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Artigo Original TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE PEVRONIE Nelson Rodrigues Netto Jr. * Gustavo Caserta Lemos * * Jorge Luiz Fiuza *** Nos últimos 8 anos, dos 92 pacientes portadores de Doença de Peynorie, 19 foram tratados cirurgicamente. Oi- to pacientes com distúrbios da ereção, associados à Doença de Peyronie, foram submetidos a implante da prótese de Finney com 75% de bons resultados. Dois pacientes apre- sentaram rejeição, necessitando a remoção cirúrgica da prótese. . Onze pacientes portadores de Peyroi1ie, sem distúr- bios da ereção, foram submetidos à cirurgia pela técnica de Nesbit. Todos obtiveram bons resultados num acompanha- mento que variou de 1 a 59 meses, mediana de 24 meses. A indicaçaõ cirúrgica precisa proporcionou bons re- sultados, sendo portanto, recomendada seletivamente em pacientes portadores da Doença de Peyronie. Unitermos: Doença de Peyronie, Prótese de Finney, Técni- ca de Nesbit. . Trabalho realizado na Disciplina de Urologia da Faculdade de Ciências Médicasda Unicamp e no Serviço de Urologia da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Chefe da Disciplina de Urologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Urologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. ** Urologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. *** do Serviço de Urologia do Hospital Benefi- cencJa Portuguesa de São Paulo. 28 INTRODÚÇÁO Em 1943 François de la Peyronie descreveu pela pri- meira vez um caso de "placa de tecido fibroso no pênis" que posteriormente ficou conhecida como Doença de Pey- ronie (5). Desde então, inúmeros estudos foram feitos no :sen- tido de se descobrir a causa desta patologia, que até hoje continua sem definição. Atualmente, o que se sabe, é que a placa se origina de um infiltrado linfo ou plasmocitário no espaço perivas- cular do tecido areolar, rico em hialuronidase. O processo inflamatório local é seguido de fibrose, levando à compres- são do tecido erétil do corpo cavernoso, formando-se assim a",placa de, Peyronie. Os pacientes apresentam queixa de dor, curvatura do pênis quando em ereção e, por vezes, to- tal ou parcial impotência erétil (4). São muitas as controvérsias a respeito do tratamento da Doença de Peyronie. Vários tratamentos não cirúrgicos são propostos, en- tre eles, o uso de vitamina,E (12), hiperpirexia (15), parami- nobenzoato de potássio (17), estrógeno (8), vibração ul- tra-sônica (6), radiação (2), iontoforese (11), etc ... Entre- tanto, nenhum método obteve resultado satisfatório com- provado. Dentre os tratamentos cirúrgicos, Horton e Devine propuseram a retirada da placa com colocação de enxerto dérmico (7). Pryor e Fitzpatrick tiveram bons resultados utilizando a técnica de Nesbit (IO) e mais recentemente Benson veio confirmar estes resultados (1). Estudando 69 casos de Peyronie, Subrini conseguiu um índice de 90% de bons resultados em 40 pacientes submetidos à colocação de prótese semi-rígida (14). Car- son, utilizando a prótese de Samil-Carrion ou a prótese inflável verificou em 16 pacientes acompanhados por 12 meses, índice de sucesso de 100% (3). O presente estudo visa analisar a utilização da pró- tese peniana e a cirurgia de Nasbit no tratamento cirúrgico dapoença de Peyronie . CASUÍSTICA E MÉTODOS Entre 1978 e 1985 foram avaliados 92 pacientes portadores da Doença de Peyronie, sendo ' 1. 9 submetidos a tratamento cirúrgico, os quais foram divididos em dois gru- pos, segundo critério estabelecido. Oito pJlcientes que apre- sentavam Doença de Peyronie associada a distúrbios da ere- ção, foram submetIdOS a implante áe prótese peniana de Finney. Onze pacientes, somente com desvio peniano, fo- ram submetidos à cirurgia de Nesbit. No grupo I as idades variavam de 44 a. 70, mediana 54,5 anqs. Quatro pacientes não receberam tratamento prévio, dois foram medicados com paraminobenzoato de potássio e dois com vitamina E por quatro meses. A colocação da prótese de Finney foi efetuada através de incisão longitudinal na face dorsal na base do pênis. Os corpos cavernosos foram isolados e incisados lon- gitudinalmente, numa extensão aproximada de 2 cm. O corpo cavernoso foi dilatado com velas de Hegar para fa- cilitar a introdução da prótese. Após a colocação da pró· tese, o corpo cavernosoJoi ocluído através de sutura con· CIR. VASCo ANG. 3 (1):28, 30,1987

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Artigo Original

TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE PEVRONIE

Nelson Rodrigues Netto Jr. * Gustavo Caserta Lemos * * Jorge Luiz Fiuza ***

Nos últimos 8 anos, dos 92 pacientes portadores de Doença de Peynorie, 19 foram tratados cirurgicamente. Oi­to pacientes com distúrbios da ereção, associados à Doença de Peyronie, foram submetidos a implante da prótese de Finney com 75% de bons resultados. Dois pacientes apre­sentaram rejeição, necessitando a remoção cirúrgica da prótese . .

