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ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA Marcelo A. Cabral 1 28) Farmacologia do trato gastrintestinal Além de sua principal função na digestão e absorção dos alimentos, o trato gastrintestinal é um dos principais sistemas endrócrinos do corpo. Possui também sua própria rede neuronal integrativa, o sistema nervoso entérico, que contém aproximadamente o mesmo número de neurônios da medula espinhal. As principais funções do trato gastrintestinal que são importantes do ponto de vista farmacológico são: - secreção gástrica; - vômito; - motilidade do intestino e expulsão das fezes; - formação e excreção de bile. O trato gastrintestinal é inervado pelos plexos mioentérico e submucoso. Os plexos estão interconectados, e suas células recebem fibras parassimpáticas pré- ganglionares do vago, que são principalmente colinérgicas e excitátórias. As fibras simpáticas que chegam são, em grande parte, pós-ganglionares e inervam os vasos sanguíneos, o músculo e células glandulares, além de possuírem terminações nos plexos, onde inibem a secreção de acetilcolina. Os neurônios no interior dos plexos (que constituem o sistema nervoso entérico) secretam acetilcolina, noradrenalina, serotonina, purinas, óxido nítrico. O plexo entérico possui neurônios sensoriais que respondem a estímulos mecânicos e químicos. Os principais hormônios secretados pelo trato gastrintestinal são: - a gastrina, que possui como função principal estimular a secreção de ácido gástrico pelas células parietais. Além disso, aumenta indiretamente a secreção de pepsinogênio (que é o responsável, juntamente com o HCl, pela digestão de proteínas) e estimula o fluxo sanguíneo e a motilidade gástrica. A secreção de gastrina é inibida quando o pH do conteúdo gástrico vai para 2,5 ou menos. - a histamina, que estimula as células parietais através dos receptores H2. A histamina provém dos mastócitos localizados nas células parietais. Ocorre liberação basal uniforme de histamina, que aumenta sob a ação da gastrina e da acetilcolina. A acetilcolina, um neurotrasmissor, estimula receptores muscarínicos específicos presentes na superfície das células parietais e na superfície das células que contêm histamina. O estômago secreta pepsinogênio, ácido clorídrico e fator intrínseco, provenientes das células principais e parietais. O muco é secretado por células especializadas localizadas entre as células superficiais por toda a mucosa gástrica. Íons bicarbonato também são secretados e aprisionados no muco, criando um gradiente de pH de 1 – 2 na luz e 6 – 7 na mucosa. O muco e o bicarbonato formam uma camada inerte, semelhante a um gel, que protege a mucosa contra o suco gástrico. O álcool e a bile podem destruir essa camada. As prostaglandinas PgE2 e PgI2 produzidas localmente estimulam a secreção de muco e de bicarbonato, e inibem a secreção de ácido clorídrico. Acredita-se qua os distúrbios nas funções secretórias acima descritos estejam envolvidos na patogenia da úlcera péptica, de modo que a terapia desta condição envolve fármacos que modificam cada um desses fatores. O ácido clorídrico é secretado pelas células parietais gástricas por uma bomba de prótons (K+/H+-ATPase). Os estímulos principais para a secreção de ácido clorídrico são a gastrina, a histamina e a acetilcolina. Simplificadamente, pode- se explicar o controle fisiológico da secreção de ácido clorídrico da seguinte maneira: A célula parietal possui receptores H2 para histamina, receptores M2 para acetilcolina e receptores de gastrina. A estimulação dos receptores H2 aumenta o AMPc, enquanto a estimulação dos receptores M2 e de gastrina aumenta o cálcio do citosol. Esses mensageiros atuam de modo sinérgico, produzindo a secreção ácida. A gastrina e a acetilcolina, além de estimularem diretamente as células parietais, promovem a secreção de histamina pelas células secretoras de histamina. A acetilcolina é proveniente dos nervos colinérgicos, a histamina provém das células secretoras de histamina e de mástócitos, enquanto a gastrina, produzida pelas células endócrinas da mucosa do antro gástrico e duodeno, é liberada pela corrente sanguínea nas células parietais. A ação da acetilcolina é bloqueada pela atropina; a ação da histamina é interrompida diretamente pelos antagonistas H2 (cimetidina), e a atropina inibe a secreção de histamina pelas células secretoras; a ação da gastrina nos receptores das células parietais é inibida pela proglumida; as prostaglandinas E2 e I2 inibem diretamente a produção de ácido clorídrico; o misoprostol inibe a produção de ácido através da estimulação dos receptores de prostaglandinas das células parietais; e finalmente, os inibidores da bomba de prótons (omeprasol, etc) interrompem a atividade da K+/H+ - ATPase (esta bomba é responsável pela troca do K+ por H+ no processo de formação de HCl – ou seja, nessa ocasião, o K+ retorna ao interior da célula parietal em troca da secreção de H+ necessário à formação do HCl).

