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1 Boletim da Associação Brasileira de Biologia Marinha vol. 4, n° 3, set/out/nov/dez 2011 ABBM BOLETIM INFORMATIVO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BIOLOGIA MARINHA Associação Brasileira de Biologia Marinha CNPJ: 09.304.946/0001-16 Diretoria Nacional (2011-2013) Presidente Elisabete Barbarino (UFF) Vice-Presidente Edson Pereira da Silva (UFF) Secretária Diana Negrão Cavalcanti (UFF) Secretária-Executiva Bruna Christina Marques Tovar Faro (UFRJ/UFF) Editor-Chefe Sergio de Oliveira Lourenço (UFF) Tesoureira Andyara do Nascimento Silva (SEEDUC-RJ) Conselho Consultivo, Fiscal e Arbitral Giuliano Buzá Jacobucci (UFU) Luiz Muri Bassani Costa (WINDIVE) Paulo Cesar de Paiva (UFRJ) Antonia Cecília Zacargnini Amaral (UNICAMP) Fausto Foresti (UNESP) Secretaria da ABBM Universidade Federal Fluminense Departamento de Biologia Marinha Outeiro São João Batista, s/n o , Campus Valonguinho, CEP 24.020-141, Niterói – RJ Sítio na Internet: www.uff.br/abbm Contato : Associação Brasileira de Biologia Marinha Caixa Postal 100.056, CEP 24. 020-971, Niterói - RJ [email protected] O Boletim Informativo da Associação Brasileira de Biologia Marinha é uma publicação quadrimestral, de circulação livre e distribuição gratuita. Os textos, conceitos e ideias nele expressos são de total responsabilidade de quem os assina. Contato: [email protected] EDITORIAL O presente fascículo do Boletim Informativo da ABBM é o primeiro a ser publicado após o início da administração da nova Diretoria Nacional e da mudança na composição do Conselho Consultivo, Fiscal e Arbitral. Naturalmente, este é um momento de renovação na ABBM. Renovação do novo, diga- se de passagem. Sucesso àqueles que conduzirão a ABBM pelos próximos anos! Este terceiro e último fascículo do Boletim Informativo em 2011 traz diversos destaques. Em Palavras da ABBM, nossa nova presidente, Elisabete Barbarino, apresenta as perspectivas da nova administração da ABBM. Três artigos compõem o presente fascículo. Luciana P.T. Chequer, Mirian A.C. Crapez, Luiz F. Fontana e Frederico S. da Silva abordam as interações entre bactérias e plantas de mangue, contemplando os consórcios bacterianos que se formam no sedimento associado às raízes de espécies arbóreas de manguezais. Álvaro E. Migotto e Bruno C. Vellutini “presenteiam” a comunidade brasileira de Biologia Marinha com o sítio Cifonauta. Este deslumbrante banco de imagens e informações sobre seres marinhos é novo, mas seguramente já está contribuindo fortemente para o desenvolvimento da Biologia Marinha nacional. Karen T.S. Larsen compila informações recentes levantadas em portos do Estado do Espírito Santo, obtidas no âmbito do Sistema Nacional de Informações sobre Água de Lastro. Trata-se de um “raio X” dos movimentos de navios em portos capixabas, num esforço para monitorar possíveis espécies exóticas. No painel de notícias, destaque para matérias sobre petróleo no mar em três frentes: o acidente na bacia de Campos (RJ), a polêmica concessão de blocos de produção de petróleo na região de Abrolhos (BA) e a discussão sobre a partilha dos royalties da exploração da camada pré-sal; outros destaques envolvem a aprovação do projeto reformulado do novo Código Florestal pelo Senado Volume 4, Número 3 set/out/nov/dez 2011 ISSN 1983-1889

BI volume 4, número 3, 2011

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Page 1: BI volume 4, número 3, 2011

1 Boletim da Associação Brasileira de Biologia Marinha vol. 4, n° 3, set/out/nov/dez 2011

ABBM

BOLETIM INFORMATIVO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BIOLOGIA MARINHA

Associação Brasileira de Biologia Marinha

CNPJ: 09.304.946/0001-16

Diretoria Nacional (2011-2013)

Presidente Elisabete Barbarino (UFF)

Vice-Presidente Edson Pereira da Silva (UFF)

Secretária Diana Negrão Cavalcanti (UFF)

Secretária-Executiva Bruna Christina Marques Tovar Faro (UFRJ/UFF)

Editor-Chefe Sergio de Oliveira Lourenço (UFF)

Tesoureira Andyara do Nascimento Silva (SEEDUC-RJ)

Conselho Consultivo, Fiscal e Arbitral Giuliano Buzá Jacobucci (UFU)

Luiz Muri Bassani Costa (WINDIVE) Paulo Cesar de Paiva (UFRJ)

Antonia Cecília Zacargnini Amaral (UNICAMP) Fausto Foresti (UNESP)

Secretaria da ABBM Universidade Federal Fluminense Departamento de Biologia Marinha

Outeiro São João Batista, s/no, Campus Valonguinho, CEP 24.020-141, Niterói – RJ

Sítio na Internet: www.uff.br/abbm

Contato: Associação Brasileira de Biologia Marinha

Caixa Postal 100.056, CEP 24. 020-971, Niterói - RJ [email protected]

O Boletim Informativo da Associação Brasileira de Biologia Marinha é uma publicação quadrimestral, de circulação livre e distribuição gratuita. Os textos, conceitos e ideias nele expressos são de total responsabilidade de quem os assina. Contato: [email protected]

EE DD II TT OO RR II AA LL

O presente fascículo do Boletim Informativo

da ABBM é o primeiro a ser publicado após o início

da administração da nova Diretoria Nacional e da

mudança na composição do Conselho Consultivo,

Fiscal e Arbitral. Naturalmente, este é um momento

de renovação na ABBM. Renovação do novo, diga-

se de passagem. Sucesso àqueles que conduzirão a

ABBM pelos próximos anos!

Este terceiro e último fascículo do Boletim

Informativo em 2011 traz diversos destaques. Em

Palavras da ABBM, nossa nova presidente, Elisabete

Barbarino, apresenta as perspectivas da nova

administração da ABBM. Três artigos compõem o

presente fascículo. Luciana P.T. Chequer, Mirian

A.C. Crapez, Luiz F. Fontana e Frederico S. da Silva

abordam as interações entre bactérias e plantas de

mangue, contemplando os consórcios bacterianos

que se formam no sedimento associado às raízes de

espécies arbóreas de manguezais. Álvaro E. Migotto

e Bruno C. Vellutini “presenteiam” a comunidade

brasileira de Biologia Marinha com o sítio Cifonauta.

Este deslumbrante banco de imagens e informações

sobre seres marinhos é novo, mas seguramente já

está contribuindo fortemente para o desenvolvimento

da Biologia Marinha nacional. Karen T.S. Larsen

compila informações recentes levantadas em portos

do Estado do Espírito Santo, obtidas no âmbito do

Sistema Nacional de Informações sobre Água de

Lastro. Trata-se de um “raio X” dos movimentos de

navios em portos capixabas, num esforço para

monitorar possíveis espécies exóticas.

No painel de notícias, destaque para matérias

sobre petróleo no mar em três frentes: o acidente na

bacia de Campos (RJ), a polêmica concessão de

blocos de produção de petróleo na região de

Abrolhos (BA) e a discussão sobre a partilha dos

royalties da exploração da camada pré-sal; outros

destaques envolvem a aprovação do projeto

reformulado do novo Código Florestal pelo Senado

Volume 4, Número 3 set/out/nov/dez 2011

ISSN 1983-1889

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2 Boletim da Associação Brasileira de Biologia Marinha vol. 4, n° 3, set/out/nov/dez 2011

Federal e suas repercussões; a divulgação pelo

CNPq do documento sobre integridade na pesquisa;

e uma síntese da COP-17 realizada em Durban,

África do Sul, dentre outras notícias.

Os trabalhos de seis novas estrelas-do-mar

são devidamente registrados neste fascículo.

Finalmente, na seção Memória, apresentamos

informações biográficas do Dr. José Reis, intelectual

incansável em sua missão de divulgar amplamente a

Ciência no Brasil e um dos fundadores da SBPC.

Desejamos boas leituras a todos.

Prof. Dr. Sergio de Oliveira Lourenço

Editor-Chefe

PPAALLAAVVRRAASS DDAA AABBBBMM

Novos desafios

Dra. Elisabete Barbarino

Universidade Federal Fluminense, Departamento de Biologia Marinha Presidente da Associação Brasileira de Biologia Marinha

[email protected]

Faz três meses que passei a assinar as

mensagens da ABBM como presidente e não mais como tesoureira, cargo ocupado com muito prazer e imensa responsabilidade durante quatro anos. Lembro-me que pensava “Como fazer para todos os custos caberem em tão restrito orçamento?” “Como pagar R$X se só temos R$X/2?”. Foram muitos cálculos, negociações, inúmeras planilhas e, confesso, algumas noites mal dormidas. Felizmente os resultados foram positivos e brindados com uma grata sensação de missão cumprida. E aqui estou com um desafio ainda maior. Como presidir a ABBM? Uma entidade nova, que acaba de completar quatro anos, mas que já é reconhecida por muitos membros (profissionais e estudantes) da comunidade brasileira de Ciências do Mar. A experiência adquirida em gestões anteriores sinaliza e indica o que fazer: “arregaçar as mangas” e seguir em frente com dedicação e firmeza; buscar uma liderança participativa; planejar, analisar e realizar. Tenho plena convicção que o trabalho será intenso e desafiador. E como a caminhada já começou, neste curto período firmamos duas parcerias interessantes para nossos associados. A primeira com a Comissão Organizadora do XXIX Congresso Brasileiro de Zoologia, com a qual os associados da ABBM poderão participar do CBZ pagando o mesmo preço dos associados da Sociedade Brasileira de Zoologia. Muitos associados já estão aproveitando este benefício e outros mais devem se inscrever neste importante evento. A segunda parceria foi fechada com a Central de Cursos da Universidade Gama Filho. Neste convênio os associados da ABBM contam com concessão de desconto nas mensalidades dos cursos de pós-graduação e extensão. Esperamos firmar novas parcerias durante

esta gestão, buscando propiciar muitos benefícios para os associados da ABBM.

Dando continuidade as atividades, realizamos em 14 de dezembro a 8ª. Reunião Ordinária Diretoria Nacional da ABBM, onde, após algumas discussões, definimos as ações para o biênio 2012-2013. Dentre as ações, podemos destacar o início da campanha de cobrança das anuidades dos associados (para que a ABBM possa seguir em frente é preciso arrecadar); o envio de documentação de solicitação de associação da ABBM à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (a associação possui todos os requisitos exigidos pela SBPC); a preparação e discussão do regimento interno da ABBM; realização de novas visitas técnicas em busca da seleção da sede do 4º CBBM (atividade iniciada em novembro); melhorias na página da ABBM na internet e migração da mesma para um domínio próprio; preparação de material de divulgação da Associação para distribuição em mídia impressa e virtual; consolidação do perfil científico do Congresso Brasileiro de Biologia Marinha. Embora sejam ações esperadas de uma administração, desejamos que todas elas sejam efetivamente realizadas, pois é importante ressaltar que o trabalho de todos os membros da Diretoria Nacional e do Conselho Consultivo, Fiscal e Arbitral é voluntário. As atividades da ABBM são realizadas em paralelo às inúmeras tarefas do dia-a-dia de cada um de nós.

Termino minha brevíssima mensagem com o último parágrafo publicado na seção “Palavras da ABBM”, Boletim Informativo da ABBM (volume 4, número 2, 2011) “Por fim, eu saúdo e desejo muito sucesso aos novos membros da Diretoria Nacional e do CCFA. Tenho a convicção de que os novos diretores e conselheiros conduzirão muito bem a

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ABBM rumo à construção de uma tradição de qualidade e destaque no cenário nacional. Mais do que isto: desejo que os novos membros da administração da ABBM possam ir bem mais longe do que os integrantes que saem. O êxito dos novos diretores e conselheiros significa sucesso e crescimento da ABBM. Nossa Associação está em ótimas mãos.” Com estas palavras o Prof. Sergio O. Lourenço se despediu do cargo que, brilhantemente, ocupou por quatro anos. A sensação é de ter recebido a tocha olímpica, que deve ser conduzida com todo o cuidado, com muito carinho, zelo e respeito. Citando Pierre de Coubertin (1863 - 1937) “Que a tocha olímpica siga o seu curso através dos tempos para o bem da humanidade cada vez mais ardente, corajosa e pura”. A responsabilidade é grande, mas esperamos nestes dois anos poder retribuir todos os votos de confiança recebidos. Olhando para frente vemos um longo caminho a trilhar, há muito a ser feito. Lembramos também de olhar para trás e ver o que já foi construído e conquistado. A ABBM em sua curta existência

passou rapidamente de um sonho de alguns para a realidade de muitos. Que possamos todos juntos contribuir com mais alguns tijolos nesta construção. Neste sentido, convido a todos os associados a se juntarem aos membros da Diretoria Nacional e do Conselho Consultivo, Fiscal e Arbitral nesta caminhada. Vamos em frente!

Canal Olímpico

AARRTT II GGOOSS

Efeito rizosfera: simbiose entre raízes de plantas e bactérias#

Luciana Pereira Torres Chequer1, Mirian Araújo Carlos Crapez1*, Luiz Francisco Fontana2 & Frederico Sobrinho da Silva3

1. Programa de Pós-Graduação em Biologia Marinha, Universidade Federal Fluminense, Niterói - RJ; 2. Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geofísica Marinha, Universidade Federal Fluminense, Niterói - RJ; 3. Departamento de Geologia,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - RJ. *E-mail: [email protected]

# Artigo originalmente publicado pela revista Ciência Hoje em outubro de 2010

A rizosfera é a região do solo onde as raízes das plantas crescem e conseguem água, sais minerais e nutrientes, e também estabelecem relações com as raízes de outros vegetais e micro-organismos, como bactérias e fungos. Essas interações são influenciadas tanto pelas características físico-químicas do solo quanto pela produção e liberação de substâncias químicas pelas raízes. Algumas substâncias, por exemplo, inibem o crescimento de outras plantas, ajudando as espécies que as produzem na competição por espaço, em um mecanismo denominado alelopatia. A rizosfera, portanto, tem grande importância para o desenvolvimento da planta.

Um fenômeno característico da rizosfera é a associação de bactérias e fungos com as raízes das plantas. Muitos micro-organismos existentes aderem às raízes e estabelecem com as plantas uma relação mutuamente vantajosa (uma simbiose). Como as bactérias são extremamente pequenas, as raízes servem como suportes eficazes para a vida desses seres diminutos.

Uma simbiose importante para a agronomia mundial é a associação de bactérias fixadoras de nitrogênio (principalmente dos gêneros Rhizobium, Bradyrhizobium e Azorhizobium) com as raízes de leguminosas, família de plantas que inclui algumas das espécies mais utilizadas como alimento, como

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soja, feijões, lentilha e outras. Essas bactérias transformam o nitrogênio gasoso presente no ar (que penetra nos poros do solo) em compostos assimiláveis pelas plantas e pelos demais seres vivos. O processo, chamado de fixação biológica do nitrogênio, pode inclusive suprir todas as necessidades das plantas quanto a esse nutriente, como foi constatado na cultura da soja, permitindo dispensar a aplicação de fertilizantes químicos.

A importância desse processo no desenvolvimento de leguminosas pode ser confirmada, por exemplo, em iniciativas como a realizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Estado do Rio de Janeiro para o controle da erosão. Na região entre os municípios de Barra Mansa e Japeri, constatou-se, no início dos anos 2000, a existência de cerca de mil voçorocas, enormes valas produzidas pela erosão de áreas onde a vegetação original foi destruída (pela retirada de florestas, por queimadas ou pela ocupação desordenada do terreno). Calculou-se que cada voçoroca equivalia à perda de cerca de 20 mil toneladas de solo, levadas para o rio Paraíba do Sul. O impacto ambiental, ao longo de toda a região, era imenso: algo como o lançamento de dois milhões de caminhões de aterro no rio. Para recuperar as áreas afetadas, a Embrapa instalou obstáculos com materiais alternativos nas voçorocas e plantou mudas de leguminosas, já com bactérias fixadoras de nitrogênio associadas às suas raízes. Como resultado, a redução da emissão de sedimentos pelas voçorocas foi de 90% no primeiro ano e próxima de 98% após cinco anos.

As interações entre raízes e micro-organismos – o efeito rizosfera – permite não apenas um aumento da biomassa e da atividade bacteriana no solo, mas também uma ação seletiva sobre o desenvolvimento de bactérias. Isso significa que é possível utilizar esse efeito para alterar a diversidade dos grupos bacterianos, favorecendo um ou mais grupos com finalidades específicas, como combater os efeitos de episódios de poluição ambiental (derramamentos de petróleo, por exemplo).

Petróleo no ambiente

Os derramamentos de petróleo, considerados hoje um dos principais problemas ambientais, têm se tornado mais frequentes nos últimos 30 anos. Diversas regiões costeiras foram afetadas por incidentes desse tipo, e muitos causaram severos impactos no ambiente marinho. Podem ser lembrados alguns dos maiores, como os naufrágios dos navios petroleiros Amoco Cadiz (em 1978, na costa da Bretanha, na França) e Exxon Valdez (em 1989, na costa do Alasca, nos Estados Unidos), e a explosão, em abril de 2010, de uma plataforma de

produção no golfo do México. No Brasil também ocorreram vários desastres, entre eles o rompimento de dutos de transporte de petróleo na refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro (em 1997 e 2000), e na refinaria Getúlio Vargas, no Paraná (em 2000).

O petróleo, ao entrar em contato com a água do mar, sofre diversas mudanças físicas e químicas que afetam sua composição e sua toxicidade. Pode se espalhar na superfície da água, evaporar ou ser incorporado aos materiais em suspensão no ambiente aquático. Quando isso acontece, o petróleo será depositado no sedimento, ficando disponível para os animais que vivem no próprio sedimento e para os que usam como alimento a matéria orgânica ali depositada (detritívoros). A luz solar atua sobre o petróleo, provocando sua oxidação fotoquímica, processo que quebra as moléculas que o compõem e gera compostos mais solúveis, alguns até mais tóxicos para os seres vivos. Esses efeitos diminuem a saúde do ambiente, mas a boa notícia é que esse impacto pode ser remediado pela ação de micro-organismos, principalmente bactérias, que usam o petróleo como fonte de carbono e de energia.

Os sedimentos de ambientes costeiros nos quais a movimentação de ondas e de correntes marinhas é pequena, como manguezais, alagados e enseadas, absorvem as moléculas de hidrocarbonetos e outros componentes do óleo e os liberam lentamente durante anos. Esse fenômeno reduz, nesses ambientes, a disponibilidade de oxigênio para os seres vivos, o que restringe a degradação bacteriana do petróleo e diminui a diversidade dos organismos bentônicos, com consequências desastrosas para a recuperação ambiental. A mortalidade e/ou os danos sofridos pelas plantas e animais não dependem apenas do tipo, da qualidade e da quantidade do óleo derramado, mas também das condições climáticas, da ação das marés e do tempo de contato desses organismos com o óleo derramado.

Os manguezais são os principais exportadores de matéria orgânica para os estuários, baías e outras reentrâncias da costa, e, por isso, são ecossistemas férteis e diversificados, que atuam como berçário de aves, peixes, moluscos e crustáceos. As poucas espécies vegetais capazes de crescer nesses ecossistemas, por causa da alta salinidade, fixam os solos, impedindo a erosão e, ao mesmo tempo, estabilizam a linha de costa. Essas espécies podem ser consideradas um importante banco genético para a recuperação de áreas degradadas, como, por exemplo, as poluídas por petróleo.

Os manguezais situam-se nas regiões tropicais e subtropicais, na costa oceânica ou nas margens de estuários. Entretanto, como no Brasil

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quase todo o petróleo é extraído na plataforma submarina, a maior parte das refinarias do país foi instalada perto da costa, onde ocorrem esses ecossistemas altamente sensíveis ao impacto por esse poluente (Figura 1). Assim, é preciso pesquisar e implantar técnicas que permitam combater os efeitos dos derramamentos de petróleo em manguezais e viabilizem o uso sustentável dos recursos desses ambientes.

Figura 1. As refinarias de petróleo brasileiras (pontos vermelhos) estão, em sua maioria, localizadas na mesma faixa (em verde) em que ocorrem os manguezais na costa do País (Fonte: Ciência Hoje). A biorremediação

Uma das técnicas usadas na recuperação de ambientes contaminados por óleo é a chamada biorremediação. Ela utiliza micro-organismos capazes de degradar esse poluente, transformando suas moléculas em outras mais simples, que possam ser aproveitadas em seu metabolismo, gerando biomassa e energia. Esse processo pode ser reforçado com o emprego de plantas associadas a comunidades de bactérias que apresentem metabolismo específico para remover, capturar ou degradar substâncias tóxicas do ambiente. Nesse caso, a técnica é denominada fitobiorremediação.

O uso de plantas para auxiliar a limpeza de ambientes impactados baseia-se na existência de micro-organismos capazes de consumir os poluentes e de se associar às raízes desses vegetais. Desse modo, a remoção e/ou degradação dos contaminantes pode ocorrer tanto na superfície quanto em áreas mais profundas do solo. Aplicada no local poluído pelo petróleo, essa estratégia não

perturba o ambiente, mas, ao contrário, ajuda a recuperar a cobertura vegetal, o que também contribui para o controle da erosão.

Além da atuação dos micro-organismos, as plantas têm mecanismos próprios para remover e modificar contaminantes presentes nos solos (Figura 2). Elas podem degradar poluentes orgânicos por meio de sua atividade enzimática, em um processo conhecido como fitodegradação. Outro mecanismo é a fitovolatilização, que acontece quando os poluentes são absorvidos pelas raízes, convertidos metabolicamente em compostos não tóxicos e liberados na atmosfera. Os contaminantes também podem ser incorporados à lignina, substância que compõe a parede vegetal, o que evita sua mobilização no ambiente – esse processo é a fitoestabilização. As plantas são ainda capazes de extrair o poluente do solo e acumulá-lo em seus tecidos, no mecanismo chamado de fitoextração.

A fitoestimulação, que envolve a rizosfera é a biodegradação dos poluentes orgânicos pelos micro-organismos aderidos às raízes das plantas. É conhecida também como rizodegradação. Isso significa que a comunidade de micro-organismos que pôde se desenvolver no solo graças à presença dessas raízes pode, com suas enzimas, degradar e consumir os contaminantes. Assim, a fitoestimulação pode ser considerada um dos melhores mecanismos de recuperação de áreas impactadas, devido ao efeito rizosfera.

Figura 2. A interação entre plantas e micro-organismos permite diversos mecanismos de limpeza de poluentes orgânicos em sedimentos, na chamada fitobiorremediação. Fonte: Ciência Hoje, adaptado de Pilon-Smits (2005).

