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Página 1 de 36 Área de Competências-Chave Cultura, Língua e Comunicação RECURSOS DE APOIO À EVIDENCIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS EM SAÚDE Recursos de apoio ao desenvolvimento do processo de RVCC, nível secundário Núcleo Gerador 3 – SAÚDE DR4 – Tema: Patologias e Prevenção

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Área de Competências-Chave

Cultura, Língua e Comunicação RECURSOS DE APOIO À EVIDENCIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS EM SAÚDE

Recursos de apoio ao desenvolvimento do processo de RVCC, nível secundário

Núcleo Gerador 3 – SAÚDE

DR4 – Tema: Patologias e Prevenção

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Tema 4: Patologias e Prevenção COMPETÊNCIA: Mobilizar saberes culturais, linguísticos e comunicacionais para

lidar com patologias e cuidados preventivos relacionados com o envelhecimento e o

aumento da esperança de vida.

A sociedade dos velhos

A sociedade dos velhos é paralela. No cansaço físico dos velhos há um mutismo que parece tornar as suas

questões assuntos para-humanos. Os velhos existem constantemente no absurdo. Rejeitados e habituando-se à

rejeição. Como a serem levados a pensar que valem menos e que representam menos a humanidade. Começar

a perder direitos acontece no instante em que alguém se diminui diante dos outros. É a aceitação tácita de que

se pode ser preterido, esquecido ou abreviado.

Todos nos acostumamos à dor. Em certa medida, buscamos

uma estabilidade que se paga com o ganhar tolerância até

àquilo que nos faz mal. Contudo, o pressuposto de que a velhice

normaliza a desgraça é do foro da pura violência, do terror, e

nenhuma sociedade estará madura sem obstinadamente

corrigir isso.

A simples convicção do Estado de que alguém pode

sobreviver com 150 euros num mês é fundadora de todos os

preconceitos. Nenhum Estado com pensões de velhice desta

ordem pode arrogar-se à ínfima ética no cuidado com os mais

velhos.

E digo que a sociedade dos velhos é paralela porque ela

decorre à margem de todas as grandes decisões. As televisões

são lugares plásticos para figuras que aludam a uma generalidade da população ativa. Vemos o que se supõe

interessar a quem paga. Se retiramos o poder de compra dos reformados, retiramo-los das estatísticas do

conforto, deixam imediatamente de ser alvo da grande maioria das empresas e das boas intenções.

O mais grave é que transformamos a velhice num não assunto, pejados de medo pela antevisão do nosso

próprio futuro, e induzimos os mais velhos à vergonha e, depois, à culpa. A vantagem que lhes levamos na

robustez física, e supostamente mental, cria a covardia com que tantas vezes atuamos, pressupondo que o

padrão da normalidade diz respeito a idades jovens. A velhice, tão simples, tem de ser normalizada. Nem tanta

conquista da medicina, e de todas as ciências quantas nos cuidam, seria coisa interessante se não houvesse

uma lúcida ética em torno da oportunidade de se viver mais tempo.

A impressão de que os velhos vivem culpados é a que mais me magoa. O modo cordeiro como agem para

que a família não se canse deles, para que não lhes gritem, para que lhes sirvam uma sopa que não se entorne,

que não tenha demasiado sal, que não ferva como lava de comer à pressa. Impressiona-me que já entrem nas

salas como meninos malcomportados, acanhados porque lhes dizem que só fazem asneiras. Tantas vezes

escutando as coisas mais cruéis. Para que morram mais cedo, deixem de herança dois ou três pertences com

valor comercial, para que não ocupem o espaço onde as crianças querem brincar. Porque as crianças são todas

elas esperança e direitos.

A ridicularização dos velhos, guardados como animais domésticos de manta nas pernas diante da televisão,

é um flagelo da contemporaneidade. Num tempo de tão grandes consciências e desenvolvimentos, não

entendermos que as pessoas que temos em casa são o puro ouro da vida é um tiro no nosso próprio pé.

Compactuamos com uma mentalidade que nos predará. Seremos nós, depois, aqueles que se sentam de manta

nas pernas afundando a voz mais e mais por perder a vez. Como aberrações que teimam em perdurar.

Imagem disponível na Internet em: http://cuidamos.com/artigos/como-escolher-lar-idosos

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Gloriosos os que conseguem perdurar. E, se emudecerem, espero que imaginem conversas exuberantes que

os divirtam e instruam sempre, secretamente. Porque, no interior das ideias, a idade é uma equação que pode

resultar em muita novidade e juventude. Sobretudo, espero que seja possível encontrar ideias que curem a

violenta tristeza de se perceber a família como demasiado atarefada para o afeto. Demasiado urgente para

dar espaço a quem, por definição, se espreme contra o tempo.

Gloriosos os que conseguem ainda amar. De sorriso transparente, como se, depois de tanta coisa, tivessem

descomplicado a vida. O que vale a pena é invariavelmente cristalino. Turvos só mesmo os olhos de quem vê.

Mãe, Valter Hugo (2015) “A Sociedade dos Velhos”, Jornal Público, 22 de fevereiro.

Evolução e distribuição da população em Portugal

Portugal, incluindo os arquipélagos dos Açores e Madeira, tem uma população estimada em 10.401,1

milhares de pessoas. (estimativa site "Pordata",

2014), representando uma densidade populacional

de 114 pessoas por quilómetro quadrado.

Atualmente a população portuguesa tem vindo a aumentar, mas com um crescimento natural cada vez menor (natalidade menor do que a mortalidade), levando a que o país se encontre envelhecido e não exista renovação de gerações. Cerca de 20% da população portuguesa (2.087.505) tem 65 ou mais anos de idade.

A esperança média de vida tem vindo a aumentar, tanto nos homens como nas mulheres, que tem sido

crucial para este envelhecimento populacional. O maior crescimento da população tem-se verificado nos

distritos costeiros, principalmente em Setúbal, no Porto, em Aveiro e em Braga, mas continua a diminuir nos

distritos do interior.

Nos últimos tempos a imigração tem vindo a aumentar, em consequência da entrada de africanos

provenientes dos PALOP, europeus de Leste e sul-americanos, principalmente brasileiros. Representam cerca

de 3,8% da população residente no território nacional. Estes imigrantes estabelecem-se principalmente nas

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grandes cidades portuguesas. A emigração permanente tem-se mantido a níveis baixos, desde a revolução do

25 de Abril de 1974 e com a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, atual União Europeia.

Com uma população menor que a espanhola, a população portuguesa é, contudo, mais densa (com 90

habitantes por quilómetro quadrado na Espanha e 120 em Portugal). Isso não impede de ser muito mal

distribuída pelo território. As regiões menos povoadas são O Sul e as áreas limítrofes com a Espanha. Pode

dizer-se que O Alentejo, comparado com os distritos de Lisboa, Porto, Viseu e Braga, é um vazio demográfico.

A população urbana passou de apenas 27,7% em 1975 para quase 60%, hoje, ou seja, em três décadas o

número de portugueses a viver em cidades passou de 3 para 6 milhões, número que poderá crescer ainda

mais, pois estima-se que por volta de 2050 a população urbana chegue aos 75%.

Evolução da natalidade e da mortalidade

A transição demográfica é, no geral, um processo de diminuição de taxas de mortalidade e natalidade,

sendo que a primeira diminui mais rápido que a

segunda, causando um período de aumento do

crescimento e, portanto, de grande acréscimo

populacional. O crescimento da população mundial

disparou nos últimos 200 anos, passando de mil

milhões de habitantes, cerca de 1800, aos 6,5 mil

milhões na atualidade. Contudo, nos dias de hoje,

assistimos a uma transformação de uma sociedade pré-industrial, caracterizada para ter umas taxas de

natalidade e de mortalidade altas, a uma moderna ou pós-industrial, caracterizada por ter ambas as taxas

baixas.

O índice de natalidade em Portugal tem vindo sistematicamente a abaixar nas últimas décadas sendo de

7,9‰ no ano de 2014, um valor mínimo, acentuando, ainda mais, a tendência de envelhecimento da

população. O saldo entre nascimentos e óbitos é já negativo (o Saldo natural em 2014 (diferença entre o total

de nascimentos e o total de óbitos é já negativo (-22,4 milhares), a baixa fecundidade das portuguesas não

assegura a renovação das gerações e o número de idosos já ultrapassa o de crianças. A Associação Portuguesa

de Famílias Numerosas (APFN) fez as contas às crianças necessárias para renovação das gerações e concluiu

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que o "buraco demográfico", desde 1982, é de 870 862. Pelos cálculos da APFN, em 2004 nasceram menos 55

mil bebés (uma média de 152 por dia) do que era preciso para a renovação geracional. Para ver dados

atualizados consultar a página da PORDATA (Base e Dados de Portugal Contemporâneo) aqui.

Esperança média de vida: populações envelhecidas e populações jovens

Para conhecer a distribuição do total de jovens, de adultos e de velhos numa dada população, recorre-se a

um gráfico semelhante a uma pirâmide e que, por esse motivo, é designado por pirâmide de idades ou etária.

Uma população crescente (país jovem) apresenta uma pirâmide com base larga e topo em bico. Um país

com um regime demográfico jovem caracteriza-se por ter uma proporção alta de jovens e uma baixa per-

centagem de pessoas idosas. Temos como exemplo países como Moçambique ou a Índia. Uma população

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estacionária (ou população madura) tem uma pirâmide em forma de bolbo, isto é, quase tão larga na base

como no centro superior (exemplo: Brasil e Islândia).

A proporção de jovens não é muito elevada, mas a

percentagem de adultos e de idosos é alta. Uma

população decrescente (população envelhecida)

corresponde a uma pirâmide em forma de uma. A

proporção de jovens é inferior à dos adultos e à dos

idosos. Temos O exemplo de países como Portugal, Espanha, França. Uma população rejuvenescente

apresenta uma pirâmide em forma de A de espadas, ou seja, assiste-se a um aumento das classes etárias mais

jovens. Temos o exemplo de países como Cuba, Honduras, Jamaica e México.

A taxa de mortalidade infantil atingiu o seu valor mais baixo desde há quase duas décadas, o que tem feito

com que Portugal suba alguns lugares no Índice de Desenvolvimento Humano. Esta realidade influencia a

esperança média de vida, também com um aumento (de 77,8 para 78,2 anos), mas não impede que a

população nacional continue a envelhecer.

Por cada 100 jovens havia, no ano 2014, 138,6 idosos, enquanto que em 2004 esta relação era de 109

idosos por cada 100 jovens.

As regiões mais envelhecidas são o Alentejo, seguido do Centro do país. Os índices de envelhecimento mais

baixos ocorrem nas Regiões Autónomas, nos Açores e na Madeira.

A esperança média de vida situa-se agora em 76,7 anos para os homens e 82,6 para as mulheres dados de

2011).

Nos próximos 25 anos o número de idosos poderá ultrapassar o dobro do número de jovens. Esta análise

é dramática e tem de ser invertida aumentando as políticas de apoio à maternidade em Portugal, como de

resto já está a ser feito em outros países europeus. (...)

Crise no Estado-Providência:

O Estado-Providência, é um tipo de organização política e económica que coloca o Estado (nação) como

agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o

agente regulamentador de toda a vida e saúde social, política e económica do país, em parceria com os

sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de

acordo com a nação em questão. Cabe ao Estado-

Providência garantir serviços públicos e proteção à

população.

Pelos princípios do Estado-Providência, todo o

indivíduo teria o direito, desde o seu nascimento até à

sua morte, a um conjunto de bens e serviços que

deveriam ter fornecimento garantido seja diretamente,

através do Estado, ou indiretamente, mediante o seu

poder de regulamentação sobre a sociedade civil. Esses

direitos incluiriam a educação em todos os níveis, a

assistência médica gratuita, o auxílio ao desempregado, a garantia de um rendimento mínimo, recursos

adicionais para a criação dos: filhos, etc.

Esperança média de vida à nascença em Portugal

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Ao abordar esta questão em Portugal, é importante estabelecer um paralelo com outras realidades

europeias. Assim, será conveniente começar por referir que em Portugal o conceito de economia social não

está tão desenvolvido em contraponto a outros, como na Suécia e na Finlândia. N estes países a sociedade civil

tem grande expressão e organização, gerando empresas sociais que têm como objetivo aumentar o lucro, mas

em que a totalidade ou parte desse lucro é reinvestida no desenvolvimento social, na educação e na cultura da

população. Nestes contextos, assiste-se à sustentabilidade dos sistemas de segurança social, uma vez que as

funções sociais são cobertas não só pelo Estado-Providência, mas também pela sociedade civil. N estes países

nórdicos existe uma maior consciência social, a qual é necessário desenvolver em Portugal.

Todos sabemos que o sistema de segurança social em Portugal está a caminho de uma crise séria a longo

prazo. Um défice financeiro só se pode resolver cortando despesas ou aumentando receitas. É tão simples

como isso: e aqui nada valem as magias ou contabilidade criativa.

