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ASSOCIAÇÃO JUINENSE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO JURUENA
AJES
INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA – ISE
ESPECIALIZAÇÃO EM METODOLOGIA DO ENSINO DA HISTÓRIA
E CULTURA AFRO-BRASILEIRA
9,5
O NEGRO E SUA CULTURA: A RELIGIÃO
Ajadir de Lemos Ajala Loubet
Orientador: Prof. Ilso Fernandes do Carmo
ALTA FLORESTA/2009
ASSOCIAÇÃO JUINENSE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO JURUENA
AJES
INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA – ISE
ESPECIALIZAÇÃO EM METODOLOGIA DO ENSINO DA HISTÓRIA
E CULTURA AFRO-BRASILEIRA
O NEGRO E SUA CULTURA: A RELIGIÃO
Ajadir de Lemos Ajala Loubet
Orientador: Prof. Ilso Fernandes do Carmo
“Trabalho apresentado como exigência parcial para a obtenção do título de Especialização em Metodologia do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira”.
ALTA FLORESTA/2009
ASSOCIAÇÃO JUINENSE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO JURUENA
AJES
INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA – ISE
ESPECIALIZAÇÃO EM METODOLOGIA DO ENSINO DA HISTÓRIA
E CULTURA AFRO-BRASILEIRA
BANCA AVALIADORA
ORIENTADOR
Ilso Fernandes do Carmo
“A cultura, sob todas as formas de arte, de
amor e de pensamento, através dos
séculos, capacitou o homem a ser menos
escravizado".
(André Malraux)
RESUMO
Este trabalho de cunho bibliográfico, foi fundamentado nos autores
Dias, Durkheim, Matory, Mattos entre outros, teve como objetivo principal, averiguar
a contribuição do negro nas diversas culturas, enfatizando a religião. É cômodo,
atribuir a cultura brasileira apenas aos europeus, por supostamente tratar-se de uma
cultura mais civilizada e superior, enquanto que a contribuição do negro ou do índio
é vista como folclórica e pitoresca. Assim, a análise da realidade social brasileira
prova que, além da religião, nenhuma das instituições culturais africanas sobreviveu.
Restou assim, somente a religião, cultivada, transformada e popularizada, às vezes
de forma negativa, para lembrar a representação simbólica da sociedade e da vida
de outrora dos negros.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................08
1 A RELIGIÃO E O HOMEM: UM DEBATE ANTROPOLÓGICO.............................10 1.1 RELIGIÃO E CULTURA POPULAR............................................................11 1.2 RELIGIOSIDADE POPULAR.......................................................................14
2 O TRÁFICO DE ESCRAVOS E AS RELIGIÕES AFRICANAS............................16 2.1 A RECONSTRUÇÃO DA CULTURA...........................................................19 2.2 CANDOMBLÉ..............................................................................................20 2.3 UMBANDA...................................................................................................22 2.4 SIMBOLISMO..............................................................................................23 2.4.1 ORIXÁS.............................................................................................24 2.5 OS ORIXÁS NO NOVO MUNDO.................................................................26 2.5.1 CARACTERÍSTICAS DE ALGUNS ORIXÁS.....................................27 2.5.2 PRIMEIROS TERREIROS DE CANDOMBLÉ...................................29 2.5.3 CERIMÔNIAS....................................................................................29
CONCLUSÃO............................................................................................................32
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................34
INTRODUÇÃO
Os filhos da África, juntamente com os índios, fizeram parte de uma
estruturação econômica e social da nação, porque, de nada adiantaria a figura
européia se não houvesse a mão-de-obra escrava para arar, semear e colher. Os
escravos negros fizeram a economia do Brasil e de outras nações “poderosas”.
A pluralidade cultural das etnias africanas muito contribuiu para a
formação da cultura nacional com elementos que atingem desde a língua, a
culinária, a música e arte diversas, até valores sociais, representações míticas e
concepções religiosas. Todavia, a garantia de sobrevivência desta herança negra
depende da capacidade de absorção pela “cultura branca”. A análise da realidade
social brasileira prova que, além da religião, nenhuma das instituições culturais
africanas sobreviveu.
Das lembranças do negro do Brasil, a única que realmente sobreviveu,
apesar das diversas reconstruções parece ter sido a religião. Esta, por sua vez,
sobreviveu na simbologia do candomblé, que de uma certa forma simboliza a nação
desse povo.
Dentro do exposto, objetiva-se ressaltar contribuição do negro nas
diversas culturas, dando ênfase a religião. Esta pesquisa foi desenvolvida com base
em fontes bibliográficas, revistas, jornais e impressos diversos.
Para o desenvolvimento do trabalho buscou-se fundamentação teórica
sobre a religião e o homem: um debate antropológico, a religião e cultura popular, a
religiosidade popular, o tráfico de escravos e as religiões africanas, a reconstrução
da cultura, o candomblé, a umbanda, o simbolismo, os orixás, os orixás no novo
mundo, as características de alguns orixás os primeiros terreiros de candomblé e as
cerimônias.
09
1 A RELIGIÃO E O HOMEM: UM DEBATE ANTROPOLÓGICO
Segundo DIAS (2001), a religião, ao contrário do que possa parecer,
não é algo fácil de se definir. Muitos são os aspectos que envolvem tal
caracterização. Durante séculos, os animais conseguiram sobreviver por medo da
adaptação física. Todas suas características tais como: garras, habilidade de
confundir-se com o terreno são manifestações de corpos maravilhosamente
adaptados à natureza ao seu redor. O animal faz com que a natureza adapte ao seu
corpo: os formigueiros, colméias de abelhas, as casas de joão-de-barro. O seu
aprendizado é realizado de forma silenciosa. O instinto dos animais são fechados, e
assim o são principalmente porque tudo que realizam e com o único propósito:
sobreviver. O animal é o seu corpo, sua programação biológica é complexa, fechada
e perfeita, não há problemas não respondidos, não há história como a entendemos.
Ao contrário do animal, o homem é um ser aberto. Do ponto de vista
genético o recém-nascido está determinado. E quanto ao restante? Ele gostará de
música? Que língua falará? E qual será o seu estilo? Por qual valores lutará? O
homem tem o seu corpo, é ele que o faz. O fato é que o homem é um construtor,
idealizador, um ser pensante e artista: chorar, rir, plantar, esculpir, pintar, compor
sinfonias e escrever. Essa é a grande diferença do homem para o animal.
“Não somos apenas seres que desejam. Além do desejo somos formados pela nossa cultura. A atividade humana não pode ser compreendida apenas como uma luta pela sobrevivência. A cultura edifica o homem, ela é a identidade de um povo. Existem circunstâncias em que somos impotentes. Surge aí o amor, o desejo e a imaginação, as mãos e os símbolos” (DIAS, 2001: 208).
