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2 I AACDN - Boletim Informativo

ED

ITO

RIA

LNeste número

3 I Editorial

4 I Conjecturas sobre a ElectricidadePolitiquices da Ciência,

ou talvez não

9 I Jobs for the Boys

12 I O Mar e os seus Recursos

14 I Portugal − plataforma logística do terrorismo islâmico

18 I A Rússia de Putin no horizonte de 2008

23 I Ministro da Defesa Nacional Leonardo Ribeiro de Almeida

24 I Acontecimentos e Actualidades

26 I UmDeCadaVez

Capa - Mesquita de Lisboa

Nº 25 I Maio-Junho de 2007

Cidadania e Defesa

Boletim Informativo da AACDNAssociação de Auditores dosCursos de Defesa Nacional

Praça do Príncipe Real, 23 r/c Dto1250-184 Lisboa

Tel : 213 465 888Fax: 213 257 886E-mail:[email protected]

visite o nosso sitewww.aacdn.pt

Ficha Técnica

DirecçãoDr Abílio Ançã Henriques

EdiçãoDr Francisco Marques Fernando

Composição GráficaElisa Pio

ColaboraçãoMiguel Fradique da Silva

Colaboração FotográficaLusa - Agência de Noticiasde Portugal, SA

Execução GráficaGráfica Central de Almeirim, LdaZona Indústrial, Lote 41 - D2080-221 AlmeirimTel : 243 5910555 Fax: 243 597 559E-mail:geral@gráficaCentral.pt

Tiragem1 000 Exemplares

Os artigos assinados são da responsabilidade dos seus autores

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Caros Colegas

O desenlace recentemente verificado naCâmara Municipal de Lisboa, com aqueda do executivo municipal, após o

período de crise vivido ao longo dos últimos meses,tem sido motivo para múltiplas análises e consi-derações, por parte dos mais diversos comenta-dores e actores políticos.

No essencial, os partidos políticos, peças-chaveno nosso sistema de representação popular, têmestado no epicentro do debate, sendo frequente-mente o alvo privilegiado de todas as críticas,apresentados como causa de todo o mal queatinge a nossa vida colectiva.

E assim, a emergência de movimentos desuporte a candidaturas independentes, que agorase perfilam para o próximo acto eleitoral no Municí-pio de Lisboa, seria uma resposta cívica ao desen-canto que atingiria largas franjas do eleitorado,desiludido com os partidos políticos tradicionais ea representação assegurada por estes.

Não é a primeira vez que a nossa (ainda) jovemdemocracia é atravessada por fenómenos destetipo. Ao longo das últimas três décadas, já tivemosoutras manifestações pontuais de crise do sistemapartidário vigente e da sua capacidade de represen-tação popular. Foi assim nos anos 80 (do séculopassado) com o surgimento de um novo partidopolítico (o PRD), o qual viria a desaparecer algunsanos mais tarde, dizem as crónicas sem especialhonra nem glória... Mais recentemente, nas últimaseleições presidenciais, o aparecimento de umacandidatura independente dos partidos, que obtevenas urnas uma votação significativa, serviu maisuma vez de argumento para todos aqueles queafirmam o esgotamento da fórmula de represen-tação assente nos partidos políticos.

É certo que durante muito tempo se pretendeuconferir o monopólio da intervenção cívica aospartidos políticos, desincentivando (e nalgunscasos até inviabilizando) outras formas departicipação dos cidadãos na vida pública,reduzindo desse modo os direitos e os deveresde cidadania. Mas a eclosão de movimentosindependentes, expressamente organizadoscontra os partidos, supostamente detentores deuma autenticidade e até de uma virgindade faceaos pecadilhos dos aparelhos partidários, nãopode deixar de nos interrogar sobre as virtudesde uns e os pecados de outros.

Se conferir às estruturas partidárias umexclusivo comporta riscos que não devem sermenosprezados, porém, a ideia subjacente àsfórmulas inorgânicas de participação na vida públicatraduz uma ingenuidade que não pode deixar deser assinalada.

É que, face ás exigências vividas pelassociedades dos nossos dias, há cada vez menosespaço para o amadorismo inerente às intervençõesde tipo casuístico e meramente voluntarista,requerendo-se profissionalismo, estudo aprofun-dado dos problemas e das soluções e, sobretudo,uma perspectiva de longo prazo incompatível comsimples intervenções pontuais, desgarradas e semo cimento aglutinador que lhes pode serproporcionado por estruturas de suporte com ummínimo de solidez.

Por isso, não podemos deixar de olhar comprofunda preocupação para a onda anti-partidosque, por vezes, atravessa a sociedade portuguesa.Observando países com uma maturidade políticamais desenvolvida, não encontramos aí fenómenossimilares com a mesma frequência, sendo queestes acabam por afectar negativamente a nossaauto-estima colectiva.

É importante para o País que a actividadepolítica, como actividade nobre que é, seja capazde mobilizar os melhores de entre nós, colocandoao serviço da comunidade as suas capacidades,os seus conhecimentos, a sua experiência e asua disponibilidade para trabalhar pelo futuro dePortugal.

E neste plano, os partidos políticos, com osseus diferentes matizes e opções ideológicas,devem constituir estruturas incontornáveis paratodos aqueles que sentem o apelo pela causapública. Certamente não esgotam, e não devemesgotar, todo o espectro possível para a participaçãona vida pública. Há um papel relevante para asmúltiplas associações cívicas em que diferentesgrupos sociais estão organizados. E para nós,Auditores de Defesa Nacional, a AACDN tem deestar na primeira linha.

Todos, cada um no seu espaço próprio deintervenção social, não seremos demais paraconstruir o futuro de Portugal.

Abílio Ançã Henriques

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Quando em meados do século XIX, o primeiro-ministro britânico, William Gladstone (1809-1898), perguntou a Michael Faraday (1791-1867)

qual a utilidade dos seus trabalhos acerca da electricidade,

o mesmo respondeu: Senhor primeiro-ministro, não sepreocupe com os meus trabalhos, pois não irá faltar muitotempo que não virá a cobrar impostos aos cidadãos porcausa deles.

Estas sábias palavras vieram a confirmar-se, como todoso sabemos, não só no Reino Unido, mas em todo o Mundo,catapultando a electricidade como um dos pilares dodesenvolvimento do mundo ocidental, paradigma essencialdo que alguns teóricos definem como o tecnocapitalismo,ou do que se possa designar por II Revolução Industrial.

Contudo, a electricidade já era conhecida no tempo daantiga Grécia. A raiz desta palavra provinha de élektron,que significava o âmbar amarelo, uma vez que, ao esfregar-se um bocado deste numa pele de gato (ao que se supõe),o mesmo conseguia atrair partículas de poeira.

...quem doa fica positivo,quem só recebe fica negativo

e se só receber, ouarmazenar e não fizer fluir,

não gera nada de novo

M.F.

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No século XVIII, Benjamim Franklin, que substituiria oâmbar por uma vareta de vidro, tendo obtido resultadosidênticos, falou pela primeira vez em fluido eléctrico, aindaque não conhecesse ao pormenor o fenómeno. Ou seja,para que a vareta pudesse atrair as partículas, era necessárioque os electrões dos átomos constituintes de um pano ouda pele do felino passassem ou se transferissem para osátomos da vareta, tornando-a negativa (do ponto de vista decarga), enquanto que a pele se tornava positiva1.

Nesta altura ainda se estava no tempo da electricidadeestática, na electricidade que não fluía. Mas se não fluía,também nada produzia1, como se sabe. De qualquer modo,era o passar de uma forma de energia − a mecânica − atravésdo movimento de esfregar, para uma outra − a eléctrica.Esta última acabaria por ir agradecer à primeira, ao tambémpoder transformar-se em mecânica.

Com Alessandro Volta (1745-!827), o físico italiano queinventou a pilha eléctrica e a apresentara a Napoleão comoum meio de energia que se poderia guardar e transportar,denota-se já algum avanço, ainda que não fosse muitocómodo o fornecimento de electricidade por esta via. Estapilha era formada por discos de prata e zinco, separadospor um tecido que continha uma solução ácida.Actualmente, as pilhas apresentam como eléctrodosoutros metais, para além do zinco. A pilha configura ofacto de que a união faz a força, ou seja, ao se associaremuns aos outros os vários elementos constituintes, apesarda sua diversidade, consegue-se obter uma electricidadecada vez mais potente, para que a mesma depois possafluir facilmente e chegar a mais lugares... Não deixam deser curiosas as ilações sociais que podemos retirar destefenómeno baseado nos electrões.

Na altura em que se instalava a máquina a vapor, comoo grande motor da produção energética − embora poluente− seguida, pouco tempo depois, pelo destronar das antigasvelas de cera que, curiosamente, ainda estão muito actuais(não só como préstimo decorativo mas, sobretudo, quandohá falta de electricidade ou, como hoje se diz − quandosurgem os apagões), pelos candeeiros a petróleo, e quandonas cidades europeias a iluminação passava a ser feita porgás, a electricidade que, em si, é um modo de energia“limpa”, dava os primeiros passos. Nesta fase estava-semuito aquém do que se poderia antever da sua aplicabilidadegeneralizada, tal como hoje existe.

Actualmente, a electricidade entrou tão profundamentenas nossas vidas, que difícil seria pensar no que poderiaacontecer ao decurso humano se a electricidade deixassede ser produzida.

Certamente, tal representaria, não de todo, uma descidaaos infernos, mas uma involução de 150 anos, com tudo oque de pior possa ter ocorrido nessa altura, agravado pelapoluição hoje existente e pela explosão demográfica, istosem contar com a dificuldade de adaptação da generalidadedo dito mundo “civilizado”. Ir-se de baixo para cima − éóptimo! O contrário já custa, o que aliás vem contrariar oaforismo de que “para baixo todos os santos ajudam”. Queo digam as pessoas com problemas articulares nosmembros inferiores, se não preferem mais o subir do que odescer − apesar do cansaço − já para não falar de outraspessoas, subentendidas no nosso pensamento...quetambém lhes custa muito a descida, pelo que tentampermanentemente pairar.

A pilha configura o factode que a união faz a força ...Não deixam de ser curiosasas ilações sociaisque podemos retirardeste fenómeno baseadonos electrões

Basta pensar-se naquilo a que hoje chamamos, comum certo encantamento, treino de sobrevivência − era a vidareal de há, aproximadamente, dois séculos atrás − paraque o nosso sorriso esmoreça. Na verdade, é bom brincar àvida natural (dito assim, por um lado, para não ferir asensibilidade de algumas pessoas, ao dizer-se − à vidaselvagem − e, por outro, por dificuldade minha em posicionaractualmente, do ponto de vista social, onde, na verdade,se encontra a selva), ao contacto com a natureza... quandose antevê que, pouco tempo depois, se pode estar debaixode um chuveiro, dentro de uma casa climatizada, comboa música de fundo, ou frente a um ecrã para relaxar. Ouseja, de novo, em contacto com os luxos que a ditaelectricidade pode proporcionar; ainda que não contandocom aquele minúsculo aparelho, designado por telemóvel,que, como se de um passo de mágica se trate, nos podefazer contactar com o mundo − talvez menos natural, quetivemos a pretensão de esquecer por momentos − sealguma coisa vier a correr mal... Mas dele trataremos emoutra ocasião.

