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JAISON ANTÔNIO BARRETO Avaliação de pacientes com hanseníase na faixa virchowiana diagnosticados entre 1990 e 2000 e tratados com poliquimioterapia 24 doses e seus comunicantes na fase de pós-eliminação em municípios de Santa Catarina Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências Programa de Dermatologia Orientadora: Profa. Dra. Cacilda da Silva Souza (Versão corrigida. Resolução CoPGr 5890, de 03 de outubro de 2011. A versão original está disponível na Biblioteca FMUSP) São Paulo 2011

Avaliação de pacientes com hanseníase na faixa virchowiana ... · Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Preparada pela Biblioteca da Faculdade de Medicina

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JAISON ANTNIO BARRETO

Avaliao de pacientes com hansenase na faixa

virchowiana diagnosticados entre 1990 e 2000 e tratados

com poliquimioterapia 24 doses e seus comunicantes na

fase de ps-eliminao em municpios de Santa Catarina

Tese apresentada Faculdade de Medicina da

Universidade de So Paulo para obteno do

ttulo de Doutor em Cincias

Programa de Dermatologia

Orientadora: Profa. Dra. Cacilda da Silva Souza

(Verso corrigida. Resoluo CoPGr 5890, de 03 de outubro de 2011. A verso original est disponvel na Biblioteca FMUSP)

So Paulo

2011

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

Preparada pela Biblioteca da

Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

reproduo autorizada pelo autor

Barreto, Jaison Antnio

Avaliao de pacientes com hansenase na faixa virchowiana diagnosticados entre

1990 e 2000 tratados com poliquioterapia 24 doses e seus comunicantes na fase de ps-

eliminao em municpios de Santa Catarina / Jaison Antnio Barreto. -- So Paulo,

2011.

Tese(doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo.

Programa de Dermatologia.

Orientadora: Cacilda da Silva Souza.

Descritores: 1.Hansenase/terapia 2.Testes sorolgicos 3.Recidiva 4.Antgeno

de Mitsuda 5.Reao da polimerase em cadeia 6.Stios de seqncias rotuladas

7.Mycobacterium leprae/isolamento e purificao 8.Busca de comunicante

USP/FM/DBD-227/11

Agradecimentos Especiais

Ao Dr. Diltor Vladimir Arajo Opromolla, in memoriam, exemplo de

dedicao, amor e respeito pelos pacientes; amigo incondicional, mestre

paciente, pesquisador incansvel, cuja luta contra a hansenase tornou este

mundo melhor.

Ao Dr. Raul Negro Fleury, por iniciar-me na Dermatopatologia e

assim aumentar sobremaneira meu conhecimento em Medicina.

minha orientadora, Profa. Dra. Cacilda da Silva Souza, por acreditar

em minha capacidade, pela pacincia e desprendimento em ensinar, e pelo

amor pela Hansenologia, rea to esquecida da Medicina.

Ao meu amigo Manfred Gbel, representante da Associao Alem

de Assistncia aos Hansenianos e Tuberculosos - DAHW no estado do Mato

Grosso, instituio que por muitos anos auxiliou na luta contra a hansenase

no estado de Santa Catarina, e que financiou quase todo este trabalho.

Agradecimentos

A Deus, que me deu a vida e tudo o que tenho.

s Equipes Tcnicas de Imunologia, Microbiologia, Patologia,

Farmacologia, em especial s Pesquisadoras Cientficas: Dra. Esther, Dra.

Patrcia, Dra. Andra, Dra. Vnia, Dra. Ida, Pesquisadoras Msc Fabiana e

Suzana, Dr. Dejair, pelo auxlio na coleta, processamento do material e

orientao dos procedimentos tcnicos.

Coordenao de Controle de Hansenase e Tuberculose do Estado

de Santa Catarina, pelo apoio e suporte logstico.

s Secretarias Municipais de Sade de Joinville e Itaja, e aos

funcionrios das Unidades de referncia destes municpios, pelo apoio e boa

vontade na participao deste projeto.

Enfermeira Rita S. Camello, pelo auxlio na logstica e na seleo e

triagem dos pacientes.

Seo Tcnica de Patologia e Microbiologia, pelo auxlio na

confeco das lminas deste trabalho.

Ao Dr. Marcos da Cunha Lopes Virmond, Diretor Tcnico do ILSL, que

permitiu a realizao deste projeto na Instituio.

Ao bibliotecrio Rafael, que sempre me atendeu com boa vontade e

prontido, disponibilizando artigos.

s funcionrias da biblioteca do Instituto Lauro de Souza Lima.

Aos pacientes, que forneceram material biolgico para a realizao

deste estudo.

Sra. Eli, sempre prestativa e com infinita pacincia para auxiliar os

ps-graduandos da Dermatologia do HC-USP, com dedicao e prontido

para ajudar na resoluo dos problemas distncia.

Epgrafe

Observei o conjunto da obra de Deus e percebi

que o homem no consegue descobrir tudo o que

acontece debaixo do sol. Por mais que o homem

afadigue-se em pesquisar, no chega a

compreend-la. E mesmo que o sbio diga que a

conhece, nem por isso capaz de entend-la.

Eclesiastes 8, 17

Esta tese est de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento desta publicao:

Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors (Vancouver)

Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Servio de Biblioteca e Documentao. Guia de apresentao de dissertaes, teses e monografias. Elaborado por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, Maria F. Crestana, Marinalva de Souza Arago, Suely Campos Cardoso, Valria Vilhena. 2a ed. So Paulo: Servio de Biblioteca e Documentao; 2005.

Abreviaturas dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed in Index Medicus.

Sumrio

Lista de abreviaturas e Siglas Lista de smbolos Lista de figuras Lista de tabelas Resumo Summary

1 INTRODUO ....................................................................................... 1

1.1 Epidemiologia da hansenase ............................................................... 2

1.1.1 A poliquimioterapia (PQT/OMS) e o conceito de eliminao da hansenase ......................................................... 2

1.1.2 A poliquimioterapia (PQT/OMS) e a dicotomia prevalncia / incidncia ................................................................................. 5

1.1.3 A situao da hansenase em Santa Catarina ......................... 10

1.2 O papel dos exames complementares no diagnstico e manuseio

da hansenase ..................................................................................... 13

1.2.1 A reao de Mitsuda e sua correlao com a forma clnica e vacinao BCG ..................................................................... 18

1.2.2 O papel da sorologia na hansenase ....................................... 19

1.3 Deteco do bacilo por tcnica de polimerase em cadeia (PCR) ....... 22

1.4 Recidiva e resistncia teraputica .................................................... 26

1.4.1 A questo da reduo do tempo de durao da PQT .............. 26 1.4.2 Reativao da doena: recidiva, resistncia ou reinfeco? ....... 27 1.4.3 Ensaios laboratoriais na reativao da hansenase ................. 32

1.5 Hansenase e gnero .......................................................................... 39

1.6 Hansenase e desigualdade scio-cultural .......................................... 40

1.7 Hansenase em contatos intradomiciliares de virchowianos ............... 41

1.8 Hansenase e idade ............................................................................ 43

1.9 Hansenase e migrao ...................................................................... 45

2 OBJETIVOS ......................................................................................... 47

3 MTODOS............................................................................................ 51

3.1 Delineamento do estudo ..................................................................... 52

3.2 Populao ........................................................................................... 53

3.3 Locais da realizao do estudo ........................................................... 53

3.4 Amostragens, amostras e mtodos de seleo .................................. 54

3.4.1 Seleo de municpios e levantamento dos registros dos pacientes virchowianos e contatos .......................................... 54

3.4.2 Caracterizao dos servios de sade na assistncia aos portadores de Hansenase do estado de Santa Catarina e os municpios selecionados ..................................................... 55

3.4.3 Seleo dos pacientes e mtodo de convocao para participao no estudo ............................................................ 55

3.4.4 Critrios de incluso e excluso nos grupos de estudo ........... 57 3.4.5 Procedimentos da avaliao clnica, laboratorial e

epidemiolgica dos pacientes tratados e dos seus contatos ................................................................................... 58

3.5 Procedimentos: coleta das amostras e ensaios .................................. 60

3.5.1 Bipsias cutneas ................................................................... 60 3.5.2 Ensaios para a pesquisa de resistncia bacilar: inoculao

na pata de camundongo. ......................................................... 60 3.5.3 Pesquisa de bacilos nos esfregaos nasais e do raspado

drmico .................................................................................... 62 3.5.4 Extrao e amplificao de fragmentos do DNA de M.

leprae da secreo nasal ........................................................ 63 3.5.5 Reao intradrmica de Mitsuda ............................................. 64 3.5.6 Quantificao dos nveis sricos de anticorpos anti-PGL-I

(ND-O-BSA) pela tcnica imunoenzimtica (ELISA) ............... 65

3.6 Anlise estatstica ............................................................................... 67

3.7 Aspectos legais de biotica, biossegurana, expedies

cientficas, propriedade intelectual e outras determinaes

pertinentes .......................................................................................... 68

4 RESULTADOS ..................................................................................... 69

4.1 Caracterizao geral dos grupos de estudo ....................................... 70

4.2 Grupo dos casos ndices (CI) ............................................................. 71

4.3 Grupo dos contatos intradomiciliares (CID) ........................................ 82

4.3.1 Grupo dos contatos intradomiciliares sadios (CIDs) ................ 83 4.3.2 Grupo dos contatos intradomiciliares acometidos pela

doena (CIDd) ......................................................................... 84

4.4 Comparao dos indivduos da amostra distribudos segundo

condies da doena e do tratamento ................................................ 87

4.5 Resultados do ensaio PCR para RLEP-130/372 nas famlias ............ 90

4.6 Avaliao das variveis scio-econmicas dos grupos de estudo ..... 93

5 DISCUSSO ........................................................................................ 97

6 CONCLUSES ................................................................................... 119

7 ANEXOS ............................................................................................ 125

8 REFERNCIAS .................................................................................. 139

Lista de abreviaturas e siglas

BAAR bacilo lcool-cido resistente

BALB/c linhagem de camundongos albinos imunocompetentes

BCG - bacilo de Calmette-Gurin

BSA albumina srica bovina

CFZ - clofazimina

DDS - dapsona

DNA cido desoxirribonuclico

DNDS Departamento Nacional de Dermatologia Sanitria

dNTP desoxiribonucleosdeo trifosfato

EDTA cido etileno-diamino-tetractico

ELISA enzima-imunoensaio

EUA Estados Unidos da Amrica

folP1 gene relacionado resistncia dapsona

GIF grau de incapacidade fsica relacionado hansenase

gyrA gene relacionado resistncia s quinolonas

IgM imunoglobulina classe M

ILSL Instituto Lauro de Souza Lima

kDa quilodalton

HD hansenase dimorfa

HDT hansenase dimorfa-tuberculide

HT hansenase tuberculide

HV hansenase virchowiana

MB - multibacilar

M. leprae - Mycobacterium leprae

ND-O-BSA - glicolipdeo fenlico 1 dissacardeo natural ligado albumina

srica bovina por meio de um grupo octil

NGS - soro normal de cabra

NRAMP protena macrofgica associada resistncia natural

OMS Organizao Mundial da Sade

OPD - ortofenilenodiamina

PABA cido para-amino-benzico

PB - paucibacilar

PBS salina tamponada com fosfato

PBST PBS adicionado a Tween 20

PCR reao de polimerase em cadeia

PGL-I glicolipdeo fenlico-I

PQT - poliquimioterapia

PQT-MB poliquimioterapia para multibacilar

RFP - rifampicina

RLEP-130 sequncia repetitiva especfica do M. leprae contendo 130

pares de bases

RLEP-372 - sequncia repetitiva especfica do M. leprae contendo 372 pares

de bases

rpoB gene relacionado resistncia rifampicina

SINAN Sistema de Informao de Agravos de Notificao

TBE Tris-EDTA-cido brico

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TE Tris-EDTA

WHO World Health Organization

Lista de figuras

Figura 1- Tendncia do coeficiente de deteco de casos novos de hansenase por 100.000 habitantes, no Brasil e por regies; valores observados e preditos, 1980-2000. Fonte: Penna, MLF/MS, 2008 6

