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Psicologia e Educação 15 Vol. VII, nº 1, Jun. 2008 Auto-determinação em contextos de formação e de trabalho: Promoção do desenvolvimento pessoal e da qualidade de vida Maria Paula Barbas de Albuquerque Paixão* Resumo: Na linha de Vondracek e de Kawasaki (1995), que afirmaram que uma teoria compreensiva do desenvolvimento da carreira deveria fundamentar-se numa teoria compreensiva da motivação humana, começamos por nos centrar no significado motivacional e psicológico do trabalho, defendendo que a teoria da auto-determinação, uma abordagem motivacional organísmica, fornece um quadro conceptual que explica aspectos pessoais e sociais nucleares da regulação comportamental, nomeadamente em contextos de desenvolvimento da carreira. Defendemos, ainda, a ideia que as estratégias preventivas, desenvolvimentistas e, em alguns casos, remediativas de intervenção vocacional contribuem para promover a regulação autónoma do comportamento e para a satisfação das necessidades psicológicas básicas, mesmo na presença de obstáculos salientes, de origem interna ou externa. Palavras-chave: estratégias de intervenção na carreira; abordagens motivacionais contemporâneas, teoria da auto-determinação; bem-estar psicológico. Abstract: Following Vondracek & Kawasaki’s statement (1995) that a comprehensive theory of career development needs to be organised around a comprehensive theory of human motivation, we focus on the motivational and psychological meaning of work and argue that self-determination theory, an organismic motivational approach, presents a conceptual framework that explains important personal and social behavioural regulation, namely in career development contexts. We then stress the fact that preventive, developmental and, even, remedial career intervention strategies promote an autonomous behavioural regulation and allow the satisfaction of basic psychological needs, even in the presence of compelling internal and external barriers. Key-words: career intervention strategies; contemporary motivational approaches; self- determination theory; psychological well-being. _______________ * Professora Associada da Faculdade de Psico- logia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. E-mail: [email protected] Introdução Começamos por introduzir uma afirmação extremamante rica do ponto de vista do conteúdo, e que pode ser utilizada para enquadrar as reflexões que irão ser pro- duzidas ao longo deste trabalho “...a comprehensive theory of career development necessitates a comprehensive theory of motivation” (Vondracek & Kawasaki, 1995, 124). Efectivamente, não pode haver uma compreensão do compor- tamento de construção das relações em torno do trabalho, nem tão pouco uma tentativa de intervenção nesse mesmo com- portamento, sem o integrarmos no conjun-

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Vol. VII, nº 1, Jun. 2008

Auto-determinação em contextos de formação e de trabalho:Promoção do desenvolvimento pessoal e da qualidade de vidaMaria Paula Barbas de Albuquerque Paixão*

Resumo: Na linha de Vondracek e de Kawasaki (1995), que afirmaram que uma teoriacompreensiva do desenvolvimento da carreira deveria fundamentar-se numa teoriacompreensiva da motivação humana, começamos por nos centrar no significadomotivacional e psicológico do trabalho, defendendo que a teoria da auto-determinação,uma abordagem motivacional organísmica, fornece um quadro conceptual que explicaaspectos pessoais e sociais nucleares da regulação comportamental, nomeadamente emcontextos de desenvolvimento da carreira. Defendemos, ainda, a ideia que as estratégiaspreventivas, desenvolvimentistas e, em alguns casos, remediativas de intervençãovocacional contribuem para promover a regulação autónoma do comportamento e paraa satisfação das necessidades psicológicas básicas, mesmo na presença de obstáculossalientes, de origem interna ou externa.Palavras-chave: estratégias de intervenção na carreira; abordagens motivacionaiscontemporâneas, teoria da auto-determinação; bem-estar psicológico.

Abstract: Following Vondracek & Kawasaki’s statement (1995) that a comprehensivetheory of career development needs to be organised around a comprehensive theoryof human motivation, we focus on the motivational and psychological meaning ofwork and argue that self-determination theory, an organismic motivational approach,presents a conceptual framework that explains important personal and social behaviouralregulation, namely in career development contexts. We then stress the fact that preventive,developmental and, even, remedial career intervention strategies promote an autonomousbehavioural regulation and allow the satisfaction of basic psychological needs, evenin the presence of compelling internal and external barriers.Key-words: career intervention strategies; contemporary motivational approaches; self-determination theory; psychological well-being.

