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cadernos de seguro 26

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maio 2010 27

Objetivo

O presente artigo pretende aprofundar a discussão sobre

um tema delicado, subjetivo e que, talvez, nunca tenha sido

abordado com esse enfoque dentro da bibliografia brasileira

existente na área de seguros. A experiência profissional

dos autores, um atuário e uma psicóloga, oportunizou a

troca de ideias e discussões a respeito do comportamento

humano frente ao fenômeno da morte e sua interferência

no processo de escolha e tomada de decisão das pessoas.

A pretensão deste artigo é analisar a morte e, consequente-

mente, a finitude humana em uma perspectiva mais ampla,

considerando principalmente os aspectos qualitativos e

comportamentais desse fenômeno no cenário da comer-

cialização dos seguros de vida.

De modo geral, falar sobre a morte provoca desconfor-

to, pois nos confrontamos com uma verdade implacável:

a certeza de que um dia a vida chegará ao fim. E essa

constatação aciona uma série de reações psicológicas que

interferem diretamente no comportamento econômico das

pessoas. Por que priorizamos a contratação de seguros que

visam à proteção de bens materiais, como por exemplo,

automóveis e residências, em detrimento do maior bem

que possuímos: a nossa vida? É possível identificarmos os

mecanismos psíquicos que entram em ação quando o tema

“morte” surge em uma abordagem para a contratação do

seguro de vida? Que estratégias comerciais podem ser va-

lidadas para utilizar a morte como elemento sensibilizador

em tais situações?

Balança invisível sobre o eixo do tempo

Sérgio Rangel Guimarães e Luciane Fagundes

O seguro de vida e a morte como

elemento sensibilizador

“A morte é alvo de tudo que vive” (Freud)

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cadernos de seguro 28

Essas foram as interrogações que nos levaram a explorar a inter-

relação entre o tema “morte” e o comportamento do consumidor,

nos níveis inter e intrapessoal, com ênfase para incrementar a

capacitação dos profissionais que atuam no mercado de seguros.

Perspectiva histórica

A morte não é uma discussão atual. Desde os primórdios da

civilização é um tema que, ao mesmo tempo, fascina e aterroriza

o homem. Foram muitos os filósofos, historiadores, sociólogos,

teólogos, biólogos, antropólogos, médicos, demógrafos, atuários e

psicólogos que discutiram o assunto no decorrer da história. Como

fenômeno físico, a morte já foi exaustivamente estudada e continua

sendo objeto de pesquisas, porém permanece sendo um mistério

quando nos aventuramos no terreno do psiquismo humano.

Se, por um lado, a religião traz a ideia de que a vida não termina

com a morte, sendo esta apenas uma passagem, um estado transi-

tório, por outro, a ciência acaba contribuindo para o prolongamento

da vida, isto é, procura adiar ao máximo o nosso fim. Apesar de

todo o esforço da ciência, nossa trajetória por este mundo ainda se

restringe a um intervalo finito de duração indefinida, e a angústia

da finitude vem e vai ao longo da vida. Para alguns, essa angústia

se manifesta apenas indiretamente, como uma inquietação ou

busca de sentido no viver, ou surge disfarçada como um sintoma

psicológico secundário; para outros, apresenta-se de modo explí-

cito e consciente.

Mesmo sabendo que a morte é destino, ela ainda é vista como

tabu, um evento assustador cercado por mistérios que geram in-

quietações e dificuldades de aceitação. Por que viver se sabemos

que vamos morrer? Talvez porque a vida se suceda para encontrar-

mos o significado da nossa existência, e a morte, para encontramos

o significado da vida. O medo da morte é cultural e está, portanto,

relacionado ao desenvolvimento do significado da vida.

Visão interdisciplinar

Discorrer sobre a morte em todas as suas abordagens (cultu-

ral, histórica, filosófica, ética, religiosa e psicológica) não é tarefa

simples, mas é importante ressaltar que a interação desses fatores

torna ainda mais complexa qualquer tentativa de compreender

como o ser humano lida com esse fenômeno. Muitas pessoas

“Por que priorizamos a contratação de seguros que visam à proteção de bens materiais em detrimento do maior bem

que possuímos: a nossa vida? É possível identificarmos os mecanismos psíquicos

que entram em ação quando o tema ‘morte’ surge em uma abordagem para a

contratação do seguro de vida?”

“Questões existenciais, motivações, escolhas, preferências, sentimentos:

quando os profissionais da área de seguros imaginariam que teriam que

lidar com temas tão difíceis e inexatos? Sentimentos interferem na economia? Esse assunto é coisa de psicólogo ou

de economista? A complexidade do ser humano nos leva a observá-lo sob seus

diferentes aspectos ”

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29maio 2010

“Pensamentos e emoções influenciam significativamente as atitudes e decisões pessoais, pois, a partir do significado que a pessoa atribui a si e aos acontecimentos de sua vida, ela constrói diferentes hipóteses sobre o seu futuro”

relatam que raramente pensam sobre a própria morte, e cada

um a teme de uma maneira própria. Há os que desenvolvem pen-

samentos supersticiosos e rituais mágicos; os que têm a crença

inabalável em um salvador; os que orgulhosamente confiantes em

sua imunidade vivem heroicamente, flertando com os perigos da

vida. Reconhecer a angústia da morte e confrontá-la não precisa

resultar em um desespero tão grande que possa destruir a vida

em vários sentidos. Encarar a morte pode suavizar o terror que

ela causa e também pode enriquecer a vida, seja redirecionando

nossos planos, resolvendo assuntos inacabados, colocando as

coisas em ordem e até tomando medidas práticas para enfrentar

esse momento da vida.