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Pesquisas no Brasil A fitobiorremediação ainda é pouco explorada

no Brasil, e em geral as pesquisas existentes descrevem experiências feitas em laboratório. Em 2000, porém, consórcios de bactérias capazes de degradar componentes do petróleo foram identificados no solo de manguezal da baía de Guanabara e estudou-se sua aplicação nas áreas onde vivem, para ajudar na limpeza de derramamentos de óleo, um feito inédito na América Latina. Esses consórcios foram obtidos com tecnologia desenvolvida pelo Laboratório de Microbiologia Marinha, da Universidade Federal Fluminense, coordenado pela professora Mirian Crapez, com financiamento da Agência Nacional do Petróleo (Figura 3). O uso, para a limpeza de derramamentos de petróleo, de consórcios bacterianos do próprio ambiente impactado é ecologicamente correto, pois não coloca nesse ambiente organismos exóticos ou invasores.

Figura 3. Imagens de ensaios de degradação de petróleo por bactérias, realizados em rotina no Laboratório de Microbiologia Marinha, da Universidade Federal Fluminense.

Outro estudo, desenvolvido em 2004 por uma das autoras deste artigo (M.A.C. Crapez) e colaboradores, avaliou o uso da fitobiorremediação em sistemas vegetais de manguezal, concluindo que a árvore conhecida como mangue-vermelho (Rhizophora mangle; Figura 4) é a mais adequada

para o reflorestamento de ambiente impactado por óleo. Os resultados revelaram que, em suas raízes, ocorreu adesão e manutenção de biofilme de bactérias capazes de degradar os componentes do petróleo. Assim, a rizosfera possibilitou a essas plantas superar os efeitos da contaminação do solo e obter nutrientes para o crescimento do caule e o aumento do número de folhas.

Figura 4. Rhizophora mangle, o mangue-vermelho, espécie comum em manguezais brasileiros.

Em 2006, mais uma pesquisa, também realizada em manguezal, na baía de Guanabara, por Elcia M.S. Brito, avaliou a atuação de consórcios bacterianos na degradação de óleo. Esse trabalho determinou, em experimentos de campo, que a aplicação direta das bactérias na superfície, nas áreas onde ocorreu derramamento de petróleo, não é a opção mais adequada, já que a dispersão destas no solo não é significante e a recuperação ambiental é extremamente baixa. A alternativa mais eficaz, segundo os resultados obtidos, é a inoculação dos consórcios bacterianos diretamente nas rizosferas das plantas (o que pode ser feito pela amplificação dos consórcios bacterianos em laboratório e posterior aplicação dentro do solo, nas áreas das raízes, ou pelo plantio de mudas já com as bactérias aderidas às suas raízes).

Trabalho recente (2008), realizado por outra autora deste artigo (L.P.T. Chequer), também investigou a técnica de fitobiorremediação para recuperação de manguezal impactado por petróleo, usando três espécies vegetais que vivem nesses ambientes: mangue-vermelho (R. mangle), mangue-branco (Laguncularia racemosa) e mangue-preto ou siriúba (Avicennia schaueriana). Mudas dessas espécies, germinadas em viveiro construído próximo ao manguezal, receberam a adição de consórcios bacterianos (10 milhões de células por cm3), capazes de usar hidrocarbonetos de petróleo como fonte de carbono e energia.

Durante o experimento, foram analisados aspectos das plantas em crescimento (tamanho do

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caule e número de folhas; Figura 5), além de taxas de mortalidade das mudas e número de bactérias na rizosfera. Constatou-se que a biomassa bacteriana não variou durante o experimento. As espécies de mangue apresentaram diferentes taxas de crescimento e mortalidade, mas R. mangle mostrou melhor desenvolvimento para a fitobiorremediação. O estudo revelou que fatores ambientais como tipo

Figura 5. Cultivo de mudas de plantas de mangue em viveiro (topo) e realização de medidas biométricas nas mudas (base). Estas atividades foram realizadas na avaliação experimental dos efeitos de consórcios bacterianos capazes de usar hidrocarbonetos de petróleo sobre o desenvolvimento de plantas de mangue.

de solo, teor de matéria orgânica, quantidade de água, disponibilidade de oxigênio e nutrientes, radiação solar e salinidade podem influenciar na fitobiorremediação de solos contaminados por óleo. Os estudos realizados sobre a utilização de consórcios de bactérias, associados a espécies vegetais de manguezais, para auxiliar a recuperação desses ecossistemas em caso de derramamentos de petróleo têm indicado que essa técnica é promissora. Ela pode ser uma alternativa a outros métodos empregados hoje em acidentes desse tipo, apresentando vantagens ecológicas (por utilizar tanto plantas quanto bactérias já existentes em manguezais) e econômicas (em razão do baixo custo). Derramamentos de petróleo atingem com certa frequência ambientes costeiros, apesar das medidas de prevenção adotadas por empresas do setor petrolífero, o que justifica a busca por métodos de limpeza de áreas contaminadas que combinem maior eficácia e menor perturbação possível do ambiente natural. Sugestões para leitura Barbosa, D. 2005. Caranguejos de laboratório. Ciência Hoje, nº 220, p. 46.

Crapez, M.A.C.; Borges, A.L.N.; Bispo, M.G.S. & Pereira, D.C. 2002. Biorremediação: tratamento para derrames de petróleo. Ciência Hoje, nº 179, p. 32.

Frick, C.M; Farrell, R.E & Germida, J.J. 1999. Assessment of Phytoremediation as an In-Situ Technique for Cleaning Oil-Contaminated Sites. Petroleum Technology Alliance of Canada (PTAC), Calgary, AB, 88 p.

Krepsky, N.; Silva, F.S. & Crapez, M. A. C. 2006. Biodetergentes para limpeza de petróleo. Ciência Hoje, nº 223, p. 70.

Pilon-Smits, E. 2005. Phytoremediation. Ann. Rev. Plant Biol., 56: 15-39.

Cifonauta, um banco de imagens para a Biologia Marinha

Alvaro Esteves Migotto & Bruno C. Vellutini Centro de Biologia Marinha, Universidade de São Paulo, São Sebastião - SP

E-mail: [email protected]

Com o advento das tecnologias digitais e da internet, a comunicação por meio de imagens (vídeos e fotografias) ganhou uma nova dimensão na

vida de todos nós. Nossa capacidade de registrar imagens e a rapidez em compartilhá-las aumentaram de forma extraordinária quando comparado há duas

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8 Boletim da Associação Brasileira de Biologia Marinha vol. 4, n° 3, set/out/nov/dez 2011

décadas atrás. Com uma câmera digital, um computador (ambos relativamente baratos e acessíveis) e um pouco de criatividade temos à disposição recursos equivalentes aos de um estúdio

e laboratório fotográficos. As fotos de família, que antes preenchiam apenas alguns álbuns e que esmaeciam com o tempo, hoje são praticamente permanentes e ilimitadas. Embora frágeis e sujeitas

Figura 1. Imagem da página de abertura do sítio Cifonauta.

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9 Boletim da Associação Brasileira de Biologia Marinha vol. 4, n° 3, set/out/nov/dez 2011

a todo tipo de deterioração, as antigas fotografias em papel passadas de pai para filho podem sobreviver décadas ou mesmo séculos, enquanto que as imagens digitais que produzimos às centenas ou milhares muitas vezes acabam perdidas em nosso computador ou de fato se vão para sempre quando o disco rígido apresenta algum defeito. O desafio de hoje é gerenciar adequadamente nossos acervos, já que podemos lotar nosso computador com arquivos que dificilmente teremos tempo de ver ou menos ainda de compartilhar. A documentação científica, que obviamente não ficou de fora das tecnologias digitais de produção de imagens, se depara basicamente com as mesmas vantagens e problemas dessa nova era.

No nosso trabalho como biólogos marinhos no Centro de Biologia Marinha da USP (CEBIMar), em São Sebastião - SP, a obtenção de imagens não serve apenas para ilustrar artigos científicos ou aulas, mas também para um trabalho de divulgação e educação científica que estamos começando a desenvolver. O fato de trabalharmos num laboratório costeiro com condições excelentes para o estudo da biota marinha é uma grande vantagem quando se pretende documentar a fascinante diversidade desses organismos, representada por formas, tamanhos e cores dos mais variados. As disciplinas e cursos ministrados no CEBIMar são também uma fonte inesgotável de organismos para registrar em fotos e vídeos aspectos de sua morfologia e comportamento, desde os mais comuns até aqueles relativamente raros. Por fim, o trabalho de pesquisadores e especialistas em variados grupos taxonômicos que visitam o Centro contribui frequentemente com imagens ou mesmo com mais informações, ideias e materiais para serem documentados.

Figura 2. Exemplo de imagem do acervo Cifonauta. O ofiuroide Hemipholis elongata, oriundo de Ubatuba - SP, em imagem de janeiro de 2002.

Apesar da vasta quantidade de imagens gerada nessas ocasiões, apenas uma pequena parcela acaba sendo utilizada em atividades didáticas, publicada em periódicos especializados ou estampada em folhetos e outros materiais de divulgação. Milhares de imagens com ótimo potencial para a divulgação científica nunca seriam publicadas ou divulgadas de alguma forma. Com o intuito de aproveitar esse material concebemos o banco de imagens Cifonauta (Figura 1). É uma maneira que encontramos de compartilhar informações científicas por meio de imagens e de mostrar a beleza e diversidade da vida marinha. Nossa intenção é que ele seja utilizado como plataforma para divulgação científica na área e torne-se uma fonte confiável para professores e estudantes em geral e para todos aqueles interessados nos seres que habitam oceanos e mares.

Figura 3. Tintinnidium incertum, um ciliado tintinídeo com lórica aglutinante, coletado no canal de São Sebastião, São Sebastião - SP, em imagem de maio de 2008.

Figura 4. O acervo Cifonauta cresce continuamente. Esta imagem, do nudibrânquio Okenia evelinae, coletado em Ilhabela - SP, foi registrada em 14/12/2011.

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As imagens contêm inúmeras informações descritivas como classificação taxonômica, estágio de vida, tamanho, geolocalização, entre outras, além de evidenciar algum aspecto da biologia do organismo retratado no título e legenda (Figuras 2-7). Como muitas imagens foram produzidas em projetos de pesquisa cujos resultados foram posteriormente publicados em revistas científicas, as principais referências bibliográficas de cada uma são listadas. Todo o conteúdo pode ser navegado por meio dessas informações descritivas na forma de links ou pela interface de busca onde os resultados podem ser refinados de maneira interativa pela combinação de marcadores (por exemplo, para mostrar todas as larvas planctônicas retratadas com a técnica de microscopia de campo escuro, basta combinar os marcadores “larva”, “planctônico” e “campo escuro”).

Figura 5. Imagens de microrganismos também estão disponíveis no acervo Cifonauta. Nesta fotografia, dezenas de indivíduos do ciliado peritríquio Vorticella oceanica são vistos sobre uma diatomácea colonial do gênero Chaetoceros. Amostra registrada no canal de São Sebastião, São Sebastião - SP, em 14/02/2006.

Figura 6. Hidroide Ventromma halecioides, registrado na baía do Araçá, São Sebastião - SP, em agosto de 2004.

Figura 7. Imagem do acervo Cifonauta. O pterópode Creseis sp., oriundo do canal de São Sebastião, São Sebastião - SP, em registro de maio de 2005.

Outra maneira de explorar o conteúdo é

através dos tours temáticos que são seleções de imagens do próprio banco relacionadas a algum aspecto interessante da biologia marinha (Figura 8). Por exemplo, o tour das Larvas Marinhas mostra a diversidade de formas deste estágio de vida em diferentes organismos. O tour da baía do Araçá revela a diversidade e aspectos gerais dessa interessante planície de maré localizada no litoral Norte do Estado de São Paulo, que abriga resquícios de manguezal e alta biodiversidade, e que atualmente corre o risco de desaparecer para dar lugar a instalações do Porto de São Sebastião.

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Figura 8. Imagem da página de tours de navegação do sítio Cifonauta.

Talvez a principal diferença do Cifonauta para outros bancos é que cada organismo ou exemplar pode estar representado por várias fotos (Figura 9) mostrando ângulos e foco diferentes (e não apenas uma foto icônica de cada um). Isso possibilita uma melhor visualização do organismo e amplia a possibilidade do usuário encontrar a imagem que procura. Além das fotografias e vídeos de organismos vivos, o banco conta com registros feitos por meio de preparações especiais. Técnicas de

microscopia de luz, que possibilitam a visualização de estruturas internas, órgãos, tecidos e células, ou de microscopia eletrônica de varredura, que evidencia a topografia externa dos organismos, produzindo imagens detalhadas e com ampla profundidade de foco. O banco contém fotografias submarinas e em aquário, e também retrata os diferentes habitats marinhos.

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Figura 9. Três imagens de Vallicula multiformis, um ctenóforo bentônico coletado na ponta do Jarobá, São Sebastião - SP, em abril de 2004. As duas primeiras imagens são visões gerais do corpo, obtidas através de microscopia de campo escuro. A terceira imagem mostra detalhes dos coloblastos dos tentáculos do animal.

Atualmente, o banco conta com mais de

11.000 imagens baseadas numa plataforma de código aberto e com espaço para comentários e feedback. Todo o seu conteúdo está disponível sob uma licença de uso flexível que permite a reutilização do material para fins não-comerciais, desde que a fonte seja citada. A meta inicial do Cifonauta é hospedar as imagens produzidas por pesquisadores

e estudantes que desenvolvem ou desenvolveram projetos de pesquisa no CEBIMar, criando assim o acervo básico do sítio. No entanto, iremos gradativamente abrir a submissão de imagens para outros pesquisadores do Brasil (e do exterior) para tornar o banco mais completo e representativo (Figura 10), quando tivermos recursos para processar mais material.

Figura 10. O acervo Cifonauta também conta com diversas imagens do exterior, como a hidromedusa Cladonema sp., registrada em Shiharama, Wakayama, Japão, em agosto de 2006.

A criação do banco de imagens só foi possível

devido à colaboração de pesquisadores e estudantes e ao apoio do CEBIMar e do CNPq. O feedback dos usuários continua sendo fundamental, já que o Cifonauta encontra-se ainda em franco desenvolvimento. Constantemente novas imagens são inseridas no banco (Figura 4) e correções nos metadados são feitas sempre que algum erro é detectado por nós ou apontado por algum colaborador ou usuário. Além do mais, muitos aperfeiçoamentos estão também planejados visando a um desempenho cada vez melhor e uma navegação rápida e agradável. Comentários e sugestões sobre qualquer aspecto do banco (conteúdo, funcionalidades, desempenho etc.) são muito bem-vindos.

O endereço do sítio é http://cifonauta.cebimar.usp.br/ e o contato por e-mail é [email protected].

Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; Edital MCT/CNPq nº 42/2007 – Difusão e Popularização da C&T, processo nº 551951/2008-7.

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Projeto Sinal - Sistema Nacional de Informações sobre Água de Lastro

Portos do Espírito Santo

Karen Tereza Sampaio Larsen Pesquisadora titular, Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira

Arraial do Cabo - RJ Artigo publicado originalmente pelo periódico A Ressurgência em 2011

Diariamente, um grande número de vetores

relacionados às atividades humanas move milhares de organismos marinhos ao redor do mundo. Embora vários vetores tenham sido identificados como responsáveis pela transferência de organismos entre áreas marítimas geograficamente separadas, a descarga de água de lastro de navios é considerada como o vetor mais importante de movimentos, transoceânicos e intra-oceânicos, de organismos costeiros de águas rasas (IUCN, 2000). O potencial da descarga de água de lastro causar dano foi reconhecido não só pela Organização Marítima Internacional (IMO), mas também pela Organização Mundial de Saúde (WHO), preocupada a respeito do papel da água de lastro como um meio de dispersão de bactérias causadoras de doenças epidêmicas (ICS & INTERTANKO, 2000).

Em um estudo recente divulgado pela revista Nature, Barnosky et al. (2011) argumentam que cinco extinções em massa de espécies foram causadas por fenômenos naturais nos últimos 540 milhões de anos. Atualmente, as ameaças são fruto da ação humana: a redução dos habitats, a caça e pesca excessivas, a disseminação de germes e vírus, a introdução de espécies e as mudanças climáticas provocadas pela emissão de gases causadores do efeito estufa (Barnosky et al., 2011).

Introdução de espécies (estabelecimento de espécies além de sua área geográfica histórica de distribuição) é uma das principais forças responsáveis por mudanças ecológicas e evolutivas. Muitas espécies de bactérias, plantas e animais podem sobreviver em uma forma viável na água de lastro e no sedimento levado em navios, mesmo depois de viagens de várias semanas de duração. A descarga subsequente da água de lastro, ou sedimento, nas águas portuárias pode resultar no estabelecimento de colônias de espécies nocivas e patogênicas que podem perturbar seriamente o equilíbrio ecológico existente. Desde a introdução, no fim do século 19, de navios com casco de aço, as descargas de água de lastro aumentaram, consideravelmente, em todas as partes do mundo, a probabilidade de estabelecimento próspero de

populações de espécies não nativas autossustentáveis (Gollasch, 1997). O incremento no tamanho e na velocidade dos navios aumentou o risco de dispersão de novas espécies pelos mares, com maiores volumes de água de lastro e tempos de viagem mais curtos; isso significa que mais organismos podem sobreviver à jornada. A prevenção da introdução de espécies é a maneira mais econômica e mais eficiente de evitar o problema (Junqueira & Leal Neto, 2003).

Este Projeto foi desenvolvido em atendimento ao Termo de Compromisso entre o IEAPM e a DPC (Diretoria de Portos e Costas) para criação, manutenção e registro em banco de dados das informações sobre água de lastro obtidas no Formulário para Informações Relativas à Água Utilizada como Lastro (Anexo A, NORMAM-20/DPC).

O objetivo deste projeto é qualificar o risco de introdução e/ou reintrodução de espécies exóticas, em função da origem, frequência e volume da água deslastrada nos portos de Santos (SP), Paranaguá (PR), Rio Grande (RS) e portos do estado do Espírito Santo, visando minimizar a entrada e/ou transferência de espécies exóticas (invasoras) por esta via.

Este trabalho apresenta a análise realizada para os portos do Estado do Espírito Santo, como exemplo dos resultados obtidos com o Projeto SINAL.

Portos do Estado do Espírito Santo Apesar da existência de sete portos e/ou terminais no Estado (Vitória, CVRD Praia Mole, Norte Capixaba, Portocel, Praia Mole, Tubarão e Ponta Ubu; Figura 1), o IEAPM recebe poucos Formulários de Água de Lastro. A fim de aumentar a amostragem, foram reunidos todos os formulários recebidos durante o ano de 2009 dos portos do Estado do Espírito Santo (214 no total) para a realização das análises, embora enfocando o Estado como um todo e não apenas um porto específico.

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Figura 1. Imagens de portos do Estado do Espírito Santo. Topo: Porto de Tubarão (Agência T1, 2010). Base: Porto de Vitória (Vitória On Line, 2008).

Durante o ano de 2009, 6.258 navios

atracaram nos portos do Estado. De acordo com o documento “Anuários Estatísticos”, disponível no sítio da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), a diferença entre importação (16.774.229 milhões de toneladas) e exportação (115.253.569 milhões de toneladas) caracteriza os portos do Estado como importadores de água de lastro. A exceção é o terminal de Praia Mole, em Vitória, da Vale, que é especializado em operações de descarga de navios e o torna um porto exportador de água de lastro. Em 2009, neste porto, houve apenas importação num total de 8.899.856 milhões de toneladas.

Foram analisados 214 formulários, referentes às atracações nos portos do Estado no ano de 2009. Desse total, foram 57 formulários de navios que deslastraram (27%) e 157 de navios que não deslastraram nos portos (73%).

Um total de 57 formulários foi registrado no banco de dados para análise do volume e origem da água de lastro descarregada nos portos do Estado do Espírito Santo. Nestes 57 formulários constava que 434 tanques foram deslastrados, 229 com troca e 205 sem troca oceânica. O volume total

deslastrado nos portos do estado totalizou 1.023.587 m³, 53% com troca oceânica e 47% sem troca. Toda a água deslastrada nos portos do Estado, tanto com troca como sem a troca oceânica, estava em conformidade com a NORMAM 20 (Norma da Autoridade Marítima n. 20). Nos navios que fizeram a troca oceânica, 5,37% tiveram como origem águas costeiras brasileiras, ou seja, rotas de cabotagem; 94,63% tiveram o oceano Índico como origem (rotas internacionais). Nos navios que não fizeram a troca oceânica, quase todo o lastro (569.758 m³) foi proveniente de portos brasileiros (rotas de cabotagem). Apenas 1.669 m³ de lastro vieram de regiões oceânicas do Atlântico, sem necessidade de realizar a troca.

A Figura 2 mostra a origem da água deslastrada nos portos do Estado durante o ano de 2009. Nos navios que fizeram a troca, o local da troca foi considerado como origem. Pode-se observar que 100% do volume deslastrado estava em conformidade com a NORMAM 20. O volume de 598.709 m³ (58%) de água de lastro teve origem em águas brasileiras. Dos 42% de águas oceânicas, correspondendo a 428.878 m³, cerca de 28% foram originados do Atlântico e cerca de 14% do oceano Índico.

Figura 2. Origem da água descarregada nos portos do Estado do Espírito Santo, com e sem troca, considerando o local da troca como origem.

No que tange ao local de deslastro, os navios

informaram portos ou terminais de uso privativo - TUP’s (Vitória, Terminal Norte Capixaba, Ponta Ubu, Portocel e Tubarão), mas, informaram também locais como Espírito Santo, bacia do Espírito Santo e bacia de Vitória, sem declarar as coordenadas ou o nome do porto. Estes foram agrupados sob o nome “bacia do Espírito Santo” (Figura 3). Este é um erro de preenchimento nos formulários.

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Figura 3. Volume da água deslastrada por local relatado nos formulários.

A Figura 4 mostra a origem da água deslastrada nos portos do Estado, dos navios que não realizaram a troca oceânica. Todos os navios estavam em conformidade com a NORMAM 20, visto a água ter origem oceânica ou em portos brasileiros (rotas de cabotagem).

Figura 4. Porcentagem do volume do lastro descarregado de acordo com a origem, sem troca, nos portos do Estado durante o ano de 2009.

A Figura 5 exibe os locais declarados, nos

formulários, de troca de lastro. Percebe-se que 87% das trocas foram realizadas em ambiente oceânico. Os 7% trocados no oceano Índico foram de rotas internacionais. Treze por cento foram trocados em águas costeiras brasileiras. Todas as trocas foram realizadas em conformidade com a NORMAM 20.

Figura 5. Percentual de volume de lastro de acordo com locais de troca de lastro declarados nos Formulários dos portos do Espírito Santo durante o ano de 2009.

Foram 36 locais de origem primária da água que foi deslastrada no Estado. Destes, 13 são portos brasileiros, três portos no oceano Pacífico, três no mar do Caribe, dois no oceano Índico, um do Mediterrâneo, um porto do oceano Indo-Pacífico, um porto de água doce localizado perto do golfo do México (Cartagena, na Colômbia), dois locais oceânicos (Atlântico e mar do Caribe) e quatro locais na costa brasileira. Um dos portos do mar do Caribe declarado, Santa Lúcia, não possui indicação do país ao qual pertence. Poderia ser um porto em Cuba ou poderia ser o país Santa Lúcia, ambos no mar do Caribe. Este é também um erro de preenchimento nos formulários.