No entanto, para que grande parte da Humanidade possahoje gozar dos diferentes aspectos acima resumidamentemencionados, houve que dar um outro salto, propiciadoatravés dos trabalhos do francês Ampère (André-Marie -1735-1836), do inglês Faraday (1791-1867) e do escocêsMaxwell (James Clerk - 1831-1879), acerca doelectromagnetismo. Resume-se este fenómeno ao facto deque, quando um fio metálico (condutor) é atravessado poruma corrente eléctrica, gera-se sempre um campomagnético à volta desse fio. Por outro lado, sempre que umfio condutor é colocado num campo magnético, é geradauma corrente eléctrica que flúi pelo fio. Transpondo estaverdade física para o campo humano, poderíamos dizer que,quando um ou mais indivíduos têm uma ideia ou um objectivo(o tal fio condutor), é susceptível de se gerar um ambiente/campo (o magnetismo) que pode atrair ou afastar outrosindivíduos, relativamente a esse mesmo objectivo. Damesma forma que, qualquer indivíduo colocado num dadoambiente ou contexto envolvente, normalmente manifesta,por seu lado, uma determinada reacção, ou seja, não ficainerte ou impassível, em relação a esse envolvimento. Écomo se fosse perpassado por qualquer coisa que flui noseu interior, que o leva a agir sob determinada forma, ou ademonstrar certos desempenhos.

Com base nestas investigações foi verificado que o fio,quando se encontrava enrolado em forma de anéis em espiral(bobina), ou seja, quando o fio estava mais concentrado, omesmo é dizer, quando havia mais fio por unidade de

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O que é necessárioé ter vontade política

para poder ultrapassardeterminados lobbies,

como são os das energiasmais poluentes.É imperioso que

as energias poluentes dêemlugar às energias que

não agridam o ambiente

extensão absoluta, induzia um campo magnético maispotente do que quando o fio se encontrava simplesmenteesticado (isolado), tornando-se este conjunto espiralado,ou bobina, num verdadeiro electroíman2 (o que de certo modopoderá explicar a teoria das massas ou dos comportamentoscolectivos versus comportamentos isolados). No entanto,os campos magnéticos, ou campos de atracção/repulsão,só são criados se as cargas fluírem ou estiverem emmovimento, ou seja, se houver uma corrente eléctrica.

E como é que se pode produzir uma corrente eléctrica?Fundamentalmente, através de um gerador − em que aelectricidade é produzida fazendo rodar uma bobina entreos pólos de um íman ou, ao contrário, fazendo rodar umíman à volta da bobina3. Ora para fazer rodar um ou outrocomponente é que surgem as opções políticas. Mas já láiremos...

Existe uma certa confusão entre um gerador e um motoreléctrico. Neste último, faz-se passar uma corrente por umabobina situada entre os pólos de um íman. Deste modo, abobina também produz um campo eléctrico, o qual vaiinteragir com o do íman, do que resulta o movimento rotatórioda bobina. Esta rotação pode induzir o movimento de qualquermecanismo a ela ligado.

Mas os protótipos laboratoriais, já de uma certadimensão, só podiam produzir electricidade em pequenaescala, por exemplo, para um pequeno edifício, nunca parauma requisição do tipo da actual.

Para ser produzida a electricidade em alta escala, paraque a mesma fosse um bem de consumo, o maisgeneralizado possível, era necessária a construção degeradores rotativos de grande porte, instalados em centraiseléctricas. Para a sua alimentação foi então pensada,inicialmente, a força desencadeada pelo deslocamento degrandes caudais de água a grande velocidade − como é oque acontece a partir das quedas de água ou através dorepresamento dos rios − designando-se estas centrais porcentrais hidroeléctricas.

Mas depressa surgiu o problema levantado pelas partidasda Mãe Natureza! Ou seja, como se poderia contornar oproblema, quando o caudal dos cursos de água fosse tãobaixo que não tivesse força para movimentar a complexamaquinaria?

Houve então a necessidade de se deitar mão a outrasformas de forças motrizes. Assim, foram criadas as centraistérmicas, ou termoeléctricas, onde o carvão e o petróleosão queimados para pôr as turbinas a funcionar e produzirelectricidade, através do vapor a alta pressão. Trata-se, efecti-vamente, não só de um modo poluente de a produzir, como,ao ritmo a que se gastam os carburantes, devido às solici-tações serem cada vez maiores, depressa se irão esgotar.

Nas centrais termonucleares, a energia nuclear4 servepara aquecer a água, cuja força do vapor põe as turbinas afuncionar. É, na verdade, um modo limpo de produção deelectricidade − isto inicialmente. Mas o que fazer com osresíduos nucleares? E a segurança das centrais? Estaráela hoje perfeitamente garantida, de forma a não se repetiremos desastres, cuja maioria é do conhecimento geral? E oque fazer às centrais, quando forem demasiadamente velhaspara funcionarem?

Por último − que deveria ser, precisamente, a primeirapergunta que os decisores deveriam colocar − será de seapostar (para quem ainda a não tem) em centrais

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termonucleares para produção de electricidade por fissãonuclear, quando já soam outros ventos de mudança? − Serábom ter as respostas bem equacionadas antes de levar aeito esta opção, a fim de se evitar o aparecimento de umaespécie animal, em extinção em outras paragens, mas queteima em sobreviver neste rectângulo litoral da PenínsulaIbérica − o elefante branco!

Sendo fértil o cérebro humano em interagir com anatureza, lá foi continuando a magicar nas diversas formasde obter a bendita electricidade − como seja:

Através dos painéis fotovoltáicos, actuados pela energia/luz solar que, ao fornecer energia aos electrões5 faz comque estes “saltem” para órbitas ou níveis de energia que sevão afastando do núcleo, chegando mesmo a sair do átomo,produzindo, então, a corrente eléctrica.

Mas este fenómeno não se passa somente a nível dopicocosmo (pico, prefixo usado no Sistema Internacional,que designa a milionésima parte de um milionésimo, peloque, anteposto ao nome de uma medida, a divide por umbilião, isto é, por 10 elevado a menos 12). Aliás, já se deviadele ter suspeitado. Não é verdade que as pessoas, quandose sentem com mais energia, não tendem elas a sair maisde casa, do seu “átomo”, do reduto onde normalmenteorbitam? E o que dizer da actuação/incidência do sol sobreo próprio organismo humano − pensemos desde o aspectocorporal, ao metabólico, ao psíquico-relacional... é comose dissesse que as pessoas se sentem mais “soltas”, maisleves, mais frementes na prática de actividades de ar livre...enfim, mais irmanadas com a intrinsecidade da próprianatureza!... Basta comparar algumas formas da expressãohumana, como o vestuário, a música, o modo de conviver,entre os países setentrionais e os meridionais, já para nãomencionar os tropicais, para aquilatar a importância destaforma energética ...mas estas questões comportamentaisjá são contas de outro rosário.

Deste modo, não é de admirar que os povos primitivosadorassem o Sol como a centelha divina, como o paradigmada enérgeia.

Através dos “moinhos”, melhor dizendo, através daconstrução de turbinas de vento, baseadas nos moinhosque, aproveitando a energia do vento, ou eólica, atransformavam em energia mecânica para efectuar amoagem dos cereais − só que, neste caso, a moagem ésubstituída pela produção de electricidade.

Através da colocação de pás ou de êmbolos, de modo aserem accionados pela força das marés/ondas do mar.

Apesar de alguns cuidados ecológicos a ter,designadamente com os habituais habitantes de cada umdestes espaços − aéreo e marítimo − são formas de energias“limpas”.

Através da combustão da biomassa, uma forma deenergia muito interessante, porque, para além dos“desperdícios orgânicos” (entenda-se este termo no seuaspecto mais lato) encontrados, por exemplo, nas florestase nos jardins, serem aproveitados, era, e é, um modo deincentivar a limpeza dos mesmos, evitando a deflagraçãode incêndios de grande intensidade e proporção com emis-são de várias toneladas de gás carbónico para a atmosfera.

Isto, de entre outras formas de produzir electricidade,algumas das quais ainda se encontram em faseexperimental.

Como se pode verificar, soluções não faltam − em que o

nosso País, por sinal, é até fértil. O que é necessário é tervontade política para poder ultrapassar determinadoslobbies, como são os das energias mais poluentes e, decerta forma, finitas. É imperioso que, pouco a pouco, asenergias poluentes dêem lugar às energias que não agridamo ambiente. É também imperioso que o País evolua de formaa ficar, o mais independentemente possível, das fontesenergéticas de importação. Não significa que se corteradicalmente com as não-renováveis, o que seria, para ospróximos tempos, uma perfeita estultícia, mas, tão-somente,que as poluentes, e que são concomitantemente asimportadas, passem para um segundo plano de investimento,mesmo que, para tal, haja a necessidade de se rever odispêndio em determinados terminais de consumo.

Tendo em conta as contingências relacionadas com cadaum dos tipos de fontes energéticas, sobretudo com aslimpas, é de se apostar na sua diversidade e dispersão,podendo actuar as mesmas alternadamente entre si e entreas poluentes, minorando deste modo os efeitos nefastospara os seres vivos. Daí que se imponha a necessidade deuma gestão equilibrada dos recursos, sendo certo queapostar em um só ou outro recurso é o mesmo que apostarnuma mão cheia de nada.

Quando inicialmente se abordou o problema dotransporte ou o escoamento da electricidade, a partir dascentrais eléctricas, o mesmo foi feito através de um fluxo oucorrente contínua, em que os electrões se deslocavam numaúnica direcção, do tipo de "seguir o chefe". Entretanto, foiverificado que, para drenar uma enorme quantidade de watts6

eram necessárias intensidades ou amperagens muitoelevadas, o que aquecia os cabos de transporte, perdendo-se assim muita energia (em forma de calor). Deste modo, acorrente alterna7 apresentava-se como uma boa solução,potenciada pelo facto de se ter descoberto que as voltagenspodiam ser modificadas através de transformadores8, o quepermitia alterar uma corrente com vários milhares de volts,de forma a chegar ao consumidor com um valor já bastantebaixo (110-220 v), conduzida a uma baixa intensidade. Noentanto, entre os transformadores, os cabos conduzem aelectricidade com uma alta tensão (voltagem ou diferençade potencial elevado) − daí a designação de linhas ou cabosde alta tensão.

