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Cadernos de Graduação - Ciências Humanas e Sociais (ISSN 1980-1784) - v. 11 - n.11 - 2010 A MATERNIDADE NO PRESÍDIO FEMININO DE ARACAJU (SE) Ana Flávia Alves de Oliveira Daiane Soares da Mota Santos Edineuza da Silva Gomes Ribeiro RESUMO Nos últimos anos, com o aumento da violência e a participação da mulher na criminalidade, a população carcerária tem crescido de forma significativa. Em virtude dessa superlotação carcerária, os direitos humanos têm sido violados, descumprindo a legislação brasileira. Considerado este fato, criou-se o anseio de adquirir conhecimentos quanto ao encarceramento feminino no que se refere à assistência à maternidade; assim, a pesquisa tem como objetivo conhecer o sistema prisional feminino no que diz respeito às questões inerentes à assistência às internas gestantes/mães no Presídio Feminino de Aracaju – Prefem, analisando como essas são tratadas no ambiente carcerário, na perspectiva de direitos e qual o olhar dessas enquanto mães no cárcere. A análise é baseada em entrevistas semiestruturadas realizadas com seis internas e três profissionais da instituição, como também em observações ocorridas no segundo semestre de 2009. As internas do Prefem não têm acesso aos direitos garantidos pela legislação brasileira. É preciso mudar esse quadro atual, e para isso são necessárias inovações no sistema prisional brasileiro, que deve ser tratado como objeto prioritário do poder público com a implantação de políticas voltadas para essa população específica. PALAVRAS-CHAVE Sistema prisional; mulher encarcerada; mãe. ABSTRACT In recent years, with increasing violence and women’s participation in crime, the prison population has grown significantly. Because of overcrowding in prisons, human rights have been violated, not complying with Brazilian law. Given this fact, the desire was created to gain knowledge about female incarceration in relation to maternity care, with research aimed at investigating the Female Prisons with respect to matters pertaining to assistance to imprisoned pregnant women/mothers in a Female Prison in Aracaju - Prefem, analyzing how these women are treated in the prison, in the perspective of rights. The analysis is based on structured interviews conducted with six domestic and three

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Cadernos de Graduação - Ciências Humanas e Sociais (ISSN 1980-1784) - v. 11 - n.11 - 2010

A MATERNIDADE NO PRESÍDIO FEMININO DE ARACAJU (SE)

Ana Flávia Alves de OliveiraDaiane Soares da Mota SantosEdineuza da Silva Gomes Ribeiro

RESUMO

Nos últimos anos, com o aumento da violência e a participação da mulher na criminalidade, a população carcerária tem crescido de forma signifi cativa. Em virtude dessa superlotação carcerária, os direitos humanos têm sido violados, descumprindo a legislação brasileira. Considerado este fato, criou-se o anseio de adquirir conhecimentos quanto ao encarceramento feminino no que se refere à assistência à maternidade; assim, a pesquisa tem como objetivo conhecer o sistema prisional feminino no que diz respeito às questões inerentes à assistência às internas gestantes/mães no Presídio Feminino de Aracaju – Prefem, analisando como essas são tratadas no ambiente carcerário, na perspectiva de direitos e qual o olhar dessas enquanto mães no cárcere. A análise é baseada em entrevistas semiestruturadas realizadas com seis internas e três profi ssionais da instituição, como também em observações ocorridas no segundo semestre de 2009. As internas do Prefem não têm acesso aos direitos garantidos pela legislação brasileira. É preciso mudar esse quadro atual, e para isso são necessárias inovações no sistema prisional brasileiro, que deve ser tratado como objeto prioritário do poder público com a implantação de políticas voltadas para essa população específi ca.

PALAVRAS-CHAVE

Sistema prisional; mulher encarcerada; mãe.

ABSTRACT

In recent years, with increasing violence and women’s participation in crime, the prison population has grown signifi cantly. Because of overcrowding in prisons, human rights have been violated, not complying with Brazilian law. Given this fact, the desire was created to gain knowledge about female incarceration in relation to maternity care, with research aimed at investigating the Female Prisons with respect to matters pertaining to assistance to imprisoned pregnant women/mothers in a Female Prison in Aracaju - Prefem, analyzing how these women are treated in the prison, in the perspective of rights. The analysis is based on structured interviews conducted with six domestic and three

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professional institutions during the second half of 2009. The prisoners at Prefem do not have access to rights guaranteed by Brazilian law. We need to change that now, and for that innovations are needed in the Brazilian prison system, which should be treated as the main object of government in the implementation of policies for this specifi c population.

KEYWORDS

Prison system, incarcerated woman, mother.

1. INTRODUÇÃO

O Sistema Penitenciário Brasileiro Feminino apresenta uma realidade alarmante no que se refere aos serviços de saúde que não são disponibilizados às internas, a morosidade dos processos e as particularidades femininas que não são levadas em consideração devido as prisões terem sido criadas por homens e para homens. Nesse contexto prisional, o quadro se agrava ainda mais para as internas gestantes/mães, as quais sofrem dupla violência, pois provavelmente não terão tratamento adequado por conta da defi ciência do sistema carcerário.

A Lei de Execução Penal - LEP, de 11 de julho de 1984 foi criada especifi camente para regular a execução das penas e das medidas de segurança, determinando como deve ser executada e cumprida a pena de privação de liberdade e restrição de direitos. Ela garante aos presos assistência educacional, médica, jurídica, religiosa, material e, por fi m, a social, que tem por fi nalidade amparar o preso e o internado para o retorno à liberdade e cita, no artigo 31, que o Estado tem obrigação de oferecer trabalho remunerado ao presidiário, pois esse traz novas perspectivas ao recluso, tendo maior probabilidade de se inserir na sociedade (MIRABETE, 2000).

Porém, ao analisar o Sistema Prisional do Brasil, constata-se a existência de diversos problemas causados pela lentidão do sistema judiciário na prevalência de um modelo encarceratório, contribuindo fortemente para superlotação e péssimas condições de vida, isto é, o mínimo de assistência ao preso, no que se refere ao atendimento de saúde, educacional e acompanhamento jurídico – os presos condenados vivem com os provisórios pela escassez de serviços, além de várias ilegalidades e situações de violência, como: maus-tratos, humilhações, espancamentos, torturas, corrupção (desvio de alimentação e facilitação de fuga), tráfi co ou porte de drogas e/ou de armas e privilégios, mantendo a ideologia do castigo e da vingança.

Como refl exo da superlotação e da inadequação das instalações prisionais temos o dramático episódio do Carandiru, um dos fatos mais marcantes na história das penitenciárias brasileiras, onde houve mais de uma centena de presos mortos durante a intervenção da polícia. Além disso, os presos condenados por pequenos delitos são colocados junto aos presos de alta periculosidade e quanto às penas alternativas estas ainda são bastante esporádicas complicando ainda mais a ressocialização desses indivíduos

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(CÂMARA, 2002). Relata a LEP em seu art. 10 “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”.

O sistema carcerário no Brasil é omisso, no qual o preso não passa de uma “coisa”, sendo visto como “lixo social” que só traz problema, e como tal é tratado e amontoado em celas projetadas para castigar, oprimir e humilhar. Sendo ele um produto da própria sociedade, pois é ela que não possui estrutura adequada para dar ao homem condições de satisfazer suas necessidades básicas, que induz e estimula a marginalidade. Nesse Sistema Prisional, o preso torna-se totalmente indiferente a si mesmo e aos outros. A família é levada juntamente com o preso ao “deposito de lixo social”, sofrendo pelas exclusões, pelas rotulações que os desumanizam e os fazem pagar, junto com o preso, a pena (PEDROSO, 1999).

