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Aborto, Direitos Humanos e Controle Multicultural do Comportamento Feminino

Aborto

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Aborto, Direitos Humanos e Controle Multicultural do Comportamento Feminino

1.IntroduoMuito se discute na agenda poltica brasileira a questo do aborto, questo esta marcada essencialmente pelas reivindicaes de igualdade e autodeterminao das mulheres e pela resistncia dos segmentos ortodoxos da comunidade poltica, especialmente os religiosos. Certo que a expanso dos direitos reprodutivos e sexualidade tem notvel crescimento no ocidente desde o sculo passado, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, mas tal tendncia no tem alterado significativamente os padres latino-americanos, inclusive com relao ao Brasil. Os direitos sexuais, de reproduo e, sobretudo, a autodeterminao constituem espcies absolutamente compatveis com a concepo socialmente construda de direitos humanos, enquanto instncias da reserva do patrimnio jurdico mnimo em consonncia com a concepo ocidental de valores essenciais e estruturao da sociedade.Embora no seja uma temtica habitualmente enfrentada, em decorrncia do prprio paradoxo que pode, preliminarmente, ser enxergado na considerao de um direito de decidir ou no sobre a gestao de uma potencial ou mesmo invivel vida humana como instncia de direitos humanos. Mas certo que, paradoxalmente crescente incorporao destes valores pelo ocidente, a restrio aos direitos reprodutivos responsvel por incontveis mortes e violaes de ordem direta, indireta, fsica ou simblica de mulheres que tm sua dignidade sistematicamente diminuda por pases, dentre os quais, inclusive, signatrios de tratados internacionais de assuno do compromisso de revisar e abolir a criminalizao do aborto.Uma questo importante a ser definida se a centralidade da discusso sobre a legalizao de direitos humanos baseia-se na proteo real ao feto e sua expectativa ou no de vida, ou no controle sexual e regulao da adequao comportamental da mulher, podendo ambas as dimenses ser encaradas como uma questo de direitos humanos.

2.1.A breve Geopoltica do abortoO mundo globalizado demonstra de forma facilmente perceptvel traos de violncia de gnero dirigidas aos gneros no-masculinos, que se estendem desde comportamentos aparentemente incuos a violaes inadmissveis aos direitos humanos.O paradigma do machismo heteronormativo mantm abertamente sua hegemonia na modernidade, indicando que a mera insero de mulheres, geralmente a salrios inferiores aos dos homens, no , em si, uma garantia de igualdade.O aborto mais uma questo que se dirige essencialmente s mulheres, mas define-se sobre o olhar masculino, e a interrupo tecnicamente desassistida em condies sanitrias inadequadas responsvel pela morte de, aproximadamente, 600 mil mulheres em todo o mundo (OMS, 1996), e, no Brasil, a terceira causa de mortalidade materna no Brasil, sendo o mtodo abortivo de curetagem o mais executado pelo SUS em 2009 no Brasil (INCOR 2009).A transposio da questo do aborto da esfera criminal para as polticas sociais e de sade pblica uma experincia ocorrida em todos os pases resultantes da desintegrao da antiga URSS(exceto a Polnia), em toda a Europa (exceto em Malta), pases de com experincias socialistas(exceto Chile e Nicargua), parte significativa da sia e toda a Amrica do Norte. No sentido oposto, com polticas de punio e negligenciamento da sade feminina, encontram-se quase todos os pases da Amrica Latina e do Oriente Mdio, frica, sugerindo alguma relao entre desenvolvimento econmico, liberalismo, ocidentalismo e abertura autodeterminao feminina.O Comit de Erradicao s Formas de Discriminao contra a Mulher-CEDAW- publicou trs recomendaes aos pases membros da ONU de reviso da legislao anti-aborto e ampliao dos servios de sade exclusivamente dirigidos mulher. Em si mesma, a sonegao a determinados servios de necessidade exclusivamente feminina j configura uma violao ao direito de igualdade.Os Protocolos de Pequim e do Egito foram ratificados por diversos pases, dentre os quais o Brasil, com orientaes alinhadas descriminalizao do aborto e expanso dos servios de ateno sade feminina, mas ainda assim, a comunidade internacional concede as mais diversas formas de tratamento a essas questes. 2.2.A proibio ao aborto como autntica expresso da opresso masculinaA questo do aborto no Brasil emblemtica para a compreenso da centralidade da questo do aborto: A legislao penal restringe a possibilidade de sua prtica de modo assistido ou no e exclui a antijuridicidade dos tipos penais quando se trata de gravidez resultante de estupro ou gravosa sade materna. A justificativa de que o intento do legislador de preservar a expectativa de vida do feto (mesmo quando tal expectativa inexistir) parece abalada pela sua permissividade a certos casos.Tal diferenciao, ao menos, sugere que quando a gravidez for resultante de um comportamento sexual deliberado e consciente da mulher esta no pode ser atingida pela permisso ao aborto, enquanto em casos onde a mulher no concorre para as causas, sejam elas resultantes de fatos naturais ou antrpicos, tal faculdade acolhida pela ordem jurdica brasileira. Ora, se o bem maior a ser preservado a vida do feto, e esta(a vida) o maior dentre os direitos humanos, parece incoerente tal relativismo, ou mesmo contraditrio. Tais institutos do direito penal brasileiro demonstram, ainda que implicitamente, uma tentativa de controle social do comportamento sexual das mulheres.Tal circunstncia no particularidade do Brasil, mas atinge muitos pases com culturas demasiado diferentes. A mulher brasileira no pode interromper uma gravidez, no tem direito ao parto annimo e tambm responde criminalmente quando abandona seus rebentos, no lhe restando muitas alternativas a no ser educar e arcar com os custos advindos da maternidade indesejada, dentre os quais o abandono do trabalho e dos estudos regulares. Aos pais, no cumprem muitas obrigaes seno o dever de assistir financeiramente o rebento, geralmente em cifras insuficientes, dentre outras poucas obrigaes, sendo-lhes facultado socialmente no acompanhar o desenvolvimento do filho, possibilidade inextensvel mulher, para a qual, como dito, restam poucas opes.