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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARIA BARDINI BITTENCOURT CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E A LEI DE BIOSSEGURANÇA: Análise da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3510 São José 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

MARIA BARDINI BITTENCOURT

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E A LEI DE BIOSSEGURANÇA: Análise da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3510

São José

2008

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MARIA BARDINI BITTENCOURT

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E A LEI DE BIOSSEGURANÇA: Análise da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3510

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior.

São José 2008

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MARIA BARDINI BITTENCOURT

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E A LEI DE BIOSSEGURANÇA: Análise da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3510

Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração:

São José, ___ de novembro de 2008.

Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior UNIVALI – Campus de

Orientador

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, ___ novembro de 2008.

Maria Bardini Bittencourt

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RESUMO

A presente pesquisa se insere no debate em torno da constitucionalidade do art. 5º da Lei n. 11.105/05, ou seja, na discussão sobre a utilização de embriões humanos, criopreservados, em terapias e pesquisas científicas autorizadas pela chamada Lei de Biossegurança, tendo como principal objetivo analisar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, proposta pela Procuradoria Geral da República, com o fito de ver declarada a inconstitucionalidade do dispositivo acima referido. O método utilizado foi o dedutivo, partindo-se do raciocínio de que os embriões humanos criopreservados não podem ser equiparados e tampouco considerados pessoa humana, razão pela qual sua utilização na medicina diagnóstica e terapêutica não pode ser considerada violação ao princípio de proteção à vida ou da dignidade da pessoa humana. A técnica de pesquisa utilizada foi à documentação indireta, utilizando-se fontes primárias e secundárias. Com a finalização da pesquisa concluiu-se que os embriões humanos, muito embora não possam ser considerados pessoas em sentido pleno, são dotados de dignidade própria não podendo por isso, quando introduzidos em um útero feminino, serem tratados como um mero amontoado de células. Apesar de não serem titulares de direito, são destinatários de proteção jurídica por parte do Estado, em razão da potencialidade que possuem em se tornar um novo ser. A pesquisa demonstrou também que os experimentos com células-tronco embrionárias têm se mostrado extremamente promissores em todo mudo, motivo que justificaria a utilização dos embriões criopreservados nas pesquisas, já que, segundo os inúmeros estudos realizados, o processo de congelamento afeta sua capacidade de desenvolvimento em um novo ser humano mesmo que venha a ser implantado em um corpo feminino e, em razão disso, seu destino final seria o inevitável descarte. O Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela constitucionalidade do dispositivo, definindo vida humana, revestida de personalidade, como aquela que transcorre entre o nascimento com vida e a morte, afirmando que tal assertiva não fere qualquer preceito constitucional. Na análise da decisão foram observadas as possíveis conseqüências que os fundamentos do julgado proferido podem trazer à sociedade, tanto no que tange a utilização de células-tronco embrionárias, quanto em outras situações jurídicas em que a vida, como bem jurídico tutelado pelo estado, está envolvida, fazendo-se ainda breves considerações acerca da abertura concedida pelo Supremo Tribunal Federal para participação da sociedade nos debates que são travados na Suprema Corte e também das advertências feitas por alguns dos ministros em relação ao controle e supervisão estatal em relação à manipulação das células-tronco embrionárias. Palavra-chave: embriões humanos criopreservados; células-tronco embrionárias; manipulação genética; proteção da dignidade humana.

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ABSTRACT

This research is on whether or not Article 5 of the Law 11.105/05 is constitutional. This article deals with the use of cryopreserved human embryos in therapies and scientific researches authorized by the Bio security law. Its main aim is to analyze the decision taken by the Supreme Court in the trial of the Unconstitutionality Direct Action 3510, proposed by the State Prosecution, aiming to declare the unconstitutionality of the article mentioned above. In this research, the deductive method was used as in considering that cryopreserved human embryos cannot be compared or even thought of as being human beings at all, therefore, their use in preventive and therapeutic medicine must not be regarded as a violation of the principle of life protection nor of anyone’s dignity. Indirect documentation was utilized as research technique as well as primary and secondary sources. Upon finishing the research, it was been concluded that human embryos, although not being considered people in the very sense of the word, do have their own dignity and cannot, therefore, be treated as a mere clustering of cells. Despite not having titular rights, they are legally protected by the State due to their potentiality of eventually becoming a whole new being. The research has also pointed out that the experiments with embryonary stem cells have been highly promising all over the world. This would justify the use of cryopreserved embryos in researches, since, according to many researches, the freezing process affects their capability of ever evolving into a new human being even if introduced in a feminine body, and thus, would inevitably end up being discarded. The Supreme Court has ruled the constitutionality of the article, defining human life, provided with personality, as spanning from birth to death, hence, stating that the aforementioned article does not go up against any constitutional concept. In the decision analyses, the possible consequences of ruling in favor of the article were observed, not only regarding the embryonary stem cells, but also other legal instances in which life, as a legal term protected by the State, is concerned. Some general observations were also made regarding Supreme Court’s allowing society to participate in the debates held in the Supreme Court and also in the warnings issued by some ministers on the State control and supervision of embryonary stem cells handling.

Key-words: human embryos cryopreserved; embryonary stem cells; genetic manipulation; human dignity protection.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................8

1. TUTELA JURÍDICA DO DIREITO À VIDA......................................................10

1.1. ABORDAGEM LIBERAL CLÁSSICA: DIREITOS DO NASCITURO E DIREITOS DA PERSONALIDADE ............................................................................10

1.2. DELIMITAÇAO DO INÍCIO DA VIDA COMO OBJETO DE PROTEÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..............................................................16

1.3. DA MANIPULAÇÃO DA VIDA: A BIOÉTICA COMO DEMARCADORA DOS LIMITES ÉTICOS AOS AVANÇOS CIENTÍFICOS....................................................22

1.4. DA NECESSIDADE DE DISCUSSÃO DO INÍCIO DA VIDA A PARTIR DE UMA DETERMINADA CONCEPÇAO DE DIGNIDADE HUMANA ............................26

2. MANIPULAÇÃO GENÉTICA E UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS ......................................................................................................30

2.1. CÉLULAS-TRONCO: CONCEITO E SUAS PERSPECTIVAS CURATIVAS E TERAPÊUTICAS.......................................................................................................31

2.2. CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E A QUESTÃO DO EMBRIÃO EXCEDENTE ............................................................................................................35

2.3. A LEI DE BIOSSEGURANÇA E A EFETIVA REGULAMENTAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DAS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS COM FINS DE PESQUISA ................................................................................................................40

3. ANÁLISE DO DEBATE EM TORNO DA ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.105/2005 (ADI N. 3510).......................48

3.1. DESCRIÇÃO DO AJUIZAMENTO DA ADI E DOS ENCAMINHAMENTOS LEVADOS A EFEITO PELO STF..............................................................................49

3.2. A ABERTURA DO DEBATE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL À SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA...........................................................................59

3.3. O DEBATE EM TORNO DO INÍCIO DA VIDA: PERSPECTIVAS FUTURAS. 62

3.4. AS ADVERTÊNCIAS FEITAS PELO STF EM RELAÇÃO AO CONTROLE E SUPERVISÃO ESTATAL EM RELAÇÃO À MANIPULAÇÃO DAS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS ......................................................................................67

CONCLUSÃO ...........................................................................................................71

REFERÊNCIAS.........................................................................................................74

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa se insere no debate em torno da constitucionalidade do

art. 5º da Lei n. 11.105/05, ou seja, na discussão sobre a utilização de embriões

humanos, criopreservados, em terapias e pesquisas científicas autorizadas pela

chamada Lei de Biossegurança, tendo como principal objetivo analisar a decisão

proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 3510, proposta pela Procuradoria Geral da República, com o

fito de ver declarada a inconstitucionalidade do dispositivo acima referido.

O método utilizado foi o dedutivo, partindo-se do conceito de dignidade

humana e na delimitação da projeção dos seus efeitos na proteção da vida humana

intra-uterina, serão construídas as bases da definição do status jurídico dos

embriões humanos crio-preservados. Esta perspectiva desenvolvida ao longo dos

capítulos iniciais, subsidiará a análise teórica dos argumentos jurídicos sustentados

na referida decisão judicial e possibilitará a formulação de algumas inferências sobre

os possíveis desdobramentos que esta decisão pode gerar. A técnica de pesquisa

utilizada foi à documentação indireta, utilizando-se fontes primárias e secundárias.

No primeiro capítulo, será abordada a tutela jurídica do direito à vida, que,

como valor fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, já foi objeto de imensas

discussões no plano teórico e científico. Até hoje, em que pesem às inúmeras

discussões travadas sobre o tema, não se conseguiu chegar a um consenso sobre o

que é vida, vida humana e pessoa humana em potencial, permeando tais

indagações, além das comunidades médicas e jurídicas, também as esferas

religiosas e filosóficas.

Neste sentido, inicialmente, será feita uma abordagem sobre a teoria liberal

clássica sobre o início da personalidade, ou seja, sobre os direitos do nascituro e o

início da personalidade. Em seguida, buscar-se-á estabelecer os parâmetros para a

delimitação do início da vida objeto de proteção pelo ordenamento jurídico brasileiro,

a partir de alguns princípios traçados pela bioética e, sobretudo, pelo acolhimento de

determinada concepção de dignidade humana.

No segundo capítulo, por sua vez, serão abordadas as questões atinentes à

manipulação genética e a utilização de células-tronco embrionárias em terapias e

pesquisas científicas, procurando-se demonstrar quais os benefícios que o início das

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pesquisas nos laboratórios brasileiros podem trazer a sociedade a curto e a longo

prazo e também, além do que, os fundamentos a partir dos quais se sustenta neste

trabalho que a permissão concedida pela lei não fere qualquer preceito

constitucional em razão das condições de viabilidade que os embriões que serão

utilizados nas pesquisas. Portanto, após a conceituação das células-tronco

embrionárias e apresentação de suas perspectivas curativas e terapêuticas, será

abordada a questão do embrião excedente, dando-se enfoque a sua origem e as

suas condições de viabilidade e, por fim, será ressaltado o contexto em que surgiu a

Lei 11.105/05 e o que pretendia o legislador quando autorizou as pesquisas.

Por derradeiro, no capítulo terceiro, será feita a análise da decisão proferida

pelo Supremo Tribunal Federal, descrevendo-se toda a trajetória de tramitação da

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510 e os impactos que a mesma trará ao

ordenamento jurídico brasileiro em outros temas em que a vida é o objeto central de

discussão. Serão analisadas as diferentes razões apresentadas no julgamento,

inclusive, as ressalvas feitas por alguns magistrados que propunham fosse atribuída

interpretação conforme à Constituição do referido dispositivo, por considerarem a

proteção destinada pela lei insuficiente.

De igual forma será destacada a abertura do debate no Supremo Tribunal

Federal à sociedade civil organizada, com a análise dos encaminhamentos levados

a efeito pela Suprema Corte, tanto a partir da análise da participação das instituições

habilitadas como amici curiae, como também da audiência pública realizada no STF.

Outrossim, serão apontados possíveis desdobramentos da decisão em relação à

intricada (e polêmica) questão relativa aos limites da intervenção estatal no domínio

da vida e do alcance da proteção jurídica da vida intra-uterina.

Como já ressaltado nas linhas iniciais a questão posta em debate é

extremamente controversa e se de um lado figura como a única esperança de

pessoas que foram acometidas por moléstias graves e que tem no desenvolvimento

das pesquisas uma última chance de cura, de outro põe a prova alguns

posicionamentos que pareciam já estar consolidados em nossa sociedade, o que por

si só é capaz de demonstrar a importância do julgado, não apenas considerando os

benefícios que as pesquisas podem proporcionar a saúde humana de modo geral,

mas também por que a definição da vida como bem jurídico tutelado pelo Estado,

pode, de alguma forma, interferir nas demais questões em que a mesma é discutida.

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1. TUTELA JURÍDICA DO DIREITO À VIDA.

A discussão sobre o início da vida é há muito tempo realizada, no entanto,

até o dias atuais, jamais se conseguiu chegar a um consenso que atendesse os

apelos da ciência, da religião e da filosofia, razão pela qual assuntos que envolviam

o tema foram sendo resolvidos sem que qualquer definição consistente fosse

efetivada. Prova disso é que a própria Constituição Federal, muito embora pregue a

inviolabilidade do direito à vida, não definiu a partir de que a momento tal

inviolabilidade deveria ser assegurada.

Como já destacado no texto introdutório, o art. 2º do Código Civil determina

que o nascimento com vida é o marco inicial para o surgimento da personalidade,

adotando, ao menos aparentemente, a teoria natalista, contudo, a ressalva existente

no mesmo dispositivo, que põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro,

mostra que a entidade pré-natal é dotada de proteção por parte do Estado, proteção

esta que não pode ser ignorada.

Nas linhas que seguem, serão destacadas as principais teorias existentes

acerca do início da vida e da personalidade, dando-se um maior enfoque a

abordagem liberal clássica, que trata sobre os ditos direitos assegurados ao

nascituro e dos direitos de personalidade, procurando-se ainda indicar qual seria o

ponto delimitador para caracterização do início da vida como objeto de proteção pelo

ordenamento jurídico brasileiro, valendo-se da bioética para estabelecer quais são

os limites éticos aos avanços científicos, discutindo o tema, ao final, a partir de uma

determinada concepção de dignidade humana.

1.1. ABORDAGEM LIBERAL CLÁSSICA: DIREITOS DO NASCITURO E

DIREITOS DA PERSONALIDADE

No âmbito da legislação civil, a questão sobre o início da vida e da sua

proteção jurídica se processa, sobretudo, no debate em torno do reconhecimento da

personalidade jurídica e das questões correlatas associadas aos direitos de

personalidade. De acordo com as determinações legais hoje existentes, só podem

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ser considerados titulares de direitos os indivíduos/entes dotados de personalidade

jurídica1.

Em relação ao termo inicial da personalidade jurídica, o art. 2º do Código

Civil é claro ao afirmar que “a personalidade civil começa com o nascimento com

vida”, reconhecendo de maneira aparentemente irretorquível, a teoria natalista,

todavia, a parte final deste mesmo dispositivo estabelece uma ressalva, segundo a

qual são postos a salvo, “desde a concepção os direitos dos nascituros”. Ora, como

podem ser reconhecidos autênticos “direitos” aqueles ainda não dotados de

personalidade civil?

Grande parte da doutrina e da jurisprudência afirma que, para a legislação

brasileira, possuir personalidade jurídica significa ser titular de direitos e obrigações,

o que em nosso ordenamento só acontece a partir do nascimento com vida, não

fazendo o diploma legal qualquer ressalva acerca da viabilidade do infante ou tempo

de vida após o nascimento (DINIZ, 2006, p. 197).

Em países como a França e a Holanda, por exemplo, é necessário que o

recém-nascido seja considerado viável, ou seja, apto para vida, só adquirindo

personalidade após a constatação de tal condição. Na Espanha, por sua vez, há a

exigência de que o feto possua forma humana e viva no mínimo vinte e quatro

horas, enquanto na Argentina e na Hungria a concepção dá início à personalidade

(DINIZ, 2006, p.196/197).

As diferentes teorias adotadas pelos mais variados países, deixa à calva o

quão controversa é a questão e como o legislador brasileiro preferiu, de certa forma,

adotar solução simplificada que não deixasse margem a incertezas, exigindo para

aquisição da personalidade que o feto apenas nasça com vida, mesmo que venha a

falecer instantes após o nascimento (DINIZ, 2006, p. 197).

Existem na doutrina brasileira três correntes tradicionais, quais sejam: a

natalista, que afirma que a personalidade inicia no nascimento com vida,

aparentemente adotada por nossa legislação; a da personalidade condicional, que

afirma que a personalidade começa com a concepção, com a condição do

nascimento com vida; e a concepcionista, que sustenta que a personalidade inicia

com a concepção (ALMEIDA, 2000, p.145).

1 Segundo Sílvio Rodrigues (2002, p.35), “afirmar que o homem tem personalidade é o mesmo que dizer que tem capacidade para ser titular de direitos. Tal personalidade se adquire com o nascimento com vida, conforme determina o art. 2º do Cód. Civil.

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Como anteriormente mencionado, a teoria adotada pelo Código Civil

Brasileiro, segundo a imensa maioria dos doutrinadores, é a natalista, acreditando

estes que a personalidade inicia no nascimento com vida, sendo adeptos desta

teoria civilistas como Paulo Carneiro Maia, Vicente Ráo, Silvio Rodrigues, João Luiz

Alves, Eduardo Espínola e Sady Cabral Gusmão (ALMEIDA, 2000, p.145).

Silvio da Salvo Venosa (2004, p.160) expõe seu entendimento sobre o tema:

A questão do início da personalidade tem relevância por que, com a personalidade, o homem se torna sujeito de direitos. O ordenamento brasileiro poderia ter seguido a orientação do Código francês que estabelece começar a personalidade com a concepção. Em nosso código, contudo, predominou a teoria do nascimento com vida para início da personalidade.

Arnoldo Wald (2003, p. 118) não diverge:

Atualmente, toda pessoa, desde o nascimento até a sua morte, é considerada capaz de direito. O direito pátrio exige tão somente o nascimento com vida, não se referindo aos requisitos romanísticos de viabilidade e de forma humana, que são mantidos em algumas legislações estrangeiras. Todo indivíduo que chegou a desvincular-se do corpo materno, tendo vida própria, é sujeito de direito, mesmo se vier a falecer algumas horas depois, ou se a sua constituição não for normal. A prova da vida do recém-nascido é feita geralmente pelo exame médico comprobatório da respiração própria, podendo, todavia, ser provada pelo choro da criança ou por certos movimentos que ela tenha feito.