_______________* Professora Associada da Faculdade de Psico-

logia e de Ciências da Educação da Universidadede Coimbra. E-mail: [email protected]

Introdução

Começamos por introduzir uma afirmaçãoextremamante rica do ponto de vista doconteúdo, e que pode ser utilizada paraenquadrar as reflexões que irão ser pro-

duzidas ao longo deste trabalho “...acomprehensive theory of careerdevelopment necessitates a comprehensivetheory of motivation” (Vondracek &Kawasaki, 1995, 124). Efectivamente, nãopode haver uma compreensão do compor-tamento de construção das relações emtorno do trabalho, nem tão pouco umatentativa de intervenção nesse mesmo com-portamento, sem o integrarmos no conjun-

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to dos processos que concorrem para aprodução do conhecimento em torno dofuncionamento motivacional global.No entanto, não é fácil falar dasinterrelações (muito embora evidentes!)entre a motivação e o desenvolvimentovocacional. E não é fácil por váriosmotivos: em primeiro lugar porque o estudoda motivação humana constitui um vastocampo, caracterizado pela diversidade dassuas grelhas de leitura e pela existênciade perspectivas, muita vezes antagónicas,relativamente à compreensão de aspectosidênticos do comportamento. Esta situaçãofoi descrita por Ford (1992) como sendoa de uma crise de identidade, igualmentetraduzida nas dificuldades sentidas nadefinição e delimitação deste domíniocientífico e, ainda, pela tentativa de substi-tuir o conceito de motivação por outrosconceitos que explicam de forma parcelaros principais aspectos envolvidos na di-recção/manutenção do comportamento. Emsegundo lugar, porque a psicologiavocacional pode ser vista, de acordo comMark Savickas (2001) como um arquipé-lago constituído por duas ilhas que rara-mente comunicam entre si: a ilha dapsicologia do aconselhamento, que estuda,fundamentalmente, as escolhas educativase vocacionais e a ilha da psicologia or-ganizacional que estuda o ajustamento aotrabalho, não havendo um esforço siste-mático e articulado de compreensão dodesenvolvimento dos significados do tra-balho ao longo do ciclo de vida, e emcontextos e situações particulares de in-serção comportamental. Como ligar umcontinente com contornos em perpétuamudança com um arquipélago constituídopor ilhas que raramente comunicam entresi? Tarefa impossível? Não, a tarefa édifícil mas não é impossível. Decidimos,então, começar por esta afirmação deVondracek e Kawasaki que funciona como

uma espécie de “insight”: a questão nãoestá no conteúdo, mas na cartografiasugerida e, quando, depois de a analisar-mos, nos propomos construir uma rota,devemos começar pelo princípio...Como éque uma teoria compreensiva da motiva-ção nos pode ajudar a construir uma teoriacompreensiva do desenvolvimento dacarreira, isto é, uma teoria que permitacompreender e explicar as complexasinterrelações entre o trabalho e os outrosaspectos estruturantes da vida humana, aolongo de um espectro temporal alargado?Começaremos por nos deter brevemente nacaracterização psicológica e motivacionaldo conceito de trabalho, sublinhando aforma como o estudo da motivação hu-mana na actualidade pode contribuir paraa sua compreensão, nomeadamente umasuas abordagens mais compreensivas e comum profundo impacto na compreensãoglobal do comportamento em situação, ateoria da auto-determinação.

1. O significado psicológico emotivacional do trabalho

O trabalho é uma actividade produtiva comvalor para a sociedade e com significadopara o indivíduo; a experiência de traba-lho é comum a todos os seres humanos,independentemente do contexto históricoe/ou cultural, contribuindo, em largamedida, para a construção da identidadepsicossocial (Blustein, 2006, 2008) querem contextos de grande suporte, quer emsituações comportando barreiras ou obs-táculos do tipo económico, social, culturale/ou de âmbito pessoal (p. ex., problemascrónicos de saúde). O trabalho integraactividades pelas quais os seres humanosrecebem dinheiro (permitindo a sua sobre-vivência), bem como actividades quecumprem diversas outras funções, nome-

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adamente, de manutenção de rotinas di-árias, de desenvolvimento de sistemassociais e de criação de serviços de pro-tecção interpessoal e comunitária (Blustein,2006).Do ponto de vista da psicologia vocacionalé um construto eminentemente “positivo”,que assenta nas “forças” humanas, permi-tindo o desenvolvimento e o bem-estarpessoal, bem como o funcionamento or-ganizacional e comunitário (Robitschek &Woodson, 2006). Embora possa serdesinteressante, esgotante ou, mesmo,alienante, o trabalho é potencialmentesatisfatório e significativo e, cumprindodeterminadas condições, constitui umcontexto ideal para a expressão das capaci-dades e competências pessoais e para avivência de experiências de auto-determi-nação (Gagné & Deci, 2005; Ryan & Deci,2000). Enquanto construto psicológico, otrabalho tem, claramente, uma dimensãomotivacional, pois pressupõe esforço,organização de acções (intencionalidade)e dispêndio de energia (activação); enquan-to actividade intencional, o trabalho im-plica estabelecer objectivos, tomar deci-sões, lidar com conflitos, estabelecermecanismos de auto-regulação e de con-trolo volitivo, bem como processos deavaliação das acções antecipadas e/ourealizadas (Lens, 1993).