Isto acontece para criar um mundo que faça sentido e que tenha
ordem, que exista harmonia com os valores do homem. Problema é desordem e
harmonia. Caso contrário, não ocorrerá realização. Essa busca gera angústia,
frustração, rejeição, crueldade, solidão, injustiça, etc. Se o desejo não se realiza,
resta cantá-lo, dizê-lo, celebrá-lo, escrever-lhe poemas, compor sinfonias. Os
símbolos surgem como forma de expressão de uma determinada cultura, eles
atingem onde nem sempre as palavras conseguem fazê-lo.
Para DIAS (2001), a religião faz parte desse conjunto de símbolos que
busca a pretensiosa tentativa de transubstanciar a natureza, retratam de forma
visível o invisível: altar, plantas, pão, vinho, templo e imagens. Pedra é pedra, porém
no mundo religioso é altar, no sagrado o vinho simboliza o sacrifício, a oferta maior.
Para alguns autores a religião não é apenas o espaço de uma
realização metafísica, é uma das formas de se expressar conflitos existenciais bem
como explicá-los, assim como a ciência. A religião, seja ela qual for, ocupa um papel
importante no contexto social.
1.1 RELIGIÃO E CULTURA POPULAR
DURKHEIM (1989), em sua obra clássica sobre a vida religiosa discute
a importância do elemento recreativo e estético na religião, mostrando, a interrelação
entre cerimônia religiosa e a idéia de festa, pela aproximação entre os indivíduos,
pelo estado de "efervescência" coletiva que propicia e pela possibilidade de
transgressão às normas.
A relação estreita entre religião e festas foi apontada por DURKHEIM
(1989: 372), para quem, "nos dias de festa, a vida religiosa atinge grau de
excepcional intensidade". Para o autor, as festas teriam surgido da necessidade de
separar o tempo em dias sagrados e profanos. Referindo-se ao descanso religioso,
lembra DURKHEIM (1989: 372-373) que "o caráter distintivo dos dias de festa
corresponde, em todas as religiões conhecidas, à pausa no trabalho, suspensão da
vida pública e privada à medida que estas não apresentam objetivo religioso". Para
DURKHEIM (1989: 373), as festas surgiram pela necessidade de separar no tempo,
"dias ou períodos determinados dos quais todas as ocupações profanas sejam
eliminadas". Adiante DURKHEIM (1989: 419), afirma: "O que constitui
11
essencialmente o culto é o ciclo das festas que voltam regularmente em épocas
determinadas". Assim repetição do ciclo das festas constitui elemento essencial do
culto religioso.
DURKHEIM (1989), também salienta a importância dos elementos
recreativos e estéticos para a religião, comparando-os a representações dramáticas
e mostrando, que às vezes é difícil assinalar com precisão as fronteiras entre rito
religioso e divertimento público. Estabelece portanto, relações íntimas entre religião
e festas, entre recreação e estética, mostrando o parentesco ou a proximidade entre
o estado religioso e a efervescência, o delírio, os excessos ou exageros das festas.
AMARAL (1992), estudando festas nos candomblés, constata que,
embora haja muitos trabalhos sobre festas específicas, os estudos teóricos sobre
festas parece não terem avançado muito após Durkheim. Analisando a festa como
estilo de vida no candomblé, AMARAL (1992), constata que existe uma vasta
bibliografia antropológica sobre festas. Mostra ao mesmo tempo a insuficiência de
reflexões teóricas sobre o tema, lembrando que alguns autores propõem uma
tipologia ou classificação de festas, que podem ser recreativas, libertadoras,
transgressoras, comemorativas ou de confraternização, de participação ou de
representação.
Em outro trabalho, a autora dá continuidade às suas reflexões sobre
festas brasileiras analisando cinco grandes festas populares em diferentes regiões
do país, mostrando seus múltiplos sentidos, de organização popular, de expressão
artística, de ação social, de expressão de identidade cultural e afirmação de valores.
AMARAL (1992: 7), considera que a festa: “é um forte elemento constitutivo do modo
de vida... é uma das linguagens favoritas do povo brasileiro”.
Segundo AMARAL (1992), embora tenha havido o empobrecimento de
algumas festas que eram mais pomposas no passado, atualmente no Brasil as
festas crescem em todos os sentidos especialmente em luxo e participação. Pode-se
dizer que a festa é uma das vias privilegiadas no estabelecimento de mediações da
humanidade. Segundo a autora, a festa brasileira se liga essencialmente à religião e
desde o período colonial a sociabilidade brasileira encontra-se estreitamente
relacionada à realização de festas. Rita Amaral considera que existe um modelo
brasileiro de festa e que a disposição para a festa constitui traço marcante da
identidade nacional.
12
ISAMBERT, apud AMARAL (1992), discute longamente os conceitos
de religião popular e de festas, especialmente no contexto europeu. Vê a festa como
liberação periódica dos instintos comprimidos pelas regras sociais e como
transgressão ritual de regras que o sagrado impõe à vida cotidiana, em que o mito
se une ao rito, pois o caos da festa é reconstituição simbólica do caos primitivo.
Para CAILLOIS, apud AMARAL (1992) a festa é uma regeneração da
ordem social, uma atualização do período criador. Para DUVIGNAUD, apud
AMARAL (1992), a festa é uma subversão criadora. ISAMBERT, apud AMARAL
(1992), lembra que os intelectuais ficaram impressionados com o festival de
Woodstock dos hippies e com os aspectos festivos de Maio de 1968, voltando a se
interessar pelo estudo das festas e da religião popular.
O medievalista francês HEERS (1987:11), afirma que a festa
"apresenta-se também como o reflexo duma sociedade e de intenções políticas".
Considera ser fácil conceber o prestígio que recai sobre aquele que oferece jogos e
festas. Indica como outra conseqüência da festa, "a exaltação da situação e dos
valores, ainda mais das influências, dos privilégios e dos poderes, tudo reforçado
pela exibição do luxo e pela distribuição de benesses."
O historiador francês VOVELLE (1987), afirma que causou surpresa a
historiadores marxistas, ao demonstrar complacência por temas heterodoxos como a
morte e a festa, em vez de se interessar pela tomada de consciência das massas.
Diz que a partir dos anos sessenta, surgiu uma geração de historiadores
interessados na história das mentalidades, ampliando o campo de pesquisa da
etnografia histórica e fazendo renascer o interesse dos historiadores pelo estudo das
festas.
VOVELLE (1987), considera a festa um importante campo de
observação pois é o momento em que um grupo projeta simbolicamente sua
representação do mundo. A Revolução de Maio de 1968, fez o historiador se
interessar pela festa, inicialmente pela festa que representou a Revolução Francesa,
procurando aspectos revolucionários da festa e do carnaval, como subversão dos
privilégios e a multiplicidade de significados da festa carnavalesca. Diz que através
dos séculos a festa não possui uma estrutura fixa e se modifica constantemente,
mas fornece exemplo do que denomina de "estruturas obstinadas", ou estruturas
formais, que resistem através dos tempos, devido à inércia das mentalidades. Diz
13
também que é necessário refletir, sem conclusões prematuras, sobre a natureza e
finalidade da festa.
