanismo utilizado na piada original, basta buscar um

outro igualmente eficaz na língua de chegada.

Brezolin (1997, p. 29) conclui que o humor pode ser tanto traduzido quanto

ensinado, contanto que se tenha o cuidado de deixar claros alguns fatores, ou seja, para que

o humor seja traduzido e, principalmente, mantido, é necessário que o tradutor: conheça as

línguas envolvidas muito bem para perceber onde a regra está sendo rompida para criar o

humor; tenha interpretado e compreendido o conteúdo da piada, fazendo uso de bom senso

e inteligência e tenha se expressado considerando não apenas os padrões da língua alvo,

mas também as necessidades do público-alvo.

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A próxima subseção apresenta a Teoria do Humor Verbal e a relaciona à questão da

tradução do texto humorístico.

4.2.2 A Teoria do Humor Verbal e a tradução do texto humorístico

Segundo Attardo (2002, p. 173-174), consoante com Vandaele (2002), a tradução

envolve a conservação do sentido através das línguas — essa definição assume, portanto, a

idéia de que o discurso ou a escrita modificados da língua fonte para a língua alvo mantêm-

se constantes. A persistência do sentido entre o que foi dito/escrito na língua fonte e o que

foi produzido na língua alvo é crucial para o processo de tradução. Para o teórico, a

persistência do sentido é a essência da tradução, o que requer um teste de coerência. Um

teste adequado baseia-se na seguinte proposição, segundo Attardo (2002, p. 175): uma

correspondência entre dois textos T1 e T2, de modo que o sentido (M) de T1 (MT1) e o

sentido de T2 (MT2) sejam similares (aproximados) em que MT1 ≈ MT2 e/ou a força

pragmática (F) de T1 (FT1) e a força pragmática de T2 (FT2) sejam similares/aproximadas

em que FT1 ≈ FT2.

A partir dessas considerações, Attardo (2002, p. 176) desenvolve a Teoria Geral do

Humor Verbal, que é uma revisão e também uma extensão da Teoria do Script Semântico

do Humor, que foi desenvolvida pelo próprio autor com o auxílio de Victor Raskin7. A

primeira incorpora esta última e, do ponto de vista dessas teorias, a piada pode ser vista

como um conjunto de seis elementos cujos parâmetros são: a linguagem, a estratégia

narrativa, o alvo, a situação, o mecanismo lógico e a oposição de scripts. Assim, para a

Teoria Geral do Humor, uma piada constitui-se da seguinte forma: PIADA {LI

7 ATTARDO, Salvatore (1994). Linguistic Theories of Humor, Mouton de Gruyter: Berlin; ATTARDO, Salvatore (2001). Humorous Texts: A Semantic and Pragmatic Analysis. Mouton de Gruyter: Berlin; ATTARDO, Salvatore, and

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(linguagem), EN (estratégia narrativa), AL (alvo), SI (situação), ML (mecanismo lógico),

OS (oposição de script)}. Na verdade, esses recursos, denominados Recursos de

Conhecimento (RC) são organizados hierarquicamente:

OS (Oposição de Scripts) ↓ ML (Mecanismo Lógico) ↓ SI (Situação) ↓ AL (Alvo) ↓ EN (Estratégia Narrativa) ↓ LI (Linguagem)

Attardo (2002) define cada um desses recursos como se segue:

a) LI, ou seja a Linguagem, (ATTARDO, 2002, p. 176) é o Recurso de Conhecimento

que contém toda a informação necessária para a verbalização de um texto. É

responsável pela formatação e pela organização dos elementos funcionais que o

constituem. É importante ressaltar que qualquer frase pode ser reescrita de uma forma

diferente (por meio de sinônimos, outras construções sintáticas etc.) — logo, qualquer

piada pode ser reescrita em um grande número de formas sem a mudança de seu

sentido semântico. Dessa forma, segundo o teórico, qualquer paráfrase ou reescrita que

preserve o sentido é considerado um exemplo de uma mesma piada. Conforme analisa

Attardo (2002, p. 185), a abordagem mais simples para uma tradução é “substituir a

linguagem na língua alvo pela linguagem na língua fonte”. Obviamente que certa

liberdade é permitida de modo que a função pragmática seja primeiramente preservada

RASKIN, Victor (1991), p. 293-347. Script Theory Revis(it)ed: Joke Similarly and Joke Representation Model. In: Humor 4 (3-4).

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em comparação à função semântica. Como exemplo de piada que ilustre esse aspecto, o

autor cita: How many Poles does it take to screw in a light bulb? Five, one to hold the

light bulb and four to turn the table; que também pode ser reescrita da seguinte

maneira: The number of Polacks needed to screw in a light bulb? Five – one to hold the

bulb and four to turn the table.

Conforme Attardo (2002, p. 177), nas piadas consideradas verbais (em oposição às

referenciais), a exata constituição do desfecho e/ou do conector verbal — que é o elemento

ambíguo que ocorre no texto da piada anterior ao próprio desfecho — é extremamente

importante para que um elemento lingüístico seja ambíguo e conecte os dois sentidos

opostos no texto. Tanto a piada verbal quanto a piada referencial comportam-se

identicamente com relação a esse Recurso de Conhecimento.

b) Segundo Attardo (2002, p. 178), a EN, Estratégia Narrativa, é a informação no Recurso

de Conhecimento que se refere ao fato de que qualquer piada deve ser constituída por

uma forma de organização narrativa, como um diálogo, uma (pseudo)charada, um

aparte na conversa etc. Cabe ressaltar que toda piada é narrativa, mas nem toda forma

de humor o é. O autor aponta para o fato de que não há inventários sobre os gêneros do

humor, e seria interessante um levantamento desse tipo (necessidade apontada por

Vandaele, 2002). Teorizando sobre esse Recurso de Conhecimento, para Attardo

(2002, p. 186), não há quase necessidade de se modificar a estratégia narrativa de uma

piada, pois a estrutura narrativa não depende da língua especificamente. Algumas

formas narrativas podem ser únicas ou preferíveis por uma determinada língua.

Segundo Attardo (2002, p. 186), é importante para o tradutor respeitar a estrutura

interna do Recurso de Conhecimento e perceber/avaliar que algumas formas narrativas

são intraduzíveis para o inglês ou do inglês para outras línguas, como por exemplo as

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piadas de knock-knock. Assim, ao traduzir, o tradutor deve procurar uma estratégia

narrativa que mais se aproxime daquela na língua para a qual se traduz, quando não é

possível uma correspondência mais direta.

c) O parâmetro AL, o Alvo, conforme Attardo (2002, p. 178) seleciona os grupos ou

indivíduos, instituições ou padrão sociais estabelecidos (o casamento, o amor

romântico etc.), ou seja, estereótipos (humorísticos). Essa escolha pode ser um

parâmetro opcional, porém as piadas não socialmente agressivas (que não ridicularizam

algo ou alguém) possuem um valor vazio para esse parâmetro. Attardo (2002, p. 186-

187) aponta para o fato de que é importante ressaltar que diferentes grupos escolhem

diferentes alvos para a prática do humor e que cada grupo é alvo devido a

características particulares; é difícil encontrar piadas que envolvem mais de uma

característica ou mais de um grupo ao mesmo tempo. Por exemplo, a piada

estereotipada do “idiota” nos Estados Unidos tem por alvo os poloneses, enquanto na

França o alvo são os belgas, e os calabreses na Itália.

d) A SI, ou seja, a Situação, para Attardo (2002, p. 179) determina que qualquer piada

deve ser sobre algum assunto (trocar uma lâmpada, atravessar a rua, jogar golfe etc.) A

situação da piada pode ser considerada como a sustentação desse texto: são os objetos,

os participantes, os instrumentos, as atividades etc. Obviamente que a sustentação da

piada geralmente deriva dos scripts ativados no texto. Qualquer piada deve ter uma

situação, embora algumas piadas se apóiem mais nessa situação, enquanto outras irão

ignorá-la. O Recurso de Conhecimento da situação não é exclusivo das piadas — é

uma função compartilhada pelos textos humorísticos e não-humorísticos. Attardo

(2002, p. 187-188) aponta para o fato de que pode haver situações de humor que não

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podem ser reconstruídas na língua da tradução. Dessa forma, uma boa solução é

substituir a situação ofensiva por outra, enquanto se respeita os outros Recursos de

Conhecimento.

e) Para Attardo (2002, p. 179-180), o ML, Mecanismo Lógico, é o parâmetro mais

problemático. Este mecanismo está em uma posição errada em relação ao Recurso de

Conhecimento imediatamente antes da situação, mas funciona bem com relação a todos

os Recursos de Conhecimento. O mecanismo lógico incorpora a resolução da

incongruência e como a resolução é opcional no humor (como no nonsense e no

absurdo) esse mecanismo também poderia ser opcional. Alguns estudos determinam a

existência de cerca de 20 tipos diferentes de mecanismos lógicos. Esse parâmetro

incorpora uma lógica local, isto é, uma lógica distorcida, uma lógica divertida que não

necessariamente existe fora do universo da piada. São exemplos de mecanismos

lógicos: inversão de papéis, troca de papéis, mapeamento de potência, reverso no vazio,

justaposição, quiasmo, “garden-path” (indução ao erro), inversão de figura-base,

raciocínio ilógico, “quase-situações”, analogia, questionamento do eu, inferência de

conseqüências, raciocínio a partir de uma premissa falsa, falta de conexão,

coincidência, paralelismo, paralelismo implícito, proporção, ignorância do óbvio, falsa

analogia, exagero, restrição de campo, cratilismo, meta humor, ciclo vicioso e

ambigüidade referencial. Conforme Attardo (2002, p. 181), os mecanismos lógicos

podem variar desde simples justaposições a erros de lógica mais complexos. Attardo

(2002, p. 188) aponta que é mais fácil traduzir mecanismos lógicos não verbais, posto

que envolvem processos lógico-dedutivos abstratos que são obviamente independentes

da língua.

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f) O parâmetro da Oposição de Script, OS, lida com a necessidade de

sobreposição/oposição de script desenvolvida pela Teoria do Script Semântico do

Humor de Raskin (1985, apud Attardo, 2002, p. 181-1828). Attardo (2002, p. 181) faz

um apanhado dos pontos mais relevantes sobre essa teoria em seu texto: um script é um

conjunto complexo de informações sobre determinado assunto; por exemplo, um objeto

(real ou imaginário), um evento, uma ação, uma qualidade, etc. Além disso, o script

constitui uma estrutura cognitiva internalizada pelo indivíduo que fornece a informação

de como o mundo é organizado, e como se age nele. É, portanto, um objeto semântico

que pode ser comparado à idéia de repertório de Even-Zohar (1990, p. 17), no sentido

de que os repertórios determinam as ações dos indivíduos. Attardo ainda ressalta que

durante o processo de combinação de scripts é possível que partes do texto sejam

compatíveis com mais de uma leitura, ou melhor, com mais de um script. Por exemplo,

uma situação que envolva alguém que se levanta, prepara o café da manhã, deixa sua

casa, etc. pode ser compatível com o script de “ir ao trabalho” como o de “viajar”,

logo, há partes do texto que podem ser compatíveis com mais de um grupo semântico.

Cabe ainda ressaltar que a sobreposição de dois scripts não necessariamente provoca o

humor, para que isso ocorra, os dois scripts que se sobrepõem devem possuir um

elemento de oposição. É também importante notar que nem todas as línguas possuem

os mesmos scripts disponíveis para o humor.

Attardo (2002, p. 188) ressalta que, quando duas piadas diferem na oposição de

scripts, são percebidas como muito diferentes. Assim, considera, o tradutor deve tentar

evitar ao máximo mudar a oposição de scripts, caso seja possível o uso dessa oposição

naquela determinada língua.