Nestes termos, na legislação pátria, o nascimento com vida dá origem à

personalidade, o que confere ao recém-nascido a condição de titular de direitos e

obrigações na ordem civil, possuindo, a partir de então, entre outros, direitos à vida,

à identidade, à liberdade, à imagem, à privacidade e à honra. Nas palavras de Silvio

Rodrigues (2002, p.35), “afirmar que o homem tem personalidade é o mesmo que

dizer que ele tem capacidade para ser titular de direitos e tal personalidade se

adquire com o nascimento com vida”.

Maria Helena Diniz (2006, p.121) segue no mesmo sentido: (...) a personalidade é o que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir e ordenar outros bens.

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Para os adeptos desta teoria, a ressalva existente no art. 2º do Código Civil,

confere ao ser concebido apenas uma espécie de expectativa de direito em razão da

expectativa de personalidade. A proteção estatal que assegura direitos do nascituro,

e até mesmo a que pune o aborto em determinadas situações, advém, segundo os

argumentos por eles utilizados, desta expectativa de personalidade. Para eles

enquanto o ser não é separado do ventre materno, não há como considerá-lo

pessoa, eis que não possui existência própria. Não sendo pessoa, não possui

personalidade e não pode ser considerado sujeito de direitos e obrigações,

merecendo por parte do Estado apenas proteção e não titularidade de direitos

(CHAVES, 2000, p. 25).

Pontes de Miranda, citado por Benedita Inez Lopes Chaves (2000, p.34), ao

discutir o tema, no mesmo sentido, sustenta que a criança no ventre materno não

pode ser considerada pessoa, eis que, se não nascer viva, jamais será titular de

direitos e obrigações. Ao discorrer seus argumentos, acredita ser acertada a posição

adotada pelo legislador brasileiro, uma vez que é necessário aguardar o nascimento

para que se verifique a implementação dos direitos assegurados na legislação civil.

Afirma de maneira peremptória que a personalidade só inicia quando o nascimento

com vida se consuma.

Por outro lado, as outras duas teorias tradicionais existentes – personalidade

condicional e concepcionista - afirmam que a personalidade jurídica possui outro

marco inicial, sustentando, de certa forma, a fragilidade do dispositivo existente no

Código Civil, quando este põe a salvo, de maneira expressa, os ditos direitos

assegurados ao nascituro, apesar de não lhe conferir personalidade.

A teoria da personalidade condicional sustenta que o feto concebido possui

somente expectativa de direito, sendo uma verdadeira pessoa em formação, não

podendo a lei, por tal razão, ignorá-lo, o que faz com que lhe assegure determinados

direitos, contudo, para que ditos direitos realmente se concretizam o nascimento

com vida é condição que se impõe. Neste contexto, o nascituro nada mais é do que

uma pessoa condicional (ALMEIDA, 2000, p. 149).

Esta teoria, adotada por Clóvis Beviláqua, reconhece a personalidade desde

a concepção, contudo, exige a condição do nascimento com vida para que o feto

possa ser titular dos direitos a ele assegurados e também das obrigações impostas

pelo ordenamento jurídico (CHAVES, 2000, p. 25).

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Silmara J.A. Chinelato e Almeida (2000, p. 149), ao lecionar sobre o tema,

assevera: [...] o evento futuro e incerto a que está subordinada a eficácia do ato jurídico tendo por sujeito o nascituro é o nascimento com vida; enquanto essa condição não se verificar, não terá o seu titular adquirido o direito colimado pelo ato jurídico. Durante a gestação o nascituro tem a proteção da lei, que lhe garante certos direitos personalíssimos e patrimoniais, sujeitos a uma condição suspensiva. (...) Nascendo com vida, verifica-se o implemento da condição, e os direitos que adquirira, por atos cuja eficácia dependeria do seu nascimento com vida, integrarão definitivamente seu patrimônio, mesmo se vier a falecer logo a seguir. Nascendo sem vida, nada adquire, por serem nulos de pleno direito os atos praticados em seu benefício e pelo que nada transmite.

Neste contexto, o nascituro passa a figurar como titular de direitos em

condição suspensiva, que somente será resolvida caso o mesmo atenda à condição

imposta para aquisição dos direitos.

A teoria concepcionista, ou verdadeira concepcionista como alguns a

denominam, por sua vez, reconhece a personalidade desde a concepção, afirmando

que a existência humana inicia no ato de conceber no útero, sendo o feto, já a partir

deste momento, titular de direitos e digno de proteção estatal (TAVARES, 2006, p.

492).

Para os que seguem este raciocínio não é necessário o implemento de

qualquer outra condição para conferir ao ser concebido o status de pessoa em

potencial. Contraponhem-se a teoria da personalidade condicional afirmando que a

condição do nascimento com vida tem relevância apenas no que tange ao aspecto

patrimonial, eis que o direito de nascer e a proteção à vida afiguram-se presentes

desde o momento da concepção, até porque, se o nascituro não fosse pessoa em

potencial não poderia, de forma alguma, ser titular de direitos. Sustentam de

maneira bastante contundente que se a legislação brasileira realmente tivesse

adotado os argumentos da teoria natalista não haveria fundamentação legal para

punição do aborto ou qualquer proteção legal ao nascituro, fazendo assim referência

à ressalva existente no art. 2º do Código Civil (CHAVES, 2000, p. 26).

Adepta da teoria concepcionista, Silmara J.A. Chinelato e Almeida, citada

por Benedita Inez Lopes Chaves (2000, p.29), ressalta que quando a discussão

versa sobre os direitos do nascituro, os conceitos de personalidade e capacidade

não podem se confundir, tendo em vista que, neste caso, apenas a capacidade é

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condicional. A referida jurista entende que a teoria da personalidade condicional

peca neste sentido, já que a personalidade inicia com a concepção, razão que

motiva e assegura inúmeros direitos ao nascituro, e a capacidade para exercer

determinados direitos – patrimoniais e sucessórios de modo geral – é que inicia

apenas com o nascimento com vida.

A aludida teoria, como já mencionado, também questiona a redação do

dispositivo existente no Código Civil, ressaltando que a parte inicial do art. 2º vai de

encontro com sua parte final, já que inicialmente este afirma que a personalidade,

momento em que o ser passa a ser titular de direitos e obrigações, inicia apenas

com o nascimento com vida e sua parte final assegura direitos ao nascituro desde o

momento da concepção.

Gastão Grossé Saraiva, citado por Benedita Inez Lopes Chaves (2000,

p.29), também adepto da teoria concepcionista, ao comentar o dispositivo legal

acima indicado salienta que:

A respeito da primeira informação entende que o feto vive desde a concepção, faltando-lhe apenas a existência individual, pois o nascituro tem personalidade jurídica e é titular de direitos porque não se concebe, em um instituto jurídico, direitos sem sujeito. Quanto à segunda parte, entende que a verdadeira figura jurídica do nascituro é a de titular de direitos, subordinada a uma condição suspensiva, evento futuro e incerto, que é o nascimento com vida e, enquanto esta condição não se verificar, não adquirirá o direito objetivado pelo ato jurídico.

Conclui o autor que a única forma de conciliar a realidade com o texto legal é

atribuindo personalidade jurídica ao nascituro, estabelecendo-se como marco inicial

para início da personalidade o momento da concepção.

Em que pesem os argumentos sustentados pelas outras teorias, bem como

as divergências e incongruências existentes no diploma legal atualmente vigente, o

entendimento pelo uso dos argumentos da teoria natalista é o que prevalece e,

tendo a legislação vigente estabelecido como ponto de partida o nascimento com

vida para aquisição da personalidade, onde só então o infante passa a ser sujeito de

direitos e obrigações, não pode o nascituro ser considerado pessoa detentora de

direitos, já que, apesar de figurar como um ser já concebido, ainda encontra-se no

ventre materno, não lhe conferindo a lei personalidade, mas apenas expectativa de

direito, considerando a possibilidade de seu provável nascimento com vida.

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Neste ínterim, o ser concebido possui apenas proteção estatal em razão da

expectativa de direito que possui, não podendo ser considerado ente dotado de

personalidade, uma vez que, mesmo que esta existisse, seria condicional e estaria

condicionada ao nascimento com vida (WALD, 2003, p. 118).

Desta sorte, o feto que não nasce com vida não adquire personalidade e

nem se torna pessoa, não sendo considerado por tal razão sujeito de direitos

enquanto estava no ventre materno. Para que seja considerado sujeito de direitos é

necessário que se torne antes de tudo pessoa perante a ordem civil (COELHO,

2003, p.145).

Assim sendo, apesar de possuir o nascituro proteção legal, nem de longe se

pode imaginar que a lei lhe confere a personalidade intrínseca à pessoa humana

sujeita de direitos e obrigações, já que o fato de possuir capacidade para alguns

atos não leva a tal conclusão, existindo apenas o que o ordenamento vigente

denomina de expectativa de direito (VENOSA, 2004, p. 162).

Denota-se que o marco estabelecido pela legislação brasileira possui como

fito principal assegurar os direitos do feto após o nascimento, principalmente no que

tange ao direito patrimonial e sucessório, motivo que levou o legislador a afirmar que

a personalidade jurídica inicia com o nascimento com vida, assegurados os direitos

do nascituro desde a concepção.

A proteção jurídica acima referida confere a vida pré-natal, quando existente

dentro de um útero feminino, o direito de se desenvolver de maneira contínua e

ininterrupta e, naturalmente, após o desenvolvimento, o direito de nascer, derivando

tal proteção não de sua suposta condição de pessoa, mas sim da potencialidade que

possuí em se tornar pessoa após o nascimento. Tal potencialidade é suficiente para

que haja proteção, ainda que infraconstitucional, de seu regular desenvolvimento,

protegendo-o das tentativas de obstar sua natural continuidade fisiológica (STF, ADI

3510, Min. Carlos Britto, 20082).

1.2. DELIMITAÇAO DO INÍCIO DA VIDA COMO OBJETO DE PROTEÇÃO PELO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

2 Assertiva retirada do voto do Ministro Carlos Ayres Britto no julgamento da ADI 3510. Disponível em http://www.stf.gov.br/portal/cms/listarNoticiaSTF.asp

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Não restando ainda definido de modo uniforme e universal qual o momento

exato do início da vida humana, muitas foram às teorias que surgiram com a

intenção de colocar limite à proteção do Estado. No entanto, independentemente da

teoria adotada, pode-se afirmar que é indiscutível a proteção jurídica do nascituro

assegurada pelo ordenamento jurídico, situação esta que gera novamente o

questionamento: Quando começa a vida humana objeto de proteção pelo

ordenamento jurídico?

A inviolabilidade do direito a vida está assegurada no art. 5º da Constituição

Federal, preconizando tal dispositivo que “todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade”, estando desta sorte no rol dos direitos e garantias

fundamentais.

Não obstante, considerando que os tratados que versam sobre matéria

atinente aos direitos humanos possuem no Brasil caráter supralegal ou, até mesmo,

dignidade constitucional (STF, ADI 3510, Ministro Ricardo Lewandowski, 2008)3, o

Pacto de San José da Costa Rica4, devidamente ratificado pelo Brasil em 25 de

setembro de 1992, também revela-se expresso na intenção de proteger o direito à

vida, afirmando em seu art. 4º que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua

vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da

concepção”.

Muito embora o tratado supracitado sustente que o bem jurídico vida deva

ser tutelado pelo Estado desde a concepção, o legislador brasileiro, quando da

reforma do Código Civil no ano de 2002, continuou afirmando que a personalidade

jurídica, momento em que o ser se torna sujeito de direitos e obrigações, tem início

apenas com o nascimento com vida e a incongruência entre os dois diplomas legais

acirrou ainda mais a discussão sobre a partir de qual momento a proteção estatal

deveria atuar.

3 Assertiva retirada do voto do Ministro Ricardo Lewandowski no julgamento da ADI 3510. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/cms/listarNoticiaSTF.asp 4 Também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, criada em 22 de novembro de 1969. Teve como objetivo consolidar, entre os países signatários, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais.

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Destaca-se que ambas as teorias, a natalista, aparentemente adotada pelo

Código Civil, e a concepcionista, aparentemente adotada pelo Pacto de San José da

Costa Rica, convergem no sentido de reconhecer que a vida humana intra-uterina é

objeto de proteção estatal, independente de uma conferir-lhe personalidade e da

outra negar-lhe.

A divergência entre ambas é, além de uma conferir direitos e outra conferir

tão somente proteção jurídica a vida pré-natal, o momento em que tal proteção – ou

direito, para teoria concepcionista – deve começar a ser tutelado pelo Estado.

Tentando-se encontrar uma solução jurídica para situação apontada,

destacou-se no tópico anterior entre as teorias mais difundidas, a teoria da

personalidade condicional e a teoria natalista, amplamente utilizadas para definição

do marco inicial do início da personalidade jurídica, contudo, algumas outras existem

e levantam novas teses acerca do exato momento do início da vida, levando em

consideração o inequívoco desenvolvimento científico.

Neste novo cenário, o vernáculo vida apesar de, em sentido lato, significar

algo natural, hoje já não pode ser entendido de maneira tão restrita, eis que, ante o

significativo avanço científico, e a possibilidade de manipulação em laboratório, fez

com seu controle deixasse de ser unicamente natural, conferindo ao homem

poderes anteriormente desconhecidos (FABRIZ, 2003, p. 87). Por tais razões,

quando do estudo do limite da proteção estatal para o bem jurídico vida não se pode

deixar de levar em consideração o homem e sua dignidade, pondo-se assim limites

também à atividade humana, interpretando-se os diplomas legais hoje existentes de

maneira mais abrangente, uma vez que, quando redigidos, o avanço científico não

era tão expressivo e o legislador não possuía informações que hoje são de fácil

acesso.

Do ponto de vista biológico, o conceito do início da vida, decorre de

conhecimentos de reprodução humana, baseados na embriologia e na fisiologia da

gravidez. Para André Ramos Tavares, pode-se afirmar que “início desse direito é

uma questão biológica. Nesse cenário, contudo, há várias teorias: teoria da

concepção, teoria da nidação, teoria da implementação do sistema nervoso (...)”.

(TAVARES, 2006, p.491)

As teorias natalista e da personalidade condicional já foram discutidas no

tópico anterior, não merecendo aqui novo destaque, eis que não fazem qualquer

discussão biológica acerca do início da vida, no entanto, as demais teorias indicadas

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travaram um debate científico sobre o marco inicial para proteção de tal direito,

sustentando diversos argumentos para demarcar o efetivo início da vida.

Os ainda adeptos da teoria da concepção sustentam que o embrião, desde o

momento da concepção, é um ser humano em sua fase inicial, já sendo dotado de

todas as características que lhe acompanharão ao longo da vida, considerando

violação expressa aos preceitos constitucionais hoje existentes qualquer tipo de

violação ou intervenção humana após a união dos gametas masculinos e femininos.

Dernival da Silva Brandão5, citado pelo Procurador Geral da República,

quando do ajuizamento da ADI 3510, ao discorrer sobre o tema afirma que:

O embrião é o ser humano na fase inicial de sua vida. É um ser humano em virtude de sua constituição genética específica própria e de ser gerado por um casal humano através de gametas humanos – espermatozóide e óvulo. Compreende a fase de desenvolvimento que vai desde a concepção, com a formação do zigoto na união dos gametas, até completar a oitava semana de vida. Desde o primeiro momento de sua existência esse novo ser já tem determinado as suas características pessoais fundamentais, como sexo, grupo sanguíneo, cor da pele e dos olhos, etc. É o agente do seu próprio desenvolvimento, coordenado de acordo com o seu próprio código genético. [...] O cientista Jerône Lejeune, professor da universidade de René Descartes, em Paris, que dedicou toda a sua vida ao estudo da genética fundamental, descobridor da Síndrome de Dawn (mongolismo), nos diz: Não quero repetir o óbvio, mas, na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano estão presentes. A fecundação é o marco inicial da vida. Daí pra frente qualquer método artificial para destruí-la é um assassinato. [...] A ciência demonstra insofismavelmente – com os recursos mais modernos – que o ser humano, recém fecundado, tem já seu próprio patrimônio genético e se próprio sistema imunológico diferente da mãe. É o mesmo ser humano - e não outro- que depois se converterá em bebê, criança, jovem, adulto e ancião. O processo vai se desenvolvendo suavemente, sem saltos, sem nenhuma mudança qualitativa. Não é cientificamente admissível que o produto da fecundação seja nos primeiros momentos somente uma matéria germinante. Aceitar, portanto, que depois da fecundação existe um novo ser humano, independente, não é uma hipótese metafísica, mas uma evidência experimental. Nunca se poderá falar em embrião como de uma pessoa em potencial que está em processo de personalização e que nas primeiras semanas pode ser abortada. Por quê? Poderíamos perguntar-nos: em que momento, em que dia, em que semana começa a ter qualidade de um ser humano? Hoje

5 Dernival da Silva Brandão é especialista em Ginecologia e membro da Academia Fluminense de Medicina.

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não é; amanhã já é. Isto, obviamente, é cientificamente absurdo.” (PGR, ADI 3510, Petição Inicial, 20056)

Dalton Luiz de Paula Ramos7, também citado pela Procuradoria na peça

processual acima referida, segue no mesmo sentido asseverando que: Os biólogos empregam diferentes termos – como por exemplo zigoto, embrião, feto, etc. – para caracterizar diferentes etapas da evolução do óvulo fecundo. Todavia esses diferentes nomes não conferem diferentes dignidades a essas diversas etapas. Mesmo não sendo possível distinguir nas fases iniciais os formatos humanos, nessa nova vida se encontram todas as informações, que se chama código genético, suficientes para que o embrião saiba como fazer para se desenvolver. Ninguém mais, mesmo a mãe, vai interferir nesses processos de ampliação do novo ser. A mãe, por meio de seu corpo, vai oferecer a essa nova vida um ambiente adequado (o útero) e os nutrientes necessários. Mas é o embrião que administra a construção e executa a obra. Logo, o embrião não é da mãe, ele tem vida própria. O embrião esta na mãe, que o acolhe pois o ama. Não se trata de um simples amontoado de células. O embrião é vida humana. A partir do momento que, alcançado maior tamanho e desenvolvimento físico, passamos a reconhecer aqueles formatos humanos (cabeça, tronco, mãos, e braços, pernas e pés, etc.), podemos chamar essa nova vida de feto. (PGR, ADI 3510, Petição Inicial, 2005)

Como visto, para os defensores desta teoria, a vida inicia quando o ovócito é

fertilizado pelo espermatozóide, momento em o desenvolvimento humano é

desencadeado em uma sucessão de eventos biológicos, considerando tais eventos

como fases do desenvolvimento pelo qual todo ser humano é submetido. Na vida

intra-uterina, necessariamente, o novo ser será inicialmente um ovo, depois uma

mórula, na seqüência um blastocisto, após um feto e depois um bebê (PGR, ADI

3510, Petição Inicial, 2005).

