CARVALHAL, Tânia Franco. Vinte e Cinco Anos de Crítica Literária No Brasil - Notas Para Um Balanco

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    VINTE E CINCO ANOS DE CRTICALITERRIA NO BRASIL1

    NOTAS PARA UM BALANO

    Tania Franco CarvalhalTraduo: Adriana Santos Corra

    Reviso: Maria Luiza Berwanger da Silva

    RESUMO: Este ensaio foi originariamente publicado na Revista Euro pe. Nele de-senvolvem-se aspectos relevantes para um balano da crtica literria no Brasil, particu-

    larmente nos ltimos vinte e cinco anos. Traduzido por Adriana Santos Corra erevisado por Maria Luiza Berwanger da Silva, sua publicao uma homenagem aautora a crtica literria Tania Franco Carvalhal.

    PALAVRAS-CHAVE: crtica; literatura comparada; literatura brasileira

    ABSTRACT:This article was originally published in theEurope Magazine. In it, aredeveloped relevant aspects to a balance of the literary criticism in Brazil, in the lasttwenty years in particular. It was translated by Adriana Santos Corra and reviewed byMaria Luiza Berwanger da Silva, its publication is a homage the the author theliterary critic Tania Franco Carvalhal.

    KEYWORDS: criticism, comparative literature; Brazilian literature.

    Voltar vinte e cinco anos atrs significa lanar um olhar retrospectivo sobre osanos oitenta, certamente uma das dcadas mais representativas da crtica literria noBrasil. Esse momento no s catal isaria tendncias recorrentes anteriores, prprias anossos estudos li terrios, como tambm seria portador do que estava por vir. Sempretendermos exaustividade, esse balano do passado recente at o futuro imedia-to, um balano que se mostra necessrio, que buscaremos aqui expor.

    Nos anos precedentes, em especial na segunda metade dos anos setenta, en-quanto que o pas ainda se encontrava subjugado ao silncio pela ditadura militar,destacavam-se algumas grandes linhas. A tendncia nacionalista (ou nacionalizante)residia na imagem de um Grande Brasil, forte, desvinculado de toda influncia estran-geira. Brasil , ame-o ou deixe-o, lia-se nos vidros dos carros. O sloganpropagandeavauma confiana no progresso, reafirmada pela idia de que Ningum segura estepas. Calando o sofrimento da maioria, a msica dizia Pra fren te, Brasil! pela vitriada Seleo Brasileira de futebol que acabava de ganhar, em 1970, seu terceiro ttulo de

    Rado, Dourados, MS, v. 2, n. 3, . 33-39, an./ un. 2008.

    1Texto originalmente publicado com o ttu lo Vingt-cinq ans de critique littraire au Brsil Notespour un bilan, na revista Europe, em volume dedicado Literatura Brasileira, em nov./dez. 2005.

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    campeo do mundo, no Mxico. Por outro lado, comeava-se a aderir aos estudosanalticos vindos da Europa, mais particularmente da Frana. Estavam principalmen-te em voga as teorias inspiradas no formalismo russo e no estruturalismo tcheco.Com o interminvel sucesso doNew Criticismanglo-americano, defendido, nos anos

    cinqenta, por Afrnio Coutinho e sua Nova Crtica, viriam rivalizar Mikhal Bakhtine,Julia Kristeva e Tzvetan Todorov. Editou-se textos fundamentais do pensamentoterico-crtico, como foi o caso, em 1973, deEstruturalismo e teoria da literatura, de LuizCosta Lima, que confessaria, mais tarde, haver tido particular interesse pela obra deLvy-Strauss2.

    Apesar de seu rigor, muitas prticas crticas oriundas dessas duas tendnciastericas desviavam-se dos aspectos contextuais, centrando-se no texto e evitandoexplicaes fundamentadas em dados histricos, culturais e sociais. A naturezaahistrica de inmeros desses estudos poupava seus autores de emitirem opinies

    pessoais e de tomarem posies polticas que a censura, em vigor nas reas cultural eliterria, teria sem dvida sancionado. Adotando um carter descritivo, prximo ao daglosa, esses estudos encerravam-se no texto e o reproduziam.

