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BOA NOTÍCIA • Os investidores têm 200 bilhões de reais para aplii na bolsa brasileira — só falta a economia ajudar um pouquinho EXA EDIÇÃO 1117 • ANO 50 • N213 20/7/2016 www.exame.com E X E M P L A R DE ASSINANTE Abril IV ENDA PROIBIDA A CRISE DA OI A historia do maior calote da histria A série de trapaças e erros de gestão que levaram a Oi — uma das maiores empresas do país — a decretar um calote em sua dívida de 65 bilhões de reais

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BOA NOTÍCIA • Os investidores têm 200 bilhões de reais para apliina bolsa brasileira — só falta a economia ajudar um pouquinho

EXAEDIÇÃO 1117 • ANO 50 • N213 • 20/7/2016 • www.exame.com

E X E M P L A R D EA S S I N A N T E

Abril I V E N D A P R O I B I D A

A CRISE DA OI

A historiado maiorcalote dahistria

A série de trapaças e errosde gestão que levaram a Oi —

uma das maiores empresasdo país — a decretar

um calote em sua dívidade 65 bilhões de reais

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CAPA l telefonia

MANUTENÇÃO DA OlNO RIO DE JANEIRO:a empresa vale em bolsa90% menos que em 2012,quando atingiu o auge

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Baixe o aplicativo gratuito Blippar e ouçaa reportagem (saiba mais na página 72)

A QUEDA DAOs erros de gestão e as trapaças que

fizeram a gigante de telecomunicações[ Oi - - nossa "supertele" - dar o

maior calote da história brasileiraANA PAULA RAGAZZI

IAS ANTES DE PERDER O EMPREGO, BAYAROGONTIJO ENVIOU, POR E-MAIL, uma men-sagem em vídeo para 15 000 funcionáriosda Oi, empresa de telefonia presidida porlê desde o início de 2015. O tom da men-.gem era de alerta, mas o objetivo eraanquilizar. Notícias negativas viriam,sse Gontijo, mas não havia com que se

'reocupar. Bastava "continuar trabalhan-o" que daria tudo certo com a maior ope-

radora de telefonia fixa do país e a quartamaior no segmento móvel. Àquela altura,até os fios de cobre dos cabos da Oi sabiamque os motivos para preocupação eram

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CAPA l telefonia

muitos. Afogada numa dívida de 65bilhões de reais, a Oi estava metidanuma brutal renegociação com seuscredores. Em jogo. a sobrevivência.Gontijo, o responsável direto pelastratativas. sabia que uma espécie decalote seria inevitável e tentava fazê-loda maneira mais organizada possível.Achava que o conselho de administra-ção estava com ele. Mas seus chefes,insatisfeitos com o que consideravam

dar origem à "supertele'' nacional, aempresa cambaleou, ano a ano, rumoà lona. A sucessão de presidentes foiestonteante — nos últimos cinco anos,cinco executivos ocuparam o cargo.Gontijo foi promovido ao topo em2015, quando já havia sobrado muitopouco do glamour de outrora. Restariatrabalhar duro para evitar uma catás-trofe para a Oi e para sua carreira. Acompanhia vale hoje cerca de l bilhão

Foi um processo confuso nos me-lhores momentos e caótico nos piores.Dois terços da dívida da Oi estão nasmãos de investidores estrangeiros,que compraram títulos emitidos pelaempresa. Para conseguir renegociar adívida, era preciso, antes de mais na-da, encontrar esses credores, espalha-dos aos milhares pelo mundo. Apósmeses de buscas, assessoradas pelobanco de investimento Moelis, só foi

RUMO AO DESASTREAs polémicas, a troca de comando e a explosão do endividamentoque levaram a Oi a pedir recuperação judicial

DÍVIDA (em bilhões de reais)

AS ORIGENSNa privatização da Telebras, em 1998, a Telemar (atual Oi)reuniu as operações da Telerj e de outras 15 empresas de

telefonia nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste. Atendia 64%do país. Foi comprada por um consórcio formado por Andrade

Gutierrez e La Fonte, do empresário Carlos Jereissati

2008Oi e Brasil Telecom

anunciam fusãoque dá origem

à "supertelebrasileira"

BOLSA,dr>RfO

4,8 <•••• 4,6

2010A Portugal Telecomanuncia a compra de22% do capital da Oi

com apoio dos governosde Brasil e Portugal

2011Francisco Valim assume

a presidência da Oi. no lugarde Luiz Eduardo Falco.