Questões existenciais, motivações, escolhas, preferências, sen-

timentos: quando os profissionais da área de seguros imaginariam

que teriam que lidar com temas tão difíceis e inexatos? Sentimentos

interferem na economia? Esse assunto é coisa de psicólogo ou de

economista? No mundo globalizado, é coisa da interdisciplinari-

dade, da comunicação e da interação entre os vários campos do

conhecimento. Afinal, o ser humano é mesmo complexo, então

temos que observá-lo sob seus diferentes aspectos.

Na década de 1980, economistas insatisfeitos com as explica-

ções tradicionais oferecidas pela própria disciplina para os com-

portamentos econômicos dos indivíduos buscaram contribuições

em outras áreas, como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia,

a História e a Biologia, e introduziram o comportamento humano

como variável central nos modelos econômicos. Surgiu, assim, a

Economia Comportamental, em que as cifras e índices são meros

detalhes, e o destaque recai na dinâmica dos interesses, motivações

e valores humanos que afetam a decisão dos indivíduos e grupos.

Compras desnecessárias e impulsivas, postergação da poupança,

movimentos “de manada”, exposição a riscos elevados, falta de

autocontrole das finanças, aversão às perdas e indiferença à morte

são, por exemplo, algumas situações em que o homem-consumidor

revela toda a sua vocação irracional. Nessa nova visão, as pessoas

compartilham de uma mesma motivação: a busca de valor para suas

vidas. E esse valor pode ser o meio ambiente, a sustentabilidade,

a estética, o amor, a amizade, a saúde, entre outros.

Para as ciências cognitivas, o afeto e o comportamento são

determinados pelo modo como cada indivíduo estrutura o seu

“O autoengano é uma espécie de muleta utilizada pelo homem para caminhar sobre o eixo do tempo. Ignorando a morte, o homem pensa que ela também o ignorará. Falsa impressão”

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cadernos de seguro 30

pessoa enganar a si própria? O autoengano é contraditório

por concepção. Para que uma pessoa consiga enganar a si

própria é preciso que ela minta para si mesma e, além disso,

acredite na própria mentira.

A morte e o morrer são realidades profundamente in-

cômodas, afinal todos querem ir para o céu, mas ninguém

quer morrer. O autoengano, então, é uma espécie de muleta

utilizada pelo homem para caminhar sobre o eixo do tempo.

Ignorando a morte, o homem pensa que ela também o igno-

rará. Falsa impressão.

O homem tem feito uma cisão entre a vida e a morte na

tentativa de se afastar ao máximo da ideia de que um dia

sua vida chegará ao fim. Para muitos, o que mais aterroriza

na morte não é a perda do futuro, mas sim a perda do pas-

sado. Na verdade, todo homem considera que é o outro que

vai morrer, e não ele. Segundo Freud, “ninguém crê em sua

própria morte”. De forma inconsciente, o autoengano tenta

nos convencer de nossa imortalidade. Para Aristóteles, “os

homens são maus juízes quando seus próprios interesses

estão envolvidos”. Nasce então um conflito: por que trata-

mos a morte como algo inadmissível quando se trata de nós

mesmos? A ideia da não-existência provoca tal desconforto

que, de forma previsível, a mente humana acaba criando

mecanismos de defesa para fugir dessa cruel realidade. A

negação da ideia da morte é um exemplo desse artifício.

O autoengano também pode ser amplificado, vindo a

afetar o mercado de seguros. Por exemplo, para contornar

o temor das pessoas ao serem abordadas sobre a morte,

esse mercado criou uma interessante estratégia comercial:

como o seguro de vida não beneficia quem o contrata, mas

somente seus beneficiários, então o subterfúgio é oferecer,

adicionalmente, coberturas e serviços dos quais o próprio

segurado possa usufruir em vida. Assim, agregou-se ao

seguro de vida o ingrediente lotérico dos títulos de capitali-

zação e o benefício dos cartões de afinidades e de descontos.

Não resta dúvida de que, com tais acessórios, o produto

foi melhorado. Entretanto, em função da má utilização da

morte como elemento sensibilizador na comercialização, os

mundo (cognições/pensamentos), e é essa percepção que

faz com que as pessoas reajam de formas variadas a uma

situação específica, podendo chegar a conclusões também

variadas. Em algumas situações, o comportamento pode ser

uma característica geral dos indivíduos dentro de uma deter-

minada cultura. Em outras, esses comportamentos podem ser

idiossincráticos, dependendo das experiências particulares

de cada indivíduo.

Independente das ideias serem verdadeiras, falsas ou

apenas possuírem uma parcela de verdade, as pessoas

pensam, muitas vezes, de forma automática. Até o nosso

cérebro funciona de forma a economizar energia: novos

pensamentos necessitam de novas sinapses – novas redes

(caminhos) entre diferentes neurônios. Pensar diferente dá

trabalho! Por isso, optamos pelos atalhos mentais, cami-

nhos já conhecidos e dominados por nós. Ou seja, quanto

mais tivermos um determinado pensamento, mais fácil será

voltar a tê-lo. Porém, essa “economia no pensar” tem um

preço: ela aumenta a tendência de cometermos erros de

pensamentos. Pensamentos do tipo tudo-ou-nada, em que

a pessoa vê uma situação em apenas duas categorias (“se

eu não for um sucesso total, eu sou um fracasso”; “nada

dá certo comigo”), ou a catastrofização, quando a pessoa

adivinha ou prevê o futuro negativamente, desconsideran-

do os resultados mais prováveis (“vou continuar perdendo

dinheiro”; “serei um sem-teto”), são exemplos desse fenô-

meno cognitivo. Definitivamente, pensamentos e emoções

influenciam significativamente as atitudes e decisões pes-

soais, pois, a partir do significado que a pessoa atribui a si

e aos acontecimentos de sua vida, ela constrói diferentes

hipóteses sobre o seu futuro.

