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Gilberto Bercovici Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003. O positivismo jurídico buscou, a partir do final do século XIX, a depuração metodológica dos elementos políticos, socias, históricos e filosóficos da Teoria do Estado. Inspirados pela pandectística, os positivistas como os alemães Carls Friedrich von Gerber e Paul Laband e o italiano Vittorio Emanuele Orlando, viam no Direito Privado o exemplo a ser seguido, buscando a adoção de uma metodologia “exclusivamente jurídica”. Fundamentado sua argumentação em construções meramente conceituais, os teóricos positivstas retiraram a possibilidade de conhecimento do Estado concreto. (44) O ponto culminante do positivismo jurídico foi representado por Hans Kelsen, com sua Teoria Geral do Estado (Algemeine Staatslehre), de 1925, que pautou boa parte do debate juspubliista dos anos da República de Weimar (1918-1933). Esta debate, travado entre figuras como Hans Kelsen, Carl Schmitt, Rudolf Semnd e Hermann Heller, é, até os dias de hoje, de crucial importância para o estudo das concepções do Estado e Constituição. Ao normativismo positivsta de Kelen, opuseram-se várias doutrinas e concepções, cujo ponto comum era o desejo de introduzir o político na análise (45) da ordem normativa concernente ao Estado,

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Gilberto Bercovici

Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003.

O positivismo jurídico buscou, a partir do final do século XIX, a depuração

metodológica dos elementos políticos, socias, históricos e filosóficos da Teoria do

Estado. Inspirados pela pandectística, os positivistas como os alemães Carls Friedrich

von Gerber e Paul Laband e o italiano Vittorio Emanuele Orlando, viam no Direito

Privado o exemplo a ser seguido, buscando a adoção de uma metodologia

“exclusivamente jurídica”. Fundamentado sua argumentação em construções meramente

conceituais, os teóricos positivstas retiraram a possibilidade de conhecimento do Estado

concreto. (44)

O ponto culminante do positivismo jurídico foi representado por Hans Kelsen, com sua

Teoria Geral do Estado (Algemeine Staatslehre), de 1925, que pautou boa parte do

debate juspubliista dos anos da República de Weimar (1918-1933). Esta debate, travado

entre figuras como Hans Kelsen, Carl Schmitt, Rudolf Semnd e Hermann Heller, é, até

os dias de hoje, de crucial importância para o estudo das concepções do Estado e

Constituição. Ao normativismo positivsta de Kelen, opuseram-se várias doutrinas e

concepções, cujo ponto comum era o desejo de introduzir o político na análise (45) da

ordem normativa concernente ao Estado, tentando se aproximar a realidade

constitucional e política. (46)

Kelsen afirma que a conceituação de Estado e direito como enetes distintos gera, como

consequência, a distinção entre uma teoria sociológica e uma teoria jurídica do Estado,

conforme Jellinek havia proposto. Isto tornaria a Teoria Geral do Estado contraditória,

pois o Estado seria objeto de duas ciência toalmente distintas, com dualidade de

métodos e diversidade de finaldiades e questionamentos. Para solucionar esta

problemática, Kelsen destaca como específico do Estado, do ponto de vista jurídico, o

fato de este ser um sistema de normas. Assim, a existência objetiva do Estado seria a

própria validade objetiva das normas que constituem a ordem estatal.

Para Kelsen, o Estado é um sistema de normas, assim, não pode ser mais do que o

ordenamento jurídico. As relações entre o Estado e o direito significam, para Kelsen,

identidade entre ambos, ao identificar o Estado como o ordenamento jurídico positivo.

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Sendo o Estado o próprio ordenaemnto jurídico, a Teoria do Estado passa a ser possível

enquanto disciplina jurídica, coincidindo com a Teoria do Direito. (46)

Dentro da sua teoria, Kelsen isola o Estado (=ordenamento) da política, pois a política é

a doutrina do Estado justo, ideal, distinguindo-se da Teoria do Estado, que é a doutrina

do Estado possível, concreto e real, que é o direito positivo. E este ém talvez, o grande

problema da teoria kelseniana: a sua dedicação em despolitizar a Teoria do Estado,

tendo em vista a impossibiliadde da emancipação do conhecimento científico da

realidade histórico-social. (47) - Nota 46 – Podemos, ainda, afirmar que a separação

proposta por Kelsen entre direito e política não tem como prosperar no âmbito do

Direito Constitucional. A Constituição preserve os princípios fundamentais que

conforma o ordenamento jurídico, a forma e a estrutura do Estado e do governo,

estabelece as competências e atribuições dos órgãos de direção política e se tomam as

decisões dos órgãos político-constitucionais. (47).