A empresa consolida resultadoscom a BRT e a dívida dispara

após a descoberta de passivos

30 <-

uma atitude dócil demais diante doscredores, já tramavam sua queda.

A presidência da Oi era o empregodos sonhos de Bayard Gontijo, um exe-cutivo que dedicou 14 de seus 44 anosà empresa. À medida que ia subindo nahierarquia, porém, a situação da Oi de-teriorava. Desde a fusão com a BrasilTelecom, patrocinada pelo governofederal em 2008 para supostamente

de reais na bolsa, 90% menos do queno auge, em 2012. Como a dívida é 65vezes maior, o leque de soluções dis-poníveis era minúsculo. As missões deGontijo eram cortar custos e encontraruma fórmula para manter a empresaviva. Logo ficou claro que a única op-ção seria reestruturar a dívida — e con-vencer, portanto, os credores a trocarseus papéis por acões da empresa.

possível reunir credores que repre-sentavam um terço do endividamento.Gontijo e os assessores resolveram,então, que o melhor cenário seria fe-char um acordo com esses credorespara, em seguida, entrar com um pe-dido de recuperação judicial. Essegrupo credor serviria de âncora doprocesso, o que, acreditava, facilitariao andamento da aprovação de um pla-

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no de recuperação ordenado e do quala Oi conseguisse sair viva.

Gontijo reunia-se semanalmentecom o conselho de administração daOi para discutir a reestruturação e ospossíveis cenários à frente. Tudo pa-recia ir bem. No dia 5 de junho, em-barcou para Nova York levando umaproposta: entregar a todos os credores70% da Oi, além de alongar outrasdívidas. Ouviu deles que queriam 90%

da antiga Portugal Telecom que hojeé a maior acionista da Oi, com 22% dasações. Os portugueses acusaram Gon-tijo de estar levando adiante uma ne-gociação com parcela pouco relevan-te dos credores, que estariam sendoprivilegiados no processo. Na verda-de, segundo EXAME apurou com pes-soas próximas ao conselho, os por-tugueses queriam que Gontijo de-fendesse uma proposta que os diluís-

-se com o presidente do conselho,José Mauro da Cunha, no dia 8, e nãoouviu nenhum apelo para permane-cer. Renunciou ao cargo. Em seguida,dois conselheiros independentes fize-ram o mesmo, o que deixou a Pharolcom cinco das nove cadeiras no con-selho. Os portugueses começaram,então, a colocar seu plano em prática.Mas, segundo representantes da Pha-rol, eles não sabiam que a empresa,

2013A Oi troca de presidente:

Zeinal Bava assume no lugarde Valim. Em outubro, PortugalTelecom e Oi anunciam fusão

2014A fusão

é interrompidadepois da

descobertade um rombo

de 847 milhõesde euros no caixa

da PortugalTelecom.

Em outubro,Bava renuncia

e Bayard Gontijoassume

a presidência

2016Em junho,aOipede

recuperaçãojudicial

2015A empresa busca um novo sócio e tenta

reestruturar sua dívida. Inicia negociaçõescom o bilionário russo Nikhail Fridman

> 59,9.

••> 65,4°

0) Até junho ae 2016 Fontes: empresa e mercado

da companhia. Saiu satisfeito, acre-ditando que fecharia a negociação em80%. Na cabeça do executivo, comaquele volume de dívida não haveriamesmo como apertar a negociação.Ainda em Nova York, reuniu o con-selho numa videoconferência, mas foisurpreendido pela forte resistênciados representantes da Pharol, como échamado o veículo de investimentos

se menos. O executivo julgava impos-sível. E os credores também.