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1A electricidade é, de facto, um fenómeno de partilha, uma doação,quer ela flua ou não − é uma bela lição de vida: quem doa fica positivo,quem só recebe fica negativo e se só receber, ou armazenar e nãofizer fluir, não gera nada de novo.

2 Quando se enrola uma bobina em torno de cada uma dasextremidades de uma barra de ferro, dobrada em U, e ligada a cada umdos pólos de uma corrente eléctrica, induz-se um intenso campomagnético, o que constitui a base dos electroímanes.

3 Quando é produzida uma corrente contínua, os geradores sãodesignados por dínamos. Se a corrente é alterna, os geradores sãodesignados por alternadores.

4 Quando se parte o núcleo de um átomo através de um bombar-deamento por neutrões, libertam-se grandes quantidades de energia eneutrões que, por sua vez, podem atingir outros núcleos e repetir oprocesso. É o que se chama uma reacção em cadeia por fissão nuclear.Nos reactores nucleares, e à semelhança do que se passa com ascentrais térmicas, existe uma substância utilizada como refrigeranteque, ao absorver a energia, aquece e evapora-se. É então o vaporsobre pressão que vai alimentar os geradores que irão produzir aelectricidade.

Neste tipo de reacção, são utilizados isótopos - átomos com igualnúmero de protões, mas com diferentes números de neutrões - degrande peso atómico, caso do plutónio e do urânio.

Na fusão nuclear são, pelo contrário, utilizados isótopos de baixopeso molecular, caso do hidrogénio − o trítio e o deutério − que, aoserem aquecidos a altas temperaturas, fazem com que os seus núcleoschoquem entre si, dando origem ao hélio e libertando energia e umneutrão. Ainda não existem centrais de reacção de fusão, de modo aproduzir electricidade com eficácia.

5 Este fenómeno é designado por efeito fotoeléctrico.

6 1watt = 1volt x 1amp.volt, a unidade de potencial eléctrico, que se define como a diferença

de potencial existente nas extremidades de um condutor quandoatravessado pela corrente de um ampère e cuja resistência é de umohm, foi dada em homenagem a Alessandro Volta (1745-!827).

7 A corrente alterna é obtida através da rotação de um quadro comum fio enrolado à sua volta, entre os pólos de um íman. A correnteinduzida neste fio muda de sentido em cada meia rotação, por igualmodificação dos campos magnéticos, fazendo com que as cargas sedesloquem, quer num sentido, quer no outro. Este sistema defornecimento de energia foi elaborado pelo norte-americano Nikola Tesla,de origem sérvia, em 1887.

8 O transformador consiste em duas bobinas enroladas num quadrode ferro que diferem no número de anéis componentes de cada umadelas. A bobina relacionada com a proveniência da corrente é designadapor primária, sendo a secundária a relacionada com a saída de correntedo transformador. Num transformador amplificador da voltagem, a bobinasecundária possui mais anéis, cujo número é proporcional ao aumentode voltagem pretendido. Num transformador redutor, a bobina de saída,ou secundária, possui mais anéis do que a primária.

Au to r

MajorGeneral Silveira SérgioAuditor nº 702/00

...a Universidade deve sercomo a electricidade

− um lugar de verdadeirae permanente transformação

... a Universidade,tal como a electricidade,

deve ser sobretudoum lugar de fluxo de ideias

Tendo por base o que atrás se afirmou, não é de admirarque os fios que transportam a corrente induzam camposmagnéticos que, por sua vez, possam modificar o fluxo deelectrões em outros corpos, mormente no corpo humano.Contudo, e até ao momento, não existem estudos conclu-sivos sobre os potenciais efeitos nefastos para a saúde,dado que se teria de eliminar a quantidade de aparelhosutilitários indutores de campos magnéticos com que diaria-mente se contacta, a começar pelos micro-ondas, computa-dores, televisores... e só se estar sob a influência doscampos magnéticos induzidos pelos fios. Quanto muito,se existem verdadeiramente alterações patológicas − dotipo cancerígeno, comportamental − as mesmas nãopoderão deixar de ser por acumulação, pelo que se deveriacomparar famílias sujeitas diariamente ao mesmo tipo deaparelhos, durante o mesmo tempo, com idades e hábitosde vida relativamente semelhantes, sem traços genéticosindutores de determinadas patologias, divergindo somente

no aspecto de que, parte delas, coabitam próximo de linhasde alta tensão, e observar posteriormente os resultados.Este poderia ser um dos tipos de estudo a efectuar, que,todavia, nos parece ser um objectivo bastante difícil dealcançar.

No entanto, e pelas dúvidas colocadas, seria acertadonão forçar a situação de passar os cabos junto a locaispovoados.

Como deixámos antever, neste leve discursar, existeainda muito trabalho de casa a ser efectuado por investiga-dores de várias competências, e para o qual deveriam conver-gir bastantes apoios, não só estatais mas, sobretudo, atravésdos núcleos industriais − principalmente por parte daquelesmais corajosos que sabem esperar pelo retorno doinvestimento.

Aqui, como em outros aspectos, se, por um lado, aUniversidade tem de se assumir como esteio, ou como umaverdadeira máquina que puxa pela sociedade onde seencontra inserida, ao procurar entender e explicar o princípiodas coisas, através da sua investigação fundamental, deveser igualmente capaz de a ligar aos aspectos práticos,revertidos na melhoria de vida e de evolução dessa sociedadee não na sua escravização.

Poderíamos também dizer que a Universidade deve sercomo a electricidade − um lugar de verdadeira e permanentetransformação. Tal como se pôde constatar, a electricidadenão se cria, mas resulta da transformação de outras formasenergéticas, sendo depois, por si, vector de transformaçãoem outras energias − térmica, luminosa, mecânica... É quea Universidade, tal como a electricidade, deve ser sobretudoum lugar de fluxo de ideias, e quanto mais fluir, mais seenriquece. Fechando-se em si, estiola, nada move e acabapor arrastar a sociedade para o coma... e o pior é que nemsempre o médico se encontra presente.

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No final do ano de 2006, a intelectualidadepolítica europeia vibrou com a publicação dolivro de Gabor Steingart A Guerra Mundial pela

Riqueza - A Luta Global pelo Poder e pela Prosperidade(Piper, 2006). Neste quadro europeu, Bruxelas tem oambiente simpático das “praias de famílias” portuguesas: obom e o mau espalham-se com muita facilidade e, por vezes,o bom não é tão bom como se diz; e o mau não é tão maucomo, também, se diz. Esta obra é, definitivamente,agradável: pela originalidade das ideias, pela consistênciada argumentação, pela dimensão da análise e, sobretudo,pela coragem das suas conclusões. Não sei, no entanto,se a tese nela propugnada é realisticamente possível: acriação de uma estrutura proteccionista semelhante à NATO,mas circunscrita ao âmbito económico.

Steingart é um jornalista. E é oriundo da esquerdaalemã, concretamente do "Partido dos Verdes",

circunstância que complica mais o entendimento da suafilosofia. Por outro lado, é actualmente Chefe da Redacçãodo Der Spiegel, cargo que já lhe permitiu "correr o mundo",acompanhando as viagens oficiais dos últimos chanceleresalemães. Dessa experiência global, resultou umainteressante visão das relações internacionais, sobretudodo enquadramento da Europa e dos Estados Unidos frenteao bloco económico China-India.

como é que os sindicatosdaqueles países[Romémia, Bulgária, Hungria]vêem esta discrepânciade condições e de direitos?

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Até agora,a “vantagem competitiva”da Economia portuguesa

era o nível salarial, que erainferior à média europeia.

Com o alargamentoa Leste da União Europeia,

essa mais-valiadeslocalizou-se para

os novos membros da União

A reflexão de Steingart é surpreendente. Um dosproblemas que levanta é o da falência do "Estado do Bem-Estar". E a causa dessa crise está nos consumidoresocidentais, com a sua permanente ânsia de compraremmais barato, sobretudo os produtos da China e da Índia. ESteingart conclui que o sistema económico ocidental temnecessidade de criar medidas proteccionistas − ao nível

dos Governos ou de Organizações Internacionais − paracombater esta tendência.

Estas teorias despertaram-me a reflexão que agora queriatrazer e estas páginas − a da Regulação do Mercado Global,sobretudo no quadro do Emprego. É que é aqui que meparece que está a base do problema.

Explico-me melhor: as Economias nacionais deixaramde ser consideradas uniformemente, para passarem a estarenquadradas em "redes de competitividade". No casoportuguês, por exemplo, passámos a estar enquadradosno quadro económico europeu, e noutras redes como asprovenientes das relações com o Brasil e com a África.Ora, essas ligações de competitividade exigem que cadaEconomia apresente elementos diferenciadores, critériosde mais-valia, as chamadas vantagens competitivas. Atéagora, a "vantagem competitiva" da Economia portuguesaera o nível salarial, que era inferior à média europeia. Com oalargamento a Leste da União Europeia, essa mais-valiadeslocalizou-se para os novos membros da União.

Esta situação tem como consequência uma nova visãodo Trabalho e do Emprego, cujo quadro de referência deixoude estar na dicotomia horário/salário para se enquadrar noplano da competitividade. Hoje, a palavra "trabalhador" nãofaz já sentido, uma vez que este se insere numa rede decompetitividade: a competitividade da empresa no mercadoonde se insere; a competitividade do país. O trabalhador

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passou a ser um "agente de competitividade". E só sobrevivese se assumir como uma mais-valia competitiva. Daí queme pareça que, por exemplo, as regras de aumentos sala-riais baseados em critérios macroeconómicos tenhamtendência para dar lugar a prémios de produtividade basea-dos, por exemplo, no índice de crescimento da Empresa.

A China como a Índia, sendo países e economiascomplexas, têm hoje níveis de competitividade muitobaseados no custo salarial. Mas, quanto a mim, há outroproblema: é que a ameaça não está só naqueles dois países;está também dentro do próprio espaço económico em quenos inserimos, nomeadamente na Zona Leste da União Euro-peia. E é aqui que penso que poderemos começar a trabalhar.

Vejamos: a deslocalização das empresas industriaismultinacionais que operavam em Portugal não está a ocorrerpara a China ou para a Índia. Está a dar-se para a Europa −Roménia, Bulgária, Hungria e outros. E a Europa é o nossoespaço económico. Ora, este quadro resulta, quanto a mim,de uma falta de Regulação do Mercado de Emprego noespaço europeu, isto é, as condições de trabalho − os níveissalariais, os horários de trabalho, os critérios de produtividade− deveriam ser uniformes dentro do espaço económico daUnião Europeia. E não são.