1.1. Intencionalidade comportamentalO que inicia o comportamento? Porque éque o comportamento é dirigido paraalgumas metas e não outras? Porque é queo comportamento muda de direcção?Porque é que o comportamento pára? Oque determina a intensidade do compor-tamento? Porque é que nos comportamosde maneira diferente em situações seme-lhantes? É evidente que não há uma únicaresposta, mas respostas diversas e, porvezes, muito complexas a estas questões

que nos remetem para situações da vidaquotidiana. Actualmente a motivação nãoé concebida como um estado, mas comoum processo; a motivação é vista comoum fenómeno dinâmico multifacetado,fruto da interacção entre o contexto e aquiloque o sujeito transporta para esse contex-to, embora durante largos anos tenha sidoconcebida como um fenómeno puramentequantitativo (estar/não estar motivado; estarmuito ou pouco motivado), nomeadamen-te no âmbito dos paradigmas da reduçãoda tensão e da motivação de realização(Linnenbrink & Pintrinch, 2002; Reeve,2004). Neste sentido, por exemplo, osinstrumentos de avaliação da motivaçãodevem ser orientados para áreas específi-cas, contextos precisos e diferentes fasesdo comportamento motivado, não poden-do pretender fazer uma avaliação global,generalista e descontextualizada destecomplexo processo comportamental(Linnenbrink & Pintrinch, 2002). Qualquerteoria ou modelo explicativo que concebaa motivação como um processo e não comoum estado, procura explicar tanto o de-sencadear como o desenvolvimento dofuncionamento motivacional, focalizandoa sua atenção em torno do papel desem-penhado pelos factores e construtosmotivacionais envolvidos nesse processo.O estudo da motivação humana centra-se,então, nos factores que dão ao compor-tamento (Reeve, 2004) a sua energia (in-tensidade, persistência) e a sua direcção(finalidade, orientação para objectivos).Como já foi dito, foi anteriormente con-cebida como um conceito unidimensional,operacionalizado em termos de quantida-de (quanto?), mas é, na verdade, umconceito multidimensional que é obviamen-te operacionalizado em termos de quan-tidade e de qualidade, propondo a psico-logia motivacional actual uma clara dis-tinção entre o conteúdo (o quê) e o tipo

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de regulação ( o porquê) das acções in-tencionais (Deci & Ryan, 2000). A mo-tivação possibilita a adaptação (nos planosbiológico, cognitivo e social), dirige aatenção e permite compreender o que aspessoas querem ou evitam (para si pró-prias e na relação com os seus contextos).O funcionamento motivacional necessita desuportes contextuais para apoiar e promo-ver processos construtivos de desenvolvi-mento (Reeve, 2004), e é um factorimportante no desenvolvimento daresiliência comportamental, isto é, nodesenvolvimento de competências (sociais,educacionais, relacionais, etc.) e de com-portamentos de “coping””(Alderman,2004), actuando simultaneamente como umfactor de protecção e como um processoatenuante do impacto dos factores de risco.Os factores de risco constituem caracte-rísticas da pessoa e do meio que influen-ciam as hipóteses de desenvolvimento deproblemas psicossociais e o envolvimentoem acontecimentos negativos; quantomaior o número de factores de risco a queestivermos expostos, maior a probabilida-de de desenvolvermos problemas. Por outrolado, os factores de protecção diminuema probabilidade de ocorrência de compor-tamentos problemáticos. Em diversos es-tudos, em diferentes domínios, a motiva-ção tem surgido como um potente factorde protecção (Smokowski, Reynolds &Bezruczko, 1999).

2. As abordagens contemporâneas damotivação

Para a generalidade das abordagens con-temporâneas da motivação, os sujeitos sãoconsiderados organismos activos, comcapacidade de regularem a sua interacçãocom os contextos; efectivamente, de acor-do com estas perspectivas os seres hu-

manos tendem para o desenvolvimento,o crescimento, o funcionamento integra-do e organizado e com um nível de com-plexidade crescente nos planos intra einter-individual. Esta tendência éidealmente regulada pelo núcleo funcio-nal do eu (“self”), podendo os contextosou ambientes facilitar ou inibir esta di-nâmica básica do desenvolvimento (Deci& Vansteenkiste, 2004).As modernas teorias da motivação englo-bam abordagens predominantementeorganísmicas, as quais advogam a existên-cia de um certo número de motivos co-muns a todos os sujeitos, em todas asculturas (embora a sua expressão possaassumir formas muito diversas), e cujo graude satisfação permite um maior ou menorgrau de “funcionamento optimal”, isto é,de crescimento pessoal e de bem-estarpsicológico e social (Deci & Ryan, 2002;Reeve, 2004). Integram, ainda, algumasabordagens predominantemente sócio-cognitivas, que procuram preferencialmentecompreender o funcionamento comporta-mental global recorrendo a processoscognitivo-motivacionais que explicam oorganização do comportamento em funçãodas suas metas ou finalidades, definidase avaliadas na sua relação com contextosou ambientes específicos (Bandura, 1986;Ford, 1992). No entanto, apesar das eviden-tes diferenças em termos explicativos, so-bretudo na importância atribuída ao impactodiferencial das necessidades e ao seu modode funcionamento na relação com diferentesfactores cognitivos, afectivos e sociais, ambosos tipos de abordagem têm em consideraçãoparâmetros relativos à quantidade da moti-vação (esforço, investimento temporal, per-sistência perante as dificuldades e os obs-táculos), bem como à sua qualidade (tipode regulação comportamental envolvida nocomportamento intencional) (Buchanan &Seligman, 1995).