A teoria da implementação do sistema nervoso, por sua vez, exige o

surgimento dos primeiros rudimentos do sistema nervoso, o que acontece entre o

décimo quinto e o quadragésimo dia do desenvolvimento embrionário (TAVARES,

2006, p. 501), sustentando que o conceito de vida poderia ser definido tendo como

parâmetro o conceito de morte estabelecido no art. 3º da Lei 9.434/97, conhecida 6 Assertiva retirada da petição inicial apresentada pela Procuradoria Geral da República quando do ajuizamento da ADI 3510. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/processo/ve rProcessoAndamento.asp?numero=3510&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M 7 Dalton Luiz de Paula Ramos é docente pela Universidade de São Paulo, professor de Bioética na USP e membro do Núcleo Interdisciplinar de Bioética da UNIFESP.

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como Lei dos Transplantes, e tecnicamente definido pela Resolução 1480/97 do

Conselho Federal de Medicina. O aludido conceito afirma que a morte se dá no

momento da morte encefálica ou cerebral, instante em que ocorre a cessação total

da atividade neurológica. Assim, estabelecido como conceito de morte o momento

em que ocorre a parada da atividade neurológica, seria perfeitamente possível dizer

que a vida inicia com a formação das primeiras células do sistema nervoso, o que

acontece após o 14º dia da vida embrionária (BARROSO, 2005, p.18).

Mayana Zatz8, ao abordar o tema na primeira audiência pública realizada no

Supremo Tribunal Federal, com intuito de reunir informações científicas para

julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3510, asseverou que: [...] Recordando, todos nós começamos a partir da fecundação de um óvulo, de um óvulo que sobreviveu. É importante lembrar que a fecundação é condição necessária, mas não suficiente para o embrião se desenvolver. Mas, se for bem sucedido, ele começa a se dividir: as células se transformam em duas, duas em quatro, quatro em oito [...] Então, as células desse embrião, até oito, ou talvez dezesseis células, são chamadas de células-tronco totipotentes. Por quê? Por que qualquer uma delas, se inseridas em um útero, são capazes de originar um novo ser. O embrião continua se dividindo e chega à fase de blastocisto, que é no quinto dia, onde se tem sessenta e quatro assentes células e, aí, as células externas já estão comprometidas para formar a placenta e membranas embrionárias, as células internas são as células-tronco pluripotentes, que tem o potencial de formar todos os tecidos do nosso corpo – temos duzentos e dezesseis tecidos – mas não tem mais o potencial de formar uma pessoa. Depois, nós temos a gástrula, com quatorze ou dezesseis dias, então temos três folhetos embrionários: o endoderma, que formará pâncreas, fígado, tireóide, etc., o mesoderma, que forma a medula óssea, músculos, coração e o ectoderma, que formará a pele, neurônios, etc. É só nessa fase que começamos a ter a primeira diferenciação em células nervosas – células nervosas ainda não são tecidos. As células continuam se diferenciando, onde formarão os vários tecidos e, mais tarde, os órgãos. [...]

Patrícia Helena Lucas Pranke, também na audiência pública realizada no

Supremo Tribunal Federal, destacou:

Colocaram-se critérios para definir o que é morte encefálica. E um deles é uma quantia “X” de células do sistema nervoso central – neurônios morrem. Ora, se nós definimos que o critério do ponto final da vida é a morte dessas células, por que não definir que o

8 Mayana Zatz é professora de genética da Universidade de São Paulo e diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano.

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marco zero, inicial da vida, é quando essas células começam a se desenvolver?

Desta sorte, levando em consideração o conceito de morte já estabelecido

na Lei 9.434/97 e de posse da informação cientificamente comprovada de que as

primeiras células nervosas só começam a se diferenciar a partir do 14º dia da vida

embrionária, seria perfeitamente possível, para os adeptos desta teoria, adotar como

marco inicial para o início da vida o momento em que estas células começam a se

desenvolver.

Por fim, a teoria da nidação ou da implantação, que também discute o marco

inicial da vida de um ponto de vista biológico, sustenta que seu início se dá no

momento em que o óvulo, após já estar fecundado, se fixa na parede do útero

materno, pois só a partir deste momento teria condições de se desenvolver

efetivamente.

Os adeptos da teoria concepcionista insurgem-se de maneira contundente

contra esta teoria, afirmando que “a vida humana irrompe e inicia a sua estruturação

somática no exato momento da fecundação, antes, portanto, do ovo implantar-se no

útero” (ALMEIDA, 2000, p. 117).

Prosseguem afirmando que “a nidificação garante, apenas, o

prosseguimento de um processo vital já em andamento, decorrente de seu próprio

poder energético, e a continuidade evolutiva de uma complexa arquitetura citológica,

cujas linhas prévias já lhe chegaram esboçadas do desenho das primeiras divisões

mióticas” (ALMEIDA, 2000, p. 118).

Considerando todos os argumentos colacionados, percebe-se facilmente a

descomunal importância do estabelecimento de um marco para o início da vida, uma

vez que só assim é possível identificar quem é ou não sujeito de direitos e

obrigações ou ainda quem merece ou não proteção estatal. Não há como se olvidar

que os diplomas legais atualmente vigentes datam de uma época em que o avanço

científico não era tão expressivo, motivo que certamente limitava de alguma forma o

conhecimento do legislador. Por este motivo, as leis que atualmente regem nosso

ordenamento devem ser interpretadas de um modo um pouco mais abrangente,

considerando a evolução da sociedade ao longo dos anos.

1.3. DA MANIPULAÇÃO DA VIDA: A BIOÉTICA COMO DEMARCADORA DOS

LIMITES ÉTICOS AOS AVANÇOS CIENTÍFICOS

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A evolução da ciência e os constantes progressos alcançados pela

engenharia genética colocaram a sociedade diante de problemas que ultrapassam

os valores fundamentais anteriormente estabelecidos, ensejando providências legais

imediatas para controlar as atividades exercidas pelos profissionais das áreas

biomédicas, que até então se encontravam vinculados apenas a regras de controle

social de caráter meramente ético e moral (ROBERTI, 2007, p. 81).

Neste cenário, o problema passou a exigir enfrentamento sob vários pontos

de vista que, de um lado, excedem a regulamentação jurídica de cada Estado e de

outro, exigem a compreensão do início da vida para além da preocupação com

direitos patrimoniais e sucessórios de modo geral.

Neste contexto surgiu a bioética, podendo ser entendida como “o complexo

de estudos interdisciplinares que convergem para uma manipulação responsável da

vida humana, ou da pessoa humana, na medida em que se verifica um vertiginoso

progresso das tecnologias aplicadas à saúde” (FABRIZ, 2003, p. 75).

Pode ser encarada também como o estudo das condutas humanas quando o

assunto é vida e humanidade, demarcadora dos limites para pesquisas biomédicas e

fonte de parâmetros norteadores, levando em consideração o perigo da interferência

humana em determinadas áreas.

Sua atuação, muito embora possa não parecer, não se restringe à medicina,

contudo, foi em tal área que adquiriu relevância inicial, existindo registros já no

Juramento de Hipócrates (séculos IV ac.), das primeiras orientações dadas aos

profissionais da área médica quando do atendimento a seus pacientes. Dito

documento, bem como os demais produzidos neste sentido a época e também nos

séculos subseqüentes, tinham como princípios norteadores o primum non nocere

(não causar dano), a santidade da vida e a responsabilidade na relação médico-

paciente (FABRIZ, 2003, p. 81).

Em que pese existam inúmeros documentos históricos que demonstram a

preocupação ética nas ciências da vida, procurando que as condutas sejam sempre

norteadas por certos valores e princípios morais, a bioética nos moldes que

conhecemos é uma área de conhecimento extremamente recente, tendo se

consagrado como disciplina autônoma apenas acerca de meio século (ROBERTI,

2007, p. 63).

Ante a desenfreada evolução científica e os avanços alcançados diariamente

com as mais diversas pesquisas realizadas em todo mundo tornou-se “o mais novo

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ramo da filosofia moral, transdisciplinar, constituindo-se uma fonte e parâmetro de

referência, tanto para o cientista, como para cidadão comum”. (ROBERTI, 2007, p.

63). É regida por três princípios basilares, que buscam de alguma forma estabelecer

um paradigma de reflexão à resolução dos conflitos, sendo eles os princípios da

beneficência, da autonomia e da justiça.

O princípio da beneficência vem do latim bonum facere (fazer o bem) e

indica, de modo geral, a obrigação do profissional da área médica ou do pesquisador

em sempre procurar o melhor resultado para o paciente. Possui como máximas fazer

o bem, não causar dano, cuidar da saúde, favorecer a qualidade de vida e manter o

sigilo médico, sendo de extrema importância quando utilizado para delimitar padrões

de conduta (FABRIZ, 2003, p. 107).

Quando de sua aplicação “deve ser servir como horizonte para uma

normatização jurídica, a fim de que possa ser compreendida em situações

específicas, preceituando e assegurando os direitos e deveres que dizem respeito à

comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa, aos médicos e pacientes, bem

como ao Estado” (FABRIZ, 2003, p. 107).

O princípio da autonomia, por outro lado, preconiza a necessidade de

responsabilização do indivíduo por suas escolhas pessoais, determinando que quem

possui capacidade de escolha deve sempre ter assegurado o direito de decidir as

questões relacionadas a seu corpo e a sua vida (ROBERTI, 2007, p. 64). “Justifica-

se como princípio democrático, no qual a vontade e o consentimento livres do

individuo devem constar como valores preponderantes, visto que tais elementos

ligam-se diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana” (FABRIZ, 2003,

p. 109).

Por fim, o princípio da justiça “é o que traz como norte a imparcialidade que

deve haver quando da distribuição dos riscos e benefícios alcançados com as

pesquisas científicas em seres humanos”, busca acima de tudo levar os benefícios

do desenvolvimento científico a todas as classes sociais. (ROBERTI, 2007, p. 67).

Coloca-se ao lado do princípio da beneficência, eis que visa à distribuição do bem

entre as pessoas. (FABRIZ, 2003, p. 111).

Muito embora as críticas e reflexões realizadas no campo da bioética, com

base em seus princípios norteadores, sempre tenham servido como instrumento de

conduta para comunidade científica, para que as mesmas não passassem de meras

orientações de caráter ético e moral, surgiu o biodireito como instrumento limitador

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dos atos realizados pelas comunidades científicas, consistindo num verdadeiro

remédio jurídico criado para disciplinar os conflitos originados em razão do

progresso científico no que tange à eugenia e à manipulação da vida de modo geral

(ROBERTI, 2007, p. 81).

Os avanços mencionados, até mesmo em razão da velocidade em que as

pesquisas e descobertas científicas caminham, demonstraram o quanto a legislação

existente era falha e lacunosa neste sentido, o que fez com que o legislador

procurasse elaborar novos diplomas para disciplinar as novas descobertas e

técnicas aplicadas.

Volnei Ivo Carlin (1998, p. 99), ao lecionar sobre o tema, assevera:

A velocidade do avanço das ciências biomédicas e as necessidades de uma nova ética capaz de garantir a sobrevivência no planeta, como quer Potter, apanhou o direito de surpresa, como diz Alberto da Silva Franco, e seu equipamento conceitual se revelou inadequado, despreparado e, em algumas situações, até mesmo superado para equacionar os problemas propostos pelo progresso acelerado das ciências biomédicas.

Neste contexto, salta aos olhos a importância da Bioética para discussão

dos problemas éticos suscitados pelas pesquisas biológicas e pelas suas aplicações

por pesquisadores, tendo por principal finalidade fornecer ao direito os valores

humanos que devem ser normatizados pelo legislador (ROBERTI, 2007, p. 62).

Assim sendo, considerando que as pesquisas científicas devem ser

pautadas de acordo com os princípios éticos estabelecidos pelo direito e pela ética

médica, observa-se a necessidade de regulamentação das mesmas.

Neste sentido, expõe com singularidade Maura Roberti (2007, p. 59):

(...) Partindo-se da premissa de que é necessária uma regulamentação das atividades que são desenvolvidas nas pesquisas científicas e parafraseando Vicente Barretto, ela deve obedecer ao critério de uma ‘ética de mínimos’, sendo que os mínimos universais são aqueles valores, determinados pela razão humana – e por essa razão universais – a que se chegam através de um diálogo entre seres livres.

Desta sorte, vislumbra-se o quão imprescindível se faz a “observância de

outros tantos princípios fundamentais da seara ética e legal, vez que as

investigações cientificas empíricas não podem se nortear apenas pela consciência

do pesquisador” (ROBERTI, 2007, p.62).

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A bioética e o biodireito, à medida que centram-se na proteção da vida,

penetram no discurso jurídico a partir da necessidade que se impõe aos Estados

democráticos de direito, de reconhecerem como seu fundamento antropológico o

dever de promoção e proteção da dignidade humana, dever este que, no

ordenamento constitucional brasileiro, é assumido como fundamento do Estado

consagrado no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal. Desta forma, enfrentar

o problema do início e da proteção constitucional, para além das teorias da

personalidade, exige a definição de um conceito de dignidade humana

constitucionalmente adequado.

1.4. DA NECESSIDADE DE DISCUSSÃO DO INÍCIO DA VIDA A PARTIR DE

UMA DETERMINADA CONCEPÇAO DE DIGNIDADE HUMANA

A dignidade da pessoa humana constitui fundamento basilar da ordem

constitucional brasileira e, por conseguinte, do nosso Estado Democrático de Direito,

reconhecendo o legislador que o Estado existe em função da pessoa humana e não

ao contrário (SARLET, 2007, p. 64).

André Ramos Tavares, citando Jorge Miranda e Ataliba Nogueira,

acrescenta que a motivação do legislador brasileiro para incluir a dignidade da

pessoa humana como um dos fundamentos do Estado foi justamente reconhecer o

homem como fundamento e fim da sociedade, sendo o Estado um meio e não um

fim, que tem como finalidade maior preservar a dignidade humana (TAVARES, 2007,

p. 508).

Muito embora inexista um conceito definido do que pode ser considerado

dignidade humana, os doutrinadores são unânimes em afirmar que a dificuldade

conceitual não impede que se vislumbre com imensa facilidade as inúmeras

situações em que a mesma é violada (PEREIRA, 2004, p. 279).

Ao contrário das demais normas constitucionais, não se refere a aspectos

definidos da existência da pessoa humana, como integridade física, intimidade, vida

e propriedade, mas sim a uma qualidade intrínseca e inerente a todos os seres

humanos (SARLET, 2007, p. 39/40), não podendo ser reduzida a defesa de direitos

pessoais tradicionais (SILVA, 2007, p.105).

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Discutir o início da vida ou o momento inicial para a proteção deste bem

jurídico pelo Estado a partir de uma determinada concepção de dignidade humana,

impõe a delimitação de alguns valores, reconhecendo-se a dignidade como limite e

tarefa do poder estatal. O limite justifica-se pela necessidade de estabelecer um

ponto fundamental para que possa ser exigido respeito por parte do Estado e da

sociedade como um todo, enquanto a tarefa consiste na obrigação do Estado em

promover e preservar a dignidade de cada pessoa (SARLET, 2007, p. 47)

A Constituição Federal, como já dito, não define vida e tampouco o momento

em que esta começa, sendo totalmente silente no que tange à vida intra-uterina. Ao

dispor sobre a dignidade humana, ou até mesmo quando se reporta aos direitos da

pessoa humana, está se referindo ao individuo-pessoa que já é capaz de adquirir

direitos e contrair obrigações em seu próprio nome, não dependendo mais de sua

condição de nativivo para se tornar um centro de imputação jurídica. O texto

constitucional utiliza muitas expressões que levam a este raciocínio, entre elas as

locuções “residentes no país”, “brasileiros natos ou naturalizados” ou ainda

“crianças”, valendo-se deste termo para definir aqueles que já ultrapassaram a

fronteira da vida pré-natal (STF, ADI 3510, Min. Carlos Britto, 2008).

Tal idéia converge com a contribuição Kantiana acerca do tema, que afirma

que o núcleo da noção de dignidade está na autonomia e no direito de

autodeterminação da pessoa, ou seja, na capacidade de autodeterminar sua

conduta (SARLET, 2007, p. 45). Esta dimensão acaba atribuindo caráter dúplice à

noção de dignidade, inicialmente como expressão de autonomia e posteriormente

como bem que deve ser protegido pelo Estado (SARLET, 2007, p. 49).

Diante de tais disposições, tem-se que “a Constituição Federal não faz de

todo e qualquer estágio da vida humana um automizado bem jurídico, mas da vida

que já é própria de uma concreta pessoa por que nativiva e, nessa condição, dotada

de compostura física e natural” (STF, ADI 3510, Min. Carlos Britto, 2008).