1.2 RELIGIOSIDADE POPULAR
A idéia de religiosidade popular não é aceita tranqüilamente por todos,
devido, segundo afirmam, à própria crítica, indefinição e falta de rigor do conceito de
povo. Para MONTOYA (1989), não pode logicamente existir o que se chama de
religiosidade popular. Ele considera tautologia afirmar que religiosidade popular é a
religiosidade do povo, uma vez que povo é um mito inventado a época da Revolução
Francesa.
DRIESSEN, apud AMARAL (1992) compara os conceitos de religião
oficial e popular, aos conceitos de cultura de elite e de "folk", de rural como oposto a
urbano, de primitivo como oposto a moderno, ou de proletariado se opondo a
capitalismo, preferindo a distinção entre religião praticada e religião prescrita.
Segundo DRIESSEN, apud AMARAL (1992), no contexto do catolicismo, o que
existe é mais uma tensão nas relações entre igreja universal e catolicismo local e
não exatamente uma distinção entre religião oficial e popular.
No campo das religiões afro-brasileiras, entretanto, o conceito de
religião popular não significa religião que se distingue da oficial, como acontece com
o catolicismo oficial e o popular. Elementos do catolicismo popular e do oficial muitas
vezes estão presentes nas religiões afro-brasileiras quase como complemento. Além
disso, sendo originalmente orais, as religiões afro não possuem uma dimensão
formal ou oficial que se contraponha à popular.
Para MONTOYA (1989), no Brasil, diferente talvez do que ocorre hoje
no mundo cristão europeu, a religiosidade popular é a religião vivida e praticada
pelos mais pobres, que são os mais numerosos e predominantemente mestiços e
negros. No tambor de mina e nas demais religiões afro- brasileiras, não existe ainda
uma ortodoxia que diferencie a religião oficial da popular.
É conveniente lembrar entretanto, que existem grupos mais elitizados
entre as chamadas religiões afro-brasileiras. Alguns destes grupos talvez estejam
caminhando para a construção de uma ortodoxia neste campo, o que no momento
14
ainda é uma hipótese. Porém, sabe-se que religião popular é a religião das classes
subalternas de uma determinada sociedade.
15
2 O TRÁFICO DE ESCRAVOS E AS RELIGIÕES AFRICANAS
Segundo REIS (1996), com a descoberta do ouro, nas Minas Gerais,
no final do século XVII, o comércio de escravos ganhou um novo alento: cativos
foram transportados aos milhares para as terras interiores das Minas Gerais,
oriundos de outras regiões da América Portuguesa com o tráfico interno, mas,
sobretudo, da África, conduzidos pela Bahia e Rio de Janeiro, os principais portos de
entrada para o tráfico
Foi grande a diversidade étnica e religiosa dos africanos trazidos para
as Minas, contudo, estabelecer as identidades específicas dos escravos tem sido
historicamente uma questão bastante delicada. Primeiramente, porque praticamente
todas as regiões da costa ocidental africana e seu interior, além da contracosta, em
maior ou menor amplitude, participaram do tráfico e, para as minas, foram bastante
extensas as localidades que contribuíram no fornecimento dos escravos. Não se
pode pensar que a evangelização sofreu a mesma penetração e/ ou aceitação
dentre os escravos; o trabalho da conversão e o significado dos ritos poderiam variar
entre esses estrangeiros, segundo algumas implicações do tráfico. Para uma
verdadeira conversão e uma suposta "dominação" através da religião, os agentes da
evangelização deveriam, no mínimo, conhecer as concepções religiosas africanas,
além de atuar diretamente, e com vigor, para afirmar a doutrina.
O culto islâmico era bastante difundido entre os escravos na Bahia
oitocentista e, apesar das perseguições da igreja Católica, eles buscaram perpetuar
a sua fé, reunindo-se para rezar, seguindo os preceitos religiosos. O mesmo ocorria
no Rio de Janeiro, onde mantinham cópias de orações e o corão em árabe,
adquiridos com grande sacrifício. Paradoxalmente, os escravos islamizados eram
mais cultos que os seus senhores, sendo altamente instruídos e sabendo ler e
escrever os caracteres árabes. Algumas das revoltas escravas mais destacadas do
Brasil, em sua época escravista, como as dos malês e dos hauçás tiveram como
elemento de união dos escravos a religião, o que também aponta para a importância
política da religião entre eles, que poderia ter conseqüências danosas.
Segundo REIS (1996), nas Minas do século do ouro, os escravos da
África centro-ocidental foram maioria. Apesar da grande fama das minas, que
organizaram as sublevações escravas de l711, e principalmente a de 1719, eles
constituíam apenas 35% do total da escravaria, em 1716, isto é, em pleno período
ascensional da atividade aurífera, enquanto que os congo-angolanos representavam
por volta de 40% do montante total.
Para preservar e maximizar a boa sorte, evitar acidentes, prevenir e
afastar as doenças e outros tipos de males, esses povos praticavam variados tipos
de rituais de cura e de purificação e recorriam a amuletos mágicos para proteção do
corpo. Essa concepção de religião era extremamente adaptável à aceitação de
novos rituais, símbolos, crenças e mitos, característica que possibilitava aos
escravos não precisarem se "render" ao catolicismo por venerarem as imagens de
santos, haveria apenas a adoção de mais um símbolo. A pesar de distintas
concepções religiosas entre as tradições culturas africanas, culturas que, por sua
singularidade, causaram grande estranhamento aos povos ocidentais, atiçando seu
imaginário diante de seus "bárbaros costumes", o que revela a dificuldade em lidar
com a alteridade cultural, ao se observar mais de perto, pode-se ter a falsa sensação
de um conhecimento prévio do credo cristão, fato que induziu a dupla leitura de
rituais pelos primeiros missionários na doutrinação do congo.
Segundo REIS (1996), na construção da origem mítica do mundo, os
africanos erigiram duas formas de explicação da criação; em ambos, convergia-se
para a crença da imortalidade original dos homens. Na primeira , que mais se
assemelha a fabula do coelho e da tartaruga, coletada pelos irmãos Wilhelm e Jacob
Grimm, Deus teria enviado duas mensagens para a terra através de dois animais. O
rápido portava a vida e o mais lento, a morte. Para as religiões da África Ocidental –
onde estão presentes as divindades, como os orixás, figura medianeira entre os
17
homens e o Deus supremo – não havia divisão maniqueísta entre o bem e o mal ,
como no cristianismo O mesmo Orixá que garante a saúde, a bem-aventurança, uma
boa colheita, castigava o fiel, provocando males, se acaso o mesmo não praticasse
os rituais adequadamente, infringisse algum tabu, ou ainda para satisfazer o pedido
de um terceiro fiel. Nesse aspecto, o mesmo pode ser dito para o complexo religioso
banto. Apesar de se crer em espíritos ruins, inexistia a encarnação do "mal
absoluto".