A Figura 6 mostra a origem da água deslastrada nos portos do Estado, durante o ano de 2009, dividida por oceanos e mares, e, água doce oriunda de portos localizados em rios (Manaus, Antuérpia e Nova Orleans). Percebe-se que a maior parte provém do oceano Atlântico, com 655.632 m³ correspondendo a 63%, seguida de 168.135 m³ (16%) vindos do oceano Pacífico. A água doce correspondeu ao volume de 104.210 m³ (10%).

Figura 6. Origem da água deslastrada nos portos do Estado e respectivos volumes, por oceanos e mares. Referências ciatadas Agência T1 2010. Menos carvão chegará ao porto de Tubarão.

Disponível em: <http://www.agenciat1.com. br/5231-menos-carvao-chegara-ao-porto-de-tubarao/>. Acesso

realizado em 28/12/2011. Barnosky, A.D.; Matzke, N.; Tomiya, S.; Wogan, G.O.U.; Swartz,

B.; Quental, T.B.; Marshall, C.; McGuire, J.L.; Lindsey, E.L.; Maguire, K.C.; Mersey, B. & Ferrer, E.A. 2011. Has the Earth's sixth mass extinction already arrived? Nature, 471: 51-57.

Gollasch, S. 1997. Removal of barriers to the effective implementation of ballast water control and management measures in developing countries. GEF/IMO/UNDP Report. 197 p.

ICS & INTERTANKO 2000. Model for a ballast water management plan. International Chamber of Shipping & International Association of Independent Tanker Owners. 2nd ed. 68 p.

IUCN 2000. Guidelines for the prevention of biodiversity loss caused by alien invasive species. Approved by the 51st Meeting of the International Union for the Conservation of Nature and Natural Resources Council, Gland. Disponível em: <http://www.iucn.org/themes/ssc/pubs/policy/invasiveseng.htm>. Acesso realizado em 28/12/2011.

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Junqueira, A.O.R. & Leal Neto, A.C. 2003. Avaliação de risco de água de lastro. In: IV Seminário Sobre Meio Ambiente - Sobena, 2003. Sobena, Rio de Janeiro, 1-7 p.

Vitória On Line 2008. Cooperação permitirá a recuperação do Porto e ampliação da avenida Beira-Mar. Disponível em: <http://legado.vitoria.es.gov.br/diario/2008/0624/

codesa.asp>. Acesso realizado em 28/12/2011.

NNOOTT ÍÍ CC II AASS && EEVVEENNTTOOSS PETRÓLEO I Omissão do governo em exploração de petróleo leva riscos a Abrolhos

Sem lei para evitar que a indústria petrolífera se aproxime perigosamente da reserva de Abrolhos, no litoral da Bahia, o Brasil tem hoje 13 blocos de extração de óleo localizados tão próximos do santuário de 9.000 baleias-jubarte que, em caso de acidente, não há segurança ambiental mínima para evitar um desastre ecológico.

Parque marinho de Abrolhos abriga corais e baleias-jubarte. Fonte: O Estado de São Paulo.

Com base em acidentes já registrados e

políticas adotadas em outros países, os pesquisadores dizem que a exploração de petróleo não deveria acontecer em um polígono de 92 mil quilômetros quadrados - área equivalente à de Portugal - ao redor do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, o local de maior biodiversidade do Atlântico Sul.

Essa é a área que, pelas características das correntes e a riqueza da flora e fauna da região oceânica, funcionaria como uma rede de proteção contra eventuais acidentes. Para se ter ideia de quanto vale a segurança ambiental dessa distância, o derramamento de óleo no golfo do México, no ano passado, afetou 229 mil quilômetros quadrados, uma área duas vezes e meia maior que o polígono sugerido para Abrolhos.

Os 13 blocos de exploração de petróleo que se localizam no interior do polígono de 92 mil quilômetros quadrados, a área considerada de segurança, são operados pelas empresas Petrobrás, Vipetro, Perenco Petróleo e Gás do Brasil Ltda., Cowan Petróleo e Gás S.A. e Sonangol Starfish Oil & Gas S.A. Esse polígono foi sugerido ao governo em estudo conduzido pela ONG Conservação Internacional em 2005.

Para estabelecer essa área, os técnicos da ONG utilizaram o método de dispersão da gota de óleo, também usado pelo governo da Nova Zelândia. Significa dizer que, se houver derramamento em qualquer ponto do polígono, o óleo atingirá Abrolhos. De lá pra cá, o plano foi absorvido pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) como um "excelente trabalho", mas nada foi feito de prático, além da promoção de discussões internas do governo. "Esse estudo é excelente", avaliou Cristiano Villardo, coordenador-geral de Petróleo e Gás do Ibama. "Seria interessante ter uma solução de longo prazo, se é tão importante assim proteger Abrolhos, como diz o governo", afirmou.

Paraíso ameaçado? Blocos de exploração de petróleo (em laranja) se encontram muito próximos a unidades de conservação. Reproduzido de Envolverde.

Medida tampão

O expediente de curto prazo foi adotar uma zona de 50 quilômetros ao redor do arquipélago, que

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fica excluída dos leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP), informou o próprio órgão regulador.

Novamente para comparar, o derramamento do poço Macondo, da British Petroleum, sujou de óleo 790 km da costa norteamericana há um ano e meio. "Mais de 20 mil famílias dependem de Abrolhos para sobrevivência, e a extração de recursos ali representa 10% da riqueza pesqueira do País", descreveu Guilherme Dutra, um dos autores do estudo da Conservação Internacional. "Não somos loucos de propor exclusão de áreas econômicas, mas simplesmente não dá para permitir exploração de petróleo e gás, certamente é um risco."

O Instituto Chico Mendes (ICMBIO), do governo federal, pretende brigar pela criação de novas áreas de proteção ambiental na região, segundo Rômulo Melo, que preside a instituição. "Há interesse do governo em preservar Abrolhos e temos conversado com as ONGs para ver onde a gente possa propor outras áreas de conservação."

Simulando um embate entre executivos e baleias, ativistas realizaram um protesto contra a empresa franco-britânica Perenco, no escritório da empresa no Rio de Janeiro, em 30/08/2011. Dedicada à exploração de petróleo e gás, a empresa se prepara para atuar em Abrolhos. Reproduzido de O Estado de São Paulo.

O Ministério do Meio Ambiente adotou, em

2006, uma portaria vedando a exploração de petróleo em área próxima à zona de exclusão proposta pela Conservação Internacional, segundo Villardo. O movimento ajudou a excluir mais de 200 blocos de uma licitação da ANP. Mas o instrumento foi derrubado pela Justiça no ano passado. A partir de então, as empresas retomaram a exploração.

O governo também optou por uma solução política. Em vez de definir uma zona de exclusão formal, de forma transparente, ficou decidido, por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética, que a ANP deveria consultar o Ibama antes das licitações. O problema é que o

instituto não tem lei para trabalhar e evitar que a exploração se aproxime de Abrolhos.

Confusão

A falta de regras levou até a estatal Petrobras a iniciar a exploração de áreas que podem representar riscos a Abrolhos. A empresa disse ao Estado que suas operações estão "de acordo com legislação vigente e dentro dos mais rigorosos padrões internacionais de segurança operacional, com absoluta preocupação com o meio ambiente". A disposição do governo de ampliar áreas de proteção, no entanto, representa um risco para a própria petroleira e seus acionistas.

Em comunicado enviado ao Estado, a Petrobras elencou medidas adotadas para prevenção de acidentes. Por exemplo: "Todas as unidades marítimas de perfuração (...) são equipadas com sistemas que podem prover o fechamento imediato e automático do poço, prevenindo seu descontrole." Outro exemplo: "A companhia, seguindo os mais modernos padrões internacionais, instalou dez Centros de Defesa Ambiental (CDAs) distribuídos no País." A Petrobrás foi a única empresa que respondeu aos questionamentos feitos pelo Estado. Fonte: O Estado de São Paulo.

PETRÓLEO II Apesar de apelo de cientistas, Senado aprova proposta sem definir valores para Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação

No último dia 19/10/2011, o Senado da República aprovou em votação simbólica o projeto de lei nº 448, referente à partilha dos royalties do petróleo.

Apesar da posição de alguns senadores e do apelo da SBPC e da ABC para que fossem contemplados investimentos específicos para a Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) na distribuição dos royalties do petróleo da camada de pré-sal, os senadores aprovaram na noite de 19/10/2011 o substitutivo do senador Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB) ao PLS 448/11. Ou seja, foi aprovada a proposta que não define percentuais para essas quatro áreas consideradas, pelos cientistas, estratégicas para assegurar o desenvolvimento do País.

A proposta, entretanto, obriga prefeitos e governadores a encaminhar, a cada ano, para apreciação do Poder Legislativo (municipal e estadual) os recursos em Saúde e Educação. Esse é

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um "conceito novo" adotado pelo senador em seu parecer.

A matéria, que segue para a Câmara dos Deputados e que pode ser votada imediatamente, foi altamente criticada por senadores do Rio de Janeiro e Espírito Santo, considerando que o projeto sinaliza perda de receita para seus Estados já no próximo ano. Foi criticada também por parlamentares como o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), Cristovam Buarque (PDT-DF), Marta Suplicy (PT-SP) e Aloysio Nunes (PSDB-SP) que apoiaram a posição de assegurar uma parcela dos recursos para Educação.

Na tarde antes da votação da proposta, o senador Suplicy leu em Plenário a carta da SBPC e ABC enviada aos parlamentares em que reitera a importância de ser contemplada uma parcela específica das riquezas extraídas do pré-sal para Educação e C,T&I, transmitindo o apelo da presidente da SBPC, Helena Nader, que, no momento, estava em Brasília. Em nome da SBPC, o senador advertiu a importância de se fomentar essas áreas para garantir desenvolvimento sustentável da economia brasileira no longo prazo e o futuro das próximas gerações.

Depois de mais de sete horas de intensos debates entre representantes de estados produtores e não produtores de petróleo, os senadores aprovaram, na noite de 19/10/2011, o substitutivo do senador Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB) ao PLS 448/11, que trata da divisão dos royalties e participação especial aos entes da federação. Fonte da imagem: Agência Senado.

"A SBPC e a ABC, ao lado de sociedades científicas das diferentes áreas do conhecimento, entendem que esse é um assunto de importância para o desenvolvimento de nosso País e por isso defendem a destinação de parte expressiva daqueles royalties e da participação especial para as áreas da educação e da ciência, tecnologia e inovação (C,T&I)", sublinha o documento.

Ao justificar a importância do direcionamento desses recursos para essas quatro áreas, o documento destaca que "o Brasil precisa suprir com

urgência as graves carências de seu sistema de ensino, especialmente na educação básica e no ensino técnico". Menciona que "investimentos em ciência, tecnologia e inovação são imprescindíveis para que a economia brasileira se torne moderna e sustentável, e sua produção, tanto industrial como agrícola, tenha competitividade nos mercados globais”. Destaca também que "as reservas de petróleo, mesmo que abundantes, são finitas".

Já o senador Cristovam Buarque voltou a defender o investimento dos recursos do pré-sal em ações que promovam o desenvolvimento do País em longo prazo, e não em despesas correntes. Para o senador, será um crime deixar que os royalties sejam aplicados em qualquer ação.

Para mobilizar a sociedade brasileira e a comunidade cientifica sobre tais necessidades, as duas entidades realizaram o abaixo-assinado em meados de setembro, o qual recebeu 27.049 assinaturas de um universo de pessoas de todas as regiões do País, dentre as quais cientistas, pesquisadores, acadêmicos e profissionais ligados à área de ciência e tecnologia. A petição pública será entregue a autoridades federais.

Fonte: Jornal da Ciência, com informações de Beatriz Bulhões, representante da SBPC no Congresso Nacional.

PETRÓLEO III O petróleo e o futuro do Brasil - carta conjunta da SBPC e da ABC

No último dia 19/10/2011, o Senado da

República aprovou em votação simbólica o projeto de lei nº 448, referente à partilha dos royalties do petróleo.

Foi uma decisão que vira as costas para o desenvolvimento do País e despreza nossas futuras gerações. Os senadores optaram pela distribuição de uma riqueza razoável (15% do valor do petróleo extraído) para o governo federal e para todos os estados e municípios brasileiros mediante critérios frágeis, sem objetivos definidos e sem compromissos com a sociedade.

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Para se ter uma ideia da falta de objetividade, o projeto de lei nº 448 estabelece que os royalties do petróleo poderão ser gastos com "educação, infraestrutura social e econômica, saúde, segurança, programas de erradicação da miséria e da pobreza, cultura, esporte, pesquisa, ciência e tecnologia, defesa civil, meio ambiente, em programas voltados para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e para o tratamento e reinserção social dos dependentes químicos".

Não se discute a importância de cada uma dessas áreas. O problema é a dispersão dos recursos, o que não vai resolver todos os problemas de qualquer das áreas contempladas, muito menos promoverá avanços sociais e/ou econômicos no Brasil como um todo.

A proposta que levamos ao Congresso Nacional é diferente. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) propõem que parte expressiva dos royalties do petróleo seja utilizada em áreas que promovam melhorias estruturais e sustentáveis na vida social e econômica do conjunto do País: Educação e Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I).

Há consenso em nossa sociedade de que o sistema de ensino brasileiro continua com carências que comprometem gravemente a formação de nossas crianças e jovens. Os royalties do petróleo poderiam ajudar a quitar esse déficit histórico.

Já C,T&I demandam investimentos mais expressivos do que os feitos hoje porque são a única porta para ingresso do Brasil na economia do conhecimento - a forma de produção que mais agrega valor aos produtos e serviços.

Não bastasse a instituição da distribuição descomprometida dos recursos, o projeto de lei nº 448 tem mais um agravante. Se levado adiante, teremos o fim da destinação de parte dos royalties do petróleo para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

A ironia - ou o cinismo - dessa história é que o pré-sal só pode ser descoberto, e somente poderá ser explorado, porque o Brasil, obviamente a Petrobras incluída, investiu em ciência, tecnologia e inovação na área de petróleo e gás.

Esquecem nossos políticos que as reservas de petróleo, mesmo que abundantes, são finitas.

O Brasil do subdesenvolvimento certamente agradece aos senadores que se mostraram interessados apenas em distribuir o dinheiro dos royalties, e não em como aplicá-lo na construção do futuro da nação.

Assim, como estamos empenhados em defender o Brasil e os brasileiros, reivindicamos que a Câmara se manifeste contrária ao projeto de lei

aprovado no Senado. Precisamos que sejam restabelecidas as expectativas de utilizarmos as nossas reservas de petróleo efetivamente para o desenvolvimento social e econômico do País.

Os royalties do petróleo demandam uma política de Estado, e não de governo.

Helena Nader, biomédica, é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professora titular da Unifesp.

Jacob Palis, matemático, é presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pesquisador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa).

PETRÓLEO IV Vazamento de petróleo na bacia de Campos provoca acidente de grandes proporções

As informações a seguir foram compiladas de Valor Econômico, O Globo, Folha de São Paulo e Época.

Chevron enfrenta vazamento no campo de Frade O primeiro vazamento de petróleo no alto-mar

do Brasil depois do acidente de Macondo, no golfo do México, foi protagonizado pela americana Chevron. A companhia passou a tarde tentando debelar o vazamento de meio barril de petróleo por hora na bacia de Campos, na área ao redor do campo de Frade. À noite, a Chevron calculava que 60 barris de óleo tinham chegado à superfície, sem detalhar os procedimentos que estavam sendo adotados para estancar o vazamento no fundo do mar. O poço fica a 370 quilômetros a nordeste da costa do Rio de Janeiro, em uma profundidade de 1.200 metros.

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Imagem do petróleo vazado na bacia de Campos. Fonte: Veja.

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) informou

que o acidente ocorreu na quarta-feira, 09/11/2011. Houve um descontrole da saída de gás (kick, no jargão técnico) durante o procedimento de injeção do fluido de perfuração.

O trabalho estava sendo feito por técnicos da plataforma semissubmersível Sedco706, da Transocean. O equipamento para prevenção de explosões (BOP, na sigla em inglês) funcionou, mas a manobra com o conjunto de válvulas para "matar" o poço parece ter ativado uma falha na estrutura geológica.

Segundo a Chevron, os detalhes do vazamento foram observados por um veículo submarino operado à distância (ROV), que identificou que o óleo é proveniente de uma falha na superfície do fundo do mar, próxima ao campo Frade. À noite, a empresa disse apenas que as investigações sobre as causas prosseguiam.

Magda Chambriard, diretora da ANP, informou que a Chevron espera cimentar o poço em 24 horas. Segundo a autoridade, a empresa acionou seu plano de emergência individual, que é obrigatório para se operar no Brasil.

Apesar do acidente ter acontecido quarta-feira, a companhia só informou sobre o problema em sua página na internet nos Estados Unidos. No Brasil, o primeiro alerta foi do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro), ainda na quarta. Ontem, 10/11/2011, só quem teve a informação e pediu detalhes recebeu uma nota curta durante todo o dia e que foi atualizada por volta das 20h.

O campo de Frade é o oitavo maior produtor do País individualmente. Em setembro ele produziu 74,768 mil barris de óleo e 899,35 mil metros cúbicos de gás. Na lista de 20 maiores produtores do país, apenas três campos não são operados pela Petrobras. Além de Frade estão na lista Ostra (Shell) e Peregrino (Statoil).

Fonte: Valor Econômico, em 11/11/2011.

Perfuração de poço provocou vazamento de óleo em Campos, diz ANP

A perfuração de um poço exploratório pela

Chevron provocou o vazamento de petróleo na área de Frade, na bacia de Campos, afirmou à Reuters o diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Florival Carvalho. Com base nisso, o órgão regulador concluiu que a melhor alternativa para o problema é o abandono dos trabalhos no poço por parte da Chevron.

Localização do acidente e área afetada pelo espalhamento do petróleo que vaza, delimitada pelas linhas sinuosas, segundo a ONG SkyTruth.

O local deverá ser cimentado, disse Carvalho. A ANP e a empresa avaliam a melhor forma de executar a cimentação do poço, que apesar de ser próximo não tem ligação com a estrutura de produção de petróleo da Chevron já em atividade em Frade, que registrou no ano passado média de produção de 50 mil barris diários de petróleo. Procurada, a Chevron não comentou imediatamente a informação sobre o abandono no poço exploratório. Em relação à causa da fissura, a empresa disse que as investigações continuam. A companhia já havia paralisado temporariamente os trabalhos no local, para investigar o problema. "O que foi detectado é que com a perfuração houve aumento de pressão em algum ponto e houve essa fissura na rocha que fez com que o óleo vazasse", disse o diretor da ANP. O vazamento de óleo continua, segundo ele, e um volume estimado em 700 barris de óleo forma uma mancha localizada a cerca de 200 quilômetros da costa do Rio de Janeiro. "A agência já autorizou a empresa a fazer o abandono do poço. Isso (cimentação) já está definido, estamos vendo qual a melhor forma de fazer", afirmou. O órgão regulador informou que divulgará nesta tarde uma nota oficial sobre as conclusões da agência. "O que manda a resolução é a solicitação, por parte da empresa, do abandono do poço e nós analisamos e autorizamos que nessas condições a melhor saída mesmo é fazer o abandono", disse. A Chevron já havia informado

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sobre a fissura nos últimos dias. "Exsudações de óleo que foram descobertas nas proximidades das operações de perfuração do campo Frade são a fonte da mancha de óleo na superfície. As investigações sobre as causas dessas exsudações e da mancha continuam", informou a empresa em sua última nota sobre o incidente, no domingo. Exsudação é a migração da substância, no caso o óleo, de um local para outro. No comunicado, a Chevron descarta que a atividade de produção de petróleo no campo esteja associada ao vazamento. Mas não menciona o mesmo para a atividade exploratória. "De acordo com inspeções feitas nas instalações do campo, as atividades de produção não estão relacionados com as exsudações e a mancha, e a produção do campo foi mantida". Fonte: O Globo/Reuters, em 14/11/2011.

Cronologia do vazamento de petróleo na bacia de Campos

Representação diagramática do acidente no campo de Frade, bacia de Campos (RJ). Fonte: Folha de São Paulo. 7/11: Início do vazamento. Neste dia, a Chevron detecta uma falha durante a perfuração. 8/11: Chevron recebe um telefonema da Petrobras informando que havia uma mancha de óleo próxima a uma plataforma da estatal no campo de Roncador. 9/11: À noite, a Chevron descobre o vazamento e avisa ao Ibama e à Agência Nacional do Petróleo (ANP) no dia seguinte.

10/11: Chevron estima volume da mancha em 60 barris, a 120 km da costa, e diz que a causa é desconhecida. 11/11: Mancha já atinge 60 km2, segundo dados preliminares do Ibama, que considera o acidente como de porte médio. 12/11: Chevron informa que mancha é formada por entre 404 e 650 barris de petróleo. 13/11: Petroleira americana diz que volume total do vazamento continua em até 650 barris e informa que uma frota de 17 navios de apoio trabalha na operação de controle da mancha. Segundo a empresa, neste dia, a fonte do vazamento é estancada. 14/11: Mancha de óleo dobra de tamanho e extensão, atingindo 163 km2, segundo a ANP. Já a Chevron volta a afirmar que o volume da mancha continua estimado entre 404 barris e pouco mais de 650 barris. Posteriormente, empresa diz que, neste dia, quando foi registrado o maior tamanho da mancha, tinham vazado 882 barris. A ANP, porém, estima que o vazamento seja de 200 a 300 barris por dia.

Fotografia do vazamento de óleo por fenda no fundo do mar da área do Frade, explorada pela Chevron, na bacia de Campos. A imagem foi gerada por veículo operado remotamente pela Chevron. 15/11: Segundo a Chevron, petróleo que vaza de rochas no fundo do mar apresenta "significativa redução". Empresa diz estar avançando no selamento do poço. O volume da mancha ainda é estimado em 650 barris pela companhia americana. 16/11: Polícia Federal (PF) anuncia a instauração de inquérito para apurar o acidente. Segundo o delegado Fábio Scliar, a Chevron estaria "omitindo informações" e "o acidente parece ser mais grave". Ainda segundo ele, a rachadura no solo de onde o óleo vaza tem extensão de 280 metros a 300 metros. Petroleira mantém informação de que volume vazado

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desde o início do acidente é de 400 a 650 barris. Para a ANP, o volume é de mil barris. Agência diz que fechamento do poço começou às 12h30m deste dia e que seria concluído em 20 horas, enquanto Chevron dissera que o fechamento começara no dia 13. Delegado diz que equipe só viu um barco dando apoio à operação, já a Chevron dissera, também no dia 13, que havia 17 embarcações. 17/11: Para a Chevron, volume da mancha na superfície cai para 65 barris. Já o geólogo John Amos, da ONG SkyTruth, estima que entre 9 e 12 de novembro tenham vazado 3.738 barris por dia, totalizando ao menos 15 mil barris no oceano. A ANP, por outra parte, diz que derramamento seria de 3,3 mil barris desde o dia 7. Chevron informa que operação de cimentação do poço continua. 18/11: O delegado da PF, Fábio Scliar, investiga denúncia de que Chevron teria trazido funcionários estrangeiros sem autorização para trabalhar em suas plataformas de petróleo. Presidente da petroleira no Brasil, George Buck, dá a primeira entrevista coletiva sobre o acidente e diz que, desde o dia 13, a fonte do vazamento de petróleo foi interrompida. Para isso, foi injetada lama pesada. Segundo Buck, o óleo que continua a vazar é residual e é impossível calcular o volume que vazou porque uma parte evapora ou se degrada e a outra é dispersada pelas correntes marinhas. Para Buck, volume de óleo ainda existente no local é de apenas 18 barris. Já ANP, Ibama e Marinha informam que, em sete dias, de 1.400 barris a 2.310 barris vazaram no campo de Frade. A Chevron insiste no vazamento de 650 barris. A extensão da mancha cai para 18 km e área, para 11,8 km2. 19/11: PF decide indiciar Chevron por outro crime ambiental: afundar óleo no mar. Empresa nega o uso de dispersantes ou de areia para este fim e informa que seus barcos teriam recolhido 250 metros de água oleosa.