Esta discrepância de condições de trabalho no quadroeuropeu deveria ser a base de intervenção dos sindicatos edas organizações sindicais portuguesas. É que, nesta novaera de afirmação da iniciativa privada, estas organizaçõesdeixaram de ter como preocupação os direitos dostrabalhadores, para terem que concentrar-se na defesa dodireito ao emprego. Daí que me faça confusão ver perdertempo em marchas de rua a favor do emprego, ou em grevesgerais. É que isto, a meu ver, é o que não se pode fazer naera da competitividade: não tem qualquer tipo de resultado;e retira estímulo a quem quer criar Emprego. Hoje, o que asociedade e o mercado pedem é criatividade, empreende-dorismo e vontade, não reivindicações.

Sinceramente gostaria de saber como é que umtrabalhador romeno, búlgaro ou húngaro admite a ideia deque trabalhando mais e produzindo mais do que um europeuocidental, ganha menos. E mais, como é que os sindicatosdaqueles países vêem esta discrepância de condições ede direitos? E é aqui que proponho uma Regulação, pelomenos ao nível europeu. Regulação em que os sindicatos eas organizações sindicais europeias têm um papel essenciale vital: se não actuarem conjuntamente e apresentaremsoluções, perdem o sentido, a razão de ser. O fracasso daúltima greve geral em Portugal é um sintoma desse declínio.As taxas de sindicalização dos trabalhadores são outrodesses sintomas.

O trabalhador passoua ser um "agentede competitividade".E só sobrevive sese assumir como umamais-valia competitiva

...as condições de trabalho- os níveis salariais,os horários de trabalho,os critérios de produtividade- deveriam ser uniformesdentro do espaço económicoda União Europeia.E não são

A Regulação, no campo do Emprego na Europa, é vitalpara a Justiça Social e para o futuro equilíbrio económico. Efaz-se através do nivelamento das condições de trabalho e

dos direitos dos trabalhadores em toda a área económicaeuropeia. E só poderemos pensar em medidas protec-cionistas, como Steingart propõe, depois de conseguirmosesse primeiro passo.

As organizações sindicais e os sindicatos têm assim amissão das "tias" da "Canção de Lisboa": foram à cidade"pôr o menino no lugar". E puseram.

José António Silva e SousaAuditor do CDN 2002

Presidente da Assembleia Geraldo AACDN

Auto r

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Em 330 páginas, a Comissão Estratégica dosOceanos traçou um exaustivo quadro sobre aspotencialidades do nosso mar depois de um

enorme trabalho que reuniu dezenas de individualidades degrande prestigio e saber, nas mais variadas áreas.

Obviamente que se torna impossível em curto espaço,relembrar o muito que ali está dito e que, como infelizmenteé costume, depressa passou ao esquecimento não no seutodo mas em substancial parte.

Um dos vectores estratégicos definidos no inicio do Rela-tório Final (Parte II) aponta as baterias para os “RecursosMinerais” e sobre estes nos debruçaremos num dos seusaspectos, a extracção de areias e cascalhos, matéria aque temos dedicado os últimos onze anos e que acaboupor resultar agora em algo de inovador no nosso País, masque não é mais do que uma cópia do que de há muito sepratica pelo Norte da Europa.

Vejamos o que textualmente afirma a Comissão dosOceanos, em termos de Recomendações e Propostas:

“Desenvolver um programa de levantamento dos recursosminerais marinhos nas zonas marítimas sob soberania oujurisdição nacional, e integração da informação a eles relativano Atlas Nacional de Dados sobre o Oceano;

Criar um quadro legislativo e financeiro que permita acriação de parcerias universidade/empresa nas área de I&D,tecnologias aplicadas, exploração de recursos e protecçãoambiental, e sua valorização através do capacity-building;

Promover abordagens multidisciplinares, em particularno que se refere à investigação científica e à criação detecnologia na área dos recursos minerais marinhos;

Equacionar as vantagens da extracção de areias e cas-

...não há desenvolvimento económico sem areiae assim é de facto, uma vez que desde as habitações

até às estradas e pontes, tudo precisa de areiae o turismo não viverá sem praias

calhos em áreas marítimas, relativamente à actual extracçãoem áreas fluviais e terrestres, com vista a adoptar um planoe iniciar a extracção destes recursos.”

Na verdade, desde a década de cinquenta que o ReinoUnido recorre ao mar para se abastecer de areias e casca-lhos, o mesmo acontecendo, quer na Holanda, quer naBélgica e em muitos outros países, até no longínquo Japão,o que levou ao desenvolvimento progressivo de centenas senão milhares de estudos levados a cabo, quer por univer-sidades quer por cientistas isoladamente, quer ainda porespecialistas da própria actividade.

Alguns desses trabalhos, entre as largas dezenas a quetivemos acesso, adicionados aos conhecimentos adquiridospor visitas feitas a determinados países, serviram de basea um documento que designámos por “Prospecção e pesqui-sa de depósitos minerais de areias e cascalhos e outrosagregados do leito e subsolo marinhos”, o qual foi apresen-tado ao Governo para obtenção de um licenciamento quepermitisse o desenvolvimento de uma gama de estudosindispensáveis, tendo como objectivo a possibilidade de seobter autorização para efectuar extracções depois deaprovados os obrigatórios Estudos de Impacto Ambiental.

Efectivamente e após delicadas conversações queconvergiam na necessidade de encontrar o caminho certono âmbito da legislação em vigor e após consulta públicaem Junho de 2002, foi licenciada pelo Governo, em finais de2005, a execução de um “conjunto de estudos e trabalhosvisando a revelação, dimensionamento e caracterizaçãodestes depósitos minerais até à evidenciação da existênciade valor económico”, estudos esses incidindo sobre áreasdo domínio marítimo previamente definidas.

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José Manuel de SousaAuditor nº 779/72

Não cabendo aqui a referência aos promotores desteestudo e seus financiadores, podemos e devemos adiantarque se conseguiu uma excelente parceria entre empresasdo sector privado e organismos da Comunidade Científicae Universitária, embora seja licito, nesta altura, um públicoreparo em relação ao que passa em Portugal, numa claradiferença em relação ao que constatámos no Norte daEuropa.

Existem já muitos dados que sobre esta matéria foramadquiridos por trabalhos de mar e de laboratório, na possede organismos oficiais, mas por razões para nós nãosuficientemente claras, estão mantidos em segredo eportanto de impossível acesso pelo sector empresarial,obrigando este a um substancial aumento de esforços ede despesas.

Duas preocupações se levantam de imediato paraquem aborda sem muito conhecimento, o assunto deuma eventual exploração das reservas e depósitos deinertes e que serão a pesca e a Orla Costeira.

São dois vectores em que existem já intensostrabalhos de investigação e se, no primeiro, as espéciesque podem ser as mais atingidas são as bentónicas mascom beneficio para espécies “oportunisticas” atraídas pelaressuspensão de sedimentos (e portanto no EIA há queinterditar qualquer zona sensível), no segundo serão osestudos de hidrodinâmica que irão ditar onde se situa achamada linha de fecho que garantirá a total ausência deperigo pela retirada de qualquer quantidade de inertesque nos anos mais próximos se situará, em média, entreos dezassete e os trinta metros de profundidade.

Estes inertes são de primordial importância para a

realimentação artificial e a partir do mar, das praias elargas zonas em perigo que estão devidamentereferenciadas na Costa Portuguesa e, por outro lado, asua comercialização irá de encontro a um dos pontosabordados pela Comissão dos Oceanos no seu Relatório,o qual pode ser consultado na Internet, o querecomendamos vivamente.

Pensamos que a totalidade dos portugueses tem totalconsciência de que podemos afirmar (de uma forma quasehumorística) que não há desenvolvimento económico semareia e assim é de facto, uma vez que desde as habitaçõesaté às estradas e pontes, tudo precisa de areia e o turismonão viverá sem praias.

Por isso, este trabalhos, que nos ocuparam tantosanos e que agora passaram à execução naquela quepodemos considerar a segunda fase, representam umcontributo para a estratégia que Portugal tem desenvolvidoem alguns sectores relacionados com o mar e com asua tão importante ZEE.

Para encerrar o assunto, uma pequena nota referindoque apresentámos o nosso trabalho num CongressoInternacional que teve lugar em Marrocos no ano de 2002e que agora foram iniciados naquele país amigo trabalhosmuito similares aos que estamos a desenvolver nestemomento em Portugal.

Foto Guiomar Brito

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... indícios que apontampara a passagem

de extremistaspelo nosso País,

o qual tem sido usadopor extremistas islâmicos

para fins logísticos,de financiamento

e mesmo de doutrinação

Ainda não é completamente perceptível adimensão das actividades terroristas ou, maiscorrectamente, actividades de apoio ao

terrorismo, que decorrem em Portugal. Neste país, nãose verificaram, até ao momento, as condições que emoutras sociedades facilitaram a formação de agrupa-mentos radicais. Existem, contudo, indícios que apontampara a passagem de extremistas pelo nosso País, oqual tem sido usado por extremistas islâmicos para finslogísticos, de financiamento e mesmo de doutrinação.Os sinais são dispersos, mas consistentes e em aumentoà medida que o tempo passa. Seguir a nova matriz deactividade terrorista é como formar e recomporcontinuamente uma matriz de acontecimentos que seassemelha a um puzzle.

M.F.

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A comunidade muçulmana nacional, bastanterespeitada, tem tido a preocupação de se distanciar dequestões políticas, sobretudo das tendências radicais. Apopulação muçulmana em Portugal na actualidade situa-se entre os 0.3% e os 0.4% da população total, isto é,cerca de 30 000 pessoas. Os primeiros Muçulmanos achegar a Portugal, oriundos das ex-colónias, integraram-sebem e estão hoje presentes em sectores relevantes dasociedade: no comércio, indústria, medicina, finanças ecultura.

A progressiva abertura de Portugal ao mundo, em virtudedo processo de integração europeia e dos movimentosmigratórios globais, atrae para o País mais imigrantesmuçulmanos, por razões económicas. A presença islâmicaem Portugal tem, assim, adquirido um carácter multinacionale multicultural, situando-se no cruzamento de diversascorrentes e tendências religiosas. Os obstáculosdecorrentes dos factores culturais e linguísticos criammaiores dificuldades de integração. Muitos dos novosimigrantes vivem em condições precárias. Estas situaçõesnão são livres de tensões. A Europa vive hoje com a certezade que muitos indivíduos que se movimentam nas margensdas comunidades muçulmanas estão na origem da formaçãode células radicais.

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Internade 2006 dos Serviços de Informações e Segurança (SIS),continuam a ocorrer “casos pontuais de deslocação deextremistas ao nosso país”1. Helena Rego, responsávelpelo departamento de análise e antiterrorismo daquelesserviços, afirmou recentemente que Portugal teráconstituído ponto de passagem para alguns terroristas do11 de Setembro: “elementos do grupo de Hamburgodeslocaram-se para Portugal ou Reino Unido na sequênciados atentados…”2 Os elementos que apontam nestesentido são múltiplos e até bastante impressionantes,apesar da relativa insignificância do nosso país no universoda chamada Jihad Global. Em 2003, o SIS e o SEF, numaoperação conjunta conduzida entre Lisboa e a Quarteira,desmantelaram uma rede de 13 argelinos que se dedicavaa várias actividades criminosas, especialmente afalsificação e utilização de documentos falsos, comopassaportes, bilhetes de identidade e cartões de crédito.Da operação, resultou a detenção do argelino Sofiane Liab,condenado depois em 2004 a três anos e meio de prisãopor falsificação e utilização de documentos falsos. Narealidade, durante o processo não foi possível provarqualquer das acusações de terrorismo ou pertença aorganização terrorista.