Figura 2- Comparao do coeficiente de deteco de hansenase no Brasil, regio sul e Santa Catarina, 1990 a 2008. Fonte: SINAN/SVS-MS 12

Figura 3- Indicadores epidemiolgicos e operacionais de hansenase, Santa Catarina, 2001 a 2008. Fonte: SINAN/SVS-MS 12

Figura 4- Hansenase virchowiana em regresso (caso # 78) 76

Figura 5- Hansenase virchowiana em regresso (caso # 146) 76

Figura 6- Hansenase virchowiana resdual (caso # 35) 77

Figura 7- Hansenase tuberculide (caso # 10) 77

Figura 8- Nveis de anticorpos da classe IgM anti-PGL-I de casos ndices (CI), tratados com PQT-MB e diagnosticados entre 1990 e 2000 em Joinville e Itaja-SC, em acordo com o tempo decorrido do diagnstico. 82

Lista de tabelas

Tabela 1- Caractersticas dos contatos intradomiciliares clinicamente saudveis (CIDs), contatos intradomiciliares acometidos pela doena (CIDd) e seus respectivos casos-ndices (CI) multibacilares, tratados com PQT-MB e diagnosticados entre 1990 e 2000 em Joinville e Itaja, Santa Catarina ................................ 72

Tabela 2- Resultados dos exames laboratoriais dos casos-ndices (CI) multibacilares tratados com PQT-MB com suspeita de recidiva da hansenase, diagnosticados entre 1990 e 2000 em Itaja e Joinville-SC .................................................................................. 78

Tabela 3- Resultados dos exames laboratoriais dos casos-ndices (CI) tratados com regime monoterpico (DDS), ou DNDS prvio, e 24 doses de PQT-MB, diagnosticados entre 1990 e 2000 em Itaja e Joinville-SC .................................................................................. 79

Tabela 5- Aspectos clnicos e laboratoriais dos casos novos (CN) detectados entre os comunicantes intradomiciliares (CID) dos casos-ndices (CI), tratados com PQT-MB e diagnosticados entre 1990 e 2000 em Itaja e Joinville-SC ................................................................ 86

Tabela 6- Resultados dos testes laboratoriais dos contatos intradomiciliares clinicamente saudveis (CIDs), contatos intradomiciliares acometidos pela doena (CIDd) e seus respectivos casos ndices (CI) tratados com PQT-MB entre 1990 e 2000, em Itaja e Joinville-SC, agrupados por categorias ....................................... 89

Tabela 7- Resultados dos testes laboratoriais (anti-PGL-I, RLEP-130 e RLEP-372) dos casos-ndices (CI) e seus respectivos contatos intradomiciliares clinicamente saudveis (CIDs), agrupados por famlias (n=13) COM contatos intradomicilares afetados e registrados entre 1990-2008 ........................................................ 91

Tabela 8- Resultados dos testes laboratoriais (anti-PGL-I, RLEP 130 e RLEP 372) dos casos ndices (CI) e seus respectivos contatos intradomiciliares clinicamente saudveis (CIDs), agrupados por famlias (n=22), SEM contatos afetados registrados entre 1990-2008* ........ 92

Tabela 9- Condies culturais, econmicas e sanitrias dos casos-ndices (CI), tratados entre 1990 e 2000 em municpios de Santa Catarina, seus contatos intradomiciliares saudveis (CIDs) e contatos intradomiciliares acometidos pela doena (CIDd) ......... 94

Tabela 10- Condies habitacionais dos casos ndices (CI), contatos intradomiciliares saudveis (CIDs) e contatos intradomiciliares acometidos pela doena (CIDd) .................................................. 94

Resumo

Barreto JA. Avaliao de pacientes com hansenase na faixa virchowiana

diagnosticados entre 1990 e 2000 e tratados com poliquimioterapia 24 doses

e seus comunicantes na fase de ps-eliminao em municpios de Santa

Catarina [tese]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So

Paulo; 2011. 164p.

INTRODUO: A poliquimioterapia (PQT-OMS) para tratamento da hansenase resultou em drstica reduo da sua prevalncia, mas em limitado impacto na deteco de casos novos (CN), que se manteve estvel em Santa Catarina, estado na fase de ps-eliminao. Casos com altos ndices baciloscpicos apresentam risco de recidiva tardia e podem consistir em focos persistentes de transmisso da doena. OBJETIVOS: Avaliar a recidiva da doena em amostra de pacientes virchowianos regularmente tratados com PQT-OMS 24 doses; ensaios de resistncia teraputica em camundongos para os casos suspeitos; resposta imune especfica (celular e humoral) e deteco do DNA do M. leprae nos casos-ndices (CI) e seus contatos indradomiciliares (CID); e os achados frente aos indicadores epidemiolgicos e operacionais de Santa Catarina. CASUSTICA E MTODOS: A partir da busca no Sistema de Informao de Agravos de Notificao (SINAN), foram selecionados 46 CI, tratados entre 1990-2000, e 187 CID, dos municpios de Itaja e Joinville. A avaliao constituiu de: exames dermatoneurolgico e anatomopatolgico da pele; baciloscopia do esfregao cutneo; reao de Mitsuda; sorologia para glicolipdeo fenlico-I (IgM-anti-PGL-I); ensaios de resistncia teraputica em camundongos e de deteco do DNA bacilar no muco nasal por reao em cadeia da polimerase (PCR) para as seqncias repetitivas especficas RLEP-130 e RLEP-372. RESULTADOS: Entre os CI aps alta por cura (m=11,2 3 anos), a idade mdia (57,314,5 anos) foi superior (p10 anos), houve inferioridade da freqncia da positividade (14,3%) e do valor srico mdio do anti-PGL-I (0,072), estabelecendo uma correlao negativa (p=0,038,r=-0,32) com o tempo decorrido. Valores similares da freqncia de positividade para RLEP-130 foram encontrados em: CI com alta por cura (26,7%), em perodos superiores (25%) a 10 anos de concluso do tratamento e CID saudveis (20,5%). A positividade para a RLEP-130 foi mais freqente (p

comparada da RLEP-372. CONCLUSES: A taxa de recidiva aps PQT-MB 24 doses baixa e prevalece alta percentagem de cura (91,3%). racional considerar que o anti-PGL-I e a deteco do DNA bacilar por RLEP-130 devam ser analisados em conjunto com os demais achados clnicos e laboratoriais, ainda que nossos resultados possam ter diferenciado os grupos nas distintas condies: recidiva e alta por cura, e identificado doentes, contatos e famlias em risco. O seguimento e o monitoramento clnico e laboratorial por perodos prolongados incrementariam a deteco precoce de novos casos entre os comunicantes, desde que o intervalo para o diagnstico foi longo para a maioria daqueles que adoeceram. Estas estratgias seriam potencialmente facilitadas em reas com reduzida prevalncia, e particularmente valiosas para a manuteno do controle na fase de ps-eliminao. Descritores: 1.Hansenase/ terapia 2.Testes sorolgicos 3.Recidiva

4.Antgeno de Mitsuda 5.Reao da polimerase em cadeia 6.Stios de

seqncias rotuladas 7.Mycobacterium leprae/ isolamento e purificao

8.Busca de comunicante

Summary

Barreto JA. Assessment of lepromatous leprosy patients diagnosed among 1990 and 2000 and treated with multidrugtherapy 24 doses and their household contacts in the post-elimination phase in Santa Catarina municipalities [thesis]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2011. 164p. Introduction: Multidrugtherapy (MDT-WHO) resulted in marked reduction of leprosy prevalence in Brazil, without impact on detection of new cases in Santa Catarina (SC) state in the post-elimination phase. Lepromatous cases with high bacilloscopic index have late relapse risk and can consist in the disease transmission focus. Objectives: The aim of this study was to evaluate the disease recurrence and microbiological resistance in lepromatous leprosy patients regularly treated with MDT-WHO/24 doses; specific immune response (cellular and humoral) and M. leprae DNA detection in index cases (IC) and their household contacts (HHC); and the findings face to the epidemiological and operational indicators of Santa Catarina state. Casuistic and methods: After consulting the Brazilian Information System of Notification (SINAN) database, 46 IC successfully diagnosed and treated between 1990 and 2000, and their 187 HHC from Joinville and Itaja (SC) municipalities were selected. A dermatoneurological examination was performed, as well as the skin biopsies for histopathology and therapy resistance assay in mouse pads, skin smears for bacilloscopy, anti-PGL-I IgM serology, Mitsuda reaction, polymerase chain reaction for M. leprae DNA detection in nasal secretion based on 130bp and 372bp specific repetitive sequences (RLEP). Results: Cured IC (m=11.23 years) had mean age higher ((57.314.5 years old; p

cure, patient identification, HHC and families at risk. Long term follow-up with laboratorial and clinical monitoring could lead to early detection of new cases among HHC, since the period between diagnoses was long for most sHHC. This strategy may be useful in areas with decreased prevalence, and of particular value for maintenance of disease control in the post-elimination phase.

Descriptors: 1.Leprosy/ therapy 2.Serologic tests 3.Relapse 4.Lepromin 5.Polimerase chain reaction 6.Sequence tagged sites 7.Mycobacterium leprae/ isolation & purification 8.Contact tracing

1 INTRODUO

Introduo 2

1.1 Epidemiologia da hansenase

1.1.1 A poliquimioterapia (PQT/OMS) e o conceito de eliminao da

hansenase

A hansenase, doena infectocontagiosa causada pelo

Mycobacterium leprae, j afetou mais de 15 milhes de pessoas em todo o

mundo. A despeito da reduo global da prevalncia da doena,

aproximadamente 240.000 casos novos foram detectados em 2009 (WHO,

2010b), e alguns pases, includo o Brasil, mantm regies e aglomeraes

com elevada endemicidade (WHO, 2010b; Narain et al., 2010). Segundo

modelos matemticos para projees futuras, em 2020 aproximadamente

um milho de pessoas estar portando o grau 2 de incapacidade decorrente

da hansenase (Richardus e Habbema, 2007).