Cap 28 - Farmacologia Do TGI

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Cap 28 - Farmacologia Do TGI

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  • ANOTAES EM FARMACOLOGIA E FARMCIA CLNICA

    Marcelo A. Cabral

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    28) Farmacologia do trato gastrintestinal

    Alm de sua principal funo na digesto e absoro dos alimentos, o trato gastrintestinal um dos principais sistemas endrcrinos do corpo. Possui tambm sua prpria rede neuronal integrativa, o sistema nervoso entrico, que contm aproximadamente o mesmo nmero de neurnios da medula espinhal. As principais funes do trato gastrintestinal que so importantes do ponto de vista farmacolgico so:

    - secreo gstrica; - vmito; - motilidade do intestino e expulso das fezes; - formao e excreo de bile. O trato gastrintestinal inervado pelos plexos

    mioentrico e submucoso. Os plexos esto interconectados, e suas clulas recebem fibras parassimpticas pr-ganglionares do vago, que so principalmente colinrgicas e excittrias.

    As fibras simpticas que chegam so, em grande parte, ps-ganglionares e inervam os vasos sanguneos, o msculo e clulas glandulares, alm de possurem terminaes nos plexos, onde inibem a secreo de acetilcolina.

    Os neurnios no interior dos plexos (que constituem o sistema nervoso entrico) secretam acetilcolina, noradrenalina, serotonina, purinas, xido ntrico. O plexo entrico possui neurnios sensoriais que respondem a estmulos mecnicos e qumicos.

    Os principais hormnios secretados pelo trato gastrintestinal so:

    - a gastrina, que possui como funo principal estimular a secreo de cido gstrico pelas clulas parietais. Alm disso, aumenta indiretamente a secreo de pepsinognio (que o responsvel, juntamente com o HCl, pela digesto de protenas) e estimula o fluxo sanguneo e a motilidade gstrica. A secreo de gastrina inibida quando o pH do contedo gstrico vai para 2,5 ou menos.

    - a histamina, que estimula as clulas parietais atravs dos receptores H2. A histamina provm dos mastcitos localizados nas clulas parietais. Ocorre liberao basal uniforme de histamina, que aumenta sob a ao da gastrina e da acetilcolina.

    A acetilcolina, um neurotrasmissor, estimula receptores muscarnicos especficos presentes na superfcie das clulas parietais e na superfcie das clulas que contm histamina.

    O estmago secreta pepsinognio, cido clordrico e fator intrnseco, provenientes das clulas principais e parietais. O muco secretado por clulas especializadas localizadas entre as clulas superficiais por toda a mucosa gstrica. ons bicarbonato tambm so secretados e aprisionados no muco, criando um gradiente de pH de 1 2 na luz e 6 7 na mucosa. O muco e o bicarbonato formam uma camada inerte, semelhante a um gel, que protege a mucosa contra o suco gstrico. O lcool e a bile podem destruir essa camada. As prostaglandinas PgE2 e PgI2 produzidas localmente estimulam a secreo de muco e de bicarbonato, e inibem a secreo de cido clordrico.