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2.1. A teoria motivacional da auto-deter-minaçãoDe entre as abordagens organísmicas damotivação é indesmentível que a teoria daauto-determinação ocupa uma posição dedestaque, pela sua abrangência, elegânciaconceptual e suporte empírico, assentetanto em estudos experimentais como eminvestigações de campo nos mais diversosdomínios (Vansteenkiste & Sheldon, 2006).Com cerca de 30 anos de existência (Deci,1975), e algumas “reciclagens” no percur-so (Deci & Ryan, 2002), a teoria da auto-determinação concebe a motivação comoum recurso interno que explica muitosaspectos do comportamento humano (re-alização, desenvolvimento, bem-estar),incluindo o lidar com tarefas (nomeada-mente de trabalho) que envolvem activi-dades que não são intrinsecamente inte-ressantes.Adopta uma filosofia “eudaimonica” decompreensão do bem-estar, considerandoque este não é correlativo da ausência demal-estar ou de patologia, nem apenassinónimo de satisfação e felicidade (filo-sofia hedonista), mas que depende emgrande parte da actualização e concreti-zação do potencial humano (Ryan & Deci,2001).De acordo com esta teoria, a motivaçãointrínseca corresponde a um estado defuncionamento tipicamente auto-determi-nado, constituindo a base natural para aaprendizagem e o desenvolvimento, poisassenta na tendência inata do ser humanopara ser a causa dos acontecimentos (ex-plorar), procurar a novidade, buscar de-safios, produzir efeitos, utilizar e promo-ver as competências pessoais (Ryan &Deci, 2006). Efectivamente, a regulaçãointrínseca do comportamento aparece comofundamental para o desenvolvimentocognitivo e social, pois quando intrinse-camente motivadas as pessoas envolvem-

se nas actividades por interesse, prazer ousatisfação e experienciam graus elevadosde vitalidade. Este tipo de regulaçãocomportamental dá acesso às designadasexperiências de “fluxo”1, e as actividadesintrinsecamente motivadas são autotélicas,isto é, constituem um fim em si mesmas(Csikszentmihalyi, 1990). Csikszentmihalyirefere que as experiências de fluxo sãoalcançadas em actividades comportandoum “grau óptimo de desafio”, isto é, nasquais há uma correspondência entre ascompetências percebidas e o grau dedificuldade da tarefa, nomeadamente quan-do ambos os aspectos são elevados, reque-rendo muita energia de activação e reves-tindo-se de propriedades aditivas, emboranem sempre estejam associados aoenvolvimento dos sujeitos com activida-des positivas. O envolvimento intrínsecoem diversas actividades parece, em todoo caso, sustentar a vitalidade dos interes-ses e dos investimentos cognitivos ecomportamentais em domínios críticos parao funcionamento optimal dos sujeitos eprevenir o aparecimento de situações deaborrecimento generalizado, de alienação,e de experimentação de comportamentosanti-sociais, nomeadamente no períododesenvolvimental da adolescência (Hunter& Csikszentmihalyi, 2003).Este estado de funcionamento tipicamenteauto-determinado assenta na criação decondições ambientais (nutrientes) quepermitem a satisfação de três necessidades

_______________1 As experiências de fluxo, geradoras de um

intenso prazer, resultam da realização de actividadeslivremente aceites, com objectivos claros edesafiadores e que proporcionam feedback imediato.Estão associadas a uma intensa concentração nastarefas a realizar, à percepção de auto-controlo ede controlo do meio e caracterizam-se por umaespécie de fusão da acção e da consciência, por umasensação de transformação do tempo que implica umaperca de consciência de si e um sentimento detranscendência.

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básicas, fundamentais para o desenvolvi-mento e o bem-estar (embora os factorescontextuais, culturais e desenvolvimentaisque influenciam os seus modos de expres-são e os seus meios de satisfação possamvariar amplamente): autonomia, caracteri-zada pelo exercício da livre vontade, davolição, da agência, da escolha, sem muitaregulação ou controlo externo2, competên-cia, descrita como a experiência de per-cepções de eficácia pessoal e de mestriana realização de actividades e no estabe-lecimento de objectivos e, finalmente,relacionamento, concebido como a neces-sidade de estabelecer relações interpessoaissignificativas em contextos específicos eassociado à percepção de pertença e deapoio na realização de actividades e noestabelecimento de objectivos (Ryan &Deci, 2000b; Ryan, 1995; Ryan, Huta &Deci, 2008).No entanto, podemos afirmar que a mai-oria das actividades de trabalho que re-alizamos não são intrinsecamentemotivantes; sobretudo depois da infância,a existência de numerosas regulaçõessociais, bem como a assunção de novasresponsabilidades (nomeadamente em ta-refas ocupacionais remuneradas) requeremo envolvimento em actividades instrumen-tais que permitem o alcance de resultadossocialmente valorizados (nos domíniosintra-pessoal, interpessoal, organizacional,social e comunitário), diferentes da acti-vidade em si mesma. Neste caso podemosafirmar que a realização dessas activida-des está dependente da regulaçãomotivacional extrínseca (Gagné & Deci,2005). Porque os comportamentosextrinsecamente motivados não são tipi-