Gontijo, como é tradicional nessetipo de situação, colocou o cargo "àdisposição" do conselho. Mas espera-va que fosse ouvir apelos para ficar— em meio a uma negociação tão com-plexa e vital quanto aquela, já haviaameaçado deixar o cargo outras vezes.Gontijo voltou ao Brasil para reunir-

em razão da possibilidade de execu-ção de dívidas bilionárias com o go-verno, não tinha alternativa a não serpedir a proteçâo da Justiça — já quenão havia dinheiro suficiente em cai-xa. Segundo esses representantes,Gontijo nunca deixou claro ao conse-lho que essas dívidas poderiam sercobradas tão rápido. No dia 20 de ju-nho, a Oi finalmente entrou com o

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CAPA l telefor

pedido de recuperação judicial, me-canismo que protege uma empresa dafalência até que seus credores apro-vem um plano para tirá-la do buraco.

É o maior calote da história brasilei-ra, e de longe. A dívida da Oi é três ve-zes e meia maior do que a da empresade sondas Sete Brasil, que entrou emrecuperação judicial neste ano, e cincovezes e meia maior do que a da OGX,companhia de exploração de petróleodo empresário Eike Batista que tombouem 2013. Mas o que chama a atenção,no caso da Oi. não é apenas a magnitu-de do problema. É quase inexplicávelque uma concessionária de telecomu-nicações do tamanho da Oi esteja pas-sando por esse vexame. Ao contráriode outras grandes empresas que deramcalote no passado recente, os negóciosda Oi não oscilaram com o preço dopetróleo, não sofreram com canetadasdo governo e não foram paralisados porum escândalo de corrupção. A quedada Oi é fruto de uma incrível série dedesastres de gestão e da ação de seuscontroladores, que levaram à bancar-rota uma empresa que tinha tudo paraser saudável. O grupo fatura quase 28bilhões de reais, sua geração de caixabeira os 8 bilhões de reais por ano ecerca de 70 milhões de consumidorespagam por seus serviços. Tinha tudopara dar certo. Por que deu errado, en-tão? E uma longa e trágica história.

POLÉMICA DESDE O INÍCIOOs grupos Andrade Gutierrez e LaFonte (do empresário Carlos Jereissa-ti) lideraram o consórcio que ficoucom a Telemar, uma das áreas leiloadasna privatização do sistema Telebrasem 1998. Na época, a estatal foi dividi-da em áreas para estimular a concor-rência. A Telemar ficou com a área detelefonia fixa que embutia o Rio deJaneiro e estados do Norte e do Nor-deste. Os primeiros dez anos, se com-parados aos últimos oito, foram derelativa calmaria. Mas não faltarampolémicas de um tipo que marcariatoda a existência da Oi: operações so-cietárias em que acionistas minoritá-rios acusavam os controladores detungá-los. Nesses primeiros anos. a

UM GIGANTE EM APUROSOs principais números da Oi, que tem quase 140 000 funcionáriose 70 milhões de clientes em todas as cidades dopais

A OI É UMA DAS GRANDESEMPRESAS DE TELEFONIA DO PAÍS(faturamento em bilhões de reais em 2015)

Telefónica/ Claro OiVivo

TIM

MAS TEVE O MAIORPREJUÍZO DO SETOR(resultado em bilhões de reais em 2015)

3,3 -3,5 -5,4

Telefónica/ TIMVivo

Claro

A OI TEM 70 MILHÕES DE CLIENTES (distribuição, em milhões)

Telefoniamóvel

Telefonia Internetbanda larga

Wi-Fiinstaladosem locaispúblicos"1

TV porassinatura

138 800 funcionários'»

ALÉM DISSO, ESTÁ PRESENTE EM TODAS AS CIDADES DO PAÍS.A PENETRAÇÃO É MAIOR DO QUE A DOS CORREIOS

(total de municípios) (% do total de municípios)