J na dcada de 70, o problema epidemiolgico representado

pela hansenase exigiu enfoque mais abrangente dos seus programas de

controle, que culminou com a indicao de um novo regime de tratamento

multimedicamentoso, a poliquimioterapia (PQT) proposta pela Organizao

Mundial de Sade (OMS), em 1981 (WHO, 1982).

Desde ento, a PQT passou a se constituir em uma das principais

estratgias do programa mundial de controle da hansenase. O seu sucesso

permitiu a instituio do conceito da alta por cura aps regimes fixos de

tratamento. Por conseguinte, em 1991, a Assemblia Mundial da Sade

Introduo 3

estabeleceu a meta de eliminao da hansenase como problema de sade

pblica (WHO, 1991), comprometendo os governos dos pases signatrios a

concentrar esforos a atingir os nveis de prevalncia global com menos de

um doente com hansenase por 10.000 habitantes.

A sucessiva implantao e a expanso das taxas de cobertura da

PQT proporcionaram drstica reduo da prevalncia global (WHO, 1995;

WHO, 2009). Com a reduo dos nveis de prevalncia da ordem de 90% e

o ndice global a menos de um doente por 10.000 habitantes, a meta da

eliminao da hansenase como problema de sade pblica, como

previamente estabelecido foi atingida no ano 2000 (WHO, 2004). A despeito

do sucesso da PQT em promover a alta por cura de milhes de pacientes, a

queda progressiva da prevalncia no foi acompanhada pela reduo da

deteco de casos novos, que persiste elevada ou mantida em

aglomeraes de alguns pases e territrios; atualmente, dezesseis pases

so detentores de 95% dos casos novos detectados no mundo (WHO, 2005;

WHO, 2009; WHO, 2010b).

A idia da eliminao foi baseada na hiptese de que a

prevalncia com menos de um caso por 10.000 habitantes proporcionaria a

interrupo da transmisso da hansenase na comunidade (Lockwood e

Suneetha, 2005). No entanto, a hansenase possui um longo perodo de

incubao, variando de dois at 20 anos, e doentes diagnosticados podem

ter transmitido sua doena para familiares ou na comunidade muito antes da

sua doena ter sido detectada. Por conseguinte, o controle da hansenase

baseado exclusivamente nas taxas de prevalncia tem sido criticamente

Introduo 4

reavaliado (Meima et al., 2004; Lockwood e Suneetha, 2005; Richardus e

Habbema, 2007). Ainda, muitos passaram a questionar acerca da falha na

efetiva interrupo da cadeia de transmisso como resultado da PQT,

decorrente do longo perodo de incubao da doena (Hatta et al., 1995;

Almeida et al., 2004; Meima et al., 2004; Richardus e Habbema, 2007).

A prevalncia da doena medida pelo registro de pacientes

recebendo tratamento em definido momento e expressam a razo utilizando

a populao como denominador. Portanto, a prevalncia afetada pelos

aspectos operacionais, como o perodo de tratamento. O quadro diferente

quando a taxa de deteco de casos novos empregada ao invs da taxa

de prevalncia. A deteco de casos novos o melhor indicador por no ser

afetado pela mudana da definio de caso ou durao do tratamento

(Lockwood e Suneetha, 2005).

Em acordo com recomendaes da OMS, outros parmetros

como o nmero de casos novos detectados, de multibacilares, entre

mulheres e crianas e aqueles com grau 2 de incapacidade durante o ano

devero ser monitorados como parte da estratgia global; o perfil dos casos

novos ser um dos principais indicadores usados para avaliar o progresso e

a qualidade do controle das atividades, juntamente com as taxas de

compleio do tratamento e altas por cura (WHO, 2006).

Introduo 5

1.1.2 A poliquimioterapia (PQT/OMS) e a dicotomia prevalncia /

incidncia

No Brasil, implantao da PQT foi progressiva a partir da

experincia em rea pilotos iniciada em 1982. Apenas em 1991, a Diviso

Nacional de Dermatologia Sanitria adotou e recomendou o regime

PQT/OMS como o nico para o tratatmeto da hansenase (WHO, 2004).

Seguido ao processo de implantao e de reorganizao dos servios, entre

1991-2001, a taxa de prevalncia diminuiu em 75%. Entretanto, esta

reduo foi acompanhada da elevao das taxas de deteco, em particular

nas regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A queda acentuada das taxas

de prevalncia do ano de 2004, justificada pelas mudanas dos critrios dos

registros epidemiolgicos (Figura 1), recebeu crticas e fortaleceu a

tendncia da valorizao de outros parmetros a serem considerados para a

eliminao da hansenase, como a taxa de deteco de casos novos, em

particular, a deteco da doena em menores de 15 anos (WHO, 2006;

Richardus e Habbema, 2007; Brasil, 2009b).

Introduo 6

Figura 1- Tendncia do coeficiente de deteco de casos novos de

hansenase por 100.000 habitantes, no Brasil e por regies; valores

observados e preditos, 1980-2000. Fonte: Penna, MLF/MS, 2008

Introduo 7

Embora o aumento dos ndices de deteco, observado no registro

da srie temporal dos ltimos 20 anos no Brasil (Figura 1), possa ser

justificado por todas as melhorias ocorridas na reorganizao do programa de

controle, como a descentralizao do atendimento da pacientes com

hansenase, h outras consideraes que devem ser feitas, como a

participao de fatores sociais e biolgicos, que explicariam ainda o atraso do

sucesso da estratgia de eliminao (Meima et al, 2004; Richardus e

Habbema, 2007). Entre estes, os mais relevantes so: a inexistncia de

vacina eficaz na preveno da doena (Richardus e Habbema, 2007; van

Brakel et al., 2010); o tempo de incubao assintomtico e longo (Job, 1994;

Opromolla 2000; Lockwood e Suneetha, 2005; Richardus e Habbema, 2007);

leses iniciais assintomticas que dificultam o diagnstico precoce, sobretudo

em crianas e virchowianos iniciais (Opromolla e Ura, 2003; da Silva Souza e

Bacha, 2003); dificuldades da comprovao laboratorial em algumas formas

clnicas (Opromolla e Ura, 2003); populaes-alvo, que so, em geral,

economicamente desfavorecidas (Talhari e Neves, 1997; Opromolla, 2000;

Lockwood e Suneetha 2005); dificuldades de acesso aos servios de sade

e/ou a precariedade em recursos e preparo profissional (Talhari e Neves,

1997; da Silva Souza e Bacha, 2003); desconhecimento da populao e dos

profissionais da sade acerca dos sinais / sintomas da doena (Cestari, 1990;

da Silva Souza e Bacha, 2003; Alves et al., 2010); preconceito e estigma

sobre o diagnstico (Opromolla, 2002; Lockwood e Suneetha, 2005).

Neste contexto, considerando-se os valores da srie do perodo

1994-2009, a tendncia reduo dos coeficientes gerais de deteco tem sido

Introduo 8

observada a partir de 2004, mas ainda em patamares muito altos em algumas

regies. O monitoramento dos valores dos coeficientes de deteco em

menores de 15 anos indica tendncia reduo a partir de 2006, o que

consiste em prioridade da poltica atual de controle da hansenase no pas, por

indicar focos de infeco ativos e transmisso recente (Brasil, 2009a; 2009c).

Desta forma, o Programa Nacional de Controle da Hansenase

(PNCH) comprometido com o controle da doena (WHO, 2008) tem

privilegiado o monitoramento epidemiolgico por meio do coeficiente de

deteco de casos novos, em substituio ao indicador de prevalncia

pontual, optando ainda pela sua representao por 100.000 habitantes. O

coeficiente de deteco de casos novos funo da incidncia real de casos

e da agilidade diagnstica dos servios de sade. Os valores do indicador

para o Brasil oscilaram entre 29,37/100.000 (muito alto), em 2003, a

19,64/100.000 (alto), em 2009. A comparao entre os coeficientes de casos

novos na populao geral e em menores de 15 anos permitiu observar

semelhanas entre o comportamento evolutivo e a queda progressiva dos

indicadores, em ambas as populaes, ao final do perodo analisado. O valor

do coeficiente de deteco em menores de 15 anos variou de 5,74/100.000

(muito alto), em 1994, a 8,28/100.000 (muito alto), em 1997, com tendncia

reduo nos ltimos anos (Brasil, 2010a). Vale ressaltar que ao final do

perodo, em 2009, os coeficientes de deteco de hansenase por 100.000

habitantes, geral e em menores de 15 anos, foram representados pelos

valores de 19,64 e 5,43, e ainda considerados como alto e muito alto,

respectivamente (Brasil, 2010a).

Introduo 9

Como anteriormente explcito, a deteco da doena em crianas,

em mulheres, de casos novos multibacilares, e daqueles com grau 2 de

incapacidade so indicadores que devero ser monitorados (WHO, 2006)

por indicarem real incidncia, os focos de infeco ativos, a transmisso

recente da doena e a agilidade diagnstica dos servios de sade (Brasil,

2009a; 2009c).

Adicionalmente como estratgia, os programas de controle da

hansenase devem atingir nveis satisfatrios a elevados do exame de

comunicantes. No entanto, o percentual de contatos examinados de casos

novos entre os registrados no Brasil, perodo 2000 a 2009, variou de 43,8%

(precrio) a 67,9% (regular), sendo os percentuais mais elevados observados

nas regies Sul e Sudeste (Brasil, 2010b). possvel que posterior notificao

e ao longo do perodo de tratamento do caso-ndice, os servios aumentem os

ndices de exame dos comunicantes. Mas idealmente, o acompanhamento

peridico dos comunicantes por perodos mais longos no tem sido incorporado

na rotina. H ainda escassos registros na literatura de estudos com seguimento

aps alta por cura, que em geral so por curtos perodos.

Muitos tm considerado enfaticamente que a reduo da

prevalncia, na interpretao dos gestores de sade possa implicar na

realocao dos recursos para as demais prioridades, na centralizao dos

servios de assistncia especializada, e no desestmulo para reciclagem, e

treinamento de recursos humanos (Hastings, 1998; Lockwood e Suneetha,

2005), fatores que dificultariam o acesso aos servios de sade, o

diagnstico e o tratamento precoces.

Introduo 10

1.1.3 A situao da hansenase em Santa Catarina

No Brasil, com a implantao das estratgias do programa de

controle e reviso dos registros, o primeiro estado atingir a eliminao da

hansenase como problema de sade pblica, j em 1995, foi o do Rio

Grande do Sul.