    Acredita-se qua os distrbios nas funes secretrias acima descritos estejam envolvidos na patogenia da lcera

    pptica, de modo que a terapia desta condio envolve frmacos que modificam cada um desses fatores.

    O cido clordrico secretado pelas clulas parietais gstricas por uma bomba de prtons (K+/H+-ATPase). Os estmulos principais para a secreo de cido clordrico so a gastrina, a histamina e a acetilcolina. Simplificadamente, pode-se explicar o controle fisiolgico da secreo de cido clordrico da seguinte maneira:

    A clula parietal possui receptores H2 para histamina, receptores M2 para acetilcolina e receptores de gastrina. A estimulao dos receptores H2 aumenta o AMPc, enquanto a estimulao dos receptores M2 e de gastrina aumenta o clcio do citosol. Esses mensageiros atuam de modo sinrgico, produzindo a secreo cida. A gastrina e a acetilcolina, alm de estimularem diretamente as clulas parietais, promovem a secreo de histamina pelas clulas secretoras de histamina.

    A acetilcolina proveniente dos nervos colinrgicos, a histamina provm das clulas secretoras de histamina e de mstcitos, enquanto a gastrina, produzida pelas clulas endcrinas da mucosa do antro gstrico e duodeno, liberada pela corrente sangunea nas clulas parietais. A ao da acetilcolina bloqueada pela atropina; a ao da histamina interrompida diretamente pelos antagonistas H2 (cimetidina), e a atropina inibe a secreo de histamina pelas clulas secretoras; a ao da gastrina nos receptores das clulas parietais inibida pela proglumida; as prostaglandinas E2 e I2 inibem diretamente a produo de cido clordrico; o misoprostol inibe a produo de cido atravs da estimulao dos receptores de prostaglandinas das clulas parietais; e finalmente, os inibidores da bomba de prtons (omeprasol, etc) interrompem a atividade da K+/H+ - ATPase (esta bomba responsvel pela troca do K+ por H+ no processo de formao de HCl ou seja, nessa ocasio, o K+ retorna ao interior da clula parietal em troca da secreo de H+ necessrio formao do HCl).

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    Terapia farmacolgica da disfuno secretria cida As principais condies patolgicas nas quais til

    reduzir a secreo cida so a ulcerao pptica (provavelmente causada por H. pylori e pelo desvio no equilbrio entre mecanismos protetores e mecanismos agressores da mucosa gstrica), a esofagite de refluxo (leso do esfago provocada por suco gstrico) e a Sndrome de Zollinger-llison (tumor produtor de gastrina).

    A terapia anti-secretria da lcera pptica e da esofagite de refluxo envolve a diminuio da secreo de cido com antagonistas dos receptores H2 ou inibidores da bomba de prtons e/ou a neutralizao do cido secretado com anticidos. Todavia o tratamento da lcera pptica deve incluir a erradicao do H. pylori com o emprego de antimicrobianos, tais como a amoxicilina e metronidazol, alm da administrao do omeprazol e quelato de bismuto como protetor da mucosa gstrica.

    A bactria H. Pylori produz a enzima urease, que converte uria em amnia e CO2 que posteriormente convertido em bicarbonato. A liberao da amnia benfica para a bactria, j que neutraliza parcialmente o ambiente cido do estmago. Pensa-se que a amnia, juntamente com protenas de H. Pylori, tais como, proteases, catalases e fosfolipases, causem danos s clulas epiteliais.

    1) Inibidores H2 (cimetidina, ranitidina, nizatidina e

    famotidina) Os antagonistas dos receptores H2 inibem

    competitivamente as aes da histamina em todos os receptores H2, porm sua principal aplicao clnica consiste na sua atuao como inibidores da secreo de cido gstrico. Inibem a secreo gstrica estimulada pela histamina e pela gastrina e reduzem a secreo cida estimulada pela acetilcolina. Esses agentes reduzem a secreo cida basal e estimulada por alimentos, alm de promoverem a cicatrizao das lceras duodenais.