8 RASKIN, Victor (1985) Semantic Mechanism of Humor, Dordrecht, Boston & Lancaster: D. Reidel.

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De acordo com Attardo (2002, p. 183-184), a medida da diferença entre piadas

segue a hierarquia dos Recursos de Conhecimento, ou seja, duas piadas que se diferenciam

em linguagem são consideradas bem parecidas, enquanto piadas que diferem na oposição

de scripts são consideradas bem diferentes uma da outra. O grau da diferença é percebido

linearmente, ou seja, percebem-se menos diferenças em piadas que diferem na estratégia

narrativa do que nas piadas que diferem em oposição de script. Dessa forma, conforme

avalia o autor, ao se traduzir um texto humorístico, é recomendável que se respeite todos

os seis Recursos de Conhecimento em sua tradução e, se for realmente necessário, permita-

se que a tradução diferencie-se no nível mais baixo por questões pragmáticas. A tradução

que respeita todos os seis Recursos de Conhecimento pode ser utópica e a tradução que não

respeita nenhum não pode ser considerada tradução.

Conforme avalia Attardo (2002, p. 188-189) a questão do script segundo a Teoria

do Script Semântico do Humor: caso um indivíduo não possua o script para didgeridoo

(um instrumento musical indígena australiano); logicamente não se poderá apreciar

nenhuma piada de didgeridoo. Inversamente, pode-se estar extremamente familiarizado

com o script de criança molestada e se recusar o uso desse script para propósitos

humorísticos. O que o tradutor deve ter em mente, segundo o teórico, é o fato de que a

tradução, mesmo livre, tem sucesso desde que o intérprete da piada cause o riso que o

falante busca. A tradução da piada se realizada de maneira funcional, ou seja, se

resguardadas as devidas proporções de efeito humorístico, será bem sucedida; do contrário,

ocorrerá a substituição de uma piada por outra, o que não constitui tradução propriamente

dita. Logo, é possível traduzir qualquer piada no nível pré-locucionário, pois o objetivo

nesse nível é a apreciação universal do humor.

Para Attardo (2002, p. 192), a aplicação da Teoria Geral do Humor Verbal na

tradução contribui para a idéia de que há uma certa medida de semelhança entre as piadas.

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Baseando-se nessa métrica, o tradutor pode estimar o quão diferente a piada traduzida é do

original, e ajustar sua estratégia de tradução adequadamente.

A subseção seguinte discute a questão da tradução lingüística e funcional do humor.

4.2.3 A tradução lingüística e funcional do humor

Dentro de sua proposta lingüística, Possenti (1998, p. 72) prevê uma forma de

análise do texto humorístico, em especial as piadas. Para uma interpretação cabal, o teórico

defende que é necessário acionar diversos tipos de fatores, e um deles é o que o autor

chama de fator epilingüístico. Esse termo se refere a qualquer operação ativa que o

intérprete efetua sobre dados lingüísticos, analisando-os de um certo modo. Uma das

operações possíveis é a segmentação alternativa da cadeia lingüística da piada. Essa

operação destina-se a descobrir morfemas ou formas de alguma maneira semelhantes a

eles, ou seja, partes da cadeia às quais usualmente se atribui ou se pode atribuir um sentido.

Para Possenti (1998, p. 72), entender uma piada não demanda apenas decodificar

um texto, mas interpretá-lo. As operações epilingüísticas resultam em duas versões do

“mesmo” enunciado. Existe a possibilidade de segmentações alternativas e de comparação

implícita (POSSENTI, 1998, p. 74). Ressalta o teórico que operações desse tipo podem ser

realizadas tanto em língua materna, quanto em enunciados de língua estrangeira, desde que

haja alguma semelhança de escrita ou fala que lhes forneça suporte.

Além disso, Possenti (1998, p. 93-94) discorre sobre a duplicidade de sentidos de

palavras ou de outro tipo qualquer de expressão que não depende jamais de uma ação

interpretativa livre do leitor, retomando a questão da interpretação da piada, que não pode

ser livre. O duplo sentido depende sempre de um princípio, de uma regra ou de uma teoria,

parecendo agir apenas localmente, mas que é sempre a mesma. Nos procedimentos de

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descoberta do duplo sentido, o autor defende a idéia de que se segue um princípio, uma

regra ou teoria. A operação de descoberta de sentidos inesperados é efetuada, de forma

talvez surpreendente, com base em uma “teoria” peculiar do sentido literal e de um método

de descoberta típico da lingüística estrutural, tendo em vista os objetivos, os efeitos de

sentido que a ocorrência desses dados procura.

Esse processo de descoberta, segundo Possenti (1998, p. 95), pode dar-se pela

aplicação de um procedimento lingüístico denominado método de comutação que consiste

na localização de um elemento funcional (significativo) e na sua substituição por outro —

ou por nada, caso em que se pode encontrar um exemplo de morfema zero. “Caso resultem

dessa operação unidades gramaticais e/ou de sentido, o processo propicia a descoberta de

uma unidade em uma língua. Do contrário, descobre-se que se trata de mera e coincidente

identidade material, sem papel estrutural e/ou significativo” (POSSENTI, 1998, p. 95).

Possenti (1998, p. 96) também constata que esse procedimento de segmentação

alternativa é um dos mais poderosos meios de produzir humor, já que produz a maioria dos

jogos de linguagem conhecidos. A regra, de acordo com Possenti (1998, p. 99) também

pode passar por um processo inverso em que um determinado significado que não possua

um significante “adequado” que o veicule passe a ter um novo; dessa forma, “o princípio

age para fazer com que seja adaptado um significante disponível e bastante semelhante

para que o veicule adequadamente”.

Tagnin (2001, p. 9), no prefácio do livro de Rosas (2002), contra-argumenta as

idéias de que “não há piada que resista a uma análise lingüística”, e de que “o humor

invariavelmente se perde na tradução”, apesar de haver várias opiniões que dão suporte a

essas concepções. O estudo de Rosas (2002), para Tagnin (2002), vai justamente contra as

idéias pré-concebidas sobre o humor. Segundo Tagnin (2002, p. 9), o humor deriva de uma

incongruência entre algo que é esperado e o que de fato ocorre — é o que se chama

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também de quebra de expectativa. Para ambas autoras, é possível recuperar ou até mesmo

superar o efeito humorístico na tradução. Dessa forma, além das questões lingüísticas, as

teóricas defendem que as questões culturais ganham a merecida relevância no processo

tradutório, demonstrando que o conhecimento partilhado é essencial para a compreensão e

transmissão do humor (Tagnin, 2001, p. 9). Essas idéias de tradução de humor, portanto,

estão situadas dentro de uma perspectiva funcional em que se argumenta que é possível

traduzir qualquer texto humorístico.

Rosas (2002, p. 11), ao analisar as piadas, enfatiza a importância de uma análise

lingüística. A autora define a piada como algo que “além de ser um texto breve, contém em

si todas as informações necessárias ao contexto que criam: trazem em si, princípio, meio e

fim.” A tradução, para Rosas (2002, p. 11), permite evidenciar com muita nitidez os

contornos dos mecanismos lingüísticos utilizados na produção do humor. A visão de

tradução defendida por Rosas (2002, p. 14) pressupõe “a indissociabilidade entre os

elementos lingüísticos e os culturais, a função do texto traduzido e o papel de intérprete

que cabe ao tradutor no cumprimento de sua tarefa.”

Segundo Rosas (2002, p. 16), a linguagem do humor constitui um campo de estudo

que implica necessariamente a multidisciplinaridade. Apesar de haver problemas com

relação aos estudos da tradução e do humor, como aponta Rosas (2002, p. 20), ambos os

campos “estão centrados na linguagem — e a linguagem, meio que o homem utiliza para

construir sua relação com o mundo, é uma forma individual de expressão, por mais que

também seja social e coletiva.” Daí a complexidade de ambos os campos de estudos, pois

envolvem diversas disciplinas para uma compreensão mais ampla e adequada (ROSAS

2002, p. 17).

Isso explica, segundo a autora, as dificuldades a que estiveram submetidos os

estudos teóricos das áreas em questão, assim como indicado por outros autores. Houve

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problemas advindos da influência da lingüística descritiva (estruturalista e gerativista) que

excluíram os estudos das questões semânticas e problemas advindos do preconceito para

com o humor, que é considerado um campo de estudo menor no âmbito acadêmico (Rosas

2002, p. 17-18). Uma outra dificuldade para esses estudos diz respeito à questão da

produção do sentido, que necessariamente envolve o problema da interpretação, fator

essencial ao estudo do humor e da tradução (ROSAS, 2002, p. 20). Segundo a autora, hoje

se admite que a interpretação seja condicionada por contingências culturais, econômicas,

sociais, ideológicas, históricas e por toda sorte de idiossincrasias (ROSAS 2002, p. 20).

É importante ressaltar, no âmbito dos estudos do humor, que, para Rosas (2002, p.

35),

embora possam transmitir informação confiável, todas as piadas, sem exceção, se inserem no modo de comunicação não-confiável. Por conseguinte, o emissor não se compromete com a verdade de sua mensagem — nem está interessado em fornecer muita informação ao receptor. Pelo contrário, valendo-se do conhecimento compartilhado — aquilo que em inglês se diz shared

knowledge, ou seja, um sistema de referências e interdições comum aos membros de uma determinada cultura —, o emissor elabora ou, simplesmente, veicula um discurso cujas lacunas serão preenchidas de um modo que ele pode prever com razoável segurança. Assim, o ouvinte previsível e necessariamente coopera, buscando encontrar as informações que faltam em um universo de expectativas do qual tanto ele quanto o falante partilham, já que pertencem à mesma comunidade interpretativa.

Além disso, para Rosas (2002, p. 21), a leitura, conforme as assunções

interpretativas que a precedem, é capaz de produzir significação independente do texto em

si ou da intenção que o autor possa ter pretendido. Para Rosas (2002, p. 23), “a

interpretação constitui elemento chave na decodificação da linguagem humorística,” assim

como o senso de humor, que “se encontra na dependência de diversos fatores sociais e

também individuais” (Rosas 2002, p. 23). A decodificação de um discurso humorístico em

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seu contexto original, sua transferência para um ambiente diferente e, muitas vezes,

discrepante em termos lingüísticos e culturais, e sua reformulação em um novo enunciado

que tenha sucesso na recaptura da intenção da mensagem humorística original, suscita no

público alvo uma reação de prazer e divertimento equivalentes. Essa decodificação deve

ser entendida simplesmente como uma das condições para o sucesso da comunicação. O

receptor/intérprete/tradutor precisa dispor de informações lingüísticas e culturais

suficientes para saber por que um determinado enunciado poderia ser considerado

engraçado. E para dar-se conta de que, de seu ponto de vista, a intenção da mensagem

humorística original tem importância secundária diante do efeito dessa mensagem.

Em linhas gerais, Rosas (2002, p. 55) afirma que a tradução do humor, dentro de

uma perspectiva funcional, repousa na possibilidade de recriação de um efeito análogo

com meios que, a começar pelas línguas, têm de ser diferentes. O duplo sentido, a

bitextualidade, no texto fonte, deve ser recriado, portanto, no texto alvo.

Em sua análise da tradução de piadas, Rosas (2002, p. 57) subdivide o processo

tradutório em quatro grandes grupos: a) casos de tradução literal: são os casos em que as

piadas não dependem de fatores estritamente lingüísticos, e geralmente baseiam-se na

situação e/ou fatores culturais — geralmente não apresentam dificuldade para a realização

da tradução; b) casos de coincidência lingüística: casos que envolvem um tipo de humor

baseado em aspectos verbais, mas em que há equivalência de estruturas ou sentidos entre

os elementos chave nas línguas/culturas envolvidas, assim como no item a), não

apresentam grandes problemas de tradução; c) casos de falta de correspondência entre

línguas: este caso envolve situações em que não há compartilhamento de referências

culturais, não há nenhuma equivalência no nível lingüístico, e geralmente causam

problemas para a tradução, devendo o tradutor valer-se da tradução funcional; e d) casos

culturais e de tradução não-literal: neste caso as piadas exigem do leitor algum

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conhecimento das línguas para entender as piadas, o leitor deve se valer de processos

epilingüísticos para interpretar a piada.