O presidente da Chevron Brasil Petróleo, George Buck, pediu desculpas ao povo brasileiro pelo vaza-mento de óleo provocado pela empresa. O pedido foi feito em audiência pública na comissão de Meio Ambiente na Câmara dos Deputados. Fonte: revista Época.

20/11: Presidente da Chevron Brasil reconhece que o equivalente a entre dez e cem barris continua

vazando das fissuras, mas que isso é residual. Dois dias antes, Buck dissera que o vazamento estava limitado ao equivalente a 18 barris. Empresa informa que, desde o dia 9, foram recolhidos cerca de 385 m3 de óleo. Em entrevista a agências internacionais, Buck diz que a Chevron "assume total responsabilidade pelo acidente" e que "qualquer óleo na superfície do oceano é inaceitável". 21/11: Multas cobradas por Ibama, ANP e governo do Estado do Rio podem chegar a R$ 260 milhões. Segundo ANP, petrolífera mentiu, ocultando informações e imagens sobre o vazamento. Ainda de acordo com a agência, uma média de 330 barris vazou por mais de uma semana. Buck reafirma que óleo que ainda vaza é residual. Executivo informa que vazaram cerca de 2.400 barris de petróleo e que, neste dia, vazaram apenas dez. Empresa volta a assumir responsabilidade pelo acidente e seu presidente no Brasil admite que pode ter havido falhas da exploração. Fonte: O Globo.

Chevron ignorou falha geológica na bacia de Campos

Diretora da ANP afirma que "desenho do

poço" apresentado pela empresa não informava sobre essa característica do solo, o que pode ter causado acidente.

Barcos montam barragem contra vazamento de óleo da Chevron, no Rio de Janeiro; Fonte: Chevron/Reuters.

A Chevron desconsiderou uma falha geológica que pode ter sido o principal problema para o vazamento ocorrido na bacia de Campos, no campo do Frade. A diretora da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Magda Chambriand, disse à agência Reuters nesta quinta-feira que o projeto do poço no campo de Frade apresentado à agência, pela empresa, não mostrava a falha. Segundo Magda, o desenho do poço que chegou às mãos da ANP antes da

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perfuração, com detalhes técnicos da operação, poderia ter sido bem-sucedido, não fosse uma falha não relatada no documento.

“Esse desenho do poço teria funcionado perfeitamente não fosse uma falha que estava ali que não estava no projeto do poço. Por que essa falha não estava ali no desenho? A sísmica mostrava ou não? Por que a análise de risco não comportou isso? Estamos investigando”, disse a diretora, respondendo sobre o quanto a agência conhecia das condições de pressão no reservatório que a Chevron estava perfurando.

Por ser responsável pela fiscalização da atividade no Brasil, a ANP não deixa de ter responsabilidade no episódio. A Chevron, pelo plano apresentado, recebeu aval da agência. “O desenho do poço passou pela ANP. O desenho do poço é possível tecnicamente, do jeito que nos foi apresentado. Estamos investigando o que aconteceu ali”, afirmou Magda.

O relatório da investigação da Polícia Federal sobre o vazamento em um poço perfurado pela Chevron, na bacia de Campos, afirma que “ganância” e “irresponsabilidade” por parte das empresas causaram o acidente ambiental. O delegado Fábio Scliar, que conduziu o trabalho, concluiu que a empresa agiu de forma “leviana” ao operar com uma margem de pressão que, sabidamente, segundo ele, oferecia riscos acima dos aceitáveis para uma atividade que, por sua complexidade, já oferece perigos ao meio ambiente e à sociedade. Para a PF, o poço não poderia ter sido perfurado.

Scliar indiciou 17 pessoas pelo vazamento, entre eles o presidente da Chevron, George Raymond Buck, e funcionários da empresa e da Transocean. No documento, a PF conclui que a Chevron sabia do risco que corria ao operar nos níveis de pressão em que estava operando. Segundo a PF, a pressão de 9,4 libras por galão que a empresa esperava encontrar no local foi equilibrada por outra oposta de 9,5 libras por galão de lama (material usado para equilibrar a pressão). A diferença de 0,1 libra por galão é criticada no relatório da PF, que informa que a média usada em perfurações anteriores fora de 0,4 a 0,6 libras por galão. A empresa já havia perfurado 19 poços naquela região – o que elimina, de acordo com a PF, a possiblidade de a Chevron ser surpreendida pelas condições de pressão e de resistência da rocha no campo do Frade.

Fonte: Veja, em 22/12/2011.

Estudo realiza mapeamento digital de áreas de mangue no litoral fluminense Matéria publicada pelo jornalista Vincius Zepeda para o

Boletim da FAPERJ em 15/09/2011.

Áreas de manguezal são de enorme valor

ecológico. Ali se alimentam e se reproduzem, durante o ano todo, mamíferos, aves, peixes, moluscos e crustáceos que servem de alimento para os homens. Sua degradação serve de indicativo de mudanças climáticas que possam estar afetando o litoral e da variação do nível do mar, além de ameaçar a sobrevivência das espécies animais e vegetais lá existentes. Para evitar a extinção dessas áreas e formular ações que sirvam para sua recuperação, um projeto coordenado pelo engenheiro cartográfico e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Gilberto Pessanha Ribeiro, vem recorrendo a técnicas de mapeamento digital, imagens de satélites e fotografias aéreas para fazer um levantamento do que resta de mangue no litoral fluminense. O estudo conta com apoio do edital Prioridade Rio, da FAPERJ.

Segundo o mapeamento, a região da foz do rio Paraíba do Sul (São João da Barra - RJ) é a que apresenta maior grau de preservação. Fonte: FAPERJ (divulgação).

Até o momento, já foram mapeados, em

imagens de satélite Landsat, remanescentes da vegetação de mangue no norte fluminense, na Região dos Lagos e na região metropolitana do Rio de Janeiro. "No norte do Estado, foram identificados remanescentes em São Francisco do Itabapoana, onde corre o rio Itabapoana, na região de Atafona, distrito de São João da Barra, por onde flui o rio Paraíba do Sul, além das lagoas de Grussaí, Iquipari, Açu e Feia", afirma. Na Região dos Lagos, há remanescentes no rio Macaé, das Ostras e São João. "Já no município de São Gonçalo, região

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metropolitana do Rio, a vegetação foi mapeada no litoral, na baía de Guanabara e foz do rio Guaxindiba", acrescenta.

O projeto agora está realizando trabalhos de campo para confrontar imagens do satélite com a realidade local. "Identificamos a foz dos rios Guaxindiba, Macaé, das Ostras e São João como as mais degradadas ambientalmente. A explosão imobiliária dos últimos anos nessas áreas é o principal fator para a degradação acelerada que vem ocorrendo", explica Ribeiro. "Em São Gonçalo, pudemos observar que 18% de vegetação foram subtraídos nos últimos anos. No litoral da Região dos Lagos, essa perda foi ainda maior, com menos 32% de vegetação de mangue na foz de importantes rios do estado", completa.

Na praia de Atafona (São João da Barra - RJ), vários fatores contribuem para acelerar o processo de erosão marinha, como o El Niño e o aquecimento global. Fonte: FAPERJ (divulgação).

Até agora, o estudo identificou a parte norte da

foz do rio Paraíba do Sul – ou seja, o ponto onde o rio encontra o mar – como a que apresentou o maior grau de preservação. Entretanto, Ribeiro adverte que isso parece ser por pouco tempo, já que a execução de grandes obras de engenharia para a implantação do Complexo Portuário do Açu, no município de São João da Barra e onde ficam as praias de Atafona e Grussaí, ameaça a preservação e biodiversidade desses ambientes. Atualmente, 30% da área do município pertencem a investidores particulares, nacionais e estrangeiros, que estão projetando pólos populacionais e uma nova cidade. A expectativa é de que a população local passe dos 30 mil habitantes atuais a 120 mil em apenas cinco anos. São perspectivas de crescimento muito rápido e em muito pouco tempo. "Apesar desses empreendimentos favorecerem o crescimento econômico da região, ele também provoca um rápido e forte impacto no ambiente costeiro e sobre as populações que nele habitam", explica Ribeiro. "Desta forma, é essencial

nosso trabalho de mapear a ocupação humana nas planícies dessa região, uma vez que se trata de solo predominantemente instável, arenoso, pouco adequado para a agricultura e para construção civil", complementa.

Gilberto Ribeiro ainda participa de outra pesquisa, iniciada em 2004 e 2005 por equipe de pesquisadores da UFF, que vem mapeando os processos de erosão marinha na praia de Atafona e o engordamento da praia de Grussaí. A cada dois meses, ele e um grupo de professores e alunos da UFF e da Uerj têm visitado a região e analisado o local, por meio de coleta de material e entrevistas com moradores, para analisar as principais causas da erosão marinha, que vem destruindo casas e ameaçando a sobrevivência dos pescadores que habitam aquela praia. "Aquecimento global, o fenômeno El Niño, a força do vento nordeste, a diminuição da vazão das águas do rio Paraíba do Sul e, claro, a ação do homem que tem alterado o cenário local, estão entre as principais razões para o fenômeno", afirma Ribeiro. E continua: "Nosso objetivo é estimar a velocidade e a intensidade dessa erosão nos próximos anos para buscarmos formas de minimizar ou mesmo solucionar seus efeitos."

Ribeiro lembra que a destruição das áreas de mangues prejudica ainda a sobrevivência das populações que dependem do extrativismo de espécies típicas da vegetação aquática local. "No lado sul da foz do rio Paraíba do Sul, por exemplo, mulheres de pescadores há anos realizam uma exploração sustentável de certas plantas, como a taboa, para usar como matéria-prima para redes, bolsas, sandálias e enfeites", exemplifica Ribeiro. Ele ainda destaca a necessidade de elaboração de uma maior interação do governo do Estado do Rio de Janeiro com as prefeituras municipais da região para o desenvolvimento de iniciativas que busquem aliar políticas públicas com mapeamentos técnicos competentes. "Aspectos sobre condicionantes oceanográficos, atmosféricos, astronômicos e meteorológicos devem ser priorizados e registrados em bancos de dados espaciais, permitindo a geração de séries históricas de dados físicos, medidos em determinado campo", afirma. Outro caminho é o que vem sendo realizado em São João da Barra, onde se vem buscando ampliar o número de estações terrestres de medição, no âmbito da Defesa Civil municipal. "É uma forma de se antecipar e gerir melhor, e com apoio técnico competente, situações de crises ambientais", conclui.

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Brasil reivindica extensão maior da Amazônia Azul

Um território pouco explorado, com a mesma extensão de área da Amazônia Legal, rico em biodiversidade e recursos naturais. Um mundo submarino com vastas reservas de ouro, diamante, fosfatos, cobalto, entre outras riquezas repousam nesse local. É a Amazônia Azul, assim batizada pela Marinha Brasileira, e que inclui o mar territorial e a Zona Econômica Exclusiva da plataforma continental jurídica brasileira, somando 200 milhas a partir da costa. São 3,5 milhões de quilômetros quadrados, aos quais o Brasil quer somar mais 960 mil quilômetros quadrados de área em águas internacionais, que seriam extensão da plataforma continental brasileira.

Para isso, o País pediu em 2004 a extensão de seus direitos econômicos sobre essa área, de acordo com a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar. Do total pleiteado, 190 mil quilômetros quadrados não foram concedidos pela ONU, que alegou inconsistências no pedido brasileiro. O Brasil agora realiza novos estudos para reapresentar o pleito e conseguir a totalidade da área junto às Nações Unidas.

A Amazônia Azul em expansão. Fonte: blogue Geopolítica do Petróleo.

O que esconde o subsolo marinho da

Amazônia Azul? Começando pelo básico, areia e cascalho para construção civil e reconstrução de praias. Depois, matéria-prima para insumos agrícolas, como carbonatos, fosforitas e sais de potássio. "O potencial nessa área é grande e o Brasil importa 90% dos fertilizantes usados na agricultura", destaca Kaiser de Souza, chefe da divisão de geologia marinha do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Também há possibilidade de se explorar ouro e diamante na foz de rios que cruzam

províncias auríferas e diamantíferas. "Especialmente na foz do Jequitinhonha, na Bahia, e do rio Gurupi, entre o Maranhão e o Pará."

Outra riqueza potencial da Amazônia Azul são as crostas cobaltíferas, ricas em minerais metálicos, como cobalto, manganês, níquel, cobre e terras raras. "A China, que controla o mercado mundial de terras raras, hoje pesquisa sua plataforma continental e também áreas internacionais do Atlântico Sul", diz Kaiser. O mapa também aponta reservas de sulfetos polimetálicos, ricos em zinco, ouro e platina, associados à Cordilheira Meso-Oceânica, no Atlântico Sul. "Há ainda petróleo e minerais fósseis, como o carvão no litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina", afirma Kaiser. "Ou dos hidratos de gás, que são bolsões de gás natural congelados sob a pressão do subsolo, presentes no litoral da Amazônia e do Rio Grande do Sul."

Nódulos polimetáli-cos estão entre as riquezas minerais de águas profundas. Na imagem, nódulos polimetálicos em águas ao sul da Nova Zelândia. Fon-te: Encyclopedia of New Zealand.

O Brasil não deve esperar um desfecho para

seu pedido de extensão dos direitos de exploração marinha para começar sua jornada na Amazônia Azul. Segundo Kaiser, o Brasil está atrasado na corrida internacional pela mineração submarina. "China, Japão, Coreia do Sul, Índia, França, Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido estão desenvolvendo tecnologia para isso. A Austrália explora sulfetos polimetálicos a 1,6 mil metros de profundidade."

Para acelerar o ritmo, é necessário intensificar as pesquisas iniciadas na última década e investir em tecnologia, bem como criar um marco regulatório adequado para a exploração mineral submarina. "É preciso que tudo isso aconteça simultaneamente", diz Kaiser. Ele lembra que o Brasil começou a pesquisar a tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas há quase quatro décadas e hoje é líder nessa área. "Naquela época, a exploração não era comercialmente viável, exatamente como as reservas minerais da Amazônia Azul, hoje."

Enquanto o governo não avança na regulamentação da exploração na Amazônia Azul, algumas empresas dão os primeiros passos nessa área, explorando algas calcárias incrustantes como Lithotamnium e afins para uso na agricultura e pecuária. É o caso da Dragamar, criada em 2006, para explorar reservas desse material na região de

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Tutóia, no litoral do Maranhão. No fim de 2010, o Ibama liberou uma licença para a exploração de 500 toneladas do produto por mês. Paulo Wetzel, diretor da empresa, considera o volume pouco atraente do ponto de vista comercial e diz que a empresa entrou com um pedido de aumento nesse limite.

A utilização de bancos de algas calcárias, como Lithothamnion proliferum, é uma reivindicação de empresas e está envolvida na discussão sobre a Amazônia Azul. Ambientalistas e pesquisadores apontam a possibilidade de grandes danos ambientais associados à utilização desses recursos biológicos. Fonte da imagem: Algaebase.

Enquanto aguarda a ampliação do limite, a

Dragamar investiu de R$ 15 milhões em uma planta industrial na região para processar o material in natura retirado da jazida de Tutóia. "O mercado potencial para o Litothamnium é muito promissor", diz Wetzel. "Estudos realizados por nós, ao longo dos últimos quatro anos, demonstram ganhos expressivos de produtividade tanto na agricultura, como na pecuária, confirmando as enormes vantagens do material, difundido na Europa há séculos. Sendo assim, o mercado exterior também se mostra muito atrativo, principalmente em função da larga utilização que o produto já experimenta nos mercado europeu, asiático e americano." Outra pioneira da mineração na Amazônia Azul é a TWB Mineração. A empresa, que realiza pesquisas na área há duas décadas, vinha prospectando algas calcárias na região entre o arquipélago de Trindade e o Espírito Santo. Segundo o gerente-executivo da empresa, Luiz Eduardo Anchieta da Silva, trata-se de uma outra variedade de Lithotamniun, mais leve e rica em minerais do que as espécies similares encontradas perto do litoral. "Nossas pesquisas apontam excelentes resultados do produto na fruticultura, na soja e especialmente na cana-de-açúcar." Apesar do resultado promissor, a TWB amargou um revés. A empresa teve seus alvarás

cassados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DPNM), porque o governo considerou que a atividade estava sendo em áreas internacionais. Fonte: Valor Econômico.

CÓDIGO FLORESTAL I

A discussão do projeto do novo Código Florestal é um dos assuntos mais importantes da agenda política brasileira em 2011. Fonte da imagem: blogue Ambientalismo.

Estudo mostra evolução das florestas de 11 países

Após quase um mês de adiamentos e um dia inteiro de negociações e discursos inflamados, a Câmara dos Deputados aprovou na noite de 24/05/2011 por 410 votos a favor, 63 contra e uma abstenção o polêmico projeto.

A ideia de que só o Brasil protege suas florestas e que os outros países acabaram com elas para se desenvolver, argumento forte da bancada ruralista ao propor mudanças no Código Florestal, está em xeque em um estudo divulgado ontem pelo Greenpeace.

A Suécia tinha 56% de cobertura florestal em 1950 e hoje tem 69%. A China tinha entre 5% a 9% de florestas originais e plantadas há 60 anos, e hoje, com o intenso esforço de reflorestar, aumentou o percentual para 22%. O dado polonês era 24%, hoje é 30%. O trabalho faz uma comparação do que aconteceu e o que acontece com as florestas de onze nações.

O estudo foi assinado por dois importantes institutos de pesquisa em floresta, o brasileiro Imazon e o britânico Proforest, ligado à Universidade de Oxford. Um dos objetivos era investigar "o quanto de verdade existe por trás de uma antiga crença - a de que o Código Florestal, como a jabuticaba, é só nosso", diz o prólogo do estudo. A intenção era descobrir qual a trajetória das florestas de cada país, qual o marco legal em relação ao desmatamento e quais os incentivos para quem quer reflorestar.

Alguns países foram escolhidos porque são potências econômicas e também pelo tamanho do

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território, como China e Estados Unidos. A China, além do fato de ser a principal potência emergente contemporânea e ter desmatado muito até recentemente, está em curva ascendente sob o ponto de vista de cobrir de verde suas terras. Os EUA não poderiam faltar: o país desmatou apenas 1% em 100 anos, mas "é o que mais produz grãos no mundo", lembra Paulo Adario, diretor da campanha Amazônia do Greenpeace. Também estão no estudo Alemanha, França, Japão, Índia, Indonésia, Holanda, Polônia, Suécia e Reino Unido.

Segundo ambientalistas, a Suécia é um exemplo a ser seguido: nas últimas seis décadas, o país escandinavo aumentou a cobertura florestal em seu território de 56% para 69%. Fonte da imagem: Painel Florestal.

Em 1948, segundo dados da Organização das

Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil tinha mais de 90% de seu território coberto, diz Adalberto Veríssimo, pesquisador sênior do Imazon e coordenador do estudo. Hoje, este percentual está em 56%. "Proporcionalmente, o Brasil tem menos floresta que Japão e Suécia", diz ele. O caso japonês é surpreendente: país pequeno e populoso, tem 69% de cobertura vegetal.

Segundo a FAO, o Brasil continua desmatando a uma taxa de 0,6% ao ano. "Se continuar assim, em 10 anos teremos perdido algo perto de 12 vezes o Estado do Rio de Janeiro", diz Veríssimo.

O estudo mostra que a trajetória florestal dos países começa muito alta e depois há um decréscimo bastante relacionado à expansão da agricultura, diz Adario. Com a percepção de que o desmatamento prejudica a própria produção agrícola, ocorre pressão da sociedade e a curva muda de direção. Entre os 11 países analisados, apenas a Indonésia prossegue desmatando. "O Brasil não estabilizou o desmatamento, continua caminhando ladeira abaixo", diz ele. "Temos que discutir exatamente isso: o Brasil quer ser moderno e manter floresta ou o quê?"

"O estudo é uma contribuição ao debate", diz Adario. "Mas o debate esteve marcado por premissas falsas, que, de tanto repetidas, viraram verdadeiras." Uma delas é que o marco legal brasileiro amarra os proprietários, a agricultura nacional e que o País é único no mundo a proceder assim, diz. "O trabalho do Imazon-Proforest demonstra que isso não é verdade."

Ele lembra que, na França, a conversão de florestas em terras particulares tem de ser justificada, e só pode ocorrer em áreas de até quatro hectares. Na Índia, onde quase todas as áreas florestais são estatais, uma decisão do governo central não pode ser revertida pelos Estados. O Código Florestal japonês não permite a conversão de florestas estatais ou privadas, exceto em casos muito específicos e raros. No Reino Unido, derrubar floresta para a agricultura não é permitido. A lei florestal chinesa, no geral, impede que florestas sejam suprimidas para dar lugar à mineração ou projetos de infraestrutura.

Fonte: Valor Econômico.

CÓDIGO FLORESTAL II Reserva legal não é exclusividade da lei brasileira, mostra estudo

Um dos principais argumentos de setores agrícolas e da bancada ruralista do Congresso Nacional para defender mudanças no Código Florestal Brasileiro, as reservas legais não são de exclusividade das propriedade privadas no Brasil. De acordo com estudo feito pela professora de direito ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Ana Maria de Oliveira Nusdeo, em outros países ou estados, sobretudo os que têm vegetação e clima semelhantes aos do Brasil, a legislação também exige a preservação de uma porcentagem da área e, na maioria das vezes, com determinações mais rigorosas que as do Brasil, por não autorizar brechas para novos desmates.

Ana Maria de Oliveira Nusdeo, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, realizou estudo que demonstrou que diversos países estabelecem reservas legais em áreas florestais (Fonte da imagem: CV Lattes/CNPq).

A condição de reserva legal, no caso

brasileiro, se define por uma área localizada em propriedade rural, necessária à conservação de fauna e flora nativas. É um dos principais

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mecanismos de preservação previstos no Código Florestal brasileiro – outro são as áreas de preservação permanente (APP), perto das margens de rios e encostas de morros.

Ana Maria explica que, no Brasil, o produtor que respeita a reserva legal e as APPs obtém direito à supressão, ou seja, tem carta branca para desmatar outras áreas da propriedade. Ela lembra que apenas na Mata Atlântica isso não é possível por existir leis que impedem novos desmatamentos no bioma.

O uso de áreas no entorno de rios é um dos pontos mais polêmicos do projeto. Fonte da Imagem: Veja.