Na opinião de Troper, o mérito da teoria kelseniana foi a de destacar o Estado como

conceito jurídico. Nã é mais possível, depois de Kelsen, existir alguma concepção de

Estado que não pressuponha um conceito jurídico. (47)

Além da crítica à despolitização do Estado, que, para Paulo Bonvides, dissolveu a

legitimidade na legalidade, a Teoria Geral do Estado de Kelsen também pode ser

questionada pelo seu reducionismo. O Estado não pode ser reduzido apenas a um dos

seus elementos, seja o orndeamento jurídico, o território, ou qualquer outro. A função

de uma Teoria do Estado é tornar compreesnível o conjunto ou a totalidade do Estado

concreto, sob pena de este perder sua legitimidade.

Combatendo os postulados kelsenianos, Rudolf Semnd desenvovou em seu livro

constituião e Direito Constitucional, de 1928, a “Teoria da Integração. (...) De acordo

com Smend, o objeto da Teoria do Estado é o Estado enquanto parte da realidae

espiritual, que se caracteriza por um processo de atualização funcional, por um contínuo

processo de confiugração social. Esse processo de renovação constante, que é o núcleo

substancial da dinâmica do Estado é a integração. O Estado existe unicamente por causa

e na medida em que se faz imerso neste processo de auto-integração. Entretanto, od

ireito não está, segundo Smend, entre os fatores da integração estatal. E esta é a grande

c´ritica à teoria de Rudolf Semnd: a de ter subestimado o elemento normativo da

realidade estatal, excluindo o direito de sua apreciação. Não é possível compreender o

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Estado sem consideração de sua dimensão (48) normativa, do mesmo modo que não

podemos limitá-lo à esfera jurídica. (49)

Para Hermann Heller, todo conhecimento sobre o Estado deve partir do pressuposto de

que a vida estatal inclui sempre aquele que a investiga, que pertence a ela de um modo

existencial e nunca pode abandoná-la. O Estaod nunca é um objeto estranho àquele que

o estuda. Um dos grandes equívocos dos autores positivistas (Gerber, Laband, Jellinek e

Kelsen) foi o de ignorar a problemática política de seu tempo, acreditando ser possível

uma total emancipação do conhecimento científico sobre o Estado da realidade

histórico-social. (49)

A proposta de Heller, que adotamos neste estudo, é a Teoria do Estado como ciência da

realidade. O objeto de investigação para a ser a função do Estaod dentro da realidade

social concreta, rejeitando-se a ideia de que o Estado é inveria´vel, constante ao longo

do tempo. Não se pode construir uma Teoria do Estado com critério de universlaidade

para todos os tempos e situações. O Estado devfe ser entendido historicamente,

vinculado às relações político-ideológicas e de poder, que o conformam. (No mesmo

sentido Bonavides, do Estado Liberla ao Estado Social, pp. 124-126) (49)

..

O Estado Social

A transição do Estado Liberal ao Estado Social se dá aos poucos, com o Estado liberal,

ao longo do tempo, emendando-se, contradizendo-se, mudando seus parâmetros. O

direito trambém se modifica, enunciando prestações positivas, o que reforça suas

ligações com a política. O Estado deixa de ser apenas o poder soberano para, também,

tornar-se o principal responsável pelo direito À vida, concretizado por meio de direitos

sociais. (50)

Com o advento do Estado Social, governar passou a não ser mais a gerência de fatos

conjunturais, mas também, e sobretudo, o planejamento do futuro, com o

estabelecimento de políticas a médio e longo prazo. Com o Estado Social, o government

by policies vai além do mero government by law do liberalismo. A execução de políticas

públicas, tarefa primordial do Estado social, com a consequente exigência de

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racionalização técnica para a consecução dessas mesmas políticas, acaba por se revelar

muitas vezes incompatível com as instituições clássicas do Estado Liberal.

A suposta antinomia entre Estado de Direito e Estado Social tem um caráter ideológico

de que a reestrutação democrático-social não pode ser feita pelo Estado de Direito,

refeltindo a ideia de que a Constituição representa apenas uma limitação do poer

estrutural. Dessa forma, os fins políticos-sociais devem ser relegados para a

administração, sendo o Estado Social, consequentemente, contrário às libedades

individuais. A conclusão deste raciocínio é a incompatibilidade entre o Estado de

Direito e o Estado Social no plano de uma mesma constituição.