Onze pacientes portadores de Peyroi1ie, sem distúr­bios da ereção, foram submetidos à cirurgia pela técnica de Nesbit. Todos obtiveram bons resultados num acompanha­mento que variou de 1 a 59 meses, mediana de 24 meses.

A indicaçaõ cirúrgica precisa proporcionou bons re­sultados, sendo portanto, recomendada seletivamente em pacientes portadores da Doença de Peyronie.

Unitermos: Doença de Peyronie, Prótese de Finney, Técni­ca de Nesbit. .

Trabalho realizado na Disciplina de Urologia da Faculdade de Ciências Médicasda Unicamp e no Serviço de Urologia da Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Chefe da Disciplina de Urologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Urologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.

** Urologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. *** ~éd~co-residente do Serviço de Urologia do Hospital Benefi­

cencJa Portuguesa de São Paulo.

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INTRODÚÇÁO

Em 1943 François de la Peyronie descreveu pela pri­meira vez um caso de "placa de tecido fibroso no pênis" que posteriormente ficou conhecida como Doença de Pey­ronie (5).

Desde então, inúmeros estudos foram feitos no :sen­tido de se descobrir a causa desta patologia, que até hoje continua sem definição.

Atualmente, o que se sabe, é que a placa se origina de um infiltrado linfo ou plasmocitário no espaço perivas­cular do tecido areolar, rico em hialuronidase. O processo inflamatório local é seguido de fibrose, levando à compres­são do tecido erétil do corpo cavernoso, formando-se assim a", placa de, Peyronie. Os pacientes apresentam queixa de dor, curvatura do pênis quando em ereção e, por vezes, to­tal ou parcial impotência erétil (4).

São muitas as controvérsias a respeito do tratamento da Doença de Peyronie.

Vários tratamentos não cirúrgicos são propostos, en­tre eles, o uso de vitamina,E (12), hiperpirexia (15), parami­nobenzoato de potássio (17), estrógeno (8), vibração ul­tra-sônica (6), radiação (2), iontoforese (11), etc ... Entre­tanto, nenhum método obteve resultado satisfatório com­provado.

Dentre os tratamentos cirúrgicos, Horton e Devine propuseram a retirada da placa com colocação de enxerto dérmico (7). Pryor e Fitzpatrick tiveram bons resultados utilizando a técnica de Nesbit (IO) e mais recentemente Benson veio confirmar estes resultados (1).

Estudando 69 casos de Peyronie, Subrini conseguiu um índice de 90% de bons resultados em 40 pacientes submetidos à colocação de prótese semi-rígida (14). Car­son, utilizando a prótese de Samil-Carrion ou a prótese inflável verificou em 16 pacientes acompanhados por 12 meses, índice de sucesso de 100% (3).

O presente estudo visa analisar a utilização da pró­tese peniana e a cirurgia de Nasbit no tratamento cirúrgico dapoença de Peyronie .

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Entre 1978 e 1985 foram avaliados 92 pacientes portadores da Doença de Peyronie, sendo ' 1. 9 submetidos a tratamento cirúrgico, os quais foram divididos em dois gru­pos, segundo critério estabelecido. Oito pJlcientes que apre­sentavam Doença de Peyronie associada a distúrbios da ere­ção, foram submetIdOS a implante áe prótese peniana de Finney. Onze pacientes, somente com desvio peniano, fo­ram submetidos à cirurgia de Nesbit.

No grupo I as idades variavam de 44 a. 70, mediana 54,5 anqs. Quatro pacientes não receberam tratamento prévio, dois foram medicados com paraminobenzoato de potássio e dois com vitamina E por quatro meses.

A colocação da prótese de Finney foi efetuada através de incisão longitudinal na face dorsal na base do pênis. Os corpos cavernosos foram isolados e incisados lon­gitudinalmente, numa extensão aproximada de 2 cm. O corpo cavernoso foi dilatado com velas de Hegar para fa­cilitar a introdução da prótese. Após a colocação da pró· tese, o corpo cavernosoJoi ocluído através de sutura con·

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tínuó com prolene 4.0. Repetiu-se o procedimento no outro corpo cavernoso. A fáscia de Buck foi suturada com Vicryl 3.0 e a pele com pontos intradérmicos.

No grupo II as idades variavam de 21 a 69, mediana 48 anos. Apenas um pacien te não recebeu tratamento cl ín ico, dois foram tratados com ultra-som, seis receberam parami­nobenzoato de potássio e dois vitamina E por quatro meses.

A técnica utilizada consistiu na obtenção da ereção artificial através da introdução de soro fisiológico 0.9% por punção do corpo cavernoso com escalpe n<? 21. A ereção permitiu a palpação da placa e mostrou o ponto de curva­tura máxima, possibilitando com isto identificar o local exa­to onde seriam realizadas incisões elipticas contralaterais no corpo cavernoso.