Uma das principais, senão a principal, medidas, propostas pela reforma da segurança social aprovada pelo

PS (Partido Socialista) e pelo PC (Partido Comunista) foi a de passar a calcular as pensões com base no total da

vida ativa do trabalhador, em vez de ter como base os últimos 15 anos da sua vida ativa.

É interessante ressaltar que esta medida foi louvada por muitos analistas, com completo desconhecimento

das suas consequências. Alguns diziam que era preferível porque evitava que os trabalhadores manipulassem

os dados dos últimos anos para inflacionar as suas pensões. Mas a maioria dos trabalhadores portugueses são

trabalhadores dependentes e com dados perfeitamente conhecidos a partir dos mapas de salários dos seus

empregadores.

Mais recentemente, novas medidas foram tomadas pelo governo PDS/CDS no sentido de garantir a

sustentabilidade da segurança Social e concretamente o pagamento das pensões pressentes e futuras. Estas

medidas, foram alvos da contestação de muitos e louvadas por outros. Contudo praticamente todos estão de

acordo que ainda são insuficientes e que vai ser necessário fazer mais alguma coisa apara garantir, no quadro

demográfica em desenvolvimento e tendo em conta a previsível trajetória da economia que no futuro o direito

à uma pensão justa, possa garantir a todos os reformados.

Ribeiro, Ana Catarina; Lopes, Ana Rita (2010) Cidadania e Mundo Atual – Cursos de educação e Formação, Porto: Porto Editora

Necessidade de pensar o envelhecimento

(...) O envelhecimento nas sociedades desenvolvidas é o resultado da melhoria das condições de vida e dos

enormes progressos da ciência e da medicina que se têm traduzido num aumento significativo dos índices de

longevidade, com a esperança média de vida a atingir números nunca antes registados.

Apesar da redução drástica da mortalidade

infantil, a diminuição das taxas de fecundidade,

aliada à maior longevidade, tem vindo a

provocar uma profunda alteração na geometria

das pirâmides populacionais.

O mundo desenvolvido está a envelhecer. Só

no nosso País, estima-se que nos próximos 20

anos o número de pessoas com 60 ou mais anos

conheça um aumento na ordem dos 85%. O

impacto do envelhecimento marcará, sem

dúvida, o processo de desenvolvimento

económico e social e representa um enorme

Imagem disponível na Internet em: https://plaurent.lamula.pe/2014/05/15/constitucionalismo-

social/plaurent/ Imagem disponível na Internet em:

http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/dois-caminhos-para-garantir-velhice-digna/

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desafio em termos da sustentabilidade, quer do sistema de segurança social, quer do próprio modelo

produtivo. Mas é também fonte de virtualidades que importa aproveitar, num quadro de respeito integral da

pessoa humana em todas as suas dimensões.

Cabe recordar o que disse Gabriel Garcia Marquez “Não é verdade que as pessoas deixem de procurar

realizar os seus sonhos porque envelhecem; envelhecem porque

deixam de procurar realizá-los”. (...)

A importância da questão do envelhecimento radica nas

profundas modificações do perfil demográfico das populações e

nas suas respetivas implicações: nas tipologias e volume dos

cuidados de saúde, na organização social e nos encargos para as

famílias e para o Estado e na mudança das condições concretas de

vida para as pessoas de idade avançada.

Mas, apesar do envelhecimento populacional ser uma realidade

insofismável, a verdade é que é as sociedades ainda não foram

capazes de se adaptar aos problemas nem às oportunidades que

estes ganhos na esperança de vida representam.

Sendo certo que as mudanças demográficas correm sempre a um passo diferente da evolução das

estruturas organizativas das sociedades, haverá porventura uma certa dose de inquietude no debate

aprofundado das questões relacionadas com o envelhecimento. Talvez porque se acentua a carga negativa e

não se valorizam os aspetos positivos associados a esta nova realidade. Aliás, no imaginário comum, a velhice

é quase sempre ou objeto de ironia ou tema de comiseração. E, tal como noutras questões dos dias de hoje,

assistimos a uma inadequação dos modelos tradicionais de resposta, face aos novos contornos que estes

problemas sociais assumem. (...)

Vilar, Emílio Rui (2009) “Prefácio”, In O Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

Respostas para as questões do envelhecimento: todos são convocados

(...) O século XX foi palco de

avanços ímpares na medicina.

Os desenvolvimentos da

tecnologia e da prática clínica

provocaram uma melhoria,

nunca antes registada, na

qualidade de vida das

populações.

Tal refletiu-se numa

diminuição significativa das

taxas de mortalidade e num

aumento da esperança média de

vida. Numa palavra, as pessoas

vivem hoje muito mais tempo do

que viviam há um século atrás.

Este fenómeno,

acompanhado pela diminuição

das taxas de fecundidade, está

Previsão da evolução da estrutura etária da população portuguesa: disponível na Internet em: http://pt.dayshare.org/seculoXXI/popul-20142015

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a provocar alterações surpreendentes na estrutura etária das populações, com um aumento progressivo da

proporção de idosos.

Paralelamente, estão a operar-se mudanças profundas ao nível da dimensão e da estrutura das famílias e

nas suas relações intergeracionais, factos que alteram significativamente as condições sociais em que as

pessoas envelhecem.

O impacto nas sociedades do

progressivo envelhecimento marcará

fortemente os processos de desenvolvimento

económico e social, com consequências

diferenciadas nos países desenvolvidos e nos

países em desenvolvimento.

Segundo as projeções das Nações Unidas

para os países desenvolvidos, estima-se que,

em 2050, teremos 60 idosos dependentes por

cada 100 pessoas em idade ativa, o que

corresponde a um aumento na ordem dos

100%, em relação aos números de hoje. Isto

representa um enorme desafio em termos da

sustentabilidade dos sistemas de segurança

social e das próprias economias dos países.

Por outro lado, um tal aumento da população idosa obriga-nos a encontrar novas soluções tanto ao nível

da prestação dos cuidados de saúde, como também outras respostas sociais de combate à solidão, ao

esquecimento, à pobreza e à exclusão a que demasiados idosos estão expostos.

O envelhecimento da população constitui-se, assim, como um dos principais desafios para as sociedades do

séc. XXI. À semelhança de outros processos de mudança, também neste caso será possível, certamente,

maximizar as oportunidades geradas pelo próprio processo e minimizar as ameaças que ele pode representar.

Esta é uma tarefa que nos convoca a todos, procurando novos caminhos que contribuam para a construção

de uma sociedade inclusiva. Aqui, merece ser sublinhado o papel crucial que a sociedade civil e, em particular,

as Fundações, podem e devem desempenhar. Por um lado, alertando os decisores políticos para a necessidade

de respostas integradas para as diversas questões que o processo de envelhecimento levanta. Por outro lado,

promovendo projetos inovadores que sejam demonstrativos de novas possibilidades de atuação nesta

matéria.

Mas, sobretudo, provocando um abanar da nossa consciência coletiva, de forma a encarar uma realidade

tão insofismável como paradoxal porque, como disse Charles Saint -Beuve “envelhecer ainda é a única forma

conhecida de viver muito tempo” - e, simultaneamente, pensar na velhice que nos conduz, quase sempre, a

sentimentos de medo ou insegurança. (...)

Mota, Isabel (2009) “Abertura”, In O Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

O Envelhecimento em si, não é algo problemático

O envelhecimento é notícia. Se, nos nossos dias, abrirmos qualquer jornal ou revista séria na Europa,

iremos muito provavelmente deparar-nos com um artigo a dizer que o futuro parece sombrio e que vêm aí

problemas terríveis, em virtude do envelhecimento da população. A discussão deste tema tem-se

caracterizado por análises pessimistas que muitas vezes chegam quase a adotar um tom apocalíptico, com o

frequente recurso a frases como “a bomba-relógio demográfica”.

Imagem disponível na Internet em: https://www.youtube.com/watch?v=LBwytWry8vI

Previsão da evolução da população mundial: disponível na Internet em: http://www.ecodebate.com.br/2013/07/12/novas-

projecoes-da-populacao-mundial-ate-2100-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

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Nesta reflexão, irei adotar uma perspetiva um pouco diferente: o envelhecimento não é razão para

sentirmos uma angústia extrema. Para

começar, devemos tentar primeiro entender

porque é que o envelhecimento está a

acontecer pois, quando o fizermos, iremos

constatar duas coisas: em primeiro lugar, o

envelhecimento é inevitável pela natureza

do nosso sistema demográfico hodierno e,

em segundo lugar, o envelhecimento em si

mesmo não é algo de problemático. O

envelhecimento só constitui um problema

porque muitas das nossas instituições,

especialmente de índole económica e social,

como os sistemas de pensões, não estão

devidamente configurados para lidar com

uma população envelhecida. Além disso,

embora o envelhecimento nos vá certamente obrigar a mudar muitos dos nossos sistemas sociais, não coloca

problemas que não possamos resolver.

É esta a perspetiva do envelhecimento que vou apresentar: podemos encarar o envelhecimento não como

um problema a resolver mas como uma mudança fundamental a que nos temos de adaptar. O envelhecimento

da população é o resultado daquilo que conseguimos alcançar na sociedade moderna. Existem duas causas

fundamentais para o envelhecimento, ambas merecendo o nosso regozijo: vidas mais longas e taxas mais

baixas de crescimento demográfico. Melhorámos substancialmente a nossa saúde e vivemos vidas mais longas

e mais saudáveis do que antes. Na Europa, reduzimos também o crescimento demográfico a quase nada.

O valor da crescente longevidade individual é provavelmente uma evidência notória, mas por que é de

importância tão crucial o reduzido crescimento demográfico? Muito simplesmente porque vivemos num mun-

do finito. Se tivéssemos continuado a registar o crescimento demográfico explosivo, a que se assistiu em quase

todo o mundo nas décadas de 1960 e 1970, haveria enormes consequências para o ambiente, consequências

que, por si só, podem ser muito mais problemáticas do que qualquer consequência do envelhecimento. Es-

tamos todos cientes de que a preocupação com o envelhecimento é algo com que hoje nos deparamos

frequentemente em debates sérios na Europa, mas isto não é nada de novo.

Analisemos a seguinte citação: “não iremos ter a distribuição etária do passado, pois a população irá ter

uma aparência totalmente diferente, com um grande número de idosos e um número relativamente baixo de

jovens”. Eis o tipo de comentário que poderia ter sido ouvido numa das palestras da série "Time of Life" mas,

na realidade, estas palavras foram escritas exatamente há 100 anos, em 1908, por Harald Westergaard um dos

cientistas sociais mais famosos do início do séc. XX, chamando a atenção para uma importante questão:

enfrentamos hoje problemas que não são fundamentalmente desafios novos. As pessoas já haviam previsto

problemas semelhantes, refletindo sobre eles e enfrentando-os desde há muito tempo. Nos 100 anos

decorridos, desde que Westergaard fez a sua previsão, verificou-se, de facto, um grande envelhecimento mas

o céu ainda não nos caiu em cima nem o mundo acabou. Enfrentámos os problemas que o envelhecimento

nos colocou no séc. XX e temos todas as razões para acreditar que iremos continuar a fazer-lhes frente no

futuro. (...)

Por último, retomo a ideia que exprimi no início. Um cliché comum assevera que “a demografia é um

destino”. Não acredito que isso seja verdade, que a demografia seja um destino, pois não existe qualquer

razão para sermos fatalistas ou pessimistas. A demografia impõe constrangimentos, uma vez que alguns

futuros são mais prováveis do que outros e que não podemos esperar por outro baby boom. Temos de aceitar

Imagem disponível na Internet em: http://www.dialogosdosul.org.br/populacao-urbana-chegou-39-bilhoes-e-

continua-crescendo/17102014/

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o envelhecimento como inevitável e lidar com ele. A tomada em consideração destes constrangimentos é a

base para reações informadas aos desafios que o envelhecimento nos coloca. Coletivamente, ainda podemos

decidir em grande medida o nosso próprio futuro, pois numa sociedade democrática liberal cabe-nos a nós

escolher como queremos organizar a nossa sociedade e a nossa economia. Iremos certamente necessitar de

fazer muitas mudanças, tanto nas nossas instituições como nas nossas atitudes em relação à idade e ao

envelhecimento, mas acredito que a concretização destas mudanças está bem ao alcance das nossas

capacidades. Os desafios que enfrentamos não são na sua essência maiores do que aqueles que já

ultrapassámos. (...) Aquilo de que necessitamos é de esperança, confiança e sentido do nosso futuro

demográfico.

Wilson, Chris (2009) “O Envelhecimento no Séc. XXI – Perspetivas Demográficas”, In O Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de Saúde

sobre o Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

Envelhecimento, demografia, globalização e desenvolvimento

(...) Ainda há poucos anos, quando iniciávamos os trabalhos do PNPOT (programa Nacional de Política de

Ordenamento do Território), coloquei o

“dilema de partida” - para que país se vai

pensar o ordenamento: para um que cresce

também em população (a situação habitual),

que estabiliza, ou que perde população, que

se despovoa? E é a partir daqui que se

enquadram as políticas de povoamento ou de

despovoamento. 0 fracasso das Políticas de

Ordenamento e Desenvolvimento Regional,

em Portugal, que, desde o final dos anos 50,

têm seguido a melhor teoria, resulta em parte

de nunca se ter pensado que era necessário

promover ações de ordenamento de

extensas áreas em despovoamento.