Telefonia ebanda larga Oi

Agênciasdos Correios

Hospitais

Agênciasbancárias 2897

0) Como aeroportos e shoppings (2) Incíui funcionários diretos e mdiretos Fontes: Empresa e Economatica

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LOJA DA Ol: os 70milhões de clientes e a

geração de caixa dequase 8 bilhões de reais

não salvaram a empresa

A Oi teve cinco presidentes emcinco anos. Dois terços da dívidada empresa estão nas mãos demilhares de credores estrangeiros

então Telemar comprou diversas em-presas de seus controladores, assumin-do suas dívidas. A maior delas foi aoperação de telefonia celular montadado zero pelos próprios controladores,a Oi Móvel, que transferiu à Telemar4,7 bilhões de reais em dívidas em2003. Logo depois a própria Telemarfoi rebatizada de Oi. Luiz Falco, entãopresidente da operação de celular, as-sumiu a nova Oi. E os problemas mu-dariam de patamar um ano depois.

O ano de 2008 vai entrar para a his-tória por diversos motivos. Lá fora.

pela crise financeira que abalou a eco-nomia mundial. No Brasil, talvez 2008tenha sido o ano em que fomos viti-mados coletivamente pela húbris. Foiquando o país recebeu o selo de "bompagador'' das agências de classificaçãode risco. Quando passou incólumepelo deus nos acuda da crise. Quandoachávamos que podíamos tudo. Nomundo dos negócios, nada exemplifi-cou essa arrogância tão bem quanto afusão da Oi com a Brasil Telecom(BRT), engendrada pelo governo Lu-la, que rasgou a lei que proibia duas

concessionárias de fazer negócios en-tre si. Como tanta coisa que aconteceunaquele longínquo 2008. hoje a justi-ficativa para a mudança legal provocauma espécie de riso nervoso: o paísteria sua supertele, a campeã nacionalde telecomunicações, que protegeriaos consumidores brasileiros da mal-dade estrangeira. Claro, Banco do Bra-sil e BNDES financiaram a operação.

Com tanta ajuda do PT, a Oi levou aBRT sem fazer uma auditoria préviana empresa. Enquanto absorvia a BRT,a Oi encontrou passivos equivalentesa 6 bilhões de reais que nunca foramreportados pela empresa em seus ba-lanços. A maioria era referente a acõesjudiciais movidas por consumidoresainda nos tempos de estatal. "Era atécompreensível que não houvesse aauditoria prévia, já que a empresa ti-nha capital aberto e era regulada", dizum executivo da Oi na época. "Mas

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CAPAI telefonia

depois de descoberto um buraco des-se tamanho, não é aceitável que a Oijamais tenha entrado na Justiça pararediscutir esse negócio." A históriamostra que misturar política com ne-gócios, embora tentador, costuma aca-bar mal. No caso da supertele: comoentrar na Justiça para desfazer umnegócio abençoado pelo então homemmais poderoso do Brasil?

As perdas e as dificuldades de inte-gração da BRT eliminaram qualquerganho com a fusão e, pior, criaram oproblema da dívida, que mais que do-brou com o negócio e atingiu 10 bi-lhões de reais. Os controladores, porsua vez, passaram a se dedicar dia enoite a resolver o próprio problemade endividamento, que chegou a su-perar os 4 bilhões de reais. Seria atónica dos anos seguintes.

brasileira durou um ano e sete meses.A chegada dos portugueses na em-

presa carioca transformou o dia a diada Oi. No discurso, a Portugal Telecomdefinia-se como o suprassumo da go-vernança corporativa — justamente oque se dizia faltar na Oi — e tinha emseu comando o executivo mais pre-miado do setor de telecomunicaçõesna Europa, o português Zeinal Bava.Mas, apesar de mudanças na diretoria.o "jeitão Oi" de governança se mante-ve inalterado. Andrade Gutierrez, Je-reissati e depois a Portugal Telecomtinham um acordo de acionistas assi-nado com os fundos de pensão. E co-mum no Brasil que esses acordos esta-beleçam reuniões prévias aos encon-tros do conselho de administraçãopara que os controladores definam oque querem discutir com os conselhei-