Esta falsa dicotomia entre Estado de Direito e Estado Social ignora a origem da própria

expressão “Estado Social de Direito” (sozialer Rechtsstaat), elaborada em 1929, por

Hermann Heller. Na sua concepção, a maneira de se evitar o fascismo era desenvolver o

Estado de Direito até as últimas cosnequências, garantindo um mínimo de solidariedade.

A ampliação (51) da democraica era contraposta à alternativa, cada vez mais defendida

por determinados setores, de implantação de uma ditadura fascista na Alemanha. Para

Heller, o Estado Social de Direito superaria o positivismo e rematerializaria, ou seja,

aproximaria da realidade, o Estado. O Estado Social serial, também, um passo a mais na

democratização do Estado. Com a democracia social, amplia-se a esfera democrática

para regulação dos setores econômicos, com a ordem econômica e social colocada à

disposição da vontade popular, democraticamente manfiestada (...)

Com as novas tarefas do Estado, o livre desenvolvimento é fundado nas próprias

prestações estatais. Ou seja, confia-se à instância estatal toalizante o poder de decidir,

em nome de todos, o que é o bem de cada um, por meio de direitos sociais. Isto só pode

ocorrer efetivamente quando o pressuposto do Estado Social é a democracia. Desta

maneira, o arbítrio dos poderes públicos é evitado meidante a reserva da lei e o princípio

democrático, característicos do Estado de Direito. (52)

O objetivo primorida do Estado Social, assim, torna-se a busca da igualdade, com a

garantia da liberdade. O Estado não se limita mais a promovar a igualdade formal, a

igualdade jurídica. A igualdade procurada é a igualdade material, mas não perante a lei,

mas através da lei. A igualdade não se limita a liberdade. O que o Estaod busca garantir

é a igualdade de (52) oportunidades, o que implica na liberdade, justificando a

intervenção estatal. (53)

..

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O Estado Social fundamenta e consolida a unidade política materialmente, tornando-se

o locus da luta de classes. Sua função, geralmente, é de mediador, tantando buscar a

integração social, com base em um mínimo de valores comuns. Não há, portanto, o

desaparecimento da luta de classes, mas a criação de meios que garantam que ela não

irá, necessariamente, se degenerar em um confonto aberto. (53)

Em nenhum lugar do mundo, o Estado Social é uma realidade acabada, mas está em

constante realização. A concretização do Estado Social está ligada à ideia de

transformação global da sociedade, que constitui, segundo José Reinaldo de Lima

Lopes, uma das características do Estado do século XX, consubstanciada na crença de

que o direito pode ser utilizado, pleo Estado, para promover mudanças na sociedade. A

possibiliadde (53) da transformação social faz com que, embora tenha se desenvolvido

nos países industrializados, o Estado Social inspiire inúmeros países subdesenvolvidos,

do memso modo, e, na maioria dos casos, com as mesmas frustrações, que as

instituições democrático-liberais do século XIX. (54)

O Estado Social europeu, com suas possibilidades de transformação, influenciou a

estruturação e atuação do Estado desenvolvimentista latino-americano. Não existe uma

única configuração de Estado Social, mas inúmeras, cada uma com seu

desenvolvimento ligado às diferentes forças históricas que moldaram sua tragetória.

Não podemos classificar um Estado como Estado Social simplesmente porque ele se

auto-denomina assim, nem por meio da mera compração de gastos nos setores. O

elemento essencial a ser analisado é a estrutura do Estado.

Há dúvidas se podemos considerar um Estado desenvolvimentista com o o brasileiro,

um Estado Social. Para tentarmos solucionar esta questão, precisamos diferenciar a

concepção de Estado Social em Estado Social em sentido estrito e Estado Social em

sentido amplo. O Estado Social em sentido estrito é o Estado de bem-estar (Welfare

State, État Providence), caracterizado pelo amplo sistema de seguridade e assistência

social. Já o Estado Social em sentido amplo é o Estado intervencionaista. Desta

maneira, se nos limitarmos à concepção de Estado Social em sentido estrito, o Estado

(54) desenvolvimentista brasileiro não é um Estado Social. Na melhor das hipóteses,

pela Constituição de 1988, é um Estado Social em construção. (55)

...