    Aspirando ao estatuto cientfico sugerido pelos avanos da lingstica e de seuspressupostos tericos, de Ferdinand de Saussure Roman Jakobson, a cr tica de tipoestruturali sta tende, por sua vez, a adotar o aparelho conceitual e metodolgico dasemiologia: ela elabora modelos a fim de determinar os cdigos e as leis de funciona-mento dos textos. Isso revelou-se, por vezes, mui to produtivo, embora certas tenta-tivas de modelizao tenham se limitado a descrever seu objeto sem chegar a represent-

    lo de forma inventiva, sem recri-lo e tampouco problematiz-lo.Existem estudos que privilegiam a anlise textual, distinguindo-se, no entanto,

    dessa vocao modelizadora, como o caso da Anlise dO Cortiode Alusio deAzevedo3. Rejeitando a teoria do paralelismo entre literatura e sociedade, que tinhaorigem no positivismo crtico, Antonio Candido a substitui por uma crtica dialtica maneira de Lukacs e de Adorno, ultrapassando a simples relao de causa e efeito entreo fato social e o texto literrio. Sua anlise formal, claramente descrita, explora a dimen-so social do romance e prova que possvel mostrar, atravs do nvel esttico do texto,seu nvel estrutural. Analisando a obra a partir de seu sistema de tenses e apoiando-se em duas categorias complementares da realidade os lugares e as relaes , elepreserva a perspectiva esttica, tomando como ponto de apoio a configurao da obra.

    Estendendo o carter crtico dessa conferncia, seu ensaio A passagem do doisao trs. Contribuio para o estudo das mediaes na anlise literria 4contrape-se aos

    2Entrevista com Luiz Costa Lima, in: Dispersa demanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.3 A conferncia Anlise dO Cortiode Alusio de Azevedo foi pronunciada por AntonioCndido por ocasio do II Encontro Nacional de Professores de Literatura, na PUC-RJ, em 1975.4Antonio Candido, in: Revista de Histria, So Paulo, n. 100, 1975.5Nota das Tradutoras: as citaes foram igualmente traduzidas do francs, salvo uma citao deLeyla Perrone-Moiss, retirada do texto original de Do positivismo desconstruo idias francesasna Amrica.

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    excessos praticados nas anlises estruturais mais difundidas. Nesse ensaio, ele destaca apossibilidade de que um elemento externo, no especfico, visto que exprime comple-xos ideolgicos de outras sries, possa ser util izado como modelo internoe esclarecer aestrutura singular (dointerior) da obra considerada. Na sua concluso, Antonio Candido

    constata que o interessante, de fato, assinalar a possibilidade de uma anlise totalizanteque venha completar a viso das oposies graas a mediaes adequadas, mostrandode que forma o social funciona como elemento de estrutura e como as componentesformais so o itinerrio necessrio que torna o social inteligvel5.

    Mais tarde, na sua igualmente notvel anlise de Memrias de um sargento demilcias, o crtico retomar esse mtodo dialtico, por ele denominado reversvel,pois tal mtodo desloca-se nos dois sentidos: do texto para a sociedade e/ou dasociedade para o texto, ultrapassando assim a viso calcada no paralelismo.

    Compreendemos, a partir de ento, que essa crtica dialtica ou totalizante tenha

    se contraposto ao estruturali smo ortodoxo. Ela no hesitou em utilizar os recursosda anli se estrutural , impondo-lhe seus prprios princpios e procedimentos e rebe-lando-se contra o positivismo at ento dominante. Nessa mesma direo, com

    variantes, encontramos Antonio Candido e seus colaboradores no departamento deTeoria Literria da Universidade de So Paulo (USP), dentre os quais Joo AlexandreBarbosa, Davi Arrigucci Jr., Joo Lus Tafet, Walnice Nogueira Galvo e RobertoSchwartz.

    Guilhermino Csar, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),e Jos Aderaldo Castello, que diri ge o Instituto de Estudos Brasileiros da USP, tam-

    bm buscaram associar a orientao totalizante e o valor esttico. Procurando esclare-cer as problemticas prprias literatura brasileira, voltaram-se para textos e autoresfundamentais, embora pouco considerados. Guilhermino Csar publicou um livropioneiro sobre a histria da literatura do sul do pas, com o objetivo de elucidar aimagem do complexo cultural do Rio Grande do Sul a partir de sua vida literria6.

    Jos Aderaldo Castello, desde seus primeiros estudos sobre o movimento das Aca-demias na fase colonial7, procurou uma teoria interna, prpria literatura brasileira,como ele explica nos seus dois importantes volumes sobre as origens e a unidade daliteratura brasileira8. Citemos ainda Jos Guilherme Merquior, propagador, no Brasil,das idias de Walter Benjamin e de Theodor Adorno, e crtico severo dos excessos naaplicao dos modelos formais9. Inspirando-se na iniciativa de Erwin Panofsky, elepropor uma leitura, na sua obra, De Anchietaa Euclides da Cunha breve histria daliteratura brasileira10, [d]a histria no texto, em vez de dissolver o texto na Histria.