Durante anos, a grandepreocupação dos controladoresda Oi era pagar as próprias dívidas,mesmo à custa da companhia

CALÇADAO EMFLORIANÓPOLIS:a Oi gasta SOO milhõesde reais por ano com amanutenção de orelhões

Ww

A dívida dos controladores da Oi e osproblemas na fusão com a BRT levaramà associação com a Portugal Telecomem 2010. As bênçãos agora não viriamapenas de Lula, mas de José Sócrates,na época primeiro-ministro de Portu-gal. A Portugal Telecom era no Brasilacionista da espanhola Telefónica naVivo: vendeu essa participação e entrouna Oi. Pagou mais de 8 bilhões de reaispara comprar ações, e nenhum centavofoi parar no caixa da Oi ou destinadopara pagar dívidas. A Portugal Telecomcomprou participações indiretas decontrole nos veículos que eram de An-drade e Jereissati, entregando dinheiroa esses acionistas e também aos fundosde pensão Petros, Funcef e Previ. Osvalores pagos a Andrade e Jereissatiforam seis vezes superiores aos entre-gues aos fundos. Ao final, a PortugalTelecom ficou com 22% da Oi e voz decomando. O sonho petista da supertele

ros e alinhem seus votos. Pelo acordoda Oi. os fundos tinham apenas o poderde veto de decisões dos outros acionis-tas. Mas na Oi institui-se desde sempreuma reunião "prévia da prévia", daqual só participavam Andrade, Jereis-sati e depois a Portugal Telecom, es-trutura que fechava a esses três acio-nistas, sem participação dos fundos,todas as decisões sobre a companhia.

A Portugal Telecom encontrou umaempresa que sofria com a queda dosinvestimentos, motivada pelo incómo-do da dívida. Enquanto as empresas dosetor investiam de 5 bilhões a 6 bilhõesde reais em suas operações, a Oi inves-tiu 2,9 bilhões em 2009 e 2,2 bilhõesem 2010. Só retomou o patamar acimade 5 bilhões de reais em 2011. Por cau-sa disso, perdeu clientes e a participa-ção em todos os segmentos de merca-do: telefonia móvel (de 20,7% para18,8%), fixa (de 51% para 44%) e banda

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NELSON TANURECÁ £50.) E O EGÍPCIONAGUIB SAWIRIS:os dois mostraraminteresse na Oi

larga (de 37% para 30%). Na gestão deFalco, a empresa apostou em estraté-gias menos lucrativas, como a telefoniamóvel pré-paga. O executivo tambémoptou por entrar em São Paulo cons-truindo uma rede do zero, em vez defechar alianças com outras empresas,o que lhe custou cerca de 2 bilhões dereais. Os resultados não vieram e Falcofoi demitido em 2011.

Os controladores decidiram chamarde volta à empresa Francisco Valim, quehavia sido diretor financeiro nos tem-pos da Telemar. Valim colocou em an-damento uma reestruturação, progra-mada para um período de quatro anos,que previa recuperar a saúde financei-ra da Oi. Ele cortou custos e impôs quea empresa retomasse investimentosanuais da ordem de 5 bilhões de reais.Os resultados apareceram. Em 2012, asreceitas passaram a crescer, as margensmelhoraram, as taxas de perda declientes diminuíram e a Oi aumentousua participação de mercado. Cientedos bons resultados, reconhecidos nomercado com alta de 15% no valor dasações, no fim de 2012, Valim procurouos controladores para falar novamentesobre o futuro da companhia. Disseque a Oi precisava parar a distribuiçãode dividendos, para aumentar os inves-timentos em sua operação. Além disso,a dívida já estava perto dos 30 bilhõesde reais e a situação da estrutura decapital da companhia precisaria serresolvida. A sugestão do executivo erafazer uma capitalização por meio deuma oferta de ações com a migraçãoda empresa para o Novo Mercado, onível máximo de governança daBM&FBovespa. Em outras palavras,pedia para que Andrade, Jereissati e osfundos de pensão investissem na com-panhia caso não quisessem ter sua par-ticipação de controle diluída com aemissão de novas ações. A proposta deValim não passou da reunião "préviada prévia". O "abuso" de Valim rendeua ele sua demissão em janeiro de 2013.Os dividendos pagos pela Oi referentesa 2012 foram de 2,4 bilhões de reais; eos de 2013, de 1,4 bilhão.