camente interessantes ou apelativos, aprincipal razão que os sujeitos têm paraa sua adopção é porque eles são incitados,modelados ou valorizados por figurassignificativas, relativamente às quais ossujeitos (nomeadamente as crianças) sesentem afectivamente ligados ou vincula-dos. A satisfação da necessidade de rela-cionamento é, pois, mais evidente noprocesso de internalização da regulaçãocomportamental do que no envolvimentoem comportamentos intrinsecamente mo-tivados (Sheldon & Schachtman, 2007).Quer isto então dizer que a motivaçãoextrínseca não permite o funcionamentoauto-determinado? A teoria da auto-deter-minação defende a ideia de que, neste caso,este tipo de funcionamento depende funda-mentalmente do tipo de regulaçãocomportamental que as actividades em quenos encontramos envolvidos são capazesde promover, propondo quatro tipos deregulação comportamental extrínseca (Nix,Ryan, Manly & Deci, 1999):a) a regulação externa explica o compor-

tamento quando este é regulado atravésde meios externos tais como recompen-sas, punições, avaliações, prazos, etc.(contingências externas). Neste caso, olocus da iniciação é externo ao self,sendo activado um modo de controlointerpessoal;

b) a regulação introjectada explica o com-portamento que é realizado para evitaremoções negativas como a ansiedade,a culpa, ou para manter percepções devalor pessoal. Neste âmbito, o locus deiniciação é parcialmente externo ao self,sendo activado um modo de controlointrapessoal;

c) a regulação identificada promove ocomportamento que é visto como ins-trumental para o alcance de objectivosvalorizados e, neste caso, o sujeitoidentifica-se com a actividade que re-

_______________2 A este propósito, já anteriormente de Charms

(1968) tinha considerado que a ausência de condiçõespara a experiência de autonomia nos faz sentir, nãoagentes, mas peões do nosso destino.

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aliza e que é para si relevante, sendoo locus de iniciação percebido comofundamentalmente interno (regulaçãointerna);

d) finalmente, a regulação integrada expli-ca o comportamento que é realizado deforma a harmonizar e a trazer coerênciaa diferentes aspectos do self, basicamen-te em função dos interesses e valorespessoais e, neste caso, o locus de ini-ciação está completamente internalizado(regulação interna). Pelas suas caracte-rísticas específicas, este tipo deregulação comportamental dificilmentepoderá explicar o funcionamento pes-soal, interpessoal e social antes do finalda adolescência ou o início da idadeadulta.

Podemos afirmar que, embora as duasúltimas formas de regulação comporta-mental extrínseca promovam a regulaçãointernalizada do comportamento, elas di-ferem da motivação intrínseca pois não sereferem ao envolvimento em actividades(por exemplo, de trabalho) por prazer,interesse e satisfação. Em qualquer doscasos, este continuum de externalidade-internalidade pode ser atravessado nos doissentidos, fundamentalmente quando nosencontramos envolvidos em actividadescomplexas, extensas, muitas vezes ambí-guas, que caracterizam o trabalho e ascarreiras educativas e/ocupacionais na vidaadulta (Baard, Deci & Ryan, 2004;Chirkov, Vansteenkiste, Tao & Linch,2007).Tendo em consideração o que foi anteri-ormente exposto, esta teoria concebe trêstipos de qualidade motivacional: aamotivação ou regulação impessoal, carac-terizada pela ausência de intencionalidadecomportamental, pela não valorização dasactividades realizadas ou antecipadas, pelaausência de percepções de competência ede expectativas de resultado; a motivação

controlada, que congrega os tipos deregulação comportamental externa eintrojectada, e a motivação autónoma queintegra os tipos de regulaçãocomportamental identificada, integrada eintrínseca. Embora estas duas últimasformas de regulação comportamental (con-trolada e autónoma) sejam caracterizadaspelo grau de intencionalidade accional quepossibilitam, podendo assim não diferir emquantidade (número de actividades, quan-tidade de esforço, etc.), certamente que sãodiferentes na qualidade do funcionamentopessoal, interpessoal e social que propor-cionam (realização e criatividade, qualida-de das relações, bem-estar). Com efeito,a motivação autónoma permite a auto-regulação com base em interesses e valo-res pessoais integrados no núcleo funci-onal do eu, sendo que o leque de com-portamentos que podem ser integradosneste núcleo vai progressivamente aumen-tando ao longo da infância e adolescência,estando intimamente associado à aquisi-ção de novas competências cognitivas, bemcomo ao desenvolvimento da identidadepsicossocial.Pelo contrário, a motivação controladaapenas permite a regulação externa ouparcialmente internalizada, isto é, que nãofoi completamente integrada no núcleofuncional do eu. Além do mais, a moti-vação autónoma facilita o “alinhamento”das acções realizadas ou antecipadas como núcleo funcional da identidade pessoal,assentando num locus interno de causali-dade, ao passo que a motivação controladaacentua a percepção de si como um “peão”de forças externas ao núcleo funcionalrepresentação de si, assentando num locusexterno de causalidade (Ryan & Deci,2001).A internalização e a integração são ques-tões centrais na socialização das crianças,mas continuam a ser temas relevantes para