A autonomia do Estado brasileiro nunca foi plena, dependendo das inúmeras forças

políticas heterogêneas e contraditórias que os sustentam. No entanto, segundo Sônia

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Draibe, é justamente esta heterogeneidade que permitiu ao Estado uma certa liberdade

para exercer o papel de árbitro e regulador das relações sociais, legitimando-se por meio

do caráter geral e universal atribuído à sua atuação. Embora seja uma autonomia

limitada a um espaço político determinado, a direçaõ do Estado brasileiro, é

impulsionada não pela burocracia, mas pela Presidência da República, particularmente

após a Revoluçaõ de 1930. O setnido da ação estatal dá-se pela hierarquização dos

interesses sociais, definidos e articulados em suas políticas ou omissões. Não é uma

direção auto-determinada, mas também não se reduz ao jogo das forças políticas,

levandos-e em consideração que a autaçaõ do Estado altera constantemente as mesmas

correlações de força que constituem sua base material. E foi precisamente esta direção

do Estado, no contexto de uma esfeera de atuação autônoma limitada, que propiciou,

apesar das restrições, a realização de um projeto de desenvolvimento fundado na

industriaçização e na tentativa de autonomia nacional (60) –

A etapa decisiva de Constituição do Estado brasileiro ocorre a partir da Revoluçao de

1930. As tarefas a serem enfrentadas eram inúmeras: a centralização e unificação do

poder estatal, a “estatização das relações sociais”, quando os vários segmentos da

sociedade passsaram a buscar o Estado como locus privilegiado para garantir ou ampliar

seus interesses, a intervenção econômica minimamente planejada, a construção de um

aparelho burocrático-administrativo, etc.

...

O Estado brasileiro constituído após a Revolução de 1930, é, portanto, um Estado

estruturalmente hterogêno e contraditório. É um Estado Social sem nunca ter

conseguido instaurar uma sociedade de bem-estar: moderno e avançado em

determinadpos setores da economia, mas tradicional e repressor em boa parte das

questões sociais. Apesar de ser considerado um Estado forte e intervencionista é,

paradoxalmente, impotente perante fortes interesses privados e corporativos dos setores

mais privilegiados. (61)

Em uma democracia, não pode existir uma Teoria od Estado à mergem da Constituição.

O Estado Constitucional só existe e permanece por meiod e um processo político

constitucionalmente regulado. Estado e Constituição são objetos de estudo

indissoluvelmente vinculados. (271)

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Elaborar ou adotar uma Teoria da Constituição não signifcia a possibilidade de

utilização de qualquer concepção de Constituição. Se pudesse ser escolhido qualquer

modelo constitucional, a Constituição não passaria de um texto formal que admite

interpretações totalemten diversas, inclusive contra seus dispositivos. O que se necessita

é de uma Teoria da Constituição vinculante, que não seja fruto de interpretaçoes

meramente subjetivas ou de condições políticas conjunturias. Deste modo, só será

possível como Teoria da Constituição aquela que está implícita ou explicitamente

contida na Constituição positiva, orientada pelo seu caráter geral e finalidade

normativas, que pode ser conehcida através de métodos racionais. (272) (...) A definição

de uma Teoria da Constituição deve ser obtida a partir de sua inserção e função na

realidade hsitórica, cujo ponto de partida é a própria Constituição, suas decisões e

princípios fundamentais. (272 – Nota 771 – Nas palavras de Friedrich Müller, “as

noções de Estado e as concepções constitucionais fundametnam e preparam certos tipos

de pré-compreensão. Elas especificam, enqunato são consequentes, o horizonte de

interpretação que surge, consciente ou inconsciente das questões concretas. (juristicsche

Methodik, pp. 282-283)

Os enunciados da Teoria do Estado e da Teoria da Constiutição têm importância

ufndamental como elementos de concretizçaão do Direito e da Constituição e nas

posições adoatdas pelo pensamento jurídico. Constituem, assim, uma fonte decisiva

para os resultados da realização da Constituição, reforçado sua normatividade. (273)

As teorias processuais da Constituição

As teorias processuais, em sua quase totalidade, consideram a Constituição um simples

instrumento de governo, definidor de competências e regulador de procedimentos.