A subseção seguinte explora a questão das traduções do jogo de palavras.

4.2.4 A tradução do jogo de palavras

Para Cuddon (1977, p. 530), o trocadilho é uma figura de linguagem que envolve

um jogo de palavras e advém do termo grego “paronomásia”. Pode, ainda, possuir uma

intenção humorística ou não. Conforme define Delabastita (1996, p. 128), o trocadilho ou

jogo de palavras é

um nome geral para vários fenômenos textuais nos quais as características estruturais da(s) língua(s) utilizada(s) são exploradas a fim de se provocar um confronto significante de maneira comunicativa de duas (ou mais) estruturas lingüísticas com formas mais ou menos similares e sentidos mais ou menos diferentes.

Para o teórico, o jogo de palavras contrasta estruturas lingüísticas com sentidos

diferentes com base em sua semelhança formal. A relação pode ser especificada

posteriormente enquanto homonímia (sons e ortografia idênticos), homofonia (sons

idênticos com ortografia diferenciada), homografia (sons diferentes com ortografia

semelhante) e paronímia (pequenas diferenças tanto na ortografia quanto nos sons). Além

disso, as duas estruturas lingüísticas similares na forma podem chocar-se associativamente

ao estarem co-presentes em uma mesma porção de texto (jogo de palavras vertical), ou

podem estar em relação de contiguidade ao acontecerem uma após a outra no texto (jogo

de palavras horizontal).

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Conforme explica Delabastita (1996, p. 129), o contexto pode ser verbal ou

situacional (definidos por Almeida [1999] como espírito de palavra e espírito de

pensamento). Os contextos verbais, segundo a experiência, demandam uma boa formação

gramatical. Já os contextos situacionais são cruciais para o funcionamento do jogo de

palavras, pois ativam um sentido secundário do texto verbal que o acompanha. Além disso,

o teórico ressalta que os jogos de palavras não apenas existem por virtude dos textos, mas

funcionam também dentro do texto em uma variedade de formas — como a adição à

coerência temática do texto, a produção de humor, a demanda de uma maior atenção do

leitor/ouvinte, a adição de força persuasiva à declaração, a indução a uma outra idéia do

nosso reflexo condicionado socialmente contra tabus, dentre outras.

Para Delabastita (1996, p. 130-131), alguns dos recursos explorados pelo criador do

jogo de palavras são:

a) a estrutura grafológica e fonológica: apesar de as línguas possuírem um número

bem limitado de fonemas e grafemas que podem ocorrer em limitado número de

combinações, há a possibilidade da existência de vários pares de palavras sem

qualquer relação que possuem uma forma idêntica ou semelhante. No jogo de

sons (como nas aliterações, nas assonâncias e nas consonâncias), o som fornece

a base para a associação verbal como no exemplo do teórico: love at first bite,

que deriva de love at first sight; enquanto o jogo de palavras anagramático

baseia-se na grafia, como no exemplo: Madame Curie: radium came.

b) a estrutura lexical (polissemia): as línguas possuem várias palavras

polissêmicas, ou seja, palavras com sentidos diferentes que geralmente derivam

da mesma raiz semântica e ainda estão relacionadas de alguma forma, como por

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metonímia, como em Bilingualism: tongues meeting in lovers’ mouths; ou por

metáfora, como em What’s this that got a heart in its head? A lettuce, ou por

especialização, como no exemplo: Surfers do it standing up.

c) a estrutura lexical (expressão idiomática): as línguas contêm muitas expressões,

ou seja, combinações de palavras que possuem um sentido total que tem suas

bases na história, mas que não pode ser reduzido a combinações dos sentidos

dos seus componentes. É a distância entre o sentido normal e não

composicional da expressão e sua leitura composicional ou literal que permite o

jogo de palavras como em Britain going metric: give them an inch and they’ll

take our mile.

d) a estrutura morfológica: muitas palavras derivadas e compostas acabam por se

tornar parte do vocabulário e podem, nesse processo, perder parte de sua

transparência original. A palavra breakfast já não é mais analisada pelos seus

constituintes (históricos), mas considerada como um único morfema. O

resultado disso implica numa distinção entre o sentido total aceito de tais

palavras e seu sentido quando interpretada em termos das palavras integrantes e

das regras morfológicas como em I can’t find the oranges, said Tom fruitlessly.

Na maioria dos jogos de palavras morfológicos as palavras são construídas

como palavras compostas ou derivadas de modo que a etimologia esteja

incorreta, mas seja semanticamente eficaz como em Is life worth living? It

depends upon the liver.

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e) a estrutura sintática: as diferentes gramáticas construirão sintagmas e frases que

podem ser decompostos gramaticalmente em mais de uma forma. Dessa

maneira, o slogan “Players Please”, pode ser lido com um pedido a um

vendedor, ou uma declaração em elogio a essa marca de cigarros.

Para Delabastita (1996, p. 131), uma ou mais dessas características lingüísticas

podem ser aproveitadas simultaneamente a fim de se construir um único jogo de palavras,

ou até mesmo pode-se juntar material lingüístico de outras duas ou até mesmo mais

línguas, o que constitui um jogo de palavras multilíngüe.

Segundo Attardo (2002, p. 189-190), a Teoria Geral do Humor Verbal estipula que

os trocadilhos tenham um tratamento diferenciado de outras formas de humor. Assim, se o

mecanismo lógico pede itens com um par de parônimos, apenas aqueles itens que possuem

estrutura superficial suficientemente mais próximas serão aceitos. Ou seja, a Teoria Geral

do Humor Verbal permite um alto grau de liberdade aos Recursos de Conhecimento mais

baixos da escala (a linguagem e a estrutura narrativa) contanto que se assegurem os níveis

mais altos dos Recursos de Conhecimento (a oposição de scripts, e o mecanismo lógico). A

partir da Teoria Geral do Humor Verbal, deve-se tentar preservar toda a semelhança entre

os textos, começando pela linguagem e, caso seja impossível, deve-se preservar a oposição

de scripts do original. Para o autor, nem todos os Recurso de Conhecimento podem ser

preservados, pois todos dependem de detalhes de características lingüísticas envolvidas no

mecanismo lógico do jogo de palavras. Contudo, é importante respeitar os Recursos de

Conhecimento mais baixos.

À questão “é possível traduzir um trocadilho?”, Attardo (2002, p. 190) responde

que depende. Cada trocadilho irá consistir de um grupo de características diferentes que

pode ou não ser equiparado na estrutura e/ou texto da língua alvo. Os trocadilhos que

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exibem, na língua fonte, um grupo de características que é coerente com o grupo de

características da língua alvo, de modo que os objetivos pragmáticos da tradução sejam

alcançados, serão traduzíveis. Caso ocorra o inverso, a tradução não será possível.

Conseqüentemente, Attardo (2002, p. 190-191) discute que a tradução absoluta de um

texto é impossível — ou seja, uma tradução que corresponda em todos os aspectos

(conotativo e denotativo) ao texto na língua fonte. Um trocadilho pode depender de um

aspecto específico da forma do texto e, assim, o tradutor deve ser capaz de transferir todos

os aspectos do texto, não apenas sua semântica/pragmática. Para Delabastita (1996, p.

135), muitos jogos de palavras não podem ser transpostos sem modificações substanciais.

Muitas vezes, até mesmo o ambiente textual mais amplo deve ser alterado, ou um novo

contexto deve ser construído para que o trocadilho seja possível no texto alvo.

Ao responder a pergunta “o trocadilho é traduzível?”, Delabastita (1996, p. 127)

cautelosamente responde que depende do tipo de tradução que se tem em mente, ou da

posição em que o indivíduo se coloca frente à tradução, como a de professor de tradução,

de um profissional da área, de um crítico, de um teórico, de um historiador, de um filósofo

da linguagem. Para Delabastita (1996, p. 134), quando se diz que um jogo de palavras não

é traduzível, isso significa que nenhuma das soluções que o autor propõe satisfaz os

requisitos da equivalência de tradução.

Para Delabastita (1996, p. 133), ao se focar no jogo de palavras e na ambigüidade

como fatos do texto fonte e/ou do texto alvo, pode-se ficar tentado a dizer que o trocadilho

e a tradução são quase incompatíveis. Quando o trocadilho não é significante ou não

intencional, espera-se que os tradutores livrem-se do recurso para se evitarem

inconsistências. Por outro lado, quando o trocadilho é relevante no texto original, deve ser

preservado em vez de eliminado. O autor, em momento algum, defende a idéia da

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intraduzibilidade do jogo de palavras, e propõe uma ampla variedade de métodos que estão

à disposição do tradutor (DELABASTITA, 1996, p. 134):

a) TROCADILHO → TROCADILHO: quando o jogo de palavras do texto fonte é

traduzido por um jogo de palavras no texto alvo, que pode ser mais ou menos

diferente do trocadilho original em termos de estrutura formal, semântica, ou

função textual;

b) TROCADILHO → NÃO TROCADILHO: o jogo de palavras é traduzido por

um sintagma que não constitui um jogo de palavras, mas mantém ambos os

sentidos, ou é selecionado um dos sentidos suprimindo-se o outro; é possível

que ambos os componentes do jogo de palavras sejam traduzidos de maneira

irreconhecível;

c) TROCADILHO → RECURSO RETÓRICO AFIM: o jogo de palavras é

substituído por um outro recurso (repetição, aliteração, rima, falta de clareza

referencial, ironia, paradoxo etc.) que tem por objetivo recapturar o efeito do

jogo de palavras no texto fonte;

d) TROCADILHO → ZERO: a parte do texto que contém o jogo de palavras é

omitida;

e) TROCADILHO TF = TROCADILHO TA: o tradutor reproduz o jogo de

palavras do texto fonte no texto alvo, e, possivelmente, seu entorno imediato;

ou seja, sem realmente traduzir;

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f) NÃO-TROCADILHO → TROCADILHO: o tradutor introduz um jogo de

palavras em posições textuais onde o texto original não possui um jogo de

palavras, por meio de uma compensação onde se perdeu um trocadilho em outro

momento do texto, ou por qualquer outra razão;

g) ZERO → TROCADILHO: um material totalmente novo é inserido, o qual

contém um jogo de palavras e que não tem justificação aparente no texto fonte a

não ser como um recurso de compensação;

h) TÉCNICAS EDITORIAIS: notas de rodapé ou no fim do texto, comentários

fornecidos pelas palavras do tradutor num prefácio, apresentações antológicas

de soluções supostamente complementares, diferentes para um mesmo

problema do texto fonte etc.

Para Delabastita (1996, p. 134), todas essas técnicas podem ser combinadas em

uma variedade de formas: como no seguinte caso – a supressão de um jogo de palavras

(TROCADILHO → NÃO-TROCADILHO), seguida de uma explicação da razão

(TÉCNICA EDITORIAL) e com uma posterior compensação de um jogo de palavra em

um outro momento do texto (NÃO-TROCADILHO → TROCADILHO).

Pode-se comparar a análise feita por Delabastita (1996) à de Toury (1985, p. 26) em

que se avalia a metáfora como um problema de tradução. Tradicionalmente, para este

autor, a natureza do fenômeno lingüístico-textual da metáfora enquanto problema sempre

fora estabelecida no pólo fonte, ou seja, na base da metáfora da língua fonte. E, como

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conseqüência dessa abordagem, os pares “problema + solução” estabelecidos pelos

teóricos que seguem essa linha de raciocínio, na sua época, eram três:

a) metáfora transformada na mesma metáfora;

b) metáfora transformada numa metáfora diferente e

c) metáfora transformada em uma não-metáfora.