Ao abordarmos a questão do Sistema Prisional Brasileiro é necessário avaliarmos o contexto social, econômico, político e cultural. Pois a realidade carcerária é o retrato fi el da questão social em uma sociedade desigual e de excluídos sociais. Sendo notória a falta de iniciativa política para encaminhar soluções aos problemas atuais, cabendo ao poder executivo prover um Sistema Penitenciário para segregar, ressocializar e reinserir aqueles que infringem as leis (TORRES, 2001).

2. SISTEMA PRISIONAL FEMININO

No que se refere à criminalidade sempre houve uma diferença entre os crimes praticados por homens e mulheres. O aumento da taxa de criminalidade feminina, que segundo Departamento Geral do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro – DESIPE/RJ no ano de 2000 passou a representar 3,5% de toda a população carcerária brasileira, está relacionado ao movimento de libertação das mulheres, uma vez que, ao buscarem igualar-se aos homens, cometem ofensas mais violentas tornando-se masculinas, e tendendo-se com maior frequência ao crime. O comportamento violento da mulher é interpretando como um comportamento masculino, o qual não se enquadra no padrão de comportamento social defi nido esperado para a mulher (ALMEIDA, 2006).

Para entender as diferenças entre o comportamento masculino e feminino, no âmbito da criminalidade, é necessário compreender as questões de gênero, que contribui para esclarecer acerca dos papéis socialmente preestabelecidos, para as mulheres e para os homens. “Gênero é um elemento constitutivo de relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e como a primeira forma de signifi car as relações de poder” (SCOTT, 1991, apud ALMEIDA, 2006, p.22). A identidade de gênero é construída nas relações sociais, a partir dos papéis sexuais estabelecidos e, do signifi cado que atribui aos símbolos referentes ao “masculino” e “feminino”, determinados culturalmente e transmitidos tanto pela família como pela sociedade.

O crime tem signifi cações distintas entre o gênero masculino e feminino, pois a mulher é socializada para assimilar e internalizar um modelo feminino culturalmente

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construído, do qual faz parte o papel de vítima, esposa, mãe e dona-de-casa, sempre relacionando com o espaço privado. Enquanto o homem é formado para ser viril e útil ao mundo do trabalho, fazendo parte do espaço público.

O mundo do crime utiliza-se dessa imagem construída socialmente acerca da mulher para obter vantagem. Almeida (2006, p. 23) salienta que:

[...] na medida em que usa a mulher como “isca” para atrair uma vítima “mula” para “conduzir” a droga nos crimes de tráfi co, “levar a arma” nos casos de assalto, porque geralmente não são revistadas no ônibus e também apenas com o papel de compor o grupo como forma de despertar “confi ança” e “facilitar” a ação criminosa. Os papéis e condição subalterna desempenhados pela mulher acerca do crime também são determinados pela estrutura sócio-cultural a qual está inserida e não pela condição biológica.

Historicamente, por questões de gênero, a mulher sempre foi submetida a uma relação de subordinação e dominação por parte do homem, uma vez que a própria sociedade culturalmente lhe conferiu tal poder. Para Almeida (2006), essa desigualdade de poder também se faz presente no mundo do crime, a maioria das mulheres faz parte de grupos criminosos cujo comando fi ca a cargo do homem, tendo essas que assumir sempre posições de cumplicidade e subordinação. A maioria das mulheres que vivem na criminalidade encontra-se em posições de inferioridade social, baixo nível educacional e falta de trabalho que garantam sua sobrevivência. Mesmo diante das mudanças de comportamento, de papéis e na forma como a mulher passa a ser vista socialmente, esta ainda depara-se com situações de inferioridade social.

Segundo Magalhães (2001), o gênero é um produto social, aprendido, representado, institucionalizado e transmitido ao longo das gerações, diferentemente do sexo. Nesse percurso histórico percebemos que as mulheres romperam a invisibilidade, tomaram o espaço público, o qual antes só lhe era permitido o espaço privado, onde eram domesticadas e tratadas como propriedade, e se apresentam como artistas, cientistas, sindicalistas, trabalhadoras do sexo e aquelas que enveredaram pelo mundo do crime.

Magalhães (2001) expressa que atualmente a maior parte dessas mulheres que romperam a invisibilidade tem ocupado espaço nos noticiários, não mais como vítimas, mas como agressoras. A sociedade tem presenciado cenas de violência do cotidiano, espancamentos, assaltos, homicídios, os quais a mulher apresenta-se como autora ou coautora do crime. A mulher estigmatizada, excluída primeiramente pela condição de pobreza, encontra-se presa em um mundo restrito de quatro paredes, grades, cadeados, solidão e ordens de diretores, vice-diretores e agentes de segurança que, revestidos de leis, códigos, regulamentos, criam dispositivos próprios para tornar mais difícil, pesado e cruel o seu cotidiano.

Diante desse cenário exposto e dos novos papéis que a mulher vem assumindo e as razões que conduzem a criminalidade, elas continuam sendo vistas como sexo frágil,

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presas fáceis do ardil, da sedução, do envolvimento amoroso trágico, com suas vidas inválidas pelos seus amores e/ou colegas. O drama das mulheres presidiárias se agrava de forma brutal devido ao envolvimento com homens ligados ao tráfi co de drogas, assaltos, homicídios, roubos e furtos, aliás, envolvimento esse que as afi rmam na condição de presa. Sendo considerado que por trás de cada mulher existe o namorado, o companheiro, o marido, ou o fi lho que está cumprindo pena no presídio masculino.

Magalhães (2001) cita que no presídio essas mulheres são tratadas de forma muito mais rígida que os homens, o judiciário trata-as diferentemente, com a morosidade maior dos processos, comprovando, assim, a relação construída socialmente no que se refere a gênero e como são duplamente castigadas: pela trajetória de vida violenta e pela negligência dos profi ssionais que trabalham com a justiça.

Assim, entende-se qual o signifi cado para as mulheres da prática do crime e a relação desse fato com sua trajetória de vida. A mulher foi, ao longo da história, vitimizada de diversas maneiras, e um dos estigmas que a marcaram foi a inferiorização frente ao homem, também foram relegados menos direitos, além de uma cidadania parcial.

Segundo Pedroso (1999, p. 50), “o tratamento dado às mulheres não difere do dispensado aos homens. Elas também sofrem com a superlotação e as condições subumanas. Com relação à mulher presa, chama a atenção a total falta de sensibilidade pela individualização da pena”. Não há preocupação em diferenciar o cárcere feminino do masculino, tampouco de se criarem regulamentos específi cos para a conduta da mulher no sistema. As torturas, os maus-tratos, as condições anti-higiênicas – que fi zeram parte da história da mulher encarcerada – ainda se refl etem perversamente na atualidade.

A vida no Presídio de acordo com Goffmann (1974) apud Alves (2001, p. 45):

[...] implica numa série de rituais que iniciam, por assim dizer, um “novo processo de socialização”. A dinâmica e rotina da admissão ao mundo do Presídio começam na realidade bem antes da prisão – na Delegacia – onde fi chamento, fotos, interrogatório, revista, e impressões digitais antecipam os vários processos de “moldagem” do comportamento, da “nova” personalidade que começa a ser desconstruída/construída no cotidiano da prisão.