No estado de Santa Catarina (SC), a prevalncia de cerca de 250

hansenianos havia sido estimada em 1925; no entanto, registros oficiais

contabilizaram 400 doentes em 1927. Seguindo a poltica nacional do

isolamento compulsrio, dez anos aps, o estado constri o Hospital Colnia

Santa Tereza, para onde os pacientes eram enviados e tratados com BCG

(Rowlterapia) e proibidos de se casarem (Borenstein et al., 2008). Em 1946,

a prevalncia da hansenase neste estado era de 5 casos para cada 10 mil

habitantes (Bechelli e Rotberg, 1956). Trinta e oito anos depois, em 1984,

havia no registro ativo de 2551 casos de hansenase, destes 63% eram

multibacilares (dimorfos e virchowianos), e 172 constituam em casos novos

detectados (Bechelli, 1991).

Em 1991, a Secretaria da Sade de SC implantou a PQT e realizou

criteriosa anlise e reviso dos arquivos. Como em todo o pas, tais medidas

auxiliaram na reduo das taxas de prevalncia da doena e, em 1997, SC

tornou-se o segundo estado brasileiro a atingir a meta de eliminao da

hansenase como problema de sade pblica. Neste ano, constavam no

registro ativo 453 portadores do agravo, representando o coeficiente de

prevalncia de 0,9 doentes para cada 10.000 habitantes (SES/SC, 2010).

Introduo 11

Entretanto, a despeito da eliminao ter sido atingida, o nmero de

casos novos detectados no estado, entre 2001 e 2008, manteve-se estvel.

Considerando-se os indicadores epidemiolgicos e operacionais

recomendados aos programas de controle, no mesmo perodo, o ndice mdio

para deteco de casos novos por 100.000 habitantes foi de 3,74 (mdio) e

para deteco em menores de 15 anos de 0,36 (baixo). No ltimo ano do

perodo, 2008, SC havia registrado 205 novos casos da doena, com o

coeficiente de deteco de 3,39/100.000 habitantes (Figuras 2 e 3), ndice

considerado mdio (Brasil, 2009a). O percentual mdio para o exame de

contatos foi de 57% (regular), e o dos casos novos com grau de incapacidade

fsica 2 (GIF2) de 10% (alto). Atualmente, dentre as 1735 unidades bsicas de

sade do estado, apenas 294 unidades (17%) centralizam a assistncia aos

pacientes no programa de controle da hansenase (Brasil, 2009b). Nos ltimos

5 anos, entre 2006 e 2010, foram notificados 1028 casos novos, sendo que

1006 tiveram avaliao do grau de incapacidade descrita na ficha de

notificao, e destes 464 (46,1%) tinham grau de incapacidade maior que

zero (SES/SC, 2010).

Entre 1990 e 2000, os centros de referncia regionais dos

municpios de Joinville e Itaja responderam pelo maior nmero de casos

novos absolutos de hansenase diagnosticados em SC. Em Joinville, foram

notificados 113 casos novos no perodo, em sua maioria (89 casos; 78,8%)

residentes no municpio. Distintamente em Itaja, dos 145 casos novos

notificados apenas 84 (57,9%) doentes eram residentes no municpio.

Nestas duas referncias regionais, entre os casos novos diagnosticados,

51,4% eram multibacilares, e 37,6% tinham GIF 1 (SES/SC 2010).

Introduo 12

Figura 2- Comparao do coeficiente de deteco de hansenase no Brasil,

regio sul e Santa Catarina, 1990 a 2008. Fonte: SINAN/SVS-MS

Figura 3- Indicadores epidemiolgicos e operacionais de hansenase,

Santa Catarina, 2001 a 2008. Fonte: SINAN/SVS-MS

Introduo 13

Embora a tendncia da prevalncia das formas tardias seja

pressuposta nas reas com controle da endemia, h o interesse em

investigar e explorar a prevalncia oculta e realizar o diagnstico precoce

dos multibacilares sem a presena das incapacidades.

De modo peculiar, a hansenase no estado de SC apresenta

como caracterstica epidemiolgica tipicamente intradomiciliar no seu modo

de transmisso. Por conseguinte, nos casos de reativao da doena, a

reavaliao e a confirmao da ausncia da doena entre os comunicantes

poderia virtualmente descartar a reinfeco e fortalecer a suspeita da

recidiva. Considerando-se que o cenrio epidemiolgico do SC representa,

desde 1997, um modelo de rea de ps-eliminao para o estudo da

hansenase, e que, por este motivo, deva apresentar baixo ndice de

reinfeco e ser idealmente elegvel para a avaliao da recidiva em

pacientes tratados com esquema PQT-MB 24 doses, guardados os tempos

mdios mnimos entre sete a dez anos desde a cura microbiolgica, perodo

este considerado razovel para a avaliao de cura ou recidiva em

multibacilares (Waters, 1998; Scollard et al., 2006).

1.2 O papel dos exames complementares no diagnstico e manuseio

da hansenase

O diagnstico da hansenase baseado na presena ao menos

um entre os seguintes sinais cardinais: anestesia em leses cutneas,

Introduo 14

sugestivas da doena, espessamento de nervos perifricos e

demonstrao do M. leprae no esfregao de linfa ou cortes histolgicos

(WHO, 1982; Brasil, 2010b).

Previamente, o reconhecimento do carter espectral

compreendido pelas formas clnicas polares da doena fundamentou a

classificao de Madri (1953) e por sua vez, a orientao teraputica. As

caractersticas clnicas, bacteriolgicas, imunolgicas e histolgicas da

hansenase definem os grupos polares, tuberculide (T) e virchowiano (V); o

grupo transitrio e inicial da doena, a forma indeterminada (I); e o instvel e

intermedirio, a forma dimorfa (D) (Neves, 1986; Pfaltzgraff e Ramu, 1994;

Souza, 1997; Opromolla, 2000).

A hansenase indeterminada, rea hipoestsica manifesta ou

no por leso visvel, a forma inicial e transitria da doena com o raro

encontro de bacilos nos tecidos. Pode evoluir com cura espontnea,

desenvolver-se lentamente, ou ainda involuir, ressurgindo tardiamente com

caractersticas clnicas definidas dentro do espectro da doena, de acordo

com a capacidade de resposta imune ao M. leprae. O plo de resistncia

da hansenase est representado pela forma tuberculide, com a

expresso da conteno da multiplicao e morte bacilar. No plo de

suscetibilidade, a forma virchowiana expressa a multiplicao bacilar e a

disseminao da doena. De incio insidioso e progresso lenta, esta forma

clnica avana atravs dos anos, envolvendo difusamente extensas reas

do tegumento, mltiplos troncos nervosos, e inclusive outros rgos, at

que o paciente perceba seus sintomas. Mculas mal definidas e pouco

Introduo 15

visveis progridem para leses ampla e simetricamente distribudas,

infiltrando difusamente a pele (Pfaltzgraff e Ramu, 1994; Souza, 1997;

Opromolla, 2000).

A forma dimorfa, caracterizada por instabilidade imunolgica,

transita entre os plos tuberculide e virchowiano. Os critrios empregados

para a classificao refletem a instabilidade imunolgica desta forma clnica,

e a evoluo da doena na ausncia do tratamento poderia derivar doentes

do plo virchowiano. Os aspectos morfolgicos das leses so variados e se

aproximam do plo virchowiano ou tuberculide, at em um mesmo

paciente. Leses mais delimitadas, anestsicas com raridade ou ausncia

de bacilos, esto na proximidade ao plo tuberculide; e leses mais

numerosas, brilhantes, com menor definio dos limites e maior nmero de

bacilos, estariam na proximidade ao plo virchowiano (Pfaltzgraff e Ramu,

1994; Souza, 1997; Opromolla, 2000).

O comprometimento dos troncos nervosos ausente nos

indeterminados; em pequeno nmero, intenso e localizado nos

tuberculides; mltiplo, simtrico, lento e insidioso nos virchowianos. Nos

casos tuberculides, o comprometimento nervoso intenso e localizado, e

as leses sob a forma de uma ou poucas placas bem delimitadas na

periferia apresentam total anestesia trmica, ttil e dolorosa (Opromolla

2000). Com manifestaes clnicas variveis, os casos dimorfos podem

apresentar mltiplas leses delimitadas, leses foveolares, infiltrao quase

total e pouco delimitada por pele normal, ou comprometimento mltiplo de

troncos nervosos, e por vezes com baciloscopia de pele negativa (Neves,

Introduo 16

1986; Opromolla, 2000). J os virchowianos, que em sua maioria derivam de

dimorfos no tratados (Ridley, 1987), alm da infiltrao difusa da pele h o

comprometimento de rgos internos, como olhos, testculos, linfonodos,

fgado, bao, etc, com intenso parasitismo de mucosa nasal, porm com o

comprometimento neurolgico inicial discreto (Opromolla, 2000),

A morfologia das leses , na maioria das vezes, suficiente para

se estabelecer o diagnstico clnico (Opromolla, 2000; Barreto et al., 2007).

Uma vez que as formas clnicas que compem o espectro, no geral, mantm

relao com o contingente de bacilos, uma classificao baseada na

provvel populao bacilar foi proposta pela OMS para a finalidade de

tratamento. Em acordo com a pesquisa de bacilos no esfregao drmico, a

baciloscopia realizada nos vrios pontos ndices (lbulos de orelhas,

cotovelos e joelhos) e nas leses, os pacientes podem ser alocados em

paucibacilares (PBs) e multibacilares (MBs) (WHO, 1982).

A positividade da baciloscopia do esfregao drmico

corresponderia concentrao mnima de 10 mil bacilos por grama de tecido

(Bang et al., 2009). Estima-se a quantidade de 109 bacilos/grama de tecido e

a contnua bacilemia de 105 organismos/mm3 de sangue (Drutz et al., 1972)

estejam presentes na hansenase virchowiana; assim, evidentemente, a

baciloscopia francamente positiva em vrios pontos pesquisados. No

entanto, a negatividade da baciloscopia na pele, mesmo sem o vis de

tcnicas (coleta, colorao e leitura), pode no representar alguns casos

multibacilares, como os dimorfos com comprometimento mltiplo e

predominante dos troncos nervosos (Barreto et al., 2007).

Introduo 17

Ainda que entre os mais simplificados exames laboratoriais, a

baciloscopia carece de treinamento tcnico e controle de qualidade, e

frequentemente est indisponvel em campo (Buhrer-Skula, 2008a),

assim como outros exames complementares, tais como nveis sricos de

anticorpos especficos e a reao de Mitsuda. Para adequar a carncia do

suporte laboratorial do trabalho de campo e impedir que os doentes

deixassem de ser rapidamente tratados, a OMS props a classificao

baseada no nmero de leses: maior que cinco para os MBs, e menor

que cinco os PBs. Com as justificativas supracitadas, o uso da

classificao baseada em nmero de leses para escolha do tratamento

tem sido adotado em campo, mas estes critrios simplificados no so

bem aceitos por especialistas, pois podem resultar em tratamento

insuficiente para casos multibacilares diagnosticados como PBs

(Barreto et al., 2008).