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a regulação do comportamento ao longode todo o ciclo de vida. De facto, emqualquer contexto social em que partici-pemos ou no qual antecipemos iniciar anossa participação, tais como os contextosde trabalho ou de desenvolvimento dacarreira, há certos comportamentos evalores que são prescritos, tarefas a rea-lizar que podem ser particularmentedesinteressantes ou valores que não sãoespontaneamente adoptados. Neste senti-do, a teoria da auto-determinação sugere-nos alguns processos através dos quaiscomportamentos completamente externa-lizados se podem tornar progressivamenteauto-determinados, sugerindo-nos procedi-mentos que os meios de inserçãocomportamental podem utilizar para influ-enciar esses processos (Gagné & Deci,2005; Ryan & Deci, 2006).Além do mais, existe já um vasto conjuntode estudos empíricos, realizados em diver-sos contextos (estudo, organizacional,saúde física e mental, participação sociale religiosa), que têm sistematicamentevindo a demonstrar que sujeitos apresen-tando uma regulação comportamentalautónoma, em comparação com os sujei-tos que apresentam um regulaçãocomportamental predominantemente con-trolada, apresentam mais interesse e con-fiança, o que se traduz em níveis supe-riores de realização, persistência e criati-vidade, acréscimo de vitalidade, auto-es-tima e bem-estar geral (Deci & Ryan,2000).

3. Auto-determinação, desenvolvimentovocacional e bem-estar pessoal

Embora o papel da motivação intrínsecana regulação do comportamento vocacionalnão tenha ainda sido objecto de atençãoespecífica na psicologia vocacional e na

orientação escolar e profissional, Savickas(2004) considera que as inquietações emtorno dacuriosidade são determinantes (o que é queeu quero fazer com o meu futuro?) paraa qualidade do envolvimento do sujeito naorganização intencional do seu própriopercurso vocacional, tendo em vista a suaauto-determinação e a regulação integradado seu trajecto de vida. Efectivamente, acuriosidade está subjacente à activação docomportamento exploratório (Blustein,1988, 1994; Jordaan, 1963; Stumpf &Lockart, 1987; Taveira, 2000) orientadopara o estabelecimento de uma relação maisajustada entre si e o ambiente, para aexploração de “eus possíveis” (Markus &Nurius, 1986) e de diferentes papéis(Pelletier, Noiseux & Bujold, 1982), parao aprofundamento do auto-conhecimentoe da recolha e processamento da informa-ção escolar e profissional, podendo aausência de inquietação e de curiosidadeconduzir a enviezamentos redutores nainformação recolhida e processada(inexistência de complexidade cognitiva ede diferenciação e de integração de estru-turas cognitivas), com todas as implica-ções de que esse facto se reveste para aconstrução de representações inadequadasno que ao mundo da formação e do tra-balho se refere (Spokane, 1991). Por esteconjunto de razões, pensamos já estar naposse de bastantes dados que nos ajudama responder à questão colocada no iníciodeste ponto.Como é que podemos ajudar os sujeitosa encontrarem significado (realização,desenvolvimento, bem-estar) nas suasactividades de trabalho ou de realizaçãono contexto da carreira, quando estas nãosão intrinsecamente interessantes?Em primeiro lugar, um século de esforçosem torno da compreensão do significadodo trabalho e do desenvolvimento da

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carreira, com as correspondentes publica-ções na literatura especializada, permite-nos afirmar que as intervençõesvocacionais inibem a amotivação ou aregulação impessoal do comportamento,promovendo a intencionalidade das acçõespessoais (Blustein, 1988); em segundolugar, o conhecimento alcançado no âmbitoda eficácia do resultado dos tratamentosde carreira (Silva, 2004; Spokane, 2004)encoraja-nos a avançar com a hipótese deque as intervenções vocacionais promovema internalização da regulaçãocomportamental, ao tornarem os sujeitosmais conscientes dos seus valores, interes-ses e competências pessoais; em terceirolugar, as intervenções vocacionais contri-buem certamente para diminuir o peso dosfactores que promovem a regulação con-trolada ou não auto-determinada (pressõespor parte de superiores, pares ou de fi-guras significativas, coerção causada pelocontexto político ou social) possibilitandoníveis superiores de realização, padrõesdesenvolvimentais mais construtivos emaior bem-estar psicológico (Guichard,2003); finalmente, as intervençõesvocacionais propiciam, em certas circuns-tâncias, o envolvimento em actividades quepermitem a regulação motivacional intrín-seca, proporcionando ocasiões de intensasatisfação, prazer e fruição na realizaçãode actividades propostas (Pelletier, Noiseux& Bujold, 1982).Somos, deste modo, de opinião que osmodelos preventivos e desenvolvimentistasde intervenção vocacional promovem umagestão mais eficaz das carreiras pessoais,pois revestem-se das característicasfacilitadoras da regulação autónoma docomportamento e de um funcionamentomotivacional positivo e construtivo(Markland, Ryan, Tobin & Rollnick, 2005;Reeve, 1998). Efectivamente, além deproporcionarem um rationale pessoal sig-