Ao chegar ao presídio, a interna é enviada para a tranca, que se constitui em um cubículo pequeno com uma cama de alvenaria sem colchão e sem iluminação, permanecendo lá por dias, semanas ou meses. Como no cubículo não há banheiro, a presidiária tem que solicitar que alguém a leve, e nem sempre sua solicitação é atendida. As transgressões que levam à tranca variam de acordo com a situação, com a Direção, com as relações de “poderes” que existem no ambiente carcerário, dentre outros (ALVES, 2001).

Após a tranca, a interna é transferida para o salão, onde é “amontoada” com outras detentas com estórias para contar. No salão chegam a fi car até quinze internas, sendo que este nem sempre tem acomodações para todas. Isso demonstra o desrespeito

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aos direitos humanos do indivíduo. Para Adorno (1991) apud Alves (2001, p. 46) “as prisões possuem uma espécie de ‘mini-tribunal’ interno capaz de sobrepor penas à própria pena decretada pelo poder judiciário competente”. O comportamento é a base utilizada para o “mini-tribunal” executar suas penas.

A maioria dos técnicos do sistema prisional não é capacitado para trabalhar a individualidade das encarceradas. Para eles, independentemente da pena, da condição social e das experiências que tiveram, se essas estão presas não merecem tratamento diferenciado. Ao entrar no presídio a interna deixa de ser um indivíduo dotado de direitos e passa a ter apenas deveres/obrigações, sendo rotuladas como transgressoras da lei. Devido a essa rotulação, existem detentas que cometeram pequenos furtos, dividindo salões com outras, que cometeram homicídio com requinte de crueldade (ALVES, 2001).

Para realizar a visita íntima, a interna deve fazer uma fi cha no Serviço Social e aguardar resposta do marido/companheiro, que geralmente encontra-se preso. Alves (2001) aponta que as internas que não desejam ter relacionamentos homoafetivos no presídio costumam se “fi char” com algum homem ou ao menos se corresponder. Esse fato revela a necessidade culturalmente imposta à mulher, de ser protegida e mantida pelo homem, sexo dominante.

A maior parte da população prisional deriva das camadas populares de baixa renda, dependendo da assistência jurídica gratuita que se caracteriza pelo número reduzido de advogados para atender o elevado quantitativo de encarceradas. Essa problemática interfere no andamento do processo das internas. De acordo com Alves (2001, p. 76), “existem ainda outras questões que se inserem no tempo da prisão, na duração da pena, a exemplo de preconceitos de gênero que interferem na fundamentação das sentenças”.

A LEP em seu art. 5º do capítulo 1 prevê um processo classifi catório para a individualização da pena, devendo ser realizada por uma Comissão Técnica através de estudo sociológico, psicológico e criminológico, sendo caracterizados, em profundidade, as relações sociais do condenado, sua história de vida e sua biografi a circunstanciada. Essa avaliação é necessária para um juiz sentenciar um indivíduo, pois ela dá subsídios para julgar as condições sócio-psicológicas em que ocorreu o delito, o grau de periculosidade, as condições sociais que imediatizaram a ação delituosa e assim por diante. Alves (2001) expõe que no estado de Sergipe esse processo não ocorre por falta de suporte material e de recursos humanos.

Tornar-se mãe não é fácil, nem para as mulheres que dividem esse momento com marido/companheiro, familiares e amigos, imagina-se para uma detenta que convive em ambiente fechado, com outras mulheres que não conhecem, que podem ser prestativas, mas não suprirão a falta da família. Nesse período a mulher tem grandes mudanças, hormonais e físicas, que alteram seu comportamento e modo de enxergar a vida:

A gravidez é um processo que afeta a identidade da mulher, altera seu senso físico e convida-a a reconsiderar vários aspectos dessa

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identidade: sua relação com seu corpo, com o pai da criança, com seus próprios familiares, com os outros planos e esperanças para sua vida e com a imagem social da mulher grávida (GALLBACH, 1995, p. 11).

A gravidez no cárcere no Brasil representa dupla violência: para a presa, enquanto mulher, que não terá atendimento médico adequado, e para a criança que, na maioria dos casos, é impedida de ser amamentada. Sendo que são direitos femininos: a amamentação, a saúde (exames ginecológicos) e a separação, quanto ao delito cometido. Ocorre, entretanto, demora nos benefícios, castigos corporais, confi namento em celas conjuntas ou no isolamento, acompanhamento inadequado da execução por parte de advogados do Estado, defi ciência do atendimento médico e inexistência de cuidados odontológicos.

Segundo o Departamento Penitenciário Nacional em 2007, o número de mulheres presas em todo o País representa 4% do total da população carcerária. Quanto à maternidade, é sabido que a situação também é complicada. Para as presas grávidas, um dos maiores problemas enfrentados nas prisões são os prédios inaptos à maternidade, sem berçário, e sem o devido acompanhamento médico e pré-natal. Contudo, a resolução dessa problemática está prevista no cumprimento da legislação.

A Constituição Federal - CF de 1988, art. 5º, inciso L, preconiza que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus fi lhos durante o período de amamentação”. O direito do aleitamento materno trata-se de inovação em termos de direitos humanos fundamentais, tendo a destinação dessa previsão o caráter dúplice, pois, ao mesmo tempo em que garante à mãe detenta o direito ao contato e amamentação com seu fi lho, garante a esse o direito à alimentação natural, por meio do aleitamento.

A LEP, em seu art. 83, §2º, preconiza que os estabelecimentos penais destinados à mulher serão dotados de berçário, onde as condenadas possam amamentar seus fi lhos, entretanto, não defi ne o período de permanência da criança junto à mãe. Com base em pesquisas médicas pediátricas, verifi ca-se que, o período de quatro meses, defi nido por alguns estados brasileiros, como por exemplo, São Paulo é considerado fora do padrão da Organização Mundial da Saúde - OMS, que é de seis meses. Retirar esse direito da interna e, principalmente, da criança, em ser amamentada, confi gurar-se-ia em uma espécie de contágio da pena, contrariando expressamente o art. 5º, inciso XLV, da CF/88, o qual determina que nenhuma pena passe da pessoa do condenado.

Atualmente a Lei nº 11.942, de 28 de maio de 2009, altera os arts. 14, 83 e 89 da LEP, além de determinar o período mínimo de permanência da criança com a mãe no ambiente carcerário de seis meses, assegura condições mínimas de acompanhamento médico, principalmente no pré-natal e no pós-parto, estendendo o direito ao recém-nascido.

O art. 2º desta Lei expressa que: “[...] a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestantes, parturientes e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis)

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meses e menores de 7 (sete) anos, com a fi nalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa”.

Em consonância com os artigos supracitados da Lei 11.942/09, que se refere à prestação de assistência ao fi lho desamparado da presa, pois, de certa forma, a execução da pena atinge indiretamente aos fi lhos das condenadas, tornado-se indispensável que sejam eles assistidos, ao menos enquanto estiverem na idade de estreita dependência com a mãe presidiária. Em seu art. 2º, no seu parágrafo único, estabelece os requisitos básicos da seção e da creche, são eles:

I- Atendimento por pessoa qualifi cada, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e II- Horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável.

A implicação da prisão para os fi lhos de mulheres presas envolve imagens antagônicas de infâmia e prisão dos pais, especialmente da mãe. As mães, que são historicamente as principais guardiãs das crianças, quando presas, são atingidas por imagens negativas e estigmatizadas, ferindo o mito da “boa mãe”. Estigma esse estendido aos fi lhos, os quais, na atual realidade da política penal brasileira continuam sofrendo com as implicações do encarceramento materno. Para Stella (2006, p. 18), “os presídios femininos, assim como os masculinos, não foram desenvolvidos para propiciar o vínculo familiar, especialmente entre mães e fi lhos, muito menos promover um ambiente adequado para o desenvolvimento infantil”.