"Descobriu-se que no Paraguai, por exemplo, uma porcentagem deve ser preservada em cada propriedade rural, independente de sua área. Mais comum do que ter uma área já preservada é ter um zoneamento que determina qual é a área que, obrigatoriamente, deve ser preservada. As pessoas não têm mais o direito de fazer novos desmatamentos, diferente do Brasil", pontuou a pesquisadora.

No caso da legislação paraguaia, a parte preservada é de 25% do total da área, independentemente da região do país. Já nas determinações que referem-se à proibição relativa de desmatamento para uso alternativo do solo, no estado de New South Wales, na Austrália, por exemplo, se exige um plano de supressão da vegetação indicando a área que ficará preservada, com índices normalmente superiores a 20% do tamanho total da propriedade.

No estado da Califórnia, nos Estados Unidos, para se obter uma autorização de novos desmates, deve-se demonstrar que o propósito é de interesse público. Nesses casos, a obtenção de autorização de desmate será anulada caso as áreas sejam consideradas inadequadas.

No Brasil, a atual legislação obriga que a área de vegetação que deve ser poupada do corte raso em propriedades rurais seja de 80% na Amazônia, 35% no cerrado amazônico e 20% no restante do país. Entretanto, apesar de manter os mesmos índices de proteção, a proposta de um novo código

florestal brasileiro contém itens que podem causar dúvidas na sua interpretação, como exemplo, a possibilidade de incluir no cômputo da reserva legal as áreas de preservação permanente (APPs), o que, no código atual, é proibido.

Ana Maria Nusdeo constata que a tendência de todas as legislações nos países e estados que foram pesquisados é de que a caminhada se direciona a um sentido de aumento da proteção ambiental, pois os países começaram a assumir obrigações internacionais e adquiriram conscientização sobre o meio ambiente.

Segundo ela, caso o Brasil tome um rumo oposto ao da maioria dos países, haverá uma profunda insegurança jurídica quanto à inconstitucionalidade da mudança da legislação. "As demais legislações tendem a restringir progressivamente as possibilidades de conversão de novas áreas de exploração econômica. Exatamente o contrário do que o Brasil vem propondo (no atual debate de revisão do Código Florestal)", finaliza a advogada.

Na Amazônia, 80% da propriedade rural deve ser reserva legal; produtores raramente respeitam a legislação. Fonte da imagem: Ministério do Meio Ambiente. Polêmicas e embates

A polêmica sobre as mudanças do Código Florestal Brasileiro começaram desde que foram propostas. A pressão dos ruralistas é pela revisão da Lei 4.771 de 1965, que define regras para preservação ambiental no país em propriedades rurais e áreas urbanas (embora o debate sobre as cidades tenha ficado de lado). Pela legislação em vigor, parcelas das propriedades rurais precisam permanecer livres de desmatamento.

Os ruralistas defendem a redução das áreas de preservação permanente (APPs), um dos principais mecanismos de controle de desmatamento. Perto de margens de rios, topos de morro e encostas, a vegetação original precisa ser mantida para evitar acelerar a erosão e desbarrancamentos, entre outros problemas

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ambientais. Eles criticam também outro instrumento do código, as reservas legais – parcela da mata nativa que precisa obrigatoriamente ser preservada dentro das propriedades rurais.

No discurso em defesa da revisão, há argumentos relacionados à necessidade de mais terra para produção de alimentos, e a posição do Brasil como grande exportador de commodities – matérias-primas de origem agrícola e mineral cotadas em mercados internacionais, como açúcar, soja etc.

A pressa ruralista decorre de um decreto assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e adiado por quatro vezes, que prevê multas e restrições a crédito no Banco do Brasil a agricultores que descumprirem a legislação em vigor.

Ambientalistas enxergam na investida uma forma de aumentar o desmatamento. Estudos da comunidade científica sustentam a visão e sugerem mais calma ao debate, para que se evitem equívocos que provoquem devastação irreversível.

Fonte: Rede Brasil Atual.

CÓDIGO FLORESTAL III Novo Código Florestal é aprovado no Senado e volta à Câmara dos Deputados

Imagem: CI Florestas

Depois de mais de seis horas de debate, o

Plenário aprovou o novo Código Florestal (PLC 30/2011), na forma de substitutivo dos senadores Luiz Henrique (PMDB-SC) e Jorge Viana (PT-AC) para o texto do então deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), hoje ministro do Esporte. O texto, que traça os limites entre a preservação de vegetação nativa e as diversas atividades econômicas, tanto no campo quanto nas cidades, volta agora à Câmara dos Deputados, que deve deliberar sobre a matéria até o fim do ano.

O texto-base de Luiz Henrique e Jorge Viana foi aprovado em primeiro turno com 59 votos a favor e sete contrários. Em turno suplementar, de um total de 78 emendas, Jorge Viana acolheu 26, a maioria referente a mudanças de redação. As demais foram rejeitadas em bloco. Quatro destaques, votados separadamente, também foram rejeitados.

Os senadores Luiz Henrique da Silveira (PMDB - SC), à esquerda, e Jorge Viana (PT - AC), de pé, ao centro, foram os relatores do projeto nas câmaras temáticas do Senado Aparece também na imagem o senador Rodrigo Rollemberg (PSB - DF), membro da Comissão de Meio Ambiente do Senado. Fonte da Imagem: Agência Senado.

O novo Código Florestal estabelece disposições transitórias - para contemplar as chamadas "áreas consolidadas", em que há atividades agrossilvopastoris em Áreas de Preservação Permanente (APPs) - e disposições permanentes, com critérios a serem seguidos a partir da data de 22 de julho de 2008, data da publicação do Decreto 6.514/2008, que define penas previstas na Lei de Crimes Ambientais. A mesma data é o marco temporal para isentar de recuperação as propriedades rurais de até quatro módulos que desmataram as Reservas Legais (RLs).

Para isso, o projeto determina a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e estabelece prazo de um ano, prorrogável uma única vez por igual período, para que os donos de terras registrem suas propriedades nesse cadastro. Os dados do CAR serão disponibilizados na internet e servirão para a elaboração dos Programas de Regularização Ambiental.

Os relatores também incluíram incentivos para a recomposição de florestas e regras especiais para a agricultura familiar.

Vários líderes partidários - como as senadoras Kátia Abreu (PSD-TO) e Ana Amélia (PP-RS) e os senadores Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), Gim Argello (PTB-DF), Wellington Dias (PT-PI), José Agripino (DEM-RN) e Renan Calheiros (PMDB-AL) - encaminharam favoravelmente ao substitutivo, elogiando o teor do relatório, o qual consideraram equilibrado. Também se manifestaram pelo texto e em defesa dos produtores rurais os senadores Waldemir Moka (PMDB-MS), Demóstenes Torres (DEM-GO), Inácio Arruda (PCdoB-CE), Ivo Cassol (PP-RO) e Acir Gurgacz (PDT-RO).

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) chegou a pedir verificação de quórum, com apoio dos senadores Marinor Brito (PSOL-PA), Lindbergh Farias (PT-RJ), Paulo Davim (PV-RN) e Cristovam

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Buarque (PDT-DF). Randolfe discursou contra o texto e defendeu a agricultura familiar e a preservação ambiental. Marinor Brito também encaminhou contrariamente ao projeto, "em nome de todos os que tombaram em defesa das florestas".

Emendas

Das 78 emendas de Plenário apresentadas pelos senadores ao substitutivo para o novo Código Florestal (PLC 30/2011), o relator Jorge Viana (PT-AC) optou por acolher 26, quase todas relacionadas a mudanças de redação. Quatro emendas foram votadas separadamente, por acordo de líderes, e o Plenário acabou por rejeitá-las, seguindo recomendação do relator.

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) defendeu a emenda 74, assinada por ele e pelo senador João Capiberibe (PSB-AP), que suprimia dispositivo que diminui a reserva legal do estado do Amapá, por ter mais de 65% de seu território ocupado por unidades de conservação. O texto, segundo Randolfe, é inconstitucional, por só afetar um estado, no caso o Amapá. O presidente do Senado, José Sarney, somou-se aos seus colegas de bancada e apoiou a emenda.

Muitos protestos aconteceram ao longo da tramitação do projeto no Senado Federal. Fonte da Imagem: Panorama Brasil.

João Capiberibe, por sua vez, disse que a floresta em pé representa maior riqueza para o País. O senador informou que, mantido o texto de Jorge Viana, serão perdidos cerca de 800 mil hectares de florestas no Amapá. Capiberibe apelou ao relator para que acolhesse a emenda, que terminou rejeitada. O senador Eduardo Braga (PMDB-AM) também manifestou apoio à emenda.

O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) defendeu a emenda 49, que estabelece o chamado "desmatamento zero" para o bioma da Amazônia. Apesar de inúmeras manifestações favoráveis, o destaque com a moratória para o desmatamento também foi rejeitado, seguindo a orientação do relator.

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) defendeu a emenda 10 para o substitutivo do novo código. Segundo ele, a emenda, que troca a expressão "interesse social" por "interesse público", foi proposto pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. O relator, Jorge Viana (PT-AC), defendeu a rejeição do texto.

Demóstenes Torres também defendeu a emenda 82, de sua autoria. Ele observou que os ambientalistas têm a preocupação de que, no futuro, o Código Florestal novamente venha a ser modificado para anistiar produtores rurais por desmatamento. Por isso, sugeriu aumentar a pena para quem desmatar no futuro. A emenda também foi rejeitada.

Demóstenes explicou ter acolhido o entendimento do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin, segundo o qual a legislação atual trata como um crime mais grave tirar cópia de um livro esgotado do que desmatar Área de Preservação Permanente (APP). O senador Ivo Cassol (PP-RO), por sua vez, disse faltar cadeia no Brasil até para assassinos e estupradores. Por isso, em sua opinião, não caberia aumentar o rigor para crimes ambientais.

Fonte: Agência Senado.

CÓDIGO FLORESTAL IV Código Florestal (1934-2011)

José Eli da Veiga é professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Fonte da Imagem: BuscaLá. Artigo de José Eli da Veiga publicado no jornal Valor Econômico em 20/12/2011.

Obituário: ele faleceu na noite da terça-feira, 6/12/2011, vítima de múltiplos atropelamentos no Congresso. O corpo passará o verão em necrotério, pois há quem proponha seu esquartejamento antes

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da cerimônia no Planalto. Crueldade que só poderá ser evitada se deputados e senadores forjados na luta pela redemocratização aproveitarem o recesso para meditar sobre três questões.

O Código que está para ser revogado amadureceu em 15 anos de deliberações democráticas. Começou a tramitar em 2 de janeiro de 1950, quando o "Projeto Daniel de Carvalho" foi encaminhado ao Congresso por mensagem presidencial de Eurico Gaspar Dutra. Resultou a lei federal do "Novo Código Florestal" (NCF), só promulgada dia 15 de setembro de 1965, já por Castello Branco, em conjuntura que Elio Gaspari tão bem caracterizou como "Ditadura Envergonhada" (Companhia das Letras, 2002). Antes do Ato Institucional nº 2 que dissolveu os partidos, tornou indireta a escolha do presidente da República e transferiu para a Justiça Militar o julgamento de crimes políticos.

Esse esclarecimento é crucial para desmentir ladainha da cruzada dos grupos mais interessados em afrouxamento das normas de conservação agroambiental. Infelizmente, também por desinformados simpatizantes da mobilização que alerta a opinião pública para as injustiças e retrocessos contidos nos projetos da Câmara (PLC 30) e do Senado (Substitutivo 1358). O NCF não foi "obra dos militares". Afirmá-lo é conspurcar a memória das lutas pela democracia.

A obra dos militares foi inversa. Por 27 anos foram promovidos desmatamentos de áreas vocacionadas à preservação permanente, assim como sabotagens de outros dispositivos de proteção desses "bens de interesse comum a todos os habitantes do país". Não apenas nos dois decênios de ditadura "escancarada", "encurralada" e "derrotada" (1965-1985), como também no tragicômico setenado de Sarney e Collor (1985-1992). As salvaguardas do artigo 225 da Constituição de 1988 só puderam surtir efeito dez anos depois, com a Lei de Crimes Ambientais, também esmiuçada pelo Congresso entre 1992 e 1998.

A principal consequência política dessa história institucional é a admissibilidade de se anistiar aqueles produtores agropecuários que - até 1998 - descumpriram o NCF por terem sido oficialmente tangidos a suprimir vegetação nativa de áreas sensíveis. O corolário é que nada tem de anistia, mas sim de torpe indulto, qualquer perdão a desmatamento feito sem licença a partir de 1999.

Ao não estabelecerem tal distinção, PLC e Substitutivo tratam como se fosse farinha do mesmo saco duas realidades opostas: áreas rurais legitimamente "consolidadas" por árduo e cuidadoso trabalho de abnegados produtores agropecuários,

versus terras travestidas de pastagens para a especulação fundiária. A predatória aposta que alavancou 80% do déficit de áreas de preservação permanente: 44 dos faltantes 55 milhões de hectares (Mha).

Protesto de ambientalistas durante a tramitação do projeto do novo Código Florestal no Senado Federal. Fonte da Imagem: Agência Brasil.

Só isso explica a ilusão de que a bovinocultura ocupe área 3,5 vezes maior que o total das lavouras. A maior parte dos 211 milhões de hectares tidos como pastos constitui gigantesco estoque imobiliário voltado a rendimentos que nada têm a ver com atividades produtivas (lucros "extraordinários" em economês). Serão os senhores desses domínios os principais ganhadores caso o NCF seja revogado por diploma semelhante ao PLC ou ao Substitutivo senatorial.

Além de indultar as criminosas devastações dos últimos 13 anos, e premiar especuladores fundiários disfarçados de pecuaristas, esses dois projetos embutem uma terceira atrocidade: dispensam todos os imóveis rurais com área de até 4 módulos fiscais, por alegada compaixão por empreendedores agropecuários de pequeno/médio porte. Aí se tira proveito da reinante confusão entre duas categorias legais: imóveis e estabelecimentos. Uma coisa é propriedade/posse fora de perímetro urbano ("imóvel rural"). Outra é empreendimento agrícola, pecuário e/ou florestal ("estabelecimento agrícola"). Nem toda propriedade imobiliária abriga negócio produtivo.

Atinge 56 milhões de hectares o hiato entre a área ocupada por imóveis rurais de até 4 módulos fiscais (136 milhões de hectares) e a dos estabelecimentos agrícolas familiares (80 milhões de hectares). Lacuna que corresponde a 544 mil imóveis, cuja área média é, portanto, de 103 hectares. A maior parte não entra no Censo Agropecuário pelo simples fato de se tratar de terras nas quais inexiste atividade produtiva relevante. É a fatia da especulação imobiliária voltada ao mercado

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dos sítios e chácaras de recreio, turbinado pelas famílias urbanas emergentes. Neste caso, solidariedade aos agricultores familiares só serve de pretexto para contentar outros ocupantes do andar de cima com desobrigações de práticas conservacionistas.

Esta é, em suma, a economia política da revogação do NCF: um pacto do latifúndio mais tropical com as bucólicas elites urbanas. Aliança que já demonstrou imensa força parlamentar. Principalmente por contar com estarrecedora adesão do PT, a reboque da esquisita titular do Meio Ambiente. José Eli da Veiga é professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).

CÓDIGO FLORESTAL V Ainda não foi neste ano Artigo da jornalista Sofia Moutinho publicado pela

Ciência Hoje On-line em 29/12/2011

O novo Código Florestal, documento que define os direitos de propriedade e as restrições de uso de áreas verdes no país, tramita no Congresso há 12 anos sem resolução final. Ilustração: Sofia Moutinho.

O ano de 2011 chegou ao fim e o novo Código Florestal, em tramitação na Câmara dos Deputados há quase 12 anos, não teve sua versão final decidida. Já aprovado pelo Senado, o documento, que foi avaliado pelo menos sete vezes só este ano, deve seguir para votação final dos deputados depois do recesso parlamentar, no dia 5 de março de 2012.

Durante todo o ano, as mudanças feitas no documento causaram polêmica e desagradaram tanto ambientalistas quanto ruralistas. A comunidade científica também manifestou sua desaprovação e, em abril, a Sociedade Brasileira para o Progresso da

Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) apresentaram à Câmara um relatório apontando as inconsistências científicas da nova legislação (o relatório da SBPC e ABC está disponível em: <http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-547.pdf>). Representantes das instituições pediram o adiamento da votação do projeto por dois anos, período que deveria ser usado para avaliar, à luz da ciência, os efeitos que o novo código provocaria no meio ambiente e na agricultura. O pedido foi negado e o documento, aprovado pelos deputados em maio.

Entre as medidas aprovadas na Câmara que mais desagradaram a comunidade científica e os ambientalistas estão: a desobrigação de pequenos produtores rurais de reconstituir a reserva legal desmatada, a anistia concedida a todos que tiverem consolidado atividades agrícolas e de ecoturismo em áreas de preservação permanente (APPs) antes de 2008 e a possibilidade de estados e municípios estipularem regras para produção nessas áreas.

Diante desse cenário, a SBPC, que tardou a se manifestar sobre o Código Florestal, entrou com um pedido no Senado para que a Comissão de Ciência e Tecnologia (CTT) participasse da avaliação do documento dos deputados.

Em agosto, o pedido foi aceito e representantes da SBPC participaram de audiências públicas no Senado para debater o código. No entanto, das 83 emendas propostas pela comissão, foi aprovada apenas uma, que estabeleceu que as propriedades rurais irregulares em APPs não precisarão recuperar integralmente a área desmatada, mas somente o que for estabelecido pelo Programa de Regulamentação Ambiental, a ser criado quando a lei entrar em vigor.

A SBPC e a ABC apresentaram amplo relatório conjunto resultante das atividades de um grupo de trabalho constituído para subsidiar cientificamente o debate sobre o projeto do Código Florestal. Tal relatório não foi apreciado na Câmara dos Deputados.

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“O nosso grupo de trabalho teve um papel muito importante na adição da CCT nas discussões do Código Florestal”, diz o secretário da SBPC, José Antônio Aleixo. “Estudamos profundamente o código e colocamos nossas considerações, fundamentadas na ciência e tecnologia, nas mãos de todos os senadores. Se não as consideraram, a responsabilidade passa a ser deles.”

No Senado, o texto dos deputados foi modificado em dezembro e trouxe medidas de impacto para o meio ambiente. O novo texto passou a permitir a exploração de 10% dos apicuns (parte dos manguezais) na Amazônia e 35% nos demais biomas para atividades como a criação de camarão. A proteção dos manguezais era uma das preocupações expressas pela SBPC em documento enviado ao Senado no meio do ano.

A plena apreciação do projeto do novo Código Florestal requer o conhecimento de alguns termos e expressões técnicas, constituindo um miniglossário. Ilustração: Sofia Moutinho.

O texto do Senado também estabeleceu que metade da reserva legal desmatada por grandes proprietários rurais poderia ser replantada com espécies exóticas e incluiu um capítulo sugerindo a criação de mecanismos de incentivo fiscal para auxiliar os proprietários irregulares inscritos no Programa de Regulamentação Ambiental a recompor as áreas desflorestadas.

Prós, contras e perspectivas

Ainda assim, os integrantes do grupo de trabalho da SBPC acreditam que o texto do Senado é melhor que o da Câmara. “Houve melhoria, não podemos negar que alguns aspectos modificados representaram avanços; foram tímidos, mas pelo menos foram feitos”, afirma o biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP).

Uma das melhorias teria sido a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que tem por finalidade integrar as informações ambientais de

todas as propriedades rurais. Depois do código em vigor, os proprietários rurais teriam um ano para se cadastrar no CAR e, passados cinco anos, apenas os cadastrados sem irregularidades poderiam receber créditos agrícolas de instituições financeiras oficiais.

Outro ponto de avanço seria o pagamento por serviços ambientais para incentivar a recomposição de APPs e reservas legais. Proprietários que replantassem e promovessem a manutenção de florestas ganhariam uma compensação financeira.

No ano que vem, os deputados poderão aceitar ou não, total ou parcialmente, as mudanças propostas pelos senadores e o novo código seguirá para sanção ou veto da presidente Dilma Roussef. Representantes da comunidade científica temem que as melhorias do Senado sejam vetadas na Câmara.

“Há uma tendência muito forte para que os avanços conseguidos no Senado sejam anulados pelo discurso de alguns deputados ruralistas de influência”, comenta Rodrigues.

A desconfiança do biólogo é reforçada pela recente mudança de relator do projeto do código, que passou do deputado federal Aldo Rebelo para o também deputado Paulo Piau, autor da emenda que daria aos estados e municípios poder de decisão sobre as APPs em casos de utilidade pública.

“O relator escolhido é um deputado diretamente ligado ao agronegócio; sinceramente, não acredito que o documento que saiu do Senado vá ser aprovado na Câmara sem modificações”, diz Aleixo. “Só esperamos que não sejam mudanças significativas e, se forem, que sejam vetadas pela presidente Dilma.”

Só nos resta esperar 2012 para ver o fim desse impasse.

Exemplar de tubarão-duende é capturado no Rio Grande do Sul

O tubarão-duende (Mitsukurina owstoni) é um animal raro, que ocorre em águas profundas (300-1.200 m). Desde o final do século 19, menos de 50 exemplares da espécie foram encontrados, quase todos capturados mortos. Em setembro de 2011 um barco de pesca capturou o mais recente exemplar da espécie em todo o mundo. O espécime foi doado à Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

Os trabalhos de amostragem biológica e dissecação do tubarão-duende que está no Laboratório de Elasmobrânquios da FURG permitirá a realização de um estudo inédito. A retirada de uma vértebra do animal, que habita águas profundas, poderá significar a determinação da idade do exemplar. "Nunca ninguém fez esse estudo", acredita o coordenador do laboratório, professor

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Santiago Montealegre Quijano, já que não há publicações registrando o procedimento.

O tubarão-duende ocorre em águas profundas e raramente exemplares vivos são capturados. Fonte da imagem: blogue Sea of Life.

Ele explica que as vértebras são utilizadas para observar marcas de crescimento nos tubarões, similares as que encontramos nas árvores, embora nem todas as espécies de tubarão permitam esse tipo de estudo. "Mesmo que não seja possível determinar a idade, levaremos para o laboratório de histologia, para análise da composição de cálcio".

Além da vértebra, foram retirados o trato reprodutivo e o gastro-intestinal para estudos posteriores. Antes, o animal foi pesado - totalizando 42,7 kg. Para a morfometria completa, foi realizada a medição de 80 variáveis, que servirão para comparação com outros estudos realizados em São Paulo e no Japão - local onde foi encontrado o maior número de exemplares da espécie.

O tubarão-duende recebeu injeções de formol e permaneceu depositado em tanque com o mesmo líquido por 20 dias (processo de fixação). Depois, o exemplar foi colocado um tanque com álcool a 70%, integrando a coleção científica da FURG.

Para o professor Santiago Quijano, a captura do tubarão-duende no Rio Grande do Sul comprova a existência da espécie em todo o litoral brasileiro e estende o limite de distribuição da espécie até 33º Sul. No Atlântico Ocidental, apenas quatro tubarões-duende haviam sido colecionados.