O que Valim não sabia é que os con-troladores brasileiros e portugueses

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CAPA l telefor

já discutiam uma ''solução'': a fusãodas duas empresas. Mas a saída deValim atrapalhou o projeto. Dois me-ses depois da demissão, as ações da Oijá haviam caído 30%. Só pararam dedesvalorizar em maio, quatro mesesdepois, quando se acomodaram nacasa dos 40 reais — ou seja, metade doque valiam quando o executivo deixoua companhia. A queda impediria o ne-gócio, já que a diferença de valor entreas duas empresas seria grande demais.A Portugal Telecom precisou concor-dar com a tese dos controladores bra-sileiros da Oi de que eles deveriam teruma ''compensação" na fusão. O re-sultado dessa negociação foi uma no-va operação que gerou polémica comos acionistas minoritários. A fusão foiredefinida em junho de 2013. quandoZeinal Bava assumiu a presidência daOi. Em outubro, ele anunciou ao mer-cado os termos da fusão, em váriasetapas, cujo objetivo final era trans-formar a Oi numa empresa sem con-trolador definido e listada no NovoMercado. A empresa acabaria comsua intrincada cadeia de controle,formada por diversas holdings endi-vidadas. No entanto, como num passede mágica, dívidas de 4.5 bilhões dereais dos controladores seriam trans-feridas para a Oi. Os sócios minoritá-rios estrilaram, dizendo que o únicoobjetivo da transação era livrar oscontroladores da Oi das próprias dí-vidas. A Comissão de Valores Mobi-liários, porém, aprovou o negócio. Debilhão em bilhão, o endividamento daOi não parava de subir.

Do ponto de vista da saúde financei-ra, um passo fundamental da fusão erauma nova capitalização, de 14 bilhõesde reais. Desse total, aproximadamen-te 6 bilhões de reais seriam aportadospela Portugal Telecom não com di-nheiro, mas com ativos da empresa naÁfrica, que tinham sido avaliados porela própria em 6 bilhões de reais — ovalor foi confirmado por um laudo deavaliação, mas o próprio prospecto daoperação sinalizava que esses ativoseram problemáticos e estavam supe-ravaliados. O valor restante deveriaser aportado em dinheiro por acionis-

SITIO EM ATIBAIA, NOINTERIOR PAULISTA: aOi instalou uma antena decelular no sítio usado peloex-presidente Lula

A Oi teve a oportunidade defechar uma fusão com a TIM,mas seus acionistas fizeramexigências que barraram o negócio

tas da Oi ou por novos investidores nomercado. Os investidores exigiramdescontos para ficar com as ações,mas a operação acabou sendo concluí-da e o dinheiro foi captado.

Faltavam apenas formalidades paraterminar a fusão quando o grupo Es-pírito Santo, um dos acionistas da Por-tugal Telecom, entrou numa gravecrise financeira. A imprensa portu-guesa revelou que a Portugal Telecomhavia retirado de seu caixa 897 mi-

lhões de euros. na época equivalentesa 2,7 bilhões de reais, e investido nu-ma holding não financeira do EspíritoSanto chamada Rioforte. O dinheiroevaporou e a fusão entre as empresasfoi interrompida. A Oi mais uma vezencontrava um esqueleto no armáriode uma empresa adquirida. Executi-vos da Portugal Telecom e da Oi, in-cluindo Bava, que tinha cargo execu-tivo nas duas empresas, negaram terconhecimento da aplicação da Riofor-

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FÁBIO LUÍS LULADA SILVA, O

LULINHA: a Oi investiuna Gamecorp, produtora

OTÁVIO AZEVEDO,DA ANDRADE

GUTIERREZ: preso,ele fez um acordo de

delação premiada

te. Otávio Azevedo, que representavaa Andrade Gutierrez na Oi. e Fernan-do Portella, representante da Jereis-sati, renunciaram aos assentos noconselho da Portugal Telecom.