Um PNPOT, para uma população que

pode encolher nas próximas 4 décadas para 8 milhões de habitantes, é diferente daquele que quer ordenar

um território que estabiliza nos 10,5 milhões ou, ainda, daquele que quer manter os níveis demográficos que

lhe permitam a sustentabilidade económica e social.

(...) Aparentemente, a história da Demografia comporta um conjunto de grandes erros - de Malthus a

Sauvy; do fatalismo das análises feitas para a Índia e América Latina às respostas... no terreno.

Tudo indica que o futuro do Mundo e dos países será determinado por duas surpreendentes alterações que

se verificaram na Demografia: aumento da esperança de vida e redução generalizada das taxas de

fecundidade, o que, combinado, resulta no envelhecimento da população. Fica de fora a variável mais

imprevisível e que tem sido mais dificilmente integrada nos modelos/cenários de base para as projeções

demográficas: os movimentos migratórios.

Sendo as migrações uma componente da globalização, o envelhecimento aparece naturalmente associado.

O envelhecimento global emerge no contexto da globalização estimulando o fluxo de capital humano e

económico através das fronteiras nacionais como um resultado dos desequilíbrios demográficos emergentes.

Imagem disponível na Internet em: http://www.ipsnoticias.net/portuguese/2015/07/ultimas-noticias/america-

latina-caminha-para-gerontocracia-com-nova-convencao/

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O envelhecimento, que até há umas décadas constituía uma preocupação dos países industrializados ou

pós-industriais, está hoje na agenda da maioria dos países do mundo, sendo alvo de estudos e monitorizações

por parte das agências competentes das Nações Unidas.

Alguns autores mão têm dúvidas em afirmar que se o século XX foi o século do crescimento demográfico, o

século XXI será o século de envelhecimento.

As alterações demográficas, que se observam nos países e nos grandes espaços mundiais, decorrem de

ciclos muito longos e de amplitudes irregulares, cujas determinantes imediatas são predominantemente de

natureza económica, política e social. É com esta precaução que devemos refletir sobre os valores que nos são

oferecidos por projeções demográficas, ainda que cautelosamente enquadradas por cenários exequíveis e

contrastados. (...) Apesar de algumas diferenciações regionais e de alguns lapsos temporais, as dinâmicas

demográficas dos países desenvolvidos, e mesmo de um grande número dos medianamente desenvolvidos,

tendem a convergir, isto é, há uma tendência generalizada para o envelhecimento, não só na Europa como

noutros países, nomeadamente nas grandes potências emergentes.

O envelhecimento de uma população, que pode ser objeto de diferentes medições, tendo como ponto de

partida um dado limiar etário (60 anos, na

publicação da ONU; 65 anos nos países da União

Europeia), é um processo que resulta, como vimos,

da convergência de dois fenómenos - o aumento da

esperança de vida e o declínio da fecundidade,

podendo os movimentos migratórios contribuir em

certos períodos para inverter ou acentuar

tendências: a imigração retarda o envelhecimento e

a emigração, acelera-o.

A perceção e o próprio conceito de idoso tem

entretanto vindo a alterar-se, o pelo aumento da

esperança de vida e da longevidade, em conjugação

da melhoria no estado de saúde dos estratos etários

mais elevados e, também, pela necessidade

crescente que os países e as comunidades têm de

manter as populações mais tempo no mercado de trabalho ou, apenas, em atividade. (...)

A globalização do envelhecimento e a convergência que se verifica a nível munida levantam a questão da

eventual relação causal entre desenvolvimento, económico e social e envelhecimento. Embora exista alguma

correlação, tanto entre desenvolvimento económico e esperança de vida, como entre crescimento económico

e taxas de fecundidade, ela só é válida até certo estádio do processo de desenvolvimento económico.

Existem outros fatores a influenciar aquelas duas variáveis, tais como o processo de urbanização, as

condições sanitárias, o nível de educação que, por sua vez, também têm uma correlação positiva, embora

variável com o crescimento económico.

Existem ainda fatores de natureza política e cultural que podem ser significativamente influentes na

evolução dos 'índices de fecundidade e na esperança de vida', podendo até determinar, em dados momentos

históricos, os movimentos migratórios.

Os dados mostram que existem tendências para a convergência global, em que os lapsos de tempo se vão

reduzindo para períodos cada vez mais curtos, incluindo mesmo a África, onde o processo é mais se apresenta

mais lento.

O processo de urbanização parece ser, de entre as variáveis simples, a que oferece maior dimensão

explicativa. Isto não é contraditório com o facto de a rápida urbanização, que se verifica em países menos

desenvolvidos, afetar em muitos casos o bem-estar das pessoas idosas. De facto, a urbanização permite o

Imagem disponível na Internet em: http://inteligenciaeconomica.com.pt/?p=11883

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acesso às condições básicas que podem levar a um aumento significativo da esperança de vida: alimentação,

cuidados de saúde, condições sanitárias mas, por outro lado, proporciona a quebra dos laços familiares e com

a comunidade de origem, muitas vezes sem contrapartida no novo quadro de vida e de valores, o que

prejudica o apoio à integração dos idosos.

Gaspar, Jorge (2009) “O Envelhecimento e a Dinâmica Demográfica na Europa – Posicionamento de Portugal”, In O Tempo da Vida -

Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

Portugal: o envelhecimento - problemas e oportunidades

(...) O envelhecimento da população portuguesa duplicou nos últimos 40 anos do século passado (8% para

16% na população com mais de 65 anos) e, segundo as projeções do INE, deverá duplicar de novo em meados

do século XXI. (...)

Se o Alentejo há muito viu consolidada a sua “paisagem de quietude” que o envelhecimento veio acentuar,

no resto do país, o resultado do envelhecimento, mais lento, nas duas últimas décadas, tem originado um

progressivo abandono das culturas agrárias, da floresta e da pecuária,

produzindo paisagens em declínio, fragmentadas, onde ainda persistem

manchas ou pequenos retalhos, mantidos por uma população

envelhecida, mas em boa medida ativa. (...)

Perante este quadro de transformações nas paisagens demográficas

é necessário rever as estratégias e os instrumentos de desenvolvimento

e ordenamento do território. Por outro lado, os agentes económicos do

setor privado também deverão rever as suas opções de investimento,

tanto no sentido de obviar a algumas ameaças, como no posicionamento

para aproveitar as novas oportunidades.

Assim, deverão ter presentes as alterações profundas que se vão

verificar em certos domínios, como será o caso da “distribuição e

comércio retalhista”: fará sentido estar a destruir o comércio e os serviços de proximidade para responder à

procura de um grupo com características sociais e culturais que vai ter um declínio brusco, sobretudo tendo

em conta que, os idosos, em número crescente, ficarão melhor servidos por esse tipo de oferta de bens e

serviços? Não estaremos a caminhar rapidamente, ainda mais que os EUA, para uma crise das grandes

superfícies centros comerciais, excêntricos em relação às áreas residenciais e só funcionalmente acessíveis

para os que se deslocam de automóvel? Em

contrapartida, é necessário repensar os serviços e o

comércio de bairro/proximidade, o que também

implicará alterações nos padrões de transporte.

O emprego é outro domínio onde se registarão

alterações estruturais com enormes consequências no

ordenamento do território. A questão coloca-se com

mais acuidade para as grandes áreas urbanas e, em

particular, para a Área Metropolitana de Lisboa, mas

também para todas as áreas urbanas densas, de padrão

disperso, como o litoral ocidental, de Lisboa a Viana do

Castelo, e o Algarve. A deslocalização do emprego dos

centros urbanos para tipologias como os centros de

negócios e os parques tecnológicos, localizados em

Imagem disponível na Internet em: http://momentosdecienciaecb.blogspot.pt/2011/11/o-

envelhecimento-demografico-da.html

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função das acessibilidades das autoestradas, constitui uma ação negativa, quando se espera que a força de

trabalho - em todos os domínios e seguramente também no Terciário - tende a envelhecer. Queremos encher

as nossas autoestradas suburbanas com automobilistas em grande parte acima dos 65 anos de idade? O

emprego deverá ser crescente localizado em função de bons acessos de transporte público e pedestre, tende a

bicicleta ser supletiva.

Deverão ainda ser favorecidos os centros urbanos e as novas centralidades no interior de áreas

residenciais: áreas metropolitanas,

cidades médias, centros de cidades

suburbanas, devendo tudo isto ser

articulado com uma nova política

residencial.

Outra questão-chave para a

população idosa é a do seu potencial

de trabalho/de atividade, que deve

ser canalizado para segmentos

específicos da economia, não

conflituam/compitam com o

mercado de trabalho central (core

market). Naturalmente que as áreas

da solidariedade social, da cultura e

da educação, constituem as mais

vocacionadas ou, pelo menos,

aquelas onde a inserção do potencial

ativo das populações idosas é mais

fácil de efetivar. Mas é necessário olhar também para a economia produtiva, em múltiplos domínios.

A agricultura é particularmente relevante no caso português, não só pelo quantitativo demográfico que

encerra, funcionando como uma espécie de refúgio de idosos. E se, em muitos casos, sobretudo no Centro e

Norte do País, conseguem valiosos contributos económicos e sociais, com clara satisfação pessoal, noutros

tem-se perdido o que poderiam ser experiências fecundas neste domínio, que se têm vindo a destruir por falta

de incentivo ou pelo incentivo à inatividade, o que gera disfunções em vastos estratos da população idosa.

Assim como se lançaram iniciativas orientadas para os jovens agricultores, deveriam ser criados programas

para agricultores e outros tipos de produtores idosos; nalgumas situações, os programas devem ser

articulados de molde a que o impulso a dar aos idosos não gere conflitos a nível geracional familiar, como se

observa, por vezes, na dificuldade dos jovens acederem à terra e à direção das explorações agrícolas.

Portugal tem um património valioso no que concerne a respostas possíveis ao processo de envelhecimento.

Esse património traduz-se numa rede densa a nível local de equipamentos e instituições de solidariedade

social, que importa manter e adequar aos desafios em curso e aos expectáveis: Bombeiros, Misericórdias, IPSS,

rede de cuidados primários de proximidade (Centros de Saúde, delegações de Centros de Saúde...).

Ao mesmo tempo que a atração destas infra estruturas reforça a coesão social e económica, poderá

constituir também uma nova dimensão de base económica de extensas áreas do Interior, as áreas menos

povoadas, através da provisão de serviços às regiões mais densamente povoadas. Por outro lado, a

implementação desta nova economia vai atrair ativos jovens, em vários domínios e níveis de qualificação, não

só na área da saúde, mas em muitos outros - turismo, lazer, serviços às empresas...

Uma tal política implica o aprofundamento e alargamento de parcerias, em muitos casos já existentes, em

que o Estado Loca” deverá constituir a instância pública privilegiada. (...)

Imagem disponível na Internet em: http://pt.slideshare.net/abarros/distribuio-da-populao-6704034

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O aproveitamento e exploração daquele valioso conjunto de equipamentos , deverá ser feito, por um lado,

na perspetiva de estabelecer complementaridades entre os espaços menos densamente povoados e, entre

estes, e os mais densamente ocupados, quer sejam as áreas do litoral, quer sejam as principais cidades do in-

terior. Mas uma tal estratégia não pode ser confundida com uma opção voluntarista de repovoamento das

áreas rurais do interior.

Não é exequível, nem desejável, distribuir a população uniformemente pelo território. Particularmente

num período de encolhimento do capital humano, é necessário concentrar recursos, para que se não percam

os limiares críticos de regeneração. De certo modo, foi o que se passou nos últimos decénios com a aglome-

ração metropolitana de Lisboa, em relação a Portugal, mas também com as cidades do interior em relação às

respetivas áreas de influência, de que o caso de Évora é talvez o mais notável.

O que é necessário é manter o território estrategicamente ocupado com infraestruturas, equipamentos e

meios humanos adequados aos objetivos que servem as populações envelhecidas que ainda restam e mantêm

os patrimónios ativos ativáveis...

Gaspar, Jorge (2009) “O Envelhecimento e a Dinâmica Demográfica na Europa – Posicionamento de Portugal”, In O Tempo da Vida -

Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

Envelhecimento: Políticas Urbanas e de Habitação

No planeamento territorial, temos pensado muito no

envelhecimento numa perspetiva do “resíduo” do êxodo

rural e do cumulativo retorno de alguns emigrantes. Ora

o envelhecimento é também, e será crescentemente,

um problema urbano. As cidades vão envelhecer muito

mais rapidamente e isso tem consequências na sua

estrutura, na sua forma, no seu funcionamento.