Nessa ótica nota-se que as crianças, lado mais frágil e vulnerável dessa relação delito-cárcere, ainda estão sob a responsabilidade materna. Quando o pai é preso, a criança continua com a mãe, quando a mãe é presa, percentual mínimo continuam sendo cuidadas pelo pai, ou como acontece na maioria dos casos, na ausência materna, a criança passa a ser cuidada pela avó materna, sendo essa última, a que assume a responsabilidade fi nanceira e emocional do neto.

Visualiza-se, assim, que a prisão da mãe reconfi gura o ambiente de desenvolvimento da criança, necessitando de políticas específi cas que deem conta da condição particular desse grupo, pois, querendo ou não, essas são estigmatizadas pela condição de cárcere das mães. Apresentado impacto sobre o crescimento psicológico e social e dando margem para o surgimento de estigmas e discriminações sociais.

Entende-se também que os fi lhos de presos brasileiros são como uma população esquecida: talvez pelo estigma que os envolve, não se sabe quem são, quantos são e onde estão. Apesar de existir dispositivos legais como a CF/88, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, a Lei de Regras Mínimas para o Tratamento do preso no Brasil de 1995, a LEP de 1984; e diretrizes que dizem respeito à garantia de direito a todas as mães que estão presas e seus fi lhos, o cumprimento desses direitos fi ca afetado devido à morosidade do sistema judicial, da inefi ciência dos atendimentos nas unidades prisionais e a pouca visibilidade que se dá às condições de vida dos fi lhos das mulheres encarceradas.

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Segundo Stella (2006), a maior difi culdade da mãe após a prisão é encontrar seu fi lho, pois na falta de quem fi que com ele, esse pode ser encaminhado para instituições. Muitas vezes, a separação pela prisão pode ser algo repentino e sem preparação para as crianças. A mãe pode não ter tempo, ou condições de fazer os arranjos necessários para que a criança seja acolhida por parentes ou conhecidos. Assim, fi cando a criança à mercê da própria sorte, pois a lógica da punição na realidade brasileira enfoca o sujeito de forma individualizada, não levando em consideração suas relações sociais, ou seja, a única preocupação é solucionar em parte o problema policial, mesmo que para isso a criança fi que à mercê de alguma instituição.

A visitação das crianças para as mães na realidade brasileira também é vista como uma forma polêmica de manutenção dos vínculos, pois a criança entra no ambiente prisional inadequado, tendo que passar por um processo de revista, muitas vezes constrangedor. Mesmo que acompanhadas por um responsável.

A criança que vive em presídio, a princípio e juridicamente, não é privada de sua liberdade; entretanto, em seu cotidiano, ela é apresentada a um mundo de vigilância, cheio de celas e guardas, ou seja, a criança passa a ser encarcerada tanto quanto sua mãe. E ainda, o estigma da prisão reforça a crença social de que alguns aspectos bio-psico-sociais, como os ligados à criminalidade, passam de mãe para fi lho. Desse modo, a prisão parental tem infl uência na criança, não apenas pela separação dos pais, mas também por seu delito e por sua detenção. Contundo, não se esquecendo de que no universo da prisão feminina, a mãe pode até ser culpada, mas as crianças não são, embora sejam bastante penalizadas (STELLA, 2006).

3. PRESÍDIO FEMININO DE ARACAJU (SE)

A pesquisa foi desenvolvida no Presídio Feminino de Aracaju – Prefem, onde se encontravam cento e vinte e seis internas, sendo noventa e cinco processadas, vinte e três sentenciadas e oito em regime semiaberto. A unidade tem capacidade apenas para 40 presidiárias, percebe-se, portanto, que existe superlotação carcerária, um dos problemas presentes no Sistema Prisional Brasileiro, pois este desconsidera e desrespeita a condição de ser humano dos presos.

A monografi a teve como objetivo conhecer o Sistema Prisional Feminino no que diz respeito às questões inerentes à assistência às internas gestantes/mães no Prefem. A escolha do tema derivou da curiosidade e indagações de adquirir conhecimentos e averiguar as especifi cidades do cárcere feminino, relacionado à maternidade.

As entrevistas ocorreram em dois dias no período matutino, sendo realizadas em quatro locais diferentes: no berçário, com internas que estavam com fi lhos, onde fomos acompanhadas pela vice-diretora; na sala da direção, onde foram entrevistadas quatro internas, e a diretora; no núcleo de educação, entrevistamos a Assistente Social, sendo que no momento estavam presentes outros profi ssionais e com a Auxiliar de Enfermagem na sala onde realiza atendimento.

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Ocorreram de forma tranquila, contundo, só tivemos acesso à área administrativa, além do berçário e do núcleo de educação que fi cam anexos à administração. Todas as entrevistadas participaram de forma signifi cativa, colaborando com a pesquisa. Mas vale ressaltar que talvez pela presença da diretora e vice-diretora no momento em que entrevistamos as internas pode ser que isso tenha infl uenciado nas respostas, ou até mesmo na não revelação de alguma informação importante.

Do total de sete internas, entre gestantes e mães que viveram com os fi lhos no presídio no ano de 2009, entrevistamos seis. Uma interna, no 7º mês de gestação, duas internas mães, que estavam no berçário com seus fi lhos, de 4 meses e de 7 meses respectivamente, duas internas que viveram com os fi lhos no presídio, mas já se encontram desligados delas, uma interna que ao ser presa já era mãe de um bebê de 2 meses, esse foi enviado ao presídio para ser amamentado, permanecendo com ela durante quatro meses. E do total de vinte profi ssionais, entrevistamos três, a Diretora da Unidade, formada em Serviço Social, uma Assistente Social e uma Auxiliar de Enfermagem.

Em se tratando da sexualidade das internas, foi detectado que a estrutura física do Prefem não disponibiliza de um espaço apropriado para a visita íntima, sendo que esta ocorre no próprio salão coletivo, onde as internas que recebem a visita utilizam os lençóis como cortina, enquanto as demais aguardam no pátio. Para as internas que mantêm relação sexual com seus companheiros mesmo esses estando presos, elas são levadas uma vez ao mês para os presídios masculinos do estado de Sergipe, onde se encontram como mostra a fala de uma entrevistada:

Todos os sábados a visita é dentro dos salões coletivos, é muito quente, não tem um lugar, uma sombra, é inviável para visita íntima, fazem cabaninha com lençol nas camas beliche, enquanto as outras que não tem visita fi cam no sol esperando. Quem tem marido em outro presídio, vão para lá, se comprovado união estável ou fi lhos, uma vez por mês, no carro da escolta militar, tem que ter segurança, não sabe no caminho, não pode chegar depois das 18h, porque não pode fi car a noite na rua, então mais ou menos 13h retornam, chegam 15h 16h depende da distância. Elas levam uma carteira azul é diferente das outras lá, já tem guarda esperando para não se misturar com as outras que tem carteira branca (Diretora da unidade, L. 37 anos).

Percebe-se o desrespeito com a imagem e a sexualidade feminina no momento em que não se leva em conta o constrangimento que a interna pode sofrer, uma vez que sua intimidade, privacidade, de certa forma acaba sendo exposta, tanto aos funcionários e internas do presídio onde se encontram como para aqueles que fazem parte do presídio onde o companheiro está detido, mesmo sendo previsto na CF/88, art. 5º, inciso X: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”:

Tenho visita íntima, uma vez no mês vou para o presídio onde meu companheiro ta preso, né, quem é que vai trazer eles para cá, a

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gente é mulher, é mais comportada e para trazer eles tudinho pra cá não dá certo, as mulheres são mais comportadas daí podem sair para visitar os companheiros (Interna, A. 32 anos).