nificativo para o envolvimento comporta-mental, minimizam os factores de contro-lo externo, providenciam oportunidadespara a participação e para escolha e nãoignoram os problemas emocionais eafectivos decorrentes do envolvimento emtarefas difíceis: o fornecimento de estru-tura, o apoio à autonomia e o envolvimentointerpessoal e social são as traves-mestrasdas intervenções que são organizadas noâmbito destes modelos.De facto, e desde logo, estes modeloscompreensivos incluem actividades com-portando um grau óptimo de desafio, quefazem apelo a diversas modalidadesexperienciais, desde o perceptual/imaginá-rio até ao comportamental/situacional(visualização, figuração, conotação, iden-tificação empática, referência sensorial,fantasia guiada, desempenho de papel,simulação, etc.), a partir de processos deactivação cognitiva e de estimulaçãoafectiva (estimulação do pensamento cri-ador, conceptual, avaliativo e implicativo):é, por exemplo, o caso dos programasoperatórios de desenvolvimento vocacionaldesenvolvidos por Pelletier et al., (1982),bem como das actividades de programa-ção do desenvolvimento da carreira ins-critas em várias estratégias de âmbitoeducativo ou de aconselhamentopsicoeducativo que têm sido propostas porvários autores no contexto português,nomeadamente para grupos-alvo de crian-ças e adolescentes (Leitão & Paixão, 1998a e b; Pinto, 2002; Taveira, 2001). De-vemos, ainda, realçar neste domínio opotencial apresentado pelo recurso àstecnologias de informação e comunicaçãona promoção sistemática do desenvolvi-mento vocacional, de que são um exce-lente exemplo os sistemas de orientaçãode carreira assistidos por computador muitopopulares no contexto norte-americano(Taveira & Silva, 2008), ou mesmo a

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organização de sites interactivos e de outrosrecursos digitais que já vão sendoconstruídos e implementados em Portugal(Oliveira, 2005).Por outro lado, tal como já afirmámos, osmodelos preventivos e promocionais deintervenção vocacional providenciam umconjunto de intervenções vocacionaiscaracterizadas pela sua estrutura (permi-tem a recolha e a exploração de informa-ção abundante e relevante sobre o self, omeio, e os resultados esperados dainteracção entre ambos, facilitam o esta-belecimento de objectivos adequados erealistas, permitem a obtenção de feedbackpositivo e apoiam e encorajam o desen-volvimento de percepções de competênciapessoal) (Paixão, Silva, Miguel & Leitão,1998).Os modelos preventivos e promocionais deintervenção vocacional funcionam, ainda,como contextos organizados de promoçãoda autonomia, pois originam e consolidampropostas de intervenção que constituemespaços de liberdade e de volição, nãoutilizam a coerção, permitem o ensaio deescolhas, a exploração de opções e dealternativas, e facilitam e encorajam oprocesso de tomada de decisão. Podemosafirmar que, de uma forma geral, no âmbitodas suas linhas orientadoras está inscritoo apoio a políticas institucionais, comu-nitárias e governamentais que incrementema escolha e a relevância (p. ex., recomen-dam a diversificação curricular ao longoda escolaridade contribuindo, desta forma,para incrementar a instrumentalidade per-cebida das aprendizagens, nomeadamenteo “alinhamento intrínseco” das formaçõesfrequentadas relativamente ao contextoocupacional e/ou de vida, isto é,a“instrumentalidade endógena” e aregulação interna (Assor, Kaplan & Roth,2002; Simons, Vansteenkiste, Lens, &Lacante, 2004).

Finalmente, os modelos preventivos epromocionais de intervenção vocacionalfacilitam o envolvimento e a criação derelações significativas e de “bases segu-ras” (Blustein, Walbridge, Friedlander &Palladino, 1991), pois promovem umaconcepção holística do desenvolvimentohumano, encorajam a participação inten-cional de figuras significativas, favorecemo estabelecimento de parcerias, a criaçãode equipas interdisciplinares e têm emconsideração a complexidade dos sistemase organizações de formação e de trabalho(Blustein, McWirther & Perry, 2005).Mesmo numa vertente mais remediativa,o aconselhamento vocacional constitui umespaço apropriado para lidar com dificul-dades comportamentais com impactonegativo na aprendizagem e na saúdemental. Na verdade, o aconselhamentovocacional constitui um contexto deaconselhamento motivacional propício àanálise e tratamento dos déficesmotivacionais que mantêm esse tipo dedificuldades, desenvolvendo a motivaçãodos sujeitos para comportamentos saudá-veis e inibindo o desenvolvimento deestruturas motivacionais não desejáveis aomesmo tempo que fornece estrutura, apoiaa autonomia e promove o envolvimentona avaliação das características dos con-textos proximais e dos padrõesdesenvolvimentais que mais dificultam asatisfação das tendências básicas de cres-cimento. Nestas situações, e nas suas fasesiniciais e finais o aconselhamentovocacional poderia incorporar princípios,procedimentos e técnicas inicialmentedesenvolvidos no aconselhamentomotivacional sistemático (abordagem pro-posta por Cox & Klinger, em 2004, parao tratamento de comportamentos aditivos,reinserção social de sujeitos presos, rea-bilitação, problemas psicopatológicos, etc).O aconselhamento motivacional sistemá-