Ao serem inseridos nas sociedades americanas, os escravos não se
"renderam" de forma passiva ao catolicismo, mas sim interpretaram essa nova
religião a partir de seus próprios conceitos a despeito do sagrado, e nesse ponto a
ausência da noção de pecado assume grande destaque. Base também da
construção ideológica da escravidão, foi elemento indispensável que permitiu a
afirmação do caráter coletivo dos escravos e de seu valor individual. No novo
Mundo, os escravos traduziram o conceito de "pecado" a partir de seus próprios
referenciais culturais, procurando um equivalente africano, como a má-conduta, a
injustiça com os semelhantes, o rompimento com os códigos morais vigentes, ou
seja, a partir dos códigos culturais anteriores no tráfico.
REIS (1996), afirma que os africanos na América mantinham suas
crenças tradicionais no pós-vida; assim, acreditavam que, após a morte, os espíritos
se desprenderiam do corpo, ou seja, retornariam aos seus lares, em suas aldeias na
África, onde os aguardavam seus ancestrais, o que se denomina kalunga no idioma
bacongo. Além disso, nem todos poderiam viver no mundo espiritual com os
ancestrais, pois havia muitos fatores complicantes: era necessário atingir idade
provecta, dessa forma os bebês e crianças estariam fora do reino da imortalidade, o
mesmo para todos aqueles que parecessem jovens por desastre. Também seriam
excluídos todos os que morreram de forma desonrosa, por certas doenças,
acidentes, anormalidades físicas ou no comportamento, o que, de certa forma de
controle social para os africanos, mas não imposta pelo catolicismo.
Acostumados à repetição dos ciclos da natureza, marcados pela época
das chuvas ou das inundações, do plantio e das colheitas – entre os Bantos,
acreditavam-se que as doenças eram causadas por feitiços, ou espíritos ruins –
eram difíceis para esses homens, principalmente os adultos, conceberem a
escatologia e a doutrina cristã sem ajustamentos aos modos de ver africanos.
18
2.1 A RECONSTRUÇÃO DA CULTURA
A influência da cultura negra em terras brasileiras começou com a
mão-de-obra escrava africana. Desse modo, a inserção da população negra na
sociedade colonial se deu através das relações de trabalho, que foi a base da
economia brasileira e da convivência familiar, social e cultural.
São estimados dez milhões de africanos saíram de suas terras no
período da colonização. Desses, cerca de três milhões e seiscentos, aportaram no
Brasil. Dentre as várias etnias estariam os “nagôs”, que dentro de suas etnias
usavam o idioma yorùbá, tais como os òyó, kétu, ijesà, etc. A história dos negros em
geral é pouco ou mal conhecida no Brasil.
“(...) a África que vive nas Américas negras não deve ser medida em termos da sobrevivência mais ou menos pura de um „alhures‟ primordial. A África que vive nas Américas é uma mobilização estratégica de um repertório cultural circum-Atlântico de quinhentos anos. Em suma, muito do que é chamado de „memória‟ cultural ou coletiva na diáspora africana, e em toda nação, ocorre em contextos de poder, negociação e recriação” (MATORY, 1999: 32).
No contexto brasileiro, segundo SANSONE (2000: 48), os negros não
tiveram espaço de tempo para redefinirem sua cultura – talvez, devido ao pouco
contato com os brancos. Essas produções, segundo o autor, deveriam “significar
algo e ser inteligíveis para os próprios negros – que no início provinham geralmente
de origens diversas – bem como, embora de outra forma, para os brancos”.
Afirma MATORY (1999), já ser observada uma inclinação para a
formação de uma cultura negra ainda na África antes do comércio de escravos e
esta tendência teria inspirado a criação de uma cultura negra nas Américas. Logo, a
criação de novas culturas centradas na experiência de um africano no Novo Mundo,
em vez de relacionar-se à nação, era um fenômeno transnacional .
É fato que no Brasil, trazidos como escravos, foram separados de seus
parentes e agrupados, muitas vezes, com inimigos tradicionais (inimigos tribais em
sua nação de origem); fato este que provocou a reinvenção de formas culturais
eficazes para garantia da própria sobrevivência, expressadas não somente, mas,
sobretudo, pela religiosidade. A religião africana esteve durante séculos, no Brasil,
em contato com a religião católica (predominante), assim como com as religiões
indígenas e mais tarde com o kardecismo; impregnando-se, portanto, de traços
sincréticos, resultado de um longo processo de seleção, negociação e
reinterpretação de elementos de origens diversas.
19
No Brasil, a Igreja católica – por ser o catolicismo reinante na
metrópole -gozou durante séculos de uma situação monopolizadora, e as demais
religiões foram reduzidas à marginalidade, sendo perseguidas como heresias,
paganismo ou superstições.
Subordinada, porém, ao Estado pelo regime do padroado e contando
com um número reduzido de padres, a igreja concentrou sua atuação nos centros
urbanos, sem nenhuma condição de controle sobre a população do interior. Assim, o
catolicismo brasileiro distanciou-se do catolicismo oficial e desenvolveu suas
devoções particulares.
BASTIDE (1960), denominou de “catolicismo doméstico” a religião das
grandes famílias coloniais – ou elites -. Teriam surgido deste modo no Brasil duas
formas de catolicismo: uma forma popular do culto, a da maioria, e a forma oficial do
catolicismo romano, assim como duas hierarquias religiosas: a do clero secular e
das confrarias de leigos, e a das ordens religiosas, em particular da Companhia de
Jesus. O contato dos negros com a religião brasileira se deu pelo catolicismo
doméstico.
“O sincretismo, um processo natural diz respeito àqueles trânsitos entre elementos culturais nativos e alheios que levam a modificações, justaposições e reinterpretações onde, os símbolos são vistos como estendidos sob profundas instâncias de de-simbolização determinados por tendências culturais múltiplas que fragmentam e remastigam todo o código”. (CANEVACCI, 1996 : 32).
No que concerne à religião, em meio a essa antropofagia, formaram-se
os inúmeros modos de relacionar-se com o sagrado que existem hoje no Brasil;
inclusive as religiões afro-brasileiras. Nessa esteira, o candomblé parece destacar-
se dentre as religiões afro-brasileiras por representar uma “pureza cultural”, ou, um
pedaço da África no Brasil.
2.2 CANDOMBLÉ
O candomblé que hoje se conhece diversifica-se em várias tendências
chamadas nações, representadas pelas divindades (orixás, voduns, inquices),
cânticos, oferendas, objetos e tabus - variando conforme a divindade - além, da
pronúncia africana característica de cada região. Todos esses aspectos permitem
mapear as nações predominantes.