No entanto, considerando como dignidade humana a qualidade intrínseca de

todos os seres humanos, que os fazem merecedores de respeito por parte do

Estado e da sociedade, dando azo a uma extensa gama de direitos e obrigações,

conferindo-lhes ainda o direito de proteção contra qualquer ato degradante

(SARLET, 2007, p. 60) e a importância de tal princípio em nosso ordenamento

jurídico, já que figura como um dos fundamentos basilares do nosso Estado

Democrático de Direito, destaca-se que o mesmo admite interpretações ampliativas

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que são capazes de transcender no plano das leis infraconstitucionais, para proteger

tudo aquilo que se revele com potencial para desenvolver o individuo-pessoa, sujeito

de direitos e obrigações, sendo este o motivo da proteção concedida ao nascituro no

Código Civil e da tutela penal para o aborto (STF, ADI 3510, Min. Carlos Britto,

2008).

Heloisa Helena Barboza (2005, p. 266/268), no mesmo sentido, ao lecionar

sobre o tema assevera:

Por outro lado, se é certo que o concebido não é ‘coisa’, atribuir ao embrião pré-implantatório natureza de pessoa ou personalidade seria uma demasia, visto que poderá permanecer indefinidamente como uma potencialidade. No momento, parece que o mais razoável, a luz do princípio da dignidade humana, seja conferir ao embrião humano uma ‘tutela particular’, desvinculada dos conceitos existentes, mas que impeça, de modo eficaz, sua instrumentalização, dando-lhe, enfim, proteção jurídica condizente, se não com a condição de indivíduo pertencente à espécie humana, com respeito devido a um ser que não pode ser coisificado.

Em razão do irradiamento do princípio da dignidade da pessoa humana, o

direito acaba protegendo de forma diferente as mais variadas etapas do

desenvolvimento biológico humano. Muito embora o feto e o embrião não sejam

considerados pessoas, o princípio da dignidade humana acaba fazendo com que os

mesmos tenham sua integridade preservada, visto que a simples potencialidade de

se transformarem em pessoa já faz com devam ser protegidos contra atos que

possam atentar contra sua natural continuidade (STF, ADI 3510, Min. Carlos Britto,

2008).

Neste sentido destacou Débora Diniz, na audiência pública realizada no

Supremo Tribunal Federal, verbis:

Isso não impede que nosso ordenamento jurídico e moral possa reconhecer alguns estágios da Biologia humana como passiveis de mais proteção do que outros. É o caso, por exemplo, de um cadáver humano, protegido por nosso ordenamento. No entanto, não há como comparar as proteções jurídicas e éticas oferecidas a uma pessoa adulta com as do cadáver. Portanto, considerar o marco da fecundação como suficiente para o reconhecimento do embrião como detentor de todas as proteções jurídicas e éticas disponíveis a alguém, após o nascimento, implica assumir que [...] a fecundação expressaria não apenas um marco simbólico na reprodução humana, mas a resumiria euristicamente [...]

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Assim, considerando o caráter de norma jurídica fundamental e a estrutura

dupla (princípio e regra), a dignidade da pessoa humana dá sentido, finalidade e

justifica o poder estatal, que possui o dever de assegurá-la e provê-la, servindo

ainda como norma base para os demais direitos fundamentais que dela

normalmente derivam (SARLET, 2007, p.71), estando aí a origem da proteção

assegurada ao nascituro.

Impondo limites à atividade estatal, o princípio da dignidade da pessoa

humana exige do Estado condutas positivas no sentido de impedir que o cidadão

tenha sua dignidade violada. Sua função, além de proteger e garantir a dignidade de

cada pessoa, consiste também em um verdadeiro aparato permanente para

proteção, promoção e realização concreta de uma vida digna (SARLET, 2007,

p.113) e, no caso aqui discutido, a proteção e promoção da dignidade, também

consistem na proteção do organismo que possui potencialidade para se transformar

em pessoa.

Diante das assertivas acima colacionadas conclui-se que “a vida humana já

revestida do atributo da personalidade civil é o fenômeno que transcorre entre o

nascimento com vida e a morte” (STF, ADI 3510, Min. Carlos Britto, 2008), não

infringindo qualquer preceito constitucional tal conceituação, visto que, como já

mencionado, o direito à vida e o princípio da dignidade humana são assegurados ao

indivíduo pessoa e não a organismos que podem vir a ser transformar em pessoa. A

vida humana pré-natal merece proteção constitucional derivada do princípio da

dignidade humana por possuir potencialidade para se transformar em um novo ser,

não lhe conferindo tal proteção, no entanto, a condição de pessoa, titular de direitos

e obrigações.

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2. MANIPULAÇÃO GENÉTICA E UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

O debate sobre o uso de células-tronco embrionárias no Brasil, muito

embora tenha sido marcado historicamente pela realização da primeira audiência

pública no Supremo Tribunal Federal, foi intenso antes mesmo da promulgação da

lei. A audiência realizada na Suprema Corte, assim como as que foram realizadas

na Câmara dos Deputados e Senado Federal, teve como objetivo reunir informações

científicas para julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3510,

proposta pela Procuradoria Geral da República, visando à declaração de

inconstitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), uma vez

que o aludido dispositivo autorizou a utilização de células-tronco embrionárias em

terapias e pesquisas.

Como já amplamente discutido no capítulo anterior, hoje ainda não existe um

consenso quando se tenta definir o que é vida, vida humana, pessoa humana em

potencial e embriões, restando indefinida a natureza jurídica do embrião.

Os que defendem a legalidade das pesquisas, levando em consideração as

disposições existentes no art. 5º9 da Lei de Biossegurança e os limites ali

estabelecidos, sustentam que, inexistindo argumentos jurídicos e científicos que

levem a crer que os embriões a que se refere à lei devam ser considerados seres

detentores de direito tutelados pelo Estado, não há que se falar em descumprimento

de qualquer preceito constitucional.

Neste contexto, importante se faz ressaltar, ainda que de maneira bastante

superficial se considerarmos a complexidade do tema, os benefícios que a utilização

de células-tronco embrionárias na medicina curativa e terapêutica podem trazer à 9 Art. 5º: É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

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humanidade, ressaltando ainda em que contexto surgiu a Lei 11.105/2005 e o que

pretendia o legislador quando autorizou as pesquisas.

2.1. CÉLULAS-TRONCO: CONCEITO E SUAS PERSPECTIVAS CURATIVAS E

TERAPÊUTICAS

A utilização de células-tronco em terapias e pesquisas começou a ser

estudada e aplicada na década de 60, tendo a célula-tronco embrionária conseguido

lugar de destaque nos debates que versavam sobre o tema tão somente no ano de

1998, ou seja, há menos de 10 (dez) anos. Em que pese o curto espaço de tempo,

os benefícios já atingidos com as pesquisas, bem como as reais possibilidades que

vislumbram os pesquisadores, são inimagináveis, razão que levou o legislador

brasileiro a adotar o exemplo seguido por países como a Inglaterra, Austrália,

Canadá, Corréia, Japão, Israel, China e grande parte dos estados americanos

(REHEN, 200710).

Seguindo os ensinamentos de Patrícia Pranke (2004), podemos definir

célula-tronco como uma “célula com capacidade de gerar diferentes tipos celulares e

reconstituir diversos tecidos”, apresentando ainda “a propriedade de auto-renovação,

ou seja, de gerar uma cópia idêntica de si mesma”.

Ricardo Ribeiro dos Santos, ao elaborar um conceito com o intuito de defini-

la, afirma que sua capacidade fundamental de se dividir e dar origem a inúmeras

outras células é sua principal característica, destacando a maior plasticidade das

células-tronco embrionárias em relação às adultas, ou seja, a capacidade que as

primeiras teriam de se transformar em mais de 200 (duzentos) tipos celulares

diferentes (RIBEIRO, 200711).

São assim, células que possuem capacidade de se diferenciar nos mais

diversos tecidos do corpo humano, sendo classificadas de acordo com a sua

plasticidade, ou seja, segundo sua capacidade de diferenciação (ZATZ, 2004, p. 23).

Podem ser divididas em totipotentes, pluripotentes ou multipotentes, oligopotentes e

unipotentes. As totipotentes são as que “possuem capacidade de se diferenciar em

10 Assertiva retirada da ata da audiência pública realizada no STF para julgamento da ADI 3510. 11 Assertiva retirada da ata da audiência pública realizada no STF para julgamento da ADI 3510.

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qualquer dos 216 tecidos que compõem o corpo humano”; as pluripotentes ou

multipotentes são as que “podem se diferenciar em quase todos os tecidos, menos

na placenta e nos anexos embrionários”, as oligopotentes “são capazes de se

diferenciar em poucos tecidos” e as unipotentes as que “só conseguem se

diferenciar em um único tecido” (MOVITAE, ADI 3510, Petição de Ingresso como

Amicus Curiae, 200512).

As células-tronco podem também ser classificadas de acordo com a sua

origem e, de acordo com esta classificação, dividem-se em células-tronco

embrionárias e adultas. As adultas são as que são encontradas em todos os órgãos,

com concentração expressiva na medula óssea e no cordão umbilical. São sempre

oligopotentes ou unipotentes, possuindo por tal razão potencial reduzido para

pesquisa, pois conseguem se diferenciar apenas em alguns tecidos. As

embrionárias são encontradas apenas nos embriões. A Lei 11.105/2005, no inciso XI

do art. 3º, definiu célula-tronco embrionária como “células do embrião que

apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um

organismo”. Possuem um grau de diferenciação infinitamente maior, eis que são

sempre totipotentes, diferenciando-se em qualquer tecido do corpo humano (ZATZ,

2004, p.23).

Independente de sua origem ou de sua classificação segundo sua

capacidade de diferenciação, as células-tronco são células que divergem de todas

as demais células do corpo humano, possuindo três propriedades fundamentais para

tanto: “são capazes de se dividir e de renovar por longos períodos, são não-

especializadas e podem dar origem a células especializadas” (FERNANDES, 2004,

p. 27).

Luis Roberto Barroso (MOVITAE, ADI 3510, Petição de Ingresso como

Amicus Curiae, 2005), representando o MOVITAE – Movimento em Prol da Vida -,

ao ingressar como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade movida

pela Procuradoria Geral da República afirmou que “as características que

singularizam as células-tronco em relação às demais células são: (a) a capacidade

de se diferenciarem, i.e, de se converterem em distintos tecidos no organismo e (b)

12 Assertiva retirada da petição apresentada pelo MOVITAE – Movimento em Prol da Vida, quando do ingresso na ADI 3510 na qualidade de amicus curiae. Disponível em: http:www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=3510&classe=ADI&origem=AP&recurso=)&tipoJulgamento=M

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a propriedade de auto-replicação, isto é, a capacidade que têm de produzirem

cópias idênticas de si mesmas”.

Neste sentido corrobora Hugo Fernandes Júnior (2004, p. 29), verbis:

As células-tronco são capazes de se dividir e de se auto-renovar por longos períodos. Ao contrário das células musculares, hemácias ou neurônios – as quais normalmente não se replicam – as células-tronco podem replicar-se muitas vezes.

As pesquisas realizadas até o momento comprovam que as células-tronco

adultas possuem capacidade de diferenciação infinitamente menor, sendo capazes

de formar apenas alguns tecidos do corpo humano, entres eles, ossos, músculos,

gordura e cartilagem, não servindo para tratar doenças degenerativas e

neuromusculares (ZATZ, 2008, p.14). Em que pese possuam menor plasticidade, os

resultados das terapias em que são aplicadas já são positivos, inclusive no Brasil,

como assevera Leandro Sarai (2006, p.05):

No Instituto do Coração (Incor) de São Paulo, são realizadas, também com bons resultados, aplicações diretas de células-tronco em pacientes com insuficiência cardíaca, causada por doença de Chagas, hipertensão ou de origem desconhecida. Duas técnicas diferentes foram utilizadas: a aplicação de células-tronco isoladas da medula e a utilização de um hormônio que estimula a liberação das células-tronco da medula óssea para circulação sanguínea. ‘A nossa hipótese de trabalho é a de que as células-tronco podem ser estimuladas para se dirigirem, por si mesmas, para as regiões lesadas do organismo’ diz Edimar Bocchi, um dos responsáveis pela pesquisa.

Dante Marcello Claramonte Gallian (2005, p. 255) segue no mesmo sentido:

As experiências terapêuticas com células-tronco adultas em seres humanos começaram a ser realizadas recentemente e, nos últimos anos, tem se divulgado resultados alentadores em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, particularmente na regeneração de tecidos do coração, lesados por infarto.

Lucia Braga, na audiência pública realizada no Supremo Tribunal Federal,

posiciona-se de igual forma:

Essa célula-tronco adulta, realmente, quando verificamos ter um resultado tão bom, do ponto de vista cardíaco, é por que o coração é músculo e, para o que é cartilagem, osso e músculo, a célula mesenquimal adulta funciona muito bem e trabalhamos com ela com

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resultados excelentes. Já saímos do campo da pesquisa e fomos para o campo da clínica, e isso está funcionando muito bem.

Existem pesquisadores que afirmam que a utilização de células-tronco

embrionárias resultariam nos mesmos avanços alcançados com as células-tronco

adultas, contudo, nada restou comprovado a este respeito e uma conclusão segura

só seria possível se os cientistas tivessem autonomia e liberdade para trabalhar com

ambas as linhagens células, ou seja, com as adultas e com as embrionárias

(DONADIO, 2005, p.04). Ademais, uma linha de pesquisa não pode invalidar a outra,

visto que nenhuma delas se mostrou auto-suficiente para esgotar as demais

possibilidades científicas existentes (STF, ADI 3510, Ministro Cezar Peluso 2008)13.

As pesquisas já realizadas com células-tronco embrionárias em animais

demonstram que tais células apresentam resultados muito mais expressivos e que

são capazes de levar o homem a entender como se formam os órgãos de nosso

corpo, bem como a origem da mais variadas doenças, entre elas, o câncer,

Parkinson e Alzheimer (REHEN, 200714).

Mayana Zatz (2008, p.10) ao explanar sobre o tema afirma que: A terapia com células-tronco pode ser considerada como o futuro da medicina regenerativa. Entre as áreas mais promissoras, está o tratamento para diabetes, doenças neuromusculares, como distrofias musculares progressivas e a doença de Parkinson. Com as células-tronco, também se poderá promover a regeneração de tecidos lesionados por causas não hereditárias, como acidentes, ou pelo câncer. O tratamento do diabetes é muito promissor por que depende da regeneração específica de células que produzem insulina, o que é mais fácil do que regenerar por completo um órgão complexo. As células-tronco vão permitir que as pessoas vivam muito mais e de forma saudável. Uma pessoa que precise de um transplante de coração ou de fígado, se tiver a possibilidade de fazer uma terapia com células-tronco em vez de esperar anos numa fila por um órgão novo, terá uma qualidade de vida muito melhor.

A possibilidade de descoberta de tratamento para doenças até hoje tidas

como incuráveis, certamente, faz das células-tronco embrionárias a grande

esperança da medicina regenerativa, visto que até hoje este foi o único meio

13 Assertiva retirada do voto do Ministro Cezar Peluso no julgamento da ADI 3510. Disponível em: http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3510CP.pdf 14 Assertiva retirada da ata da audiência pública realizada no STF para julgamento da ADI 3510.

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encontrado pelo homem para tentar curar e superar tais doenças que não apenas

tiram à vida, mas também fazem com que muitas crianças, adultos e idosos vivam

em estado vegetativo.

2.2. CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E A QUESTÃO DO EMBRIÃO

EXCEDENTE

Como se observa na transcrição abaixo, a permissão concedida pela Lei de

Biossegurança para utilização de células-tronco embrionárias faz referência a

embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, não utilizados no

procedimento, que sejam inviáveis ou que estejam congelados há mais de 03 (três)

anos.

Art. 5º: É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Por tais razões, necessário se faz tecer algumas considerações sobre o

aludido procedimento, para que, só então, possa se adentrar na questão do embrião

excedente. O termo reprodução assistida consiste em um conjunto de técnicas que

visam proporcionar tratamento aos problemas de infertilidade, não se restringindo

apenas a infertilidade patológica, mas também a possibilidade de proporcionar uma

alternativa a pessoas sozinhas que desejam ter filhos (CORREA, 2007, p. 58). Suas

principais técnicas são a inseminação artificial e a fertilização in vitro.

Na inseminação artificial o material genético masculino é depositado na

cavidade uterina feminina de modo artificial, ou seja, com auxílio médico. É

normalmente utilizada por casais que, por possuírem deficiências físicas, não

conseguem realizar a fecundação através do método tradicional, ou seja, do ato

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sexual (SILVA, 1999, p. 82). Na fertilização in vitro, por sua vez, após a realização

de um procedimento que estimula a ovulação, vários óvulos são retirados do

organismo feminino para que, extracorporeamente, sejam reunidos com os gametas

masculinos, propiciando-se assim a fecundação e, posteriormente, a formação do

ovo, cuja introdução no corpo feminino só ocorre depois de iniciadas as divisões

celulares (SILVA, 1999, p. 83).

Neste método, visando assegurar a eficácia da técnica, bem como o bem-

estar da paciente, vários óvulos passam por tal processo, enquanto apenas três ou

quatro são implantados no organismo feminino, orientação esta existente na

Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, uma vez que um número

maior seria capaz de gerar uma gravidez múltipla15 (BARROSO, 2006, p. 674).

Do processo de fertilização in vitro resultam quatro tipos de embriões,

divididos pelos especialistas da área nas classes A, B, C e D, todas categorizadas

morfologicamente de acordo com a forma, simetria e fragmentação do embrião. Os

embriões das classes A e B são os que possuem as melhores condições e, por

conseguinte, as maiores chances, de, quando nidados, ou seja, introduzidos no

organismo feminino, se tornarem um novo ser. Por sua vez os embriões das classes

C e D são os que, pelas características apresentadas, quase não possuem chance

de desenvolvimento, tornando-se totalmente inviáveis ao processo em razão da

grande chance de insucesso. Assim, por bom senso e precaução, os embriões das

categorias C e D não são utilizados (PRANKE, 200716).