Autoengano e longevidade

O homem é o único animal que sabe que vai morrer, o

que causa o chamado medo antecipatório, e seja porque não

pode viver paralisado pelo medo ou até mesmo para não en-

frentar essa verdade inconveniente, ele criou um mecanismo

de escape: o autoengano. Contudo, como é possível uma

“O aumento da expectativa de vida acaba reforçando a ideia de perpetuação da juventude, tornando a percepção da morte algo ainda mais vago e distante do que normalmente seria”

“As pessoas utilizam uma ‘balança invisível’ para pesar todo tipo de situação. Ponderam entre o valor presente e o valor

futuro em cada uma das decisões. O problema está na propensão das pessoas

em descontar pesadamente o futuro, ou seja, atribuir um valor desproporcional àquilo que

está mais próximo a elas no tempo”

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31maio 2010

acessórios acabaram se tornando mais importantes do que

o produto principal.

Outro aspecto relevante com relação ao não-enfrentamen-

to da morte é o efeito da longevidade. O alongamento do

horizonte temporal da vida (a esperança de vida ao nascer do

brasileiro foi incrementada em 38 anos desde o início do sé-

culo passado) e, consequentemente, o adiamento da morte no

eixo do tempo são importantes ingredientes do autoengano.

O aumento da expectativa de vida acaba reforçando a ideia

de perpetuação da juventude, tornando a percepção da morte

algo ainda mais vago e distante do que normalmente seria.

Esse efeito também pode ser reforçado pelo atual momento

histórico da humanidade, no qual quatro gerações (bisavós,

avós, pais e netos) convivem simultaneamente. Diante desse

fato, fica a impressão de que a morte é um acontecimento

cada vez mais distante em nossa vida.

Na ilusão da imortalidade, o ser humano acredita que

suas obras são permanentes e garantem que ele não seja

esquecido. Cada um adapta, à sua própria maneira, a máxi-

ma “plantar uma árvore, escrever um livro e fazer um filho”.

Transmitir nossos genes aos filhos, doar órgãos, emprestar o

nome a prédios, ruas, instituições, ficar famoso, enriquecer,

transferir bens e adquirir um seguro de vida são atitudes

que atenuam o medo e diminuem a dor da transitoriedade,

lembrando-nos de que alguma coisa de cada um de nós vai

persistir. São formas de concretizar o desejo de se projetar

para o futuro.

Existem também outros aspectos comportamentais re-

lacionados à longevidade. O filósofo alemão Heidegger, em

sua dialética, refere-se ao modo cotidiano e ao estado de

êxtase do homem frente a “como as coisas são no mundo”,

destacando como as pessoas se voltam demasiadamente

para distrações efêmeras, como aparência física, bens e

prestígio. A morte acaba sendo rejeitada quando confronta-

da com o nosso mundo material. A vida em sociedade exige

certos sacrifícios, entre eles o de não reconhecer a morte

como parte deste mundo. Assim, a morte como elemento

sensibilizador pode ser um diferencial nas abordagens

comerciais para a contratação de seguros, visto que as

pessoas, muitas vezes, necessitam ser instigadas até mes-

mo pelo fato de não estarem plenamente conscientes com

relação à própria existência.

maio 2010 31

O maior encanto da vida (e da morte)Dizem que “o bom humor é o maior encanto da vida” (Joseph Ernest Renan), e digo eu, da morte também.

O instigante artigo de Sérgio Rangel e Luciene Fagundes me faz lembrar os versos seguintes de Carlos Drummond de Andrade:

“Qualquer tempo Qualquer tempo é tempo. A hora mesma da morte é hora de nascer. Nenhum tempo é tempo bastante para a ciência de ver, rever. Tempo, contratempo anulam-se, mas o sonho resta, de viver.”

Ao ler o artigo, recordo-me por igual da bela construção literária do único prêmio Nobel de literatura da língua de Camões, José Saramago: “Os rios, mesmo os que já proclamam sua ambição atlântica, assim como os homens, só perto do fim vêm a saber para que nasceram...”

Sucede que, por instinto, o homem previdente a imagina bem mais cedo, do contrário, fosse pensar no seguro de vida só perto do fim, o preço dessa previdente garantia seria insuportável, pois tanto mais caro esse seguro quanto mais próximo do sinistro.

Pois é, a morte tem sido artigo de interesse, não só de funerárias, mas também, noutro enfoque, das sociedades seguradoras e, torcendo para que seja breve, dos institutos oficiais de aposentadoria também.

Existe uma seguradora no Rio, operadora de seguros de funerais, que até brinca com o tema em suas publicidades, com frases que se costuma ver nos outdoors espalhados pela cidade: “Nossos clientes jamais voltaram para reclamar.”

Vale, a propósito, uma leitura à bem-humorada obra do citado José Saramago, que tanto mexe com esse ao mesmo tempo saboroso e horripilante tema, nomeadamente no romance in-titulado “Intermitências da Morte”, no qual o autor, próximo da faixa dos nonagenários, ao descrever com precisão o interesse das seguradoras pela morte, até parece ter feito estágio numa delas. Nessa obra, o autor, com sua ilimitada imaginação, conta, em ficção, as consequências, terríveis, ocorridas em seu país imaginário, onde, de uma hora para outra, ninguém mais morreu, como que a dizer que é desastroso, impossível mesmo, viver sem a morte.

E dentre os diversos setores daquele país imaginário do Saramago que reclamaram da falta de morte (a igreja, porque sem morte não há ressurreição; as funerárias, pela falta de demanda nos pedidos de caixões; os asilos, pela falta de baixa dos asilados a dar lugar aos da vez; as seguradoras, pela enxurrada de pedidos de cancelamento das apólices de vida etc.), o setor de seguros fora o único que apresentara solução que satisfez a todos...