Em meio a toda essa confusão, oscontroladores brasileiros ainda tiverama oportunidade de dar um novo rumopara a Oi. EXAME apurou que diasapós o problema da Rioforte, Andradee La Fonte, assessorados pelo bancoBTG Pactuai, chegaram a alinhavar umacordo para uma fusão da Oi com a ope-radora italiana TIM. mediante a trocade ações. No dia de fechar negócio, en-tretanto, os controladores brasileirosexigiram um pagamento de 30% emdinheiro, o que afastou a TIM da nego-ciação — e a Oi teve de voltar à mesacom a Portugal Telecom.

DESVIO DE RECURSOSA fusão jamais foi concluída. Na prá-tica, o que aconteceu foi a venda daoperação da Portugal Telecom na Eu-ropa por cerca de 7 bilhões de eurospara a francesa Altice. Os acionistasda antiga Portugal Telecom ficaramcom os títulos da Riofone e. em razãodisso, com uma participação na Oimenor do que esperavam — em vez de35%, 22%, e passaram a ser reunidosna Pharol Investimentos. Investiga-ções internas da Oi não conseguiramidentificar se Bava sabia do desvio derecursos, mas ele deixou a empresaem outubro de 2014, substituído porGontijo (Bava está na lista de credoresda Oí, com 16 milhões de reais parareceber). José Sócrates, o primeiro--ministro que incentivou a entrada daPortugal Telecom no capital da Oi, foipreso por suspeita de corrupção. Otá-vio Azevedo, presidente da AndradeGutierrez, foi preso na Operação La-va-Jato e fez um acordo de delaçãopremiada, cujo conteúdo ainda não épúblico. Espera-se que Azevedo ajudea elucidar a relação da Oi com o ex--presidente Luiz Inácio Lula da Silva,o pai da supertele. Em 2005, a Oi in-vestiu 5 milhões de reais na Game-corp, produtora de programas de TVsobre jogos eletrônicos que tinha en-tre seus sócios um filho do ex-presi-

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CAPA l telefonia

dente e da qual não se ouve mais falar.Seis anos depois, a empresa instalouuma antena de celular nas proximida-des do sítio em Atibaia usado por Lu-la nos fins de semana.

O único objetivo realmente atingidona rocambolesca tentativa de fusão daOi com a Portugal Telecom foi acabarcom as dividas dos grupos AndradeGutierrez e La Fonte, que deixaramde ter participações relevantes na em-presa. Dezesseis anos depois da pri-vatização, a supertele deixou de serproblema deles, mas o endividamentocontinuava sem solução, e se aproxi-mava dos 40 bilhões de reais. E o im-bróglio só piorou. A confusão jogou opreço das ações no chão e a divida nãodiminuiu. O banco BTG Pactuai aindatentou negociar a venda da Oi para obilionário russo Mikhail Fridman, queapostava numa fusão com a TIM. Foimais uma salvação milagrosa que nãosalvou coisa alguma. Procurados porEXAME, Oi. Andrade Gutierrez, Je-reissati, Pharol, Gontijo, Valim, Falco,Bava, Instituto Lula e BTG Pactuainão deram entrevista.