20
O candomblé pode ser definido “uma manifestação religiosa resultante
da reconstrução das várias visões de mundo e ethos provenientes das múltiplas
etnias africanas”. (LÉPINE, 1979: 41), além dos ethos e das visões de mundo de
europeus e índios. Na formação do candomblé ketu, os povos "jeje, em Salvador,
teriam adotado a hierarquia sacerdotal, os ritos e a mitologia dos nagôs" (LÉPINE,
1979 : 41), mas com algumas contribuições absorvidas do catolicismo; porém, sob a
hegemonia do sistema religioso dos nagô.
“Ocorre que, com o fim da escravidão, no final do século XIX, a importância da etnia perdeu significado para o negro brasileiro que visava integrar-se na sociedade inclusiva não mais como africanos, mas brasileiros, como mulatos. Todavia, as relações da sociedade nacional (testamentos, escrituras, relações oficiais), a origem étnica também deixou de ser relevante, e a multiplicidade africana se foi em favor do negro. Nesse sentido, suas origens ficaram esquecidas porque se tornavam entraves para sua aceitação”. (PRANDI, 2000: 54).
Segundo PRANDI (2000), as raízes étnicas foram preservadas na
forma de candomblé no Brasil, santeria em Cuba e vodus no Haiti, cada grupo
religioso abarcando variantes rituais autodesignadas com pelos nomes de antigas
etnias africanas. Na Bahia, por exemplo, há os candomblés nagôs ou iorubás: ketu
ou queto, ijexá e efã; os bantos: angola, congo e cabinda; os ewe-fons: jejes ou
jejes-mahins. Em Pernambuco, os xangôs de nação nagô-egbá e os de nação
angola. No Maranhão, o tambor-de-mina das nações mina-jeje e mina-nagô. No Rio
Grande do Sul o batuque oió-ijexá, também chamado de batuque de nação·
Com exceção da religiosidade tudo faz parte da cultura negra ou
africana e não mais kètu, ijesà, monjolo, angola, jeje, cabinda, mina, òyó. Essa
tendência ao afastamento das raízes e do passado, que obstaculizava a entrada na
sociedade inclusiva, fez com que aqueles aspectos culturais produtos de um
processo sincrético simétrico sofressem agora um sincretismo assimétrico, já que
foram embranquecidos para serem aceitos, ou que seus “responsáveis” não tiveram
muito interesse em se auto-identificarem com eles.
Todavia, o preconceito com os caracteres negro-africanos logo se
esvaiu. Em meados do século XX houve uma verdadeira reafricanização desses
elementos num processo de incorporação à identidade nacional, brasileira.
Na década de cinqüenta, efetivou-se o processo de reafricanização dos
elementos negro-africanos. Muitos deles, inclusive, cairiam mais tarde nas graças do
modo de produção capitalista.
21
“(...) da chamada reafricanização da cultura afro-brasileira”, também concorreu, simultaneamente, para “os processos de mercantilização, incorporação de certas mercadorias negras à auto-imagem nacional e comercialização a desetigmatização de várias expressões culturais tidas como típicas dos negros na Bahia urbana, o que lhes permitiu tornarem-se parte da imagem pública do Estado da Bahia”. (SANSONE, 2000: 49).
Desse modo, o negro já culturalmente incorporado à sociedade
inclusiva se auto-afirmou e se impôs perante o resto da população, buscando cada
vez mais o espaço que lhe é de direito.
Com o auxilio do capitalismo – importante, mas não decisório - na
aceitação de sua cultura, que agora trespassa qualquer uma das esferas que
constituem a sociedade nacional: na cosmologia, no comportamento, nas artes, etc.
A aceitação e a interpenetração da cultura negro-africana em toda a
cultura nacional deve-se mais pelo fato de que toda identidade étnica necessita de
alguns símbolos de representação diacríticos, que constituem símbolos referenciais
de inclusão ou exclusão, sejam eles do âmbito do comportamento, das
representações míticas, dos costumes entre outros.
2.3 UMBANDA
Para DIAS (2001), a possessão é um tema complexo e fascinante ao
mesmo tempo, e por isso a análise de umbanda começará por ele. Apesar do medo
aparente das pessoas, todos sentem uma enorme e inexplicável curiosidade ao
presenciar uma cena de possessão; esse fenômeno coloca em „cheque‟ muitas
idéias cultivadas por uma cultura, pois o tema possessão diz respeito à mudança
que é processada nas pessoas por intermédio do transe; daí surge o mistério, onde
a pessoa possuída se torna irreconhecível, muda de fisionomia e até as pessoas
mais íntimas são incapazes de dizer que ali está a mesma pessoa conhecida.
A idéia de possessão não diz respeito somente aos cultos afro-
brasileiros; aqui no Brasil esse fenômeno se representa em diversos cultos de
princípios religiosos. Não é necessário ser umbandista, ou fazer parte do candomblé
para viver num mundo onde vagam espíritos que são cultivados. A possessão ao
contrário do que parece e do que se pensa, não é coisa do outro mundo; faz parte
da cultura brasileira.
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É importante ressaltar que a estranheza frente à possessão é
significativa. Torna-se aguda a diferença entre uma pessoa em seu estado normal e
em possessão. O contraste entre os dois momentos, seja na umbanda, no
candomblé ou no espiritismo, explicita um passado assustador.
“As dificuldades com os cultos de possessão não ficaram apenas no plano religioso. O Estado, combatia os cultos, as „macumbas‟, particularmente, na era Getúlio Vargas, mas antes dessa época o povo já se preocupava com o problema e estudava os cultos afro-brasileiros, muitas vezes adotando posturas pouco simpáticas em relação ao tema” (DIAS, 2001: 298),
A umbanda trata a possessão como algo benéfico; ao invés de
expulsar as entidades do outro mundo, consideradas maléficas por outro culto,
aprendem a conviver com elas. Aqui, ao invés de termos como santos ou demônios,
temos muitos seres que têm suas características e não podem ser reduzidos apenas
a um nome.
Os umbandistas são, portanto, súditos de vários senhores e dividem o
seu tempo, o seu corpo e a sua própria pessoa trabalhando para todos, na tentativa
de conciliação. A religião umbandista pode ser considerada um agregado de
pequenas unidades que não formam um único conjunto. Não existe como na Igreja
Católica um centro bem separado onde a hierarquia é aparente.
Aqui, o que prevalece é a dispersão. Cada pai-de-santo é o senhor de
seu terreiro, não existindo uma autoridade superior a ele. Existe uma infinidade de
terreiros autônomos, porém unidos em uma mesma crença.