Contudo, a personagem tinha um background bastantemais substancial. As autoridades inglesas e alemãesforneceram informações às suas congéneres nacionais queLiab teria residido em Hamburgo, entre 1998 e 2001, cidadeque - recorde-se -, foi onde se formou e consolidou ocomando do 11 de Setembro, liderado por Mohammed Atta.Liab e Atta residiram juntos entre 1998 e 2000. Liabconhecia bem um tunisino, Ben Yamin Issak, que, porsua vez, era próximo de Atta. O relacionamento com Issakcontinuou em Lisboa, onde o tunisino residiu em váriasocasiões.

Entre as pistas do processo que ficaram por provarficou a ligação de Liab a Issak: a PJ e o MP não conse-guiram demonstrar cabalmente a ligação entre os dois

A comunidade muçulmananacional, bastante respeitada,tem tido a preocupaçãode se distanciarde questões políticas,sobretudo das tendênciasradicais

1 Gabinete Coordenador de Segurança - MAI, Relatório Anual deSegurança Interna de 2006, Lisboa, 2007, p. 230.

2 "Membro do SIS diz que Portugal tem sido usado dos terroristas",Público, 9/05/2007, p. 8.

3 Sérgio A. Vitorino, "PJ duvida da versão de jovem argelino",Correio da Manhã, 19/03/2004 (em http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?idCanal=9&id=95305).

árabes. Em Setembro de 2002, na companhia do Liab,Issak tentou embarcar no aeroporto da Portela, usandoum passaporte francês falsificado3. Detectada a fraude,Issak não foi detido porque conseguiu enganar asautoridades portuguesas, acabando por abandonarPortugal por via terrestre.

Ambos acabariam por ser detidos no espaço de cercade três meses. Sofiane, na esplanada de um café da zonado Chiado, na posse de uma falsa autorização deresidência válida até Setembro de 2007. Issak, por seuturno, foi capturado no aeroporto de Liverpool, em Julho de2003, quando se preparava para embarcar na posse dedocumentos falsos com destino a Barcelona. Issak foicapturado no âmbito de uma conspiração terrorista, queincluía uma ampla rede e visava o planeamento de váriosatentados, recorrendo inclusive a um poderoso veneno, arícina. Aquando da sua detenção, Yamin estava na possede um bilhete de identidade português emitido em nomede um cidadão africano. Issak confessou o relacionamentocom Atta e admitiu ter mantido o contacto com Liab, apóso 11 de Setembro, no contexto de diferentes paíseseuropeus.

Foto

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Quando foi detido em Lisboa, Sofiane era portador devários cartões de crédito falsificados e com documentosde identificação falsos provenientes da Bélgica. Os bilhetesde identidade eram falsos e destinavam-se a certificar oscartões de crédito contrafeitos. Além de vários produtos,os cartões de crédito foram usados no pagamento de váriaschamadas telefónicas feitas por Sofiane para telefones devários países: Portugal, França, Líbano, Síria, Alemanha,Reino Unido e Marrocos4.

Liab era possivelmente um elemento da galáxiamultinacional extremista, composta por indivíduos, preva-lentemente norte-africanos, que se mantêm em contactoconstante e se movem em permanência. As funções destesnós de ligação são as de activar os agentes adormecidos,ajudar os operacionais em fuga, facilitando a sua des-locação para recuo temporário, ou realizar tarefas decarácter logístico. Aliás, antes de ser detido, Liab tinhafeito telefonemas para o Reino Unido, França, Hamburgoe Líbano5.

Há dados que referem a presença no país de elementosque gravitam em torno de imigrantes paquistaneses emagrebinos aqui estabelecidos há menos tempo,constituindo pequenos focos de radicalismo político ereligioso6. Estes criaram nos últimos anos novas salas deculto que estão fora da alçada da comunidade islâmica:não existe qualquer controlo sobre o tipo de discurso aípraticado e as ideias defendidas. Existem, aliás, algumasdúvidas em torno da possibilidade de eventuais tentativasde aproximação dos extremistas às comunidadesislâmicas e sobre as consequências que daí podem advir.Algumas destas pessoas possuem uma alargada rede decontactos com indivíduos de diversas tendências e sensi-bilidades religiosas. Esses contactos foram proporcionadospelo facto de muitos terem residido noutros locais antesde se estabelecerem aqui. Existem indícios continuadosda utilização ou passagem pelo nosso país de elementosdesta rede flexível e mutável.

Em Fevereiro de 2006, as autoridades detiveram váriosindivíduos de nacionalidade holandesa, mas de origemcabo-verdiana, que se esconderam na Cova da Moura,Amadora, onde tinham familiares. Estes indivíduospretendiam obter documentos falsificados, aguardando amelhor oportunidade para viajar para Cabo Verde, onde omandado de captura europeu não permite o extravio denacionais. O líder do grupo era um indivíduo convertido aoIslão, tinha ligações com os meios radicais islâmicos,nomeadamente ao grupo Hofstad (Grupo da Corte), echegou a frequentar campos de treino no Iémen. O Hofstad,desmantelado em 2005, era liderada por Abu Khaled, deorigem síria, que terá organizado contactos com o objectivode recrutar novos membros e preparar atentados contradiversos alvos na Holanda. O assassino do realizadorholandês Theo van Gogh, Mohammed Bouyeri, pertenciaao grupo.

A Europa vive hojecom a certeza

de que muitos indivíduosque se movimentam

nas margens dascomunidades muçulmanas

estão na origem da formaçãode células radicais

Foto © Lusa

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Maria do Céu PintoProfessora na Universidade

do Minhoe Auditora CDN 2000

Auto ra

4 "Suspeito de ligações à Al-Qaeda é hoje julgado na Boa Hora",18/03/2004, (em http://www.centrofundao.com.

5 José Vegar, Os serviços secretos portugueses, 2ª ed., Lisboa,A Esfera dos Livros, 2006, v. pp. 53-4.

6 Catarina Carvalho e Valentina Marcelino, "Radicais islâmicosem Portugal escolhem mesquitas clandestinas", Expresso, 20 deNovembro de 2004, p. 19.

7 "Terrorismo: magrebinos expulsos antes do Euro2004", PortugalDiário, 16/11/2004 (em http://www.portugaldiario.iol.pt/especial_artigo.php?div_id=486195&id=469563).

8 "Euro 2004: grupo terrorista planeou atentado no Porto", 15/11/2004, Portugal Diário, (em http://www.portugaldiario.iol.pt/especial_artigo.php?id=468762&main_id=486195).

9 Carlos Rodrigues Lima, "Situação geográfica favorece apoiologístico a terroristas", Diário de Notícias, 14/02/2006, p. 3.

10 Note-se, a propósito das redes de falsificação de documentos,que na maior parte das vezes estas envolvem cidadãos nacionaisque estabelecem "parcerias comerciais" com outros grupos ouindivíduos ligados a actividades criminosas, a troco de avultadassomas de dinheiro. V. José Van Der Kellen, "As redes de imigraçãoilegal e o fenómeno do terrorismo", Politica Internacional, nº 28, IISérie, Julho de 2005.

11 "SIS desmantela rede em 2003", TSF Online, 26/03/2004 (http://tsf.sapo.pt/online/portugal/interior.asp?id_artigo=TSF144187).

12 "Operação Pandora desmantela rede de falsificação dedocumentos", Polícia Judiciária, 10 de Dezembro de 2004 (www.pj.pt/cgi-bin/news.pl?action=viewarticle&id=2022).

13 Margarida Pinto, "Dos arrestados por el 11-M compraram DNIfalsos en Portugal", El Pais, versão online, 15/12/2004(www.elpais.es/solotexto.

14 "Explosivos portugueses para atentado em Espanha", PortugalDiário, 30/10/2004 (em http://www.portugaldiario.iol.pt/especial_artigo.php?id=462433&main_id=486195)

15 Lima, ibid.16 Ricardo Dias Felner, "SIS teme recrutamento para células

terroristas em Portugal", Público, 13/04/2005, p. 5.17 Cit. in Vegar, op. cit., p. 59.

A passagem de membros do grupo por Portugal datade 2004, na altura do Euro2004, quando as autoridadesdetectaram um grupo de muçulmanos holandeses quese tinha alojado numa pensão no Porto. Os cidadãosmagrebinos, nove marroquinos e dois tunisinos, foramexpulsos de Portugal a 11 de Junho, véspera do começodo Euro2004, na sequência de avisos da polícia holandesae da Interpol de que poderiam estar a preparar umatentado. A operação que conduziu à detenção dossuspeitos foi desencadeada devido ao facto de se temera possibilidade de um atentado contra o então primeiro-ministro, Durão Barroso, e as 700 individualidades,portuguesas e estrangeiras, que estariam presentes numjantar na Alfândega do Porto e que antecedia o início doEuropeu de Futebol7.

Um dos membros do grupo era El Fahtni Noreddine,marroquino que vivia em Amesterdão no apartamento deBouyeri. O grupo dispunha de um carro de matrículaholandesa, comprado em nome de Bouyeri, e deslocavam-se diariamente ao aeroporto de Lisboa, onde levantavampequenas quantias em dinheiro8.

Mais do que ser alvo de uma ameaça concreta ou localde preparação de atentados, o nosso país tem sido umaplataforma para actividades de grupos radicais. Portugalpode ser utilizado como base de residência temporária,uma espécie de porto de abrigo, tendo em conta a pacatezdo país, assim como a ligação fácil a Espanha e, daí, parao resto da Europa9.

Por outro lado, Portugal é muitas vezes referido comligação a actividades criminosas, como actividades definanciamento (roubos, tráfico de estupefacientes, usofraudulento de cartões de crédito), falsificação dedocumentos10 e apoio à imigração ilegal11. Estasconstituem importantes instrumentos de suporte e apoioao terrorismo internacional12. As investigações emEspanha, no âmbito dos atentados de 11 de Março,conduziram à detenção de suspeitos na posse dedocumentação falsa de elaboração portuguesa13. Osindivíduos que planeavam atentar contra o edifício daAudiência Nacional em Madrid também procuraram adquirirexplosivos em Portugal. A aquisição, ou desvio, deexplosivos em Portugal por parte de grupos extremistasestrangeiros não seria caso inédito. Nos últimos anos foramvárias as pistas que conduziram não só as autoridadesespanholas, como as portuguesas, ao Minho e a Trás-os-Montes, onde chegaram a ser referenciadas casas comoeventuais esconderijos de armas14.