Geroges Burdeau alega que, apenas com a fixação de procedimentos para as forças

políticas, consegue-se evitar a relativização das normas constitucionais. (...) A

Constituição não é uma ordem estática realtiva à filosifa de um regime é, também, cheia

de elementos diversos e contraditórios. A Constituição não é uma ordem para o futuro,

mas uma ordem de equilíbrio, essencialmente estática. (274)

Desta maneira, para estas teorias, a Constituição deve ser entendida apenas como uma

norma jurídica superior, abstraindo-se dos problemas de legitimação e domínio da

sociedade. A Constituição como instrumento formal de garantia não possui qualquer

conteúdo social ou econômico, sob a justificativa de perda de juridicdade do texto. As

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leis constitucionais só servem, então, para garantir o status quo. A Constituiçao

estabelece competências, preocupando-se com o procedimento, não propriamente com o

conteúdo das decisões, com o objetivo de criar uma ordem estável dentro da

complexidade da sociedade contemporânea. (275)

Debate Tribe e Ely

A Constituição norte-americana, segundo Laurece Tribe e Cass Sunstein, é composta

por inúmeros dispostivos substantivos, não havendo qualquer justificativa em

considerá-la predominantemente como um processo. A ideia de democracia não é,

exclusivamente, procedimental, mas substantiva também. Além disto, os próprios

dispostivios procedimentais não podem ser adequadamente, compreendidos e aplicados

sem uma teroia dos direitos fundametnais, que deriva, precisamente, do tipo de

controvérsia que os procedimentalsitas querem tirar da Constituição e deixar,

exclusivamente, no campo da política. (277) – No mesmo sentido, nota 792 – Cass R.

Sunstein, The partial Constitution, p. 104.

O que podemos depreender da disputa constitucional norte-americana é, de um lado,

que nenhuma fundamentaçaõ de valores pode ignorar o texto constitucional, buscando

eleemntos sem qualquer ligação com a Constituição. Por outro lado, a abertura dos

valores constitucionais não significa que não tenham significado jurídico, passíveis de

ser ignorados pelo legislador ou pelo intérprete. (278)

A Constituição, ao contrário do que defendem as teorias procedimentais, não fixa

apenas os meios, sem se comprometer com os fins. A Constituição fixa também os fins,

como o desenvolvimento e a superação das desigualdades regionais, previstos no artigo

3º. da nossa Constituição (281)

...

As teorias materiais da Constituição de Rudolf Semnd e Hermann Heller, denominadas

de concepção “dialético-cultural” da Constituição, por Marcelo Neves, são as que mais

influenciaram o atual entendimento de teoria material da Constituição (284)

Em sua Teoria da Integração, Smend tentou tornar a Constituição o ponto de referência

da Teoria do Estado. Do conceito de Constituição elaborado por Semnd, podemos

perceber que o aspecto relevante, para ele, não é o da normatividade da Constituição,

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mas sua realidade integradora, permanente e contínua. A Constituição é uma ordem

integradora, graças aos seus valores materiais próprios. Além disso, ao se constituir

como um estímulo, ou limitação, da dinâmica constitucional, estrutura o Estado como

poder de dominação formal.

Para a compreensõa da Constituição, é necessária a inclusão, no texto escrito, das forças

sociais. A Constituição deve levar em cotna todas as motivações sociais da dinâmica

política, integrando-as progressivamente. Para Semnd, o dinamismo político-social não

poder ser abarcado, na sua totalidad,e pelso dispostivos constitucionais, mas pela

elasticidade e capacidade transformadora e supletiva de sua interpretação. E, nesta

interpretação, os princípios constitucionais são fundamentais, pois definem o Estado

como ente concreto, fixando suas características territorias e políticas.

De acordo com a teoria de Hermann Heller, toda Constituição estatal, a Constituição

política total, tem dois conteúdos parciais: a Constituição não normada e a normada e,

dentro desta, a normada juridicamente e a extra-juridicamente. Segundo Heller, não

podem ser completamente separados o dinâmico e o estático, a normaliadde e a

normatividade, o ser e o dever ser no conceito de Constituição. A Constituição não

normada é apenas um conteúdo parcial da Constituição total. A normalidade tem

sempre que ser reforçada e completada pela normativiadde. Sobre a infra-estrutura da

(285) Constituição não normada, e influenciada, essencialmente, por esta infra-

estrutura, ergue-se a Constituição normada. (286)

Para Heller, seguindo Lassalle, existe a Constituição real, que todo Estado possui a

qualquer tempo, composta pelas relações reais de poder que se dão em um país. A

Constituição juridicamente normada, todavia, também é expressão das relações de

poder, não uma mera formação normativa de sentido, separada da realidade social. Para

Heller, compete à Teroai do Estado demonstrar como a Constituição real do Estado

moderno tornou particamente necessária uma Constituição jurídica objetivada. A

Constituição jurídica objetivada, distinta da Constituição política total do Estado, é, na

realidade, a normação do processo de renovação contínua da Constituição política total,

por isso, ela é constantemente atualizada pelos homens.