Ricardo Bechara Santos

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cadernos de seguro 32

O processo de sensibilização

O profissional envolvido na comercialização de seguros deve, inicialmente, bus-

car compreender e identificar quais são as necessidades do ser humano que está à

sua frente. Essa não é uma tarefa simples. Exige percepção e, logicamente, muita

sensibilidade. A sensibilização pode ocorrer quando a pessoa abordada reconhece

um problema ou uma necessidade, e nesse processo, o aqui-e-agora é o palco onde

ela provavelmente revelará o seu caráter, seus temores, anseios e sonhos.

Entretanto, deve-se ter em mente que as pessoas utilizam, mesmo que de forma

inconsciente, uma balança invisível para pesar todo tipo de situação. Elas ponderam

entre o valor presente e o valor futuro em cada uma de suas decisões, sejam elas

táticas ou estratégicas. O problema, contudo, está na propensão das pessoas em

descontar pesadamente o futuro, ou seja, atribuir um valor desproporcional àquilo

que está mais próximo a elas no tempo. O aqui-e-agora é sedutor. Os desejos de

satisfação imediata pesam consideravelmente em uma sociedade consumista, que

supervaloriza o ter e o aparentar. É recomendável que o profissional tenha conhe-

cimento dessa armadilha intertemporal.

Nas abordagens comerciais deve-se valorizar a importância das decisões estra-

tégicas, ou seja, de se agir no presente focando o futuro. Fumar um cigarro e comer

um brigadeiro são, por exemplo, decisões táticas. Parar de fumar e fazer dieta são

decisões estratégicas. Por meio de decisões estratégicas, identificamos caminhos

que podem nos levar ao futuro imaginado. Ler um livro é tático, escrever um livro é

estratégico. Assim, a subscrição consciente e elaborada de um seguro de vida está

associada a uma decisão estratégica, alinhada com a noção de finitude humana,

transitoriedade e de responsabilidade para com os que, de alguma forma, dependem

de nós. Caso a abordagem seja feita com argumentações lógicas e bem colocadas,

a utilização da morte como elemento sensibilizador poderá trazer resultados signi-

ficativos, principalmente quando ingressamos no terreno da persuasão.

Esse é outro aspecto relevante para a construção de uma abordagem co-

mercial eficaz: saber identificar a diferença entre convencer e persuadir. Muitas

vezes conseguimos convencer as pessoas, mas não conseguimos persuadi-las.

Podemos convencer um filho sobre a importância de estudar e, apesar disso,

ele pode continuar negligenciando as tarefas escolares. Podemos convencer um

fumante de que fumar é prejudicial à saúde e, apesar disso, ele seguir fumando.

Convencer é falar à razão do outro, provando, construindo algo no terreno das

ideias. Quando convencemos alguém, essa pessoa passa a pensar como nós. Em

contrapartida, persuasão é falar à emoção do outro, construindo algo no terreno

das emoções. Quando persuadimos alguém, essa pessoa passa a fazer algo que

desejamos que ela faça.

Na prática, a morte e os seus desdobramentos desencadeiam necessidades

para as pessoas. Uma abordagem persuasiva para a contratação de um seguro

de vida deve, rapidamente, entabular algumas situações inevitáveis, tais como

funeral, quitação de eventuais dívidas e financiamentos, garantia dos estudos dos

filhos, recursos para manutenção do padrão de vida da família, entre outras. As

pessoas, salvo algumas exceções, claramente desejam prolongar a sua existência

neste mundo.

A abordagem comercial consultiva envolve uma interação profunda, equânime

e ativa entre profissional e comprador, ao contrário da venda transacional, que se

caracteriza por uma relação muito mais rápida e objetiva entre as partes. Nessa

última, o comprador assume o controle do processo, e o profissional é um mero

“Apesar de ser um risco há muito tempo coberto, a morte continua sendo discutida pelo setor de seguros apenas sob o enfoque quantitativo: como

esse mercado pode adaptar as suas ações de venda junto ao cliente em função de um tema

tão impactante?”

“Na comercialização de seguros de vida, a relação entre profissional e cliente

é fundamental. E não há como haver imparcialidade e

distância ao se tratar da morte com o cliente. As relações se constroem por meio do

processo de autorrevelações recíprocas: quanto maior a

proximidade, maior o espaço para conhecimento mútuo”

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33maio 2010

personagem que não vai mudar em nada o conceito do

cliente sobre os benefícios do produto. Muitas vezes, ele

não enxerga, nem quer enxergar, um discutível diferencial

do produto e, pior, talvez ele considere o profissional como

um custo para sua compra, já que o mesmo recebe uma

comissão sobre a venda, e quem paga, é claro, é o cliente.

O risco na abordagem transacional é de o profissional não

passar de um mero “tirador de pedidos”.

Claro que um atendimento mais dedicado envolve

mais tempo e, quem sabe, um maior custo. O profissional

consultivo quer mais. Assume uma postura pró-ativa na

relação comercial, não somente analisando as questões

apresentadas pelo cliente, mas questionando e identifi-

cando aquelas que o próprio cliente pode não conhecer

ou mesmo não conseguir descrever ou entender. O

profissional consultivo precisa estar atento ao perfil do

cliente, afinal, é o próprio consumidor quem vai decidir

se o processo de compra se conclui ou não. Muitos pro-

fissionais perdem a venda por não prestarem atenção às

características próprias de cada cliente e não conhecerem

também o seu comportamento de compra.

Na comercialização de seguros de vida, a relação entre

o profissional e o cliente é fundamental. E não há como o

profissional ser imparcial e distante ao abordar a morte com

seu cliente. As relações se constroem por meio do processo

de autorrevelações recíprocas e, quanto maior a proximida-

de, maior é o espaço para o conhecimento mútuo. Estreitar

a distância facilita a comunicação e o entendimento, criando

um clima amistoso e de confiança. A venda do seguro de

vida pode ser um momento de confrontação e, talvez, o

primeiro contato consciente do cliente com a sua finitude.