Observa-se a partir da fala exposta acima, e conforme o procedimento adotado pelo Prefem, a questão de gênero, pois historicamente, culturalmente, a mulher sempre serviu ao homem, realizando seus desejos, e no sistema prisional não é diferente, uma vez que elas se submetem a ir até a unidade em que esse se encontra, e não ao contrário, pois a mulher é vista como mais recatada, passiva. Reafi rmando as desigualdades de gênero, construídas socialmente, sendo que é o homem quem decide receber a visita de sua companheira:

Quando eu cheguei já encontrei esse sistema das mulheres irem, mas eu acho que isso tem a ver com a cultura, como antigamente era mais comum o homem estar preso e as mulheres irem visitar, e em algumas situações isso ainda acontece, quando elas vem presa elas visitavam na rua o marido, então criou-se esse costume cultural das mulheres irem, outra coisa que pode também ajudar nisso é que as mulheres saem de um lugar só para os diversos presídios masculinos do estado, e os homens viriam dos diversos presídios para um lugar só, eu acho que até por conveniência administrativa e institucional também (Assistente Social, G. 52 anos).

Ao analisar tais dados acerca da perspectiva de gênero, é notório que as mulheres são usadas pelos homens no mundo do crime como facilitadoras e mediadoras, sendo descartadas após o momento da prisão e trocadas por outra que provavelmente permanecerá sendo útil nas ações criminosas e, supostamente, irão experimentar e vivenciar a realidade de estar presa e consequentemente ser mãe no ambiente prisional, pois, a partir das falas de algumas entrevistadas, as mulheres que vivem hoje com seus ex-companheiros encontram-se grávidas ou tiveram bebê. Talvez envolvam-se por questões de submissão, violência doméstica, desemprego, dependência fi nanceira ou pelo fato de ser essa a única fonte de renda para sobreviver e prover o sustento dos fi lhos.

Percebe-se o abandono não só das mulheres, mas também de seus fi lhos que em alguns casos nem chegaram a conhecer, deixando de assumir seu papel como pai. Segundo Alves (2001, p.87), “[...] durante o período prisional há um distanciamento muito grande dos antigos laços familiares. As separações do marido e/ou companheiro são muito comuns, sendo adquiridos novos relacionamentos afetivos na prisão”:

Ele não vem me visitar, foi meu marido 3 anos, morava com ele, a primeira vez eu fui presa com ele, agora vim sozinha, porque nois bigou, eu fui pra rua beber, com raiva, dexei minha chave na mão de um rapaz, pegou robou e botou uma televisão na minha casa, ai a polícia chegou, dessa cadeia eu sou inocente da outra não eu fi z mesmo. Nunca viu minha fi lha [pai da criança], só pela foto no CD, que minha mãe levou pra ele vê. (Interna, J. 27 anos).

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A vida da família dos homens e mulheres é afetada diferentemente pela prisão. Segundo Beckerman apud Stella (2006, p.90), “considera-se que a prisão tem maior impacto destrutivo na vida das famílias das mulheres presas”. Pois, a principal diferença decorre como já mencionado da responsabilidade da mulher culturalmente estabelecida em cuidar da criança.

Com relação ao processo de gravidez a pesquisa possibilitou conhecer e diagnosticar a realidade das internas do Prefem, enquanto gestante e mãe, possibilitando perceber que a maioria das internas entrevistadas chegou ao presídio grávidas, com diferentes meses de gestação, sendo que apenas uma engravidou após o período da prisão, estando no momento da pesquisa com 8 meses de gestação. Vale ressaltar que todas as internas entrevistadas tinham várias experiências com relação à maternidade, pois tinham entre 2 a 4 fi lhos. O qual foi perceptível que essas mantinham relação sexual ativa fora do cárcere, sem fazer uso de métodos contraceptivos e de um planejamento familiar:

Engravidei fora do presídio, já vim grávida de onde eu moro. Passei um mês no presídio de Tubias Barreto, eu moro lá mesmo, lá não pode fi car mulher grávida ai eu vim de lá pra cá (Interna, F. 22 anos).

Quando eu vim presa meu fi lho tinha dois meses de nascido, fi quei um dia no COPE, e no outro fui transferida para aqui, com meu fi lho. Tenho três fi lhos, um novinho, um de 6 anos, e outro que vai fazer 8 anos (Interna, E. 25 anos).

Cheguei aqui no presídio grávida, quando fui presa eu tava com dias ainda, fi quei na delegacia aí fez um mês que a menstruação não vinha, aí eu fi cava assim, será que é gravidez? (Interna, J. 27 anos).

A partir das falas supracitadas, nota-se que as internas antes de serem encaminhadas para o Prefem fi caram em cadeias comuns da capital e em estabelecimento masculino. O que comprova a ausência de delegacias específi cas para mulheres, enquanto aguardam o andamento do processo judicial.

Percebe-se de forma explícita o despreparo da equipe técnica em compreender e respeitar a condição da interna gestante do Prefem, pois a mulher grávida de modo geral nesse período passa por mudanças físicas, hormonais e emocionais, necessitando, portanto, de atenção e cuidados diferenciados, como a alimentação, atendimento médico, espaço físico confortável, e apoio familiar. Sendo considerada a gravidez um processo que afeta a identidade da mulher, sua relação com seu corpo, com o pai da criança e com seus próprios familiares (GALLBACH, 1995):

A gravidez no Presídio não é uma incidência, mas esse ano teve uma safra boa, com sete grávidas. Recebem preservativo, mais isso é uma balela, porque elas não têm nenhum compromisso com elas mesmas, seus valores são diferenciados, os valores para ela é o do momento é a conveniência do momento. Fazer amor com camisinha é péssimo, então eu tô presa o meu prazer é

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gozar com meu marido, então não vou usar camisinha, ela nem lembra que pode pegar uma doença sexualmente transmissível – DST, se distribui, porque temos obrigação social, moral, legal, temos compromisso, mas é muito complicado (Assistente Social, G. 52 anos).

Percebe-se que a partir do depoimento acima, as internas além de não terem suas particularidades consideradas, por questões inerentes ao Sistema Prisional, como a segurança e função de punir, observa-se também a presença do estigma social inerente à prisão, por parte de profi ssionais a partir dos aspectos levantados com relação aos comportamentos e o caráter das internas, como se ao serem presas perdessem a condição de ser humano, dotadas de sentimentos, valores, costumes, direitos, responsabilidades e problemas sociais, uma vez que essas fazem parte de uma sociedade injusta, desigual em que nem todos os indivíduos têm acesso aos seus direitos sociais preconizados no art. 6º da CF/88, que devem ser analisados e compreendidos pelos profi ssionais que atuam no sistema prisional para que não utilizem juízo de valor durante a sua prática profi ssional.

A instituição não conta com médico ou enfermeiro e falta medicamento o que demonstra total descaso com a saúde das internas, principalmente das gestantes que estão em um período delicado e necessitam de maior atenção. Não há assistência preventiva à saúde das internas e a realização de exames ocorre quando a instituição recebe campanhas, sendo que essas trabalham de forma generalista.