Intimamente relacionados com a circulação de radicaisislâmicos, está o fenómeno dos chamados “casamentosbrancos”. Eles permitem a legalização fraudulenta decidadãos de origem islâmica no espaço europeu atravésde casamentos com cônjugues portugueses ou compessoas que tenham o passaporte no espaço Schengen,na sua maioria mulheres. Esta situação tem assumidocontornos preocupantes no nosso país, registando umaumento em flecha nos últimos cinco anos. Portugal éfrequentemente utilizado como país de trânsito ou dedestino, bem como centro privilegiado de recrutamento denubentes15. Foram detectadas redes compostas designa-damente por marroquinos, paquistaneses e egípcios, cujapresença é cada vez mais significativa16.

Até ao momento, parecem não ter sido recolhidos

indícios da existência em Portugal de grupos terroristasde matriz islâmica ou de actividades preparatórias deatentados. Existem, contudo, estruturas e condições propí-cias ao apoio logístico a indivíduos suspeitos deenvolvimento em atentados ou de pertencerem a gruposterroristas. Esse factor aumenta o risco de poderem vir aser desenvolvidas outras actividades, como o recrutamentode membros para a formação de células locais. Emresumo, e nas palavras de um ex-director do SIS, JoséAntónio Teles Pereira: “O nosso país situa-se numa espéciede 'zona cinzenta', da qual o máximo que se pode dizer éque não está tão 'próxima' do problema para que aocorrência de atentados se situe a nível da grandeprobabilidade, mas que também não está tão 'longe' emtermos de essa probabilidade ser consideradanegligenciável”17.

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O contexto do discurso é especialmente relevante namedida em que acontece na sequência de eventos quedeixam vislumbrar uma mudança de orientação estratégicado Kremlin. Um elemento muito visível, desde 2006, consisteno uso dos recursos energéticos como elemento de podere, portanto, de afirmação internacional. Putin criou no iníciodo seu primeiro mandato, em 2000, três pilares para a suaacção externa: o Conceito de Política Externa, o Conceitode Segurança Nacional e uma Doutrina Militar, onde aimportância atribuída à cooperação com a Europa é notável.A adopção de um conceito de dissuasão e escalada nuclear,nunca formulados durante a era bipolar, vem ilustrar as

dificuldades da potência russa: a arma nuclear é o últimorecurso, na ausência de outros, de uma potência emdificuldade. Esse tríptico foi adoptado no rescaldo da épocaIeltsine, que Putin herdou: uma Rússia que desacredita omodelo político e económico ocidental, com umademocracia inacabada; um federalismo assimétrico e declientelas; e uma economia abalada. A chegada ao poderdeste “homem forte” para repor a “grandeza russa” trouxede facto maior estabilidade interna e credibilidadeinternacional. Apesar da continuação do sistema decorrupção endémico onde entrosam políticos, burocratas eoligarcas, e dos recuos democráticos do regime de Putin(centralização autoritária do poder, no executivo), os seusdois mandatos representam uma ruptura com a era Ieltsine,porque colocam a Rússia numa dinâmica cooperativa maisestável e com performances económicas.

O balanço não é linear, sendo ainda difícil classificar asingularidade da adaptação política, económica e socialrussa. Nas tentativas de caracterizar esse fenómeno, aindaé necessário usar o prefixo pós, na medida em que opassado ainda pesa muito no modelo híbrido de hoje. ARússia é, assim, um actor pós-imperial e pós-soviético,

O discurso do Presidente russo V. Putin, em Munique, no dia 10 de Fevereiro , reavivou na imprensainternacional, e entre os analistas, o vocabulário da Guerra Fria e a visão de confronto com a Rússia.Apesar da crítica directa aos excessos contrapodutivos do unilateralismo norte-americano, A. Merkel

(Chanceler alemã), S. Ivanov (ex-Ministro da Defesa russo) ou ainda R. Gates (Secretário da Defesa norte-americano)moderaram a sua interpretação da performance oratória. A lista de queixas apresentada por Putin continha,nomeadamente, o projecto norte-americano de instalar um Sistema Anti-Ballistic Missile (ABM)) na Polónia e naRepública Checa e o eventual alargamento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) à Geórgia. A esserespeito, os militares russos retomaram a retórica anti-NATO, persistente desde os anos 90. O General Y. Baluyevskyafirmou a necessidade de uma nova doutrina para que a Rússia possa enfrentar as ameaças militares, hoje maioresdo que durante a Guerra Fria. Este último também sublinhou que a cooperação com o Ocidente não aproximou osinteresses estratégicos e não confortou a segurança militar russa . Posto isto, coloca-se a questão de elucidar oconteúdo do discurso de Putin: tratou-se realmente de um novo conceito de política externa, sob uma forma ad hoc,que corresponde a uma Federação Russa mais assertiva na cena internacional? Ou será melhor apreendido nohorizonte interno das eleições presidenciais de 2008? Propomos aqui, sucintamente, alguns elementos de reflexãoe análise para enquadrar a potência russa hodierna no continente europeu.

...a cooperação como Ocidente não aproximouos interesses estratégicos

e não confortoua segurança militar russa

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sendo a sua economia pós-liberal e neo-oligarca. Paraexplicar esses termos, podemos observar o regresso doEstado russo na indústria energética, sobretudo desde 2004,dando lugar a um capitalismo de Estado. O primeiro objectivoconsiste em recuperar a renda e a sua distribuição,nomeadamente das empresas Gazprom e Rosneft. Essamudança rápida e notável demonstra uma manifestaçãonacionalista, face às imposições anteriores de políticaseconómicas frustrantes, e a recusa de uma dependênciaeconómica da nação. O processo passa no entanto poruma instrumentalização do Estado pelos oligarcas. Para J.Sapir, as elites russas operam um regresso ao passado, aoperíodo 1890-1914, durante a qual a sobrevivência do paíspassa pela recuperação industrial e económica .

A referência histórica é igualmente incontornável paraelucidar a política externa russa e a sua dimensão europeia.Para além das questões económicas acima referidas, odebate sobre a identidade russa é fundador para as actuaisescolhas estratégicas. Trata-se de uma oposição entreEslavófilos e Ocidentalistas, que nasce no século XIX e seexpressa profundamente na grande literatura do Século XIXde Puchkine, passando por Turgeniev e Tchekov, a

Dostoievski e Tolstoi . Nos nossos tempos, os três últimosdirigentes russos encarnaram também a complexidade eoscilação entre as duas orientações: da noção de “casacomum europeia” de Gorbatchev, passando pelo fervorocidental e anti-ocidental de Ieltsine, ao pragmatismo dePutin. Saber se a Rússia pertence à Europa ou se é um

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mundo à parte, que segue as suas próprias regras, estevena génese da política externa russa dos anos 90 e continuapertinente. Não é, portanto, surpreendente que Putin, nasua declaração sobre o 50º aniversário da integração euro-peia, formule o seguinte: “In his famous Pushkin speech,Fyodor Dostoevsky gave what I would call a political andphilosophical definition of Russia's European mission:'Being a true Russian will ultimately mean bringingreconciliation to Europe's contradictions.' The great writersensed perfectly that Europe would never be itself in theworld without Russia and, at the same time, that Russiawould never cease its 'longing for Europe. I strongly believethe full unity of our continent can never be achieved untilRussia, as the largest European state, becomes an integralpart of the European process”. Após ter sofrido três golpes(o revés da Guerra Fria, a perda do império externo e a doimpério interno), a Rússia pós-soviética perdeu territórios

...Putin herdouuma Rússia que desacredita

o modelo políticoe económico ocidental,

com umademocracia inacabada,

um federalismo assimétricoe de clientelas

e uma economia abalada

e herdou uma política de superpotência (pelo menosregionalmente). A formulação do interesse nacional russoposicionou-se, portanto, em relação ao seu “estrangeiropróximo” (expressão usada, em 1993, pelo Ministro dosNegócios Estrangeiros A. Kosyrev), ou seja, num espaçoem recomposição em relação à União Europeia (UE), aosPaíses da Europa Central e Oriental e ao Cáucaso do Sul.A noção é fundamental na percepção das ameaças ecorresponde aos catorze Novos Estados Independentesque integravam coercivamente a ex-URSS.

O conceito de “estrangeiro próximo” remete não só parauma concepção geopolítica do lugar da Rússia na Europamas também para um conceito de soberania territorial. Aactualidade da relação UE-Rússia coloca no âmago dasdificuldades enfrentadas a possibilidade de cooperação coma Rússia nesse espaço, que corresponde à noção de“vizinhança comum” da UE. Moscovo mantém prerrogativassoberanas que dificultam a resolução dos conflitos ditos“congelados” na Moldávia (Transnístria) e na Geórgia(Abkhasia e Ossétia do Sul). Para além de manter umapresença militar e de apoiar os executivos dos territóriosseparatistas, o Kremlin prefere a manutenção de um statuquo nesses países. A UE desenvolve medidas de resoluçãodesses conflitos que são de cariz económico na Moldávia,e de tipo confidence-building na Geórgia, não colocando,para já, desafios sérios à influência russa. Somente no médioe longo prazo será possível verificar se essa abordagem desoft power trará resultados. O actual impasse sobre oestatuto final da província sérvia do Kosovo está ligada, paraos russos, aos conflitos acima referidos. A eventualindependência do Kosovo seria um precedente para outrosprocessos, apesar das Nações Unidas afirmarem o contrário.A ambiguidade russa consistiu em não bloquear as propostas(plano M. Athisaari), evitando a ameaça do uso do veto no

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Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas sugerindo,em Março, a despedida e substituição de M. Athissari, oenviado especial da ONU para o Kosovo. Moscovo sugeriutambém a condição prévia de aceitabilidade do plano paraos sérvios e arguiu, previamente, a necessidade de prolongara fase negocial.

Parece claro que a Política Europeia de Vizinhança deBruxelas, criada em 2003, e a política de Moscovo no“estrangeiro próximo” têm pouco em comum, apesar danecessidade de uma estratégia conjunta para estabilizaras margens adjacentes. A arquitectura de segurançaeuropeia evoluiu nos últimos dezasseis anos, deixando umpapel de destaque à NATO e à UE na definição da estabili-dade do continente europeu. A Rússia aproximou-sediferenciadamente desses dois actores de segurança, maso modelo de cooperação ainda está em construção, sendomarcado por uma forte componente institucional. Adificuldade em descodificar claramente as orientaçõesrussas complica igualmente uma abordagem cooperativana vizinhança comum. L. Lukyanov sintetiza esse factoafirmando: “no one can articulate distinctly what Russia wantsto be”. Parece-nos que a observação se pode aplicar somen-te ao facto de ser difícil conhecer os interesses nacionaisnum regime imperfeitamente democrático, onde o sistemade corrupção e a centralização faz com que a formulaçãodo interesse nacional tenda a representar interesses,pessoais e corporativistas, que beneficiam de uma posiçãode poder. A descodificação da acção e posição externa russadeve passar pela consideração da sua multiplicidade e pelacoexistência, por um lado, de vontade de cooperação segun-do valores ocidentais e, por outro lado, de vontade de mantera sua soberania no “estrangeiro próximo”, segundo as suaspróprias regras. As duas orientações são porventuraincompatíveis.