2.4 SIMBOLISMO
Segundo MATTOS (2007), a doutrina umbandista, sugere que as
entidades cultuadas na umbanda, e no candomblé são de origem africana, mas com
a convivência no Brasil, sofreram um processo de sincretismo com a tradição
católica.
A crença umbandista desvirtuou o sentido original das crenças
africanas, tornando possível reconhecer influências indígenas, espíritas. Na
umbanda, existe uma hierarquia no „astral‟ da qual surge o valor das entidades.
Nessa hierarquia, existe uma ordem onde primeiro vem o Deus supremo, OXALÁ,
23
que corresponde ao Deus Católico. Em seguida vêm os orixás, divindades africanas.
Os orixás seriam santos que nunca encarnaram.
2.4.1 ORIXÁS
A religião dos Iorubás, tal como se apresenta atualmente, só se tornou
homogênea gradativamente. Sua uniformidade é o resultado de algumas
adaptações de crenças vindas de várias direções. Hoje em dia ainda não há no
território Iorubá, uma hierarquia definida em relação aos orixás. As variações de um
local para outro, mostram que um orixá pode ser cultuado em uma região e ausente
em outra.
“O culto de Xangô, em Oyó, por exemplo, é oficialmente inexistente em Ifé, onde um deus local está em seu lugar com o poder do trovão, Oramfé. Oxum, cujo culto é marcante na região de Ijexá, é totalmente ausente em Egbá. Iemanjá que é soberana em Egbá, é desconhecida na região de Ijexá. A adoração desses orixás em determinadas regiões, depende da história de onde estes figuraram como protetores: Xangô era o terceiro rei de Oyó; Oxum em Oxogbô fez um pacto com Larô, fundador da cidade de Ifé cujos filhos tornaram-se reis de cidades Iorubas” (MATTOS, 2007: 54).
O lugar ocupado na organização social pelo orixá pode ser diferente,
se tratar de uma cidade onde se ergue um palácio real, ocupado por um rei, tendo
direito a usar uma coroa, „adé „, com franjas de pérolas, escondendo sua face; a
casa do senhor do mercado de uma cidade cujo chefe é um Balé que só tem direito
a uma coroa modesta. Nesses casos o orixá está praticamente à sua disposição
para garantir a estabilidade da dinastia e a proteção dos súditos.Nas aldeias, onde o
poder civil continuou fraco, o impacto das religiões tradicionais era muito forte na
sociedade.
Para MATTOS (2007), a religião dos orixás está diretamente ligada à
noção de família. A família numerosa, vinda de um mesmo antepassado englobando
vivos e mortos. O orixá seria um ancestral divinizado, que em vida criou vínculos de
controle com a natureza, como o trovão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou a
possibilidade de exercer certas atividades como a caça, o conhecimento de
propriedades e utilização de plantas. Esse poder do orixá teria após sua morte a
possibilidade de encarnar momentaneamente em um de seus descendentes durante
um fenômeno de possessão.
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O orixá é uma força pura, àse (axé) imaterial que só se torna
perceptível aos seres humanos, quando se incorporam em um deles; esse ser
escolhido pelo orixá, um de seus descendentes, é chamado de elégùn, aquele que
tem o privilégio de ser „montado‟ por ele. Torna-se o veículo que possibilita o orixá
voltar à terra para saudar e receber as provas de respeito.
Os elégùn, algumas vezes são chamados de iaô, mulher do orixá. Esse
termo se aplica tanto aos homens quanto às mulheres e não evoca uma idéia de
união ou posse carnal, mas de sujeição e de dependência. O elégùn tem o papel
fundamental nas cerimônias de adoração ao ancestral divinizado, que, incorporando-
se ao elégùn, reencontra por alguns instantes sua antiga personalidade espiritual e
material.
Os orixás, durante as cerimônias de evocação, voltam
temporariamente à Terra, e entre seus descendentes, dançam, recebem
cumprimentos, ouvem suas queixas e aconselham. O relacionamento, portanto,
entre os orixás e os crentes é aberto e ao contrário do que se pensa, o mundo
celestial encontra-se acessível, e os seguidores poder usufruir da benevolência das
entidades.
O orixá é um verdadeiro bem de família, transmitido pela linhagem
paterna. Os grandes chefes de família, os balè, direcionam geralmente a
responsabilidade do culto ao orixá da família à um aláàse ( guardião do poder de
Deus, que dele cuida, com o auxílio dos elégùn, que podem ser possuídos pelo
orixá.
As mulheres da família participam das cerimônias e podem se tornar
elégùn do orixá da família paterna, mas se forem casadas, é o orixá da família do
marido que será de seus filhos, por isso as mulheres se encontram numa posição
um pouco marginalizada na família do marido.
“As mulheres são vistas apenas como geradoras de filhos, não se integrando totalmente ao novo lar; quando essas mulheres morrem, seu cadáver é devolvido ao lar de seus pais, onde é enterrada. O preconceito na nação Iorubá nasce com a criança, quando o próprio pai pergunta na hora do concebimento se a criança é o dono da casa (onílé) ou a estrangeira (àléjò), estabelecendo a posição que a criança ocupará na família Iorubá”. (MATTOS, 2007: 58).
Acima dos orixás, reina um Deus supremo. Oludumare, cuja etimologia
gera dúvida. Este deus se encontra distante, indiferente ás preces e ao destino do
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homem. Está fora do alcance humano; ele é superior a todos os níveis de moral e
justiça.
Não existe um culto direcionado à Oludumare – ele criou os orixás para
supervisionar o mundo, por isso é a esses orixás que os homens devem se apegar.
Oludumare só intervém para julgar desavenças entre os orixás. Para Oludumare, a
criação dos orixás foi feita para uma melhor regência do mundo, já que cada orixá
tem suas características e se completam numa verdadeira harmonia.
2.5 OS ORIXÁS NO NOVO MUNDO
A presença das religiões africanas no Novo Mundo é conseqüência do
tráfico de escravos que foram trazidos para os países da América, provenientes da
África. Com esse tráfico, uma multidão de cativos que não falava a mesma língua, se
amontoava com diferentes hábitos de vida e religiões também distintas.
“Ainda no século XIV, constatou-se na Bahia a presença de negros BANTU, que contribuíram para a inserção de novas palavras ao vocabulário brasileiro. Após algum tempo, chegou uma numerosa quantidade de negros naturais de regiões habitadas por Gêges e Nagôs, cujos rituais religiosos de adoração à deuses serviram de modelo às etnias baianas”. (MATTOS, 2007: 61).
Além do transporte de cativos destinados apenas ao trabalho escravo,
os navios negreiros também transportavam personalidade, crenças e jeito de ser de
cada negro; mas ao chegar no Novo Mundo, o escravo era obrigado a curvar-se
perante as novas doutrinas para conseguir a „salvação‟ de suas almas.