E é nesse momento, portanto, que as suas crenças pessoais

mais profundas podem ser expressas. É crucial que, nessa

hora, o profissional esteja sensível e atento às reações

emocionais e comportamentais do consumidor, obtendo e

fornecendo informações absolutamente precisas, diretas e

certificando-se do entendimento por parte do cliente, pois as

defesas emocionais ativadas podem distorcer a abordagem e

inviabilizar o negócio. Esse é o segredo de uma abordagem

consultiva eficaz.

Conclusão

A partir desta breve análise, buscou-se demonstrar que

a morte, sendo um fenômeno complexo, deve ser aborda-

da por uma perspectiva interdisciplinar. Observa-se que é

crescente o número de abordagens, até mesmo dentro das

disciplinas exatas, que buscam a integração entre cognições

e emoções na tentativa de melhor compreender e explicar o

comportamento do consumidor.

Buscamos analisar alguns aspectos comportamentais que,

a nosso ver, estão diretamente relacionados ao processo de

sensibilização para a contratação dos seguros de vida. As

evidências sugerem que, apesar de ser um risco há muito

tempo coberto, a morte continua sendo discutida apenas sob

o enfoque quantitativo pelo segmento de seguros. A reflexão

que sugerimos é sobre como esse mercado pode adaptar as

suas ações de venda junto ao cliente em função de um tema

tão impactante.

Sem a pretensão de encerrar o assunto, espera-se, assim,

de alguma forma despertar o interesse dos profissionais

que lidam com seguros para a necessidade de reciclar seus

conhecimentos comerciais e melhorar a performance de

suas equipes.

Sérgio Rangel GuimarãesAtuário, Mestre em Economia e especialista em Seguros de Vida – SITC/Zurique. Professor de Atuária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), presidente do Clube de Seguros de Vida e Benefícios do Rio Grande do Sul (CVG/RS) e membro da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP)[email protected]

Luciane Fagundes Psicóloga clínica e consultora empresarial, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. Membro da Federação Brasileira de Terapias [email protected]

Referências

ARIELY, Dan. Previsivelmente irracional: como as situações do dia-a-dia influenciam as nossas decisões. Rio de Janeiro: Campus, 2008.

BECKER, Ernest. A negação da morte: uma abordagem psicológica da finitude humana. Rio de Janeiro: Record, 2007.

FAGUNDES, Luciane; CALSA, Daniela; BAKOS, Daniela S. Relação terapêutica na terapia cognitivo-comportamental. In: Tópicos especiais em terapia cognitivo-comportamental. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007, p.11-36.

FERREIRA, Vera Rita. Psicologia econômica: estudo do comportamento econômico e da tomada de decisão. Rio de Janeiro: Campus, 2008.

FREEMAN, Arthur & DEWOLF, Rose. As 10 bobagens mais comuns que as pessoas inteligentes cometem e técnicas eficazes para evitá-las. Rio de Janeiro: Guarda-Chuva, 2006.

GIANNETTI, Eduardo. Auto-engano. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

GUIMARÃES, Sérgio Rangel. O arco da vida. Cadernos de Seguro, nº 139. Rio de Janeiro: Funenseg, nov. 2006, p. 17-21.

YALOM, Irvin D. De frente para o sol: como superar o terror da morte. Rio de Janeiro: Agir, 2008.

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cadernos de seguro 62

cadernos entrevista

O tempo da Psicologia do Seguro

Antonio Carlos Teixeira

Sérgio Rangel Guimarães e Luciane Fagundes

O que a Atuária, a Psicologia e os conceitos de vida e

morte têm em comum? Para Sérgio Rangel Guimarães e

Luciane Fagundes, há pelo menos um ponto convergente: o

seguro. Para Luciane, a morte pode ser estudada e entendida

por muitos ângulos e a Psicologia procura desenvolver uma

“educação para a morte”. Segundo ela, nem todos sabem

lidar de forma positiva com essa questão. “Refletir sobre a

morte como um evento natural, discutir, trocar ideias são

ferramentas que podem manter as pessoas conscientes

dessa realidade e, assim, auxiliá-las a superar o tabu que

cerca esse tema”, diz a psicóloga. Em entrevista exclusiva

à Cadernos de Seguro, Sérgio e Luciane se mostram con-

vencidos de que o comportamento humano não pode ser

menosprezado pelo setor de seguros. Ao contrário, deve

ser a variável central nos modelos econômicos, principal-

mente aqueles relacionados com o processo de escolhas e

tomada de decisões. “A Psicologia tem muito a nos ensinar

e, principalmente, tem muito a nos complementar. O setor

de seguros deve estar atento a esse movimento, não só

para melhor preparar os profissionais, mas para também

saber identificar e ampliar a relevância dos serviços que são

prestados à sociedade”, ressalta o atuário. Para eles, esse

é o momento da “Psicologia do Seguro”, que tem todas as

condições de auxiliar o setor não apenas no ramo Vida, mas

em todas as suas áreas. “Chegou o momento de se fazer

algo nesse sentido na área de seguros, com intensificação

de pesquisas, trabalhos, educação corporativa e qualificação

profissional”, convoca Rangel.

62

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63maio 2010

A nossa sociedade nos impõe o medo da morte?