"O primeiro no Suriname, em 1983, e levado para o Japão; o segundo coletado no Golfo do México em 2002, que constituiu o único registro para América do Norte; o terceiro no Pará, em 2003, e depositado no Museu Oceanográfico da Univali; e o quarto coletado no litoral de São Paulo, em 2008, e depositado na Unesp", conta o professor.

Momento da incisão para retirada da vértebra do exemplar de tubarão-duende na FURG. Fonte da imagem: Portal Terra.

O exemplar, com 2,3 m de comprimento, foi

doado ao Museu Oceanográfico da FURG e repassado pelo diretor do Museu, Lauro Barcellos, ao Laboratório de Elasmobrânquios do Instituto de Oceanografia (IO/FURG) no dia 21/09/2011.

Fonte: Agência Ambiente Brasil.

Nova Diretoria Nacional da ABBM realizou sua primeira reunião presencial

Cinco dos seis novos diretores da ABBM. Da esquerda para a direita: Edson Pereira da Silva, Diana Negrão Cavalcanti, Elisabete Barbarino, Bruna Marques Tovar Faro e Sergio de Oliveira Lourenço.

A nova Diretoria Nacional da ABBM está em plena atividade. Sua primeira reunião presencial aconteceu na Universidade Federal Fluminense, em Niterói - RJ, em 14/12/2011. Na pauta, a avaliação da situação da entidade e o planejamento das ações programadas para 2012, dentre outros assuntos. A próxima reunião presencial foi agendada para fevereiro de 2012.

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A COP-17, em Durban, África do Sul: Avanço diplomático, atraso climático

A adesão de EUA, China e Índia é marco da

17ª. Conferência das Partes sobre o Clima (COP-17). Mas cortes de CO2 ficam na promessa.

Quase dois dias depois do previsto, a reunião das Nações Unidas sobre mudanças climáticas de Durban, na África do Sul, terminou na madrugada de 11/12/2011 sem que nenhum novo acordo com valor de lei fosse firmado. Nas 36 horas de prorrogação da cúpula, representantes de 194 países concordaram em estender o Protocolo de Kioto até 2017 e a dar início a negociações para a elaboração de um novo tratado global que só entraria em vigor em 2020. Para analistas, o resultado é uma vitória da diplomacia - uma vez que, pela primeira vez, EUA, China e Índia aceitaram negociar metas compulsórias -, mas um fracasso do ponto de vista climático. A Plataforma de Durban é um plano de ação para negociações futuras, mas representa um atraso concreto nos cortes de gases do efeito estufa.

Ministros e demais representantes dos países durante os debates finais da COP-17. Fonte: Reuters/Rogan Ward.

Cientistas são praticamente unânimes em

afirmar que para que o aumento da temperatura da Terra se mantenha no patamar dos 2°C até o fim do século - acima da qual considera-se que haveria mudanças climáticas perigosas - um novo acordo global com metas obrigatórias de cortes de emissões

já teria que entrar em vigor até o fim do ano que vem, quando o Protocolo de Kioto expiraria. Quase dez anos de espera para se ter metas compulsórias - "a década perdida", como já a apelidaram ambientalistas - pode levar o aumento da temperatura planetária para a casa dos 3°C a 4°C, com consequências climáticas dramáticas.

A prorrogação do Protocolo de Kioto até 2017, por sua vez, é apenas simbólica. Com a saída de Rússia, Japão e Canadá do acordo (que nunca teve a adesão dos EUA, nem obrigações dos países em desenvolvimento), o protocolo, atualmente, cobre apenas 15% das emissões do planeta. Como, na melhor das hipóteses, o novo acordo só será implementado em 2020, tampouco se sabe que tratado estará em vigor entre 2017 e 2020.

Negociações formais começam em 2012

Ainda assim, os participantes da reunião consideraram o acordo uma grande vitória da diplomacia. De fato, foi a primeira vez que Estados Unidos, China e Índia (os maiores emissores de CO2) concordaram em negociar a elaboração de um documento com metas compulsórias de corte de emissões - as negociações começariam já no ano que vem e se estenderiam até 2015. O Brasil, que está entre os cinco maiores emissores por conta do desmatamento, já havia concordado com o plano de intenções e teve papel crucial nas negociações. Se tudo der certo, será a primeira vez que o mundo terá um acordo global, com valor legal e o envolvimento de todos os países.

Para a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, foi um desfecho “histórico”. A presidente Dilma Rousseff, informada do resultado pela ministra, se disse satisfeita com o resultado do encontro e elogiou a participação do Brasil.

O embaixador Luiz Alberto Figueiredo, negociador chefe da delegação do Brasil, e a ministra do meio ambiente do Brasil, Izabella Teixeira (à esquerda) conversam com a secretária-executiva da conferência, a costa-riquenha Christiana Figueres. Fonte: Portal Brasil.

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"O documento é extraordinário. Ele lança um futuro de cooperação internacional, com condições para que se venha a ter no mesmo instrumento jurídico todos os países, abrindo uma nova era na luta contra a mudança do clima", resumiu o embaixador Luiz Alberto Figueiredo, negociador-chefe da delegação brasileira.

Especialista da Coppe/UFRJ e integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, Suzana Kahn Ribeiro, tem uma visão diferente. "Se o objetivo dos negociadores era ter algum tipo de acordo, não deixar um vácuo, OK, então eu posso considerar que o encontro foi vitorioso. Agora, se a meta era ter uma solução para o aquecimento global, então a conferência foi um fracasso total. Temos um instrumento legal (Kioto) que não tem valor prático nenhum e um plano de intenções para 2020 puramente declaratório", afirmou.

Assessor da prefeitura para a Rio+20, o economista Sérgio Besserman concorda com a colega. "Esta é uma negociação diplomática, como tantas outras, mas a diferença, neste caso, é que não temos controle sobre a agenda, que é ditada externamente, pelo clima. Quando o debate é sobre comércio, por exemplo, se atrasar, atrasou. Mas com o clima não é assim, ele tem seu próprio ritmo. É claro que é preferível que se tenha um plano de intenções, que a toalha não tenha sido jogada, mas estamos nos atrasando consideravelmente", declarou.

Dezenas de manifestantes entraram diversas vezes no prédio onde ocorreram as negociações da COP-17 ao longo das duas semanas do evento, logo sendo cercados por policiais. Fonte: AFP.

Para Besserman, "é assustadora a

incapacidade da governança mundial de dar uma resposta ao conhecimento científico que já se tem sobre o que vem pela frente". "Vale lembrar que um aumento de 3° Celsius é 50% acima do que se considera o limite do perigo", avaliou.

Duas das principais organizações ambientais do mundo, WWF e Greenpeace condenaram o resultado da conferência. "O mundo merece um pacto melhor que o débil compromisso de Durban", afirmou Regine Günther, do WWF Alemanha, lembrando que o acordo não impedirá que a temperatura suba acima dos 2°C.

O negociador dos EUA Todd Stern (no centro) conversa com um conselheiro durante os exaustivos debates finais da conferência, no sábado (10/12/2011). Fonte: AFP/Stephane de Sakutin.

Para o Greenpeace, "o compromisso não

conduz a um tratado vinculante mundial para a proteção do clima, mas a um acordo vago", lembrando que não há sequer sanções para quem não cumprir o plano de intenções.

Para o cientista político e professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Eduardo Viola, o resultado da conferência é "desastroso" do ponto de vista do clima. "Tudo foi protelado para 2020, uma vez que essa prorrogação de Kioto é irrelevante, é a prorrogação do nada", resumiu. "O resultado não é histórico, como estão dizendo os que estavam envolvidos nas negociações. Ele lamenta a decisão de adiar as medidas até 2020, uma ideia de que se está fazendo algo pelo clima quando a ciência aponta que as medidas de redução das emissões já deveriam vigorar em 2013."

Ainda assim, o especialista garante estar otimista. "A Humanidade aprende pela dor", afirma, lembrando que as mudanças climáticas ainda são uma realidade distante para boa parte da população. "Ela aprende com mais dor do que precisaria e em muito mais tempo do que seria necessário, mas não está condenada ao suicídio."

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A presidente da COP-17, a sul-africana Maite Nkoana-Mashabane, fala para jornalistas após a adoção do ‘Pacote de Durban’ na conferência do clima da ONU. O desfecho do encontro foi considerado um sucesso diplomático, mas ainda preocupante para o futuro da Terra. Fonte: UOL. Os principais pontos acertados na COP-17

O que aconteceu em Durban? 194 países se reuniram na 17ª rodada de negociações da Convenção do Clima da ONU, cuja meta é deter o aquecimento global ao limitar as emissões de gases do efeito estufa. A conferência durou dois dias além do previsto, na mais longa reunião ambiental realizada.

O que foi obtido? Após duríssimas negociações, se chegou à "Plataforma de Durban". No documento de duas páginas, pela primeira vez, todos os países prometem cortar emissões. Um plano guiará os países em negociações até 2015 para que cheguem a um acordo legal de cortes. Porém, ele só começará a vigorar em 2020.

Foi um avanço ou um retrocesso? Depende do ângulo que se olhe. Um sucesso em termos de se manter as negociações vivas, salvando o processo da ONU, após este quase ter colapsado em Copenhague e Cancún. A União Europeia chama seu plano de ação (a Plataforma de Durban) de "avanço histórico". Para a UE, essa é a primeira vez que EUA, China e Índia se comprometem a assinar um tratado de força legal para cortar emissões. Porém, é um atraso do ponto de vista de muitos países em desenvolvimento, de grupos ambientalistas e de cientistas. Eles argumentam que a linguagem usada precisa ser mais forte para forçar os países a agir e que deveria haver datas concretas de cortes.

E o Protocolo de Kioto? Ele será estendido até 2017, com metas de redução para a UE e poucos outros países desenvolvidos. Japão e Rússia já tinham anunciado que deixariam Kioto. Um novo acordo deve ser negociado para cobrir o período até 2020. Porém, Índia, China e EUA continuam de fora. Os dois primeiros porque não têm obrigação legal e os EUA por não serem signatários. Nesse período de intervalo países como o Brasil, que têm metas voluntárias, continuarão a fazer cortes de emissões.

O dinheiro prometido em 2010 para ajudar os países pobres? O Fundo Verde criado em Cancún deverá despender US$60 bilhões por ano a partir de 2020. Porém, os detalhes de como isso será feito são muito vagos. Não está definido de onde virá o dinheiro. Uma das possibilidades são taxas sobre a aviação.

E o desmatamento? O REDD, o plano para pagar países pobres a não cortar suas árvores, avançou pouco. Mais uma vez, não ficou definido de onde virá o dinheiro. Há temor de que os recursos sejam desviados em corrupção. O REDD deverá continuar na mesa de negociação.

Ativistas do Greenpeace vestidos de árvores protestam contra o desmatamento da Amazônia, em Durban, na África do Sul, durante a COP-17. Fonte: AFP/John Robinson.

O que o acontecerá agora? Rodadas sobre o

clima estão previstas para março, em Londres, em Bonn (Alemanha), e finalmente no Qatar, na COP-18, em dezembro de 2012. Embora a Rio+20 não tenha foco no clima, especialistas acreditam que ela será fundamental nesse sentido. Em 2012 começam as negociações para se chegar a um acordo em 2015. Isso incluirá as metas por países, que deverão ser diferenciadas. Espera-se que países sejam pressionados pela sociedade a assumir metas mais ousadas.

Posições quanto a um pacto global de corte de gases estufa

China

A China tem se mostrado propensa a aceitar um acordo que vise um compromisso de metas obrigatórias a partir de 2020, com regras a serem definidas no futuro e se uma série de cinco condições forem atendidas.

Entre as demandas está o acordo de uma segunda fase de Kyoto, a criação do Fundo Verde para o Clima e o princípio de responsabilidade comum, mas com exigências diferenciadas, dependendo da capacidade de cada país, ou seja, quem está em desenvolvimento não teria as mesmas metas de desenvolvidos. Este é o principal ponto de

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desacordo com os EUA, que querem metas 'iguais' para todos.

Até 2020 valeriam as ações voluntárias dos países em desenvolvimento recolhidas no protocolo. A China tem um autoimposto desde 2009, que tem por objetivo melhorar entre 40% e 45% suas emissões de dióxido de carbono por unidade do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 na comparação dos números de 2005. Isto poderia não significar uma redução das emissões em termos absolutos, apenas relativos.

Um dos entraves para o país é que um acordo legal internacional exige monitoramento global das emissões (para checar se o acordo está sendo cumprido). Mas a China é contra qualquer controle externo. EUA

Os EUA são um dos países mais isolados já que é um dos principais emissores, é um país desenvolvido, mas não tem metas obrigatórias globais de redução dos gases estufa. Por isso, diz não poder opinar sobre a prorrogação de Kyoto, já que não faz parte dele.

Grupo faz manifestação contra "Tio Sam" na COP-17, criticando a resistência dos EUA em negociar um acordo legal global. Fonte: UOL.

O país tem se mostrado mais favorável a

aceitar metas legais internacionais a partir de 2020, desde que sejam em pé de igualdade com outros países. Isso significa não ter maiores metas que a China e sem ter que transferir tecnologia e recursos para os países em desenvolvimento.

Com a crise financeira, tem se mostrado ainda mais contrário à transferência de recurso para rivais econômicos, como a China, por exemplo.

Os EUA destacam que têm uma meta voluntária legal interna de corte nas emissões de 17% até 2020, frente aos níveis de 2005, o que significa uma redução de 3% em relação a 1990.

Em 2009, as emissões aumentaram 7,3% em relação a 1990, mas tiveram queda gradual a partir de 2005.

UE

A União Europeia como um bloco conseguiu diminuir suas emissões de acordo com as metas de Kyoto (diminuiu 20% enquanto a meta era de 8%) e concorda em prorrogar o Protocolo. Para isso, entretanto, quer que os países em desenvolvimento e os EUA aceitem agora se comprometer com metas obrigatórias de redução das emissões a partir de 2015.

Austrália

A Austrália segue a mesma posição da União Europeia: aceita um novo período de Kyoto, desde que países em desenvolvimento, entre eles a China, Índia e Brasil, aceitem se comprometer com metas obrigatórias de redução das emissões a partir de 2020.

Membro da organização Christian Aid vestido de padre celebra a união simbólica entre Kyoto e a União Europeia em ato a favor de um acordo climático em Durban. Fonte: AP/ Christian Aid.

Japão, Rússia e Canadá

Este é o grupo que mais empaca a prorrogação do Protocolo de Kyoto. Eles são contra prorrogar suas metas obrigatórias, enquanto os maiores poluidores do mundo atual, China e EUA, também não se comprometerem com metas.

Japão e Rússia conseguiram cumprir as metas de Kyoto e reduziram suas emissões, já o Canadá aumentou suas emissões em quase 30% de 1990 para 2009.

Índia

A Índia apresentou a posição mais conservadora dos Basic (Brasil, África do Sul, China e Índia). Apesar de não se colocar contra um acordo legal global a partir de 2020, diz que ainda não tem

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condições de assumir tal compromisso e afirma que possui milhares que pessoas que emitem zero.

Brasil

O Brasil tem metas voluntárias de reduzir de 36,1% a 38,9% suas emissões até 2020 e diz que conseguirá atingir a meta antes do previsto, e afirma estar pronto para negociar um acordo vinculante global a partir de 2020.

A proposta do País é fazer o segundo período de Kyoto agora e esperar o relatório do IPCC em 2014. Ele irá ditar as diretrizes a serem seguidas para se conter o aquecimento global. Com base nestes dados e na revisão da temperatura máxima permitida para conter o aquecimento (marcada para 2015), os países traçariam metas obrigatórias.

Durante a COP-17 o Brasil ganhou de ativistas o “prêmio” Fóssil do Dia (2 de dezembro de 2011) pelas possíveis mudanças que ocorrerão no Código Florestal. Fonte: Wordpress.

Fontes: O Globo e UOL.

CNPq divulga versão preliminar de diretrizes pela integridade na pesquisa científica Ética e Integridade na Prática Científica

Instada a manifestar-se sobre denuncia de fraude em publicações científicas envolvendo pesquisadores apoiados pelo CNPq, e diante da inexistência de normas internas específicas e instrumentos estabelecidos para o tratamento adequado de ocorrências desta natureza, a Diretoria Executiva decidiu criar, através da portaria PO-085 de 5 de maio de 2011, uma Comissão Especial constituída por cientistas brasileiros de grande experiência e liderança, com a missão de propor recomendações e diretrizes sobre o tema da Ética e Integridade na Prática Científica.

É, portanto, com muita satisfação que a Diretoria Executiva recebeu recentemente o relatório final da Comissão Especial, o qual recomenda que o CNPq adote duas linhas de ação referentes ao tema:

1) ações preventivas e educativas e 2) ações de desestímulo a más condutas, inclusive de natureza punitiva. Destacam-se no documento as excelentes propostas de produção de publicações e materiais educativos em língua portuguesa, sobre os diferentes tipos de fraude ou má prática na pesquisa e em publicações científicas. A estes materiais deverá ser dada ampla divulgação entre cientistas, orientadores acadêmicos e estudantes, inclusive na forma de disciplinas sobre o tema oferecidas nos cursos de pós-graduação e graduação. Recomenda-se ainda que o CNPq constitua uma Comissão Permanente de Integridade Científica, constituída por membros de alta respeitabilidade e originados das diferentes áreas do conhecimento, à qual caberá: 1) coordenar as ações preventivas e educativas sobre o tema; e 2) examinar situações em que surjam dúvidas fundamentadas quanto à integridade da pesquisa realizada ou publicada por pesquisadores apoiados pelo CNPq, podendo requerer o apoio de especialistas da área nomeados ad hoc para caso específico. Caberá também a essa comissão propor à Diretoria Executiva do CNPq os desdobramentos adequados. O relatório estabelece também algumas Diretrizes de caráter geral sobre o tema, orientadoras aos pesquisadores e estudantes e que devem pautar a futura Comissão Permanente nas suas ações subsequentes.

Relatório Final da Comissão será agora analisado pelas instâncias competentes para seguimento às tratativas pertinentes, mas com o intuito de fomentar as discussões e acolher sugestões sobre o tema, a Diretoria Executiva decidiu dar divulgação ao documento com as recomendações.

A Diretoria Executiva manifesta seu especial agradecimento à Comissão pelo excelente trabalho realizado.

Agência Brasil

Glaucius Oliva Presidente – CNPq Brasília, 7 de outubro de 2011.

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Relatório da Comissão de Integridade de Pesquisa do CNPq

A comissão instituída pela portaria PO-085/2011 de 5 de maio de 2011, constituída pelos pesquisadores Alaor Silvério Chaves, Gilberto Cardoso Alves Velho, Jaílson Bittencourt de Andrade, Walter Colli e coordenada pelo Dr. Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq, vem apresentar seu relatório final

Fonte: Textual On Line

Introdução A necessidade de boas condutas na

pesquisa científica e tecnológica tem sido motivo de preocupação crescente da comunidade internacional e no Brasil não é diferente. A má conduta não é fenômeno recente, haja vista os vários exemplos que a história nos dá de fraudes e falsificação de resultados. As publicações pressupõem a veracidade e idoneidade daquilo que os autores registram em seus artigos, uma vez que não há verificação a priori dessa veracidade. A Ciência tem mecanismos de correção, porque tudo o que é publicado é sujeito à verificação por outros, independentemente da autoridade de quem publicou.

Como ilustração, podemos citar alguns exemplos emblemáticos, como o chamado “Homem de Piltdown” - uma montagem de ossos humanos e de orangotango convenientemente manipulados, que alegadamente seria o “elo perdido” na evolução da humanidade. Embora adequada para as ideias então vigentes, a farsa foi desmascarada quando foi conferida com novos métodos de datação com carbono radioativo. Outros exemplos podem ainda ser citados, como o da criação de uma falsa linhagem de células-tronco embrionárias humanas que deu origem a duas importantes publicações na revista Science em 2004 e 2005. Por esse feito, o autor principal foi considerado o mais importante pesquisador de 2004. O que seria um feito extraordinário mostrou ser uma fraude e resultou na demissão desse pesquisador e na exclusão desses artigos da revista.

Essa autocorreção, no entanto, não é suficiente para impedir os efeitos danosos advindos

da fraude, seja por atrasar o avanço do conhecimento ou mesmo por consequências econômicas e sociais resultantes do falso conhecimento. Um caso exemplar das consequências danosas que podem ser causadas por fraudes científicas foi a rejeição dos princípios da genética, por meio da manipulação de dados e informações com objetivos ideológicos e políticos, feita pelo então presidente da Academia Soviética de Ciências, Trofim Lysenko. Essa falsificação, mesmo sendo posteriormente contestada cientificamente, trouxe grande atraso na produção agrícola da então União Soviética, o que contribuiu sobremaneira para a deterioração econômica e sustentabilidade do regime soviético.

Esses casos mostram que resultados falsos ou errados podem atrasar acentuadamente o avanço do conhecimento, sem contar com o custo, financeiro e humano, envolvido na correção dos desvios. Mais difíceis de serem corrigidos são os problemas advindos de plágios, onde o verdadeiro autor, seja de descobertas ou de textos, pode ter seu mérito subtraído com possíveis prejuízos profissionais.

A falsificação de dados pode ser caracterizada quando as manipulações introduzidas alteram o significado dos resultados obtidos. Por exemplo, introduzir ou apagar imagens em figuras podem alterar a interpretação dos resultados. Algumas situações são consideradas legítimas, como, por exemplo, o emprego de software de aumento de contraste usado por astrônomos pode revelar objetos celestes dificilmente identificáveis de outra maneira. Alterações de contraste ou brilho para melhorar a qualidade global de uma imagem são consideradas legítimas se aplicadas a toda a imagem e descritas na publicação. Nesses casos a imagem original deve ser mantida, e publicada como informação suplementar quando possível.

Ilustração: Buzzle.com

Além das referidas consequências danosas da

falsificação e do plágio, essas práticas podem favorecer indevidamente seus autores para conseguirem vantagens em suas carreiras e na

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obtenção de auxílios financeiros. Em relação a isso, surge também como significativa a prática crescente de autoplágio. Em um ambiente de competição para a obtenção de auxílios financeiros, isso pode significar o investimento em pessoas e projetos imerecidos, em detrimento daqueles que efetivamente são capazes de produzir avanços do conhecimento. A existência de software capaz de identificar trechos já publicados de manuscritos submetidos tem facilitado a prevenção de plágio e de autoplágio.

Por todas essas razões as más condutas na pesquisa são assunto de interesse das agências de financiamento, que devem zelar pela boa aplicação de seus recursos em pessoas que sejam capazes de produzir avanços efetivos (isto é, confiáveis) do conhecimento. Isso significa instituir mecanismos que permitam identificar e desestimular as práticas fraudulentas na pesquisa, e estimular a integridade na produção e publicação dos resultados de pesquisa.

Para lidar com esses problemas, a comissão recomenda que o CNPq tenha duas linhas de ação: 1) ações preventivas e pedagógicas e 2) ações de desestímulo a más condutas, inclusive de natureza punitiva.