    6CSAR, Guilhermino. Histria da literatura do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1956.7CASTELLO, Jos Aderaldo. O Mov imento Academic ista no Brasil (1641-1820). So Paulo: ConselhoEstadual de Artes e Cincias Humanas, 1978.8CASTELLO, Jos Aderaldo. A literatura brasil eira origens e unidade. So Paulo: Edusp, 1999.9MERQUIOR, Jos Guilherme. O Estruturalismo dos pobres e outras questes. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1975.10Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1979.

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    Sempre em nome de leituras imanentes, outros tambm, de tanto aplicarem aotexto e escritura uma metalinguagem formalista ao extremo, fizeram do discursocrtico um outro texto que rivaliza, do ponto de vista da criao lingstica, com ooriginal. Paralelamente, a crtica moveu-se, com freqncia, em direo obra propria-

    mente dita. Ela integrou, ento, ao processo criador, as funes explicativas e interpre-tativas que antes pertenciam crtica externa tradicional. Inspirando-se em crticos-autores, tais como Roland Barthes, Michel Butor e Maurice Blanchot, essa crticainterna ganha uma outra dimenso, a da criatividade, e produz um texto crtico que

    vale por si mesmo enquanto processo de escritura.Em um livro que prepara os alicerces para uma crtica concebida como

    metalinguagem, Haroldo de Campos, poeta, tradutor e um dos representantes domovimento concretista no Brasil, expunha, em 1970, seus objetivos: A crtica metalinguagem. Metalinguagem ou linguagem sobre a linguagem. O objeto a

    linguagem-objeto dessa metalinguagem a obra de arte, sistema de signos dotadode coerncia estrutural e de originalidade. Para que a crtica tenha um sentido paraque ela no se transforme em falatrio e conversa (alerta de Roman Jakobson desde1921), preciso que ela seja proporcional ao objeto que ela se refere e que a funda-menta na sua essncia (pois a crtica uma linguagem que remete a uma outra lingua-gem, sua natureza de meditao)11.

    O programa de Haroldo de Campos ampliou a influncia, no Brasil , da obra deRoland Barthes, particularmente divulgado por Leyla Perrone-Moiss. Coordenado-ra, desde 2003, da coleo Roland Barthes, ela a apresenta como um antdoto

    necessrio ao estruturalismo do tipo dogmtico, sobretudo o da escola greimassiana,que foi to facilmente adotada em nosso meio universitrio que terminava por redu-zir a espessura concreta do objeto literrio a esquemas simplificadores que podem, arigor, evitar a obra de arte que lhe servira de ponto de partida, substituda por umahipottica matriz combinatria elementar12. Segundo o concretista Haroldo de Cam-pos, Barthes, mesmo na sua fase semiolgica mais radical, nunca renunciou seduo da face rebelde dos signos, ao fascnio da obra de inveno13.

    Igualmente exemplar, no que concerne ao sentido da crtica interna, a cano. atravs de suas letras que viria a se manifestar a fora da criao literria; com menorintensidade nos textos tradicionais e com maior intensidade na msica popular bra-sileira (que engloba, na verdade, todas as formas musicais, assim como a cano). Asletras da msica popular brasileira so, em geral, representativas dessa tendncia si-multaneamente crtica e criativa. Desde o final dos anos sessenta, os festivais demsica e as representaes teatrais concentram, de forma dissimulada, as formas maiseficazes de protesto. o caso deArrasto , de Edu Lobo e Vincius de Moraes, cantada

    11 Introduo primeira edio de: CAMPOS, Haroldo. Metaling uag em ensaios de teoria e

    crtica literrias. Petrpolis: Vozes, 1970.12PERRONE-MOISS, Leyla (Dir.). Coleo Roland Barthes. So Paulo: Martins Fontes, 2003.13CAMPOS, Haroldo de. Op. cit.

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    por Geraldo Vandr, em 1965; deA banda, de Chico Baurque, em 1966; de sua canodo exlio, intitulada Sabi, composta com Tom Jobim, em 1968, e de Clice, com-posta com Gilberto Gil, sendo que esta seria proibida. Talvez Al, liberdade, deHenriquez, Bardotti e Chico Buarque, em 1981, ao estabelecer um jogo intertextual

    comA banda, resuma a abertura dessas atitudes e o retorno ao mltiplo, que os anosoitenta efetivaro.