Para Toury (1985), existe ainda uma outra alternativa um tanto comum, porém

menos aceita que é a da:

d) metáfora transformada em ∅ (ou seja, omissão completa).9

Contudo, do ponto de vista dos Estudos Descritivos da Tradução, esses quatro pares

“problema + solução” devem ser suplementados pelas duas alternativas inversas:

e) não-metáfora transformada em metáfora e

f) ∅ (omissão completa) transformada em metáfora.

Segundo o autor (TOURY, 1985, p. 27) os itens e e f podem explicar a descrição de

um possível mecanismo de compensação caso este esteja ativo no corpus estudado. Essas

últimas alternativas, para o autor, também podem levar à formulação de outras hipóteses de

natureza elucidativa e descritiva — como, por exemplo, a hipótese de que o uso das

9 Segundo Toury (1985, p. 27), alguns teóricos relutam em aceitar omissões como sendo soluções legítimas.

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metáforas no texto alvo é dificultado por certas normas originadas no sistema alvo, ou seja,

não há nenhuma influência do texto fonte propriamente.

4.2.5 A tradução do trocadilho elizabetano

Para Martins (2004, p. 128) a identificação do trocadilho, bem como de qualquer

outro recurso poético “reside no ouvido (ou na mente) de quem o escuta (ou lê)”. Desta

forma, a autora aponta para o fato de que há oscilações na concepção e na identificação

desse recurso, pois sua interpretação varia de acordo com as estratégias de leitura vigente,

com o prestígio de tais manifestações em determinada época e com a bagagem cultural que

pode levar a produzir sentidos diferentes e contemporâneos. Contudo, argumenta, essa

existência de uma fluidez em relação ao trocadilho não impede que se produzam estudos.

Martins (2004, p. 131-133) subdivide o recurso do trocadilho em: a) trocadilho

propriamente dito (homonímia, homografia, homofonia e paronímia) — além dessas

subdivisões, a autora distribui o recurso em dois outros grupos: os da contiguidade (em que

há repetição do termo com ênfase numa acepção diferente) e ambigüidade (em que há

duplo sentido da palavra) — e b) o das impropriedades (ou disparates) em que um termo

aparentemente não intencional tem sentido diverso do usual.

A autora (MARTINS, 2004, p. 134) também propõe uma classificação dos recursos

tradutórios utilizados para com os trocadilhos:

a) recriação: o trocadilho no texto fonte gera um outro trocadilho no texto

traduzido, embora não equivalente ao original em termos de estrutura formal,

estrutura sintática ou função textual;

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b) reprodução: o trocadilho identificado é reproduzido no texto alvo, mantendo-se

o mesmo contexto;

c) neutralização: o trocadilho identificado no texto fonte é traduzido por estruturas

que não criam o mesmo efeito retórico, embora possam tanto explicar os dois

sentidos da palavra, como manter apenas um dos sentidos dela;

d) substituição: o trocadilho é substituído por algum outro recurso retórico afim

como repetição, aliteração, rima, ironia, paradoxo etc., com o intuito de criar

um efeito retórico substitutivo;

e) omissão: o trecho onde se encontra o trocadilho é suprimido;

f) compensação: o tradutor introduz um trocadilho no texto alvo em passagens nas

quais o texto fonte não apresenta tais recursos — o objetivo é compensar os

trocadilhos neutralizados ou omitidos em outros momentos; e

g) explicitação: o trocadilho propriamente dito desaparece no texto alvo, sendo

substituído por paráfrases ou explicações.

A classificação dos recursos tradutórios feita por Martins (2004) pareceu adequada

para a análise a ser feita, nesta dissertação, dos recursos tradutórios empregados na

tradução dos epigramas humorísticos contidos na peça The Importance of Being Earnest de

Wilde e será, portanto, retomada no capítulo 5.

A próxima seção compara e contrasta o texto teatral e o humorístico.

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4.3 O texto teatral e algumas semelhanças com o texto humorístico

Segundo Marinetti (2005, p. 31), se compararmos a própria piada ao ato de contá-

la, a linguagem do humor aproxima-se bastante da linguagem teatral. Assim como as peças

teatrais, o humor em geral depende do tempo e é gerado pelo contexto; o humor depende

de e funciona no “aqui e agora” da performance/encenação em si. Bassnett (2002, p. 121)

corrobora a idéia quando afirma que o diálogo se desdobra tanto no tempo como no espaço

e está sempre integrado à situação extralingüística. Segundo a autora, o diálogo é

caracterizado pelo ritmo, padrões de entonação, tom e altura da voz — elementos que

podem não ser percebidos em uma leitura do texto escrito isoladamente.

Para Marinetti (2005, p. 31), o elemento lingüístico do texto teatral é apenas um dos

sistemas semióticos que constitui o evento do teatro. Assim como para Bassnett (2002, p.

120), o sistema lingüístico é apenas um dos elementos opcionais que compreende o

espetáculo. Conforme Marinetti (2005, p. 31), o texto dramático tem uma natureza

complexa e composta, assim como o texto humorístico. Para Bassnett (2002, p. 119-120), o

texto teatral deve ser lido de modo diferente, pois é algo incompleto, em vez de uma

unidade completamente fechada, pois é apenas na encenação que o total potencial do texto

é realizado. O texto humorístico também pode ser considerado incompleto, até que seja

realizado por um contador, ou piadista, e possui também suas peculiaridades. Logo, ambos

os textos devem ser traduzido de uma maneira que leve em conta suas especificidades.

Marinetti (2005, p. 32) aponta para a existência de três possibilidades de relação

entre o texto escrito e o evento teatral: a) os textos podem funcionar fora do sistema teatral

e o teatro pode existir sem textos escritos; b) há uma interdependência entre o texto escrito

e a performance/encenação; c) existem duas entidades em separado, dois sistemas

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semióticos diferentes que não são interdependentes, mas simultâneos, o que evita o risco

de o leitor priorizar um em detrimento do outro.

Uma outra questão importante levantada pela autora (MARINETTI, 2005, p. 31),

refere-se à complexidade do texto dramático e a relação entre texto e performance que tem

sido o centro do debate teórico sobre a tradução do teatro. Isso, para Bassnett (2002, p.

120), traz um dilema para o tradutor do teatro, que é o de traduzir o texto teatral como um

texto puramente literário, ou traduzir o texto em sua função específica performática. Para

Bassnett (2002, p. 121), se o tradutor se depara com o critério da performabilidade como

pré-requisito, deve, portanto, realizar uma tarefa diferente daquela que o tradutor de outros

tipos de texto realiza. O tradutor deve, pois, identificar as características estruturais que

fazem do texto algo que pode ser representado, o que pode levar a grandes mudanças no

plano estilístico e lingüístico. Para Bassnett (2002, p. 120), quem tem uma noção de teatro

na qual não se percebe o texto escrito e a performance como elementos indissoluvelmente

ligados irá discriminar aqueles que parecem ofender a pureza do texto escrito. Mesmo

assim, conforme Bassnett (2002, p. 122), há textos que são traduzidos pensando-se na

performance e outros que são traduzidos com um público leitor em mente. Contudo, para a

teórica, o elemento lingüístico deve ser traduzido atentando-se para o discurso teatral como

um todo.

Conforme Marinetti (2005, p. 34), o tradutor da piada, assim como o tradutor do

texto teatral, tem de estar constantemente consciente das séries de elementos contextuais e

sócio-culturais envolvidas nesses tipos de texto. Dessa forma, ao avaliar a tradição inglesa

do teatro humorístico, a autora caracteriza esse humor como sendo marcadamente mais

verbal e repleto de jogos de palavras do que gestual — tendências bem evidentes nos

textos de Wilde. Para Bassnett (1998, p. 131), o tradutor de teatro que ignora todos os

sistemas que esse tipo de texto envolve corre sério risco; segundo a autora, o tradutor deve

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levar em consideração a performance e sua relação com a platéia. Assim, deve comportar-

se o tradutor do humor, levando em consideração todas os fatores na produção do humor e

na transposição dessa função para a língua alvo.

No próximo capítulo será feita uma análise das traduções de alguns epigramas

retirados da peça The Importance of Being Earnest de Wilde. Serão comparadas duas

traduções brasileiras, ambas publicadas sob a forma de livro, sendo, portanto voltadas para

a leitura e não para a performance/encenação.

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5. As traduções dos epigramas humorísticos na peça

Como visto anteriormente, Wilde criou várias peças teatrais até chegar à sua

criação derradeira, sua obra prima — The Importance of Being Earnest. Baseando-se em

várias das asserções acerca da peça, pode-se considerá-la uma comédia dramática que

retrata os costumes da sociedade da época e que beira a farsa, com o clássico desfecho do

casamento, neste caso, mais de um casamento. A peça envolve a pilhéria, a sátira, o

absurdo, situações cômicas, qüiproquós, tudo repleto de frases de espírito, de disparates, de

irreverências, de contrastes cômicos, de jogos de palavras — a obra cria suas próprias leis

dentro de seu próprio absurdo onde se ridicularizam coisas sérias como o nascimento, o

batismo, o amor, o casamento, a morte, o enterro, a ilegitimidade e a respeitabilidade, de

uma maneira que faz rir, pois o que acontece, e da maneira como ocorre, traz uma aura

cômica. Tudo não passa, pois, de uma grande brincadeira com a sociedade e com os

paradigmas da época vitoriana, ao mesmo tempo que constitui uma crítica — característica

essa do discurso humorístico, mais especificamente do discurso de Wilde.

Como característica marcante das obras teatrais de Wilde, destaca-se a utilização de

epigramas (conforme definidos na seção 2.3 acima). Nos diálogos, seus personagens

proferem seus absurdos de maneira leve e séria; essas frases tonam-se as mais absurdas e

cômicas verdades dentro da atmosfera de nonsense gerada pelas situações da peça. Ao

trazer à tona tópicos relevantes para qualquer sociedade, principalmente temas relevantes

para sua época, Wilde retrata sua sociedade de maneira crítica e bastante irônica.

O dramaturgo, em The Importance of Being Earnest, quebra todos os padrões

atribuídos à comunicação dita informativa e estabelece o cômico através de vários recursos

expressivos. Ao desobedecer às várias regras de comunicação, o autor cria pérolas

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humorísticas através de seus epigramas humorísticos. O humor de Wilde advém de vários

desvios, ou seja, do deslocamento das regras de comportamento que a sociedade espera,

assim como dos vários momentos de ambigüidade e das quebras de expectativa. O humor

se faz presente como instrumento social, posto que o dramaturgo lida com vários aspectos

sociais e, ao mesmo tempo, com os temas mais recorrentes na sociedade de sua época. O

autor faz uso tanto do espírito de palavra, quanto do espírito de pensamento, ou seja, do

humor lingüístico, assim como do humor situacional (ver 4.1 acima). Além disso, Wilde

utiliza elementos lingüísticos e extra-lingüísticos para compor suas pérolas cômicas.

Desta forma, dada a relevância do humor e dos epigramas de Wilde em The

Importance of Being Earnest, a presente análise detém-se sobre o modo como foi feita a

tradução para o português dos epigramas humorísticos presentes na peça.

O presente estudo foi realizado a partir do texto em inglês da Midpoint Press/David

Dale House e de duas traduções brasileiras. A primeira, de autoria de Guilherme de

Almeida e Werner J. Loewenberg, na edição de 1998, que será denominada Tradução 1. A

segunda, de autoria de Oscar Mendes, na edição de 2003, que será identificada como

Tradução 2.