A grande resistência das regiões africanas frente às forças de
alienação da época, surpreendia os que defendiam o tráfico negreiro com o
argumento de que suas atividades (a dos negros ), era o meio mais fácil de levar as
almas dos negros à Igreja, ao invés de deixá-los na paganidade da África. Nesta
época, os homens que trabalhavam com o tráfico de escravos, se apegavam muito à
fé, acreditando nas palavras da Igreja que dizia que os santos os acompanhariam
nas jornadas de busca de negros para a „salvação‟.
Para MATTOS (2007), esses mesmos santos que protegiam os
interesses dos negreiros e a vida de uma parte dos negros transportados, ajudaram
os escravos a despistar seus senhores sobre a natureza das danças que estavam
autorizados a realizar, aos domingos, quando se reuniam em „batuques‟. Em 1758,
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os senhores aceitavam que os escravos tivessem um meio de lembrar de suas
origens e Ter uma verdadeira aversão da época em que guerreavam na África, na
tentativa de inibir uma revolta em massa, que aconteceria 50 anos mais tarde.
Os senhores da época achavam que as danças eram apenas uma
forma de diversão dos negros, sem desconfiar da preces e orações à seus orixás, a
seus Vodun e a seus Inkissi, quando eram obrigados a justificar seus cantos, diziam
que louvavam, em suas línguas de origem, os santos do paraíso.
Nessa época surgiu o sincretismo que relacionava a religião Iorubá à
Católica; alguns santos começaram a ser comparados aos orixás africanos. Por
exemplo, Xangô, deus do trovão foi comparado a São Jerônimo, representado por
um ancião acompanhado de um leão docilmente deitado sobre seus pés; e como
leão é um símbolo de realeza entre os Iorubás, São Jerônimo foi comparado a
Xangô.
Os santos católicos ao se aproximarem dos deuses africanos,
tornavam-se familiares aos recém - convertidos, mas fica difícil saber se isso
realmente converteu os africanos ou apenas os ajudou a camuflar sua crença
verdadeira. Com o passar do tempo, a participação de descendentes de africanos e
de mulatos educados num igual respeito às duas religiões, aumentou, fazendo com
que estes fossem tão sinceramente católicos, indo à Igreja, como ligados às
tradições africanas, participando das cerimônias de candomblé.
2.5.1 CARACTERÍSTICAS DE ALGUNS ORIXÁS
Segundo MATTOS (2007), Exu é um orixá de contraditórios aspectos;
ele gosta de suscitar disputas, de provocar acidentes e calamidades públicas e
privadas. É astuciosos, grosseiro, vaidoso e indecente, sendo muitas vezes
comparado e confundido com o diabo.
Entretanto, Exu possui seu lado bom, e se ele é tratado com
consideração, mostra-se prestativo. Se, por outro lado, oferendas e sacrifícios não
forem direcionados à ele, o surgimento de catástrofes é inevitável. É o mais humano
dos orixás – nem completamente bom, nem completamente mau.
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O lugar destinado à esse orixá entre os Iorubás, é constituído de um
pedaço de pedra porosa, chamada Yangi, ou por um monte de terra modelado na
forma humana.
Ogum teria sido o filho mais velho de Odudua, fundador de Ifé. Era
temível guerreiro que brigava contra reinos vizinhos.
Como orixá, Ogum é o deus do ferro e de todos que utilizam o metal:
caçadores, barbeiros, açougueiros. Ogum é representado por franjas de folhas de
dendezeiro desfiadas, chamada de màrìwò. Esses màrìwò pendurados acima de
portas e janelas de uma casa, representam proteção.
Xangô é viril e atrevido, violento e justiceiro. Castiga os mentirosos, os
ladrões e os malfeitores. O símbolo de xangô é o machado de duas lâminas, Osé
(oxé), que seus elégùn trazem nas mãos quando estão em transe. Lembra o símbolo
de Zeus em Creta.
Os adeptos de Xangô seguram nas mãos um instrumento musical
utilizado apenas por eles, o séré (xerê) , feito de uma cabaça alongada e contendo
no seu interior pequenos grãos.
Para MATTOS (2007), o nome Iemanjá deriva de Yèyè Omo Ejá (mãe
cujos filhos são peixes); é o orixá dos Egbá. Iemanjá seria a filha de Olóòkun, Deus
do mar. Recebe sacrifício de carneiros e oferendas de pratos preparados à base de
milho. Ela é representada nas imagens com o aspecto de sua matrona, de seios
volumosos, símbolo de maternidade fecunda e nutritiva.
Obaluaê ou omolu são os nomes atribuídos ao Deus da varíola e das
doenças contagiosas, as quais os nomes não devem ser pronunciados por
superstição. Pune os malfeitores enviando-lhes a doença.
O lugar de origem de Obaluaê é incerto mas existe a possibilidade de
que esse local pode ser no território de Tapá ou Nupê.
Ossain é a divindade das plantas medicinais e litúrgicas; sem a sua
presença, nenhuma cerimônia pode ser feita, pois ele é o detentor do àse (poder),
imprescindível até aos próprios deuses.
O símbolo de Ossain é uma haste de ferro, onde na extremidade
superior, existe um pássaro em ferro forjado. Esta haste é cercada por seis outras
dirigidas em leque para o alto.
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2.5.2 PRIMEIROS TERREIROS DE CANDOMBLÉ
Para MATTOS (2007), a instituição de irmandades religiosas, sob a
responsabilidade da Igreja Católica, separava as etnias africanas. Os negros de
Angola formavam a ordem terceira do Rosário de Nossa Senhora das Portas do
Carmo. Os Gêges reuniam-se sob a devoção de Nosso Senhor Bom Jesus da
Necessidades. Os Nagôs, cuja maioria era da nação Kêto, formavam duas
irmandades distintas: uma de mulheres e outra reservada aos homens.
Essa separação por etnias, completava o que já acontecia no século
precedente, onde era permitido aos negros libertos ou não, se reagrupar e praticar
juntos, em locais fora da Igreja, o culto de seus deuses africanos.
Muitas mulheres originárias de Kêto, antigas escravas libertas,
tomaram a iniciativa de criar um terreiro de candomblé, chamado Ìyá Omi Àse Àirá
Intilè, próximo à Igreja da barroquinha. Além deste terreiro, muitos outros
começaram a surgir e se espalhar pela cidade. Nesta época, apenas a religião
católica era autorizada legalmente, e, esses cultos „clandestinos‟ eram repreendidos
a todo instante.