A unidade da organização esttal é condicionada pela estrutura sistemática de sua

ordenação, tanto real como normativa. Todos os habitantes estão submetidos, mediata

ou imediatamente, à unidade fundamental de decisão e devem contribuir para a unidade

de ação central. Deste modo, o Estado precisa de uma Constituição normativa,

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entendida com a ordenação consciente da realiadde social segundo um plano, ideia

consagrada pelas revoluções liberais.

A Constituição do Estado moderno, para Heller, caracteriza-se pela normatividade.

Desta maneira, deve enfrentar o problema de harmonizar a permanência das normas

constitucionais com a mudança constante da realidade social. Os preceitos jurídicos-

constitucionais só podem ser concebidos, de modo pleno, partindo-se da totalidade da

Constituição política. Segundo Heller, os preceitos constitucionais adquirem sentido

quando relacioandos com os princípios jurídicos, expressão da realidade social. A

normalidade social se expressa, assim, em princípios jurídicos, permitindo a

continuidade da norma com a mudança social: o texto constitucional permanece, mas

seu sentido pode ser modificado. Os princípios jurídicos, para Heller, são os meiso

pelso quais a realidade social penetra na normatividade estatal. (286)

Com toda esta exposição sobre várias teorias da Constituição, pretendemos evidenciar a

necessidade de uma teoria material da Constituiçaõ que nos permita compreender, a

partir do conjunto total de suas condições jurídicas, políticas e sociais, o Estado

Constitucional Democrático. Teoria material da Constituição, e não teoria processual,

por ser o nosso objetivo entender a Constituição em sua conexão com a realidade social.

E a concepção material de Constituiçaõ é voltada pra o conteúdo e matéria dos

dispositivos constitucionais, não, exclusivamente, sua forma. A teoria material da

Constituição tem que se preocupar, também, com o setnido, fins, princípios políticos e

ideologia que conforma a Constituição, a realidade social da qual faz parte, sua

dimensão histórica e sua pretensão de transformação. (287)

A Constituição não pode ser entendida isoladamente, sem ligações com a teoria social, a

história, a economia e, especialmente, a política. Por outro lado, a juridicidade da

Constituição é essencial para a teoria material da Constituição aqui proposta. A

Constituição real e a Constituição normativa estão em constante contato, em relação de

coordenação. Condiciona-se, mas não dependem, pura e simplesmente, uma da outra. A

Constituição não é apenas uma “folha de papel”, não está desvinculada da realidade

histórica concreta, mas, também, não é simplesemnte condicionada por ela. Em faca da

Constituição real, a Constituição possui significado próprio.

As funções da Constituição podem ser sintetizadas, para Hans Peter Schneider, em três

dimensões: a dimensão democrática (formação da unidade política), a dimensão liberal

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(coordenação e limitação do poder estatal) e a dimensão social (configuração social das

condições de vida). . Todas estas função são inteligadas, condicionando-se mutuamente.

(...) Fundamentalmente, a Constituição, como afirmou Hans Peter Schneider, é direito

político: do, osbre e para o povo. (288) – Hans Peter Schneider, La Constitución –

Función y Estructura, pp. 39-43.

A Constituição de 1988, ao exercer esta função diretiva, fixando fins e objetivos para o

Estado e para a sociedade, é classificada como uma “Constituição dirigente”. Mas,

também, é uma Constituição “aberta”: a abertura das normas constitucionais significa

que a Constituição não se fecha em si própria. Este é um instrumento conscientemente

utilizado, para não retirar das forças políticas a margem de manobra necessária para

atuarem, possibilitando a discussão em torno de principais alternativas da ativiadde

política. Favorece-se, assim, uma compreensão dinâmica da Constituição. Esta marge,

no entanto, não é ilimiatda, pois a Constituição, especialmente por meio dos seus

princípios fundamentais, estabelece, de modo vinculante, o que não deve permanecer

aberto. Além disto, a Constituição outorga às instituições as competências e

procedimentos pelos quais deverão ser decididas as questões em aberto. Ou seja,

embora “aberta”, as suas características essenciais não são modificáveis: admite várias

interpretações, mas não qualquer interpretação. (289)

A principal crítica às Constituições que contém programas de atuação, chamadas de