Foram selecionados para análise vinte e oito epigramas. Como base para esta

escolha, foi utilizada a seleção e classificação de Redman (1952). Este autor realizou uma

seleção e classificação dos epigramas que ocorrem em toda a obra de Wilde (desde as

peças, passando pelos romances e ensaios), classificando-os em grupos, de acordo com os

temas sobre os quais versam, por exemplo: homem (p. 31-35), mulher (p. 36-46), pessoas

(p. 47-51), arte (p. 52-63) , vida (p. 64-74), literatura (p. 75-87), música (p. 88-89), pais (p.

90-92), casamento (p. 93-99), amor (p. 100-105), religião (p. 106-109), conduta (p. 110-

117), Inglaterra (p. 118-121), América (p. 122-127), jornalismo (p. 128-131), política (p.

132-136), aparências (p. 137-140), conversa (p. 141-148), trechos de conversa (p. 149-

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157), educação (p. 158-160), conselho (p. 161-162), fumo (p. 163-164), comida e bebida

(p. 165-166), juventude (p. 167-169), pecado (p. 170-173), crítica (p. 174-176), egoísmo

(p. 177), relacionamentos (p. 178), saúde (p. 179), prazer (p. 180-181), riqueza (p. 182-

184), pobreza (p. 185-186), amizade (p. 187-189), moral (p. 190-192), verdade (p. 193-

196), história (p. 197-198), sociedade (p. 199-200), genialidade (p. 201-203), beleza (p.

204-206), pensamento (p. 207-211), solidariedade (p. 212-213), jogos (p. 214), emoções

(p. 215-216), tempo (p. 217), trabalho (p. 218-220), experiência (p. 221), os julgamentos

(p. 222-242), prisão (p. 243-247). Observe-se que tais temas são abordados também por

Possenti (1998, p. 25-25 ver 4.1 acima) — pessoas: homem, mulher, pessoas no geral, pais,

parentes e aparências; instituições e hábitos: casamento, educação, trabalho, fumo e música

e, finalmente, entidades abstratas: vida, amor, verdade, prazer, pecado, beleza e amizade.

Para efeitos desta análise, foram selecionados, dentre os grupos citados por Redman

(1952), os epigramas da peça The Importance of Being Earnest relativos a pessoas,

instituições/hábitos e entidades abstratas. Dentre esses, privilegiaram-se os epigramas

considerados mais complexos ou que causariam problemas para a tradução, ou que fossem

relevantes para uma análise sobre a tradução do humor. Esta seleção, no entanto, não

esgota a possibilidade de que outros epigramas e situações significativos possam também

ser analisados.

A análise se procedeu em seis etapas: a) identificação dos epigramas no texto fonte

e nos textos alvo e; b) confecção de um quadro em que o as traduções e o original foram

justapostos; c) depreensão das estratégias tradutórias utilizadas nos pares “problema +

solução” (conforme sugere Toury, 1985) detectados. Em seguida, d) foram feitos

comentários sobre essas estratégias e, finalmente foi feita uma e) listagem das estratégias

tradutórias utilizadas para a elaboração de uma análise quantitativa e comparativa entre as

duas traduções.

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Na terceira etapa da análise (c), foram consideradas as estratégias tradutórias

descritas por Martins (2004, ver a subseção 4.2.5 acima) a saber: recriação, reprodução,

neutralização, substituição, omissão, compensação e explicitação, tal como aplicadas pelos

tradutores para, de alguma forma, recriar os recursos lingüísticos empregados por Wilde na

criação de seus epigramas humorísticos.

Além das estratégias descritas por Martins (2004), utilizou-se o critério de

economia, por considerar-se este fator preponderante na criação do humor, conforme

Almeida (1999, p. 128, ver seção 4.1 acima), podendo “ser situada em dois níveis: na

pertinência de traços em relação à sua capacidade de representar os objetos e na pertinência

da situação representada em relação aos efeitos contextuais que produz”.

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5.1 Epigramas relativos a pessoas

Foram selecionados, para análise, doze epigramas relativos ao tema “pessoas”,

cujas traduções serão discutidas abaixo. Os segmentos em exame estão marcados em

negrito.

Epigrama 1

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato II, Srta. Prism

... persistindo em conservar-se solteiro, um homem se converte numa permanente tentação pública. Os homens deveriam cuidar que o seu celibato não tente as fraquezas. Reprodução da quebra de expectativa Reprodução do jogo antitético Reprodução da aliteração Omissão da metáfora Economia

... um homem que se empenha em permanecer solteiro, se converte em uma permanente tentação pública. Os homens deveriam ser mais cautelosos; seu próprio celibato é que faz naufragarem os barcos mais fracos. Reprodução da quebra de expectativa Reprodução do jogo antitético Reprodução da aliteração Recriação da metáfora

... by persistently remaining

single, a man converts

himself into a permanent

public temptation. Men

should be more careful; this

very celibacy leads weaker vessels astray.

Neste epigrama, o humor recai sobre o fato de o homem que se mantém solteiro

tornar-se uma tentação para a mulher, considerada sempre o “sexo frágil”, e que se deixa

seduzir pelo “sexo forte”. Além disso, o autor faz alusão ao texto bíblico (vide I Pedro 3, 7:

Likewise, ye husbands, dwell with them according to knowledge, giving honour unto the

wife, as unto the weaker vessel, and as being heirs together of the grace of life; that your

prayers be not hindered.) ao caracterizar a mulher utilizando o sintagma “weaker vessel”.

Há, portanto, uma quebra de expectativa, posto que “ser solteiro” é um pré-requisito social

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para tornar um homem elegível ao casamento, e não uma tentação pública permanente. Há

também um jogo antitético para com as palavras “celibacy” e “temptation”, em que o

celibatário não pode permitir que a tentação se consume. Pela Tradução 1 obtêm-se os

pares “conservar-se solteiro + remain single”, “seu celibato + this very celibacy” e “tente

as fraquezas + leads weaker vessels astray”. Nesse caso, a Tradução 1 mantém a quebra da

expectativa e o jogo antitético; contudo, neutraliza a alusão bíblica ao apresentar uma

tradução mais econômica, há pois omissão da metáfora do “barco” — o que a torna mais

econômica. Já a Tradução 2 resulta nos pares “permanecer solteiro + remain single”, “seu

próprio celibato + this very celibacy” e “faz naufragarem os barcos mais fracos + leads

weaker vessels astray”. Dessa forma, há manutenção da quebra de expectativa, assim como

dos termos antitéticos. Com relação à metáfora bíblica, ocorre recriação do sentido, posto

que no original “weaker vessel astray” compara a idéia de “perdição” ao “barco à deriva”,

já na tradução aquela idéia se dá pela questão do “naufrágio”. Ambas as traduções

reproduzem a aliteração do fonema /p/ em “a permanent public temptation”.

Epigrama 2

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte Ato II, Cecília

... um homem de que se fala muito não pode deixar de ser atraente. Reprodução do sintagma “a

man who is much talked

about” Reprodução da antítese ou nonsense pelo adjetivo “attractive” Compensação por litote Economia

... um homem de quem se fala muito se torna sempre muito atraente. Sentimos que deve haver algo nele, afinal de contas. Reprodução do sintagma “a

man who is much talked

about” Reprodução do sintagma “there must be something in

him” Reprodução da antítese ou nonsense pelo adjetivo “attractive”

... a man who is much

talked about is always very

attractive. One feels there

must be something in him,

after all.

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O epigrama trabalha a idéia do homem público exposto à fofoca ao qual se atribui

más qualidades e/ou hábitos. Esse mesmo homem que deveria ser evitado, torna-se

atraente, alguém que chama a atenção das mulheres. Há quebra da expectativa, posto que o

homem decoroso e discreto, que geralmente se almeja, dá lugar àquele de quem muito se

fala. Ao dizer que “deve haver algo” nesse alguém, o script de “bom candidato ao

casamento” é também acionado, logo, o nonsense é criado pelo epigrama, posto que

alguém com “maus hábitos” torna-se o objeto de desejo das mulheres. Pela Tradução 1 são

gerados os pares “homem de quem se fala muito + man who is much talked about”, “não

pode deixar de ser atraente + is always very attractive” e “∅ + there must be someting in

him”. Há omissão do sintagma “there must be something in him”, e, portanto, a recriação

de um recurso através do litote. A Tradução 2 mantém todos esses pares numa

correspondência um a um. Há ainda que se ressaltar que a Tradução 1 também é bem mais

econômica.

Epigrama 3

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte Ato II, Lady Bracknell

Trinta e cinco anos é uma idade muito atraente. A sociedade de Londres está cheia de damas da melhor nobreza que, por seu livre alvitre, estacionaram, há muitos anos, nos trinta e cinco. Reprodução do sintagma “free choice” Recriação do sintagma “women of highest birth” Recriação do verbo “remain”

Trinta e cinco anos é uma idade muito atraente. A sociedade londrina está cheia de mulheres que do mais alto nascimento que têm permanecido, por sua livre e própria escolha, nos trinta e cinco anos. Reprodução do sintagma “free choice” Compensação por pleonasmo Reprodução de “women of

highest birth” Reprodução do verbo “remain”

Thirty-five is a very

attractive age. London

society is full of women of

the very highest birth who

have, of their own free

choice, remained thirty-five

for years.

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O humor recai sobre o sintagma “free choice” posto que não se pode escolher a

própria idade, mas somente mentir sobre ela. Os scripts de “mentir sobre a idade” e

“permanecer jovem” são ativados pelo epigrama. Ambas as traduções mantiveram o

sintagma “free choice” o que gerou o par “free choice + livre alvitre”, na primeira, e o par

“free choice + livre e própria escolha”, na segunda. Na Tradução 2, há um pleonasmo,

talvez por compensação, ao se associar os vocábulos “própria” e “livre” com “escolha”.

Ambas as traduções envolvem casos de coincidência lingüística, apesar da inserção do

pleonasmo na Tradução 2. É interessante a tradução do sintagma “damas da melhor

nobreza”, na Tradução 1e por “mulheres do mais alto nascimento”, na Tradução 2. Essa

mesma tradução reproduz o sintagma em questão e a Tradução 1 o recria com outras

palavras que dão a mesma idéia. Ocorre o mesmo com o verbo “remain”, que se mantém

na Tradução 2, e se traduziu por “estacionaram”, na Tradução 1.

Epigrama 4

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte Ato I, Algernon

A única maneira de lidar com uma mulher é o amor, se ela for bonita; se não, é lidar com outra. Reprodução do sintagma “behave to a woman” Substituição do termo “make love to” Recriação da repetição Compensação por repetição Reprodução do adjetivo “pretty” Omissão do adjetivo “plain”

A única maneira de lidar com uma mulher é o amor, se é bonita ou amar a outra, se ela é feia. Reprodução do sintagma “behave to a woman” Substituição do sintagma “make love to” Recriação da repetição Reprodução do adjetivo “pretty” Reprodução do adjetivo “plain”

The only way to behave to a

woman is to make love to

her, if she is pretty, and to

some one else, if she is

plain.

O epigrama trabalha a questão do tratamento para com a mulher bela e para com a

mulher feia. O homem deve amar a mulher — se ela for bela — e amar outra, se ela for

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feia. O humor, mais uma vez, recai sobre a quebra de expectativa, ao sugerir um

tratamento diferente para as feias, e não o mesmo tratamento. O epigrama sugere que uma

sociedade regida por aparências faz isso mesmo, mas não o admite; logo, o dramaturgo,

admitindo isso, está sendo irônico, rindo dessa sociedade. O sintagma “behave to a

woman” alude ao script de “ser cortês”, principalmente com as mulheres belas. O epigrama

quebra a expectativa ao sugerir o mesmo tratamento para com as feias, pelo sintagma “to

someone else”, ou seja, todas as mulheres devem ser tratadas igualmente, contrário ao que

a sociedade baseada nas aparências sugere, apesar de fazê-lo. A bitextualidade recai sobre

esse tipo de tratamento para com todas as mulheres. O humor vai além do lingüístico —

alude e distorce os padrões ditados pela sociedade — logo, cabe o recurso da inferência

nesse caso para a interpretação do humor. Ambas as traduções acionam os mesmos scripts

e utilizam o sintagma “lidar com uma mulher” gerando pares semelhantes. Ambas as

traduções apresentam a tradução do sintagma “to make love” pelo substantivo “amor”.