LUCIANE – Usando de muitos artifícios a Humanidade tem

banido a morte de suas reflexões e adiado o tema em suas

conversas, como se a ausência do confronto impedisse o seu

assédio e a sua ocorrência. Porém, a negação aponta para

a dificuldade humana em enfrentar com realismo a única

certeza que atinge todos os seres vivos. Um exemplo disso

é o fato do tema da morte não estar presente nos currículos

escolares e acadêmicos. Como um tema central na vida do

homem é desconsiderado a tal

ponto? Como fica a preparação

dos profissionais da saúde,

por exemplo, que lidam com

vida e morte diariamente, se

não existe uma disciplina es-

pecífica sobre o tema ao longo

da graduação? Outro exemplo

é o fato de muitos pais ainda

compartilharem a ideia de que

crianças não devem acompa-

nhar o funeral de familiares,

sob a perspectiva de que “elas

não entendem a morte”. O medo

surge do desconhecido e da percepção de não termos recur-

sos para lidar com ele. É impossível superarmos situações

temidas se não nos expormos a elas para desenvolvermos

os recursos internos necessários. E todo tabu pressupõe a

evitação, seja ela cognitiva (evitar pensar), emocional (evitar

sentir) ou comportamental (evitar fazer ou falar).

Só faz seguro de vida quem se preocupa com a morte?

SÉRGIO – Vivemos em uma sociedade que, ao mesmo tempo,

se preocupa e despreza a morte. Observamos, por exemplo,

que as pessoas se preocupam efetivamente com segurança e

saúde. Mas que tipo de preocupação é essa? De ser assaltado,

de ter o carro roubado? E com a saúde? De engordar? De se

machucar? As pessoas estão preocupadas com tudo isso,

mas ao mesmo tempo não estão preocupadas com relação

à própria morte. Posso ser assaltado, posso ter o carro rou-

Como a morte é vista pela Atuária?

SÉRGIO RANGEL GUIMARÃES – A Atuária encara a morte

como sendo um risco certo com data de ocorrência incerta.

A visão atuarial da morte é, portanto, pragmática e de cunho

eminentemente quantitativo. A indústria mundial de seguros

deve agradecer a Edmund Halley o fato de, ao final do século

XVII, ele ter elaborado a primeira tábua de mortalidade, a

Breslaw Table, em 1693. Desde então, a Atuária estuda o risco

de morte com grande ênfase, considerando o levantamento

e aplicação de probabilidades

em função de vários fatores. O

método atuarial tem por objetivo

realizar projeções por meio de

modelos matemáticos e esta-

tísticos, visando à estruturação

e à manutenção de planos de

seguros e de previdência autos-

sustentáveis, com preços devida-

mente ajustados para fazer frente

ao fluxo provável de despesas

decorrentes desse risco.

E pela Psicologia?

LUCIANE FAGUNDES – Em linhas gerais, a Psicologia busca

compreender as emoções, a forma de pensar e o compor-

tamento humano, promovendo, a partir da resolução dos

conflitos psicológicos, a saúde mental para que as pessoas

possam ter uma melhor qualidade de vida. Em virtude da

morte ser um fato universal e não facultativo, em algum

momento o homem terá que encarar essa realidade. A morte

pode ser estudada e entendida por muitos ângulos e a Psico-

logia procura desenvolver uma educação para a morte, pois

nem todos sabem lidar de forma positiva com esse evento.

Refletir sobre a morte como um evento natural, discutir,

trocar ideias são ferramentas que podem manter as pessoas

conscientes dessa realidade e, assim, auxiliá-las a superar

o tabu que cerca esse tema. Mais que aprender a lidar, de

maneira suportável, com essa sentença, podemos encontrar

nela inspiração para a vida.

maio 2010 63

“Mais que aprender a lidar, de maneira

suportável, com a morte, podemos encontrar nela inspiração para a vida”Luciane Fagundes

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cadernos de seguro 64

bado, posso engordar ou até mesmo me machucar. Porém, morrer

é diferente. Pensar o futuro associado à morte não é tão simples.

Não gostamos disso. Na verdade, consideramos que quem vai

morrer é o outro e não nós. A morte e o morrer são realidades

profundamente incômodas para as pessoas.

Uma pessoa que tem medo de morrer está mais propensa a fa-

zer um seguro de vida para garantir conforto aos familiares?

LUCIANE – Todas as nossas atitudes são influenciadas pelo que

pensamos e sentimos. Se considerarmos que o medo desperta

em nós respostas instintivamente relacionadas à preservação da

espécie, a nossa reação vai depender da intensidade do nosso

medo e do quanto nos sentimos capazes para enfrentar a situação

temida. O medo tanto pode nos fazer reagir (lutar ou fugir) quanto

não reagir (paralisar). Portanto, o medo pode ser favorável (adap-

tativo) ou desfavorável (desadaptativo), provocando atitudes pre-

videntes ou imprevidentes. Por exemplo, necessitamos ter certo

temor para atravessar uma rua movimentada. Dessa forma, vamos

procurar atravessar na faixa de segurança, quando o sinal estiver

liberado para nós. Contudo, se o nosso medo for tão intenso pelo

pavor de morrer atropelado, pode ser que nem consigamos sair

de casa diante da necessidade de ter que atravessar uma rua. A

pessoa que teme morrer e tem recursos internos para lidar com

este medo tem a tendência de se planejar antecipadamente com

relação aos imprevistos, e a contratação de um seguro de vida

para garantir o conforto dos familiares pode ser uma ação pre-

ventiva. Em contrapartida, a pessoa que tem pavor da morte e

não conseguiu desenvolver recursos internos para lidar com esta

situação inerente pode passar a negar tudo o que se relacione a

ela. Por exemplo: evitar cuidar da saúde, evitar fazer check-up e

até evitar contratar um seguro de vida.

Fazer seguro de vida por estar ligado, conscientemente ou

não, à tentativa de garantir a preservação do gene?