Nilka Fernandes Donadio (2005, p.4/5), ao lecionar sobre o tema, segue no mesmo sentido:

Habitualmente a seleção de embriões é realizada a partir de critérios morfológicos bem estabelecidos, como tempo da clivagem, fragmentação, simetria, multinucleação e aspectos citoplasmáticos dos blastômeros, além da avaliação precoce dos pró-núcleos. [...] A fragmentação é considerada um dos critérios morfológicos mais importantes da avaliação embrionária. Em uma das classificações de embriões mais utilizadas, desenvolvida por Veeck, em 1986, embriões sem fragmentação e assimétricos são denominados tipo A; aqueles assimétricos com até 25% de fragmentação de tipo B; o

15 Um dos grandes riscos da fertilização in vitro é a gravidez múltipla, que consiste no abrigamento no útero de dois ou mais embriões. Como normalmente são inseridos no útero da mulher cerca de quatro embriões, em alguns casos é possível que mais de um se desenvolva, resultando da gravidez dos chamados gêmeos fraternos (BARROSO, 2006, p. 674). 16 Assertiva retirada da ata da audiência pública realizada no STF para julgamento da ADI 3510.

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tipo C apresenta entre 25 e 50% de fragmentação e o tipo D 50% ou mais. Outras classificações incluem diferentes parâmetros, como distribuição dos fragmentos, multinucleação e característica do citoplasma, mas mantem o volume ocupado por fragmentos como principal critério. Sabidamente, quanto pior a morfologia, menores as chances de implantação e gravidez.

Diante de tal situação, por não ser ainda possível aos profissionais da área

médica precisar que tipo de embrião será produzido pela paciente que se submete

ao procedimento é que, no momento de sua realização, os embriões são produzidos

em maior quantidade, quando só então os especialistas conseguem analisá-los

definindo a qualidade e a probabilidade de sucesso de cada um. Neste contexto, são

utilizados, sempre que possível, os embriões da classe A, que, como já dito, são os

que possuem maiores chances de êxito.

O embrião pertencente à classe A, quando fresco, ou seja, antes de passar

pelo processo de congelamento, logo após sua produção in vitro, possui, a partir do

momento que é implantado em um útero, apenas 28% de chance de resultar em

uma gestação, por este motivo é que são implantados cerca de três ou quatro

embriões na mulher que se submete ao procedimento. Após o congelamento, este

mesmo embrião passa ter apenas 13% de chance de, ao ser implantado, tornar-se

um novo ser (PRANKE, 200717).

No outro extremo, ao analisar a capacidade do embrião da classe D, temos

que o mesmo, quando fresco, ou seja, logo após a sua produção, se implantado no

organismo feminino possui apenas 6% de chance de se desenvolver, enquanto após

o seu congelamento está capacidade será reduzida para 0,8% (PRANKE, 200718).

Nilka Fernandes Donadio (2005, p. 10) é ainda mais incisiva quando se

posiciona sobre o tema, afirmando que os embriões de baixos escores morfológicos

(classes C e D) sequer deveriam ser congelados, pois a crioconservação é capaz de

inviabilizá-los inclusive para pesquisas, sugerindo a pesquisadora que os mesmos

deveriam ser doados para pesquisas antes mesmo do congelamento, verbis:

Embriões de baixo escores morfológicos não podem ser considerados inviáveis por serem capazes, embora com freqüência muito baixa, de promoverem uma gestação. Estes mesmos

17 Assertiva retirada da ata da audiência pública realizada no STF para julgamento da ADI 3510. 18 Assertiva retirada da ata da audiência pública realizada no STF para julgamento da ADI 3510

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embriões, quando criopreservados e posteriormente transferidos após descongelamento, mostraram taxa de gravidez irrisória, além de não resultarem em nenhuma gravidez viável. Podemos concluir que o congelamento dos mesmos se torna impraticável. Logo, quando extranumerários, não deveriam ser criopreservados, podendo então, ao invés de serem descartados, ser doados para pesquisa de células-tronco embrionárias ou outras pesquisas, desde que aprovadas pelo conselho de ética e pesquisa e pelo casal.

Não obstante, os embriões das classes C e D possuem grande chance da

má formação fetal, motivo que reforça a razão de sua não utilização no momento da

implantação. O embrião da classe C possui 13,3% de chance de chance de resultar

em um feto com algum tipo de problema, enquanto no embrião de classe de D essa

probabilidade cresce para 36,4% (PRANKE, 200719).

Neste contexto surge à figura do chamado embrião excedente, que,

originado em um processo de fertilização in vitro, não foi utilizado ou por ser inviável,

categorias C e D, ou, mesmo que viável, categorias A e B, não foi utilizado em razão

da quantidade produzida pela paciente. O destino desses dois tipos de embriões é o

congelamento que, como já explanado, reduz ainda mais a capacidade de

desenvolvimento dos mesmos os levando, inevitavelmente, ao descarte.

Pesquisas científicas realizadas na área demonstram que o próprio

congelamento dos embriões da classe D, em alguns casos, é capaz de destruí-los,

tornando-os totalmente inviáveis para fecundação, o que não acontece com sua

destinação à pesquisa, já que para este fim ainda é possível utilizá-lo (PRANKE,

200720).

Débora Diniz (200721), ao explanar sobre o diagnóstico de inviabilidade do

embrião, afirma que: O diagnostico de inviabilidade do embrião constitui procedimento médico seguro e atesta a impossibilidade de o embrião de desenvolver. Mesmo que um embrião inviável venha a ser transferido para um útero, não se desenvolverá em uma futura criança. O único destino possível para eles é o congelamento permanente, o descarte ou a pesquisa cientifica.

19 Assertiva retirada da ata da audiência pública realizada no STF para julgamento da ADI 3510 20 Assertiva retirada da ata da audiência pública realizada no STF para julgamento da ADI 3510. 21 Assertiva retirada da ata da audiência pública realizada no STF para julgamento da ADI 3510.

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Com base em tais estudos e após longo período de discussões é que a Lei

de Biossegurança foi aprovada, pois os estudiosos conseguiram não apenas

demonstrar os benefícios que poderiam ser atingidos com a realização das

pesquisas, mas também que as mesmas só seriam realizadas com embriões que

praticamente não possuíam qualquer condição de ser tornar um novo ser e que

teriam o descarte como destino final.

Mayana Zatz (2005, p.11/15), ao comentar o processo de criação da Lei

11.105/2005 declarou:

Quando se aprovou a Lei de Biossegurança, em 2005, permitindo a pesquisa com células-tronco embrionárias, demos aulas aos senadores e deputados. Muitos deles, que primeiramente haviam votado contra as pesquisas, porque não entendiam do assunto, votaram depois a favor. Aí se vê a diferença que faz a informação. É bom lembrar que a Lei de Biossegurança foi aprovada com ampla maioria depois de grande discussão no Congresso. Ela obteve o aval de 96% dos senadores e 85% dos deputados.

A mesma pesquisadora, ao tentar esclarecer o assunto nas páginas da

Revista Veja (2008, p.11), tentando diferenciar a prática da pesquisa com tais células

com a prática do aborto, afirmou:

Deve-se lembrar que o destino dos embriões que não forem utilizados para pesquisa é ficar congelados até ser descartados. Estamos falando de embriões que nunca estiveram num útero e nem nunca estarão. Não existe nenhuma possibilidade de vidas para eles.

Outrossim, não bastasse a ínfima possibilidade que tais embriões - os

considerados clinicamente inviáveis ou mesmo os viáveis desde que congelados -

possuem em gerar um novo ser, já que perderam boa parte de suas características

morfológicas em razão do processo de congelamento, destaca-se que a análise do

permissivo concedido pela Lei 11.105/2005, deve, necessariamente, passar pela

análise da legalidade do procedimento utilizado pela classe médica que dá origem

aos embriões excedentes a que a lei supracitada faz referência.

Destaca-se que inexiste na sociedade insurgência contra as técnicas de

reprodução assistida, ao contrário, ditas técnicas são vistas com bons olhos, pois

conseguem resolver o problema de inúmeros casais que, segundo nosso

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ordenamento jurídico, possuem direito de procriar e de constituir família (STF, ADI

3510, Ministro Carlos Britto, 2008).

Sendo considerado lícito o processo que dá origem aos embriões

excedentes, possuía o legislador brasileiro a opção de resguardar aos mesmos o

congelamento eterno, o simples e puro descarte ou a nobre finalidade das pesquisas

(STF, ADI 3510, Ministro Carlos Britto, 2008). A opção adotada pela Lei de

Biossegurança espelha aplicação do princípio utilitarista22, visto que a utilização dos

embriões em terapias e pesquisas é infinitamente mais útil do que o simples

descarte dos mesmos (STF, ADI 3510, Ministra Ellen Gracie, 2008)23.

Exarar determinação de congelamento por tempo indeterminado ou

regulamentar o simples descarte dos embriões é, certamente, muito mais repulsivo e

indigno do que destinar os embriões às pesquisas (STF, ADI 3510, Ministro Cezar

Peluso, 2008). Grande parte da comunidade científica, considerando a ínfima

probabilidade de desenvolvimento destes embriões congelados (viáveis ou

inviáveis), ressalta que o destino mais digno a eles seriam as pesquisas já que não

teriam possibilidade de gerar novos seres humanos (PRANKE, 200724), idéia esta,

como veremos adiante, utilizada pelo legislador quando da criação e aprovação da

Lei de Biossegurança.

2.3. A LEI DE BIOSSEGURANÇA E A EFETIVA REGULAMENTAÇÃO DA

UTILIZAÇÃO DAS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS COM FINS DE

PESQUISA

A Lei 11.105/2005, conhecida como Lei de Biossegurança, nos termos de

seu art. 1º, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a

“a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a

importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o

consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente

modificados”, tratando também da permissão para utilização de células-tronco 22 O princípio utilitarista consiste na busca de resultado de maior alcance com o mínimo de sacrifício possível (GRACIE, 2008). 23 Assertiva retirada do voto da Ministra Ellen Gracie no julgamento da ADI 3510. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/cms/listarNoticiaSTF.asp 24 Assertiva retirada da ata da audiência pública realizada no STF para julgamento da ADI 3510.

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embrionárias em terapias e pesquisas, regulamentando assim os incisos II, IV e V do

§ 1o do art. 225 da Constituição Federal.

A aludida legislação entrou em vigor na data de sua publicação, que ocorreu

em 28 de março de 2005 e, muito embora tenha trazido imensas inovações ao

mundo jurídico, regulamentando questões em que o direito brasileiro ainda era

silente, o processo de aprovação da mesma foi bastante conturbado, tendo

tramitado por quase 02 (dois) anos nas Casas Legislativas do País. Destaca-se que,

como será demonstrado adiante, o art. 5º, aqui discutido, possuía redação

totalmente diversa no projeto original, visto que vedava de maneira expressa

qualquer tipo de pesquisa com embriões humanos.

O projeto de lei que deu origem a legislação em comento levou o nº

2.401/200325 na Câmara dos Deputados, tendo sido apresentado em 31/10/2003.

Após seu recebimento, que se deu ainda no início do mês de novembro, em regime

de urgência constitucional, com base no artigo 64, § 1º da Constituição Federal,

resolveu aquela Casa Legislativa, com fulcro nas disposições contidas no inciso II e

§ 1º do art. 34 de seu Regimento Interno, criar uma Comissão Especial para proferir

parecer sobre o assunto.

Por determinação da Comissão Especial criada, bem como por requerimento

formulado por alguns deputados, foram realizadas audiências públicas nos estados

Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul e na Câmara dos Deputados em

Brasília. Em tal oportunidade foram ouvidos especialistas, estudiosos,

representantes do Governo, instituições e empresas privadas e organizações não-

governamentais, tendo o nome dos participantes sido indicados pelos próprios

deputados. Frisa-se que foram indicados mais de 50 (cinqüenta) nomes para

participação nas audiências, tendo a Comissão Especial selecionado os que de fato

iriam participar ante o elevado número de indicações26. Não obstante a realização

25 Todas as informações referentes à tramitação do projeto de lei foram retiradas dos sites da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, estando disponíveis, respectivamente, nos seguintes endereços: http://www2.camara.gov.br/proposicoes/loadFrame.html?link= http://www.camara.gov.br/internet/sileg/prop_lista.asp?fMode=1&btnPesquisar=OK&Ano=2003&Numero=2401&sigla=PL e http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp/ materia/detalhes.asp?p_cod_mate=66679 26 Foram ouvidos, entre outros, nas audiências públicas acima mencionadas os seguintes profissionais: Vice-Governador Antônio Hohlfeldt (RS), Luiz Antônio Barreto de Castro (EMBRAPA), Herman Chaimovich (USP), Benami Bacaltchuk (EMBRAPA), Antônio Carlos C. de Carvalho (UFRJ), Avilio Franco (EMBRAPA), Franco Lajolo (USP), Mohamed Habib (UNICAMP), Rubens Nodari (Ministério do Meio Ambiente), Luiz Roberto Baggio

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das audiências, os membros da Comissão Especial participaram também de visita

ao Centro Nacional de Pesquisa em Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Realizadas as audiências e a visita acima indicada, antes mesmo da

emissão de parecer por parte da Comissão Especial, o relator do projeto, naquele

momento o Deputado Aldo Rebelo, proferiu parecer opinando pela aprovação do

projeto, bem como pela aprovação de 79 das 278 emendas propostas. Aduziu ainda

em seu parecer que o objetivo da lei que se pretendia criar naquele momento era

justamente estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização das

atividades que envolvessem organismos geneticamente modificados (REBELO,

200427). Mencionou ainda que a legislação que seria criada revogaria todas as

demais existentes sobre o tema, visto que o Diploma iria abranger, de modo pleno e

satisfatório, as necessidades das comunidades científicas, com base no princípio da

precaução, definido na Constituição Federal, e em alguns outros diplomas

internacionais de que o Brasil é signatário (REBELO, 200428).

De igual forma, afirmou o deputado que o projeto de lei pretendia sanar as

omissões e dúvidas existentes na legislação naquele momento vigentes, uma vez

que só assim seria possível buscar o desenvolvimento de uma forma sustentável e

segura (REBELO, 200429).

A assertiva abaixo transcrita demonstra com clareza o posicionamento

adotado pelo deputado, expondo, em suas palavras, o motivo que levou a

propositura do projeto para criação da lei de Biossegurança.

O substitutivo que apresento ao Projeto de Lei 2.401/03 busca harmonizar a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico com a obrigação de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País, fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético e de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

(Organização das Cooperativas Brasileiras), Antônio José Monteiro (Pinheiro Neto Advogados), Ernesto Parterniani (Confederação Nacional da Agricultura), Raimundo Caramuru Barros (IBRAP), Vicente Eduardo Soares Almeida (MST), Maria Regina Vilarinho (EMBRAPA), Glaci Zancan (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência ), Ennio Candotti (SBPC), Maria José A. Sampaio (EMBRAPA). 27 Assertiva retira do parecer do Deputado Aldo Rebelo no processo de aprovação do projeto de lei nº 2401/2003. 28 Assertiva retira do parecer do Deputado Aldo Rebelo no processo de aprovação do projeto de lei nº 2401/2003. 29 Assertiva retira do parecer do Deputado Aldo Rebelo no processo de aprovação do projeto de lei nº 2401/2003.

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Muito embora o parecer emitido pelo Deputado Aldo Rebelo tenha opinado

pela aprovação de 79 emendas, a redação do artigo 5º permaneceu inalterada,

sendo inadmitida, portanto, a pesquisa com embriões extranumerários. No início do

ano de 2004, em razão de seu afastamento por estar exercendo outro cargo dentro

do Governo Federal, foi designado como relator do projeto o Deputado Renildo

Callheiros que, 26 de janeiro de 2004, proferiu parecer acompanhando integralmente

as razões e modificações sugeridas pelo antigo relator.

A matéria foi ao Plenário, onde foram propostas mais 26 emendas, todas

analisadas no parecer proferido pelo novo relator, em 04 de fevereiro de 2004, que

além de opinar pela aprovação de 12 delas, modificou seu posicionamento inicial,

destacando a necessidade de permitir a utilização de células-tronco embrionárias

em terapias e pesquisas, por entender que estas guardam grandes esperanças a

humanidade, afirmando ainda que os deputados haviam chegado a um acordo

sobre a liberação das pesquisas e que a votação certamente seria favorável neste

sentido (CALHEIROS, 200430).

Em que pese às colocações feitas pelo Deputado Renildo Callheiros, o

projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, muito embora tenha modificado em

alguns pontos a redação original do art. 5º, seguiu para o Senado Federal proibindo

a utilização de células-tronco embrionárias em terapias e pesquisas, permitindo

apenas a intervenção em material genético in vivo, se aprovado pelos órgãos

competentes, para fins de procedimento com finalidade de diagnóstico, prevenção e

tratamento de doenças e agravos e clonagem terapêutica com células pluripotentes,

ou seja, células-tronco adultas.

A matéria foi ao Senado Federal, em 04 de fevereiro de 2004, levando o nº

9/2004, tendo passado pela análise da Comissão de Educação, sob a relatoria do

senador Osmar Dias, bem como pela análise conjunta das comissões de

Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de Assuntos Econômicos (CAE) e de

Assuntos Sociais (CAS), sob a relatoria do senador Ney Suassuna.

A Comissão de Educação ao emitir seu parecer sobre o tema aduziu que o

projeto apresentado pela Câmara dos Deputados preferiu não admitir a utilização de

células-tronco embrionárias em terapias e pesquisas, mantendo as proibições até

30 Assertiva retira do parecer do Deputado Renildo Calheiros no processo de aprovação do projeto de lei nº 2401/2003.

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então existentes, o que levava a Comissão a propor um substitutivo, indo de

encontro com a posição até então consolidada sobre o tema, no sentido de entender

que a matéria deveria ser tratada em legislação própria e exclusiva. Tal mudança

ocorreu em razão dos resultados das pesquisas terem se mostrado extremamente

promissores.