Contudo a Tradução 1 repete o verbo “lidar”, já na Tradução 2 traduzem-se os mesmos

termos do original (“bonita” e “feia”). A repetição da preposição “to”, também contribui

para a criação humorística; a Tradução 1, assim como a Tradução 2 utilizam o pronome

“se”.

Epigrama 5

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato II, Srta. Prism

Admito um misantropo, mas um feminantropo, nunca! Reprodução do neologismo

Admito um misantropo ... um feminantropo nunca! Reprodução do neologismo

A misanthrope I can understand – a womanthrope, never!

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O humor recai sobre a contrastação das palavras “misanthrope” e sobre o

neologismo “womanthrope”. Ter aversão às pessoas é aceitável, contudo ter aversão às

mulheres não o é, segundo a personagem. O trocadilho envolve o recurso morfológico de

recriação de palavra, o que constitui um processo epilingüístico propriamente dito de

reconhecimento de estruturas da língua. Ambas as traduções mantêm o mesmo recurso.

Epigrama 6

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Gwendolen

Quem fala do tempo dá sempre idéia de estar pensando em outra coisa. Neutralização do verbo “mean” Economia

Sempre que uma pessoa me fala do tempo tenho a absoluta certeza de que quer dar a entender outra coisa e... Neutralização do verbo “mean”

Whenever people talk to me about the weather, I always feel certain that they mean something else.

O elemento que sugere ambigüidade no epigrama é “mean something else”. Falar

do tempo sugere o script “conversar com alguém que não se conhece” ou “falar sobre algo

trivial”. Para a personagem, o fato de alguém mencionar o tempo numa conversa aciona

curiosa e comicamente o script “ter segundas intenções”. A Tradução 1 gera o par “mean

something else + estar pensando em outra coisa”, já a Tradução 2, “mean something else +

quer dar a entender outra coisa”. A Tradução 1 sugere algo no mundo das idéias e a outra,

no mundo das ações — o verbo “mean” transita por dois sentidos, tanto o de querer dizer

algo, quanto o de ter a intenção de fazer algo. Porém, as traduções não utilizam um

vocábulo ou sintagma que tenha os dois sentidos ao mesmo tempo, não mantendo a

bitextualidade, ocasionando um caso de tradução não literal. A Tradução 1 é bem mais

econômica comparada à Tradução 2.

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Epigrama 7

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, João

Toda gente agora é espirituosa. Não se pode ir a parte alguma sem encontrar gente espirituosa. Já é mal de todos. Quem me dera que sobrassem alguns pobres de espírito! Reprodução da repetição do adjetivo “clever” Recriação de “an absolute

public nuisance” Reprodução do paradoxo Recriação do sintagma “I

wish to goodness” Recriação do adjetivo “fool” Economia

Hoje em dia toda gente é espirituosa. Não se pode ir a parte alguma sem encontrar pessoas espirituosas. A coisa chegou a tornar-se uma verdadeira calamidade pública. Só peço a Deus que deixe ainda alguns pobres de espírito. Reprodução da repetição do adjetivo “clever” Reprodução de “an absolute

public nuisance” Reprodução do paradoxo Reprodução do sintagma “I

wish to goodness” Recriação do adjetivo “fool”

Everybody is clever

nowadays. You can't go

anywhere without meeting

clever people. The thing has

become an absolute public

nuisance. I wish to

goodness we had a few fools

left.

Há, nesse epigrama, uma junção de idéias paradoxais — pessoas “clever” são

consideradas “an absolute public nuisance”. Há quebra de expectativas a partir do

vocábulo “nuisance”. Pela Tradução 1 gera-se o par “an absolute public nuisanse + já é

mal de todos”, e pela Tradução 2, “an absolute public nuisanse + uma verdadeira

calamidade pública”. A Tradução 1 recria o sintagma (tradução funcional por falta de

correspondência), enquanto a Tradução 2 o reproduz (tradução por coincidência

lingüística). Ambas as traduções exprimem o adjetivo “fool” por “pobres de espírito” e

repetem o adjetivo “clever”. Com relação ao sintagma “I wish to goodness”, na Tradução 1

obtém-se o par “I wish to goodness + quem me dera” e na Tradução 2 “I wish to goodness

+ só peço a Deus”. A Tradução 2 mantém a idéia do apelo divino, o que é eliminado pela

Tradução 1. Há uma tendência pela economia na Tradução 1.

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Epigrama 8

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Algernon

Todas as mulheres saem às mães: é a tragédia delas. Os homens não: é a tragédia deles. Omissão do pronome “their” Reprodução do pronome “their” Reprodução do pronome “his” Compensação por repetição do substantivo “tragedy” Recriação da preposição “like” Economia

Todas as mulheres chegam a parecer-se com suas mães. É a tragédia delas. Os homens não. É a tragédia deles. Reprodução do pronome “their” Reprodução do pronome “their” Reprodução do pronome “his” Compensação por repetição do substantivo “tragedy” Recriação da preposição “like”

All women become like their mothers. That is their tragedy. No man does. That’s his.

Há aqui o uso repetitivo de pronomes e a evidente repetição do sintagma “that’s”.

O humor recai sobre a palavra “tragedy” e aciona o script “de os filhos terem os pais como

exemplo”. Para o homem isso é bom, mas o contrário ocorre para a mulher, de acordo com

o epigrama — o contrário do que a sociedade espera. Na Tradução 1 o verbo “like” foi

traduzido por “sair à”, enquanto na Tradução 2, por “chegam a parecer-se com”. A

Tradução 1 é bem mais econômica, enquanto o sintagma equivalente na Tradução 2 possui

mais palavras. Ambas as traduções compensam a repetição pronominal do original pela

repetição da palavra “tragédia”. Mais uma vez, a Tradução 1 mantém o traço de economia,

porém ambas são traduções funcionais.

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Epigrama 9

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Lady Bracknell

Perdeu os dois? Isso já parece descuido de sua parte. Reprodução do substantivo “carelessness” Substituição da estratégia narrativa

A ambos? ... Isso parece falta de cuidado. Recriação do substantivo “carelessness” Substituição da estratégia narrativa

To lose one parent ... may be regarded as a misfortune; to lose both looks like carelessness.

O humor é acionado pelo sintagma “to lose one parent” e logo se pensa no script

“tristeza pela perda dos pais”. O assunto é tratado trivialmente como algo controlável. As

duas traduções romperam a estrutura do epigrama ao disseminar o sintagma pelo diálogo.

Os scripts e as idéias foram mantidas, apesar de a tradução do substantivo “carelessness”

ter gerado o par “carelessness + descuido”, na Tradução 1, e o par “carelessness + falta de

cuidado” na Tradução 2. A primeira sendo um caso de tradução por equivalência

lingüística e a segunda, um caso de tradução não literal.

Epigrama 10

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Algernon

Os parentes são simplesmente uma porção de gente aborrecida, que não tem a mínima noção de como se deve viver, nem de quando convém morrer. Reprodução dos vocábulos “how” e “when” (paralelismo) Omissão de um adjetivo no grau superlativo e Reprodução do outro Economia

Os parentes, são, simplesmente, uma porção de gente aborrecida que não tem a mais remota noção de como se deve viver, nem o mais ligeiro instinto de quando se deve morrer. Reprodução dos vocábulos “how” e “when” (paralelismo) Reprodução dos adjetivos no grau superlativo

Relations are simply a

tedious pack of people, who

haven’t got the remotest

knowledge of how to live,

nor the smallest instinct

about when to die.

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O exagero com o uso de superlativos e a presença dos parentes é o tema do

epigrama, o que aciona o script “parentes são inconvenientes”. Os dois sintagmas “how to

live” e “when to die” são paralelos — há um trocadilho com o jogo de palavras antitéticas

“live” e “die” e esse paralelismo. Os adjetivos no grau superlativo são mantidos pela

Tradução 2, e apenas um é mantido na Tradução 1. O paralelismo das estruturas “when” e

“how” também é reproduzido na Tradução 2, mas não o é na Tradução 1, que é mais curta.

Epigrama 11

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato II, Lady Bracknell

... é um rapaz extremamente, direi mesmo ostensivamente aceitável. Não possui nada, mas aparenta tudo. É quanto se pode desejar! Reprodução do sintagma “has nothing” Reprodução do sintagma “look everything”

... é um partido extraordinariamente, e até me atreverei a dizer, ostentosamente aceitável. Não tem nada, mas aparenta tudo. Que mais se pode desejar? Reprodução do sintagma “has nothing” Reprodução do sintagma “look everything”

... is an extremely, I may

almost say an

ostentatiously, eligible

young man. He has nothing,

but looks everything. What

more can one desire?

O paradoxo humorístico recai sobre as expectativas sociais de que o homem deve

ter tudo com relação a bens materiais — aparentar algo pode estar em segundo plano, e o

epigrama rompe esses paradigmas. Os sintagmas “has nothing” e “looks everything” não

são aceitáveis socialmente para um homem “eligible”. Há a quebra dos scripts “homem

sério” que “possui bens” e a “aparência nem sempre é fundamental”. As traduções mantêm

os mesmos recursos e scripts gerando os pares “has nothing + não possui nada” ou “has

nothing + não tem nada”, nas Traduções 1 e 2 respectivamente; e o par “look everything +

aparenta tudo” em ambas. Ambos são casos de tradução por equivalência lingüística.

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5.2 Epigramas referentes a instituições e hábitos

Foram analisados os seguintes epigramas referentes ao grupo “instituições/hábitos”:

Epigrama 12

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato III, Lady Bracknell

... sou contrária aos noivados longos demais. Dão aos noivos oportunidade de se conhecer, suficientemente, o que não me parece recomendável. Recriação do sintagma “in

favour of” Recriação do sintagma “finding... characters” Reprodução do adjetivo “advisable” Economia

... não sou partidária dos noivados longos. Dão oportunidade a que os noivos descubram seus mútuos caracteres antes do casamento, o que nunca é aconselhável... Recriação do sintagma “in

favour of” Reprodução do termo “finding... characters” Reprodução do adjetivo “advisable”

I am not in favour of long

engagements. They give

people the opportunity of

finding out each other’s

characters before marriage,

which I think is never

advisable.

O disparate recai sobre a idéia que se tem de “long engagements”. Essa idéia aciona

o script de “conhecer bem alguém antes de casar”. O epigrama rompe a expectativa ao

dizer que isso não é “advisable”. A partir do sintagma “finding out each other’s

characters” gera-se o par “finding out each other’s characters + se conhecer” Tradução 1

(tradução funcional por falta de correspondência lingüística), e o par “finding out each

other’s characters + descubram seus mútuos caracteres” na Tradução 2 (tradução por

coincidência lingüística). O adjetivo “advisable” é traduzido por “recomendável” e

“aconselhável” respectivamente, o mesmo ocorre com o sintagma “in favour of” que é

traduzido por “contrária” e “partidária”. Ambas as traduções mantêm os mesmos scripts,

contudo a Tradução 1 é mais econômica.