Deste modo, pacientes com mais de cinco leses so tratados

atualmente com esquema de poliquimioterapia para multibacilar por 12

meses (PQT-MB), e considerados curados se cumprirem o tratamento

em at 18 meses, embora seja permitida a extenso do prazo para at

24 meses em poucos casos; e pacientes com at 5 leses e baciloscopia

negativa so tratados com esquema paucibacilar (PQT-PB), e

considerados curados se cumprirem o tratamento em at 9 meses

(Brasil, 2010e).

Introduo 18

1.2.1 A reao de Mitsuda e sua correlao com a forma clnica e

vacinao BCG

Uma reao intradrmica positiva ao antgeno de Mitsuda significa

resistncia ao M. leprae (Dharmendra, 1994; Opromolla, 2000), mas no

distingue os infectados daqueles no infectados (Rees e Young, 1994;

Sengupta 2000). Indivduos com hansenase tuberculide (polar e subpolar)

possuem indurao maior que 5mm, ou seja, 2+ a 3+ pela Classificao de

Madrid (1953) (Dharmendra 1994), e os tuberculides trpidos (ou polares)

frequentemente mostram dimetro maior que 10mm ou ulcerao (Ridley,

1974; Opromolla, 2000). Quando a indurao maior que 5mm, a correlao

entre a leitura clnica e a histopatologia mostra reao granulomatosa

epiteliide em cerca de 93% dos casos (Michalany e Michalany, 1983).

A maioria das crianas so Mitsuda negativas (Bechelli et al.,

1953; Bechelli e Rotberg, 1956), e quase toda a populao adulta

resistente doena, sendo que a maioria possui reao de Mitsuda

positiva (Job, 1994). Ainda permanece obscuro, o quanto esta

modificao da reatividade decorrente da exposio micobactrias

ambientais, ao bacilo de Koch ou vacinao BCG, embora a viragem da

reao para 2+ a 3+ possa ser observada na maioria dos indivduos

vacinados (Bechelli et al., 1953).

Em decorrncia da inexistncia de vacina especfica para a

hansenase, a vacinao BCG (bacilo de Calmette-Gurin) utilizada

largamente e tem mostrado exercer algum efeito protetor, que varia de

Introduo 19

acordo com o pas onde preconizada (van Brakel et al., 2010). No entanto,

questionvel se a vacinao BCG possa exercer algum efeito na parcela

da populao, entre 5-10%, incapaz de desenvolver efetiva resposta

imune-especfica, ou seja, aqueles mais suscetveis ao desenvolvimento da

doena e no plo virchowiano (Bechelli e Rotberg, 1956; Bechelli, 1991;

Scollard et al., 2006).

A reatividade histolgica nos casos positivos, pacientes com

hansenase tuberculide, comunicantes saudveis e no comunicantes, no

difere quando do uso das preparaes do antgeno obtidas do tatu ou de

seres humanos, e mais de 90% dos indivduos saudveis no comunicantes

possuem resposta granulomatosa no exame histopatolgico (Michalany e

Michalany, 1983). A associao de antgenos do M. leprae com a BCG no

oferece proteo adicional (Convit et al., 2003; Scollard et al., 2006), assim

como uma segunda dose da vacina em adultos (Cunha et al., 2008),

corroborando a participao da predisposio gentica para a resposta

imunecelular (Bechelli et al., 1953; Rabello, 1978; Beiguelman, 1999).

1.2.2 O papel da sorologia na hansenase

Cerca de 30% dos indivduos, principalmente os virchowianos,

no apresentam leses visveis ou a perda de sensibilidade facilmente

detectvel (Oskam et al., 2003). A baciloscopia do esfregao drmico e do

corte histolgico do tecido positiva, salvo excees, na expressiva

Introduo 20

maioria dos casos MBs, mas tanto a baciloscopia como o exame

histopatolgico so frequentemente indisponveis em campo (Roche et

al., 1993; Oskam et al., 2003). O emprego de novas ferramentas

laboratoriais acessveis ao trabalho de campo, de baixo custo e fcil

execuo tem sido foco de grande interesse. Entre as principais propostas,

est a deteco srica dos anticorpos especficos contra o M. leprae

(Buhrer-Skula, 2008a). Um dos primeiros antgenos especficos do bacilo

isolados foi o PGL-I (glicolipdeo fenlico-I) (Brennan e Barrow, 1980), cujo

principal determinante antignico a parte sacardica da molcula

(Fujiwara et al., 1984; Brett et al., 1986). A pesquisa do PGL-I mostrou ser

positiva em indivduos infectados pelo M. leprae, e negativa em outras

micobacterioses (Chanteau et al.,1987; Moura et al., 2008).

Desde a descoberta deste antgeno espcie-especfico, vrios

neoglicolipdeos foram ento desenvolvidos para diagnstico sorolgico, e

entre eles um dos mais utilizados o ND-O-BSA (dissacardeo natural ligado

a um grupo octil que ligado a uma albumina srica bovina) (Cellona et al.,

1993), cuja ligao proteica impede a reatividade no especfica (Buhrer-

Skula, 2008a). A tcnica mais comumente utilizada para deteco dos

anticorpos, principalmente da classe IgM, a de imunoensaio enzimtico

(ELISA), que confere baixo custo aliado obteno de resultados

quantitativos (Buhrer-Skula, 2008a).

Em acordo com a reviso de Moura e colaboradores (2008),

vrios estudos e em diferentes populaes tm demonstrado estreita

correlao entre os ttulos de anticorpos IgM anti-PGL-I e a carga bacilar. A

Introduo 21

soropositividade ocorre em mdia em 78% dos MBs e em 23% dos PBs

(Moura et al., 2008). No entanto, a sorologia no tem sido recomendada

como teste diagnstico quando avaliada isoladamente (Buhrer-Skula,

2008a), pois pode ser positiva fraca em contatos (Cellona et al., 1993;

Andrade et al., 2008). Na maioria dos pacientes tratados, os ttulos caem ao

incio do tratamento (Bach et al., 1986), sendo a queda mais acentuada no

seu primeiro ano (Roche et al., 1993); no entanto, em alguns pacientes, os

ttulos de anticorpos podem demorar muitos anos para desaparecer

(Gelber et al , 1989).

Em relao recidiva, embora seja assunto controverso, a

soropositividade pode ser o primeiro sinal de reativao da doena (Chin-a-

Lien et al., 1992; Wu et al., 2002), e indivduos soropositivos podem ter at

10 vezes mais chance de desenvolver reaes ps-tratamento, em relao

aos negativos (Brito et al., 2008).

Em decorrncia da estreita relao da soropositividade com a

carga bacilar, o emprego da sorologia pode ser til: 1) no diagnstico de

casos primariamente neurais, onde no haja leses de pele visveis ou

baciloscopia positiva (Roche et al., 1993; Jardim et al., 2005; Grossi et al.,

2008); 2) na mais adequada escolha da PQT-MB em casos com altos ttulos

sricos e pequeno nmero de leses cutneas visveis, ou seja, PBs pelo

critrio de contagem do nmero de leses (Barreto et al., 2008); 3) nos

casos duvidosos, nos quais a clnica de MB no correspondente

baciloscopia e/ou bipsia de leso cutnea (Barreto et al., 2007).

Introduo 22

1.3 Deteco do bacilo por tcnica de polimerase em cadeia (PCR)

Tcnicas de amplificao de cidos nuclicos utilizando a PCR

(polymerase chain reaction) possuem alto nvel de sensibilidade e

especificidade; por esta razo, so amplamente utilizadas na deteco direta

de DNA microbiano em espcimes clnicos. As molculas de cidos

nuclicos, molde para a amplificao por PCR, podem ser isoladas de

qualquer tecido ou fluido orgnico, tais como: clulas, plos, smen,

bipsias, linfa, sangue, muco nasal, etc. e, dependendo do sistema, no

necessrio que as amostras sejam frescas; materiais conservados em

baixas temperaturas ou em parafina tambm podem ser utilizados.

Embora, em geral, no haja dificuldades da comprovao do

diagnstico dos casos multibacilares da doena, pelos mtodos laboratoriais

tradicionais, um dos grandes desafios a deteco das formas precoces,

por vezes das formas paucibacilares e das infeces subclnicas que

possam evoluir para a doena.

O conhecimento de algumas seqncias nucleotdicas de M.

leprae, antes da concluso do seqenciamento do genoma inteiro, tornou

possvel a realizao do mtodo de amplificao enzimtica de DNA para

identificao do bacilo em amostras clnicas. No final da dcada de 80, a

tecnologia da hibridao por Southern, que utiliza sondas de DNA de M.

leprae-especficas, permitiu a deteco do bacilo em material de pacientes

MBs (Clark-Curtiss e Docherty, 1989). No entanto, a despeito da alta

especificidade, a tcnica no se mostrou sensvel o suficiente para detectar

Introduo 23

o bacilo em algumas amostras de tecidos provenientes de pacientes PBs

(Goulart et al., 2007).

No incio da dcada de 90, a tcnica de PCR passou a ser

proposta como mtodo de suporte alternativo s metodologias tradicionais

de diagnstico da doena (Santos et al., 1993). Vrias metodologias,

envolvendo a tcnica da PCR, foram ento descritas para a deteco de

M. leprae em diversos tipos de amostras clnicas (Santos et al., 1995; 1997).

Assim, diferentes sistemas de amplificao a partir de cidos nuclicos

foram desenvolvidos, visando aumentar o limite de deteco desse bacilo

(Hartskeerl et al., 1989; Woods e Cole, 1989; Plikaytis et al., 1990;

Rinke et al., 1993; Stefani et al., 2003).

Muitos estudos envolvendo diferentes seqncias e genes alvos

para a amplificao de DNA de M. leprae pela PCR, principalmente com o

uso de amostras de pele, foram realizados. Desta forma, sistemas simples e

especficos foram utilizados para amplificar regies gnicas que codificam

para o antgeno de 36-kDa (Hartskeerl et al., 1989; Kampirapap et al., 1998),

para o antgeno de 18-kDa (Williams et al., 1990; Scollard et al., 1998) ou

para o antgeno de 65-kDa (Plikaytis et al., 1990), bem como as seqncias

repetitivas (Woods e Cole, 1989) do M. leprae. De forma a determinar um

mtodo mais sensvel e especfico para a deteco molecular do bacilo, dois

sistemas de amplificao foram comparados: o do gene de 18-kDa e o da

seqncia repetitiva especfica do M. leprae (RLEP) (Kang et al., 2003). Os

resultados mostraram que a PCR para a RLEP, que apresenta 37 cpias no

Introduo 24

genoma (Cole et al., 2001), mais sensvel, quando comparada a PCR para

o gene de 18-kDa, e mais especfica que o ndice baciloscpico.

Anlises comparativas para deteco de M. leprae em amostras

de sangue, linfa e pele foram realizadas para todas as formas clnicas da

hansenase (Santos et al., 1993). No entanto, a amplificao a partir de

amostras de sangue apresentou resultados inferiores, quando comparados

queles obtidos com as outras amostras clnicas. Alm disso, a positividade

das amostras sanguneas pelo mtodo da PCR no significa que o indivduo

evoluir para a doena, uma vez que o DNA do bacilo presente no sangue

desses indivduos pode representar apenas resqucio da infeco aps o

contato com M. leprae.