    Os efeitos indesejveis so raros. A cimetidina inibe o citrocromo P450 e pode retardar o metabolismo (e assim potencializar a ao) de anticoagulantes orais, fenitona, carbamazepina, quinidina, nifedipina, teofilina e antidepressivos tricclicos. Pode causar confuso no indivduo idoso.

    2) Inibidores da bomba de prtons (omeprazol,

    lanoprazol e pantoprazol) Esses frmacos agem atravs da inibio irreversvel da

    H+/K+-ATPase (bomba de prtons ela a responsvel pela troca do K+ por H+ no processo de formao de HCl), que constitui a etapa final na via da secreo cida.

    Apesar de ter meia-vida de cerca de uma hora, a administrao diria de uma dose nica afeta a secreo cida durante 2-3 dias, devido a seu acmulo nos canalculos. Com uma posologia diria, verifica-se um efeito anti-secretrio crescente por um perodo de at cinco dias, quando se atinge um plat.

    Os efeitos indesejveis no so comuns. Incluem cefalia, diarria e erupes cutneas.

    3) Anticidos (hidrxido de magnsio, trissilicato de

    magnsio, gel de hidrxido de alumnio, bicarbonato de sdio e alginatos)

    Os anticidos atuam ao neutralizar o cido gstrico, elevando, assim o pH gstrico. Isso s tem por efeito inibir a atividade pptica, que praticamente cessa com um valor de pH de 5.

    Os anticidos de uso comum consistem em sais de magnsio e de alumnio, que formam cloretos de magnsio e cloretos de alumnio. Os sais de magnsio causam diarria, enquanto os sais de alumnio provocam constipao, razo pela qual podem ser utilizadas misturas desses dois sais para preservao da funo intestinal normal.

    Apesar de o bicarbonato de sdio elevar rapidamente o pH para 7, ocorre liberao de dixido de carbono, causando eructao. O CO2 estimula a secreo de gastrina (o CO2 encontrado em abundncia nos refrigerantes) e pode resultar em elevao secundria da secreo cida. Como ocorre abasoro de algum bicarbonato de sdio no intestino, o uso de grandes doses ou administrao freqente pode causar alcalose.

    4) Drogas que protegem a mucosa (quelato de

    bismuto, sucralfato e misoprostol) O quelato de bismuto usado em esquema de

    combinao no tratamento da infeco por H. pylori na lcera pptica. O frmaco possui efeito txico contra o bacilo, impede sua aderncia mucosa, inibe as enzimas proteolticas da bactria, reveste a base da lcera, adsorve a pepsina, potencializa a sntese local de prostaglandinas e estimula a soluo de bicarbonato.

    O misoprostol um anlogo estvel da prostaglandina E1. Inibe a secreo cida gstrica, tanto basal quanto a que ocorre em resposta a alimentos, histamina, pentagastrina e cafena atravs de uma ao direta sobre a clula parietal. Mantm o aumento do fluxo sanguneo da mucosa e aumenta tambm a secreo de muco e de bicarbonato. utilizado na preveno da leso gstrica que pode ocorrer com o uso crnico de AINES.

    Podem ocorrer diarria, clicas abdominais e contrao uterina.

    Terapia farmacolgica do vmito

    O ato de vomitar um processo complicado e exige atividade coordenada dos msculos respiratrios somticos e abdominais, bem como dos msculos involuntrios do trato gastrintestinal. Consiste na expulso abrupta do contedo gastrintestinal atravs do esfago relaxado, associada a contraes sustentadas de diafragma e msculos abdominais, e o aumento da presso intra-abdominal. A nusea a sensao de urgncia de vomitar, ocorrendo simultaneamente a perda de tnus e peristalse gstricos, contrao de duodeno e refluxo de contedo intestinal para o estmago.