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tico procede à avaliação do sistema deobjectivos pessoais, quer quanto ao seuconteúdo, quer quanto à sua estrutura, querainda quanto à sua tonalidade afectiva,tendo três décadas de estudo e investiga-ção já permitido observar que o bem–estarpessoal está associado a projectos pessoaissignificativos, bem estruturados, com al-gum apoio social, eficazes e não dema-siado stressantes (Little & Chambers,2004).Ainda adentro de uma vertente de carizremediativo, o aconselhamento vocacionalpoderia, ainda, incorporar princípios, pro-cedimentos e técnicas igualmente desen-volvidos na entrevista motivacional(“motivational interviewing”), que consis-te numa abordagem centrada no cliente,mas directiva, proposta por Miller &Rolnick (2002) para o tratamento de pro-blemas comportamentais nos grupos ante-riormente referidos. Como já ficou demons-trado, a entrevista motivacional promoveprocessos de regulação autónoma em cadaum dos estádios de iniciação eimplementação das mudanças percebidascomo necessárias, através da utilização daempatia, do desenvolvimento da discrepân-cia, da redução da resistência e da pro-moção da auto-eficácia (Markland, Ryan,Tobin & Roolnick, 2005; VansteenKiste& Sheldon, 2006). Estas duas abordagenssão, de certa forma, complementares, namedida em que, enquanto a primeira nosfornece um conjunto de instrumentos quenos permitem aceder às características dofuncionamento motivacional dos sujeitosao identificar os atributos mais relevantesdos seus objectivos pessoais, a segundaconstitui uma via privilegiada para percor-rer com sucesso os sucessivos passos queintegram o processo de aconselhamentodesde o início e até ao seu terminus e quefacilitam a concretização das mudançasdesejadas.

É evidente que, muito embora a teoria daauto-determinação seja uma teoriaorganísmica do fucionamento motiva-cional, não podemos esquecer que temos,na actualidade, um corpo muito robustode investigação que salienta e esclarece opapel desempenhado por um conjunto defactores sócio-cognitivos na promoção daregulação autónoma do comportamento.Sendo certo que uma explicação maisalargada sobre esse papel não cabe noespaço nem no propósito deste artigo(Paixão, 2004), faremos apenas uma re-ferência muito breve a alguns dessesfactores e processos motivacionais:a) o tipo de atribuições causais feitas para

os resultados dos comportamentos pes-soais em contextos sociais e/ou derealização (Seligman, 1998; Weiner,2000), uma linha de estudos que nosmostra que o tipo de atribuições causaisque fazemos aos resultados das nossasactividades não é independente, antespelo contrário, do tipo de funcionamen-to pessoal mais ou menos saudável queexibimos;

b) as expectativas de auto-eficácia, deresultado e os objectivos de acção (Lent,Brown & Hackett, 1994; Lent & Brown,2006), processos claramente identifica-dos pela teoria sócio-cognitiva da car-reira como tendo um papel central naexplicação do desenvolvimento dosinteresses, das escolhas, da realização,da satisfação e do bem-estar subjectivo;c) o tipo de orientação para objectivosem contextos de realização (Dweck &Legget, 1988; Maehr & Midgley, 1996;Nicholls, 1984; Ames, 1992; Elliot,1997), em que um vasto conjunto deinvestigações já realizadas tem vindo aevidenciar que, de uma forma global,os objectivos orientados para a mestriapermitem realizações mais adaptativasnos planos motivacional, cognitivo e

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accional ou de realização, ao passo queos objectivos orientados para o resul-tado dão origem a desempenhoscomportamentais, por vezes, menosadaptativos (os objectivos de aproxima-ção) ou mesmo inadaptativos (os ob-jectivos de evitamento), aparecendoigualmente associados à eclosão deestados emocionais negativos, ao au-mento da probabilidade de aparecimen-to de cognições irrelevantes edistractoras e à diminuição doenvolvimento em tarefas de aprendiza-gem ou de realização; e, finalmente d)o processo de estabelecimento de ob-jectivos pessoais (Karniol & Ross,1996), que regula o funcionamentomotivacional e comportamental emfunção das mais importantes caracterís-ticas estruturais e de conteúdo das metasantecipadas.

Em suma, podemos considerar que oconjunto das intervenções vocacionaisanteriormente referidas promove oempowerment (Menezes, 2007), uma vezque facilita o reconhecimento, por partedos sujeitos, de que têm poder para efec-tuarem mudanças positivas nas suas vidas(Smith, 2006), ao mesmo tempo que ajudaos sujeitos a tornarem-se mais assertivosnas suas vidas, fornecendo-lhes as com-petências, os recursos emocionais e aconfiança para identificarem os seus ob-jectivos e para implementarem planos quetransformam as suas aspirações em reali-dade (Blustein, 2006).

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