Nas cidades consolidadas, os chamados centros

históricos são particularmente sensíveis, pela fragilidade

da infraestrutura e das populações muito envelhecidas,

com baixos níveis de rendimento e com uma elevada

proporção de mulheres isoladas.

Neste contexto, podemos conceber três modelos

genéricos de urbanidade, contrastados nas respostas e

nas consequências económicas, sociais, culturais e

ambientais:

1. Fragmentação e desintegração das cidades e dos

territórios.

2. Segmentação social, cultural e urbana, com maior

ou menor fragmentação física.

3. Regresso à 'cidade dos cidadãos' - compactação,

densificação, proximidade.

Não só a visão prospetiva, que assinalámos atrás, como as experiências do último meio século, em

diferentes contextos de desenvolvimento social e económico, mostram que a solução que está no regresso à

“cidade dos cidadãos”, é a que oferece mais condições para um desenvolvimento sustentável.

Habitação - uma política a privilegiar

Imagem disponível na Internet em: populao-http://infohabitar.blogspot.pt/2012_03_01_archive.html

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É tempo de se pensar numa política de habitação orientada para as alterações da procura relacionada, por

um lado, com o ciclo de vida das populações e, por

outro lado, com as alterações na estrutura dos

agregados familiares, a que acrescem as

necessidades dos novos habitantes, incluindo os

imigrantes. Em certa medida, o mercado tem vindo

a responder a essas alterações, mas as soluções

dirigem-se às populações com maior capacidade

económica.

É necessário definir estratégias de intervenção

do Estado e das Autarquias locais, que se deverão

traduzir no ordenamento do território e nas

intervenções de caráter social por parte das

autarquias locais.

A “habitação” não deve ser vista apenas em

termos de tipologias residenciais, mas também

como parte de um milieu a partir de adequadas morfologias urbanas, que permitam o maior convívio intra e

intergeracional.

Tudo deve ser pensado a partir da “rua”, que representa o primado do espaço público e deve ser a

primeira extensão do espaço privado: a rua como espaço de convívio, de encontro e como via de circulação – a

importância dos “passeios”, por exemplo, deve levar a uma revisão do conceito, tendo em conta as suas várias

funcionalidades, de molde a cativar os utentes.

A necessidade de responder à questão "de que cidade precisamos?", no contexto do envelhecimento

global, coloca também o problema do sistema de transportes e, aqui, o envelhecimento aparece como uma

oportunidade.

Se queremos aproveitar as “virtualidades” do envelhecimento, dando a volta ao que à partida é um

problema agudo da sociedade, temos que repensar todo o sistema de transportes: da longa distância à

proximidade.

Face ao envelhecimento, com o que tal implica na sua diversidade social, económica e individual, as

respostas serão muito diferenciadas. No entanto, algumas áreas urbanas são mais sensíveis: os chamados

centros históricos, os subúrbios de população de idade uniforme e baixa renda que inclui bairros de génese

clandestina, a exurbia, mormente a que resultou de loteamentos dispersos (diferentes da que resulta da

urbanização in situ e que manteve atividade agrícola) e, sobretudo, os grandes conjuntos de habitação social

periféricos, são áreas de intervenção prioritária.

A atenção dada recentemente pelo Governo à reabilitação urbana constitui o início da resposta a algumas

destas questões e aqui entronca uma outra, a do contributo da imigração como resposta ao envelhecimento -

em relação à nossa mais consistente comunidade de imigrantes, a caboverdiana, é patente a convergência nos

comportamentos demográficos face à população portuguesa: nas camadas férteis mais jovens, os níveis de

fertilidade já são idênticos, em certas situações, com tendência para serem até mais baixos...

Cidade e urbanismo implicam Arquitetura.

A habitação do século do envelhecimento terá que responder a necessidades específicas dos vários

segmentos da população envelhecida. O caso é particularmente pertinente em Portugal onde não se tem feito

uma consistente investigação aplicada neste domínio e só recentemente o mercado apresenta algumas

respostas.

As casas, para uma população que ultrapassa os 65 anos, têm de ser diferentes e dar resposta a várias

opções de vida (em família, em comunidade, isolada) e diversos estratos etários e sociais.

Imagem disponível na Internet em: populao-http://regioes-sim.blogspot.pt/2010/12/envelhecimento-portugal-

perdeu-800-mil.html

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Que dimensão para os fogos? Que lugar aos netos e que espaços para os receber e alojar sempre que

necessário? A casa deve contribuir para 'recuperar' o relacionamento intergerações...

Há um longo caminho a percorrer e Portugal está em condições para aprender com outras experiências e,

sobretudo, eliminar um certo número de preconceitos em relação aos idosos. Como nos assinala um

Documentos das UN de 1999 (Ano

Internacional dos ldosos), é preciso desfazer

uns quantos mitos em relação às pessoas

idosas:

Mito n.º 1: A maioria das pessoas idosas

vive em países desenvolvidos

Mito n.º 2: As pessoas idosas são todas

iguais

Mito n.º 3: Homens e mulheres

envelhecem da mesma maneira

Mito n.º 4: As pessoas idosas são frágeis

Mito n.º 5: As pessoas idosas já não

contribuem para nada

Mito n.º 6: As pessoas idosas são um fardo para a sociedade

Gaspar, Jorge (2009) “O Envelhecimento e a Dinâmica Demográfica na Europa – Posicionamento de Portugal”, In O Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

Envelhecimento e políticas de saúde

O envelhecimento progressivo das populações é um fenómeno mundial que tem como fatores

determinantes a queda contínua da natalidade, a melhoria das condições sociais e económicas e os progressos

da medicina. O aumento consistente da esperança de vida ao nascer pode ser considerado como uma

manifestação de progresso, o triunfo sobre a morte precoce e reflete o êxito do processo de desenvolvimento

humano. Mas constitui também um desafio sob o ponto de vista social, médico e financeiro. Com o grupo

etário acima dos 60 anos a apresentar maior crescimento em todo o mundo, pode falar-se numa verdadeira

revolução demográfica.

Sentido há algumas décadas nos países ricos, o fenómeno do envelhecimento mostra agora igual

tendência nos países em desenvolvimento e tem condicionado uma discussão global sobre os aspetos sociais e

as consequências para a economia.

A primeira Assembleia Mundial sobre Envelhecimento foi organizada pelas Nações Unidas, em Viena, em

1982, e, mais de uma década depois, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publica a monografia intitulada

"Envelhecimento Saudável" e proclama os princípios das Pessoas Idosas: independência, participação, acesso

aos cuidados, realização pessoal e dignidade (3). Estratégia inicial que foi rapidamente substituída pelo

conceito “Envelhecimento Ativo”, mais lógico e mais de acordo com as características deste grupo etário,

privilegiando a otimização de oportunidades para a saúde e para a participação social.

Saúde não significa apenas ausência de doença e, ser idoso, também não é estado. Ter saúde é

usufruir de bem-estar físico, emocional e social, e o objetivo das políticas de saúde é a melhoria da qualidade

de vida durante o processo de envelhecimento. Este processo não começa na década dos 60, nem sequer na

idade adulta, mas desenvolve-se ao longo de toda a vida. É anterior à infância e até à gestação, pois também é

influenciado pelo património genético. Os determinantes do envelhecimento são assim múltiplos: genéticos,

fetais (de adaptação e programação) e ambientais. Existem genes de envelhecimento, que modulam a

Imagem disponível na Internet em: http://www.vidadequalidade.org/exercicio-fisico-x-envelhecimento/

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suscetibilidade às patologias tardias, e genes de longevidade, que regulam a reparação do ADN, com uma

regulação eficaz da resposta inflamatória que previne e atrasa a lesão cardiovascular, a demência ou o cancro. Há também evidência científica de que o atraso de crescimento intrauterino, que se traduz por baixo peso ao

nascer, está associado a doenças do adulto como a obesidade e diabetes, a hipertensão e as doenças

cardiovasculares. Quanto ao ambiente, uma situação socioeconómica deficiente, que inclua baixa

escolaridade, pobreza e más condições de habitação, determina malnutrição e aumento da frequência

doenças infecciosas e acelera o processo

fisiológico de envelhecimento. Considera-

se idosa, a pessoa com idade superior a 65

anos (65+), definição que pauta as

estatísticas e os programas apesar da

heterogeneidade deste grupo etário. Entre

os 65 e os 75 ou mais, há idosos saudáveis,

ativos e independentes Será, então, lícito

pensar em estratégias para três grupos

com necessidades diferentes: o idoso

saudável, ativo profissionalmente ou

reformado; o idoso com doença crónica; o

idoso frágil com mais de 85 anos (85+) ou

que, de forma independente do número

de anos de vida, apresenta um declínio funcional que resulta da associação dos efeitos da idade com os da

doença. (...)

A evolução epidemiológica tem acompanhado o crescimento da Esperança de Vida, com aumento da

prevalência de doença crónica (DC). A doença crónica é complexa, de duração longa e progressão lenta,

caracterizada por descompensações agudas e causa de 40% da mortalidade nos países pobres e de 87% nos

países ricos (13). As doenças cardiovasculares e o cancro, as principais causas de morte prematura (86%), e

juntamente com as psiquiátricas, as responsáveis por 77% dos Anos de Vida Ajustados à Incapacidade,

representam ainda 70% dos custos em saúde.

Para além destas, as patologias e as disfunções mais frequentes são do foro da saúde mental, como a

depressão e a doença de Alzheimer. A demência tem alta prevalência na Europa, atingindo atualmente 8% dos

idosos 65+ nos países nórdicos e e calculando-se que atinja

50% dos 85+ na próxima década. As quedas e acidentes,

artrites e osteoporose, incontinência urinária,

hipoavitaminoses, alterações da memória, visão e audição e

lesões dermatológicas são também fatores de grande

vulnerabilidade. A população 65+ tem em média duas

doenças ou mais a comorbilidade aumenta com a idade. Há

evidência científica da influência de fatores como o estilo de

vida, a deficiente ingestão diária de legumes e fruta, a

inatividade física e os consumos de tabaco e do álcool, como

determinantes de doença crónica. São ainda fatores de risco

a hipertensão arterial não controlada, o colesterol elevado e

o excesso de peso.

Estudos sobre a população idosa mostram que a pobreza

está associada a menor Esperança de Vida e que a doença crónica e até a recuperação de uma doença aguda

dependem de três fatores: saúde, estatuto socioeconómico e laços sociais e familiares.

Imagem disponível na Internet em: https://www.youtube.com/watch?v=Fok3ovjGVMc

Imagem disponível na Internet em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/noticias.php?con

teudo=_&cod=1896

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Os possíveis determinantes identificados são a qualidade de vida e o nível socioeconómico e de educação

associados aos comportamentos. Quanto maior nível social, maior a probabilidade dos homens pararem de

fumar; quanto mais baixo, maior a probabilidade das mulheres se tornarem inativas e obesas. A utilização dos

os serviços aumenta com a reforma ou a morte de um cônjuge e é frequente a mudança para uma residência

mais pequena e não adaptada às limitações próprias deste

grupo etário. A existência de apoio através de rede social e

familiar é variável mas atividades regulares, como cuidar

dos netos e voluntariado, são uma dimensão do

envelhecimento produtivo. (...)

O slogan da presidência finlandesa da União Europeia,

Health in All Policies, reflete exatamente a

consciencialização de que a saúde depende de políticas in-

tersetoriais como a do Ambiente ou das Obras Públicas, na

prevenção de acedentes ou do conhecido fenómeno de Ilha

Urbana de Calor, responsável pela morte de muitos idosos.

Recentemente, Christakis mostrou evidência de que a

probabilidade do internamento e morte, após o falecimento de um cônjuge, depende ainda das caraterísticas

do bairro residencial e da rede social estabelecida.

Também é urgente melhorar o conhecimento e o desempenho dos profissionais de saúde quanto à

fisiologia do envelhecimento (Gerontologia) e às patologias relacionadas (Geriatria). O conhecimento pelos

profissionais de saúde de especificidades relacionadas com o idoso, como a insuficiência funcional relativa de

órgãos, como o fígado e o rim, ou a farmacocinética das drogas, com o ajuste das doses de forma adequada, é

fator de melhores resultados em saúde. (...)

A estratégia tem de ser holística e interdisciplinar e os programas baseados nos direitos, necessidades,

preferências e capacidades dos idosos. Para o idoso saudável a preocupação será de manter as condições para

uma boa saúde física e mental. Basicamente, de promoção da saúde e prevenção da doença ao longo da vida e

com ênfase na nutrição, exercício físico e exclusão do tabagismo e

do álcool em excesso. É ainda necessário desenvolver toda uma

sociedade, de forma a garantir formas mais leves de trabalho e/ou

prestação social para as quais a maioria deste grupo ainda tem

capacidade. O progresso tecnológico colmata a diminuição da força

física, mantendo a oportunidade de participação ativa.