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Epigrama 13

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Algernon

É deveras escandaloso o número de mulheres em Londres que namoram os próprios maridos. Fica tão feio! Isso é simplesmente lavar a roupa limpa em público. Reprodução do adjetivo “scandalous” Reprodução da frase “It

looks so bad.” Reprodução da distorção do provérbio Omissão da repetição de “-ly”

O número de mulheres em Londres que namoram os próprios maridos torna-se perfeitamente escandaloso. Fica tão feio! É simplesmente a mesma coisa que lavar a roupa limpa em público. Reprodução do adjetivo “scandalous” Reprodução da frase “It

looks so bad.” Reprodução da distorção do provérbio Reprodução da repetição de “-ly”

The amount of women in

London who flirt with their

own husbands is perfectly

scandalous. It looks so bad.

It is simply washing one’s

clean linen in public.

Há dois recursos empregados no epigrama. Um é a quebra de expectativa ao utilizar

o adjetivo “scandalous”. Flertar com o marido é reprovável. O segundo recurso é a alusão

ao provérbio, que é transformado em “washing one’s clean linen in public”. Ambos os

recursos são mantidos pelas duas traduções. Há também a repetição da terminação dos

advérbios, que é mantida apenas pela Tradução 2. As duas traduções são casos de tradução

literal mesmo com a repetição da desinência formadora de advérbios. Há também a

reprodução da frase “It looks so bad.” Em ambas as traduções.

Epigrama 14

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Algernon

... na vida conjugal três é companhia, e dois, não. Reprodução do provérbio distorcido Explicitação do pronome “none”

... na vida conjugal três é companhia e dois, não. Reprodução do provérbio distorcido Explicitação do pronome “none”

... in married life three is company and two is none.

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Esse é mais um exemplo de humor por alusão ao provérbio. Há quebra de

expectativa com a troca numérica onde “three” é bom, já “two” nada significa. Os recursos

são reproduzidos por ambas as traduções (traduções literais). A tradução do pronome

“none” gerou o mesmo par “none + não”, o que não dá a completa dimensão de “none”.

Epigrama 15

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Lady Bracknell

Não admito nada que prejudique a ignorância natural. A ignorância é como uma flor exótica: murcha ao primeiro contato. Recriação do sintagma “exotic fruit” Reprodução do sintagma “tampers... ignorance” Recriação do sintagma “bloom is gone” Economia

Não aprovo que coisa alguma se intrometa com a ignorância natural. A ignorância é como um delicado fruto exótico: tocá-lo é fazer desaparecer a penugem. Reprodução do sintagma “exotic fruit” Reprodução do sintagma “tampers ... ignorance” Reprodução do sintagma “bloom is gone”

I do not approve of anything

that tampers with natural

ignorance. Ignorance is like

a delicate exotic fruit; touch

it and the bloom is gone.

O humor recai sobre o sintagma “tamper with natural ignorance”, ou seja, dá-se

importância à ignorância nessa sociedade paradoxal. Dessa forma, o epigrama distorce o

script de “repulsão à ignorância”. A símile “exotic fruit” e o atributo “bloom is gone” são

traduzidos de maneiras diferentes. Na Tradução 1 observa-se o par “fruit + flor” e o

sintagma “bloom is gone” é substituído por “murcha ao primeiro contato”. Já na Tradução

2, o vocábulo “fruto” e o sintagma “desaparecer a penugem” são usados. As idéias são

transmitidas por formas diferentes, mas com a mesma idéia de “viço” (a Tradução 2 é

literal enquanto a Tradução 1 é mais funcional, por falta de correspondência lingüística). A

Tradução 1, ainda, é bem mais econômica.

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Epigrama 16

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato II, Algernon

É vulgar falar de suas próprias contas. Só corretores costumam fazer isso. E assim mesmo, em jantares sociais, por aí... Neutralização do sintagma “one’s business”

É muito vulgar falar de assuntos próprios. Somente os agentes de bolsa o fazem e isto unicamente em seus banquetes oficiais. Neutralização do sintagma “one’s business”

It’s very vulgar to talk

about one’s business. Only

people like stockbrokers do

that, and then merely at

dinner-parties.

O sintagma “talk about one’s business” sugere duas interpretações “falar de coisas

pessoais” e “falar de seus negócios”. Cada uma das traduções optou por uma interpretação,

não mantendo a duplicidade do sintagma — parafraseando-se assim a expressão, e levando

a uma conseqüente neutralização (ocasionando, pois, traduções não literais por falta de

correspondência lingüística).

Epigrama 17

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Algernon

Essa questão de música é importante: quando é boa, ninguém escuta; quando é má, ninguém conversa... Reprodução do paralelismo Recriação da primeira frase

Veja a senhora: se alguém toca boa música, as pessoas não a escutam, e se toca música ruim, as pessoas não falam. Reprodução do paralelismo Omissão da primeira frase

Of course the music is a

great difficulty. You see, if

one plays good music

people don’t listen, and if

one plays bad music people

don’t talk.

O humor recai sobre “play music”. Tanto boa, quanto ruim, não há função

importante para esse elemento social. Há um paralelismo de estruturas — repetição de

sintagmas. Os scripts são mantidos em ambas as traduções, só há modificações quanto à

primeira frase “of course music is a great difficulty”, que é omitida na Tradução 2 e

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113

reconstruída Tradução 1 (gerando o par “music is a great difficulty + música é

importante”).

Epigrama 18

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Lane e Algernon

Lane: Tenho observado freqüentemente que em residências de casais é raro o champanha ser de primeira qualidade. Algernon: Dos céus! O casamento é assim tão desmoralizador? Reprodução do termo “married households” Reprodução do substantivo “champagne” Reprodução do sintagma “first-rate brand” Reprodução do adjetivo “demoralising” Reprodução da estratégia narrativa

Lane: Tenho observado muitas vezes que nas casas dos homens casados o champanha é raramente de primeira qualidade. Algernon: Santo Deus! O casamento é assim desmoralizador? Recriação do termo “married households” Reprodução do substantivo “champagne” Reprodução do termo “first-

rate brand” Reprodução do adjetivo “demoralising” Reprodução da estratégia narrativa

Lane: I have often observed

that in married households

the champagne is rarely of

a first-rate brand.

Algernon: Good heavens! Is

marriage so demoralising

as that?

Há dois momentos de humor que se configuram no diálogo. O primeiro item de

comicidade recai sobre considerar um bom casamento pelo “champagne”. A segunda

instância é a utilização do adjetivo “demoralising” para a família que serve bebida de baixa

qualidade. Esse adjetivo aciona o script de “um mau casamento por questões sentimentais

e não materiais”. Ambas as traduções mantêm os mesmo recursos humorísticos e a

reprodução de sintagmas o que ocasionam casos de tradução literal, com exceção do termo

“married households” em que a Tradução 1 gera o par “married households + residências

de casais” e a Tradução 2, “married households + casas dos homens casados”. A Tradução

2, curiosamente, recria o sintagma, enquanto que a Tradução 1 o reproduz.

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Epigrama 19

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Lady Bracknell e João

Lady Bracknel: ... Fuma? João: Sim, devo confessar que fumo. Lady Bracknell: Folgo em sabê-lo. Todo homem deve ter uma ocupação qualquer. Londres já tem ociosos demais. Reprodução do substantivo “occupation” Reprodução da estrutura narrativa Economia

Lady Bracknell: Fuma? João: Bem, sim, devo confessar que fumo. Lady Bracknell: Alegra-me sabê-lo. Um homem deve ter sempre uma ocupação qualquer. Há demasiados homens ociosos em Londres. Reprodução do substantivo “occupation” Reprodução da estrutura narrativa

Lady Bracknell: ... Do you

smoke?

John: Well, yes, I must

admit I smoke.

Lady Bracknell: I am glad

to hear it. A man should

always have an occupation

of some kind. There are far

too many idle men in

London as it is.

O humor é introduzido pela ambigüidade por meio do substantivo “occupation” e

por tratar “smoking” como uma atividade digna. O script do “bom emprego” é distorcido.

Ambas as traduções mantém os mesmos recursos — utilizam o mesmo par “occupation +

ocupação” e a mesma estratégia narrativa. Contudo, a Tradução 1 tende a ser mais

econômica (as duas são traduções literais da situação humorística).

5.3 Epigramas relativos a entidades abstratas

Os epigramas analisados que envolvem “entidades abstratas” são os seguintes:

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Epigrama 20

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, João

Quando a gente está na cidade, diverte-se. Quando está no campo, diverte os outros. Omissão de repetição Reprodução do paralelismo

Quando a gente está na cidade, diverte-se. Quando a gente está no campo, diverte os outros. Reprodução da repetição Reprodução do paralelismo

When one is in town one

amuses one self. When one

is in the country one amuses

other people.

Há repetição pronominal exagerada, paralelismo de estruturas e o humor recai sobre

o verbo “amuse” e quem “amuse” quem na cidade e no campo. A Tradução 1 é bem mais

econômica, pois omite as repetições (caso de tradução funcional). Já a Tradução 2 as

mantém (tradução por equivalência de estrutura lingüística).

Epigrama 21

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato II, Cecília, Algernon

Cecília: No dia seguinte comprei este anel em seu nome, e esta pulseirinha que você me fez jurar que havia de usar sempre. Algernon: Fui eu quem lhe deu isto? É muito bonita, não é? Cecília: É, você tem um admirável bom gosto, Prudente. É a razão que eu sempre encontrei para desculpar a vida de perdição que você levava. Reprodução da estratégia narrativa Recriação do sintagma “bad life”

Cecília: No dia seguinte, comprei este anel em seu nome e esta pulseirinha com o verdadeiro laço de amor que prometi a você usar sempre. Algernon: Fui eu quem lhe deu isso? É muito bonita, não é? Cecília: Você tem um bom gosto maravilhoso, Prudente. É a desculpa que sempre tenho dado à vida boêmia que você leva. Reprodução da estratégia narrativa Recriação do sintagma “bad life”

Cecily: The next day I

bought this little ring in

your name, and this is the

little bangle with the true

lover's knot I promised you

always to wear.

Algernon: Did I give you

this? It's very pretty, isn't it?

Cecily: Yes, you've

wonderfully good taste,

Ernest. It's the excuse I've

always given for your

leading such a bad life.

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A desculpa que a namorada dá para desconsiderar a vida que o namorado leva é o

seu bom gosto. O nonsense é radicalizado pelo fato de ela mesma ter comprado o presente,

o anel, e assumido que o namorado o tinha feito. Ambos conversam sobre a situação de

maneira trivial. O sintagma “bad life” gera o par “bad life + vida de perdição” na Tradução

1, enquanto, na Tradução 2, “bad life + vida boêmia” — nenhum dos dois sintagmas desvia

da idéia do original (ambos os casos são de tradução literal). Cabe ressaltar que ambas as

traduções reproduzem o sintagma “wonderfully good taste”.

Epigrama 22

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Algernon

A verdadeira essência do romance é a incerteza. Se um dia eu me casar, farei tudo por esquecer essa situação. Reprodução do substantivo “uncertainty” Recriação do verbo “try to”

A própria essência do romantismo é a incerteza. Se algum dia eu me casar, farei de todo possível para esquecer este fato. Reprodução do substantivo “uncertainty” Recriação do verbo “try to”

The very essence of

romance is uncertainty. If

ever I get married, I’ll

certainly try to forget the

fact.

O humor recai sobre o substantivo “uncertainty”, pois rompe a expectativa com

relação ao script do que se espera do romance “algo certo, e constante”. Esquecer o próprio

casamento contribui também para o nonsense irônico do epigrama; é mais um exemplo de

quebra de expectativa introduzida pelo sintagma “I’ll certainly try to”. Ambas as traduções

mantêm parcialmente os mesmo recursos lingüísticos (ambas traduções são funcionais

devido à recriação do verbo “try to”).

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Epigrama 23

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato III, João

... é tremendo para um homem que se preza descobrir, de repente, que durante toda a sua vida ele não faz outra coisa senão dizer a verdade. Reprodução do sintagma “nothing but the truth”

... é uma coisa terrível para um homem descobrir de repente que, durante toda sua vida, não fez nada mais do que dizer a verdade. Reprodução do sintagma “nothing but the truth”

... it is a terrible thing for a

man to find out suddenly

that all his life he has been

speaking nothing but the truth.