LUCIANE – As questões relacionadas à morte acompanham a

Humanidade desde sempre e diferentes culturas concebem esse

fenômeno de maneiras distintas. Os egípcios acreditavam na

sobrevivência da alma após a morte. Ao morrer, os faraós eram

submetidos a rituais religiosos e procedimentos para conservar seu

corpo para dar suporte à alma durante sua jornada rumo à vida

eterna. O homem é o único ser vivo que sempre questionou a sua

própria existência e, consequentemente, a morte. Muitas pessoas

cadernos de seguro 64

“Como fica a preparação dos profissionais da saúde, por exemplo,

que lidam com vida e morte diariamente, se não existe uma

disciplina específica sobre o tema ao longo da graduação?”L.F.

“Pensar o futuro associado à morte não é tão simples. Sempre

consideramos que quem vai morrer é o outro e não nós. A morte e o

morrer são realidades profundamente incômodas para as pessoas” Sérgio Rangel Guimarães

“A pessoa que tem pavor da morte e não conseguiu desenvolver

recursos internos para lidar com esta situação inerente pode passar

a negar tudo o que se relacione a ela, como por exemplo, não cuidar

da saúde, evitar fazer check-up e até não contratar um seguro de vida”L.F.

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65maio 2010

consideram que a imortalidade pode ser conquistada a partir da

realização de feitos históricos, políticos, artísticos e sociais. Outras

a buscam na prática de hábitos saudáveis de vida ou através das

religiões. Conscientemente ou não, é natural que, pelo instinto

de autopreservação, o homem busque formas de perpetuar sua

existência. Neste sentido, a contratação de um seguro de vida pode

representar uma busca de superação da morte.

A Psicologia pode contribuir para o segmento do seguro de

vida? De que forma?

LUCIANE – Sem dúvida, a Psicologia pode contribuir não só

para o seguro de vida, mas com todos os ramos do seguro. Em

2002, dois cientistas norte-americanos, o economista Vernon

Smith e o psicólogo Daniel Kahnegem, foram laureados com o

Prêmio Nobel de Economia a partir de estudos sobre a influência

dos fatores psicológicos no processo de tomada de decisão das

pessoas. Os dois cientistas provaram que um bom economista,

além de dominar muito bem os números, deve estar atento ao

lado psicológico das pessoas. Na área do seguro de vida, indepen-

dente de o profissional ter um ótimo preparo técnico, o chamado

feeling é que determina o rumo a ser tomado numa negociação.

A princípio, os profissionais têm acesso aos mesmos números

de mercado, entretanto decidem de forma diferente. Uns obtêm

sucesso e outros, não. O casamento entre a Psicologia e os nú-

meros provou ter êxito.

Qual é o ponto de interseção entre o seguro de vida e o sen-

timento de morte?

LUCIANE – O sentimento da morte é, sobretudo, uma questão

essencialmente humana. A interseção entre esse sentimento e

o seguro de vida está no fato de saber como utilizá-lo como um

elemento sensibilizador.

SÉRGIO – Para o profissional de seguros realizar uma abordagem

eficaz, deve estar atento às reações emocionais do cliente, para

corrigir distorções e incompreensões que possam inviabilizar o

seu trabalho.

Avanços na medicina e na tecnologia e uma maior conscienti-

zação sobre a prática de hábitos saudáveis têm nos possibi-

litado ampliar nossa expectativa de vida. A longevidade pode

interferir no ato da contratação de um seguro de vida, ou até

mesmo adiar essa decisão?

maio 2010 65

“A contratação de um seguro de vida pode representar uma busca de superação da morte”L.F.

“A Psicologia pode contribuir não só para o seguro de vida, mas com todos os ramos do seguro: um bom economista, além de dominar muito bem os números, deve estar atento ao lado psicológico das pessoas”L.F.

“Na área do seguro de vida, independente de o profissional ter um ótimo preparo técnico, o chamado feeling é que determina o rumo a ser tomado numa negociação”L.F.

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cadernos de seguro 66

LUCIANE – Para muitos, a imortalidade é assunto de ficção

cientifica, mas a evolução da tecnologia está tornando o

sonho da vida eterna mais próximo da realidade. Com a

finalidade de preservar a vida pelo maior tempo possível, a

medicina está em constante aprimoramento. O desenvolvi-

mento das próteses mecânicas, o transplante de órgãos, as

pesquisas com células-tronco e a inseminação artificial são

exemplos de garantia de preservação da vida. Nas ultimas

três décadas, a expectativa de vida no Brasil aumentou em

11 anos. O número de pessoas longevas é o segmento da

população que mais cresce no mundo, especialmente nas

nações desenvolvidas. Para a maioria das pessoas que te-

mem a morte e utilizam o autoengano para convencer a si

próprias de sua imortalidade, a idéia da contratação de um

seguro de vida é inexeqüível. Contudo, para as pessoas que

reconhecem que não basta atingir a longevidade e desejam

chegar a ela com saúde e com qualidade de vida, o seguro

passa a ser uma decisão previdente.

Uma pessoa que se autoengana teria menor tendência a

contratar um seguro de vida?

SÉRGIO – Sim, até porque o autoengano é um mecanismo de

escape, de negação da realidade, que todos nós utilizamos.

Esse é o ponto principal que tentamos investigar e discorrer

em nosso artigo. Por sinal, falando em autoengano, o seguro

de vida não deveria ser chamado de seguro de morte, já que

o risco principal coberto é a morte? O mercado de seguros

necessita evoluir muito com relação às abordagens individu-

ais para a comercialização de seguros de vida. O que existe

é um despreparo generalizado para a venda individual. Tudo

passa pelos profissionais de vendas, que deveriam ser os

corretores de seguros, mas que na prática terminam sendo

seus prepostos, agenciadores, correspondentes, balconistas

cadernos de seguro 66

de lojas, caixas de banco, operadoras de telemarketing, etc.