    Os vmitos repetidos em jato podem indicar a estenose pilrica ou refluxo gastroesofgico. A obstruo do intestino delgado alto por aderncias duodenais causa o vmito bilioso.

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    A estrutura anatmica integradora do vmito o centro bulbar do vmito, localizado na formao reticular lateral. Esse centro estimulado por meio de duas vias.

    Na primeira via, o estmulo provm de outro centro, denominado zona do gatilho quimioreceptora (ZGQ), localizado na rea postrema do quarto ventrculo. A zona do gatilho, por sua vez, estimulada por substncias endgenas e exgenas que se ligam a receptores adrenrgicos, dopaminrgicos e opiides, razo pela qual os antagonistas desses receptores tm efeito antiemtico. Estmulos perifricos, tais como alteraes em aparelho vestibular (como na cinetose, por exemplo), e substncias no-identificadas por receptor especfico (quimioterpicos, por exemplo) que desencadeiam vmitos provavelmente atuam por meio de estimulao dessa zona.

    A segunda via de estimulao do centro do vmito tem origem em sinais provenientes da faringe, trato gastrintestinal, mediastino e reas do crebro relacionadas viso e ao olfato. As vias eferentes incluem os ncleos dorsal do vago e ambguo, nervo frnico, espinhais e viscerais que inervam, respectivamente diafragma, musculatura abdominal, esfago e estmago.

    Analgsicos opiides, glicosdeos cardacos, estrgenos, anticoncepcionais hormonais, anestsicos e agentes citotxicos so agentes emetizantes que tambm sensibilizam a zona do gatilho. No se conhece, at o momento, emtico que aja diretamente no centro do vmito. Os quimioterpicos induzem o aparecimento de nuseas e vmitos pelo menos em parte por estimularem a liberao de serotonina em neurnios de centro do vmito, zona do gatilho e clulas cromafnicas do trato gastrintestinal.

    A ocorrncia de episdio de vmito no requer obrigatria terapia antiemtica, pois pode ser autolimitada e at resolutivo de alguma agresso externa. Por outro lado, o vmito requer controle porque, alm do desconforto, pode causar complicaes sistmicas, como desidratao, alcalose hipoclormica e pneumonia aspirativa, dentre outras. Sempre que possvel, a abordagem teraputica deve ser voltada para o fator causal, pois a correo deste pode ser suficiente para a reverso do quadro, prescindindo-se dos antiemticos. Isso adquire importncia quando se considera que esses agentes so apenas sintomticos e sua toxicidade pode ser bastante acentuada.

    So utilizados diferentes agentes antiemticos para condies diferentes, embora possa haver alguma superposio. As classes mais importantes de antiemticos so:

    - antagonistas dos receptores H1; - antagonistas dos receptores muscarnicos; - antagonistas da serotonina; - fenotiazinas; - metoclopramida; - canabinides; - esterides. Os agentes antiemticos so de importncia particular

    como adjuvantes na quimioterapia do cncer para combater as nuseas e os vmitos provocados por numerosos agentes citotxicos.

    Quando se utilizam drogas no tratamento do enjo matinal da gravidez, preciso considerar o problema de leso potencial do feto. Em geral, todas as drogas devem ser evitadas, se possvel, durante os primeiros trs meses de gravidez. A prometazina mostra-se eficaz nas nuseas matinais da gravidez, sendo administrada aps o terceiro ms de gravidez.

    1) Antagonistas dos receptores H1 Esses frmacos exercem pouca ou nenhuma atividade contra

    os vmitos produzidos por substncias que atuam diretamente sobre a ZGQ, porm so eficazes na cinetose e contra vmitos causados por substncias que atuam localmente no estmago. Os exemplos incluem a cinarizina, a ciclizina, dimenidrinato e a prometazina.