    A multiplicidade dessas orientaes crticas, que explode nessa poca, poderiaser ilustrada por meio dos Anais do Primeiro seminrio latino-americano de LiteraturaComparada, que ocorreu na UFRGS, em 1986, com o propsito especfico de fundar a

    ABRALIC, Associao Brasileira de Literatura Comparada, e por meio dos anaisreferentes ao primeiro congresso da Associao, tambm em Porto Alegre, em 1988.

    Atravs desses trabalhos, man ifesta-se a preocupao de reintegrar, semdeterminismo, a grade histrica ao trabalho de interpretao. Isso no significava

    somente o retorno s leituras fundamentadas na prpria construo do processocriador, mas a vontade de articular o literrio s outras formas de conhecimento e deexpresso artsticas. Desde o primeiro seminrio, o programa Intertextualidade einterdisciplinariedade relocalizava os estudos de literatura comparada no campo dastendncias terico-crticas atuais. Esse vasto leque de possibilidades permitiu que sereunissem, graas Associao, formas de pensamento diversas. Ela tornou-se assim,a maior associao de literatura da Amrica Latina, da qual Antonio Candido salien-tou, recentemente, a importncia: A ABRALIC no existe somente no Brasil, elatornou-se, devido a um prspero desenvolvimento, a mais importante e mais signi-

    ficativa instituio que associa, de fato, todos os tipos de especialistas da literatura, eno somente os comparatistas14.

    Criada no mbito de um Seminrio latino-americano , a ABRALIC tornou-setambm um meio de comunicao privilegiado entre os pesquisadores brasileiros eaqueles dos diversos pases da Amrica Latina, contribuindo para a fundao deassociaes coirms em diferentes lugares: Argentina, Uruguai, Peru, ... A atividadeassociativa perpetua-se e renova-se por ocasio de seu congresso, que ocorre a cadadois anos, e de colquios regulares. Graas anlise da documentao reunida pela

    Associao e pelas suas coirms latino-americanas, logo poder-se- medir o anda-mento do pensamento crtico, na regio, e a forma como ele contribui para arevital izao das prticas comparativas no contexto mundial. Como observou EduardoCoutinho, em um estudo recente, o comparati smo, no Brasil , deslocou seu eixo demodo significativo e situa-se frente da reflexo no continente15.

    assim que, paralelamente aos livros de autores individuais, os estudosapresentados por ocasio das manifestaes universitrias indicam as orientaes dareflexo, das quais as mais recentes apontam para, pelo menos, trs direes: a obser-

    14Correspondncia privada, So Paulo, 10 de agosto de 2004.15COUTINHO, Eduardo. Sentido e funo da Literatura Comparada na Amrica Latina ensaios. Riode Janeiro: UERJ, 2003.

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    vao dos fenmenos de difuso e de recepo literrios, o interesse crescente pelosestudos de traduo16, a retomada dos estudos culturais17, campo no qual os pesqui-sadores brasileiros possuem slida experincia, centrada nas minorias, nos estudosde gnero, de etnias, na discusso dos cnones estticos e nas questes ps-coloniais,

    abordadas, por exemplo, em Dialtica da colonizao, de Alfredo Bosi18, mais especifi-camente, no primeiro ensaio do livro, Colnia, culto e cultura.

    Os anos noventa caracterizaram-se, certamente, por uma crtica atenta a essasorientaes, do pensamento de Michel Foucault a Gilles Deleuze, de Jean-FranoisLyotard a Jacques Derrida. Os tericos franceses obtiveram, no Brasil , um sucesso togrande quanto nos Estados Unidos19. Derrida superou largamente seus colegas daEscola de Yale: Paul de Man, Geoffrey Hartman e Joseph Hillis Miller. Adesconstruo tornou-se um rtulo prestigioso, como observa Leyla Perrone-Moiss a respeito do efeito Derrida20e da repercusso dessas idias em meio aos

    psicanalistas brasileiros. Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, seu pensamentoteve um impacto decisivo e produtivo, embora tenha dado lugar, por vezes, a inter-pretaes precipitadas. E se os estudos culturais gozam de uma forte influnciaestadunidense, no Brasil, Leyla Perrone-Moiss lembra que, ao adotar no Brasil aspropostas norte-americanas, festeja-se o fim do nosso colonialismo cultural comrelao Frana, sem perceber que, na origem dessas propostas, esto tericos france-ses. A nica diferena, para ns, que no passado buscvamos inspirao terica namatriz francesa, e agora o fazemos passando pelos Estados Unidos.