A comissão supracitada opinou pela inclusão de artigo que permitisse a

utilização de células-tronco embrionárias advindas de embriões excedentes de

processos de fertilização in vitro, desde que, naturalmente, houvesse prévio

consentimento dos doadores. A proposta da comissão era incluir no art. 4º a

permissão supracitada, evitando com isso o simples e inútil descarte dos embriões

que já estavam congelados, proporcionando assim possibilidade de

desenvolvimento à classe científica.

A alteração acima indicada foi proposta pela Senadora Lucia Vânia, quando

da apresentação da emenda nº 1, emenda esta integralmente acolhida pela

comissão e que possuía a seguinte redação:

a) proibir a produção de embriões humanos para servir de material biológico disponível; b) permitir a utilização de células embrionárias produzidas para fertilização in vitro quando as células não tenham quantidade e qualidade para permitir sua implantação, ou estejam congeladas há mais de três anos na data da publicação da lei ou, já congeladas na data da publicação da lei, completem três anos de congelamento, e contem com a autorização expressa dos progenitores, caso estes sejam localizados; c) incluir a produção de embriões humanos para servir de material biológico disponível como fato penalizável no capítulo das infrações.

As Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de Assuntos

Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS), também designadas para apreciar

a matéria, em parecer conjunto, afirmaram que, muito embora a Comissão de

Educação houvesse aprovado substitutivo para reformar a decisão da Câmara dos

Deputados quanto à utilização de células-tronco embrionárias, a redação do

dispositivo por ela apresentada não permitia visualização adequada do alcance que

se pretendia dar a lei, o que ensejou novas modificações, que visavam aperfeiçoar o

texto anteriormente apresentado.

As Comissões supracitadas entenderam por adequado incluir no dispositivo

a determinação para que as instituições de pesquisa e serviços de saúde que

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realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas submetam

seus projetos a apreciação e aprovação dos respectivos Comitês de Ética em

Pesquisa, bem como que fosse exigida, de forma obrigatória, a autorização dos

genitores dos embriões para utilização dos mesmos, vedando ainda a

comercialização desse material biológico, criminalizando a sua prática.

A permissão para utilização de células-tronco embrionárias também foi

objeto da emenda nº 1, de autoria da senadora Serys Slhessarenko, no âmbito na

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Só com as alterações sugeridas pelas Comissões de Constituição, Justiça e

Cidadania (CCJ), de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS) é

que o artigo 5º ganhou a redação que hoje conhecemos, ou seja, a redação adotada

pela Lei nº 11.105/05. No quadro abaixo é possível observar as alterações sofridas

pelo dispositivo31:

31 As versões do artigo 5º apresentadas no projeto original e no projeto aprovado pela Câmara dos Deputados possuíam mais incisos além dos aqui indicados, que foram suprimidos por versarem de matéria que não desrespeito a questão aqui discutida.

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PROJETO ORIGINAL CÂMARA DOS DEPUTADOS

PROJETO DE LEI APROVADO PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SUBSTITUTIVO APRESENTADO PELO SENADO FEDERAL RESPONSÁVEL PELA

REDAÇÃO FINA DO ART. 5º

5º É vedado, nas atividades relacionadas a OGM e seus derivados: É vedado:

É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

Inc. I I - qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei;

I – qualquer procedimento de engenharia genética em organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;

I – sejam embriões inviáveis;

Inc. II II - manipulação genética de células germinais humanas e embriões humanos;

II - manipulação genética em células germinais humanas e em embriões humanos;

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Inc. III

III - intervenção em material genético humano in vivo, exceto para realização de procedimento com finalidade de diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças e agravos, desde que aprovado pelos órgãos competentes;

III - embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível;

Inc. IV

IV - intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico ou em procedimento com a finalidade de diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças e agravos, desde que aprovados pelos órgãos competentes.

IV -intervenção em material genético humano in vivo, exceto, se aprovado pelos órgãos competentes, para fins de: a) realização de procedimento com finalidade de diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças e agravos; b) clonagem terapêutica com células pluripotentes;

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Muito embora o assunto tenha sido amplamente discutido em 04 (quatro)

comissões do Senado Federal, com a realização, inclusive, de audiências públicas,

com a oitiva de profissionais especializados sobre o tema, o processo de votação no

Plenário foi bastante conturbado, não apenas por alguns senadores não estarem

definitivamente convencidos do tratamento dado à matéria, havendo novamente

uma longa discussão sobre o vocábulo vida e sobre as diversas definições que o

mesmo pode assumir, considerando visões filosóficas, éticas, religiosas e científicas,

mas também pelo fato do projeto de lei tratar de dois assuntos tão distintos –

células-tronco e organismos geneticamente modificados – de uma única vez.

Alguns senadores de insurgiram sobre a suposta ilegalidade do

procedimento, afirmando que cada projeto de lei pode tratar apenas de um único

assunto, sendo a questão resolvida pelo presidente do senado, o Senador José

Sarney, afirmando este que de acordo com o art. 312 do Regimento Interno daquela

Casa Legislativa, o senado não poderia separar as matérias por ter recebido o

projeto daquela forma da Câmara dos Deputados.

Realizada a votação o projeto de lei foi aprovado, tendo o art. 5º

permanecido com a redação indicada no parecer emitido pelas Comissões de

Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de Assuntos Econômicos (CAE) e de

Assuntos Sociais (CAS), voltando o mesmo para Câmara dos Deputados, com as

modificações realizadas pelo Senado Federal.

De volta à Câmara dos Deputados, uma Comissão Especial, ao analisar as

modificações sugeridas pelo Senado, ressaltou em seu parecer que a proposta

contou com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, da Secretaria Especial de

Direitos Humanos da Presidência da República, de diversas instituições científicas e

de associações de deficientes e doentes, que têm nesta terapia a única esperança

de cura, tendo o acordo sido realizado pelo líder do governo no Senado Federal,

Sen. Aloizio Mercadante, tendo este contado com o apoio do Palácio do Planalto.

A Comissão Especial opinou pela aprovação total do PL n. 2.401/2.003, na

forma do Substitutivo aprovado pelo Senado Federal ao Projeto de Lei da Câmara nº

9 de 2004, tendo a Câmara dos Deputados decido neste sentido posteriormente.

O Projeto de Lei 2.401/2003 foi finalmente aprovado, nos termos do

Substitutivo do Senado Federal, em 02 de março do ano de 2005, tendo a matéria

ido à sanção em 04 de março do mesmo ano, sendo transformado na Lei

11.105/2005 em 24 de março de 2005.

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3. ANÁLISE DO DEBATE EM TORNO DA ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.105/2005 (ADI N. 3510)

A ação direta de inconstitucionalidade nº 3510 foi proposta pelo, à época,

Procurador Geral da República, Cláudio Lemos Fonteles, sustentando este,

amparado no posicionamento de cientistas e estudiosos sobre o tema, que a

permissão concedida pelo art. 5º da Lei 11.105/05 fere a inviolabilidade do direito à

vida e também o princípio da dignidade humana, garantias constitucionais expressas

no ordenamento jurídico brasileiro.

A tramitação da ADI acima mencionada causou grande mobilização na

sociedade brasileira e representou, também para Suprema Corte, um marco

histórico, visto que foi a primeira vez que aquela Casa de Justiça realizou uma

audiência pública para julgamento de matéria levada a sua apreciação. Não

obstante o marco citado, a tramitação da ADI trouxe ainda à tona a discussão sobre

a democratização e o entrecruzamento de idéias no Supremo Tribunal Federal, visto

que, além da audiência pública realizada, foram admitidas na condição de amici

curiae 05 (cinco) instituições que participaram de forma extremamente ativa na

discussão travada, o que demonstra a tendência de abertura dos debates no

Supremo Tribunal Federal à sociedade civil organizada.

A improcedência da demanda, declarada em decisão proferida em 29 de

maio de 2008, implicou não apenas na solução da controvérsia, uma vez que os

conceitos e fundamentos utilizados pela Corte estão sendo objeto debate e,

certamente, servirão como precedente jurisprudencial, para decisões vindouras em

processos em que se discute o aborto e a situação jurídica dos fetos anencéfalos.

Nas linhas que seguem, veremos não apenas como se deu a tramitação do

feito no Supremo Tribunal Federal, mas também as possíveis conseqüências que os

fundamentos da decisão proferida podem trazer à sociedade, tanto no que tange à

utilização de células-tronco embrionárias, quanto em outras situações jurídicas em

que a vida, como bem jurídico tutelado pelo estado, está envolvida, fazendo-se

ainda breves considerações acerca da abertura concedida pelo STF para

participação da sociedade nos debates que são travados na Suprema Corte.

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3.1. DESCRIÇÃO DO AJUIZAMENTO DA ADI E DOS ENCAMINHAMENTOS

LEVADOS A EFEITO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) visava à

declaração de inconstitucionalidade da permissão para utilização de células-tronco

embrionárias em terapias e pesquisas. Nos termos da inicial, esta permissão

consistia em uma verdadeira violação à vida humana, equiparando-a ao aborto,

ofendendo, assim, as disposições contidas na Constituição Federal.

Para fundamentar suas assertivas valeu-se do posicionamento de

renomados cientistas e estudiosos sobre o tema que, assim como ele, acreditam

que a vida começa no exato momento da fecundação, ressaltando ademais, que a

utilização de células-tronco embrionárias seria totalmente desnecessária ante os

comprovados avanços alcançados com a utilização de células-tronco adultas.

Arrematando suas conclusões, sustentou, de forma peremptória, que a vida inicia no

momento da concepção porque esta nada mais é do que o ato contínuo de se

desenvolver e que o início deste desenvolvimento acontece no momento da junção

dos gametas feminino e masculino (PGR, ADI 3510, Petição Inicial, 2005). Ao seu

entender a permissão concedida pela lei fere frontalmente os princípios de

inviolabilidade do direito à vida e da dignidade da pessoa humana.

A demanda foi recebida em 31 de maio de 2005 pelo Supremo Tribunal

Federal, sob a relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, que, em seu primeiro ato,

determinou a intimação do Presidente da República e do Congresso Nacional para

manifestação sobre o pedido, uma vez que estes figuravam como requeridos. O

Presidente da República, ao apresentar manifestação, defendeu a total

constitucionalidade do texto legislativo impugnado, usando como fundamento o

petitório apresentado pela Advocacia Geral da União, que afirmou que a autorização

concedida pela lei garante o direito à saúde e também o da livre expressão da

atividade científica, tendo tal manifestação sido ratificada pelo Congresso Nacional.

Manifestaram-se ainda na ação, o Ministério Público Federal, na condição de

fiscal da lei, posicionando-se pela procedência do pedido, e também 05 (cinco)

entidades que foram admitas como amici curiae, sendo elas: a Conectas Direitos

Humanos; o Centro de Direitos Humanos – CDH; o Movimento em Prol da Vida –

MOVITAE; o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – ANIS e a

Confederação Nacional de Bispos do Brasil – CNBB. Frisa-se que apenas a última

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defendia a procedência do pedido e que todas as outras manifestaram-se pela

improcedência da demanda.

Formularam pedido para ingressar como amici curiae também Luz Ghisolfi,

afirmando ser estudioso sobre o assunto há muito anos, e o Fundo Institucional

First’s, tendo ambos a pretensão indeferida por parte do Ministro Relator. No

primeiro caso, aduziu o julgador que para admissão no feito na condição de amicus

curiae era necessária a representatividade do postulante perante a sociedade, o que

não se afigurava do caso do requerente e no segundo caso a inequívoca

intempestividade do pedido, uma vez que realizado após o início do julgamento da

demanda. As informações trazidas por ambos foram carreadas ao feito na condição

de memoriais.

Apresentadas as manifestações iniciais, em 03 de maio de 2006, o Ministro

Relator, com fundamento nas disposições contidas no art. 9º da Lei 9.868/99,

determinou a realização de audiência pública, determinando ainda a indicação de

nomes por parte do autor, dos réus e interessados. Indicados os nomes, a audiência

foi marcada para o dia 20 de abril de 2007, tendo se realizado nesta data, em ato

que durou mais de 08 (oito) horas, onde foram ouvidos 22 (vinte e dois) profissionais

que se posicionaram favorável e desfavoravelmente acerca da realização das

pesquisas. O quadro abaixo demonstra o posicionamento assumido por cada um

deles.

ESPECIALISTAS A FAVOR DAS PESQUISAS ESPECIALISTAS CONTRA AS PESQUISAS

Antonio Carlos Campos de Carvalho Alice Teixeira Ferrera

Débora Diniz Claudia Maria de Castro Batista

Júlio César Voltarelli Dalton Luiz de Paula Ramos

Lucia Braga Elisabeth Kipman Cerqueira

Luiz Eugenio Araújo Moraes Mello Hebert Praxedes

Lygia Pereira José Antonio Eça

Mayana Zatz Lenise Aparecida Martins Garcia

Patrícia Helena Lucas Pranke Lílian Pinero Eça

Ricardo Ribeiro dos Santos Marcelo Vaccari

Rosalia Mendes Otero Rodolfo Acatauassú Nunes

Stevens Rehen Rogério Pazetti

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Realizada a audiência, com a transcrição de todos os argumentos

sustentados pelos profissionais, o processo foi incluído na pauta de julgamento do

dia 05 de março de 2008, onde, através de sustentação oral, novamente se

manifestaram o Ministério Público Federal, através do Procurador-Geral da

República, Antônio Fernando Barros e Silva de Souza; a Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil - CNBB, através de Ives Gandra da Silva Martins; a Advocacia-

Geral da União, através de José Antônio Dias Toffoli; o Congresso Nacional, através

de Leonardo Mundim; a Conectas Direitos Humanos e Centro de Direitos Humanos

– CDH, através de Oscar Vilhena Vieira e o Movimento em Prol da Vida - MOVITAE

e ANIS - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, através de Luís Roberto

Barroso.

Após a leitura dos votos do Ministro Relator Carlos Ayres Britto e da Ministra

Ellen Gracie, onde ambos manifestaram-se pela improcedência da ação proposta, o

Ministro Menezes de Direito pediu vista dos autos, interrompendo com isso o

julgamento, que foi retomado apenas no dia 28 de maio de 200832. Em tal sessão

foram lidos os votos dos Ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, que

manifestaram-se pela parcial procedência da ação, da Ministra Cármen Lúcia e do

Ministro Joaquim Barbosa, que manifestaram-se pela improcedência da demanda e

dos Ministros Eros Grau e Cezar Peluso, que manifestaram-se pela improcedência

com ressalvas, sendo o julgamento final suspenso novamente e retomado no dia

posterior, onde, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do relator, julgou

improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, declarando vencidos,

parcialmente, em diferentes extensões, os Ministros Menezes Direito, Ricardo

Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e o Presidente, Ministro Gilmar Mendes33.

O Ministro Carlos Ayres Britto sustentou, em síntese, que as disposições

contidas no art. 2º do Código Civil dão margem à interpretação de que é necessária

vida extra-uterina para aquisição de personalidade, dando guarida a teoria natalista

em oposição às teorias da personalidade condicional e concepcionista, afirmando

ainda que o atributo da personalidade deve ser interpretado também em uma

32 Até a presente data a decisão na íntegra não restou publicada. Os votos utilizados para confecção do trabalho foram disponibilizados no link de notícias do site do Supremo Tribunal Federal de forma individual por alguns ministros. 33 Os Ministros Menezes de Direito, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Marcos Aurélio, não disponibilizaram o inteiro teor de seus votos.

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dimensão biográfica e não apenas em uma dimensão biológica, concluindo que a

personalidade em uma dimensão biográfica afirma que se “está a falar do individuo

já empírica ou numericamente agregado a espécie animal-humano, isto é, já

contabilizável como efetiva unidade ou exteriorizada parcela do gênero humano”

(STF, ADI 3510, Min. Carlos Britto, 2008). Prossegue afirmando que a mesma

dimensão biográfica, faz referência a um:

[...] Individuo perceptível a olho nu e que tem sua história de vida incontornavelmente interativa. Múltipla e incessantemente racional. Por isso como definido como membro dessa ou daquela sociedade civil e nominalizado sujeito perante o direito. Sujeito que não precisa mais do que de sua própria faticidade como nativivo para instantaneamente se tornar um rematado centro de imputação jurídica. Logo capaz de adquirir direitos em seu próprio nome. O que se pode acontecer após o nascimento com vida [...] (STF, ADI 3510, Min. Carlos Britto, 2008).

Após tais colocações define como vida humana, já revestida de

personalidade civil, aquela que transcorre entre o nascimento com vida e a morte,

sustentando que tais definições não se contrapõem a nenhum comando

constitucional, visto que a Constituição Federal não define quando começa a vida e

ao referir-se às garantias da dignidade humana, do livre exercício dos direitos

individuais e as garantias individuais, reporta-se aos direitos e garantias do

individuo-pessoa, ou seja, de alguém já nascido e que já é titular de direitos e

obrigações.

Para elucidar o raciocínio acima descrito, afirma que o texto existente na

Constituição Federal por diversas vezes faz referência ao vocábulo criança,

concluindo com isto, que os direitos e deveres lá expressos são destinados ao

indivíduo que já ultrapassou a fronteira da vida intra-uterina e também que a

ressalva existente no art. 2º do Código Civil, ao assegurar os direitos do nascituro,

tem origem na transcendência do princípio da dignidade humana, visto que este é

capaz de alcançar tudo aquilo que possui potencial para se transformar em individuo

pessoa, mas que sempre, e necessariamente, se encontrará em um útero feminino,

uma vez que este é barreira instransponível pra continuidade do processo evolutivo.