Infelizmente, no modelo atual, todo esse pessoal não foi e não

é devidamente treinado e nem possui habilidades suficientes

para tratar sobre reações emocionais e comportamentais

frente a um tema tão impactante quanto a morte. Talvez

tenhamos perdido muito tempo comercializando produtos

simplificados, os chamados seguros de vida em grupo, dei-

xando de lado o seguro de vida individual.

Utilizar a morte como elemento sensibilizador para a

contratação de seguros de vida não é uma estratégia

delicada, ainda mais porque seria direcionada para pes-

soas que têm, culturalmente, temor de morrer?

LUCIANE – Toda abordagem que leva em conta a mudança

de crenças e hábitos, quer pessoais ou coletivos, é uma tare-

fa complexa. E, muitas vezes, imprescindível para seguirmos

adiante. Existe um momento em que é necessário dar um

salto para o novo e o diferente, se reinventar. Embora reflita

algo inovador, que vem mudar antigas formas de atuar para

tornar-nos mais competitivos, essa mudança pode desper-

tar inseguranças por parte do profissional e do cliente. A

abordagem comercial do seguro de vida deve ser vista como

um processo de sensibilização, no qual o profissional de

seguros atue como agente da mudança de paradigma do

cliente. Para trabalhar com estratégias inovadoras, esse

profissional precisa ser visionário, entender o negócio, ser

observador, perceber as oportunidades, tomar a iniciativa

e comunicar-se bem.

No seguro de vida, é mais fácil convencer ou persuadir

o potencial cliente? Por quê?

SÉRGIO – Primeiro é necessário fazermos a distinção entre

convencer e persuadir. Convencer é construir algo no terreno

“O mercado de seguros necessita evoluir muito com relação à

comercialização de seguros de vida. O que existe é um despreparo generalizado para a venda individual. Talvez tenhamos

perdido muito tempo comercializando produtos simplificados, os chamados

seguros de vida em grupo, deixando de lado o seguro de vida individual”S.R.G

“Para a maioria das pessoas que temem a morte, a ideia da contratação de um seguro de vida é inexequível. Mas para quem reconhece que não basta atingir a longevidade e deseja chegar a ela com saúde e com qualidade de vida, o seguro passa a ser uma decisão previdente”L.F.

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67maio 2010maio 2010 67

da ideias. Quando convencemos alguém, essa pessoa passa

a pensar como nós. Persuadir é construir algo no terreno

das emoções. Quando persuadimos alguém, essa pessoa

passa a fazer algo que desejamos que ela faça. Por exem-

plo, posso convencer um amigo que adquirir um seguro de

vida seria muito importante para ele e sua família. Porém,

mesmo convencido, ele acaba não contratando o seguro. O

que faltou? A persuasão. Faltou falar à emoção do outro.

Muitas vezes conseguimos convencer as pessoas, mas não

conseguimos persuadi-las.

Vivemos num mundo bastante acelerado: estamos sempre

“na correria”, estressados, com pressa para resolver tudo

ao mesmo tempo... Esse comportamento contemporâneo

pode ser psicologicamente explicado? Pode ser uma res-

posta a um alerta inconsciente de que podemos morrer a

qualquer momento?

LUCIANE – O ritmo acelerado de nossas vidas pode reforçar

o autoengano com relação à morte, na medida em que, por

total “falta de tempo”, não nos aprofundamos nas questões

existenciais. Essa estratégia inconsciente de “não parar para

pensar” sobre a morte pode ser utilizada para nos manter

afastados de algo perturbador.

A partir dessa discussão, já poderíamos falar na oportu-

nidade de desenvolver uma “Psicologia do Seguro”? Qual

seria a sua importância para aumentar o desenvolvimen-

to desse setor no Brasil?

SÉRGIO – É uma pergunta bastante oportuna. Estou conven-

cido da relevância desse novo conceito, que pode em muito

contribuir para que possamos compreender melhor os tênues

limites da racionalidade humana. Chegou o momento de se fa-

zer algo nesse sentido na área de seguros, com intensificação

de pesquisas, trabalhos, educação corporativa e qualificação

profissional. O comportamento humano não pode ser despre-

zado; pelo contrário, deve ser a variável central nos modelos

econômicos, principalmente aqueles relacionados com o

processo de escolhas e tomada de decisões. A Psicologia

tem muito a nos ensinar e, principalmente, tem muito a nos

complementar. O setor de seguros deve estar atento a esse

movimento, não só para melhor preparar os profissionais,

mas para também saber identificar e ampliar a relevância dos

serviços que são prestados à sociedade.

O que um atuário e uma psicóloga acham da morte?

LUCIANE – A busca pela compreensão do fenômeno da morte

deve ser feita a partir da união de conhecimentos.

SÉRGIO – A principio a Atuária e a Psicologia parecem ciências

completamente diferentes e sem qualquer ligação. Porém,

como áreas do conhecimento humano, possuem pontos de

intersecção como o tema da morte. Impossível compreendê-lo

considerando apenas uma das perspectivas.

LUCIANE – E a interdisciplinaridade é extremamente impor-

tante para trilhar esse caminho.

A morte é o fim? Ou um recomeço?

Para nós é, ao mesmo tempo, o fim e o recomeço.

“O novo conceito da Psicologia do Seguro é relevante e pode em muito contribuir para

que possamos compreender melhor os tênues limites da

racionalidade humana”S.R.G

“A abordagem comercial do seguro de vida deve ser vista como um processo de sensibilização, no qual o profissional de seguros atue como agente da mudança de paradigma do cliente. Para trabalhar com estratégias inovadoras, esse profissional precisa ser visionário, entender o negócio, ser observador, perceber as oportunidades, tomar a iniciativa e comunicar-se bem”L.F.