No que se refere ao direito à assistência médica no período pré-natal e pós-parto, a realidade do presídio é alarmante, o serviço de saúde não disponibiliza de estrutura e recursos adequados para realização desse acompanhamento, não dispõe de médicos, ginecologistas e psicólogos, oferecem apenas uma pequena sala para atendimento, com uma maca, um birô, um armário para medicamentos e outro para prontuários das internas e um lavatório, onde duas Auxiliares de Enfermagem realizam atendimentos como: marcações de consultas, exames, administração de medicamentos, além disso, uma delas tem a profi ssão de guarda - penitenciária e psicóloga exercendo atendimentos psicológicos sempre que necessário, mesmo não sendo sua função na unidade:

É dada pelos Postos de Saúde, porque não temos médico na unidade. Essa é nossa maior difi culdade, porque aqui não tem médico. Agora mesmo esse posto daqui da região o Joaldo Barbosa, a comunidade fez um abaixo-assinado proibindo as presas de serem examinadas. É real, esse mês comprei uma caixa de chocolate para Auxiliar de Enfermagem daqui entregar a enfermeira do João Alves que arranja remédio pra a gente, ela vivi lá pedindo, aí eu digo você vai lá esmolar leve esse presentinho para a menina que não tem obrigação nenhuma de nos dar. Ela vivi atrás de médico amigo para receitar, porque na unidade não tem médico (Assistente Social, G. 52 anos).

Nota-se que a assistência ao pré-natal e pós-parto disponibilizada às internas gestantes/mães do Prefem não ocorre de forma contínua, pela difi culdade de acesso

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ao atendimento médico de obter medicamentos e pela morosidade de agendamento e realização de exames que são disponibilizados por unidades de saúde e hospitais vinculados à rede do Sistema Único de Saúde – SUS, da capital:

Agora está com o problema muito sério, a população fez um abaixo-assinado impedindo o atendimento às internas, na Unidade de saúde da família aqui próxima. Essas chegavam com segurança, fi cava no corredor esperando o próximo sair, aí elas entram, tem prioridade. Atualmente a grávida não tá tendo atendimento todo dia, desde meados do ano passado não tá tendo atendimento nesse posto próximo do presídio, o que difi culta fazer alguns exames. É obrigação do Estado dá atendimento à criança, pois a pena não pode se estender à criança. Ficou determinada uma médica responsável pelo atendimento das crianças, embora o rapaz da associação não queria porque ia acompanhada com a mãe, falamos não o senhor está equivocado, a mãe tem que acompanhar a guarda não vai da mama, não vai se responsabilizar tem que ser a mãe. As grávidas não têm acompanhamento todos os dias mas não deixam de fazer ultrassonografi a, alguns exames, atendimento médico. O médico quando a gente liga, ele manda levar no Posto, São José, Santos Dumont, é quem ainda faz esse atendimento, favor (Diretora, L. 32 anos).

Os dados mostram de forma explícita o descumprimento e a falta de respeito à saúde não só das gestantes como das demais internas, assim como dos seus fi lhos. Pois, “a saúde é um direito de todos e um dever do Estado” previsto no art. 196 da CF/88 e no art. 14 da LEP, que garante ao preso assistência médica, ressaltando no §2º “quando o estabelecimento penal não tiver aparelhado para prover assistência médica necessária esta será prestada em outro local mediante autorização da direção do estabelecimento”. No caso específi co da gestante, a Lei 11.942/09, que dá nova redação aos arts. 14, 83, e 89 da LEP, inclui no art.14, §3º que garante o acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.

É notório que as internas do Prefem, enquanto gestantes, não têm os seus direitos garantidos de forma plena, contrariando assim a Legislação Brasileira, pois na condição de presa, essa é restrita apenas ao direito de liberdade e à suspensão dos direitos políticos, e não aos direitos referentes à saúde. Sendo que, a Lei 10.048/02, art. 1º garante a prioridade de atendimento à gestante. E o art. 2º da supracitada Lei garante que as repartições públicas estão obrigadas a dispensar atendimento prioritário por meio de serviços individualizados, que assegurem tratamento diferenciado e atendimento imediato.

A gravidez prepara a mulher para uma importante transição. Contudo, a gravidez no sistema prisional pode ser, para a mulher presa, um difícil período, que envolve uma série de impasses, como exemplifi cado na fala de algumas internas:

Muito sofrimento, muito horrível, presa, ainda passei um mês no Presídio de Tobias Barreto, eu moro lá mesmo, lá não pode fi car mulher grávida aí eu vim de lá pra cá. E só foi sofrimento na minha

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vida, porque foi um choque, e presa, não sabia que eu era presa assim, grávida. Aqui não é lugar de gente não, aqui é lugar que fi lho chora e mãe não vê, só pra quem mora para saber (Interna F. 22 anos).

É horrível está grávida em um presídio, não desejo isso para ninguém, pois fi car longe do marido e da família, a gente tem desejo de comer uma coisa e não pode entrar, pois se liberar para uma tem que liberar para todas, eu gostaria de estar em casa (Interna, A. 32 anos).

Com relação à percepção das internas entrevistadas acerca da gravidez no ambiente prisional, essas apresentam percepções variadas, que dependem das circunstâncias e relações estabelecidas tanto no presídio como na família. A partir das falas de algumas entrevistadas é notório que algumas internas, embora considerem que o ambiente prisional não seja favorável para a criança, por falta de assistência médica, e por não proporcionar convívio familiar, estar com o fi lho e cuidar dele foi/é signifi cativo para a vida desta mulher. Ao serem questionadas de como se sentiram, com relação a ser mãe no cárcere, apresentaram difi culdades de expressar e verbalizar seus sentimentos, relatando apenas o local onde ocorreu o parto:

Há, não sei explicar, como eu me senti, porque assim, eu tinha alegria porque era do homem que eu amava muito. Hoje eu sinto ódio dele, amava muito ele né, e também eu tinha fé que era uma menina, fi cava feliz. Ah! Com meus outros fi lhos, eu era mãe deles, eu paria, e quem tomava de conta era os outros, a com ela foi diferente, eu dei mama, tomei de conta [riso], foi tão diferente, a foi tão bom. Pari minha fi lha na Nossa senhora de Lourdes (Interna, J. 27 anos).

Com relação aos direitos garantidos pela legislação brasileira de gestantes e mães presas, as internas do Prefem não conhecem todos os seus direitos, pois, ao serem questionadas algumas relataram apenas o direito de amamentar os fi lhos durante seis meses, demonstrando que não são informadas acerca de seus direitos, encarando a assistência prestada pela unidade como benesse. Embora sejam garantidos pela Constituição Federal, art. 5º, inciso LXIII, que o preso será informado de seus direitos sendo-lhe assegurado assistência à família e advogados. Como expresso pelas internas entrevistadas:

Direito como assim? Eu acho que deve ter direito se tiver doente, passando mal, alguma coisa, tem direito sim de ir ao médico, mas se tiver quetinho, assim, tem nada não a vida continua, tudo passa. Tem direito de nada aqui, a pessoa presa não tem direito de nada, uma água gelada você não bebe, 24h água quente, aquela comida, aquele negócio mesmo, não tem direito de nada presa, presa é pior que cachorro (Interna, F. 22 anos).

Conheço o direito a amamentação e que poderei fi car com minha fi lha durante seis meses (Interna, K. 23).

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Observamos também que mesmo alguns técnicos conhecendo os direitos que essas possuem eles o empregam como benesse, favor, como se estes não fossem assegurados pela legislação vigente.

Com relação à permanência da criança com a mãe, o Prefem disponibiliza o Berçário Giomar de Souza Guimarães, com capacidade para quatro internas entre mães e gestantes, possuindo quatro camas, quatro berços, um fogão, uma televisão, um ventilador, um banheiro, e na área externa uma lavanderia, uma pia e um varal para roupas.