“Em 1826, a polícia da Bahia começou a realizar buscas com o objetivo de recolher possíveis negros agrupados e direcionados à uma revolução, mas ao contrário disso, apreenderam objetos e instrumentos relacionados ao candomblé. Ainda nesta época surge no alto do Gantois, o terreiro chamado Iyá Omi Àse Ìyámase, fundado por dona Escolástica Maria da Conceição Nazaré, "Menininha", a partir daí, muitos terreiros surgiram nascidos do terreiro Axé Opô Afonjá, na Barroquinha” (MATTOS, 2007 : 84)
Ao lado dos terreiros Nagô- Kêto, há na Bahia os da nação Ijexá; o
mais conhecido é o de Eduardo Ijexá, meio irmão de Otávio Mangabeira, ex-
governador da Bahia. A palavra candomblé, que traduz na Bahia as religiões
africanas, é de origem BANTU, e é possível que as influências das religiões vindas
da África não se limitem só ao nome das cerimônias, mas tenham unido ao culto
gêge e nagô, uma forma diferenciada dessas manifestações na África.
2.5.3 CERIMÔNIAS
Segundo MATTOS (2007), na África, as cerimônias para os orixás são
acompanhadas de oferendas e sacrifícios. Normalmente, o orixá recebe essa
oferenda encarnado em um de seus elégùn.
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Para Xangô, estas cerimônias são realizadas em épocas afastadas
umas das outras, e ele só se manifesta apenas em um de seus elégùn, mas existe a
possibilidade de todos serem possuídos. Esse transe, quando iniciado, dura até
dezessete dias e manifesta-se durante o sacrifício de um carneiro.
Os transes de Ogum, acontecem a cada quatro dias, isto é, a cada
semana Iorubá. O deus se manifesta em seu elégùn, sempre o mesmo, num curto
período de tempo que pode chegar a uma hora. O transe acontece puxado pelos
ritmos de tambores e sacrifícios.
Existem muitos orixás, e as cerimônias de evocação são específicas
para cada um deles.
Na Bahia, no início do século, os terreiros eram instalados longe do
centro da cidade; com o crescimento dos novos bairros, estes foram sendo incluídos
na zona urbana.
São geralmente compostos de uma construção denominada „barracão‟,
com grande sala para as danças e cerimônias; de uma série de casas destinadas à
residência das pessoas que fazem parte do candomblé.
O culto é de responsabilidade do pai ou mãe-de-santo, que são os
babalorixá e ialorixá, respectivamente. São chamados também de zeladores de
santo (encarregados de cuidar do axé-poder do orixá). Os pais-de-santo e as mães-
de-santo, são ajudados por pais ou mães pequenos e por uma série de ajudantes,
com papéis e atividades definidos.
Alguns integrantes são chamados de „ogãs‟, mas estes não têm
funções religiosas especiais, ajudando o terreiro materialmente e contribuem para
protegê-lo; é um tipo de ajuda mútua. Existem ainda os „iaôs‟, "mulheres" dos orixás,
que são os filhos e filhas-de-santo.
Segundo MATTOS (2007), nos dias de cerimônia pública, chamada
„xirê dos orixás‟ – festa dos orixás – o barracão é decorado com guirlandas de papel
nas cores do deus festejado. O chão é varrido cuidadosamente e salpicado com
folhas de pitanga e grandes palmas decoram as paredes.
O pai-de-santo, com seus ajudantes, fica sentado junto aos atabaques.
Os ogãs ficam em cadeiras marcadas com seus nomes, onde só eles podem sentar.
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Os visitantes importantes sentam-se em bancos e cadeiras e o resto do público fica
dividido em dois grupos: homens de um lado e mulheres de outro.
No começo, três atabaques (Rum, Rumpi e Lé) acompanhados pelo
agogô, tocam apelos ritmados às diversas divindades. Durante os toques de
chamada, feitos no início da cerimônia, os atabaques são batidos sem
acompanhamento de danças e cantos.
O elemento melódico das músicas africanas, destaca-se no decorrer
das cerimônias privadas, no momento de sacrifícios e oferendas dirigidos aos orixás.
A melodia é na língua Iorubá.
Uma vez terminada essa parte do ritual religioso, todos ficam de pé,
com as mãos estendidas, forma de saudação, enquanto a „iamorô‟ e as outras
dançam para honrar a memória dos orixás.
“O transe começa por hesitações, passos em falso, tremedeiras e movimentos desordenados de iaôs. Ficam descalços, todas as jóias do corpo são retiradas e as calças ficam dobradas até a altura do joelho. Os orixás são recebidos com gritos e louvores. Os iaôs vestem-se com roupas características do orixá e recebe suas armas e seus objetos”. (MATTOS, 2007: 86).
Bem, a diferença entre as cerimônias na África e no Novo Mundo é que
na primeira, evoca-se um só orixá durante uma festa celebrada em um templo
reservado, enquanto no Novo mundo, vários orixás são evocados em um mesmo
terreiro durante uma mesma festa. Na África, a cerimônia é feita pela coletividade
familiar e um só elégùn é possuído, enquanto no Novo Mundo, vários iaôs recebem
o mesmo orixá.
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CONCLUSÃO
A presença das religiões africanas no Novo Mundo é uma
conseqüência imprevista do tráfico de escravos. Desse fato resultou, uma massa de
pessoas, que não falavam a mesma língua, possuindo hábitos de vida diferentes e
religiões distintas. Em comum, não tinham senão a infelicidade de estar, todos eles,
reduzidos à escravidão, longe das suas terras de origem.
Desde muito cedo, ainda no século XVI, constata-se na Bahia a
presença de negros banto, que deixaram a sua influência no vocabulário brasileiro.
Em seguida, verifica-se a chegada de numeroso contingente de africanos,
provenientes das regiões habitadas pelos daomeanos (gegês) e pelos iorubás
(nagôs), cujos rituais de adoração aos deuses parecem ter servido de modelo às
etnias já instaladas na Bahia.
Vê-se, assim, com que cuidados os negreiros, professando as mais
diversas formas de monoteísmo, tentavam salvar as almas dos africanos,
mergulhados nas "trevas" da idolatria. Na Bahia, todos os santos do paraíso foram
invocados como protetores dessa respeitável atividade: protetores dos negreiros,
dos seus barcos e das mercadorias transportadas.
As religiões afro-brasileiras têm sua origem histórica na forma em que
se organizaram na luta pela conquista da cidadania. Estas nasceram da
necessidade do negro escravizado em preservar os seus traços culturais e sociais,
fazendo com que, mesmo privado de sua liberdade física, visto estar sob o julgo de
seu senhor, encontrasse meios de continuar professando a sua crença, dentro da
estrutura altamente controladora e repressora, do período escravagista.
Com esta tentativa de travestir o orixá, com uma roupagem católica,
criaram-se muitas e variadas religiões, que buscaram articular os santos do
ageológio católico ao africano e indígena, são as denominadas religiões afro-
brasileiras: Candomblé, Catimbó, Macumba, Umbanda, Batuque, dentre outras.
Assim, ao término deste trabalho, percebe-se que a religião, assim
como muitas outras coisas, faz parte do patrimônio cultural de um indivíduo e,
portanto, deve ser respeitada.
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REFERÈNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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