Uma incisão circuncoronal realizada na pele e fáscia de Buck, após a retração, permitiu que os corpos caverno­sos fossem expostos. Em local pré-determinado, incisou-se a albugínea retirando-se segmento elíptico da mesma. A albugínea foi suturada com prolene 4.0 pontos separados invaginantes.

A ereção artificial foi repetida para se avaliar a neces­sidade de maior número de correções. Uma vez retificada a curvatura peniana, a pele coronal foi suturada com pontos contínuos de categute 4.0 simples. O curativo efetuado foi oclusivo simples.

Todos os pacientes receberam alta hospitalar 24 horas após a cirurgia.

RESULTADOS

O acompanhamento dos oito pacientes submetidos a implante da prótese peniana de Finney variou de um a 75, mediana 15 meses. Obteve-se bons resultados quanto à cor­relação da curvatura e função sexual em seis pacientes (75%). Dois pacientes apresentaram rejeição da prótese, sendo ne­cessária a retirada cirúrgica um e dois meses após. Um havia sido previamente tratado com radioterapia e o outro, que era diabético, apresentou inf..:cção local.

O seguimento dos pacientes submetidos à cirurgia de Nesbit variou de 1 a 50 meses, mediana 24 meses, não ha­vendo complicação em nenhum caso. Os pacientes apre­sentaram ereção normal e sem desvio, sendo referido desem­penho sexual satisfatório em todos os pacientes.

DISCUSSÃO

Adnúte-se que a Doença de Peyronie seja patologia sistênúca, preferentemente localizada nos corpos caverno­sos. Essa hipótese teria fundamento em estudos histopato­lógicos e imunológicos realizados por Subrini, que consta­tou a presença de IgA e IgG, não tendo sido encontrada, no entanto, a presença de IgM nestes pacientes (13).

WilIscher notou. a relação entre um grupo de pacien­tes com reação cruzada com antígeno B7 e a Doença de Peyronie, sugerindo tratar-se de doença imune, causada pela resposta a um agente infeccioso sinúlar ao antígeno B7 (16). Nylberg em 1979 }iescreveu a associação da Doença de Peyronie com a contratura de Dupuytren causada pela transmissão de um gen autossômico dominante (9):

Um conceito bastante aceito é de que 50% dos casos apresentam evoluçã0 autolinútada, sendo necessário algum tipo de tratamento somente na metade restante' ( 4).

Em 1949 Scardino e Scott notaram que a deficiên­cia de vitamina E provocava a contração permanente do

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Impotência e doença de Pe'(ronie

tecido conectivo na fase de regeneração. Este fato funda­men tou o uso de vitanúna E no tratamento:tlessa patologia, sem no entanto, haver prova científica da sua eficácia (12).

Em nossa experiência o tratamento clínico mostrou que a melhora .deve ocorrer em quatro meses, sendo que" a utilização por prazo maior não é acompanhada por melhor resultado.

O tratamento cirúrgico deve ser indicado para pacien­tes que apresentam grande desvio pe~1Íano, .acarretando di­ficuldade à relação sexual ou aos que apresentam impotên­cia erétil associaõa.

A utilização da prótese senú-rígida produz excelentes resultados na correção da curvatura e manutenção da·ereção nos pacientes que apresentam, ",Iurante a ereção, flacidez distal à placa. Carson utilizando a prótese de Small-Carrion obteve bons resultados na totalidade dos pacientes (3).

No:".presente estudo tivemos 75% de bons resultados, tendo ocorrido dóis casos de rejeição da prótese, necessitan­do a re!lloção cirúrgica.

A técnica de Nesbit proporciona correção cirúrgica satisfatória nos pacientes que têm capacidade de ereção nor­mal (4). O sUcesso do método depende da escolha exata do paciente. No grupo de 11 pacientes estudados, obteve-se 100% de bons resultados.

Como conclusáo pode-se dizer que o tratamento ci­rúrgico da Doença de Peyronie, seja pela colocação de pró­tese, seja pela técnica de Nesbit, permite excelentes resul­tados na correção da curvatura e na recuperação da ativida­de sexual,

SUMMARY

SURGICAL TREATMENT DF PEYRDNIE'S

DISEASE

Between 7978and 7985, 92 pacients with Peyronie 's Disease were evaluated and 19 were treated surgicaly. Two groups were stablished according to the treatment.

Eleven pacients underwent to correction Df the penile deformit by the Nesb'it technique with good results in ali of them, with follow-up ranging from 1 to 59, mediam 24 months.

Eight pacients with Peyronie and sexual impotence were submitted to penile prothesis implantation with Finney prosthesís. The follow·up period ranged from 1 to 75, mediam 15 months. Good results were obtaíned ín 75%.

Uníterms: Peyronie's Disease, Fínney Prosthesis, Nesbit Technique.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS

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Nelson Rodrigues Netto Jr. e cols.

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