A LEP em seu art. 83, §2º, preconiza que os estabelecimentos penais destinados à mulher serão dotados de berçário, onde as condenadas possam amamentar seus fi lhos, entretanto, não defi ne o período de permanência da criança junto à mãe. A Organização Mundial da Saúde - OMS, estabelece que a amamentação deve ocorrer no mínimo, nos seis primeiros meses de vida da criança, por compreender que, a amamentação é fundamental para a saúde da criança de 0 aos 6 meses, além de ser essencial para vínculo entre mãe e fi lho, visto que signifi ca a preservação de laços fundamentais para o ser humano. Retirar esse direito da interna e, principalmente, da criança, em ser amamentada, confi gurar-se-ia em uma espécie de contágio da pena, contrariando expressamente o art. 5º, inciso XLV da CF/88, o qual determina que nenhuma pena passe da pessoa do condenado.

O Prefem atende ao previsto na Lei 11.942/09, que determina a obrigatoriedade de espaço para os recém-nascidos nos estabelecimentos penais femininos, porém, como a mesma não defi ne critérios de como deve ser este espaço, apenas a sua existência difi culta, portanto, a realização de uma análise mais criteriosa acerca da estrutura do berçário do Prefem. Entretanto, consideramos o espaço insufi ciente, pois além das mães com fi lhos, acolhe também as gestantes.

A permanência da criança com a mãe no cárcere amplia as discussões quanto às particularidades do encarceramento feminino brasileiro. Pois, entende-se que, se a unidade não dispõe de infraestrutura adequada para a presa, que dirá para as crianças que, contrariando a lei, acabam sofrendo as implicações do encarceramento da mãe, ou seja, a pena se estende à criança.

Contudo, dentro do contexto penitenciário, a característica maternal assume um aspecto atenuante e de diminuição do sofrimento de privação de liberdade. De uma maneira genérica pode-se afi rmar que a maternidade para as mães presas se vincula ao aspecto da oportunidade de poderem cuidar de seus fi lhos, refl etindo um signifi cado do papel maternal, atrelado ao fato de contribuir para abrandar a pena na prisão.

Percebe-se através das entrevistas, que após os seis meses de amamentação, a maioria dos fi lhos das mães presas é encaminhada para as suas próprias famílias, sendo o destino dessas crianças determinado pela condição familiar ou social da interna, as quais permanecem com sua família extensiva ou, em último caso, encaminhadas para um abrigo, podendo até ser adotadas e colocadas em famílias substitutas:

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Mandei meu fi lho quando ele tinha 3 meses para minha cunhada, aqui ele não tinha convívio familiar. Já tem dois meses que meu fi lho foi para casa, ele só veio aqui uma vez porque minha cunhada é casada e precisa ver qual domingo o marido está de folga para trazer ele. Enquanto ele estava comigo desejava mandar ele embora, aqui não é lugar para ele, lá fora ele tem acesso a tudo, come o que quer, vai ao médico, toma danoninho, mucilon, aqui ele estava só para mamar (Interna, A. 32 anos).

A família vem buscar, após os seis meses se ela tiver algum familiar se não tiver o Juizado da Infância e da Adolescência abriga a criança, nós estamos com um caso aqui agora, onde eu dei uma sugestão a nossa Diretora para ver se consigo que ela responda em liberdade, para a criança dela não ser abrigada. Porque ordem judicial não se discuti, se cumpri, e ela quando vem para cá ela já sabe que o bebê depois dos seis meses não pode fi car preso com ela, nós não temos estrutura para isso, nem para ela, quanto mais para o bebê, a gente só garante mais ou menos até os seis meses (Assistente Social, Y. 50 anos).

Além dele tenho mais três fi lhos, que estão no Abrigo Sorriso. Minha família me abandonou aqui e o pai do meu fi lho não é daqui, ele tá lá em Alagoas, só eu sozinha pra ele (Interna, S. 29 anos).

Observamos que não existe algum tipo de preparação ou procedimento para a saída da criança, e que essas ao atingirem a idade que a Lei nº. 11.942/09 permite sua permanência, que é de seis meses, são simplesmente entregues a familiares ou enviadas para abrigos.

Outro fato relevante quanto à separação é a naturalização do corpo técnico quanto à criança ir para um abrigo, caso seja adotada pode perder defi nitivamente o contato com sua mãe. Contudo, há casos de internas que preferem deixar seu fi lho com família substituta à própria família, por essa não ter condições para suprir as necessidades fi nanceiras e afetivas da criança. Porém, pode correr o risco, após o cumprimento da pena, de perder o vínculo com a criança, já que será educada e infl uenciada pelos valores da família adotiva, criando vínculos que não serão rompidos com a saída da interna. E, conforme Stella (2006), podendo gerar disputa entre a guardiã e a mãe e implicações no desenvolvimento psicológico da criança.

Após a saída da criança do Prefem não é constante seu retorno para visitar a mãe, isso para não afi rmarmos que é raro, já que sua ida à instituição depende dos responsáveis por sua guarda. Além disso, o presídio não disponibiliza de um local apropriado para que a mãe permaneça com a criança durante a visita. A visita ocorre no salão, onde se encontram todas as presidiárias, a criança é submetida à revista, o que pode ocasionar, além do constrangimento, prejuízos ao seu desenvolvimento psicológico, uma vez que ela vai adentrar no ambiente com guardas, armas, grades, podendo ser exposta à circunstâncias impróprias para sua idade. Conforme relatado pelas técnicas abaixo:

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Acontece aos domingos, na verdade tem uma lei, portaria 10/2005 que fala da entrada dessas crianças que deve ser com uma pessoa responsável. O presídio masculino como é um presídio de homens tem uma determinação judicial só entra com a determinação do juiz, aqui como é mãe, que tem vínculo mais forte, o que a gente pede é que tenha uma pessoa responsável pela criança, aí a gente libera sem precisar dessa liberação do juiz. Qualquer idade pode entrar, geralmente quando é bebezinho eu peço para ir pegar até os seis meses, mesmo não nascendo no presídio. A criança tem que ser revistada, mas não da mesma forma, não pode revistar separado, tem que tá com a tia com a avó, tem que tá com a criança perto, pega na roupinha, toca na fraldinha, bem simples não causa constrangimento na criança, até porque quem trabalha aqui são mulheres. Na verdade a criança que vem aqui, tem noção de todo procedimento, criança hoje é muito esperta, tem interna que diz que não quer o fi lho no lugar desse, na verdade eu acho que isso é amor, porque é uma realidade muito violenta, para uma criança saber que vai crescer achando normal que tá preso, que tá em uma cadeia, que vai passar por uma revista. Ja tem crianças que se negam quando estão mais sabidinhas, dizem que não querem vim mais aqui, uma até disse: é o pésidio né vó, minha mãe tá pesa, é uma malaca, minha mãe tá pesa, oí o monte de poliça, revolver (Diretora da Unidade, L. 37 anos).

Não existe um local, a gente não tem estrutura física, o ideal das vistas das famílias na cadeia é não entrar nos cubículos, porque mesmo que você traga algo na vagina, como trazem o celular e a maconha, você terá difi culdade em tirar porque você vai está em uma área onde a vigilância vai está observando. Tá ali quem tem família quem não tem, minha família não veio eu não tenho um senso de valor uma coisa bem assegurada aí eu saio seminua, eu fumo crack ali, tô pouco me lixando que o fi lho da minha colega está vendo, eu não tenho nenhum compromisso social, minha mãe não veio, isso facilita a promiscuidade de um modo geral (Assistente Social, G. 52 anos).