Considerando que o trato respiratrio superior possa ser a

principal porta de entrada e sada de M. leprae, houve interesse na

investigao da deteco mediada por PCR a partir da secreo nasal

(Klatser et al., 1993; Pattyn et al., 1993; Rinke et al., 1993; Hatta et al., 1995;

Santos et al., 1995). No entanto, em nenhum desses trabalhos foi observada

a correlao direta entre a deteco da positividade pela tcnica PCR e o

desenvolvimento da hansenase. Em acordo com outros trabalhos (Beyene

et al., 2003; Almeida et al., 2004), a presena de positividade em amostras

de muco nasal expressa o carreamento bacilar, mas no necessariamente a

enfermidade propriamente dita.

Estudos experimentais, em camundongos nude, indicaram que a

pele e a mucosa nasal com soluo de continuidade podem ser

Introduo 25

consideradas como rotas de transmisso da hansenase (Job et al., 1990).

O bacilo pode permanecer vivel por at 10 dias em secrees nasais de

virchowianos no tratados (Rees e Young, 1994). Na hansenase virchowiana

avanada adequadamente tratada, a taxa de eliminao dos bacilos dos

tecidos parasitados de aproximadamente 0,5 a 1+ por ano (Roche et al.,

1993), medida por meio da escala logartmica de Ridley (Ridley, 1987;

Rees e Young, 1994). Em humanos, a despeito da ausncia de leso

especfica, a presena do DNA do M. leprae no muco nasal tem sido

demonstrada em cerca de 8% dos contatos intradomiciliares dos pacientes

com hansenase por meio da reao em cadeia da polimerase (Klatser et al.,

1993), ainda que transitria, pois a persistncia desta condio no tem sido

foi demonstrada (Hatta et al., 1995; Smith et al., 2004).

Utilizando tcnicas convencionais para colorao de bacilos

lcool-cido resistentes (BAAR) na pele, Chatterjee (1976) demonstrou que

5,8% dos contatos de pacientes de hansenase tinham BAAR em sua pele.

Abraham et al. (1998) mostraram correlao estatisticamente significativa

entre as leses de pele com hansenase e da pele com abrases e

escoriaes, e com estes dados sugeriram que a pele poderia ser via

potencial de infeco pelo M. leprae.

O encontro do bacilo nas secrees nasais pode representar

contaminao transitria do meio ambiente, e argumento semelhante

poderia justificar a sua presena na superfcie da pele. Em ambos os casos,

a exposio contnua poderia resultar em aumento do risco de infeco, que

eventualmente poderia ser expressa por soropositividade (Hatta et al., 1995),

Introduo 26

causada pela invaso ativa da micobactria ou por entrada passiva,

decorrente da perda da integridade do epitlio da pele ou da mucosa nasal.

Uma definio da taxa de exposio para estes dois stios poderia auxiliar na

medida da intensidade da exposio e no entendimento acerca da possvel

rota de entrada do M. leprae em seres humanos (Job et al., 2008).

1.4 Recidiva e resistncia teraputica

1.4.1 A questo da reduo do tempo de durao da PQT

Os regimes teraputicos da PQT fixos de 24 doses mostraram

reduzir a possibilidade de contgio, aps perodo relativamente curto de

tratamento, com baixas taxas de recidiva, resistncia teraputica e

elevadas taxas de cura da hansenase (WHO, 1994; Meima et al., 2004).

A despeito deste sucesso, ao serem consideradas as taxas de abandono

do tratamento de 24 doses, e possivelmente o custo do tratamento, em

1998 a OMS preconizou a reduo do regime teraputico para 12 doses.

Ainda, mais recentemente, e com as mesmas justificativas, houve a

proposio no sentido de se reduzir para 6 meses o tempo de

tratamento, regime denominado PQT-U (poliquimioterapia uniforme)

(van Brakel et al., 2010). Muitos da comunidade cientfica j haviam

questionado da falta dos ensaios clnicos acerca da eficcia do esquema

reduzido para 12 doses (Opromolla 1999; Penna et al., 2011), tanto que

Introduo 27

a estratgia no foi adotada no tratamento de pacientes nos pases

desenvolvidos (Britton e Lockwood, 2004; Scollard et al., 2006). O fato

que, entre 2004 e 2009, o nmero absoluto de recidivas anuais no

mundo aumentou em 20%, sendo a maioria dos casos em homens acima

de 30 anos (82%) e no associados resistncia medicamentosa

(WHO, 2010a), e o nmero de pases notificantes destas recidivas

triplicou (WHO, 2010b).

1.4.2 Reativao da hansenase: recidiva, resistncia ou reinfeco?

Previamente ao emprego e implantao da PQT para a

hansenase, o regime de monoterapia sulfnica perdurou durante cerca de

30 anos (WHO, 1982; WHO, 2004). No entanto, os registros crescentes da

identificao de cepas de M. leprae resistentes dapsona, descritos desde o

perodo de monoterapia sulfnica, e o desenvolvimento da resistncia

primria e secundria, tornaram-se a causa do insucesso e um dos

problemas mais relevantes dos programas de controle da hansenase

(WHO, 1982; Scollard et al., 2006).

Em 1963, no Brasil, Opromolla foi um dos primeiros a ensaiar a

utilizao da rifamicina (precursora da rifampicina) para o tratamento da

hansenase (Limalde e Opromolla, 1963), quase que simultaneamente com a

utilizao da clofazimina no mundo (WHO, 1982; WHO, 2004).

Introduo 28

Precedendo o esquema teraputico PQT-OMS no Brasil, a

Diviso Nacional de Dermatologia (DNDS), da Secretaria Nacional de

Sade/ Ministrio da Sade preconizava o regime ento denominado DNDS,

como detalhado a seguir: a) regime indicado para doentes virchowianos e

dimorfos virgens de tratamento: rifampicina (600mg) e dapsona (100mg)

dirios por 3 meses, seguidos da dapsona (100mg) dirios por um perodo

de 10 anos; b) regime para os indeterminados (Mitsuda negativo): cinco

anos de tratamento dapsona (100mg) dirios; c) regime para os doentes

tuberculides e indeterminados (Mitsuda positivo) virgens de tratamento:

dapsona (100mg) dirios por 18 meses (Andrade et al., 1996).

A recomendao da implantao do regime PQT, proposta pela

OMS, encontrou resistncia e obstculos de implantao no Brasil (Andrade

1996; Opromolla, 1997; WHO, 2004). No entanto, a introduo da

PQT/OMS, iniciada em 1986 apenas em reas pilotos, propiciou

oportunidade para a reviso, alteraes das normas tcnicas e planejamento

da reorganizao dos servios de sade. Seguido ao processo de

implantao da PQT, em 1991, e de reorganizao dos servios a taxa de

prevalncia diminuiu em 75% nos dez anos subsequentes (WHO, 2004).

Os regimes teraputicos da PQT mostraram reduzir a

contagiosidade aps perodo relativamente curto de tratamento, com baixas

taxas de recidiva e de resistncia teraputica, e elevadas taxas de cura da

hansenase (WHO, 1994). Extensa reviso incluiu estudos, que somaram

cerca de 50 mil indivduos tratados com PQT, e no mnimo com seis anos de

seguimento. Taxas de recidiva entre 0,6 a 1 caso/1000 pessoas/ano foram

Introduo 29

registradas com aqueles regimes teraputicos em avaliao (WHO, 1994).

No entanto, havia indicao que indivduos com ndice baciloscpico igual ou

maior a 4 apresentavam maior risco de recidiva, que poderia ocorrer at 15

anos aps alta (WHO,1994; Baohong, 2001; Scollard et al., 2006).

conhecido que as recidivas em hansenase possam ocorrer

tardiamente, e se caracterizam clinicamente por reaparecimento dos sinais

e/ou sintomas, geralmente aps cinco anos de alta teraputica (Brasil,

2010e). Baohong (2001) alertou para a ocorrncia de recidivas aps o

tratamento, em cuja maioria dos casos ocorreu em pacientes com alto ndice

baciloscpico, ou seja, maior que 4+, e cerca de cinco anos aps o trmino

da PQT (Jamet e Ji, 1995).

A ocorrncia das recidivas em pacientes virchowianos tratados

com PQT-MB ocorre, em geral, aps seis anos da alta medicamentosa

(Balagon et al., 2009), com o tempo mdio variando entre 7 a 10 anos

(Opromolla 1999; Cellona et al., 2003; Avelleira et al., 2003; Scollard et al.,

2006). Justifica-se este fato multiplicao bacilar a cada duas semanas

(Shepard e McRae, 1965; Rees e Young, 1994), que poderia estar restrita

clula de Schwann por 10 anos (Opromolla, 2000).

A suspeita clnica da recidiva surge quando do reaparecimento de

sinais e/ou sintomas aps um perodo de cinco anos da alta. Os pacientes

paucibacilares (PBs), quando recorrem aps alta por cura, apresentam dor

no trajeto de nervos, novas reas com alteraes de sensibilidade, leses

novas e/ou exacerbao de leses anteriores, que no respondem ao

Introduo 30

tratamento com corticosteride, por pelo menos 90 dias. Os multibacilares

(MBs) recorrem com leses cutneas e/ou exacerbao de leses antigas;

novas alteraes neurolgicas no-responsivas aos tratamentos com

talidomida e/ou corticosteride nas doses e nos prazos recomendados;

baciloscopia positiva; ou quadro clnico compatvel com pacientes virgens de

tratamento (Brasil, 2010e).

Os principais critrios laboratoriais adotados para a confirmao

de recidiva so: demonstrao da presena de bacilo ntegro (vivel) em

esfregaos ou na histopatologia; aumento da carga bacilar em ao menos 2+

em relao a exame baciloscpico prvio (WHO 2010a) e, como mtodo

padro ouro, a multiplicao do bacilo em pata de camundongo pela tcnica

de Shepard) (Scollard et al., 2006). No entanto, a confirmao de caso de

recidiva pode ser difcil, em particular no trabalho de campo, onde

procedimentos padres como a inoculao em camundongo so

inacessveis (Linder et al., 2008), e os casos suspeitos devem ser

referenciados para investigao (Brasil, 2010e).

A regularidade do uso mensal das drogas do esquema PQT

fundamental para o xito do tratamento da hansenase (WHO, 1982; Araujo

et al., 2003); A irregularidade do tratamento predispe s recidivas e

resistncia do bacilo s drogas e, no geral, piora das condies, como o

agravamento das incapacidades. Quando a recidiva da doena ocorre, por

vezes h dificuldades em se definir precisamente a causa, ou seja, se

decorrente de falha ou insuficincia teraputica, reinfeco, persistncia

bacilar ou resistncia s drogas.