Para o idoso com doença crónica é essencial o acompanhamento

e a prevenção secundária e terciária: prevenção da deficiência e a

reabilitação de forma a poderem manter a independência na vida

diária, nas tarefas caseiras, e também autonomia de gestão do

dinheiro e das compras. Para o que não tem esta autonomia, terá de

se encontrar um equilíbrio entre o estado, a comunidade e a família.

Famílias que são cada vez mais verticais, fenómeno único e recente que é a convivência entre quatro gerações.

O envelhecimento, que afeta indivíduos e a sociedade e o envelhecer com saúde, autonomia e

independência, constitui hoje um desafio e uma responsabilidade individual e coletiva. Preocupações

partilhadas pelo atual e anterior Presidentes da República: “... é imperioso combater o envelhecimento e

desertificação interior e a desestruturação familiar. (Jorge Sampaio, Fundação Cidade de Lisboa 2005), "... e

repensar os modelos de organização social...” (Aníbal Cavaco Silva, Fundação Caloust Gulbenkian 2008).

Machado, Maria do Céu (2009) “Envelhecimento e Políticas de Saúde”, In O Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o

Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

Imagem disponível na Internet em: http://www.fecomvirtudes.com.br/velhice-

um-fantasma-chamado-velhice-2/

Imagem disponível na Internet em: https://www.google.pt/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&ved=0ahUKEwjNn7DauZXLAhWFVRoKHfChDsIQjRwIBw&url=http%3A%2F%2Fpiorambo.blog

spot.com%2F2011%2F11%2Fsobre-velhice-linda-mensagem-de-cora.html&psig=AFQjCNHtLSlMuZVD-

4jFgaPVQNNnR64lGw&ust=1456576479809505

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Saúde do idoso O envelhecimento demográfico e as alterações no padrão epidemiológico e na estrutura e

comportamentos sociais e familiares da sociedade portuguesa têm criado novas necessidades em saúde, para

as quais foi necessário organizar respostas mais adequadas, exigindo aos

governos, às famílias e à sociedade em geral desafios para os quais não

estavam preparados. As pessoas não envelhecem todas da mesma maneira. Para além dos

fatores de ordem genética que determinam em grande parte o

processo, há que ter presente que não é igual envelhecer no feminino

ou no masculino, sozinho ou no seio da família, casado, solteiro, viúvo

ou divorciado, com filhos ou sem filhos, no meio urbano ou no meio

rural, no seu país de origem ou no estrangeiro, ativo ou inativo.

As principais especificidades do envelhecimento humano são, pois, a

sua particularidade e diversidade, e estas características apresentam

reflexos bem acentuados no estado de saúde.

O envelhecimento tem início no final da segunda década de vida,

perdurando por longo tempo pouco percetível, até que surge no final da

terceira década as primeiras alterações funcionais e/ou estruturais.

A diminuição das funções orgânicas muda não só de órgão para

órgão, como também entre idosos da mesma idade, o que justifica o

envelhecimento ser diferente de pessoa para pessoa.

Envelhecer com saúde, autonomia e independência, durante o maior

período de tempo possível, constitui assim, hoje, um desafio à

responsabilidade individual e coletiva, com grandes implicações no desenvolvimento económico dos países.

Atualmente, ao refletirmos sobre o envelhecimento ao longo da vida é necessário fazê-lo com uma atitude

mais preventiva e promotora da saúde e da autonomia. Para tal, a prática de atividade física moderada e

regular, uma alimentação saudável, não fumar, o consumo moderado de álcool, a promoção dos fatores de

segurança e a manutenção da participação social são aspetos indispensáveis. Por outro lado, é necessário

reduzir as incapacidades, numa atitude de recuperação global antecipada e adequada às necessidades

individuais e familiares, envolvendo a comunidade, numa responsabilidade partilhada, potenciadora dos

recursos existentes e dinamizadora de ações cada vez mais próximas dos cidadãos.

Respostas da saúde para os Idosos

O Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas, visando a manutenção da autonomia,

independência, qualidade de vida e recuperação global das pessoas

idosas, prioritariamente no seu domicílio e meio habitual de vida,

exige uma ação multidisciplinar dos serviços de saúde. Em estreita

articulação com a Rede de Cuidados Continuados de Saúde.

A prestação de cuidados de saúde e de apoio social às pessoas

idosas, integrados, centrados em equipas pluridisciplinares e em

recursos humanos devidamente formados. Com uma componente

de recuperação global e de acompanhamento, nomeadamente

através de cuidados continuados que integrem cuidados de longa

As pessoas idosas são comummente referenciadas a grupos de idades específicos, por exemplo, pessoas com 60 e mais anos, dependendo de fatores culturais e individuais.

Geneva (1999) Os principais efeitos do processo de enveIhecimento e/ou doença crónica manifestam-se aos níveis: cardiopulmonares, musculoesquelética, cutâneos, neurológicos, padrões do sono, função intestinal, função geniturinária, função hepática, renais, endócrinos. Dos problemas de saúde encarados como "típicos da terceira idade" e que apresentam uma alta taxa de prevalência destacam-se: incontinência urinária, instabilidade postural e quedas, imobilidade, demência, delirium, depressão.

Imagem disponível em:

https://fisiostudio.wordpress.com/2012/04/16/envelh

ecer-com-saude/

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duração, são indispensáveis a um sistema de saúde que se quer adequado para responder às necessidades de

uma população que está a envelhecer.

Do ponto de vista da coletividade, sendo o envelhecimento um fenómeno que diz respeito a todos os seres

humanos, é importante o envolvimento e correspon-

sabilização de todos os setores sociais, na promoção

da autonomia e da independência das pessoas idosas

e o envolvimento das famílias e de outros prestadores

de cuidados.

Uma boa saúde é essencial para que as pessoas

mais idosas possam manter uma qualidade de vida

aceitável e possam continuar a assegurar os seus

contributos à sociedade, uma vez que as pessoas

idosas ativas e saudáveis, para além de se manterem

autónomas, constituem um importante recurso para

as suas famílias, comunidades e economias.

Na verdade, os domínios da saúde e da qualidade de vida são complementares, sobrepondo-se

parcialmente, sendo importante distinguir o envelhecimento normal do processo de envelhecimento que é

fortemente influenciado por fatores nocivos, como os efeitos adversos dos ambientes, dos estilos de vida

desadequados e dos estados de doença.

A questão da saúde do idoso passa por privilegiar settings que incluem: a família, capacitando-a para a

prestação de cuidados informais; os lares de idosos, capacitando-os para a manutenção da funcionalidade,

autonomia e independência; os centros de saúde e hospitais, promovendo a identificação de critérios de

fragilidade e de cuidados antecipatórios; as unidades de cuidados continuados, promovendo a prestação de

cuidados curativos.

Que vida depois da Reforma?

(...) Tem-se falado muito de Fernando Pessoa e, estando eu em Lisboa e sendo português, aproveito para

citar uma frase deste escritor, através de um dos seus heterónimos, em que diz textualmente “Ser major

reformado parece-me uma coisa ideal é pena não se poder ter sido eternamente apenas major reformado”.

Quem somos nós para nos colocarmos na cabeça de Fernando Pessoa, para imaginar o que ele pretendia

transmitir quando escreveu esta frase, mas provavelmente

aqui poderia estar um anseio de que, bom mesmo, seria

nunca ter sido escriturário e sim eternamente reformado...

Na verdade, coloca-se uma situação que, no fundo, todos

nós vivemos frequentemente “ai que bom se eu estivesse

reformado”, “como é que seria a vida se eu fosse

reformado”, “o que é que eu podia fazer se fosse

reformado”, “quando vier a reforma é que eu vou ter todos

aqueles livros que estão acumulados a ganhar pó”, “ai isto

fica para a reforma”, “ah, na reforma é que vou ter tempo

para Ler a "Guerra e Paz" ou a "Montanha Mágica'', etc.,

etc. e, portanto, vamos adiando uma série de coisas para a

reforma como se, então, finalmente, ganhássemos O tempo

necessário para fazer tudo aquilo que vamos

sucessivamente adiando.

Imagem disponível em:

http://apsredes.org/site2013/vocesaudavel/2014/02/14/dicas-de-

saude-para-um-envelhecimento-saudavel/

Universidade Sénior da Benedita - Imagem disponível em: http://alter-

ego.blogs.sapo.pt/2008/02//

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Olhando para estas inquietações, que a generalidade das pessoas tem em torno da passagem da vida ativa

para a vida de reformado, parto desde logo de uma ideia-chave: algumas pessoas nunca se reformam, porque,

efetivamente, nunca se sentem reformadas, como

também há muitas pessoas que provavelmente nunca

envelhecem porque nunca se sentem envelhecer. É que

estas questões, como a reforma ou como a velhice, sob o

ponto de vista psicológico, têm muito de subjetivo

porque se prendem com a perceção que cada um faz da

experiência que está viver e do modo como a está a

viver.

É em torno desta ideia-chave que vou focalizar a

minha análise, abordandando de forma mais detalhada

três tópicos.

No primeiro, discutir o processo que eu chamaria de transição-adaptação reforma; nós não passamos

apenas da condição de ativos para a condição de reformados, também temos que nos adaptar a uma nova

vida que é a vida de reformado, em que somos ex-qualquer

coisa: ex-professor, ex-médico, ex-carpinteiro ou ex-

mecânico, somos ex-qualquer coisa e, portanto, temos de

nos adaptar a um nova condição porque socialmente, de

facto, somos olhados como reformados, com aposentados,

ou seja, como alguém que teve uma história prévia e que

agora vive numa espécie de ex-qualquer coisa dessa história

prévia que teve.

No segundo ponto, apresento algumas dimensões que

me parecem importantes para se compreender porque é

que algumas pessoas se adaptam melhor a esta transição do

que outras, porque é que algumas pessoas se adaptam melhor a esta nova condição de vida do que outras.

E, por fim, serão apresentados alguns dados de um estudo que eu próprio realizei em Portugal, junto de

502 pessoas reformadas, de vários

estratos e condições

socioeconómicas, sobre a passagem

à reforma e o processo de transição-

adaptação daí decorrente.

De facto, é um erro olhar para os

65 anos como uma espécie de

barreira que assinala um antes e um

depois, quando, na verdade, não há

nada, rigorosamente nada, que nos

diga que, aos 64 anos e onze meses

nós sejamos adultos e que a 65 anos

e um dia passemos a ser idosos.

Infelizmente, este marcador social

condiciona a discussão em torno das variáveis inerentes à passagem à reforma, porque, há muito, associamos,

precisamente aos 65 anos, a entrada na reforma. Hoje, é frequente as pessoas reformarem-se aos 65 anos.

Olhando para os dados que existem em Portugal, verificamos que a generalidade das pessoas reforma-se dos

65 anos, muitas vezes através de mecanismos de pré-reforma, de reforma antecipada e de reforma baseada

Imagem disponível na Internet em: populao-http://www.saudevitalidade.com.br/noticia/492/envel

hecimento-saudavel/

Imagem disponível na Internet em: populao-http://pt.dreamstime.com/filme-pintura-

da-mulher-adulta-no-parque-video43251675

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não tanto na idade cronológica mas no tempo de serviço, que, no caso dos funcionários públicos, é cumprido

antes dos 65 anos. Esta ideia de que a passagem à reforma coincide com a entrada na velhice e que tudo isto

acontece no momento em que se atinge os 65 anos, é uma ideia perigosa em termos da forma como cada um

se representa e vê a si próprio. É evidente que a reforma da vida profissional, passagem que introduz uma

novidade porque nos obriga a adaptar a uma nova condição de vida pela qual somos largamente responsáveis

é diferente de enquanto trabalhadores, onde há, de

algum modo, quem nos diga o que fazer, como o

fazer, onde há um horário, há rotinas, tarefas

predeterminadas, preestabelecidas, normas estas

que desaparecem enquanto como reformados.

E todo o tempo que nós tínhamos antes ocupado,

e que agora deixamos de ter para nos ocuparmos

com nós próprios, para nos definirmos como

“reformados”, marca aqui uma alteração que, para

muitas pessoas, é muito difícil e complicada de

"gerir”. Portanto, eu diria que esta alteração, esta

mudança, esta transição, constituiu um momento -

como outras transições no decurso da vida humana,

de resto -, que é suscetível de provocar alterações sob o ponto de vista da saúde, sob o ponto de vista

psicológico e sob o ponto de vista da inserção social. Do ponto de vista psicológico, em particular, eu

conceptualizo a reforma como um “acontecimento de vida” com o qual cada um terá que lidar e do qual cada

um irá procurar retirar o máximo proveito possível em termos do seu desenvolvimento pessoal. Agora a

passagem à reforma não é um acontecimento único, não é um acontecimento isolado, não acontece de facto

apenas naquele dia em que nós deixamos de ir trabalhar pela primeira vez. A passagem à reforma prepara-se,

ou não, antecipa-se, ou não, e há toda uma série de variáveis que nos ajudam a compreender porque é que

algumas pessoas, por exemplo, decidem não se reformar ou porque é que algumas pessoas decidem, após a

reforma, ter vidas ativas, mais ativas até do que aquelas que tinham quando eram profissionais ou, finalmente,

porque é que algumas pessoas encaram a reforma simplesmente como um tempo para descansar. Portanto,

há aqui variáveis de ordem individual que são muito importantes para se poder compreender estas diferenças

de adaptação.