Foi constatado na fala da maioria das entrevistadas que sua relação familiar foi infl uenciada negativamente pela sua condição de cárcere, havendo um distanciamento por parte de seus familiares, em alguns casos já não existia uma relação estável com a família e em outros pela não aceitação da prisão, vergonha ou ainda por deixar de ser útil, não podendo prover recursos fi nanceiros à família.

Demonstrando, assim, que a relação com a família sofre infl uência após o cárcere; algumas são abandonadas, outras já não tinham uma relação harmoniosa com seus familiares antes do cárcere e mesmo, com o cumprimento da pena a interna e seus familiares continuam sendo descriminados e estigmatizados pela sociedade.

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4. CONCLUSÃO

Observamos que, mesmo diante de todas as transformações ocorridas ao longo da história da sociedade, com relação à forma e aos métodos de tratar e punir os indivíduos que transgridem as leis estabelecidas socialmente, e diante de signifi cativas conquistas de direitos humanos, sociais, e da legislação penal, o que de fato predomina ainda nas instituições é o caráter de punir e castigar, inerente à prisão, em detrimento da garantia de direitos e da ressocialização das internas, visando durante o cumprimento da pena à garantia de acesso a todos os serviços de assistência obrigatoriamente oferecidos pelo Estado, para preparar o retorno do preso à convivência social e familiar.

As internas penalizadas na sua maioria são pessoas marginalizadas e excluídas pela própria sociedade, que as produzem como desempregadas, domésticas, trabalhadoras informais (bordadeira, ambulante), negras, pobres e de baixa escolaridade. Fruto do processo de organização e estrutura social, que promovem as desigualdades sociais e econômicas à medida que a riqueza produzida socialmente permanece nas mãos de uma pequena parcela da população que detém os meios de produção, enquanto uma parcela signifi cativa vive à margem da sociedade, em busca de meios para sobreviver, e satisfazer suas necessidades básicas, sendo em alguns casos a criminalidade a única forma de prover seu sustento e de sua família.

A situação torna-se ainda mais complexa quando se trata da realidade das internas gestantes/mães, pois a instituição desconsidera as particularidades femininas, principalmente no que se refere à questão da maternidade, além de não existirem médicos, não existe um acompanhamento sistematizado nos períodos pré-natal e pós-parto. Desrespeitando todos os mecanismos legais que garantem assistência prioritária à gestante.

A estrutura física dos presídios não foi construída pensando nessas particularidades, pois a maioria não possui um local específi co para internas permanecerem durante o período de gestação, que atenda as suas necessidades inerentes à gravidez. Os berçários funcionam em salas pequenas, que são destinadas às internas que estão amamentando, assim como para as internas que se encontram grávidas.

Foi possível constatar que a percepção das internas do Prefem quanto a ser mãe no cárcere, são variadas, dependendo das circunstâncias e relações estabelecidas tanto no presídio como na família. É notório que, embora considerem o ambiente prisional não favorável para a criança, por falta de assistência médica, e por não proporcionar convívio familiar, estar com o fi lho e cuidar dele foi/é signifi cativo para a vida desta mulher. Ao serem questionadas de como se sentiram, com relação a ser mãe no cárcere, apresentaram difi culdades de expressar-se e verbalizar seus sentimentos.

A prisão materna provoca impasses na vida dos fi lhos e das famílias, após o período de permanência no presídio a criança pode ser enviada para o abrigo ou família substituta, quando não tem com quem deixar, podendo perder defi nitivamente o contato

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com a mãe se a criança for adotada. Contudo, há casos de internas que preferem deixar seu fi lho com família substituta à própria família, por essa não ter condições para suprir as necessidades fi nanceiras e afetivas da criança e/ou por não possuir vínculo familiar.

Após o encarceramento a relação da interna com sua família foi infl uenciada negativamente pela sua condição, havendo um distanciamento por parte de seus familiares, em alguns casos por já não existir uma relação estável com a família e em outros pela não aceitação da prisão, vergonha ou ainda por deixar de ser útil, não podendo prover recursos fi nanceiros à família.

A realidade do Prefem no que se refere à garantia de direitos das internas gestantes/mães é alarmante, o que demonstra o descaso e falta de investimento do poder público frente a essa problemática, predominando o pensamento e a visão equivocados de que ao ser preso o indivíduo deixa de ser um cidadão dotado de direitos humanos e sociais, garantido constitucionalmente, independente da sua condição social, econômica, étnica, sexual e idade. Ao ser preso, o indivíduo fi ca privado de liberdade e suspenso de exercer os seus direitos políticos, e não de ter acesso a todos os demais direitos.

A partir do observado apresentamos algumas sugestões, na implementação de ações de intervenção, em que estas sejam capazes de contribuir na resolução das questões levantadas durante a pesquisa. Porém, vale ressaltar que por serem problemáticas complexas pela própria lógica do sistema, requer amplos debates, discussões com diversos segmentos da sociedade como líderes religiosos, profi ssionais, poder público, sociedade civil, Organização Não Governamental - ONG, e principalmente a população carcerária feminina.

Criação de um espaço anexo à instituição, que possibilite as internas mães após a separação de seus fi lhos manterem o vínculo materno, este obrigatoriamente deve ser um ambiente propício à criança, com brinquedos educativos, alimentação apropriada, profi ssionais especialistas no desenvolvimento infantil, como por exemplo, psicólogo e pedagogo, evitando que os fi lhos percam o vínculo com a mãe e não sendo necessário adentrar no ambiente carcerário nos dias de visita, por ser agressiva à sua idade.

A implantação de trabalho interdisciplinar para preparar a mãe no momento da separação com a criança, visando à saúde psicológica da mãe e da criança e proporcionando o vínculo materno após o cárcere, assim como a garantia ao acesso dos direitos, oportunizando uma convivência familiar digna.

Que a justiça avalie as especifi cidades de cada processo das mulheres gestantes e mães em confl ito com a lei, analisando a possibilidade de atribuir penas alternativas, ao invés da pena privativa de liberdade, evitando assim o rompimento do vínculo materno.

Que o Poder Público garanta os direitos previstos na lei referentes ao atendimento à saúde das internas gestantes e infraestrutura adequada ao seu estado. Devendo os órgãos competentes fi scalizar os serviços e a estrutura da instituição continuamente, visando à concretização desses direitos.

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Realização de trabalhos contínuos objetivando a preparação e aperfeiçoamento dos profi ssionais do Prefem para que possam compreender as especifi cidades das internas de um modo geral, e principalmente das gestantes/mães, para atuarem na perspectiva da garantia de direitos humanos.

SOBRE AS AUTORAS

Ana Flávia Alves de Oliveira, Daiane Soares da Mota Santos e Edineuza da Silva Gomes Ribeiro são graduadas em Serviço Social pela Universidade Tiradentes (2009/2). O presente trabalho foi originado de uma pesquisa monográfi ca 2009/2, sob orientação da professora Maria da Conceição Souza Mendonça. Contatos com as autoras: ana.fl [email protected], [email protected], [email protected], [email protected].

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Lúcia de Oliveira. Vozes de dentro... de mulheres... de muralhas: um estudo sobre jovens presidiárias em Salvador, Bahia. Dissertação de mestrado em ciências sociais. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006.

ALVES. Amy A. C. Farias (Org.). “De gente a gente só tem o nome”: a mulher no sistema penitenciário em Sergipe. São Cristovão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2001.

Brasil; ANGHER, Anne Joyce (Org.). Constituição da República Federativa do Brasil. In: Vade mecum: acadêmico de direito. 5. ed. São Paulo: RIDEEL, 2007. pp. 43-98.

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