MULTAS MILIONÁRIASO que vem após o pedido de recupe-ração judicial? Naturalmente, o gover-no tende a ter papel relevante na de-finição do futuro da Oi. Já acenou commudanças na lei das telecomunica-ções para permitir, por exemplo, areversibilidade dos bens das conces-sões. Pelas regras atuais, bens e equi-pamentos, ao fim do contrato, devemser devolvidos à União. Com a mudan-ça, eles passam a ser das empresas. Ovalor contábil desses bens, registradopela Oi em seu balanço, é de 8 bilhõesde reais, o que pode fazer uma baitadiferença no processo. Outra deman-da é que sejam revistos os investimen-tos necessários para a rede de telefo-nia fixa. Um exemplo é a manutençãode orelhões, em desuso pela popula-ção. A Oi gasta 300 milhões ao anopara manter orelhões que geram ape-nas 7 milhões em receitas. Outro pon-to que pode ser revisto são as multasaplicadas pela Anatei, em valores des-proporcionais. Por não instalar um

NAVIO FEITO PELAOSX: o calote da Oi ébem maior do que o dasempresas de Eike Batista

O governo pode ter papel relevantena definição do futuro da Oi. Podeaté mesmo mudar a lei do setorpara tentar, novamente, ajudá-la

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O PRESIDENTEINTERINO MICHELTEMER: a Oi deve quase20 bilhões de reais para aAnatei e bancos estatais

UM RECORDE INDESEJADOA recuperação judicial daOiéa maior já decretada no Brasil

AS DEZ MAIORES DÍVIDAS DE EMPRESAS BRASILEIRAS NO MOMENTODO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (em bilhões de reais)

65,4 19,3 12 11,5 5,85 4,57 4,1 3,04 2,66 2,33

01 Sete OGX OAS Schahin OSX Grupo Wind Abengoa RenukaBrasil Rede Power

Energia

OS PRINCIPAIS CREDORES DA 01 SÃO INVESTIDORESESTRANGEIROS — E A ANATEL (valores 3 receber, em bilhões de reais)

Bank of NewYork Mellon'"

Citibank- Anatei (multas) Banco do Brasil BNDES ChinaDevelopment

Bank

(1) Os bancos representam milhares de credores, donos de títulos de dívida da Oi Fonte: Empresa

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orelhão numa tribo indígena após ocacique dizer que não queria o apare-lho, a Oi foi multada em 2.5 milhõesde reais. Esses valores desmedidosexplicam porque a Anatei é hoje amaior credora da Oi, com 10,7 bilhões— na lista, ela aparece atrás dos ban-cos Citi e BNY Mellon, mas esses ban-cos representam diversos outros cre-dores, como agentes fiduciários dostítulos vendidos pela empresa brasi-leira ou pela Portugal Telecom.

O pedido de recuperação foi aceitopela Justiça e, durante seis meses, aOi estará protegida de pedidos de fa-lência. Mas quais são as chances de aempresa se reerguer de fato? Aqui aboa notícia é que a companhia, tiran-do da conta sua impagável dívida e oscustos atrelados a ela. é saudável — eos apelos de Gontijo para que os fun-cionários continuassem motivados narecuperação era para mante-la assim.Claro, o processo não será nada sim-ples para os atuais acionistas. Depoisdo pedido de recuperação, o empre-sário brasileiro Nelson Tanure, acos-tumado a investir em empresas emdificuldades, comprou ações da Oi equer a convocação de uma assembleiapara mudar o conselho da empresa eassumir o controle da situação. Elealega que os portugueses são os gran-des responsáveis pela situação atualda Oi por causa do sumiço de 897 mi-lhões de euros do caixa da companhiadurante o processo de fusão — e queestão atrapalhando a negociação e,assim, não podem continuar no co-mando do processo (procurado porEXAME. Tanure não concedeu entre-vista). A assembleia deverá acontecerdentro de um mês e poderá tambématrasar o processo de negociação comos credores. Outros acionistas da Oitambém se articulam para indicarcandidatos. Antes de Tanure, o bilio-nário egípcio Naguib Sawiris. dono daOrascom Telecom, já havia demons-trado publicamente interesse pelaempresa. A Oi tem até meados de se-tembro para apresentar o plano a seuscredores — para. em suma. tentar pro-var que, livre de parte dessa superdí-vida, a supertele tem futuro. •