Introduo 31

Neste contexto, a classificao pelo critrio de contagem do

nmero de leses pode falhar e resultar em tratamento insuficiente para os

doentes MBs classificados como PBs e consistir em potencial risco para

elevar as taxas de recidiva da doena. O emprego da classificao com a

contagem do nmero de leses, igual ou menor que cinco nos PBs, resulta

em tratamento inadequado de at 27% dos dimorfos (Barreto et al., 2008).

Casos com baciloscopia negativa no esfregao cutneo podem ter o

comprometimento e multiplicao bacilar preferencial dos troncos nervosos

(Barreto et al., 2007), o que poderia representar tratamento insuficiente e

risco de recidiva para parte do grupo, se tratados com esquema PB (Ramu e

Desikan, 1988; Avelleira et al., 1989).

Na hansenase, a seleo de cepas resistentes s drogas

aumenta potencialmente o risco do aparecimento de mutantes resistentes,

particularmente entre pacientes multibacilares, com elevada populao

bacilar (1010 1012) (Scollard et al., 2006).

O padro ouro para deteco de resistncia bacilar tem sido a

inoculao em pata de camundongos, mtodo laboratorial laborioso, pouco

sensvel e com durao de cerca de um ano (WHO, 1987). A elucidao dos

eventos moleculares responsveis pela resistncia a drogas em

micobactrias permitiu o desenvolvimento de ferramentas para screening

de amostras resistentes de M. leprae. Mutaes associadas com genes

rpoB, folP e gyrA tm sido utilizadas por alguns pesquisadores para

deteco de resistncia do M. leprae rifampicina, dapsona e ofloxacina,

respectivamente (Scollard et al., 2006).

Introduo 32

1.4.3 Ensaios laboratoriais na reativao da hansenase

As primeiras especulaes sobre a questo da resistncia

comearam a surgir no final dcada de 1940. Nesta poca, os derivados

sulfnicos como promim, diazona e dapsona (4,4diaminodifenil-sulfona;

DDS), j estavam sendo utilizados, ainda que experimentalmente, no

tratamento da hansenase (Opromolla, 2000).

A DDS foi a primeira droga a ter comprovao experimental de

resistncia, e isto s foi possvel depois que a tcnica de inoculao do

bacilo em coxim plantar de camundongos isognicos ter sido padronizada

por Shepard (Shepard, 1960). Utilizando esta metodologia, Pettit & Rees

(1964) foram os primeiros a comprovar, experimentalmente, o primeiro

caso de resistncia do bacilo DDS. Posteriormente, outros relatos surgiram

em vrias partes do mundo (Guinto et al., 1981; Matsuoka et al., 2000;

Sekar et al., 2002).

Do ponto de vista experimental, o padro de resistncia definido

como parcial (baixo), intermedirio ou total (alto), dependendo da

capacidade do bacilo de se multiplicar em camundongos tratados com doses

de DDS que variam de 1 x 10-5g% a 1 x 10-2g% (0,01g%) na rao; a

concentrao de 0,01g% corresponde, no ser humano, dose de 100mg.

Epidemiologicamente existem dois tipos de resistncia: a

secundria ou adquirida resultante de um tratamento inadequado e

geralmente est acompanhada de melhora clnica inicial, seguida de

Introduo 33

reativao tardia da hansenase (Hastings, 1998); a primria se manifesta

em indivduos que ainda no receberam o tratamento e, neste caso, muito

provavelmente, a infeco ocorreu a partir de bacilos provenientes de

paciente com resistncia secundria.

As sulfonamidas bloqueiam a condensao do PABA e do 7,8-

dihidro-6-hidroximetilpterina-pirofosfato em 7,8-dihidropteroato. O processo

de condensao mediado por ao enzimtica, sendo a enzima

dihidropteroato sintetase (DHPS), a mais importante nesta etapa.

A converso subseqente do 7,8-dihidropteroato para tetrahidrofolato pela

dihidrofolato sintetase e dihidrofolato redutase decisivo para a formao

de vrios componentes celulares, incluindo diversos aminocidos

(Williams et al., 2000).

A anlise dos resultados obtidos com a concluso do

sequenciamento do genoma do M. leprae, em 2000, tem permitido aos

pesquisadores obterem grandes avanos no conhecimento de vrios

aspectos do bacilo como os bioqumicos, genticos, metablicos e

fisiolgicos. Graas a esses avanos, hoje possvel compreender melhor

os mecanismos de ao das drogas antimicobacterianas bem como os de

resistncia a essas drogas. Na rea de resistncia as drogas, um importante

passo foi dado a partir da descoberta e identificao de dois genes

homlogos folP1 e folP2 ambos com seqncias de significante

homologia com o gene folP encontrado em outras espcies de bactrias

aminocidos (Williams et al., 2000).

Introduo 34

A DHPS do M. leprae codificada pelo gene folP1, localizado em

um operon que codifica trs outros genes, supostamente envolvidos na

biossntese do cido flico. A seqncia de aminocido da DHPS realizada a

partir de sequenciamento do gene folP1, identificou uma protena de peso

molecular de aproximadamente 31 kDa, com duas regies (PS00792 e

PS00793) associadas diversas espcies bacterianas, incluindo Bacillus

subtilis e Neisseria meningitides. A anlise do sequenciamento do gene

folP2 sugere que ele no est envolvido no processo de resistncia do bacilo

DDS (Williams et al., 2000).

Acredita-se que o mecanismo de resistncia do M. leprae DDS

esteja associado DHPS de modo semelhante ao mecanismo de resistncia

desenvolvido por outras espcies bacterianas. Algumas cepas mutantes so

decorrentes de mutaes espontneas que ocorrem na cpia cromossomal

do folP, enquanto outras parecem ser resultado de translocao (Fermer et

al., 1995). Na maioria dos casos, os organismos resistentes produzem a

DHPS de forma alterada, as quais continuam a catalisar a reao de

condensao em dihidropteroato, mas so refratrias inibio pelas

sulfonamidas.

Kai et al. (1999), ao analisarem a seqncia de nucleotdeos do

gene folP1 entre seis diferentes cepas de M. leprae resistentes a DDS,

observaram pela primeira vez, que a mutao estava limitada a uma regio

altamente conservada nos cdons 53 e 55. Embora a mutao no cdon 55

ou em seus stios homlogos tenha sido relatada em outras espcies

bacterianas, a mutao no cdon 53 era a primeira a ser relata em bactrias.

Introduo 35

Posteriormente, Williams et al. (2000) tambm identificaram duas mutaes

associadas ao fentipo mutante, ambas localizadas em uma regio

altamente conservada do gene folP1; uma delas estava no cdon 53 onde a

isoleucina havia sido substituda pela treonina e a outra no cdon 55, onde a

argina havia sido substituda pela prolina.

Utilizando estudos moleculares e inoculao em pata de

camundongos, Gillis e Williams (2000) puderam comprovar que a mutao

encontrada no cdon 53 era resultante da substituio da alanina, argina ou

isoleucina pela treonina. Entretanto, a mutao s foi observada entre as

cepas resistentes a DDS que haviam multiplicado no coxim plantar de

camundongos tratados com a maior concentrao da droga na rao

(0,01g%). A mutao no cdon 55, que resulta na substituio do

aminocido arginina ou leucina pela prolina, tambm foi mais freqente entre

as cepas resistentes a maior concentrao. Apenas uma cepa, a qual havia

multiplicado no coxim plantar de camundongo tratado com uma menor

concentrao de DDS (0,001g%), possua uma mutao no cdon 55. Todas

as demais cepas, resistentes concentrao de 0,001g% da droga,

mostraram susceptibilidade genotpica. Apesar da anlise dos resultados

estar incompleta, os autores acharam importante estudar o porqu dos

fentipos no apresentarem mutaes no gene folP1.

Antes da implantao da PQT, a experincia clnica mostrava

que pacientes infectados com cepas de M. leprae, resistentes s menores

concentraes de DDS na rao, respondiam ao tratamento monoterpico

com a droga, sugerindo que os resultados de resistncia poderiam ser

Introduo 36

decorrentes de limitaes da tcnica de inoculao em coxim plantar de

camundongos, perdendo esta o seu valor clnico. Conhecendo-se os

aspectos moleculares que envolvem os mecanismos de resistncia, Gillis

e Williams (2000) chamaram a ateno para as cepas que apresentavam

nveis baixos ou moderados de resistncia, pois elas poderiam

representar mutantes que rapidamente desenvolveriam resistncia ao

nvel mais alto de DDS, a partir da seleo de mutaes no gene folP1.

Apesar de alguns resultados clnicos sugerirem que a resistncia s

menores concentraes possa ser irrelevante, qualquer cepa do M.

leprae, que tenha se multiplicado no coxim plantar de camundongo

tratado com DDS em qualquer concentrao, dever ser considerada

resistente (Baohong, 1987).

A rifampicina (RFP) um derivado piperaznico da rifamicina

SV, extrada do Streptomyces mediterranei, apresentada em cpsulas de

150 e 300mg. rapidamente absorvida, principalmente quando ingerida

em jejum, e tem uma meia vida de 3 horas. Tem uma boa distribuio nos

tecidos e, apesar de ser eliminada tambm pela urina, na sua maior parte

eliminada pelo intestino. Possui um efeito altamente bactericida,

eliminando 99,9% dos bacilos viveis em 3 a 4 dias (Rees et al., 1970);

atua seletivamente sobre a enzima RNA polimerase, unindo-se a esta de

forma no covalente, produzindo uma mudana de conformao,

inativando-a e conseqentemente bloqueando a sntese do RNA

mensageiro (Menezes e Silva, 1999).

Introduo 37

O uso da RFP no tratamento da hansenase teve incio na

dcada de 1970. Aps a experincia com anos de monoterapia sulfnica,

esperava-se que a RFP no seria utilizada no mesmo esquema.

No entanto, isso no aconteceu e em 1976 foram relatados os dois

primeiros casos de resistncia (Jacobson & Hastings, 1976).

Posteriormente, outros trabalhos foram escritos, relatando novos casos

em pacientes tratados em esquema de monoterapia (Guelpa-Lauras et al.,

1984; Grosset et al., 1989).

Estima-se que a proporo de bacilos mutantes surgidos

espontaneamente que so resistentes a um antibitico de cerca de 1 para

1 milho (Rees e Young, 1994). Um paciente na faixa virchowiana carrega

cerca de 1 trilho de bacilos, ou 1 x 1012 (Hastings, 1998), dos quais cerca

de 10% so viveis; deste modo, este paciente apresenta aproximadamente

105 organismos naturalmente resistentes a qualquer uma das drogas.

Um dos grandes benefcios da PQT que, mutantes resistentes a uma

determinada droga como, por exemplo, a RFP, possam ser eliminados pelas

outras como a DDS ou clofazimina. Felizmente, os casos de resistncia a

RFP so raros, sendo descritos em um pequeno nmero de pacientes

virchowianos, a maioria deles tratados em monoterapia ou que receberam

tratamento inadequado. Entretanto a real prevalncia desses casos, a

exemplo do que ocorre com a DDS, desconhecida, pois as tcnicas

disponveis para deteco e comprovao da resistncia no so acessveis

para a grande maioria dos laboratrios.