Ilustração: pressureUA/ iStockphoto

Com relação às ações preventivas, é

importante atuar pedagogicamente para orientar, principalmente os jovens, nas boas práticas. É também importante definir as práticas que não são consideradas aceitáveis pelo ponto de vista do CNPq. Como parte das ações preventivas, o CNPq deve estimular que disciplinas com conteúdo ético e de integridade de pesquisa sejam oferecidas nos cursos de pós-graduação e de graduação. Também a produção de material com esses conteúdos em língua portuguesa deve ser estimulada e disponibilizada nas páginas do CNPq. Como ponto de partida, algumas diretrizes orientadoras das boas práticas nas publicações científicas, inclusive nos seus aspectos metodológicos, devem ser imediatamente publicadas, podendo ser aperfeiçoadas com contribuições subsequentes. Há

que se salientar nessa direção a importância dos orientadores acadêmicos.

Com relação às atitudes corretivas e punitivas, recomenda-se a instituição de uma comissão permanente pelo Conselho Deliberativo do CNPq, constituída de membros de alta respeitabilidade e originados de diferentes áreas do conhecimento. Deverá caber a esta comissão examinar situações em que surjam dúvidas fundamentadas quanto à integridade da pesquisa realizada ou publicada por pesquisadores do CNPq - detentores de bolsa de produtividade ou auxilio a pesquisa. Com relação a denúncias, é de se cuidar para não estimular denúncias falsas ou infundadas. Caberá a essa comissão examinar os fatos apresentados e decidir preliminarmente se há fundamentação que justifique uma investigação específica, a ser realizada por especialistas da área nomeados ad hoc. Caberá também a essa comissão, a partir dos pareceres dos especialistas, propor à Diretoria Executiva do CNPq os desdobramentos adequados. Será também incumbência dessa comissão avaliar a qualidade do material disponível sobre ética e integridade de pesquisa, a ser publicado nas páginas do CNPq.

Ilustração: Rensselaer Hartford

Definições Podem-se identificar as seguintes modalidades

de fraude ou má conduta em publicações: Fabricação ou invenção de dados - consiste na

apresentação de dados ou resultados inverídicos. Falsificação: consiste na manipulação

fraudulenta de resultados obtidos de forma a alterar-lhes o significado, sua interpretação ou mesmo sua confiabilidade. Cabe também nessa definição a apresentação de resultados reais como se tivessem sido obtidos em condições diversas daquelas efetivamente utilizadas.

Plágio: consiste na apresentação, como se fosse de sua autoria, de resultados ou conclusões anteriormente obtidos por outro autor, bem como de textos integrais ou de parte substancial de textos alheios sem os cuidados detalhados nas Diretrizes. Comete igualmente plágio quem se utiliza de ideias

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ou dados obtidos em análises de projetos ou manuscritos não publicados aos quais teve acesso como consultor, revisor, editor, ou assemelhado.

Autoplágio: consiste na apresentação total ou parcial de textos já publicados pelo mesmo autor, sem as devidas referências aos trabalhos anteriores.

Ilustração: montagem de Sofia Moutinho / Ciência Hoje

Diretrizes 1: O autor deve sempre dar crédito a todas as fontes que fundamentam diretamente seu trabalho. 2: Toda citação in verbis de outro autor deve ser colocada entre aspas. 3: Quando se resume um texto alheio, o autor deve procurar reproduzir o significado exato das ideias ou fatos apresentados pelo autor original, que deve ser citado. 4: Quando em dúvida se um conceito ou fato é de conhecimento comum, não se deve deixar de fazer as citações adequadas. 5: Quando se submete um manuscrito para publicação contendo informações, conclusões ou dados que já foram disseminados de forma significativa (p.ex. apresentado em conferência, divulgado na internet), o autor deve indicar claramente aos editores e leitores a existência da divulgação prévia da informação. 6: se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um todo coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em manuscritos individuais. 7: Para evitar qualquer caracterização de autoplágio, o uso de textos e trabalhos anteriores do próprio autor deve ser assinalado, com as devidas referências e citações. 8: O autor deve assegurar-se da correção de cada citação e que cada citação na bibliografia corresponda a uma citação no texto do manuscrito. O autor deve dar crédito também aos autores que primeiro relataram a observação ou ideia que está sendo apresentada. 9: Quando estiver descrevendo o trabalho de outros, o autor não deve confiar em resumo secundário

desse trabalho, o que pode levar a uma descrição falha do trabalho citado. Sempre que possível consultar a literatura original. 10: Se um autor tiver necessidade de citar uma fonte secundária (p.ex. uma revisão) para descrever o conteúdo de uma fonte primária (p. ex. um artigo empírico de um periódico), ele deve certificar-se da sua correção e sempre indicar a fonte original da informação que está sendo relatada. 11: A inclusão intencional de referências de relevância questionável com a finalidade de manipular fatores de impacto ou aumentar a probabilidade de aceitação do manuscrito é prática eticamente inaceitável. 12: Quando for necessário utilizar informações de outra fonte, o autor deve escrever de tal modo que fique claro aos leitores quais ideias são suas e quais são oriundas das fontes consultadas.

Ilustração: The Pioneer News / Loos Diallo

13: O autor tem a responsabilidade ética de relatar evidências que contrariem seu ponto de vista, sempre que existirem. Ademais, as evidências usadas em apoio a suas posições devem ser metodologicamente sólidas. Quando for necessário recorrer a estudos que apresentem deficiências metodológicas, estatísticas ou outras, tais defeitos devem ser claramente apontados aos leitores. 14: O autor tem a obrigação ética de relatar todos os aspectos do estudo que possam ser importantes para a reprodutibilidade independente de sua pesquisa. 15: Qualquer alteração dos resultados iniciais obtidos, como a eliminação de discrepâncias ou o uso de métodos estatísticos alternativos, deve ser claramente descrita junto com uma justificativa racional para o emprego de tais procedimentos. 16: A inclusão de autores no manuscrito deve ser discutida antes de começar a colaboração e deve se fundamentar em orientações já estabelecidas, tais como as do International Committee of Medical Journal Editors. 17: Somente as pessoas que emprestaram contribuição significativa ao trabalho merecem autoria em um manuscrito. Por contribuição significativa entende-se realização de experimentos, participação

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na elaboração do planejamento experimental, análise de resultados ou elaboração do corpo do manuscrito. Empréstimo de equipamentos, obtenção de financiamento ou supervisão geral, por si só, não justificam a inclusão de novos autores, que devem ser objeto de agradecimento.

Ilustração: E-geress Online Torah Magazine

18: A colaboração entre docentes e estudantes deve seguir os mesmos critérios. Os supervisores devem cuidar para que não se incluam na autoria estudantes com pequena ou nenhuma contribuição nem excluir aqueles que efetivamente participaram do trabalho. Autoria fantasma em Ciência é eticamente inaceitável. 19: Todos os autores de um trabalho são responsáveis pela veracidade e idoneidade do trabalho, cabendo ao primeiro autor e ao autor correspondente responsabilidade integral, e aos demais autores responsabilidade pelas suas contribuições individuais. 20: Os autores devem ser capazes de descrever, quando solicitados, a sua contribuição pessoal ao trabalho. 21: Todo trabalho de pesquisa deve ser conduzido dentro de padrões éticos na sua execução, seja com animais ou com seres humanos.

Referências Roig, M. 2006. Avoiding plagiarism, self-plagiarism, and other questionable writing practices: A guide to ethical writing. Disponível em: <http:// facpub.stjohns.edu/~ roig m/plagiarism/>. Acesso realizado em 26/12/2011.

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Kassirer, J.P. & Angell, M. 1995. Redundant publication: A reminder. The New England Journal of Medicine, 333: 449-450.

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European Science Foundation 2010. Fostering Research Integrity in Europe. Disponível em: <http://www.esf.org/activities/mo-fora/publications.html>. Acesso realizado em 26/12/2011.

Expedição revela biodiversidade das montanhas do Atlântico - Projeto MAR-ECO: Atlântico Sul

O projeto “MAR-ECO: Padrões e Processos

dos Ecossistemas da Cordilheira do Atlântico Norte” teve início em 2001, no âmbito do Censo da Vida Marinha, com o objetivo de estudar uma importante fração do oceano profundo: a cordilheira meso-oceânica. O projeto “MAR-ECO: Atlântico Sul” teve início em 2006, como uma extensão do projeto MAR-ECO, e foi estabelecido no intuito de promover conhecimento sobre a vida marinha existente na cordilheira meso-oceânica no Atlântico Sul, considerada uma área prioritária pelo Censo da Vida Marinha.

A 1.000 km da costa brasileira há uma montanha. Totalmente submersa, seu topo fica a 580 metros da linha d'água, numa região em que a profundidade é de cerca de 4.000 m, na altura do Rio Grande do Sul. A chamada Elevação do Rio Grande, do tamanho do Estado da Bahia, faz com que o local seja um oásis da vida marinha ainda desconhecida dos cientistas. Uma expedição de pesquisadores brasileiros esteve lá entre os dias 7 e 15 de novembro, saindo de Itajaí e voltando ao Rio de Janeiro, para estudar a biodiversidade de águas profundas, que tem potencial para a biotecnologia e a compreensão de processos climáticos associados ao aquecimento global, como a absorção do CO2.

"Coletamos dados físicos, de circulação de água e de correntes. Tentaremos entender se a montanha afeta o padrão de circulação de água profunda", diz o oceanógrafo José Angel Alvarez Perez, coordenador do Grupo de Estudos Pesqueiros, do Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar (CTTMar), da Univali, de Santa Catarina. "Estimaremos a concentração de nutrientes, clorofila e bactérias, além de saber o que elas podem fazer."

Os dados coletados ainda estão sendo processados pelos pesquisadores. Um relatório preliminar deverá ser publicado no começo do ano que vem e, provavelmente no meio de 2012, sairá outro mais completo. Durante a expedição, os cientistas avistaram mais baleias e aves próximas à montanha do que em outras áreas de alto-mar, indicando a maior presença de vida próxima à

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elevação de terras sob o mar. O projeto integra a nova fase do Censo da Vida Marinha.

A Universidade do Vale do Itajaí (Univali), de Santa Catarina, é a instituição que lidera o projeto. Parceria feita com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e a Marinha do Brasil permitiu o uso do navio oceanográfico Antares. Os pesquisadores querem repetir a expedição no ano que vem para realizar outros tipos de coletas de dados.

O Dr. José Angel Alvarez Perez (Univali), coordenador do Mar-ECO Atlântico Sul, fala durante sua participação em debate do 3º. CBBM, em Natal. Fonte: arquivos ABBM.

"Existe uma tendência mundial de se

conhecer as águas profundas. É para lá que vai o CO2 produzido pelo homem. Há uma corrida mundial para compreender o funcionamento da vida no mar profundo de forma a preservar os serviços que ela oferece para a Humanidade, tanto em relação à diversidade como suas possibilidades biotecnológicas", explica Perez.

Amostras de água foram coletadas em diferentes profundidades, entre 500 e 3.600 metros de profundidade. Também foram observadas aves e mamíferos marinhos. Os pesquisadores acreditam que a montanha pode exercer uma influência em toda a coluna d'água. "Temos que apurar as informações obtidas, mas a nossa impressão inicial é que realmente a vida lá é diferente", afirma o oceanógrafo.

A Elevação do Rio Grande, no lado Oeste, e a Cadeia Walvis, no Leste do Atlântico Sul, são cadeias de montanhas perpendiculares que ligam o centro do oceano até a margem dos continentes, tanto no litoral brasileiro como na costa da África. Os pesquisadores acreditam que ambas as cadeias influenciam a circulação da água profunda no sul do Oceano Atlântico. Sendo assim, podem ter relevância na dispersão da vida marinha em grandes profundidades. Estas são regiões geralmente pobres em nutrientes. Porém, a presença da montanha pode aumentar a oferta de alimentos, que sustentem grandes cadeias alimentares.

Já o Censo da Vida Marinha teve os primeiros resultados divulgados ano passado. O estudo permitiu a descoberta de 6 mil novas espécies em potencial e ajudou a avaliar como a atividade humana está afetando ecossistemas marinhos inexplorados.

Fonte: O Globo e Univali. IBGE em parceria com a Marinha do Brasil lança o Atlas Geográfico das Zonas Costeiras e Oceânicas

O Atlas Geográfico das Zonas Costeiras e

Oceânicas do Brasil é voltado para a difusão, entre os estudantes e o público em geral, de informações e conhecimentos atualizados sobre o litoral brasileiro, abordando as dimensões histórica, demográfica, econômica, social, cultural e natural. A publicação tornou-se realidade a partir de uma ideia concebida pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) e desenvolvida em conjunto com a Coordenação de Geografia da Diretoria de Geociências do IBGE. O objetivo é incentivar a sociedade a pensar, conhecer e valorizar o uso racional da biodiversidade e dos recursos minerais e energéticos presentes nas águas oceânicas, solo e subsolo marinhos, que constituem parte fundamental do desenvolvimento socioeconômico e da sustentabilidade ambiental do país.

Divulgação

O Atlas apresenta ainda a evolução da

distribuição da população pelo território e os padrões de ocupação do litoral, tratando de temas socioeconômicos e suas relações com os ambientes costeiros: população, turismo, balneabilidade, recursos pesqueiros, estrutura portuária, logística do petróleo e áreas de preservação e proteção ambiental.

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Devido a fatores históricos relacionados à ocupação do território brasileiro e seguindo a tendência mundial da população em ocupar predominantemente áreas próximas ao litoral, o Brasil apresenta 26,6% da população em municípios da zona costeira, o equivalente a 50,7 milhões de habitantes. Parte dessa população está ocupada em atividades, direta ou indiretamente, ligadas ao turismo, produção de petróleo e gás natural, pesca e serviços que atendem à dinâmica econômica gerada por esses municípios e outros próximos.

A publicação poderá ser adquirida na Loja Virtual do IBGE http://www.ibge.gov.br/lojavirtual/.

Fonte: Agência Brasil. Fausto Foresti é eleito para a Academia Brasileira de Ciências

No dia 16/12/2011 foi realizada a Assembleia

Geral Ordinária da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que elegeu os novos Membros Titulares e Correspondentes. A cerimônia de posse vai acontecer no dia 08/05/2012, durante a Reunião Magna da ABC. Fausto Foresti, professor da Unesp, Campus Botucatu - SP, e conselheiro da ABBM, foi eleito membro titular da ABC, na área de Ciências Biológicas.

O Dr. Fausto Foresti durante sua palestra no 3º. CBBM, em Natal. Fonte: arquivos ABBM.

Com muito orgulho, a ABBM congratula o

Prof. Foresti por esta importante conquista. A matéria completa sobre o ingresso do Prof. Foresti na ABC será publicada no segundo fascículo do Boletim Informativo da ABBM de 2012.

Marco Antonio Raupp é o novo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação

Nomeação do ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi confirmada em 18/01/2012 pela Presidência da República. A posse aconteceu em 24/01/2012.

Marco Antonio Raupp (direita) é o novo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação. Aluízio Mercadante (esquerda) assumiu o comando do Ministério da Educação. Fonte: O Globo.

O atual ex-presidente da Agência Espacial

Brasileira (AEB), Marco Antonio Raupp, foi escolhido pela presidente da República, Dilma Rousseff, para substituir Aloizio Mercadante que assumirá o Ministério da Educação no lugar de Fernando Haddad, que deixou o governo para concorrer à prefeitura da cidade de São Paulo.

Em nota divulgada à imprensa, a presidente Dilma agradeceu o serviço prestado por Haddad frente à pasta da Educação e ressaltou "o trabalho de Mercadante e Raupp nas atuais funções, com a convicção de que terão o mesmo desempenho em suas novas missões."

Também por meio de nota, Raupp declara ter "absoluta consciência da exigência sem precedentes para que a ciência, a tecnologia e a inovação contribuam de forma essencial para o desenvolvimento social e econômico do Brasil." Ele destaca ainda que "com 40 anos de militância nas atividades científicas e tecnológicas, como pesquisador e gestor de instituições da área, considero uma honra e um enorme desafio a nova missão que me é confiada."

Mercadante sublinhou a "competência e o espírito público" de Raupp em outra nota sobre sua saída do MCTI. Ele ressaltou sua satisfação em assumir o Ministério da Educação, se dizendo "muito honrado com a escolha." Perfil

Marco Antonio Raupp é graduado em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é PhD em matemática pela Universidade de Chicago e livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP).

Foi pesquisador titular do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Como

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docente, atuou no Instituto de Matemática e Estatística da USP (IME/USP) e na Universidade de Brasília (UnB).

Já dirigiu várias instituições da área de C,T&I, a exemplo do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), do Inpe e do Instituto Politécnico da Universidade do Rio de Janeiro (IPRJ/Uerj). Nos últimos anos, trabalhou como diretor-geral do Parque Tecnológico de São José dos Campos, SP, e desde março de 2011 estava à frente da Agência Espacial Brasileira (AEB).

Raupp trabalhou ativamente no Programa Espacial Brasileiro durante quase seis anos, quando foi responsável por impulso fundamental para o avanço do País na área. À frente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) entre 1985 e 1989, tirou da gaveta o projeto que possibilitou o lançamento do primeiro satélite brasileiro - o SCD1 - em 1993. Além disso, conduziu as negociações que permitiram a construção do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres - atualmente um dos principais equipamentos usados no monitoramento da Amazônia. Raupp voltou a trabalhar com o programa quando dirigiu a Agência Espacial Brasileira no último ano.

No campo da produção científica, Raupp se destaca na área de matemática aplicada - em que modelos matemáticos são usados para entender fenômenos físicos. Um exemplo é o desenvolvimento de equações diferenciais para o funcionamento de máquinas usadas na construção civil. O trabalho de Raupp na área foi essencial para as tecnologias usadas na construção do metrô do Rio de Janeiro. O ministro ajudou a consolidar a área em nível nacional e é um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional.

Marco Antonio Raupp foi empossado pela presidente Dilma Rousseff em 24/01/2012. Fonte: G1.

Raupp é membro titular da Academia

Internacional de Astronáutica (IAA). Além da SBPC, foi presidente da Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC). Entre os títulos que recebeu destacam-se o de Comendador pela

Ordem do Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores, e de Grão-Cruz pela Ordem Nacional do Mérito Científico, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Repercussão e expectativas

À frente da Ciência e Tecnologia Marco Antonio Raupp deve retirar entraves para o desenvolvimento científico. Experiência do pesquisador é favorável a mudanças, dizem especialistas. Ao assumir o MCTI, Raupp vai encontrar um cenário de contingenciamento de verbas, legislação inadequada e escassez de recursos humanos que ainda entravam o crescimento da pesquisa no País.

"Uma meta importante é alcançar o patamar de 2% do PIB aplicados em Ciência, Tecnologia e Inovação", destaca Helena Nader, atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). "É um desafio grande porque ainda não nos recuperamos dos cortes de recursos de 2011".

Isaac Roitman, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do grupo de trabalho em educação da SBPC, aponta a desburocratização como outro ponto fundamental. "Atualmente, para importar insumos de pesquisa é preciso autorização da Receita Federal e liberação da Anvisa", explica. Isaac ressalta que é essencial que esse processo aconteça com rapidez. "Esses insumos não podem ser tratados como uma mercadoria normal, perdemos muito principalmente no ambiente competitivo em pesquisas de fronteiras".

Para os pesquisadores ouvidos pelo UnBCiência, contudo, a escolha do novo ministro foi a mais acertada para superar os problemas. "Ele tem o perfil técnico e combativo exigido pelo cargo", conta Helena Nader, que trabalhou junto a Raupp durante os cinco anos em que ele esteve na presidência da SBPC. Nader ressalta a experiência do pesquisador na gestão da inovação como uma das qualidades que farão a diferença na condução do ministério. "Ele coordenou durante muitos anos o parque tecnológico de São José dos Campos e organizou um livro onde o assunto é abordado sob o prisma de várias áreas do conhecimento". Segundo ela, a obra será lançada esse ano pela SBPC.

Isaac Roitman, que também atuou junto a Raupp enquanto ele presidiu a sociedade, afirma que uma das suas principais ações foi criar o grupo de trabalho em educação e o lançamento do Pacto pela Educação - documento que convoca a sociedade a se mobilizar em prol da melhoria da educação básica. "Relacionamos as principais medidas que precisam ser tomadas para que tenhamos uma educação de qualidade", conta.

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Segundo Roitman, o ministro sempre demonstrou o entendimento da posição estratégica da educação para o desenvolvimento científico.

O físico Celso Mello, professor da Universidade Federal de Pernambuco e presidente da Sociedade Brasileira de Física, declarou ao portal SciDev.Net: "Estamos otimistas com a seleção de um cientista do calibre de Raupp para assumir o ministério. Espero que isso ajude, neste segundo ano de governo da presidente Rousseff, para que se supere a restrição orçamentária e que seja possível dar continuidade à política científica".

Em particular, Mello disse que sua expectativa é de que o novo ministro fortaleça a cooperação internacional em áreas estratégicas. "No curto espaço de tempo em que estava no comando da Agência Espacial Brasileira, Raupp mostrou que é capaz de fazê-lo, com ações que realizou a favor do Programa Espacial Brasileiro", disse ele.

Para Luiz Davidovich, diretor da Academia Brasileira de Ciências, "há uma expectativa por parte da comunidade científica de que o novo ministério consiga equilibrar as atividades para estimular a inovação empresarial, com suporte para várias instituições de pesquisa e formação de recursos

humanos, dado ao desenvolvimento científico e tecnológico que o País exige em uma série de atividades complementares."

Ele acrescentou que "é importante para fortalecer o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que teve dificuldades em 2011 devido a cortes orçamentais." Para Davidovich, outro desafio diz respeito à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), outra agência de fomento vinculada ao ministério. "A Finep deve seguir cumprindo seu papel histórico de financiar simultaneamente a inovação nas empresas e a pesquisa em universidades e institutos. Espera-se que a Finep não se transforme simplesmente em um banco de investimento, porque esta é uma tarefa já cumprida pelo BNDES."

Fonte: Jornal da Ciência e Agência UnB de Notícias.

NNOOVVAASS EESS TTRREELLAASS -- DDOO -- MMAARR

Esta seção se dedica a divulgar trabalhos de monografias, dissertações e teses defendidas por estudantes associados da ABBM. Trabalhos de estudantes não-associados à ABBM também podem ser divulgados, desde que eles tenham sido orientados por professor/pesquisador integrante da Associação.

Giuliana Seraphim de Araujo, bacharelado

Curso de Graduação em Ciências Biológicas (Habilitação em Gerenciamento Costeiro e Biologia Marinha), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus Litoral Paulista, São Vicente - SP. Título da monografia: Análise Ecotoxicológica dos sedimentos

da porção marinha do Parque Estadual Xixová-Japuí (PEXJ). Orientador: Denis Moledo de Souza Abessa (associado ABBM) Aprovado em 09/12/2011

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Raquel Garofalo de Souza Faria, bacharelado Curso de Graduação em Ciências Biológicas (modalidade Biologia Marinha), Universidade Federal Fluminense. Título da monografia: Biodiversidade e ecologia de moluscos marinhos do sambaqui da Tarioba, Rio das Ostras, Rio de Janeiro, Brasil.