O discurso de Munique insere-se igualmente noutrasequência: em Junho de 2005, em reunião do Conselho deSegurança da Federação Russa, Putin solicitou ao comandodas Forças Armadas uma nova doutrina militar. O primeiroresultado público surgiu, em Janeiro último, na Academiadas Ciências Militares de Moscovo, onde o General M.Gareev revelou as grandes linhas da proposta. Essapreparação antecipada, antes da adopção necessária deum novo conceito de segurança nacional, demonstra umamudança na percepção das ameaças. Sinteticamente, oGeneral afirmou a centralidade da Rússia na resolução dequalquer problema internacional (“árbitro geopolítico”), amultipolaridade e a cooperação, as ameaças difusas(nomeadamente no “estrangeiro próximo”), a importânciada arma nuclear e uma “defesa activa”. A nova doutrina militarem gestação e o discurso de Munique podem ser vistoscomo os substitutos dos documentos doutrinários de 2000,acima referidos. A vontade de multipolarizar as relaçõesinternacionais em contra-balanceamento (e oposição) aWashington esteve também patente no tour médio-orientalque Putin efectuou logo a seguir à Conferência de Munique,em Fevereiro último. Essa manobra diplomática, para alémdo seu valor simbólico junto de aliados dos norte-americanos(em Ryiad, Doha e Amman), permitiu a assinatura deacordos bilaterais sobre, nomeadamente, programasnucleares civis e venda de equipamentos militares. Surgiuigualmente a ideia de um quartel do gás natural, do tipoOPEP, a ser discutida com o Qatar, em Abril deste ano.

Apesar de não ter ainda uma verdadeira política de influênciamundial, está, no entanto, ao alcance de Moscovo umapolítica de obstrução e de ruídos (usada também no casonorte-coreano e iraniano).

Considerando as questões internas, a Rússia é alvode muitas críticas que se repercutem no seu estatutointernacional. As últimas eleições legislativas de Março(em 14 das 86 regiões russas) prefiguram o clima daspróximas eleições legislativas, de Dezembro, e presi-denciais, de 2008. O campião mundial de xadrez, G.Kasparov, líder do movimento de oposição “Outra Rússia”,adensou os protestos contra as irregularidades verificadas:“Russia today technically is a police state and this corrupt

and unethical Putin regime is trying to survive at any cost”.O novo partido “Só Russia” apoia Putin, embora se promovacomo um partido de oposição para vencer os verdadeirosopositores. O prejuízo para a imagem internacional do paísé assinalável e complica a cooperação com os europeus.A catadupa de quatro desastres (acidente aéreo, explosãomineira, incêndio num lar de idosos e numa discotecamoscovita), também em Março, teve um grande custohumano e desvenda a vetustidade das infraestruturas rus-sas. A limitação da liberdade de expressão, já efectivajunto da imprensa, da televisão e mais indirectamente dasOrganizações Não-Governamentais, está a ser extendida,com um novo Decreto Presidencial, de Março, que cria

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sobre o delfim e a diversidade de interpretações possíveisdeixam o horizonte de 2008 ainda desfocado. Dois factospodem, no entanto, ser afirmados: por um lado, a promoçãode S. Ivanov alivia-o das queixas repetidas, no interior dasForças Armadas, de maus tratos dos superiores sobre osseus subordinados e de alegada corrupção; por outro, alista dos candidatos possíveis, entre os próximos de Putin,pode conter pelo menos mais oito nomes.

É importante sublinhar que a definição do interessenacional russo contém uma geometria variável. Ela é umafunção da sua sensibilidade negativa à NATO e da avaliaçãodo valor acrescentado das suas opções europeias (UE). Oideal paneuropeu, de uma Europa menos ligada aos EstadosUnidos da América e à NATO, permanece, mas a aceitaçãodo statu quo, que deriva da percepção russa da suafragilidade na balança de poder, e que vigorou até ao segundomandato de Putin, é posta em causa. A posição daFederação Russa no sistema internacional melhorou e asua política externa modifica-se em consequência:assistimos a um regresso do Kremlin. A necessidade dereciprocidade é um lema recorrente nos argumentos russos,face aos europeus, sobretudo no diálogo energético(igualdade de acesso aos mercados e contratos de explo-ração). No entanto, este aspecto é também fundamentalda cooperação multilateral, pois pressupõe a existência deuma reciprocidade difusa e, portanto, de uma redefiniçãodos interesses. As analogias com a era bipolar são envie-sadas, na medida em que os jogos de soma nula deixaramlugar a jogos de soma positiva. Embora haja um "catálogode queixas" entre russos e europeus, existe a necessidadede uma parceria estratégica. S. Iastrjembski, conselheiroespecial de Putin para as questões europeias, lamenta quea imprensa ocidental tenda a diabolizar as acções russas,cobrindo as vozes mais objectivas dos especialistas quereconhecem a parte de legitimidade nessas últimas. Atendência ocidental em insistir quase exclusivamente nosdefeitos contribui para a mentalidade de fortaleza dos russos(complexo do cerco). Os europeus teriam assim umaresponsabilidade na existência desse sentimento russo. Elereafirmou igualmente o facto de a Rússia considerar umaUE mais forte como um parceiro ideal. No entanto, elerecusou-se a comentar aquilo que designou "a cozinha dapolítica no Kremlin", deixando recair um véu de opacidadesobre as orientações de Moscovo . No horizonte de 2008, aimagem do urso russo, despertando de um longo períodode hibernação, deixa vislumbrar a necessidade da suaacomodação. A tarefa é difícil, morosa e já se enquadranuma arquitectura de cooperação, que precisa de seroptimizada. No entanto, isso não deve ocultar o desafiosubjacente, que se coloca em especial à UE, e que V.Nikonov nos recorda, num tom eslavófilo: "a Rússia é muitogrande, e muito russa" , isto é, para ser um parceiro europeuordinário.

Fotos © Lusa

uma super-agência para regular não só os media mastambém a internet, até agora poupada. Outro ponto crítico,a política caucasiana de Moscovo, conheceu tambémevoluções recentes. Em Fevereiro, S. Ivanov, então Ministroda Defesa, declarou que o problema havia sido resolvidocom sucesso, confirmando assim o êxito de um métodocontroverso, nomeadamente no que respeita aos DireitosHumanos, para aniquilar as reivindicações chechenas.

O uso do homicídio como “método” político, outro pontonegativo, foi especialmente visível em 2006 com a morte dajornalista A. Politovskaia e do ex-espião A. Litvinenko. Noentanto, a detenção de M. Khodorkovski e P. Lebedev (nocaso Yukos, em 2003) demonstra igualmente a perigosidadeda vida pública na Rússia para os oligarcas que não seguemas orientações do Kremlin. Em Março, Khodorkovski foiinculpado com novas acusações, pouco antes de umaliberdade condicional. É difícil não relacionar o sucedidocom a vontade de o afastar em época de eleições. Ele própriofez uma declaração solene nesse sentido, na prisão, naqual associa o seu caso ao destino do país pelo facto derepresentar, de forma paradigmática, o sistema generalizadode corrupção. Enfim, a promoção, em Fevereiro, de S. Ivanov− um dos siloviki − a primeiro vice-primeiro ministro éinterpretada como uma jogada de Putin no xadrez daspresidenciais de 2008. Os siloviki são os políticos e altosfuncionários nomeados por Putin e que têm a particularidadede serem oriundos dos serviços secretos ou militares . ComD. Medvedev, chairman da Gazprom e também primeirovice-primeiro ministro, delineam-se duas opções possíveispara a sucessão de Putin: uma mais moderada e liberalface a outra mais tradicional e dura. Os dois potenciaissucessores são oriundos do "club de S. Petersburgo", acidade natal de Putin. Eles já haviam sido promovidos emNovembro de 2005, dando início à chamada "operaçãosucessão" para preparar a transferência de poder. S. Ivanovfoi o primeiro civil nomeado para o cargo da defesa em 2001,tendo sido agora substituído por A. Serdyukov, oriundo doserviço federal dos impostos. O silêncio do Presidente Putin

O uso do homicídiocomo "método" político,

outro ponto negativo,foi especialmente visível

em 2006 com a morteda jornalista A. Politovskaia

e do ex-espião A. Litvinenko

No horizonte de 2008,a imagem do urso russo,

despertando de um longoperíodo de hibernação,

deixa vislumbrara necessidade da sua

acomadaçãoSandra Dias FernandesAuditora CDN 2003/2004

Auto ra

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Depois de concluir o liceu na cidade que o viunascer, Leonardo Ribeiro de Almeida ingres-sou na Faculdade de Direito. É considerado

um dos primeiros especialistas de Contencioso Admi-nistrativo, talvez por ter sido, durante largos anos, Advo-gado Síndico da Câmara Municipal de Santarém. Foieleito Delegado às Assembleias-Gerais da Ordem dosAdvogados e participou no I Congresso dos AdvogadosPortugueses.

A sua carreira política iniciou-se em Maio de 1974,com a adesão ao PSD. Foi presidente do Partido, emsubstituição de Francisco Sá Carneiro, que assumira asfunções de primeiro-ministro do VI Governo Constitucional.

Foi deputado, pela primeira vez, em 1974, àAssembleia Constituinte. Em 1980 foi eleito para aAssembleia Legislativa. Entre Janeiro do mesmo ano eOutubro do ano seguinte e entre Novembro de 1982 eJunho de 1983 foi Presidente da Assembleia da República.Este mesmo órgão elegeu-o, por unanimidade, paramembro do Conselho Superior da Magistratura e paramembro do Conselho de Estado. Foi, por diversas vezes,Presidente da República interino. A 6 de Novembro de1985, assumiu a pasta da Defesa Nacional, integrado noexecutivo liderado por Cavaco Silva. Reformou-se em1990, tendo continuado a exercer advocacia.

Ao nível de política externa, Ribeiro de Almeidaparticipou na Conferência dos Presidentes dosParlamentos Europeus (Madrid, 1980), representou o Paísna Conferência dos Parlamentos Latino-Americanos emBogotá (1981) e, na condição de presidente da AssociaçãoPortuguesa do Atlântico, visitou os Estados Unidos, paraparticipar no Sea-Link/82.

O seu falecimento, no início do ano passado, provocougrande consternação entre elementos de diversosquadrantes políticos.