O embrião dentro do útero possui potencialidade suficiente para se transformar em

pessoa, o que faz com que o Estado lhe destine proteção jurídica, contudo, um

embrião obtido através de um procedimento de fertilização in vitro, sem uma

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concreta gestação feminina não é capaz de transforma-se em pessoa e por isso a

decisão tomada pelo legislador não ofende a qualquer preceito constitucional.

Conclui seu voto afirmando que se todo casal tem direito de procriar, não

havendo qualquer vedação legal para utilização das técnicas de reprodução

assistida e para conseqüente produção dos embriões excedentários, o legislador

brasileiro não possuía outra alternativa a não ser a adotada pelo dispositivo

impugnado, uma vez que tais embriões ou seriam congelados eternamente ou

seriam descartados ou utilizados em pesquisas, sendo a doação para pesquisa

muito mais adequada e útil do que as outras duas soluções existentes.

A Ministra Ellen Gracie, por sua vez, preferiu adotar solução mais simplista,

não adentrando em discussões éticas e filosóficas sobre o início da vida,

ressaltando, inclusive, que não cabe ao Supremo Tribunal Federal estabelecer

marco para o início de sua proteção já que não pode formular conceitos que não

estejam explicita ou implicitamente espelhados na Constituição, afirmando que seu

papel restringe-se a verificar a harmonia do dispositivo impugnado com o texto

constitucional.

Ao fundamentar seu voto, reprisou os argumentos utilizados pelo Ministro

Carlos Ayres Britto no que tange à licitude das técnicas de reprodução assistida,

sustentando que se o procedimento é permitido e visto com bons olhos pela

sociedade, não possuía o legislador outra opção além das já elencadas pelo

ministro, ou seja, a doação para pesquisas, o simples descarte ou o congelamento

eterno.

Afirmou ainda em seu voto, que a Lei de Biossegurança foi bastante

cautelosa ao determinar uma série de requisitos para realização das pesquisas e

que, por atender aos parâmetros da razoabilidade, em nada ofende a dignidade

humana, considerando que o destino final de todos os embriões congelados seria o

descarte, atendendo ainda ao princípio utilitarista, no qual deve ser buscado o

resultado de maior alcance com o mínimo sacrifício possível, já que “o

aproveitamento, nas pesquisas científicas com células-tronco, dos embriões gerados

no procedimento de reprodução humana assistida é infinitamente mais útil e nobre

do que o descarte vão dos mesmos”.

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A Ministra Carmem Lúcia34 reiterou a afirmação feita pela Ministra Ellen

Gracie ao sustentar que para se achar solução para controvérsia não

necessariamente o Supremo Tribunal Federal teria de definir o exato momento do

início da vida, defendendo que muito embora a “ética constitucional” afirme que para

assegurar o princípio da dignidade humana não é admitida a utilização de espécie

humana em experimentos científicos ou eugênicos, a permissão concedida pelo art.

5º não dá ensejo a tal interpretação, visto que, embora o dispositivo impugnado faça

alusão a palavra “terapias”, estas não serão realizadas a princípio, uma vez que as

pesquisas encontram-se em fase inicial o que não viabilizaria a utilização em seres

humanos, pois, se assim fosse feito, a espécie humana estaria sendo utilizada como

objeto de experimento, o que, ai sim, ofenderia o princípio da dignidade humana.

Sustentou ainda a Ministra que a permissão concedida pela lei corrobora a

inviolabilidade do direito à vida garantida na Constituição, considerando que tal

direito deve ser interpretado em consonância com os direitos de liberdade e saúde,

uma vez que estes visam assegurar o primeiro. Segundo seu entendimento, as

pesquisas que serão realizadas com as células-tronco embrionárias trarão dignidade

à vida de pessoas que por algum motivo não contam com plena condição física,

psíquica e mental, não havendo em razão disto qualquer ofensa a preceitos

constitucionais.

O Ministro Cezar Peluso, muito embora tenha julgado improcedente a

demanda, afirmou que a vida começa com a concepção, ressaltando, contudo, que

vida, como bem jurídico protegido constitucionalmente, é apenas a vida da pessoa

humana, concluindo com isso que o embrião não é pessoa e que no embrião

inviável ou congelado não há vida atual. Levantou ainda a questão dos embriões

excedentários e, considerando a legalidade do procedimento que lhe dá origem,

qualificou como nobre o destino a eles conferido pela lei de Biossegurança, desde

que, naturalmente, haja concordância dos genitores, já que manter os embriões

eternamente congelados ou determinar sua destruição seria muito mais indigno do

que destiná-los para pesquisa.

Considerando a vida como um processo de constante evolução, afirma que

o embrião congelado ou inviável, não pode ser considerado como um ser autônomo

34 Voto disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/cms/listarNoticiaSTF.asp

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pois não possui condições de se desenvolver sozinho, necessitando sempre de

intervenção humana. Para tais embriões, o processo evolutivo foi interrompido e por

mais que haja intervenção humana para que ele tenha continuidade, as chances de

sucesso são ínfimas, para não dizer nulas.

Da lavra do Ministro colhe-se: Se, por pressuposição, vida é processo, tem-se de concluir sem erro, como já antecipei, que, no caso das células-tronco embrionárias congeladas, o ciclo subjetivo de mudanças iniciado no momento da concepção foi suspenso ou interrompido, antes de lhes sobrevir a condição objetiva de inserção no útero, sem a qual não adquirem a capacidade de desenvolvimento singular autônomo que tipifica a existência de vida em cada uma. A fixação do óvulo fecundado na parede uterina é condição sine qua non de seu desenvolvimento ulterior e, como tal, constitui critério de definição do início da vida, concebida como processo ou projeto. Nele, está longe de ser coadjuvante ou secundário o papel causal representado pela participação do útero ou, antes, de todo o corpo feminino, que, como agente de complexas e ainda mal conhecidas interações físicas, biológicas e psicológicas com o feto, algumas das quais decisivas à conformação da sua irrepetível estrutura unitária de pessoa dada à luz, aparece como elemento intrinsecamente constitutivo da vida humana.

O Ministro conclui afirmando que os embriões excedentários não são

titulares do direito à vida a que faz referência a tutela constitucional e, em que pese

devam ser tratados com certa dignidade, em razão da transcendência do princípio

da dignidade humana, não possuem o direito subjetivo de evoluir e nascer, uma vez

que seus genitores não são obrigados por lei a gerá-los e transformá-los em

pessoas.

O Ministro Eros Grau35, embora também tenha julgado improcedente a

demanda, reconhece o nascituro como pessoa e afirma que os direitos a ele

assegurados estão sujeitos a condição suspensiva, afirmando ainda que embrião é

aquele que se encontra em desenvolvimento no ventre materno, destacando com

isso a inadequação do termo utilizado no dispositivo da lei, tendo em vista que um

óvulo fecundado congelado não pode ser considerado embrião, já que teve seu

processo evolutivo paralisado e não possui mais qualquer chance de desenvolver-

se sozinho. O Ministro é categórico ao afirmar que não há vida no óvulo fecundado

35 Voto disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/cms/listarNoticiaSTF.asp

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congelado fora do útero que o art. 5º da Lei 11.105/05 chama de embrião, afirmando

que a vida ali restou estancada.

A situação descrita acima o levou a concluir que a permissão concedida pelo

dispositivo acima referido não representa qualquer violação ao direito à vida ou ao

princípio da dignidade humana, pois não há no caso vida humana a ser protegida.

O Ministro declarou a constitucionalidade das disposições contidas no art. 5º

da Lei 11.105/05, fazendo, no entanto, nos termos da transcrição que segue, alguns

aditivos a serem atendidos para realização das pesquisas: [...] [i] pesquisa e terapia mencionadas no caput do artigo 5 serão empreendidas unicamente se previamente autorizadas por comitê de ética e pesquisa do Ministério da Saúde [não apenas das próprias instituições de pesquisa e serviços de saúde, como disposto no parágrafo 2 do artigo 5; [ii] a “fertilização in vitro” referida no caput do artigo 5 corresponde à terapia da infertilidade humana adotada exclusivamente para fim de reprodução humana, em qualquer caso proibida a seleção genética, admitindo-se a fertilização de um número máximo de quatro óvulos por ciclo e a transferência, para o útero da paciente, de um número máximo de quatro óvulos fecundados por ciclo; a redução e o descarte de óvulos fecundados são vedados; [iii ] a obtenção de células-tronco a partir de óvulos fecundados --- ou embriões humanos produzidos por fertilização, na dicção do artigo 5, caput --- será admitida somente quando dela não decorrer a sua destruição, salvo quando se trate de óvulos fecundados inviáveis, assim considerados exclusivamente aqueles cujo desenvolvimento tenha cessado por ausência não induzida de divisão após período superior a vinte e quatro horas; nessa hipótese poderá ser praticado qualquer método de extração de células-tronco.

O Ministro Gilmar Mendes36 afirmou, assim como outros ministros, que a

temática posta em discussão não dependia de definição de marco inicial e final para

vida humana, visto que estes jamais foram estabelecidos por nunca ter se

conseguido chegar a um consenso entre os posicionamentos científicos, filosóficos e

religiosos existentes sobre o tema.

Independente da definição estabelecida para o início da vida, esclarece que

não é necessário reconhecer algo como sujeito de direitos para assegurar-lhe

proteção jurídica, sendo este o caso do embrião, razão pela qual a questão não está

em saber quando a vida humana tem início e fim, mas sim como e quando o Estado

deve atuar na proteção da vida pré-natal, que, indubitavelmente, está sujeita à

proteção jurídica indisponível.

36 Voto disponível em: http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3510GM

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Afirmou ainda que toda atividade científica deve estar calcada no princípio

da responsabilidade, exigindo-se “uma nova ética para o agir humano, uma ética de

responsabilidade proporcional à amplitude do poder do homem e de sua técnica”

(STF, ADI 3510, Min. Gilmar Mendes, 2008), residindo a controvérsia portanto em

saber se a Lei 11.105/05 agiu com a prudência devida ao autorizar a utilização de

células-tronco embrionárias em terapias e pesquisas, envolvendo uma análise de

acordo com os parâmetros da proporcionalidade.

Sustenta que embora a lei tenha sido cautelosa em fixar uma série de

exigências para efetiva realização das pesquisas, um assunto de tamanha

importância não deveria ter sido tratado em um único artigo de lei, o que poderia

violar o princípio da proporcionalidade em razão de proteção deficiente. A vagueza

do dispositivo, segundo sua análise, é evidente, contudo, a declaração de sua

inconstitucionalidade poderia causar prejuízo ainda maior, pois o assunto ficaria sem

qualquer tipo de regulamentação. Defende que não é o caso de declarar a total

inconstitucionalidade do dispositivo, pois é possível a preservação do texto desde

que este seja interpretado de acordo com a Constituição Federal.

Afirmou o ministro que “deve-se conferir ao art. 5º uma interpretação em

conformidade com o princípio responsabilidade, tendo como parâmetro de aferição o

princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente” (STF, ADI

3510, Min. Gilmar Mendes, 2008).

Do voto proferido pelo Ministro extrai-se: Conforme analisado, a lei viola o princípio da proporcionalidade como proibição de proteção insuficiente ao deixar de instituir um órgão central para análise, aprovação e autorização das pesquisas e terapia com células-tronco originadas do embrião humano. O art. 5º da Lei n° 11.105/2005 deve ser interpretado no sentido de que a permissão da pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, deve ser condicionada à prévia aprovação e autorização por Comitê (Órgão) Central de Ética e Pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde. Entendo, portanto, que essa interpretação com conteúdo aditivo pode atender ao princípio da proporcionalidade e, dessa forma, ao princípio responsabilidade.

O Ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, julgou o pedido formulado

pela Procuradoria parcialmente procedente, aduzindo para tanto que existem sérias

razões para se adotar a tese de que a vida inicia no exato momento da concepção,

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citando entre elas a ratificação pelo Brasil do Pacto de San José da Costa Rica, que

possui caráter supralegal ou até mesmo dignidade constitucional (STF, ADI 3510,

Ministro Ricardo Lewandowski, 2008).

Afirmou o jurista que a discussão travada reside no direito à vida como um

bem jurídico coletivo pertencente à humanidade, sobretudo quando são sopesados

os riscos existentes na manipulação do código genético humano e que o princípio da

precaução determina que, ante a ausência de uma certeza absoluta, devem ser

evitados meios e técnicas que possam causar riscos e danos à sociedade.

O Ministro manifestou-se pela procedência parcial da ação para, sem

redução do texto, conferir a seguinte interpretação ao dispositivo impugnado:

[...] i) art. 5º, caput: as pesquisas com células-tronco embrionárias somente poderão recair sobre embriões humanos inviáveis ou congelados logo após o início do processo de clivagem celular, sobejantes de fertilizações in vitro realizadas com o fim único de produzir o número de zigotos estritamente necessário para a reprodução assistida de mulheres inférteis; ii) inc. I do art. 5º: o conceito de “inviável” compreende apenas os embriões que tiverem o seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas contados da fertilização dos ovócitos; iii) inc. II do art. 5º: as pesquisas com embriões humanos congelados são admitidas desde que não sejam destruídos nem tenham o seu potencial de desenvolvimento comprometido; iv) § 1º do art. 5º: a realização de pesquisas com as células-tronco embrionárias exige o consentimento “livre e informado” dos genitores, formalmente exteriorizado; v) § 2º do art. 5º: os projetos de experimentação com embriões humanos, além de aprovados pelos comitês de ética das instituições de pesquisa e serviços de saúde por eles responsáveis, devem ser submetidos à prévia autorização e permanente fiscalização dos órgãos públicos mencionados na Lei 11.105, de 24 de março de 2005.

Como já explicitado nas linhas inicias, a demanda foi julgada improcedente

nos termos do voto do Ministro relator Carlos Ayres Britto, declarando o Tribunal,

parcialmente vencidos, os Ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros

Grau, Cezar Peluso e o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Frisa-se que os

Ministros Menezes de Direito, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Marcos Aurélio

não disponibilizaram o inteiro teor de seus votos, razão pela qual seus fundamentos

não foram aqui expostos.

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3.2. A ABERTURA DO DEBATE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL À

SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA.

A tramitação da ADI n. 3510 trouxe à tona a abertura do debate no Supremo

Tribunal Federal à sociedade civil organizada. Os procedimentos adotados pela

Corte com a realização de audiência pública na qual foram ouvidos 22 (vinte e dois)

profissionais da área médica e científica, bem como a participação ativa do

Ministério Público Federal, como representante da sociedade, e das 05 (cinco)

instituições que foram admitidas como amici curiae, permitiram a democratização do

debate, com a participação da sociedade na decisão final proferida.

O Ministro Gilmar Mendes, ao comentar esta iniciativa, ressaltou:

O Supremo Tribunal Federal demonstra, com este julgamento, que pode, sim, ser uma Casa do povo, tal qual o parlamento. Um lugar onde os diversos anseios sociais e o pluralismo político, ético e religioso encontram guarida nos debates procedimental e argumentativamente organizados em normas previamente estabelecidas. As audiências públicas, nas quais são ouvidos os expertos sobre a matéria em debate, a intervenção dos amici curiae, com suas contribuições jurídica e socialmente relevantes, assim como a intervenção do Ministério Público, como representante de toda a sociedade perante o Tribunal, e das advocacias pública e privada, na defesa de seus interesses, fazem desta Corte também um espaço democrático. Um espaço aberto à reflexão e à argumentação jurídica e moral, com ampla repercussão na coletividade e nas instituições democráticas.

O comentário feito pelo ministro, bem como os encaminhamentos levados a

efeito pelo Supremo Tribunal na condução da tramitação da ADI 3510 e também em

processos de grande repercussão, como no caso do aborto dos fatos anencéfalos,

conduzido com sistemática muito semelhante pouco tempo depois do julgamento

aqui discutido, demonstram que a Suprema Corte tem se mostrado aberta aos

debates, abandonando com isso a antiga idéia de que apenas as entidades estatais

ou as partes diretamente envolvidas no processo poderiam interpretar a

Constituição.

Tal concepção advinha de um modelo de interpretação vinculado a uma

sociedade fechada, onde apenas os juízes e as partes poderiam participar

ativamente do processo, contudo, ante a necessidade de se estabelecerem métodos

de interpretação voltados para o interesse público e para o bem estar geral, passou-

se de um modelo de sociedade fechada para um modelo de sociedade aberta, onde,

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além dos intérpretes jurídicos, são também legitimados os cidadãos ou grupos e os

órgãos e potências públicas (HABERLE, 1997, p.12/13).

Neste sentido, destaca Peter Haberle (1997, p.14) em sua obra:

(...) cidadãos e grupos, órgãos estatais, o sistema público e a opinião pública representam forças produtivas de interpretação; eles são interpretes constitucionais em sentido lato, atuando nitidamente, pelo menos, como pré-intérpretes. Subsiste sempre a responsabilidade da jurisdição constitucional, que fornece, em geral, a última palavra sobre a interpretação (com a ressalva da força normatizadora do voto minoritário). Se se quiser, tem-se aqui uma democratização da interpretação constitucional. Isso significa que a teoria da interpretação deve ser garantida sob a influência da teoria democrática. Portanto, é impensável uma interpretação da Constituição sem o cidadão ativo e sem as potências públicas mencionadas.

Neste contexto foi promulgada a Lei 9.868/99 que dispõe sobre o processo e

julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de

constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Este novo Diploma Legal

continuou a vedar a intervenção de terceiros na ação direta de inconstitucionalidade,

permitindo, contudo, a participação no processo daqueles que, embora não sejam

partes, possuam legítimo interesse na decisão a ser proferida, desde que relevante

a matéria e notória a representatividade do postulante. Tal inovação nada mais

representou que a introdução formal da figura do amicus curiae no ordenamento

jurídico brasileiro (BARROSO, 2007, p. 164).