Como qualquer outro acontecimento, que sucede ao longo do nosso ciclo de vida, a passagem à reforma

está sujeita a perdas porque perdemos rotinas, porque muitas vezes perdemos amigos, perdemos colegas de

trabalho, perdemos hábitos. Eu lembro-me de uma senhora que entrevistei que era enfermeira no hospital de

São João e que me dizia: "Senhor Doutor, eu, durante os seis ou sete meses seguintes, todos os dias continuei

a ir almoçar ao bar do hospital de São João porque eu não tinha mais ninguém com quem almoçar, aquela era

a minha família efetiva e, portanto, para mim, ter-me reformado significava não só ter deixado o emprego,

mas significava também ter deixado tudo o resto, porque era ali que eu fazia a minha vida toda, de manhã à

noite”.

Portanto há perdas, evidentemente, não se nega, mas também há a possibilidade de obter ganhos, há todo

um mundo novo de oportunidades que se abre e, para muitas pessoas, acaba por trazer até mais agitação,

diria quase até mais stresse do que propriamente quando se era profissional. Então há dimensões que nos aju-

dam a compreender porque é que há tantas variações em termos da forma como as pessoas se adaptam a

este acontecimento de vida, ou seja, não é possível de forma nenhuma nós afirmarmos que os portugueses

adaptam-se pior à reforma do que os franceses ou alemães ou vice-versa, eu não posso aceitar uma condição

destas: acho que em Portugal há pessoas que se adaptam melhor à reforma do que outras, enquanto em

França haverá também pessoas que se adaptam melhor à reforma do que as outras.

Imagem disponível na Internet em: populao-http://www.fashiontourbrasil.com/2013/03/nvelhecimento-da-

populacao-e-um-grande.html

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Isto é, há aqui variáveis de ordem individual que são variáveis determinantes para se compreender porque

é que algumas pessoas encaram esta

passagem de uma forma positiva e dela

retiram um sentido novo para as suas

vidas, ao passo que, para outras

pessoas, a passagem à reforma se

traduz numa perda generalizada, num

sentimento de abandono, em

depressão, em tristeza, em

incapacidade de ocupação do tempo.

Esta imagem procura precisamente

traduzir a ideia de que a passagem à

reforma tem que ser compreendida à

luz de tudo aquilo que foi a nossa

condição de adulto: aspetos

biográficos, lugar onde vivemos, como

vivemos, com quem vivemos, em que

circunstâncias, a profissão que tivemos e o seu significado, se foram ou não cultivados outros interesses para

além da vida profissional, que é um aspeto da maior importância. (...)

Muito sensível é o tempo de reforma. (...) Esta questão do tempo de reforma é uma questão tanto mais

sensível quanto mais as pessoas se reformarem cedo, porque se eu hoje me reformo, por hipótese, com 55

anos, isto é, se tenho pelo menos mais vinte, trinta anos de vida pela frente e se ao fim de 9 anos começo a

correr o risco de cair num padrão de “Perdas-Desligamento”, como irei eu viver o resto da minha vida?

Para concluir, o que é que promove uma adaptação bem-sucedida à reforma? Eu diria que a manutenção

do sentido de continuidade e de envolvimento com a vida, e o estabelecimento de relações próximas com os

outros, são aspetos fundamentais a ter em conta. Esta última é uma variável extremamente importante, mas

não se deve esquecer que as relações próximas com os outros não se cultivam só quando se tem 65 ou 70

anos, isso vem de trás, são as tais condições antecedentes que vão marcar, em grande medida que vida é que

eu vou ter depois da reforma.

Uma atitude positiva, que encara a passagem à reforma como uma nova etapa no ciclo de vida, passa

inevitavelmente pela invenção de uma nova vida quotidiana, uma vida pela qual somos largamente

responsáveis e que, independentemente de sermos ou não reformados, proporcione o máximo de satisfação e

bem-estar.

Fonseca, António (2009) “Que Vida depois da Reforma?”, In O Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o

Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

O contributo das Tecnologias da Informação e das Comunicações para se

envelhecer bem

O número de pessoas com mais de 50 anos de idade aumentará 35%, entre 2005 e 2050. O total de pessoas

com mais de 85 anos triplicará até 2050. As análises recentemente efetuadas pela OCDE prevêem um

aumento exorbitante de custos resultantes do envelhecimento das populações no Japão, nos EUA e nos países

da Europa. Como as taxas de fertilidade estão simultaneamente a diminuir, a relação entre as pessoas que

Imagem disponível na Internet em: http://cidadelacultural.com.br/a-pintura-e-as-suas-contribuicoes/

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trabalham e a restante população irá alterar-se, partindo da proporção atual de 4-1 para 2-1 em 2050, em

média, só na Europa.

Sem uma maior participação da população idosa no

mercado de emprego, sem serviços de saúde e de assistência

social melhor adaptados e mais eficazes, estas tendências

colocarão os modelos sociais e as finanças públicas europeias

sob uma enorme pressão.

No futuro, o total de pessoas frágeis e incapacitadas irá

provavelmente subir, dado o aumento da população em

envelhecimento na Europa. A OCDE prevê, por exemplo, que,

em 2020,0 número de idosos a viver em instituições terá

aumentado numa proporção de 74% no Japão, 61% no Canadá,

33% nos EUA, 26% na Alemanha, 29% em França, 27% na

Suécia e 18% no Reino Unido. (Fonte: OCDE).

Prevê-se que o número de pessoas incapacitadas que vivem em casa também aumente rapidamente. Entre

2000 e 2020, essa proporção irá possivelmente aumentar 74% no Japão, 62% no Canadá, 54% em França, 41%

nos EUA e 29% na Suécia (Fonte: estudo da Senior Watch - www.seniorwatch.de).

Embora o grupo etário mais velho não seja homogéneo em termos de educação, de rendimento ou até dos

tipos de incapacidades frequentemente associadas à idade, os idosos, enquanto grupo, sofrem o maior risco

de exclusão dos benefícios da Sociedade da Informação. Um estudo recente, por exemplo, concluiu que mais

de 60% das pessoas com mais de 50 anos,

na Europa, consideram que as suas

necessidades não estão adequadamente

contempladas nos atuais equipamentos e

serviços das TIC.

De que forma é que as Tecnologias da

Informação e das Comunicações podem

contribuir para Envelhecer Bem? As TIC

podem ajudar os idosos a melhorarem a sua

qualidade de vida, a manterem-se mais

saudáveis e a viverem autonomamente por

mais tempo, contrabalançando a redução

de capacidades mais frequentes entre a

população mais velha. As TIC permitem também que os idosos se mantenham ativos no mercado de trabalho

ou na comunidade a que pertencem.

Uma vida autónoma consiste na capacidade dos idosos para gerirem o seu modo de vida no seu

ambiente preferido, mantendo um elevado grau de independência e autonomia, reforçando a sua

mobilidade e qualidade de vida, melhorando o seu acesso às tecnologias mais compatíveis com as

capacidades dos idosos, bem como aos serviços sociais e de prestação de cuidados de saúde personalizados

e integrados. Envelhecer bem implica igualmente a necessidade de uma participação ativa continuada e

gratificante na vida social e no trabalho, ao longo do processo de envelhecimento.

Além disso, as TIC podem ajudar a melhorar as condições laborais das pessoas que trabalham no setor da

prestação de cuidados e, nessa medida, ajudar a tornar a atividade mais atraente no futuro, em que haverá

uma concorrência muito mais intensa pela mão-de-obra disponível.

As soluções TIC estão relacionadas com uma vida quotidiana autónoma em aspetos como:

Imagem disponível na Internet em: http://tek.sapo.pt/noticias/internet/artigo/estrategias_para_aumentar_a_literaci

a_digital_unem_parceiros_da_rede_tic_e_socie-44303znt.html

Imagem disponível na Internet em: http://www.projectocaerus.org/idosos-online-

em-soalhaes/

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Contactos sociais: acesso facilitado aos contactos por telefone e vídeo, especialmente quando a banda

larga permite manter o contacto com a família e amigos, superando o isolamento social (em diversos

países, mais de metade das pessoas com mais de 65

anos fechadas/trancadas ao sair de casa ou durante

o sono; verificar se existem fugas de água ou de

gás; deixar apenas uma luz acesa ao ir para a cama,

etc.);

Lembretes (os problemas de memória tendem a ser

associados ao envelhecimento, pelo que poderá ser

necessário apoio na toma de medicamentos e na

realização das tarefas domésticas);

Interfaces conviviais (para todos os tipos de

equipamentos em casa e no exterior, tendo em

conta que muitos idosos têm problemas de visão,

audição, mobilidade ou destreza);

A telemedicina abre novas oportunidades na prestação de cuidados médicos ao domicílio e há bastantes

progressos na assistência domiciliária apoiada nas TIC, incluindo novas formas de monitorização do bem-

estar e de preparação de um ambiente doméstico seguro;

Os regimes individuais de saúde incluem sistemas práticos e portáteis de monitorização e diagnóstico,

terapia, reparação/substituição da funcionalidade e apoio a planos de tratamento, para pessoas com

doenças crónicas (nomeadamente doenças cardíacas e diabetes), complementados por telemonitorização

e cuidados à distância, evitando assim a hospitalização;

Apoio para que as pessoas com problemas cognitivos e os respetivos prestadores de cuidados

permaneçam em casa por períodos mais longos e se mantenham ativos até o mais tarde possível,

nomeadamente através de formação cognitiva, lembretes, localização por GPS, etc.

Apoio a fluxos mais eficientes na prestação de cuidados, integrando os cuidados de saúde e a assistência

social através da partilha de informações, da monitorização e do seguimento de intervenções em

diferentes contextos organizacionais e físicos.

A evolução futura em muitas destas áreas assenta

em algumas novas tecnologias fundamentais, entre as

quais a robótica, as novas matérias e os biossensores.

Além disso, o novo conceito de Inteligência

Ambiental oferece grandes potencialidades,

possibilitando que todo o ambiente (em casa, nas

deslocações, na rua, ao guiar o carro ou durante o

transporte, nos edifícios públicos, etc.) tenha

inteligência integrada, a fim de ajudar a colmatar as

necessidades da vida quotidiana.

Os equipamentos, processos e mecanismos de

prestação de serviços apoiados nas TIC podem ajudar a aumentar a quantidade, o valor e a qualidade dos ser-

viços prestados aos idosos (a custos equivalentes ou mais baixos), especialmente em termos de prestação de

cuidados de saúde e de assistência social, a curto e médio prazo, e no que se refere aos prestadores de

cuidados informais e aos serviços de assistência pessoal. (...)

Wintlev-Jesen, Peter (2009) “Panorâmica da Estratégia da União Europeia em Matéria de Novas Tecnologias e Serviços para Envelhecer Bem”, In O

Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

Imagem disponível na Internet em: http://www.elmundo.cr/costarica/hospital-san-carlos-apuesta-a-

la-telemedicina-para-atender-casos-en-zonas-alejadas/

Imagem disponível na Internet em: http://www.meunovocelular.com/2014/12/10/samsung-

simband-pulseira-voltada-para-a-saude/

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Estamos mais velhos, mais doentes e mais caros

A extensa maioria dos doentes que trato tem idade superior a 70 anos. Vou descrever, muito

resumidamente, alguns tópicos que foram trazidos recentemente para a discussão pública, quanto a mim com

muito ruído de fundo, muita desinformação, riscos elevados e benefícios ainda difíceis de avistar.

Em algumas situações interpretarei o que ouço e

observo no dia-a-dia, um abuso do espetador atento mas

ainda descomprometido.

Para explicar a minha ideia tentei lembrar-me de

alguns episódios banais que presencio com regularidade:

o O jovem médico no serviço de urgência que diz

com a convicção do dever cumprido “é um doente

de 82 anos com um enfarto do miocárdio, mas não

ocupámos a última cama da Unidade de Cuidados

Intensivos Coronária, pois podia vir um doente

mais jovem.”;

o “Decidi ser operado à próstata agora com 63 anos,

pois aos 65 perco o meu seguro”.

o O doente de 75 anos não é colocado em lista de

espera para transplantação de rim, pois esse rim poderá proporcionar mais saúde a um jovem. Na

realidade, importava sim comparar a melhoria do prognóstico desse doente se fosse transplantado com

a sua permanência em diálise.

o Instituição de solidariedade social só aceita, na consulta de geriatria, doentes triados por não médicos,

como tendo “elevado potencial de reabilitação”.

o Para obter uma receita de medicação, para atrasar a evolução do seu estado demencial (com elevada

prevalência no idoso), o doente, além de visitar o seu médico assistente, terá ainda que ir a um

psiquiatra ou a um neurologista.