    Os antagonistas dos receptores H1 so mais eficazes se forem administrados antes do incio da nusea e dos vmitos.

    2) Antagonistas dos receptores muscarnicos Esses frmacos antagonizam a acetilcolina nos receptores

    muscarnicos localizados na zona do vmito. A hioscina mostra-se eficaz contra nuseas e vmitos de origem labirntica e contra os vmitos causados por estmulos locais no estmago, porm ineficaz contra substncias que atuam diretamente sobre a ZGQ. Ela o agente mais potente disponvel para preveno da cinetose, embora seja menos til uma vez instalada a nusea. Sua ao antiemtica torna-se mxima 1 - 2 horas aps sua ingesto. Pode causar sonolncia e ressecamento da boca. A escopolamina (frmaco antagonista muscarnico similar atropina) tambm indicada como profilaxia em cinetose cujos estmulos so de curta durao (viagem de 4 a 6 horas), porm provoca alta incidncia de efeitos adversos, sendo assim os antagonistas H1 apesar de menos potentes, so agentes de escolha na profilaxia da cinetose. A cinetose (terror dos marinheiros recm embarcados!) uma forma de vertigem fisiolgica normal, sendo provocada pela estimulao rtmica e repetida do sistema vestibular. Esse sistema responsvel por manter o equilbrio atravs da deteco das aceleraes angulares e lineares da cabea. A informao sensorial, proveniente do sistema vestibular, ento usada para prover uma imagem visual estvel para a retina (enquanto a cabea se move) e fazer ajustes na postura para manter o equilbrio. O rgo vestibular localiza-se no interior do osso temporal, adjacente ao aparelho auditivo.

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    A vertigem, o mal-estar, a nusea e o vmito so os principais sintomas da cinetose. Sinais autnomos, como hipotenso, taquicardia e transpirao excessiva, podem ocorrer.

    Se o estmulo da cinetose persistir na mesma intensidade, desenvolve-se tolerncia ao fenmeno em 2 a 3 dias.

    3) Antagonistas da serotonina

    A serotonina, que liberada no SNC ou no intestino (ZGQ e aferentes viscerais do TGI), atua como importante transmissor no vmito. Antagonistas seletivos dos receptores da serotonina, por exemplos a ondansetrona, a granisetrona e a tropisetrona, so utilizados na preveno e no tratamento dos vmitos cusados por agentes citotxicos. Os efeitos indesejveis consistem em cefalia e distrbios gastrintestinais.

    4) Antagonistas dos receptores dopaminrgicos

    A metoclopramida, assim como as fenotiazinas antipsicticas (clorpromazina, proclorperazina e a trifluoperazina) so antagonistas dos receptores dopaminrgicos, que atuam na ZGQ. Seus efeitos indesejveis esto relacionados com o bloqueio de outros receptores dopamnicos no SNC, e incluem distrbios dos movimentos, sonolncia, fadiga, torcicolo espasmdico, crises oculgiras (movimentos involuntrios rpidos dos olhos). A metoclopramida tambm possui aes perifricas, aumentando a motilidade do estmago e do intestino, sem estimulao concomitante da secreo cida gstrica, o que contribui para seu efeito antiemtico, podendo ser usada na terapia de distrbios gastrintestinais.

    5) Canabinides

    A nabilona, derivado sinttico do canabinol, diminui os

    vmitos provocados por agentes que estimulam a ZGQ, provavelmente atravs dos receptores opiides. Seus efeitos indesejveis consistem em sonolncia, tonteira e ressecamento da boca. Alguns pacientes sofrem alucinaes e reaes psicticas, lembrando o efeito de outros canabinides.

    Atualmente, alguns pases como os EUA, vm liberando o uso da maconha (Cannabis sativa) com o objetivo de aliviar os efeitos indesejveis da quimioterapia no tratamento do cncer. O tetraidrocanabinol (THC) o principio ativo em maior quantidade liberado com o fumo da maconha. O emprego da maconha in natura (fumada) tem sido polmica.