Mais um exemplo de epigrama que rompe a expectativa. Espera-se que um homem

sempre diga a verdade; contudo, o nonsense humorístico quebra esse padrão dizendo o

contrário: descobrir que sempre se disse “nothing but the truth” é algo terrível. Ambos os

textos traduzidos mantêm os recursos irônicos (são casos de tradução literal).

Epigrama 24

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato I, Algernon

A verdade raras vezes é pura e nunca é simples. Muito aborrecida seria a vida moderna, se fosse uma coisa ou outra; e a literatura moderna seria totalmente impossível. Reprodução da litote Explicitação do pronome “either”

A verdade rara vezes é pura e nunca é simples. A vida moderna seria aborrecidíssima, se a verdade fosse uma ou outra coisa e a literatura moderna seria completamente impossível! Reprodução da litote Explicitação do pronome “either” Substituição do sintagma “very tedious”

The truth is rarely pure and

never simple. Modern life

would be very tedious if it

were either, and modern

literature a complete

impossibility!

O epigrama define a verdade utilizando um litote — negando o que se acredita da

verdade — e estende esse conceito para a vida moderna e para a literatura. O pronome

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“either” foi parafraseado gerando os pares “either + se fosse uma coisa ou outra” e “either

+ se fosse uma ou outra coisa”, porém os scripts foram todos mantidos. O sintagma “very

tedious” foi um pouco exagerado pela Tradução 2 (mais um caso de tradução funcional).

Epigrama 25

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato II, Algernon

Nunca, de maneira alguma, o meu dever de cavalheirismo se intrometeu com meus prazeres. Reprodução da antítese Reprodução do vocábulo “duty” Reprodução do vocábulo “pleasures” Recriação do sintagma “in

the smallest degree”

Meu dever de cavalheiro nunca interferiu com os meus prazeres de modo algum. Reprodução da antítese Reprodução do vocábulo “duty” Reprodução do vocábulo “pleasures” Recriação do sintagma “in

the smallest degree”

My duty as a gentleman has

never interfered with my

pleasures in the smallest

degree.

O jogo de palavras envolve os vocábulos antitéticos “duty” e “pleasures”. O script

acionado pela palavra “duty” implica em “o homem sério de reputação”, que é distorcido

pela idéia de que esse homem também se deixa levar pelos prazeres da vida. O sintagma

“in the smallest degree” gerou o par “in the smallest degree + nunca” na Tradução 1

(tradução funcional), e “in the smallest degree + de modo algum”, na Tradução 2 (tradução

por equivalência lingüística). Contudo, as idéias são bem similares em ambas traduções.

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Epigrama 26

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato II, Cecília

Espero que não tenha levado uma vida dupla, fingindo ser mau, quando, na realidade, era bom. Isso seria hipocrisia. Reprodução do vocábulo “good” Reprodução do vocábulo “wicked” Reprodução do vocábulo “hypocrisy” Economia

Espero que não tenha estado levando uma vida dupla, fingindo ser mau e sendo na realidade bom todo o tempo. Isto seria uma hipocrisia. Reprodução do vocábulo “good” Reprodução do vocábulo “wicked” Reprodução do vocábulo “hypocrisy”

I hope you have not been

leading a double life,

pretending to be wicked and

being really good all the

time, that would be

hypocrisy.

O humor do epigrama recai sobre o vocábulo “hypocrisy” que aciona o script “ter

uma má conduta”. É exatamente contrário o desejo da personagem ao jogar com as idéias

antitéticas “wicked” e “good”. Ambos os textos mantém esse jogo de contrastes; contudo, a

Tradução 1 apresenta-se mais econômica (ambas são casos de tradução por equivalência

lingüística).

Epigrama 27

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato II, Gwendolen

... até os homens da mais nobre têmpera moral são extremamente suscetíveis à influência dos encantos físicos dos outros. Reprodução do sintagma “the noblest possible” Reprodução do sintagma “extremely susceptible” Economia

... até os homens que têm o mais nobre caráter moral possível são extremamente sensíveis à influência dos encantos físicos dos outros. Reprodução do sintagma “the noblest possible” Recriação do sintagma “extremely susceptible”

... even men of the noblest

possible moral character

are extremely susceptible to

the influence of the physical

charms of others.

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O epigrama desorganiza o padrão do homem nobre. O humor recai sobre o

sintagma “extremely susceptible” pois rompe a expectativa do “noblest man”. Esse

sintagma aciona o script do “homem ideal despreocupado com as aparências”, e foi

ligeiramente modificado na Tradução 2. A Tradução 1 tende a ser mais econômica. Essa

mesma tradução gera o par “the noblest possible moral character + da mais nobre têmpera

moral”, enquanto a Tradução 2, produz “the noblest possible moral character + o mais

nobre caráter moral possível”, que se pode considerar equivalentes lingüisticamente.

Epigrama 28

Ato e Personagem Tradução 1 Tradução 2 Texto Fonte

Ato II, Cecília

É sempre doloroso separar-se das pessoas que a gente apenas conheceu. Dos velhos conhecidos, suporta-se bem a ausência; mas separar-se por pouco que seja de pessoas que mal conhecemos ainda, é quase insuportável. Recriação do sintagma “old

friends” Recriação do sintagma “whom ... introduced” Economia

É sempre doloroso separar-se a gente das pessoas que conheceu por breve espaço de tempo. A ausência dos velhos amigos pode-se suportar com serenidade, mas uma separação, ainda mesmo momentânea, de uma pessoa que acabam de apresentar-nos, é quase intolerável. Reprodução do sintagma “old friends” Reprodução do sintagma “whom ... introduced”

It is always painful to part from people whom one has known for a very brief space of time. The absence of old friends one can endure with equanimity. But even a momentary separation from anyone to whom one has just been introduced is almost unbearable.

O epigrama contrasta “old friends” e “one has just been introduced”. Invertem-se

as expectativas ao se admitir que se sente mais falta de alguém que mal se conhece do que

de um velho amigo. O nonsense mais uma vez se estabelece pela quebra das expectativas.

Os sintagmas são ligeiramente modificados pela Tradução 1, enquanto a Tradução 2 os

mantém. Há uma ligeira tendência à economia na Tradução 1.

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121

5.4 Recursos tradutórios empregados

A partir da análise efetuada das traduções, na qual foram detectadas as estratégias

tradutórias empregadas, foi feita uma contagem dessas estratégias, respectivamente na

Tradução 1 e na Tradução 2, verificando-se o padrão de recorrência apresentado no quadro

abaixo:

Quadro 1 – Padrão de Recorrência de Estratégias Tradutórias

Tradução 1 Tradução 2 Recriação Reprodução Neutralização Substituição Omissão Compensação Explicitação Economia

17 45 02 02 06 03 02 12

11 56 02 03 01 02 02 00

A partir desses dados numéricos, foi possível verificar quais as estratégias

tradutórias empregadas com maior freqüência em cada uma das traduções analisadas. Para

demonstrar isso, foram elaborados os gráficos abaixo:

Gráfico 1 – Número de estratégias tradutórias empregadas na Tradução 1

0

10

20

30

40

50

Rec

riaçã

o

Rep

rodu

ção

Neu

traliz

ação

Substitu

ição

Om

issã

o

Com

pens

ação

Explic

itaçã

o

Econo

mia

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122

Gráfico 2 – Número de estratégias tradutórias empregadas na Tradução 2

Pode-se observar que a Tradução 1 tende a ser mais econômica, uma característica

humorística importante a ser mantida, e/ou recriada. Parece que o tradutor teve um cuidado

para com a tradução dos epigramas nesse sentido, de tornar a piada mais dinâmica, mais

condensada. Há ainda que se ressaltar que a Tradução 1 recria muito mais com relação aos

recursos lingüísticos e humorísticos. Contrariamente a Tradução 2, que possui muito mais

ocorrências de reprodução do que a Tradução 1. A recriação na Tradução 2 ocorre, porém

bem menos que na Tradução 1. É possível que o autor da Tradução 1 tenha se preocupado

com a questão da quantidade de palavras para que uma piada seja mais efetiva, e o segundo

tradutor procurou estar mais próximo e manter os recursos do texto original. Além disso, a

Tradução 1 também omite e compensa um pouco mais que a Tradução 1, o que reforça a

questão da tendência a modificar mais da Tradução 1 comparado à Tradução 2. Os outros

itens não apresentam diferenças significativas, comparando-se as traduções. Pode-se

ressaltar, porém, que a Tradução 1 é mais funcional que a Tradução 2, tendo em vista as

maiores recorrências de neutralização e economia comparadas ao alto índice de reprodução

da Tradução 2. Dessa forma, como conversões relevantes da Tradução 1, podem-se

destacar essas tendências à economia e à recriação em termos de criatividade. Apesar de a

0102030405060

Rec

riaçã

o

Rep

rodu

ção

Neu

traliz

ação

Substitu

ição

Om

issã

o

Com

pens

ação

Explic

itaçã

o

Econo

mia

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recorrência de recriações na Tradução 2 não poderem ser comparadas às da Tradução 1,

tendo em vista o baixo índice de ocorrência dessas.

Com relação aos quesitos propostos pela Teoria do Humor Verbal, ambas as

traduções em sua maioria mantiveram a linguagem, o alvo, a situação; poucas foram as

mudanças para com a estratégia narrativa, os mecanismos lógicos e os scripts. Logo pode-

se afirmar que as piadas não foram completamente modificadas, havendo, portanto,

tradução propriamente dita, e não a transformação de um texto em língua estrangeira em

outro completamente diferente na língua alvo. O que varia entra a Tradução 1 e a Tradução

2 são as recriações ou reproduções dos recursos humorísticos. Conserva-se, pois, em sua

maioria, a força pragmática do texto fonte no texto alvo em ambas as traduções, apesar de

suas peculiaridades.

Por ora, a pesquisa restringe-se a enfocar os epigramas e as estratégias tradutórias

empregadas para suas traduções e nas tendências que os dois textos traduzidos apresentam.

Obviamente os recursos humorísticos do texto de Wilde não se restringem a apenas esses

aspectos, há outros vários fatores a se analisar quanto à produção do humor,

principalmente em uma obra tão rica de recursos lingüísticos e estilísticos.

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6. Considerações Finais

As questões relativas ao estudo do humor, assim como as questões que envolvem os

estudos da tradução, são bastante complexas e abrangentes, o que torna o trabalho do

tradutor um desafio constante na empreitada de transpor um texto de uma língua fonte para

a língua alvo. A tradução de um texto de Wilde é considerada ainda mais difícil devido à

gama de recursos utilizados e das nuances de significados no que se refere ao humor.

Contudo, tendo em vista a tradução lingüística, mais precisamente, a tradução funcional do

humor, este trabalho procura demonstrar que é possível realizar essa tarefa, posto que a

tradução nesse âmbito tem por premissa a recriação do efeito humorístico, considerando-se

a estrutura proposta pela Teoria do Humor Verbal. Este trabalho analisou alguns dos

epigramas de Wilde em The Importance of Being Earnest e as soluções de tradução em

dois textos distintos em língua portuguesa. Essa análise de alguma forma aponta para

possibilidades de tradução e para a afirmação de que é possível, sim, traduzir o humor.

Apesar de essa análise apontar para esse fato, não elimina a possibilidade de outras

análises, assim como a comparação de outros textos de humor ou que envolvam o mesmo

autor e os mesmos tradutores, ou outros diferentes — atividade proposta pela teoria dos

poli-sistemas e desenvolvida pela vertente dos Estudos Descritivos da Tradução.

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