“Constituição dirigente”, como a nossa, é a acusação de (289) que elas “prendem” os

sucessivos governos à realização de seus objetivos, não respeitando o ideal de

alternância política dos governos. A discricionariedade das políticas de governo é larga,

mas não absoluta. Discricionariedade não significa plena liberdade, nem arbitrariedade,

afinal, os governos constitucionais devem atuar de acordo com a Constituição. Do

mesmo modo, a política não pode ser conduzida simplesmente por juízos de

oportunidade, mas também está vinculada a padrões e parâmetros jurídicos,

especialmente constitucionais. Ao contrário do que alegam seus críticos, a Constituição

não substitui a política. Do mesmo modo, a Constituição é base para a legislação, mas a

legislação não é simples execução da Constituição. O legislador tem margem de atuação

política própria, embora possa ser limitada pelas diretrizes constitucionais.

A Constituição, portanto, não é neutra, pos contém um programa de atuação que se

impõe para o Estado e a sociedade. Isto também não quer dizer que o texto

constitucional tira a liberdade de opções políticas dos cidadãos. Este programa é, nas

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palavras de Díaz Revorío, “suficientemente abierto”, garantindo o pluralismo político.

E é, também, este programa o principal conteúdo, ao lado dos direitos fundaemtnais e

da democracia, do texto constitucional, incluído no caso da Constituição de 1988, entre

os princípiso fundamentais, no seu artigo 3º: (290)

“Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I –

construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento

nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preonceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

O artigo 3º da Constituição de 1988 faz parte dos princípios constitucionais

fundamentais. A característica teleológica destes princípios (291) lhes confere

relevância e função de princípios gerais de toda ordem jurídica, definindo e

caracterizando a coletividade política e o Estado ao enumerar as principais opções

político-constitucionais. (292)

Um dos principais críticos da teoria dos valroes foi Carl Schmitt. Para Schmitt, o perigo

da jurisprudência dos valores ecnontra-se na não-superação da teoria subjetiva dos

valroes, ou seja, não é possível a obtençaõ de valores objetivos. Deste modo, par que se

atinja o “valor supremo”, tudo é possível: os valores valem “para” alguém, mas,

também, sempre “contra” alguém. Com a hierarquização dos valores, há, na realidade, a

“tirania dos valores”, fundada na própria ação de valorizar (292).

Os princípios constitucionais fundamentais também têm a funçãod e identificação do

regime constitucional vigente, ou seja, fazem parate da fórmula política do Estado. A

fórmula política individualiza o Estado, pois diz respeito ao tipo de Estado, regime

político, valores inspiradores do ordenamento, fins do Estado, etc. Também define e

delimita a identidade da Constituição perante seus cidadãos e a comunidade

internacional. (293)

...

O artigo 3º da Constituição de 1988, além de integrar a fórmula política, também é, na

expressão de Pablo Lucas Verdú, a “cláusula transformadora” da Constituição. A ideia

de “cláusula transformadora” está ligada ao artigo 3º da Constituição italiana, de 1947 e

ao artigo 9º, 2 da Constituição espanhola de 1978. Em ambos os casos, a “cláusula

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transformadora” explicita o contraste entre a realidade social injusta e a necessidade de

eliminá-la. Deste modo, impedem que a Constituição consideraasse realizado o que

ainda está por se realizar, implicando na obrigaçaõ do Estado em promover a

transofrmação da estrutura econômico-social. Os dois dispositivos constitucionais

buscam a igualdade material através da lei, vinculando o Estado a promover meios para

garantir a existência digna para todos. A eficácia jurídica destes artigos, assim como a

do nosso artigo 3º, não é incompatível com o fato de que, por seu conteúdo, a realização

destes preceitos tenha caráter progressivo e dinâmico e, de certo modo, sempre

inacabado. Sua concretização não significa a imediata exigência de prestação estatal

concreta, mas uma atitude positiva, constante e diligente do Estado. Do mesmo modo

que os dispositivos italiano e espanhol mencioandos, o artigo 3º da Constituição de

1988 está voltado para a transformação (294) da realidade brasileira: é a c”cláusula

transformadora” que objetiva a superação do subdesenvolvimetno. (295)

Resta, ainda, esclarecermos que, embora fixe um programa de atuação para o Estado e a

sociedade barsileiros, o artigo 3º da Constituição não é uma norma programática. Sua

eficácia, como princípio fundamental, é imediata. Portanto, não há nenhum fundametno

na proposta esdrúxula de regulamentar o artigo 3º, III da Constituição de 1988. (295)