    6) Outros agentes antiemticos

    Os antipsicticos no fenotiaznicos, haloperidol e droperidol produzem bons resultados contra agentes citotxicos fortemente emticos (por exemplo, a cisplatina). A domperidona, um antagonista dos receptores D2 da dopamina, tambm utilizada como agente antiemtico nos vmitos ps-operatrios e contra agentes antineoplsicos moderadamente emetognicos.

    Farmacologia nos distrbios da motilidade gastrintestinal

    Os frmacos que aumentam os movimentos incluem os purgativos, que aceleram a passagem do alimento atravs do intestino, e os agentes que aumentam a motilidade do msculo liso gastrintestinal, sem causar purgao. Os principais agentes que reduzem os movimentos so os antidiarricos e os antiespasmdicos. 1) Purgativos

    O trnsito do alimento atravs do intestino pode ser acelerado por vrios mtodos diferentes:

    - aumentando-se o volume dos resduos slidos no absorvveis com laxativos de bolo fecal; - aumentando-se o contedo de gua com laxativos osmticos; - alterando-se a consistncia das fezes com emolientes fecais; - aumentando-se a motilidade e a secreo (purgativos estimulantes). 1.1 laxativos formadores de bolo fecal Os laxativos formadores de bolo fecal incluem a

    metilcelulose e certas resinas vegetais, como por exemplos esterclia, agar, farelo e casca de ispaghula. Esses agentes so polmeros de polissacardios, que no so degradados pelos processos normais da digesto. Atuam em virtude da sua capacidade em reter gua na luz intestinal, promovendo assim o peristaltismo. Levam vrios dias para exercer ao, mas no apresentam efeitos indesejveis graves.

    1.2 laxativos osmticos Esses agentes mantm por osmose um volume aumentado

    de lquido na luz do intestino, o que acelera a transferncia do contedo intestinal atravs do intestino delgado, resultando na chegada de um volume inusitadamente grande no clon. Isto provoca distenso e conseqente purgao em cerca de uma hora.

    Os principais sais utilizados so o sulfato de magnsio e o hidrxido de magnsio. So praticamente insolveis; permanecem na luz e retm a gua, aumentando o volume das fezes.

    1.3 emolientes fecais O docusato de sdio um composto tensoativo, que atua

    no trato gastrintestinal de modo semelhante a um detergente, produzindo feze de consistncia mais mole.

    1.4 purgativos estimulantes O sene possui atividade laxativa, visto que contm

    derivados do antraceno (emodina) em combinao com acares, formando glicosdios. A droga passa de modo inalterado para o clon, onde as bactrias hidrolisam a ligao glicosdica, liberando os derivados de antracenos livres, que so absorvidos e exercem efeito estimulante direto sobre o

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    plexo mioentrico, resultando em atividade da musculatura lisa e, portanto, defecao.

    2) Drogas que aumentam a motilidade gastrintestinal

    As drogas que aumentam a motilidade gastrintestinal so a domperidona (cujo mecanismo de ao desconhecido), a metoclopramida que exerce um efeito estimulante local significativo sobre a motilidade gstrica, causando acentuada acelerao do esvasiamento gstrico, sem estimulao concomitante da secreo cida gstrica. Ela mostra-se til no tratamento do refluxo gastroesofgico e em distrbio do esvaziamento gstrico, porm ineficaz no leo paraltico. A cisaprida estimula a liberao de acetilcolina no plexo mioentrico, no trato gastrintestinal superior. Isto eleva a presso do esfncter esofgico e aumenta a motilidade intestinal. A cisaprida utilizada na esofagite de refluxo e nos distrbios do esvasiamento gstrico. No exerce ao antiemtica. 3) Agentes antidiarricos

    A diarria refere-se eliminao freqente de fezes lquidas. Existem vrias causas, incluindo agentes infecciosos, toxinas, ansiedade, drogas, etc. A diarria envolve tanto o aumento da motilidade do trato gastrintestinal, juntamente com aumento da secreo, quanto a reduo da absoro de lquidos e conseqente perda de eletrlitos (Na+) e gua.