Com efeito, 12% da população tem 65 anos ou mais, dos quais 5 a 15% estão em instituições de terceira

idade (vulgarmente designadas por lares) e 75% são mulheres com idade média de 83 anos a tomarem cerca

de 8 medicamentos diferentes por dia. Em 2030 serão 21% de toda a população e o segmento etário que mais

cresce é o acima dos 80 anos. São grandes consumidores de assistência médica, custam cada vez mais, não por

mais hospitalizações, ou internamentos hospitalares mais prolongados, por aumento dos honorários médicos

ou por pioria do seu estado de saúde, mas sim pela utilização crescente de novas tecnologias (ressonâncias

magnéticas, cateterismo cardíaco, diálise, próteses...). Para alguns autores, a única maneira de reduzir o

consumo de recursos será torná-los de mais difícil acesso.

Muito do que aceitamos como envelhecimento

provém de um consenso social e não de um

envelhecimento fisiológico.

Numa sociedade que premeia o aspeto e a

performance física e social, a vertente física deste

fenómeno tornou-se numa preocupação obsessiva, o

envelhecimento passou a ser encarado como uma

doença e não como um limite biológico que se aceita ou,

num modelo menos extremista, procura eliminar-se a

morbilidade sem alterar a mortalidade, o que é

espelhado num género tão em voga dos self-help books

(...).

Imagem disponível na Internet em: http://www.atlasdasaude.pt/publico/content/doencas-

hematologicas-na-terceira-idade

Imagem disponível na Internet em: http://e-publica.pt/fundamentoslei.html

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No início do filme "Annie Hall", Woody Allen conta uma anedota que eu penso ilustrar na perfeição o que

os idosos pensam da vida: Estavam duas anciãs num lar de 3ª idade e diz uma para a outra: "A comida deste

lar cada vez está pior” ao que a outra responde: "Pois é... e cada vez nos servem menos.”

o Considero que as maiores

provações que o idoso enfrenta

quando adoece são:

o Solidão, irrelevância para os

outros e perda de controlo nas

decisões.

o Perda de direitos, como o da

autonomia e discriminação.

o Cuidados paliativos deficientes ou

inacessíveis.

o Especial vulnerabilidade a

medidas de contenção de

despesa ou redução de custos.

o Alvo preferencial de medidas de

racionamento no acesso à saúde e

assistência.

Confrontados com dilemas assistenciais de caráter ético, o primado do modelo clássico da beneficência

(segundo o qual o médico é que sabe e tudo, o que ele decide é no melhor interesse do doente) foi substituído

progressivamente pelo princípio da autonomia.

A ética médica moderna reflete a erosão da relação de confiança médico-doente e é irónico que todos os

esforços para preservar a autonomia dos doentes e de protegê-los contra potenciais abusos não consigam

restabelecer a confiança A confiança da sociedade na medicina não pára de descer apesar de todos os nossos

sucessos, esforços de humanização, respeito pelos direitos dos doentes ou regulamentos para os proteger.

Porquê? (...)

Como preservar a Autonomia do idoso quando doente? Quando se põe o problema de uma decisão difícil,

em que em nome do respeito pela autonomia sentimos que deveríamos partilhá-la com o doente, este

raramente está em condições de exercer esse direito ou porque apresenta um quadro de demência, ou

confusão mental, ou por estar sob doses elevadas de sedativos ou conectado a uma prótese ventilatória ou até

profundamente deprimido, sem interesse ou vontade em participar no processo decisório.

Coloca-se então o problema de como dar autonomia àqueles que a não conseguem exercer, sem nunca a

impor aos que prescindem de a utilizar?

Em geral recorremos a familiares diretos

(raramente amigos designados para o

efeito), que nos deveriam desvendar quais

as conceções e preferências do idoso

incapacitado no decurso de uma doença

grave, eventualmente prenúncio da fase

final da sua vida.

Ora a literatura médica está repleta de

sólida evidência científica, mostrando

como, quer o familiar representante do

doente, quer o seu médico assistente, são

muito falíveis a interpretar a sua vontade e

preferências, no que respeita a opções

diagnósticas ou terapêuticas, transmitindo-

nos antes as suas próprias opiniões, en-

Imagem disponível na Internet em: http://aformiganocarreiro.blogs.sapo.pt/840823.html

Imagem disponível na Internet em: http://portalamigodoidoso.com.br/trauma-do-idoso/

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viesadas por experiências recentes, convicções religiosas, juízos morais ou interesses económicos.

Familiares e médicos assistentes quantificam a qualidade de

vida do doente idoso, sempre muito abaixo do que ele faria.

Por outro lado, as suas expectativas são em geral irrealistas,

sujeitas a campanhas de desinformação. (...)

No nosso imaginário de médicos, assumimos que os doentes

preferem morrer no domicílio, rodeados pela família, sem dor

ou sofrimento, mas sem serem submetidos a técnicas

dolorosas, dispendiosas e de resultados incertos, com o

objetivo limite de conservar a vida a todo o custo. No entanto,

em estudos de campo mais recentes, só 35% dos doentes

desejam morrer no domicílio e menos de 50% querem

prescindir a priori de usufruírem de todos os meios oferecidos

pela medicina moderna para conservar a vida.

Não raramente, o ênfase colocado no respeito pela autonomia encobre um plano de poupança com

doentes idosos, que concordaram em limitar o nível de cuidados a receber, por estarem deprimidos ou

receosos dos encargos que podem causar aos seus familiares. (...)

É neste contexto, de respeito pela autonomia do idoso doente que vale a pena aborda temas como o

testamento vital, suspensão de cuidados, eutanásia, cuidados paliativos e racionamento e triagem de serviços

ou recursos assistenciais considerados benéficos para a sua situação. Pela sua complexidade exigem uma

abordagem mais demorada. (...)

Concluindo, podemos afirmar que os idosos para o fim da vida desejam:

· Que não seja ainda o fim da vida.

· Alívio do sofrimento.

· Reduzir a carga e os encargos para os que ficam.

· Estreitar laços com a família.

· A sensação de controlo na sua vida e decisões.

Ponce, Pedro (2009) “Estamos mais Velhos, mais Doentes e mais Caros”, In O Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o

Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

O Tempo de vida

Eos, fiIha de Titãs, a deusa volúvel da aurora dos dedos róseos que abre os cantos da Odisseia, foi

condenada por Afrodite à sedução irreprimível dos mortais. Para um deles, Titónio,

pediu a Zeus a imortalidade e esta foi-lhe concedida. Esqueceu-se no entanto de

pedir também a eterna juventude e o pobre Titónio foi envelhecendo, até que a

deusa ingrata, cansada de dele cuidar, o fechou num quarto transformado em

cigarra. Para os comuns mortais as lições da mitologia são sempre exemplares. Esta

não escapa à regra, na profética advertência contra a absurda pretensão de

imortalidade que novas tecnologias de "melhoramento" parecem prometer neste

futuro já chamado de pós-humano.

A realidade é, porém, mais simples: qualquer que seja a duração da vida a velhice

é, nas palavras de um velho revolucionário, a coisa mais inesperada que acontece a

uma pessoa e nunca é fácil. Afinal envelhecer é como aprender uma nova profissão.

Antunes, João Lobo (2009) “Viver mais, viver melhor”, In O Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de

Saúde sobre o Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

Imagem disponível na Internet em: http://work-

psychology.webnode.com.pt/ii-

crescimento-desenvolvimento-e-

envelhecimento/desenvolvimento%20

ao%20longo%20da%20idade%20adult

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Imagem disponível na Internet em: https://www.youtube.com/watch?v=xSqgi9OHJjc

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A solidão na velhice (...)

Durante muito tempo pensei que não sabia o que era a solidão e, como todas as pessoas que não sabem o

que é, acabei por escrever sobre ela, como é evidente.

Acho que outro dia aprendi o que era.

Eu moro num bairro pobre, um bocadinho de uma aldeia dentro de Lisboa, com merceariazinhas,

padariazinhas, cafezinhos, pessoas pobres, a maior

parte delas velhas, pequenos comércios, pequenos

marginais, inclusive pequenos travestis e costumo

comer nos restaurantes pequeninos que há ali à volta.

A um desses restaurantes vai jantar às vezes uma

Senhora, uma atriz de teatro, que eu não conhecia, uma

atriz do tempo do António Silva, do Vasco Santana, da

Beatriz Costa, que mora na Estefânia e vai a pé, à hora

do jantar, já com certa dificuldade em andar, e senta-se

muito coquete, sempre muito bem vestida, com

colares, anéis, o penteado armado com laca e come

com gestos preciosos, cirúrgicos, cheia de mindinhos

– há pessoas em que todos os dedos são mindinhos,

têm uma delicadeza aérea de mindinhos – e então as

mãos dela mexem nos talheres como se estivessem dançando com eles.

E eu perguntei ao dono do restaurante – que é assim um Senhor que foi louro e de olhos azuis, conserva os

olhos azuis, mas perdeu o louro, que se chama Arménio e que poderia ter competido com o Vergílio Teixeira

nos filmes portugueses dessa época e que é extraordinariamente bem-educado, extraordinariamente delicado

– perguntei “Quem é?” e ele disse-me “é fulana tal, que era uma grande atriz e continua a vir aqui jantar.

Sabe, ela continua a deitar-se às duas da manhã porque continua ainda no tempo da sua glória teatral, em que

os artistas na época se deitavam tarde e então fica a fazer não sei o quê e só vai para a cama a essa hora,

mantém o mesmo horário dos seus tempos de glória”. E estava ali a comer, sozinha. Dois ou três dias depois,

entrei no restaurante, ela estava lá e, não sei, foi um daqueles impulsos que todos nós temos às vezes, fui ter

com a Senhora e disse-lhe “dá-me licença que lhe beije a mão?” E ela estendeu-me a mão, imperial, de

princesa, que cheirava bem ainda por cima, e que eu beijei e depois pedi licença para me sentar e ficámos a

falar e a certa altura disse “A Senhora tem um sorriso tão bonito. Importa-se de me fazer um sorriso?” E ela,

toda arranjada, olhou para baixo e eu reparei que estava a tirar da carteira o espelhinho para ver se estava

bem pintada e então tirou um tubo e concertou o bâton até fazer uma boca perfeita, em forma de copa de

carta de jogar, e só então é que levantou os olhos para mim, olhou para mim e sorriu. Eu tinha a impressão

que aquele sorriso estava dentro de uma lágrima e fiquei com a certeza que não há nada mais bonito do que

um sorriso dentro de uma lágrima.

Foi, até hoje, o sorriso mais bonito que me deram, mais bonito que eu vi.

E enquanto ela sorria, era tão engraçado porque de repente era uma rapariga nova, de repente tinha

dezasseis, dezassete, dezoito anos, as rugas desapareceram, o cabelo pintado passou a ser natural, os gestos

dela ficaram fáceis, os olhos eram uns olhos de uma menina coquete, numa espécie de flirt, num jogo de

sedução. E depois, quando o sorriso acabou, a menina desapareceu, os dezasseis anos desvaneceram-se,

apareceram rugas, voltou a ficar corcovada na mesa e voltou a estar diante de mim uma atriz já muito idosa

que fica acordada até às duas da manhã, a lembrar-se, diante da televisão apagada, dos seus tempos de glória.

Antunes, João Lobo (2009) “Viver mais, viver melhor”, In O Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o

Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

Imagem disponível na Internet em:http://wp.clicrbs.com.br/adribuch/page/54/?topo=84%2C2

%2C18%2C%2C%2C84

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Lares de idosos têm “modelo deprimente”, mas será que isso é inevitável?

Em Portugal há "um grande desrespeito pelas pessoas idosas", lamenta o presidente da Associação dos

Amigos da Grande Idade, que acredita que é possível "estar num lar e ser feliz".

A Associação Amigos da Grande Idade reclama uma mudança radical da abordagem dos problemas da

terceira idade em Portugal, de forma a combater-se a ideia feita de que o envelhecimento corresponde “a um

processo de inatividade, de sofrimento e de depressão”. “É preciso um novo modelo de financiamento, de

educação e de intervenção” para alterar o panorama, sintetiza Rui Fontes, presidente da associação que esta

segunda-feira conseguiu pôr vários políticos e ex-políticos a discutir as questões que decorrem do aumento da

longevidade, num congresso, na Assembleia da República.

Considerando que em Portugal, país em acelerado processo de envelhecimento, “há um grande desrespeito

pelas pessoas idosas e pouca reflexão sobre os seus direitos”, Rui Fontes dá o exemplo de instituições, como

lares e residências assistidas, onde se “proíbe os mais velhos de beber álcool e se põem de lado as questões do

sexo”. “Se uma pessoa se apaixona por outra num lar de idosos o modelo é gozar [com aquela relação], torná-

la uma gracinha”, lamenta.

Para o presidente desta associação criada há uma dezena de anos, os serviços e cuidados dirigidos a idosos

estão mesmo a “falhar” em Portugal porque têm “um modelo deprimente” e porque a maior parte assenta

num “comportamento caritativo e

assistencialista”. Por alguma razão,

nota, é que nos países do Norte da

Europa 13,5% dos idosos vivem em

instituições e, em Portugal, a

percentagem se fica pelos 3,7%. Mas

esta situação não é uma

inevitabilidade, acredita.