Principais medidas enquanto MDN

Em 11 de Julho de 1986, Ribeiro de Almeida proferiuum importante discurso no Instituto da Defesa Nacional,no âmbito do Estágio Inter-forças, onde revelou toda umalinha de pensamento actualíssima, relacionada com aproblemática da Defesa Nacional, não restrita à com-ponente militar. Neste dia, começou por referir o carácterabrangente da Defesa Nacional, por compreender “em si

Ministros da Defesa Nacional dos Governos Constitucionais pós-25 de Abril

Leonardo Ribeiro de Almeida(X Governo Constitucional)

Alferes Ana Dias, do MDN,Licenciada em Comunicação Social

pelo ISCSP

Auto ra

Nome: Leonardo Eugénio Ribeiro de AlmeidaData de nascimento: 19 de Setembro de 1924Naturalidade: SantarémNúmero de filhos: 5Estado Civil: casado com Maria Isabel Freire Gameiro LagoaData de falecimento: 18 de Janeiro de 2006

todas as estruturas culturais, económicas e sociais daNação”. Recorrendo à Lei da Defesa Nacional e dasForças Armadas (Lei n.º 29/82 de 11 de Dezembro) e aoConceito Estratégico, considerou a Defesa Nacional umaactividade essencial do Estado, “um imperativo paraqualquer Governo”, um “dever fundamental de todos oscidadãos” e o garante “no respeito das instituiçõesdemocráticas”. Simultaneamente, criticou o primadoeconómico sobre o qual “se vive e age” ao nível da Defesa,alertando para as consequências de Portugal vir adesempenhar um “papel passivo dum aliado de segunda”,sobretudo no âmbito da NATO.

Entre as várias medidas tomadas por Ribeiro deAlmeida, destacamos: a aprovação do Decreto-Lei n.º48/86 de 13 de Março, que equiparava os cursosministrados nos estabelecimentos de ensino superiormilitar às licenciaturas universitárias, e a Lei do ServiçoMilitar de 7 de Julho de 1987 (entretanto revogada pelaLei n.º 174/99 de 21 de Setembro) que, sucintamente,diminuía o tempo de serviço militar obrigatório, simplificavaos mecanismos burocráticos e criava um serviço cívicode âmbito nacional, dirigidos aos jovens não aptos e/ouobjectores de consciência.

A sua passagem pela pasta da Defesa ficou, ainda,marcada pelos trabalhos preparatórios de execução dealguns pontos da Lei da Defesa Nacional e das ForçasArmadas, nomeadamente a obrigação do Governo emapresentar, junto com o Orçamento, a Lei de ProgramaçãoMilitar. Para o efeito, Ribeiro de Almeida consideravafundamental a criação de um “plano de forças” e adefinição de um conjunto de “missões específicas aatribuir às FA”. Nos últimos meses de mandato, tomouparte no Decreto-Lei n.º 123/87 de 17 de Maio, que criavao Quadro Permanente das Praças do Exército.

O retrato é da autoria de Fernando Alves de Sousa, exposto naGaleria dos Presidentes da Assembleia da República.

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Quotas em 2007

Por proposta da Direcção, foi deliberado emAssembleia Geral ordinária manter o valor da quota

anual nos mesmos 60,00 Euros, valor que vem já de Janeirode 2005.

Para os associados que ainda não tiveram oportunidadede o fazer, solicita-se o pagamento das quotizações,actual e em falta, utilizando um dos seguintes meios:

- Por débito na conta bancária do sócio, através dopreenchimento e remessa à Sede da AACDN (Praça doPríncipe Real, nº 23 R/C Dtº, 1250-184 Lisboa) do impressode “autorização de débito em conta”, enviada com o Boletim14/2004;

- Por transferência ou depósito na conta bancária daAACDN, na Caixa Geral de Depósitos (NIB: 0035 06670000 0479 0307 7), que poderá ser efectuado em qualquerCaixa Multibanco, num balcão da Caixa Geral deDepósitos, ou através do Internet Banking;

- Por transferência directa na CGD para a conta 0667000479 030;

- Por cheque remetido à Sede.Em qualquer dos casos, é fundamental indicar

sempre o número de sócio, de modo a permitir aosServiços da Associação identificar a proveniência dosvalores recebidos.

Acontecimentos&Actualidades

Pagamentos à AACDN

Solicita-se a especial atenção dos associadosque efectuarem pagamentos à AACDN através

de transferência bancária, ao balcão das agências ouem máquinas Multibanco, para a necessidade deidentificarem sempre o pagamento. Basta um dadopessoal, relacionado com a Associação, que permita

ao Secretariado identificar a origem da remessa.Em caso de impossibilidade de o fazer no acto da

transferência, sugere-se o envio, via CTT ou FAX, decópia do talão de depósito, com, pelo menos, o nomedo associado e o destino da verba

Novos Auditores

No passado dia 17 de Maio, em sessão realizadano Instituto da Defesa Nacional e integrada no

calendário do CDN-2007, a Direcção da AACDN efectuouuma apresentação da Associação aos novos auditores doCDN-2007, procurando motivar estes futuros colegas paraa inscrição e participação na vida associativa. Esta sessãocontou também com a presença do secretário-geral daAACDN, Coronel Fradique da SIlva.

Na mesma data, e nas instalações da Messe de Oficiaisdo IESM, em Pedrouços, teve lugar o tradicional jantar derecepção aos novos auditores, com a participação dos orgãossociais da AACDN, para o qual foram convidados e estiverampresentes o Director e a Subdiretora do IDN, bem como osDirectores dos Cursos de Lisboa e do Porto.

EuroDefense-Portugal

Em 24 de Maio passado, nas instalaçõesdo IDN, teve lugar a sessão solene comemorativa

do 10º Aniversário do EuroDefense-Portugal.A sessão contou com alocuções do Director do IDN,

TenGeneral Ferreira da Silva, do Presidente da Direcção doEuroDefense-Portugal, Dr Figueiredo Lopes, e do Presidenteda Associação Industrial Portuguesa, Comendador Rochade Matos. O Secretário-Geral Honorário das AssociaçõesEuroDefense, M. Claude Dehouck, tratou o tema A PESCe a Opinião Pública Europeia.

O Ministro da Defesa Nacional, impossibilitado de estarpresente, fez-se representar pelo Director do IDN.

Novo Regulamento Eleitoral

Com a assembleia geral realizada em 30 de Maiopassado, concluiu-se o processo de discussão e

aprovação do novo Regulamento Eleitoral, que correspondiaa um compromisso assumido pela Direcção no seuprograma de candidatura.

Na oportunidade, salienta-se o excelente trabalhorealizado pela Comissão constituida para o efeito, a qual,presidida pelo Dr José Monteiro, Vice-presidente daDirecção, integrou o General Mariz Fernandes, o DrManuel Gameiro, o Contra-Almirante Martins Guerreiro ea Drª Dorinda Vagos Gomes, Secretária da Direcção daAACDN.

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IX Congresso Nacional da AACDN

Soberanias e AmeaçasOs Desafios das Novas Fronteiras

AACDN comemora 25º Aniversário

19 e 20 e 21 Outubro 2007 em Évora

O tema Soberanias e Ameaças – Os Desafios das Novas Fronteiras é excelenteMotivo para a preparação de comunicações por parte dos Auditores de Defesa Nacional

Contamos consigo Marque na sua Agenda

Sob o tema geral Soberanias e Ameaças – Os Desafios das Novas Fronteiras, perspectivaram-se, como subtemas,as seguintes vertentes: A Segurança e as Questões Transfronteiriças; A Segurança e os Recursos Hídricos; ePortugal num Mundo sem Fronteiras.

Pretende-se, assim, provocar um diálogo proveitoso, que sirva de esteio a posteriores reflexões e acções, demodo a contribuir para a segurança e bem-estar de todos os Portugueses.

O Congresso decorrerá no Auditório da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo.A participação está aberta a todos os sócios através da apresentação de comunicações, devendo o seu resumo

(que não deve exceder uma folha A4, em suporte informático, letra Arial 12, com espaço e meio) dar entrada na sededa Associação até ao dia 15 de Julho do presente ano.

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Muitos continuama ser os Auditores

dos Cursos de DefesaNacional que,

ao longo de mais de trêsdécadas,

se notabilizaramnas mais diversas

áreas: nas Artesou nas Letras,

nas Ciências ouna Educação, na Política

ou na Guerra.Porque a sua acção

é digna de mérito,vale a pena ficara conhecê-los...

indiscriminadamente...

UmDeCadaVezJoão Jorge Botelho Vieira Borges nasceu em

Luanda, tem 44 anos, é casado e pai de duas filhas.É Coronel e Comandante do Regimento de ArtilhariaAntiaérea nº 1.

Licenciou-se em Ciências Militares - Artilharia, pelaAcademia Militar (AM), e é Mestre em Estratégia, peloISCSP. Entre os cursos que frequentou destacam-se: oCurso de Estado-Maior (IAEM), o Curso Aberto em CiênciaPolítica (UCL) e o Curso Terrorism and Security Studies(Marshall Center).

No decorrer da sua actividade profissional, foi coman-dante de unidades de escalão Companhia e Batalhãodurante cinco anos, delegado da AAA na NATO, adjunto echefe da Repartição de Organização e Métodos da Divisãode Operações do Estado-Maior do Exército e Professor(de Geografia Militar, Geopolítica, Relações Internacionaise Elementos de Estratégia), Coordenador de Grupo Dis-ciplinar, Chefe de Departamento e Vice-Presidente (efundador) do CINAMIL, na AM. Foi Assessor de Estudosno Instituto da Defesa Nacional (IDN), em acumulaçãocom as funções (que mantém) de Professor convidado daAM na Pós-Graduação em Guerra de Informação e nosMestrados de História Militar e de História, Defesa eRelações Internacionais.

É sócio efectivo da Revista Militar e da SGL, membrodo conselho editorial da Revista Nação e Defesa, dacomissão executiva da Revista de Artilharia e da comissãocientífica da Comissão Portuguesa de História Militar. Éconferencista e autor de várias obras nas áreas da Estraté-gia, História Militar, Segurança e Defesa e Ensino SuperiorMilitar. Das obras publicadas destacam-se: IntervençõesMilitares Portuguesas na Europa do Século XVIII: UmaAnálise Estratégica; A Conquista de Madrid 1706; 50 Anosde Patronos da Escola do Exército e da Academia Militar;Pensar a Segurança e Defesa; O Pensamento EstratégicoNacional; Pensamento Estratégico Português: ContributosSécs. XVI-XIX; Visões Estratégicas no Final do Império,de Júlio Botelho Moniz; Armamento de Artilharia Antiaérea.

Tem vários louvores e condecorações, de que se desta-cam duas medalhas de prata de serviços distintos, umamedalha de mérito militar, uma medalha de D. Afonso Henri-ques e uma medalha de prata de comportamento exemplar.

É auditor do CDN e sócio nº 849/04 da AACDN.

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