Orientadores: Rosa Cristina Corrêa Luz de Souza e Edson Pereira da Silva (associados ABBM) Aprovado em 30/11/2011

Mariana Brasil da Cruz, bacharelado

Curso de Graduação em Ciências Biológicas (modalidade Biologia Marinha), Universidade Federal Fluminense. Título da monografia: Determi-nação da composição química, crescimento e consumo de nutrien-

tes pela diatomácea Thalassiosira oceanica. Orientadores: Elisabete Barbarino e Sergio de Oliveira Lourenço (associados ABBM) Aprovado em 25/11/2011 Caroline Rangel Pinto de Souza Paes, bacharelado Curso de Graduação em Ciên-cias Biológicas (modalidade Biologia Marinha), Universidade Federal Fluminense. Título da monografia: Gradiente da ictiofauna na zona de arrebentação na baía de Guanabara e região adjacente

Orientador: Cassiano Monteiro Neto (associado ABBM) Aprovado em 24/11/2011

Henrique Vianna Pozo, bacharelado Curso de Graduação em Ciências Biológicas (Habilitação em Gerenciamento Costeiro e Biologia Marinha), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus Litoral Paulista, São Vicente - SP. Título da monografia: Avaliação

da toxicidade aguda dos sedimentos próximos a uma marina residencial no canal de Bertioga. Orientador: Denis Moledo de Souza Abessa (associado ABBM) Aprovado em 01/07/2011

Renan Vandre da Silva Toscano Saes,

bacharelado Curso de Graduação em Ciências Biológicas (Habilitação em Gerenciamento Costeiro e Biologia Marinha), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus Litoral Paulista, São Vicente - SP. Título da monografia: Desenvolvimento de protocolo de ensaio de ecotoxicidade de sedimento integral utilizando poliquetos: Armandia agilis. Orientador: Denis Moledo de Souza Abessa (associado ABBM) Aprovado em 01/07/2011

A Associação Brasileira de Biologia Marinha congratula as novas estrelas-do-mar e apresenta seus melhores votos de sucesso profissional a todas elas.

MMEEMMÓÓRR II AA José Reis (1907-2002)

Neste fascículo, o Boletim Informativo da ABBM presta uma homenagem a um dos maiores responsáveis pela divulgação da Ciência no Brasil no século XX: José Reis. Médico de formação, apaixonado por ciências naturais, Reis se dedicou à Microbiologia durante a primeira parte de sua longa carreira. Mas foi na extraordinária militância em prol do desenvolvimento da Ciência no Brasil que ele ganhou ampla notoriedade. Dois textos ilustram a vida e o legado de José Reis. No primeiro deles, as pesquisadoras Márcia Maria Rebouças & Simone Bacilieri (Instituto Biológico - SP) fazem uma sinopse da vida e da obra de nosso homenageado. O

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segundo texto é uma entrevista de José Reis concedida à historiadora Alzira Alves de Abreu (FGV e UFRJ) em 1982, na qual ele próprio fala de sua trajetória.

José Reis não se dedicou à Biologia Marinha, mas sua notável atuação, sem dúvida, contribuiu muito para o desenvolvimento científico do Brasil, com reflexos em todas as áreas do conhecimento.

José Reis, vida e obra de um marco na

divulgação científica1

Márcia Maria Rebouças & Simone Bacilieri

Rio de Janeiro, 12 de junho de 1907, nasce José Reis. Médico e posteriormente jornalista, ingressou no Instituto Biológico (IB), em 1929, aposentando-se em 1958. Dedicou-se à pesquisa no campo da microbiologia e, por influência de Rodolfo von Ihering, passou a estudar as doenças que acometiam as aves. José Reis se expressou em entrevista para a revista "O Biológico" em 1995 – "para tentar resolver a questão das doenças que os avicultores apresentavam como dificuldades na criação das aves". "Homens mais humildes do campo e sua comovente necessidade de aprender".

Na antiga Seção de Ornitopatologia, José Reis desenvolveu suas atividades de pesquisa. "Nunca uma instituição de pesquisa de patologia animal estudou tanto sobre doenças das aves e nunca um volume tão grande de informações sobre avicultura havia sido sistematizado, como fora feito por três pesquisadores, José Reis, Anita Swensson Reis e Paulo da C. Nóbrega", disse Dr. Henrique da Rocha Lima diretor do Instituto Biológico naquela época.

O termo ornitopatologia foi criado por José Reis, quando anteriormente usava-se o termo ornitoiatria. Ele justificou a criação desse termo por estudar as doenças das aves de maneira global, desde a etiologia até a patogenia e a anatomia patológica, para concluir, indicando as medidas de prevenção e terapêutica, e não como um assunto clínico. Nesse assunto, preparou para os produtores avícolas inúmeros folhetos em linguagem acessível. Mais tarde, organizou esses folhetos em um único livro que recebeu ótima acolhida dos leitores interessados no assunto. Figurava-se cada vez mais o Prof. José Reis, como um verdadeiro divulgador do conhecimento. Graças aos seus esforços de

1 Reprodução de artigo originalmente publicado em 2005 (Páginas Inst. Biol., v.1, n.1, jan./jun.; disponível em <http://www.biologico.sp.gov.br/docs/pag/v1_1/reboucas4.htm>)

assistência e educação técnicas, o Instituto Biológico passou a centralizar e a coordenar toda a ação dos criadores de aves do Estado de São Paulo.

Esse eminente pesquisador gostava das coisas que produzissem algo melhor para os produtores. Executava a verdadeira cadeia de conhecimento, atendia a demanda, estudava a doença, pesquisava o melhor caminho para detectá-la, aplicava seu conhecimento, desvendava para a comunidade o mistério da doença e empregava toda essa gama que permeava seu modo de ser, inovando a divulgação da pesquisa que era então, privilégio somente para alguns. Essa divulgação nunca deixou de ser a pesquisa propriamente dita, pois ela ia ao encontro dos anseios dos produtores que tinham, no Instituto Biológico, o meio para a solução de seus problemas.

Por vários anos, ao arquivar suas anotações do dia-a-dia, suas conversas com os avicultores, suas palestras para os produtores das mais diversas cooperativas, inclusive de países vizinhos, suas fichas de necropsias, trabalhos científicos, enfim seus mais completos arquivos, propiciou, juntamente com o Dr. Paulo da Cunha Nóbrega e com a colaboração dos Drs. Annita S. Reis, Raphael de Castro Bueno e M. Giovannoni, o inigualável "Tratado de Doenças das Aves". Anota José Reis - "Para conseguir um trabalho mais ou menos eficiente em relação às doenças de aves, eu tive de passar uns 6 anos sem pensar noutra coisa, atolado em galinha até as orelhas...". O Prof. Rocha Lima, diretor geral do Instituto Biológico, diz, na apresentação do livro citado acima, "obra com o caráter de um tratado sobre o assunto profundo e longamente estudado e investigado praticamente por seus autores até terem adquirido autoridade científica necessária para garantir a excelência de uma tal fonte de ensinamentos".

O Instituto Biológico, onde José Reis desenvolveu suas primeiras décadas de atuação profissional. Fonte: Portal do Governo do Estado de São Paulo.

Como parte do seu conhecimento sempre

citou as reuniões das sextas-feiras, "sexta-ferinas",

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denominação bem-humorada cunhada por José Reis, sempre tendo no comando Henrique da Rocha Lima, que incentivava seus técnicos a participarem dessas reuniões onde pesquisadores de várias instituições discutiam a ciência. Resultado disso, Paulo Sawaya, Maurício Rocha e Silva, José Reis e Gastão Rosenfeld, participando dessas memoráveis reuniões, criaram a SBPC, em 1948.

Uma de suas maiores habilidades era o escrever, a atividade de trocar em miúdos a informação científica para o grande público. Certa vez, José Reis cita em uma entrevista "o Prof. Otto Bier me perguntou se não era monótono e cansativo toda semana arranjar um assunto diferente e prepará-lo para divulgação. Creio haver mostrado que assim não ocorre porque essa tarefa envolve dois dos maiores prazeres desta vida: aprender e repartir".

Dr. José Reis foi laureado com diversos prêmios, como Prêmio "John R. Reitemeyer", em 1964, concedido pela Sociedade Interamerica de Imprensa e União Panamericana de Imprensa, no México; Prêmio "Kalinga", em 1975, concedido pela Unesco e recebido na sede do CNPq e Prêmio "Instituto Biológico", no próprio IB. Tem ainda nome dado em sua homenagem em Auditório no Instituto Biológico. Em sua homenagem também se criou o "Núcleo José Reis de Divulgação Científica", na Escola de Comunicação e Artes/USP, que foi comandada pelo eminente pesquisador Prof. Crodowaldo Pavan, tendo como seus colaboradores os grandes admiradores do Prof. José Reis, os Prof. Glória Kreinz e Osmir J. Nunes. Ainda em 2001, no dia 12 de junho, quando José Reis completava 93 anos, fundou-se, por iniciativa do grupo do Núcleo JR, a Associação Brasileira de Divulgação Científica – ABRADIC, para homenageá-lo. Também, em 1978, o CNPq o homenageou com um prêmio em seu nome. Prêmio esse cujos vencedores contribuíram de forma ímpar na divulgação científica e tecnológica brasileira. Já a FAPESP, em 1999, criou o Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (Mídia Ciência).

Canal Ciência

Além de escrever obras de divulgação

científica para jornais, folhetos dirigidos aos

criadores, livros infanto-juvenis, realizar palestras, monitorar visitas a laboratórios, José Reis também assumiu a direção da redação do Jornal Folha de São Paulo, a convite de Otávio Frias, encontrando uma tarefa penosa em momento de transição e, para o jornal, de crise econômica, tudo isso agravado pelo advento da revolução de 1964. A marginalização dos estudantes e a tempestade que se abateu sobre a USP e outras universidades, onde alguns docentes denunciavam colegas, todos brilhantes, mobilizaram o jornal sob a direção editorial de José Reis. Tornou-se a Folha a guardiã dos ideais universitários. Publicou nesse periódico, na coluna "Periscópio", até um dia antes de falecer. Nesse espaço, trabalho de muita pesquisa, José Reis procurava dar relance das principais experiências científicas mundiais. "Essa atividade é continuação de trabalho que venho fazendo há 50 anos e ainda me dá muita satisfação".

Sempre atento aos meios de comunicação, José Reis viajava para todo o Estado de São Paulo, combatendo o conceito de educação como bem-de-consumo, o que parecia querer prevalecer, e, ainda, envolvia professores e alunos dos cursos primário e secundário na organização de feiras de ciência. Foi dessa maneira que se fez "caixeiro viajante" da Ciência.

As feiras de Ciência, clubes de Ciência e concursos "Cientistas de Amanhã" nasceram de pregação na Folha, aliada ao trabalho de orientação e realização do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, órgão da UNESCO. Também, na Folhinha de São Paulo, incluiu uma seção de Ciência, da qual se incumbiu a Profa. Maria Julieta Ormastroni. Dirigiu também a revista Ciência e Cultura, da SBPC, e colaborou na revista Anhembi, destinada ao um público mais homogêneo do que o da Folha.

Em 16 de maio de 2002, aos 94 anos, José Reis morreu, vítima de uma série de pneumonias.

Prof. Dr. José Reis não deixou um dia sequer de fazer Ciência, seus trabalhos científicos, a criação das feiras de Ciência, suas palestras, sua participação no contexto da sociedade será eterna pelo marco sempre atual que deixou para todos aqueles que veem, na pesquisa científica e na divulgação da Ciência, um meio legítimo de se atingir o conhecimento.

Algumas frases do Prof. José Reis que dizem muito de si.

- "A Comunicação é uma das grandes forças dentro das instituições científicas..." - "Suponho que a alegria do divulgador é maior que a do mestre, que ensina em classes formais. O divulgador exerce um magistério sem classe”.

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- "Poder-se-ia dizer que há um componente estético no ato da documentação que, afinal, fixa aquilo que nos encanta". - "Reconheço hoje que nunca me contentou a prática pura e simples de uma especialidade. Sempre procurei completá-la com a sua história e, se não a filosofia, o filosofar sobre a essência do trabalho realizado, sua significação, sua posição no contexto do saber". - "Esse trabalho de ir espontaneamente aos criadores, em suas granjas e em seu ambiente próprio, para tomar conhecimento de seus problemas e estudar e sugerir soluções para eles, é precisamente o mais importante de todos, a chave mestra de toda a campanha de educação agrícola da qual resultará o levantamento do nível de nossos trabalhadores do campo". - "Uma das suas maiores recompensas: aprender, tentando ensinar".

Entrevista concedida a Alzira Alves de

Abreu 2

O Prof. José Reis fez seus estudos secundários no Colégio Pedro II e em seguida cursou a Faculdade Nacional de Medicina, onde se formou em 1930. Nesse ano, mudou-se para São Paulo, contratado pelo Instituto Biológico. Lá se encontravam cientistas importantes que deram impulso à Ciência no Brasil, como Hermann von Ihering, Otto Bier, Rocha Lima, Genésio Pacheco e outros.

Reproduzido de Rebouças & Bacilieri (2005)

O trabalho de Microbiologia que então

desenvolveu levou-o a perceber a importância de

2 Reprodução de entrevista publicada em julho/agosto de 1982. O arquivo original está disponível no Canal Ciência <http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/livros/jose_reis_28.html>.

ampliar seu campo de estudo e a olhar para o que faziam os cientistas de outras áreas. Esse interesse permitiu-lhe enveredar por outras atividades, vindo a ocupar o cargo de diretor-geral do Departamento do Serviço Público de São Paulo de 1942 a 1945, tornando-se professor de Administração da Universidade de São Paulo e da Universidade Mackenzie (1946-47), professor de Economia, redator científico do jornal Folha de São Paulo, diretor da revista Ciência e Cultura, autor de livros infanto-juvenis, novelas de rádio, livros e artigos científicos. Professor José Reis, o senhor poderia nos explicar como chegou à atividade de divulgador da Ciência? É necessário um pendor especial para exercer esta atividade? Durante a minha infância, tive sempre interesse em transmitir tudo aquilo que aprendia. Assim, logo que aprendi a ler tratei de alfabetizar as empregadas da casa, que também aprenderam comigo o catecismo. Após a missa dominical, em casa repetia o sermão do padre para as empregadas. Na escola, não tive dificuldades em aprender as matérias ensinadas, e tinha uma grande curiosidade intelectual - o que me levava a procurar estudar além do que o professor apresentava em aula. Desse esforço resultavam cadernos que circulavam entre os colegas, nos quais às vezes manifestava pontos de vista discordantes dos ensinados e tentava metodologia e enfoques originais, além de incluir matéria não ensinada e por mim "descoberta" em leituras paralelas. Vem daí talvez o encantamento que me provocou a frase de dom Duarte Nunes de Leão: "Tentei ensinar aos outros o que de outrem não pude aprender". É grande o prazer de tentar compreender o que é difícil e depois transformá-lo em algo menos hermético, para gozo dos outros. Movido por essas características psicológicas e pela necessidade de ganhar a vida, era natural que eu buscasse o magistério particular, ensinando a alunos de séries mais atrasadas o que ia absorvendo à medida que avançava. No início, lecionava tudo, e aos poucos fui me concentrando na História Natural. O seu interesse pela História Natural fez com que o senhor escolhesse a Faculdade de Medicina? Sim, mas reconheço hoje que nunca me contentou a prática pura e simples de uma especialidade. Sempre procurei completá-la com a sua história e, se não a filosofia, pelo menos o filosofar sobre a essência do trabalho realizado, sua significação, sua posição no contexto geral do saber. Surgiu daí a

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preocupação, que se foi acentuando, com a história, a filosofia da Ciência e a política da Ciência. Mas ao terminar a Faculdade de Medicina o senhor foi trabalhar como bacteriologista no Instituto Biológico de São Paulo... Pois foi aí que eu comecei de fato minha carreira de divulgador da Ciência. Eu trabalhava ao lado do grande cientista Hermann von Ihering, que um dia entrou na minha sala com o seguinte problema: um modesto sitiante procurava o Instituto para esclarecer qual era o problema que atacava suas galinhas que eram dizimadas por uma "peste". O Dr. von Ihering me perguntou: "Que peste é essa? Aí está uma coisa que você pode descobrir para ajudar esse pessoal." Aceitei o desafio e, resolvido esse, outros foram se apresentando. Mas para desincumbir-me bem dessa missão de aconselhar, informar os sitiantes, tornava-se importante estabelecer contato com eles e aprender a falar-lhes e escrever-lhes com a maior simplicidade. Ao fim de pouco tempo, eu estava escrevendo artigos em revistas agrícolas, como Chácaras e Quintais. Ainda para facilitar a comunicação do Instituto com sua clientela, preparei numerosos folhetos, em linguagem simples, sobre os diversos problemas que afetavam a criação de galinhas. Desse modo, o senhor trocou sua carreira de cientista pela de divulgador. Não foi bem isso, continuei dedicando-me à pesquisa. Nunca fui cientista brilhante, dotado de criatividade que produz trabalhos originais que mexem com as bases da própria Ciência. Fui antes um pesquisador sistemático, interessado em identificar doenças e micróbios, alguns conhecidos, outros ignorados. O impulso que sentia para divulgar os achados da Ciência talvez seja, no fundo, uma forma de criatividade didática. Os cientistas que se preocupam em divulgar os resultados de suas pesquisas para um público mais amplo são malvistos por seus colegas? Quando eu comecei, na década de 1940, havia uma certa reserva quanto ao cientista que frequentava as colunas de jornais e revistas populares. Hoje essa atitude mudou, os cientistas já percebem que é importante dar ao público uma satisfação sobre o trabalho que realizam. Eles compreenderam que não podem se fechar, isolar-se em seus laboratórios. Mas a tradição isolacionista do pesquisador gerou muitos ressentimentos entre o cientista e os jornalistas. De um lado os cientistas, muito ciosos da

precisão da informação até mesmo em minúcias de nenhum interesse público, e de outro os jornalistas, mais estimulados pelo essencialmente novo e capaz de atrair os leitores. Pode-se dizer que em alguns centros se cavou um profundo fosso entre Ciência e jornalismo, como se a notícia científica se apequenasse ou prostituísse quando veiculada na imprensa. Se os jornalistas, algumas vezes por despreparo, outras pela ânsia de sensacionalismo, contribuíram para aquela situação, os cientistas não ficam absolvidos, pois muitos deles se negaram sistematicamente a dialogar com os repórteres ou atender aos pedidos de colaboração em termos simples. Felizmente as coisas mudaram dos dois lados. Melhor preparo e senso profissional do jornalista e mais aguda consciência social do cientista criaram a situação presente de bom entendimento. A divulgação científica pelo jornal Folha de São Paulo foi sua primeira experiência na imprensa? Na verdade, comecei na então Folha da Manhã, escrevendo sobre problemas gerais de administração, a convite do diretor editorial José Nabantino Ramos. Logo o Dr. Nabantino Ramos me propôs nova e grata tarefa, o desenvolvimento de uma seção permanente de Ciência. Assim começou "No Mundo da Ciência", na última página do jornal, em 1° de fevereiro de 1948. Era uma página dominical, que constava de um artigo principal, algumas notas esparsas e uma seção de resenha bibliográfica para a qual Mário Donato, então redator chefe, sugeriu o título de "Se não leu, leia". Acrescentou-se depois a coluna "Ponto de vista", que reproduzia escritos de cientistas ou pensadores de renome sobre o papel da Ciência, em particular a necessidade de amparar a muito incompreendida "Ciência pura". Outra seção, "Em foco", tratava de problemas da Ciência e sua política e organização no Brasil. Os artigos de divulgação abrangiam praticamente todas as áreas do conhecimento, e não raro versavam sobre assuntos que se tornaram palpitantes. Sempre estiveram presentes questões de História, Filosofia, política e organização da Ciência. Passei a colaborar também na Folha da Noite, onde lancei a idéia de um concurso destinado a revelar novos cientistas e clubes de Ciência. Ambas as sugestões encontraram apoio na Universidade de São Paulo. Na revista Anhembi de Paulo Duarte, colaborei de 1955 a 1962, escrevendo "Ciência de 30 dias". Ao ser criada a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em 1948, que eu ajudei a fundar, decidiu-se que ela editaria uma revista. Ciência e Cultura surgiu em abril de 1949 com o

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objetivo de divulgar trabalhos inéditos de cientistas brasileiros de todos os campos do conhecimento. Sou seu diretor até hoje. O jornal, o livro, folhetos para criadores, foram os únicos veículos que o senhor utilizou para popularizar a Ciência? Não, busquei romancear a Ciência para a infância pré-escolar, escrevendo A cigarra e a formiga, que adapta a conhecida fábula, introduzindo duas formigas, uma "ruim", a Quenquém, e a outra "boa", a Asteca, que vive em associação com pulgões no oco das imbaúbas. Para a infância alfabetizada escrevi As galinhas do Juca, com noções de avicultura e doenças e O menino dourado com noções de Microbiologia. Para a juventude, escrevi Aventuras no mundo da ciência, novela que se desenrola num instituto científico e constitui um passeio pela História Natural. Outra experiência foi o rádio teatro e durante um ano elaborei scripts para a Rádio Excelsior de São Paulo. Uma vez por semana ia ao ar "A marcha da ciência", onde apresentava fatos atuais e históricos da pesquisa científica.

Reproduzido do blogue Jornalisticamente Falando

O que é, afinal, divulgação científica? É a veiculação em termos simples da Ciência como processo, dos princípios nela estabelecidos, das metodologias que emprega. Durante muito tempo, a divulgação se limitou a contar ao público os encantos e os aspectos interessantes e revolucionários da Ciência. Aos poucos, passou a refletir também a intensidade dos problemas sociais implícitos nessa atividade. Para muitos divulgadores, a popularização da Ciência perdeu sentido como relato dos

progressos científicos, porque o cidadão se acha hoje cercado desse tipo de informação. Embora concorde em parte com essa posição, considero que a divulgação pela imprensa é muito importante, principalmente em países como o Brasil, onde as dificuldades e as precariedades das escolas fazem com que estudantes e professores obtenham informações sobre os progressos da Ciência por meio de artigos de jornais. Para mim, depois de um longo caminho percorrido como divulgador, é com a maior alegria que encontro por toda parte professores e pesquisadores que dizem haver encontrado em meus escritos o despertar de sua vocação, assim como pessoas de variado nível cultural que em artigos meus descobriram pistas para resolver até problemas pessoais. Como assim? Recebi muitas cartas de leitores com perguntas sobre a origem, causas e tratamento de anomalias que atingiam membros da família. Em alguns casos mantive longa correspondência com leitores e, sem me imiscuir nos aspectos profissionais que o caso comportava, sugeria a procura de centros especializados, capazes de esclarecer as dúvidas e orientar o tratamento. O leitor que se habitua a ler os escritos de um divulgador científico muitas vezes acaba fazendo dele uma espécie de conselheiro. É esta, pelo menos, minha experiência: creio que o leitor identifica nesses escritos a única virtude que eles realmente têm, a sinceridade. A carreira de divulgador parece ter-lhe dado muita alegria e significado uma grande realização profissional.

Uma das maiores recompensas do meu trabalho tem sido aprender, tentando ensinar. E uma das maiores alegrias é quando escrevo por sugestão do leitor, o que não é raro, mesmo quando a pergunta está longe de minha imediata cogitação; isto me obriga a enveredar por um caminho novo, fazer meu aprendizado e transformá-lo depois em ensinamento. A divulgação envolve para mim dois dos maiores prazeres desta vida: aprender e repartir. Filie-se à Associação Brasileira de Biologia Marinha! Consulte o

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