No documento com “13

recomendações para a longevidade”

apresentado no Parlamento, a

Associação Amigos da Grande Idade

propõe, entre outras coisas, um novo

modelo de financiamento das

instituições que recebem idosos.

“Hoje financiamos mais a

institucionalização do que a permanência em casa”, critica Rui Fontes, para quem o modelo atual – tanto o dos

lares de idosos como o das residências ou hotéis assistidos – não serve para as pessoas mais velhas que

continuam independentes e ativas. “Acabam por ter de pagar como se estivessem incapacitadas”, frisa,

lembrando que a legislação obriga a que as instituições para a terceira idade tenham “50% de camas

articuladas”, além de outros requisitos, que encarecem sobremaneira este tipo de resposta.

A solução passa por “uma mudança radical do modelo de financiamento, abrindo a possibilidade de

investimento noutro género de serviços e cuidados mais destinados à vida livre, ativa, preventiva e feliz”,

advoga Fontes, ele próprio diretor técnico de um lar de idosos, o do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas. Mas

devia também abrir-se a possibilidade de comparticipação às famílias e dar mais valor aos cuidados

domiciliários, de forma a manter as pessoas em casa, sempre que possível. “Não podemos pensar que vamos

ter lares para dois milhões de pessoas”, por isso é necessária uma política de apoio às famílias e redes de

vizinhança, diz o presidente da associação.

Garantindo que é possível "estar num lar e ser feliz" e ser-se "mais eficaz com menos gastos”, Rui Fontes

defende que não faz sentido continuar a duplicar e a triplicar ofertas e serviços comparticipados pelo Estado,

"sem qualquer orientação e sem qualquer resultado”, como acontece atualmente em Portugal. Propõe, a

propósito, que se crie uma rede nacional de serviços e cuidados diferenciados com tipologias distintas, até

porque "não se pode partir do princípio de que depois dos 65 anos estamos todos doentes, carenciados e

incapacitados”.

Acima de tudo, e de imediato, o presidente da associação recomenda que se aposte fortemente na

Imagem disponível na Internet https://baptistasdecantanhede.wordpress.com/2012/12/21/especial-de-natal/programacao-

especial-no-lar-de-idosos-de-cantanhede/

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educação e na formação. "Não podemos continuar a ter cuidadores que necessitam de mais cuidados do que

as pessoas de quem cuidam. Não podemos continuar a fechar os olhos à falta de capacidade técnica que existe

na área dos cuidados às pessoas idosas”, sublinha.

Campos, Alexandra (2015) “Lares de idosos têm “modelo deprimente”, mas será que isso é inevitável?”, Jornal Público, 3 de

dezembro.

Educação e cidadania plena

A formação e a educação são aspetos importantes, quer a nível individual quer no âmbito da sociedade. A

sua finalidade principal é certamente bem resumida na afirmação que se segue do reitor da Universidade de

Harvard:

“Uma universidade não se limita a obter bons resultados no trimestre seguinte nem sequer à questão de

saber como irão evoluir os estudantes depois de se formarem. O que está em causa é um processo de

aprendizagem que irá moldar todo um

tempo de vida; uma aprendizagem que

transmita o património de milénios; uma

aprendizagem que irá moldar o futuro”.

(Drew Faust, Reitor de Harvard, no

discurso de tomada de posse em 2007)

Quando as pessoas em idade a

avançada afirmam querer ser responsáveis

e dar o seu contributo no mercado de

trabalho, na comunidade e na família,

estão igualmente a afirmar que precisam

qualificações necessárias para o fazer e

que estas serão, a maioria das vezes,

qualificações que poderão não ter sido

adquiridas através da educação e

formação numa fase anterior da vida. A educação numa sociedade em envelhecimento é essencial à qualidade

de vida das pessoas, à medida que atingem uma idade avançada.

Quando as pessoas, de idade avançada, têm de se preparar financeira e socialmente para esta fase da vida,

referem igualmente que carecem das competências necessárias para o conseguir.

À medida que a longevidade tem vindo a aumentar, a maioria das pessoas enfrenta a perspetiva de

permanecer um quarto da sua vida em formação e educação (no início da vida), 30 a 40 anos no mercado de

trabalho e 20 a 30 anos na reforma. O balanço final da aprendizagem ao longo da vida deve refletir esse

equilíbrio no decurso da vida em termos demográficos.

Sem dúvida que uma educação e formação pré-primária, primária, secundária e superior de qualidade são

aspetos extremamente importantes num mundo globalizado altamente competitivo, mas a educação e a

formação incluem implicitamente mais do que a mera aprendizagem inicial. A aprendizagem ao longo da é

essencial à constante melhoria de conhecimentos exigida num mundo em rápida evolução, em que as

alterações tecnológicas e demográficas colocam os seus próprios desafios e oportunidades no mercado de

trabalho. Mas a aprendizagem longo da vida e a aprendizagem em idade avançada implicam mais do que

meramente preparar as pessoas para o mercado de trabalho. Preocupam-se igualmente em preparar s

pessoas de todas as idades para cidadania plena, nas sua famílias e comunidades, permitindo-lhes dar o seu

contributo para o desenvolvimento e responsabilizarem-se por ele. (...)

Imagem disponível na Internet em: http://nucleodafe.com.br/nucleodeensino/?p=435

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A Comissão para a Formação Contínua na Alemanha salienta “a globalização e o advento da sociedade do

conhecimento representam enormes desafios, que as alterações demográficas irão intensificar

significativamente” e, neste contexto, a importância da aprendizagem como mais do que um mero

instrumento de empregabilidade é um aspeto essencial (Ministério Federal da Educação e Investigação, 2008).

Além disso, a mesma comissão chama a atenção para a situação da Alemanha enquanto país com um elevado

número de imigrantes, e para o papel da aprendizagem ao longo da vida no processo de integração.

Além do mais, o conceito de aposentação

do trabalho tem mudado radicalmente,

deslocando-se da noção de descanso para o

conceito de recompensa, e deste para o de

direito, e desviando-se agora visivelmente

para uma ideia de responsabilidade. Embora

tenha sido argumentado que a reforma está

associada a uma considerável perda de

identidade individual, estudos mais recentes

indicam que, de um modo geral isso já não

acontece.

Não só o conceito e o conteúdo da noção

de reforma mudou, mas a sua

calendarização mudou drasticamente ao

longo das últimas duas ou gerações. Esse processo resultou da adoção de regimes de reforma antecipada em

toda a Europa e, dada a anomalia da reforma antecipada e do aumento da longevidade, soluções encontradas

pelas políticas lançadas nos últimos anos consiste em incentivar/obrigar os trabalhadores em idade avançada a

permanecerem no ativo. As consequências individuais e sociais para as mudanças no equilíbrio entre

diferentes fases da vida traduzem-se num certo número de resultados determinantes, muitos dos quais estão

mais associado à retórica do que à lógica racional, da mesma forma que a existência de uma população

envelhecida passou de problema a desafio, para depois se tornar uma oportunidade ao longo de 20 a 30 anos

no final do século XX, apesar das tendências demográficas subjacentes permanecerem, pelo menos,

inalteradas. Assim, assistimos na década de 1980 ao aparecimento do conceito de “terceira idade em vez da

noção de velhice, o que viria a exigir tremendos esforços das instituições da sociedade para se ajustarem às

necessidades e anseios destes “guardiões culturais do futuro” (Laslett, 1989). As pessoas da terceira idade

eram apresentadas com ativas, bem-educadas,

prósperas, saudáveis e exigentes e, sobretudo, como

diferentes das gerações anteriores. Contudo, para não

negar que esta fase da vida pode igualmente ser

definida pela dependência e fragilidade a determinada

altura, foi convenientemente cunhada “a quarta

idade”. (...)

Assim, a vida numa idade mais avançada, nesta

primeira década do século XXI, é claramente definida

como uma fase da vida em que há escolha, controlo,

independência, oportunidade, criatividade e evolução

pessoal sem receios financeiros significativos, pelo menos na maioria dos casos. (...)

Leeson, George.W (2009) “Educação e Aprendizagem ao Longo d Vida?”, In O Tempo da Vida - Fórum Gulbenkian de Saúde sobre o

Envelhecimento 2008/2009. Parede: Editora Principia.

Imagem disponível na Internet em: http://blog.contrarymagazine.com/2012/12/can-we-love-fiction-once-were-no-

longer-seeking-answers/rooftop-old-man-reading/

Imagem disponível na Internet em: http://ei.montepio.pt/segure-a-sua-reforma/

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Enterro televisivo

“Uns olham para a televisão. Outros olham pela televisão.”

(Dito de Sicrano)

Estranharam quando, no funeral do avô Sicrano, a viúva Estrelua

proclamou:

- Uma televisão!

- Uma televisão o quê, avó?

- Quero que me comprem uma televisão.

Aquilo, assim, de rompante em plenas orações.

Dela se esperava mais ajustado desejo, um ensejo solene de tristeza, um

suspiro anunciador do fim. Mas não, ela queria naquele mesmo dia

receber um aparelho novo.

- Mas o aparelho que vocês tinham avariou?

- Não. Fã não existe.

- Como é isso, então? Foi roubado?

- Não, foi enterrado.

- Enterrado?

- Sim, foi junto com o corpo do vosso falecido pai.

Tudo havia sido congeminado junto com o coveiro. A televisão, desmontada nas suas quantas peças, tinha sido

embalada no caixão. Era um requisito de quem ficava, selando a vontade de quem estava indo.

Na cerimónia, todos se entreolharam. O pedido era estranho, mas ninguém podia negar. O tio Ricardote ainda

teve a lucidez de inquirir:

- E a antena?

Esperassem, fez ela com a mão. Tudo estava arquitetado. O coveiro estava instruído para, após a cerimónia,

colocar a antena sobre a lápide, amarrada na ponta da cruz, em espreitação dos céus. Aquela mesma antena,

feita de tampas de panela, ampliaria as eletrónicas nos sentidos do falecido. O velho Sicrano, lá em baixo,

captaria os canais. É um simples risco a diferença entre a alma e a onda magnética. Por razão disso, a viúva

Estrelua pediu que não cavassem fundo, deixassem o defunto à superfície.

- Para apanhar bem o sinal - explicou a velha.

O Padre Luciano se esforçou por disciplinar a multidão, ele que representava a ordem de uma só voz divina.

Com uns tantos berros e ameaças ele reconduziu a multidão ao silêncio. Mas foi sossego de pouca dura. Logo,

Estrelua espreitou em volta, e foi inquirindo os condoídos presentes:

- E o Bibito, onde está?

- O Bibito?- se interrogaram os familiares.

Ninguém conhecia. Foi o bisneto que esclareceu: Bibito era o personagem da novela brasileira. A das seis,

acrescentou ele, feliz por lustrar conhecimento.

- E a Carmenzita que todas as noites nos visita e agora não comparece!

De novo, o bisneto fez luz: mais uma figura de uma telenovela. Só que mexicana. O filho mais velho tentou

apaziguar as visões da avó. Mas qual Bibito, qual Carmen?! Então os filhos de osso e alma estavam ali, lágrima

empenhada, e ela só queria saber de personagem noveleira?

- Sim, mas esses ao menos nos visitam. Porque a vocês nunca mais os vimos.

Esses que os demais teimavam em chamar de personagens, eram esses que adormeciam o casal de velhotes,

noite após noite. Verdade seja escrita que a tarefa se tornava cada vez mais fácil. Bastava um repassar de

cores e sonos para que as pestanas ganhassem peso. Até que era só ligar e já adormeciam.

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- Quem vai ligar o aparelho hoje?

- É melhor não ser você, marido, porque noutro dia adormeceu de pé.

De novo, o padre invocou a urgência de um silêncio. Que ali havia

tanto filho e mais tanto neto e ninguém conseguia apaziguar a viúva?

Os filhos descansaram o padre. Que sim, que iam conduzi-la dali para

o resguardo da casa. Estrelua bem merecia o reparo de uma solidão. E

prometeram à velha que não precisava de um outro aparelho, que

eles iriam passar a visitá-la, nunca mais a deixariam só. A avó sorriu,

triste. E assim a conduziram para casa.

Aquela noite, ainda viram a avó Estrelua atravessar o escuro da noite

para se sentar sobre a campa de Sicrano. Deu um jeito na antena

como que a orientá-la rumo à lua. Depois passou o dedo pelos olhos a

roubar uma lágrima. Passou essa aguinha pela tampa da panela como

se repuxasse brilho. De si para si murmurou: é para captar melhor.

Ninguém a escutou, porém, quando se inclinou sobre a terra e disse

baixinho:

Hoje é você a ligar, Sicrano. Você ligue que eu já vou adormecendo.

Mia Couto, O Fio das Missangas

Imagem disponível na Internet em: http://letrasinversoreverso.blogspot.pt/2011/0

9/miacontear-enterro-televisivo.html