Introduo 38

Alm da tcnica de inoculao em coxim plantar de

camundongos, hoje j possvel detectar as cepas resistentes atravs da

biologia molecular. A anlise do genoma do bacilo tambm tem permitido

aos pesquisadores conhecer melhor os mecanismos moleculares que

envolvem o processo de resistncia a RFP.

As bases genticas de resistncia do M. leprae RFP tm sido

estudadas desde a dcada de 1990. Uma mutao em um pequeno

segmento do gene rpoB, que codifica a subunidade- do DNA dependente

da RNA polimerase foi identificada entre isolados do bacilo que se

mostraram resistentes aps inoculao em pata de camundongo

(Honore e Cole, 1993).

A deteco molecular de resistncia em micobactrias tem se

baseado na observao de mutaes em genes que codificam regies

envolvidas no alvo de ao das drogas ou de sua ativao. Diferentes

mtodos, baseados na reao de polimerase em cadeia (PCR), tm sido

utilizados na deteco dessas mutaes tais como anlise de polimorfismo,

heteroduplex e sequenciamento. As trocas de aminocidos observadas em

isolados de M. leprae resistentes a RFP esto localizadas no segmento 500-

540 do gene rpoB, descrito como o local envolvido no processo de

resistncia das micobactrias a RFP (Cambau et al., 2002). A mutao mais

freqente envolve a substituio do aminocido serina pela leucina que afeta

o cdon na posio 531.

Introduo 39

1.5 Hansenase e gnero

Embora a hansenase afete ambos os sexos, em diversas

populaes e situaes geogrficas, os homens so frequentemente mais

afetados do que as mulheres, atingindo a proporo de 2:1. (Bechelli e Rotberg,

1956; Sansarricq, 1995; Noordeen, 1994; Brasil, 2008). A diferena poderia

representar real maior incidncia entre homens e no a diferena da durao

da doena entre os sexos (Doull et al., 1936). No entanto, a proporo, entre os

sexos pode ser varivel e alguns pases tm registrado elevada prevalncia ou

at superiores entre as mulheres (Noordeen, 1994). Comparativamente, a

proporo de mulheres entre casos novos detectados varia de 21% a 60% na

regio da frica; entre 34% a 50% nas Amricas; 21% a 42% na regio sudeste

da sia. Em adio, consistentes achados de vrias partes do mundo tm

indicado que h preponderncia das formas multibacilares entre os homens

(Noordeen, 1994; Sansarricq, 1995; Varkevisser et al., 2009). No Brasil, na

anlise da srie temporal do perodo de 2001-2009, a percentagem de homens

predominou com a variao de 53,7%, em 2003, a 55,5% em 2008 (2010c).

Uma das explicaes para este fato seria a maior exposio do sexo masculino

aos doentes bacilferos fora do ambiente intradomiciliar (Bechelli e Rotberg,

1956; Sansarricq, 1995), o que ainda explicaria a proporo relativamente igual

entre os sexos at a puberdade (Bechelli e Rotberg, 1956). Em estudo com

amostras de doentes de regies de diferentes pases investigadas por

Varkevisser e colaboradores (2009), os homens apresentaram maior

mobilidade e melhores condies financeiras do que as mulheres,

especialmente nas reas rurais (Varkevisser et al., 2009).

Introduo 40

1.6 Hansenase e desigualdade scio-cultural

A hansenase tem sido fortemente relacionada aos fatores

scio-econmico-culturais (Bechelli e Rotberg, 1956; Sansarricq, 1995).

O controle da endemia hansnica nos pases desenvolvidos, previamente

ao incio da era sulfnica, indica fortemente que a melhoria dos

indicadores sociais e econmicos possa influir no controle da doena

(Talhari e Neves, 1997; Opromolla, 2000; Lockwood e Suneetha, 2005).

Kerr-Pontes e colaboradores (2004) demonstraram em rea de elevada

endemicidade no Brasil que o nvel de desigualdade social, o crescimento

da populao e a presena da estrada de ferro foram associados aos

maiores ndices da hansenase. O crescimento da populao e a

desigualdade poderiam causar aglomeraes e facilitar a transmisso do

bacilo (Kerr-Pontes et al., 2004).

No Brasil, mais de 60% dos casos de hansenase diagnosticados

possuem menos de oito anos de estudo (Brasil, 2008). Pinto Neto et al.

(1999) descreveram a associao entre adoecimento de hansenase

polarizada nos contatos e baixa escolaridade. Penna et al. (2009) comentam

que, indivduos com baixos nveis scio-econmicos e educacionais

continuam ser preferencialmente acometidos em reas que esto sofrendo a

reduo dos nveis de incidncia da doena. Na ndia, menos de 10% dos

analfabetos acometidos pela hansenase sabiam que sua doena era de

natureza infecciosa (Barkataki et al., 2006).

Introduo 41

1.7 Hansenase em contatos intradomiciliares de virchowianos

Em significativa maioria dos casos de hansenase, algum tipo de

contato, seja intracomiciliar, na vizinhana ou social, pode ser encontrado.

Os contatos intradomiciliares de pacientes com hansenase multibacilar

possuem at 8 vezes mais risco de desenvolver a doena (Fine et al., 1997),

principalmente os filhos de um caso ndice virchowiano (Swain et al., 2004).

Conatos intradomiciliares geneticamente relacionados e de primeiro grau, e

aqueles que convivem em famlias mais numerosas (Shen et al., 2010)

consistem nos grupos populacionais com maior risco em desenvolver a

doena (Santos et al., 2008; Dures et al. 2010).

Alta carga bacilar estimada em pacientes com hansenase

virchowiana, que pode atingir mais de 1 X 109 bacilos/cm3 de pele infiltrada

(Jopling e McDougall, 1991), e serem eliminados, em nmeros que chegam

a 100 milhes em 24 horas (Waters, 1981), principalmente pelas vias areas

superiores (Jopling e McDougall, 1991; Rees e Young, 1994). Por

conseguinte, a taxa de ataque da hansenase entre familiares destes

pacientes muito mais alta, at 6,5 casos por 1000 pessoas por ano (Doull

et al., 1936; Sansarricq, 1995), comparada aos familiares de casos ndices

de outras formas (Noordeen, 1994). Assim, o grau de disseminao da

doena em determinada rea depende da proporo de suscetveis e da

intensidade do contato (Jopling e McDougall, 1991). O risco de contrair a

doena ao inalar bacilos grandemente aumentado por condies de

moradia precrias e por aglomerao (Jopling e McDougall, 1991). Deste

Introduo 42

modo, a vigilncia dos contatos consiste em estratgia fundamental e

recomendada pelos programas de controle da doena (Brasil, 2002).

Em reas de baixa endemia, e na presena de hansenase em

crianas, o foco intradomiciliar pode ser encontrado em quase 100% dos

casos (Cestari, 1990) e, mesmo em reas urbanas e de endemia alta, a

doena mais comum em contatos intradomiciliares (Dures et al., 2010),

acometendo principalmente os filhos de virchowianos. J a taxa de

hansenase conjugal mais baixa (Swain et al., 2004), ou seja, em cerca de

5% (Jopling e McDougall, 1991). O risco do adoecimento tem sido visto

como multifatorial, o contato domiciliar e o parentesco de primeiro grau

mostraram ser variveis independentes associadas probabilidade do

adoecimento (Dures et al., 2010).

J na dcada de 90, foi observada que a eficincia da proteo da

vacinao BCG em filhos de pacientes com hansenase virchowiana, medida

indiretamente pela positividade ao teste de Mitsuda, foi menor comparada

aos dos filhos de casais sem hansenase (Beiguelman, 1999).

Duas revises sistemticas sobre o efeito da vacinao BCG na

preveno da hansenase demonstraram um efeito protetor de 61% em 5

anos, e de apenas 26% em um perodo de 5-16 anos de seguimento, com

54% de proteo entre os 30 e 40 anos, e nenhuma proteo aps os 40

anos (Setia et al., 2006; Rodrigues et al., 2007).

No Brasil, o Ministrio da Sade recomenda a vacinao BCG

para contatos intradomiciliares desde 1981. Muitos contatos tm BCG como

Introduo 43

parte da rotina de vacinao durante a infncia. A vacina BCG intradrmica

est preconizada para os contatos intradomiciliares, sem presena de sinais

e sintomas de hansenase, no momento da avaliao, independentemente

de serem contatos de casos PB ou MB. A aplicao da vacina BCG depende

da histria vacinal: uma dose est indicada se o contato apresenta uma ou

nenhuma cicatriz de BCG; quando da observao de duas cicatrizes de

BCG, nenhuma dose est indicada (Brasil, 2010e).

Sendo a proteo proporcionada pela vacinao BCG temporria,

possivelmente combinada quimioprofilaxia possa ser mais eficiente na

preveno da doena, em particular nos contatos sorologia-positivos e

Mitsuda-negativos (van Brakel, 2010).

1.8 Hansenase e idade

A hansenase doena crnica, com longo perodo de incubao;

sua prevalncia nas diversas faixas etrias depende da combinao exposio-

grau de resistncia imuno-especfica: crianas e adultos Mitsuda negativos

apresentariam maior suscetibilidade infeco (Bechelli e Rotberg, 1956). A

doena tem sido detectada nas diferentes faixas etrias, mas como doena

crnica, e mesmo que includas na anlise a prevalncia e a incidncia, em

geral, h falhas para identificar a idade do surgimento da doena e o perodo de

infeco subclnica (Noordeen, 1994). Com registros poca, Noordeen (1994)

considerou a distribuio dos casos em reas de elevada endemicidade em

curva bimodal, um pico na faixa de 10-14 anos seguido de descrscimo e outro

Introduo 44

aumento, formando um plateau que cobre a faixa de 30-60 anos, o que poderia

sugerir a possibilidade de duas distintas experincias (Noordeen, 1994). A taxa

de incidncia ainda aumentaria com a idade, atingindo um pico por volta dos

50-60 anos (Noordeen, 1994). Este ltimo padro tambm observado em

reas de baixa endemicidade, onde o volume de casos est concentrado entre

indivduos mais idosos (Noordeen, 1994).

No h convico que indivduos em reas com elevada endemia

adquiram a infeco e a doena pela primeira vez em idades mais

avanadas. Duas explicaes so plausveis para a incidncia em faixas

etrias mais avanadas: a) em decorrncia do longo perodo de incubao,

uma proporo dos indivduos infectados manifestaria a sua doena

tardiamente; b) a manifestao da doena na vida adulta em reas

endmicas resultado de re-infeces ou superinfeco de indivduos

previamente infectados e daqueles que a resposta imune para hansenase

tornou-se inadequada quando se tornaram mais velhos (Noordeen, 1994).

Alguns autores buscaram justificativas para a maior incidncia da

hansenase virchowiana em id