    O debate sobre os Cultural Studies fez emergir o risco de ver desaparecer a

    abordagem literria, alm de evidenciar o perigo de que especialistas em literaturavoltem-se para outros campos sem a dupla competncia indispensvel aos estudosinterdisciplinares. Mais do que defender a especificidade da literatura ou tentar evitara reduo de nosso campo de trabalho, ameaas que pesam mais em outros lugaresdo que no Brasil mesmo, preciso salientar que se atribui aos estudos culturaisuma liberdade de ao que, na realidade, no existe. Em contrapartida, procurando,por vezes, afastar a literatura, interrogar seu lugar dentre as prticas simblicas eculturais e minimizar sua funo esttica, os Estudos Culturais distanciam-se do

    16Reun indo trabalhos apresentados por ocasio do IX Congresso Internacional da ABRALIC,em Porto Alegre, al m de pesquisas em curso, foi publicado: CARVALHAL, T. F.; REBELLO, L.S.; FERREIRA, E. C. (Orgs.). Transcriaes teoria e prticas. Em memria de Haroldo deCampos. Porto Alegre: Evangraf, 2004.17O Congresso da ABRALIC ocorrido em Florianpolis, em 1998, tinha como tema centralLiteratura Comparada = Estudos Culturais?, que prolongaria o debate ento aberto em:

    ANDRADE, A. L., CAMARGO, M. L., ANTELO, R. (Orgs.). Leituras do ciclo. Flori anpoli s: Grifos,1999.18BOSI, Alfredo. Dialtica da colonizao. So Paulo: Cia. das Letras, 1992.19CUSSET, Franois. French Theory. Foucault, Derrida, Deleuze & Cie et les mutations de la v ie intelec tuelleaux tats-Unis. Paris: La Dcouverte, 2003.20 PERRONE-MOISS, Leyla. Ps-estruturalismo e desconstruo nas Amricas. In: ______(Org.). Do positivismo desconstruo idias francesas na Amrica. So Paulo: Edusp, 2004. p. 232.

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    comparatismo, que sempre pressupe que a literatura permanea como um dos ter-mos da comparao.

    Porm, enquanto se insiste na reapropriao de teorias estrangeiras, manifesta-se tambm a vontade de encontrar categorias originais e de ressemantizar outras

    categorias, desde ento mais adaptadas ao contexto brasileiro. Assim, o conceito deentre-lugar do discurso latino-americano, que Silviano Santiago21elabora a partirdo pensamento terico de Derrida, alimenta o debate sobre a dependncia cultural eo lugar, flutuante, dos pases ditos perifricos. A experincia com o incerto, com ohbrido, o reconhecimento do apagamento das margens, a alterao dos conceitos decentro e de periferia abrem perspectivas interpretativas novas que ultrapassam oslimiares das diferentes formas de aproximao ao literrio. De qualquer modo, essanecessidade, cada vez mais perceptvel em meio aos especialistas, de buscar, na crticabrasileira e na literatura, categorias e orientaes prprias, totalmente positiva.

    Hoje, mais do que de crise termo habitualmente associado literatura e crtica literria fala-se, freqentemente, de colapso da crtica. Esse desfecho comares dramticos teria, certamente, como causa imediata, o confinamento dos crticosnas universidades, onde a dissertao e a tese desenvolveram-se em detrimento doensaio, que l se praticava no passado. A crtica que sobrevive na imprensa, restrita aum espao cada vez mais reduzido, torna-se uma mistura inspida de anlise univer-sitria e de crtica literria que exclui, na maioria das vezes, todo julgamento de valor.O que parece em vias de desaparecimento a atitude crtica, a capacidade de julgar ede emitir um julgamento. O poder de avaliao cada vez menos util izado.

    Nessas condies, a crtica pra de funcionar como um oxigenador da cultura,como um espao dialtico que abre o debate. Ao contrrio, ela se isola. Por um lado,a busca de rigor a torna cada vez mais elitista, adotando um jargo especfico cujoacesso encontra-se exclusivamente reservado a seus pares. Esse tipo de estudo temdificuldade em considerar o contemporneo, dando preferncia ao que j consagra-do, recorrendo aos paradigmas j legitimados. Por outro lado, o texto jornalsticocurto e pouco consistente contenta-se em informar e alimentar a mdia. Entre essesdois extremos, raros so aqueles que alcanam o equilbrio de uma linguagem clara eobjetiva para perceber o que parece, sem recus-lo, mas julgando-o com o objetivo deantecipar sua evoluo no universo literrio.

    Eis o que se pode esperar da crtica literria brasileira, neste incio de milnio.

    21SANTIAGO, Silviano. Por uma literatura nos Trpicos. So Paulo: Perspectiva, 1973.