    Existem trs abordagens para o tratamento da diarria aguda grave:

    - manuteno do equilbrio hidroeletroltico; - uso de agentes antiinfecciosos; - usos de agentes antidiarricos no antimicrobianos. A manuteno do equilbrio hidroeletroltico atravs de

    reidratao oral constitui a primeira prioridade. Muitos casos no necessitam de nenhum outro tipo de tratamento. No leo, assim como em certas partes do nfron, ocorre o co-transporte de Na+ e de glicose atravs da clula epitelial; por conseguinte, a glicose potencializa a absoro de sdio e, dessa maneira, a captao de gua. O soro caseiro muito til nesse sentido. composto de uma pitada de sal e trs pitadas de acar em um copo de gua filtrada e fervida, sendo administrado vontade, a cada 20 minutos, e aps cada evacuao lquida.

    A administrao de agentes antiinfecciosos no geralmente necessria na gastroenterite simples, visto que as infeces so, em sua maioria, de origem viral, e as que so de origem bacteriana geralmente sofrem resoluo sem qualquer terapia antibacteriana. Os casos graves podem exigir o uso de eritromicina ou ciprofloxacina. A quimioterapia pode ser necessria em alguns tipos de enterite (febre tifide, disenteria amebiana e clera).

    A diarria do viajante muitas vezes cusadas pela Escherichia coli, produtora de enterotoxinas, e outros microrganismos. As infeces so, em sua maioria, autolimitadas, exigindo somente a reposio oral de lquidos e sais.

    Os agentes antidiarricos no microbianos incluem agentes antimotilidade (opiceos e antagonistas dos receptores muscarnicos), os adsorventes (caulim, pectina, greda, carvo ativado, metilcelulose e salicatos de magnsio e

    alumnio). Os adsorventes atuam, provavelmente, ao adsorver microrganismos e toxinas, ao alterar a flora intestinal ou ao revestir e proteger a mucosa intestinal.

    Os principais opiceos utilizados na diarria so a codena, o difenoxilato e a loperamida.

    4) Agentes antiespasmdicos Antagonistas muscarnicos

    As drogas que reduzem o espasmo no intestino so

    importantes na sndrome do clon irritvel e na doena diverticular. Nesse sentido, os antagonistas muscarnicos -atropina, propantelina e diciclomina diminuem o espasmo ao inibir a atividade parassimptica atravs do bloqueio dos receptores muscarnicos. Os efeitos indesejveis desses frmacos so boca seca, viso embaada, pele seca, taquicardia e dificuldade de urinar, devidos inibio parassimptica de outros tecidos. So menos comuns e menos pronunciados com a diciclomina. A mebeverina, um derivado da reserpina, exerce ao relaxante direta sobre o msculo liso gastrintestinal. Seus efeitos indesejveis so poucos.

    5) Drogas que afetam o sistem biliar

    A condio patolgica mais comum do trato biliar consiste em colelitase induzida por colesterol, isto , formao de clculos biliares de colesterol. As drogas que dissolvem os clculos biliares so o cido quenodesoxiclico (CDCA) e o cido ursodesoxiclico (UDCA). Esses agentes tambm reduzem a sntese heptica e a secreo de colesterol. A diarria constitui o principal efeito indesejvel.

    A dor provocada pela passagem de clculos biliares atravs do ducto biliar (clica biliar) pode ser muito intensa, exigindo alvio imediato. A morfina alivia a dor, porm prefervel a utilizao de buprenorfina. A atropina largamente utilizada para aliviar os espasmos, em virtude de sua ao antiespasmdica.

  • ANOTAES EM FARMACOLOGIA E FARMCIA CLNICA

    Marcelo A. Cabral

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    Referncias Bibliogrficas

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