A fixação constitucional dos objetivos da república brasileira no artigo 3º da

Constituição de 1988 remete-nos a um dos problemas fundamentais da Teoria do

Estado, a questão dos fins do Estado. O Estado, (295) como toda instituição humana,

tem uma função objetiva que nem sempre está de acordo com os fins subjetivos de cada

um dos homens que o formam. (296)

(...) A determinação do sentido do Estado é de crucial importância para a sua

compreensão. Sem uma referência ao sentido do Estado, os conceitos da Teoria do

Estado seriam vazios de significado, não sendo possível diferenciá-lo, inclusive, de

outras organizações sociais. A observação dos fins do Estado é uma forma de controlar

sua atividade política, pois os fins não afirmam tanto o que acontecerá, mas o que não

deve ser feito. A atribuição de fins ao Estado significa, praticamente, sua justificação,

que, para Hermann Heller, equivale à sua própria existência: o poder estatal vive de sua

justificação. (296)

Page 14: Bercovici - Desigualdades Regionais, Estado e Constituição

Os princípios constitucionais fundamentais, como o artigo 3º, possuem caráter

obrigatório, com vinculação imperativa para todos os poderes públicos, ou seja,

conformam a legislação, a prática judicial e a atuação dos órgãos estatais, que devem

agir no sentido de concretizá-los. São marcos do desenvolvimento do orndenamento,

paontando objetivos e proibindo o retrocesso, funcionando como parâmetro essencial

para a interpretação e concretização da Constituição. (298)

Enquanto instrumento de transformaçaõ social, a ideologia constitucional não é neutra,

é política e vincula o intérprete. Os princípios constitucionais fundamentais, como o

artigo 3º da Constituição de 1988, são a expressão das opções ideológicas essenciais

sobre as finalidades sociais e econômicas do Estado, cuja realização é obrigatória para

os órgãos e agentes estatais e para a sociedade ou, ao menos, os detentores de poder

econômico ou social fora da esfera estatal. (299)

Consituti o artgio 3º da Constituição de 1988 um verdadeiro programa de ação e de

legislação, devendo todas as ativiaddes do Estado brasileiro, inclusive as políticas

públicas, medidas administrativas e decisões jurídicas, conformarem-se formal e

materialmente, ao programa inscrito no texto constitucional. Qualquer norma

infranconstitucional deve ser interpretada com referência aos princípios fundamentais.

(299) Toda interpretação está vinculada ao fim expresso na Constituição, pois os

princípios constitucionais fundamentais são instrumento essencial para dar coerência

material a todo o orndemento jurídico. Além disto, há a vinculação negativa dos poderes

públicos: todos os atos que contrariem os princípios constitucionais fundamentais,

formal e materialmente, são inconstitucionais.

....

Para que a Consituiçaõ seja dotada de força normativa, devemos entender a

interpretação constitucional como concretização. A concretização da Constituição não

pode ser confundida com a noção tradicional de mera subsunção do fato à norma

(“aplicação do direito”). O conceitod e concretização, aqui adotado, exposto por

Friedrich Müller, não parte do pressuposto de que a norma existe previamente ao caso

particular, para cuja resolução seria, então, individualizada. No nosso caso, a

concretização trata da construção da própria norma a partir do texto (regra de direito,

texto oficial), este sim pré existente. (300)

Page 15: Bercovici - Desigualdades Regionais, Estado e Constituição

O limite intransponível de toda e qualquer interpretação é o texto constitucional. Esta é

uma das maneiras de se evitar arbitrariedades do Poder Judiciário, (308) obrigando-o a

respeitar também a democracia. (309)

(...) Este princípio básico do Estado Democrático de Direito não é respeitado pelo órgõa

de controle de constitucionalidade brasileiro. O que ocorre no Brasil é, na expressãode

Marcelo Neves, a “concretização desconstitucionalizante” (ou

“desconstitucionalização fática”), ou seja, a deturpação do texto constitucional no

processo de concretização. A concretização normativo-jurídica do texto constitucional é

bloqueada de modo permanente e generalizado por fatores econômicos ou políticos, não

havendo qualquer relação consistente entre texto e a concretização. Como resultado, a

Constituição não se torna uma referência válida para os cidadãos, em geral, e para os

agentes públicos, em particular, cuja a atividade se desenvolve apesar dela e até contra

os sesu dispostiivos. (309)

Não bata ter constituição, segundo Pablo Lucas Verdú, é preciso estar em Constituição,

ou seja, é preciso concretizá-la. Este é o grande dilema da Constituição de 1988: a sua

concretização (312)