Com origem no direito norte americano, a instituição do amicus curiae

tornou-se fator de legitimação das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal

Federal. A expressão, traduzida para a língua portuguesa, significa “amigos da

corte” e é destinada as pessoas e organizações que, estranhas a relação

processual, são admitidas no feito para apresentar manifestações por possuírem

legítimo interesse no deslinde da demanda. É normalmente utilizado em situações

que envolvem questões polêmicas relativas a liberdades públicas (BARROSO, 2007,

p. 164).

Outra inovação trazida pela lei, que também apresentou grande avanço no

que tange às formas de interpretação da Constituição, foi à possibilidade conferida

ao julgador de, em casos em que haja a necessidade de esclarecimentos, ou pela

complexidade do tema ou pela insuficiência de informações nos autos, requerer

informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita

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parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimento

de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Tal possibilidade desmistifica

a afirmação de que a ação direta não comporta dilação probatória e oportuniza ao

julgador a prolação de decisão coerente com a vida real e não apenas em

consonância estrita com o que dispõe a norma positivada (BARROSO, 2007, p.

165).

Gilmar Mendes (1999, p. 123), ao comentar as inovações, assevera que

“trata-se de providência que confere um caráter pluralista ao processo objetivo de

controle abstrato de constitucionalidade, permitindo que o tribunal decida com pleno

conhecimento dos diversos aspectos envolvidos na questão”.

Peter Haberle (1997, p.13), ao caracterizar este novo cenário, salienta:

A interpretação constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela toma parte apenas os interpretes jurídicos vinculados às corporações e aqueles participantes formais do processo constitucional. A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potencias públicas, participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa sociedade. Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for à sociedade.

A teoria de interpretação acima mencionada está sob forte influência da

teoria democrática, que garante a participação ativa da sociedade, por considerar

que esta, como destinatária da norma, a vivencia tanto quanto o legislador

(HABERLE, 1997, p.15). Para Ives Gandra Martins (2005, p.265), “o reconhecimento

da pluralidade e da complexidade da interpretação constitucional traduz não apenas

uma concretização do princípio democrático, mas também uma conseqüência

metodológica da abertura material da Constituição”.

Peter Haberle (1997, p.30/31), arremata a questão afirmando que:

A estrita correspondência entre vinculação (à Constituição) e a legitimação para interpretação perde, todavia, o seu poder de expressão se consideram os novos conhecimentos da teoria da interpretação: interpretação é um processo aberto. Não é, pois, um processo de passiva submissão, nem se confunde com a recepção de uma ordem. A interpretação conhece possibilidades e alternativas diversas. A vinculação se converte em liberdade na medida em que se reconhece que a nova orientação hermenêutica consegue contrariar a ideologia da subsunção. A ampliação do círculo de interpretes aqui sustenta é apenas a conseqüência da

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necessidade, por todos defendida, de integração da realidade no processo de interpretação. É que os intérpretes em sentido amplo compõe essa realidade pluralista. Se se reconhece que a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada, há de se indagar sobre os participantes de seu desenvolvimento funcional, sobre as forças ativas da law in public action (personalização, pluralização da interpretação constitucional).

A decisão proferida no julgamento aqui analisado, certamente, foi

influenciada tanto pelas instituições que ingressaram no feito na qualidade de

amicus curiae, como pelos 22 (vinte e dois) profissionais que foram ouvidos na

audiência pública realizada. Grande parte dos ministros, no corpo de seus votos,

fizeram referência às informações coletadas através desses instrumentos,

principalmente no que tange às informações de caráter técnico acerca da realização

das pesquisas, dos resultados que elas podem trazer, dos procedimentos que

originam os embriões excedentes, das técnicas de reprodução assistida e do

conceito de viabilidade e possibilidade de desenvolvimento dos embriões

criopreservados.

No voto do ministro relator, que venceu pela maioria, sendo adotado,

portanto, como fundamento para decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, é

que se verifica a maior influência desses instrumentos, visto que possui transcrições

das elucidações feitas por mais de 05 (cinco) profissionais oitavados na audiência

pública realizada, o que comprova que “hoje, não há como negar, que a

comunicação entre a norma e o fato, constitui condição da própria interpretação

constitucional” (MENDES, 1999, p. 123), sendo indispensável, portanto, a abertura

do debate a sociedade civil organizada, fazendo com que as decisões tomadas pela

Suprema Corte sejam legitimadas através de um processo democrático com

participação ativa da sociedade.

3.3. O DEBATE EM TORNO DO INÍCIO DA VIDA: PERSPECTIVAS FUTURAS.

Delimitar o início da vida como objeto de proteção estatal faz com que

inúmeros valores sociais sejam questionados, havendo um verdadeiro embate entre

convicções científicas e religiosas. A decisão tomada pelo Supremo Tribunal

Federal, certamente, não terá implicações apenas no que tange à utilização de

células-tronco embrionárias em terapias e pesquisas, mas também em muitas outras

situações em que a vida é discutida como bem jurídico maior, protegido

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constitucionalmente, entre elas apresentam-se, principalmente, as questões do

aborto e dos fetos anencéfalos.

Desde o início das discussões sobre a constitucionalidade ou não do art. 5º

da Lei de Biossegurança foi possível perceber que o plano de fundo dos debates

centrava-se na questão do aborto, que por certo seria suscitada pelos interessados

logo após o julgamento da ADI, situação esta que fez com que a decisão fosse

proferida com muito mais cautela, já que, dependendo dos argumentos utilizados, o

julgado poderia servir de precedente jurisprudencial para autorização do aborto, nos

casos em que a legislação ainda proíbe.

A discussão sobre a descriminalização do aborto há muito tempo assombra

a sociedade brasileira em razão da delicadeza do assunto e da existência de

múltiplas visões sobre o tema. Atualmente, em virtude da existência de inúmeras

entidades não governamentais defensoras dos direitos fundamentais e dos direitos

das mulheres, a questão acabou ganhando um novo contorno. Muito embora tais

entidades, que na verdade representam parte da sociedade, defendam a autonomia

da mulher nos casos de aborto, são bastante incisivas em afirmar que a vida pré-

natal também é detentora de proteção constitucional, proteção está que deve ser

sopesada com os direitos fundamentais da gestante, motivo que justificaria a

imediata reforma da legislação penal vigente, visto que esta simplesmente ignorou

os direitos da mulher, o que não poderia continuar sendo admitido em um

ordenamento onde o direito a liberdade é consagrado constitucionalmente

(SARMENTO, 2006, p. 130).

Flavia Piovesan (2007, p. 69), ao lecionar sobre o tema, assevera que: A luz dos parâmetros protetivos internacionais e constitucionais, reitera-se a urgência de revisão da legislação nacional repressiva e punitiva relativa ao aborto, que há de ser enfrentado como problema de saúde pública. Por conseqüência, negar o acesso ao aborto legal traduz uma violação aos direitos humanos das mulheres, que gera profundo sofrimento e as submete a tratamento cruel, desumano e degradante. O drama do aborto ilegal tem gerado um evitável e desnecessário desperdício de vidas de mulheres, acometendo com acentuada gravidade e seletividade as mulheres que integram os grupos sociais mais vulneráveis (PIOVESAN, 2007, p. 69)

Para os defensores do aborto, conferir à mulher a possibilidade de escolha

em levar ou não adiante uma gestação indesejada, nada mais é do que assegurar a

mesma a dignidade humana que lhe é garantida constitucionalmente, já que esta

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reside no poder de autodeterminação que cada pessoa deve ter sobre si mesma,

sem que haja interferência do Estado ou de terceiros, convergindo tal idéia com a de

autonomia reprodutiva (SARMENTO, 2006, p. 130).

Sabendo do peso e das conseqüências que dita decisão poderia trazer ao

ordenamento jurídico brasileiro, colocando em dúvida, inclusive, a validade de

normas já há muito tempo consolidadas, alguns ministros, quando do julgamento da

demanda, preferiram afirmar que para solução da controvérsia não seria necessário

definir o vocábulo vida e tampouco o momento inicial para sua proteção, limitando-

se apenas a análise do caso concreto e das questões que ali se apresentavam

(STF, ADI 3510, Min. Ellen Gracie, 2008). Para estes Ministros, a solução não foi

definir a vida e sim definir o destino dos embriões que já estavam congelados,

afirmando que seria muito mais útil destiná-los as pesquisas a simplesmente

determinar seu descarte ou seu congelamento eterno.

Os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau, embora tenham julgado a demanda

improcedente, afirmaram que a vida inicia no momento da concepção, fazendo

algumas ressalvas em relação à interpretação do dispositivo para permitir sua

utilização, assim como o Ministro Ricardo Lewandowski que julgou a ação

parcialmente procedente. No entanto, o julgador que enfrentou o tema de forma

mais incisiva foi o Ministro Relator Carlos Ayres Britto, afirmando que, nos termos da

legislação brasileira, vida, revestida de personalidade, é a que transcorre entre o

nascimento com vida e a morte, asseverando ainda que disposições contidas no art.

2º do Código Civil dão margem à interpretação de que é necessária vida extra-

uterina para aquisição de personalidade.

Não obstante a definição acima referida, o Ministro foi mais longe ao

sustentar que a mesma não ofende a qualquer preceito constitucional, em razão da

Constituição não definir vida e tampouco o momento em que a proteção estatal deve

passar a atuar, afirmando ainda que os direitos e garantias lá expressos referem-se

à pessoa humana já nascida e não à vida pré-natal.

Naturalmente tais colocações, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, já

que a demanda foi julgada improcedente nos termos do voto do ministro relator,

seriam capazes de produzir uma verdadeira revolução em inúmeras outras

legislações, permitindo não apenas o aborto tipificado no Código Penal, mas

também a ampla liberdade da mãe que resolve não levar adiante gestação de feto

anencéfalo. Pelo raciocínio do Ministro, sendo a proteção constitucional destinada

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apenas ao individuo-pessoa já nascido, não haveria qualquer fundamento que

levasse à proibição do aborto.

Provavelmente pensando no precedente que tal decisão acarretaria,

ressaltou o Ministro, após a construção do raciocínio acima descrito, que a ressalva

existente no art. 2º do Código Civil, ao assegurar os direitos do nascituro, tem

origem na transcendência do princípio da dignidade humana, visto que este é capaz

de alcançar tudo aquilo que possui potencial para se transformar em individuo

pessoa, o que permitiria a proteção da vida pré-natal no campo da legislação

infraconstitucional. Destacou o Ministro que o embrião dentro do útero possui

potencialidade suficiente para se transformar em pessoa, o que faz com que o

Estado lhe destine proteção jurídica.

Com este raciocínio o Ministrou justificou seu voto, sustentando, em síntese,

que sujeito de direito é apenas aquele que nasce com vida e que destinatário de

proteção estatal é aquele que está inserido em um útero feminino, por possuir

capacidade de se transformar em pessoa, razão pela qual a utilização dos embriões

produzidos in vitro, ou seja, fora do útero, em nada viola os princípios de proteção à

vida e da dignidade da pessoa humana.

A solução, a princípio, resolveu a controvérsia posta em julgamento, contudo

mesmo sem enfrentar a questão de fundo, a decisão não impede que as demais

questões venham à tona. Prova disso é que pouco tempo depois foram retomados

os procedimentos para julgamento da ADPF 54 que discute o aborto dos fetos

anencéfalos. O próprio Ministro Marcos Aurélio, ao ser indagado, sobre o tema,

afirmou, após o julgamento da ADI 3510, que “agora a Corte já estava preparada

para discutir a ADPF 54”. Frisa-se que os procedimentos levados a efeito pelo

Supremo Tribunal Federal foram muito semelhantes aos utilizados no julgamento da

ADI 3510, com realização de audiência pública e intervenção de algumas

instituições na condição de amici curiae.

A ADPF supracitada foi proposta pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Saúde – CNTS, e sustenta que a violação por eles indicada

advém da aplicação que vem sendo dada aos artigos 124, 126 e 128 do Código

Penal pelos juízes e tribunais brasileiros ao proibir a suposta antecipação

terapêutica do parto nos casos de anencefalia. Asseveram os autores que patologia

indicada é totalmente incompatível com a vida extra-uterina, o que leva a criança a

óbito logo após o nascimento, razão pela qual pugnam pela interpretação conforme

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a Constituição dos dispositivos mencionados, com a declaração de

inconstitucionalidade da incidência das disposições contidas no Código Penal no

caso em comento, assegurando a gestante à denominada antecipação terapêutica

do parto caso ela assim entenda necessário (CNTS, ADPF 54, Petição Inicial,

2004)37.

Sem entrar no mérito do motivo que ensejou a propositura da ação, não há

dúvidas que a prática é abortiva e, se permitida pelo Supremo Tribunal Federal, em

certo sentido, virá de encontro à decisão proferida no julgamento da ADI 3510.

Como já ressaltado, lá restou definido que vida humana é a que transcorre entre o

nascimento com vida e a morte, sendo apenas o individuo-pessoa já nascido sujeito

de direito e que toda vida intra-uterina deve ser protegida pelo ordenamento jurídico

em razão da transcendência do princípio da dignidade da pessoa humana, que

protege aquilo que possui potencialidade de se transformar em um novo ser. O

Ministro Carlos Ayres Britto, foi categórico ao afirmar que o embrião dentro do útero

é destinatário de proteção estatal, devendo-lhe ser assegurado o direito de proteção

contra atos que possuam a intenção de obstar-lhe o desenvolvimento.

No caso dos fetos anencéfalos, muito embora estes possuam grande

probabilidade de morte logo após o nascimento, eles estão vivos e em pleno

desenvolvimento dentro de um útero feminino e, segundo a argumentação adotada

pelo Ministro, tais fetos seriam sim destinatários de proteção estatal, não podendo o

Estado permitir a interrupção do processo evolutivo simplesmente para poupar a

mãe do sofrimento em razão do falecimento do filho recém nascido, até por que o

simples acontecimento do nascimento já é capaz de produzir efeitos na ordem civil,

tornando a criança um ser dotado de personalidade e, portanto, sujeito de direitos.

Em que pese tais alegações não é possível prever qual será a decisão

tomada pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que, muito embora o voto do

relator tenha vencido por maioria, existiram não apenas manifestações contrárias,

mas também os ministros que não enfrentam a questão do início da vida para decidir

a controvérsia, situação que pode acarretar em prolação de votos com sentidos

diversos. Ademais, ante a relativização do princípio da dignidade humana e a idéia

37 Informações retiradas da petição inicial apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde quando do ajuizamento da ADPF 54. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=54&class e=ADPF&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M

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de que a proteção conferida a vida pré-natal deve ser sopesada com os direitos e

garantias constitucionais asseguradas à gestante, não se pode descartar a

possibilidade de prolação de sentença que decida a controvérsia de modo a garantir

as mulheres o direito a antecipação terapêutica do parto.

3.4. AS ADVERTÊNCIAS FEITAS PELO STF EM RELAÇÃO AO CONTROLE E

SUPERVISÃO ESTATAL SOBRE AS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

Alguns dos ministros ao proferirem seus votos fizeram algumas ressalvas

quanto à redação do dispositivo de lei impugnado e, muito embora, tenham sido

vencidos, em diferentes proporções, pelo voto da maioria, entende-se por salutar

destacar as observações por eles realizadas, ressaltando-se, novamente, que a

análise é feita com base nos votos que foram disponibilizados em inteiro teor,

justificando-se assim a ausência dos argumentos utilizados pelos Ministros Menezes

de Direito, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Marcos Aurélio.

O primeiro ponto a ser destacado insere-se na preocupação em estabelecer

limites éticos e jurídicos para realização das pesquisas científicas, considerando os

inúmeros riscos decorrentes da manipulação do código genético humano. Neste

cenário apresenta-se a preocupação com a existência de legislação lacunosa

demais, visto que a mesma poderia levar a humanidade a um processo de

“coisificação”, onde o homem seria tratado pela ciência como mero objeto, razão

pela qual o estabelecimento de limites à manipulação do que se entende como vida

e da atividade científica de modo geral, deve pautar-se sempre no princípio da

precaução, segundo o qual “ante a ausência de uma certeza absoluta devem ser

evitados meios e técnicas que possam causar riscos e danos à sociedade”. Tal

observação foi feita pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Gilmar

Mendes.

A preocupação destacada parece ser bastante coerente, visto que, embora a

ciência evolua a passos largos, esta ainda não se mostrou infalível e completamente

segura e os riscos existem em qualquer tipo de experimento. Como aqui se trata da

vida humana, a questão poderia ter sido mais bem trabalhada pelos legisladores,

visto que se torna praticamente impossível regular todos os limites e possibilidades

existentes (ou mesmo apenas as mais importantes) em um único artigo de lei.

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Outro ponto suscitado, desta vez apenas pelo Ministro Ricardo

Lewandowski, foi à ausência de um limite para produção dos embriões e também

um limite temporal para manipulação destes. Segundo o Ministro, a falha apontada

dá ampla liberdade aos cientistas, que poderão produzir a seu bom alvitre quantos

embriões julgarem necessários e utilizá-los no momento em que julgarem adequado,

independentemente do grau evolutivo em que se encontrem e da possibilidade de

desenvolvimento que por ventura possam possuir.

A ressalva feita pelo ministro quanto ao limite temporal para manipulação

dos embriões é bastante pertinente, pois na audiência pública realizada, mesmo os

pesquisadores que eram a favor das pesquisas, concordaram que a manipulação

deveria ser feita apenas até o 14º da vida embrionária, uma vez que após tal data o

embrião já possui os primeiros rudimentos do sistema nervoso central.

A ausência de um conceito expresso de inviabilidade e a exigência de mero

consentimento dos genitores também foram pontos de destaque. O Ministro Ricardo

Lewandowski ressaltou que, muito embora se saiba da existência de conceito de

inviabilidade no que infere a critérios morfológicos e de desenvolvimento, se a lei

não faz referência aos mesmos acaba permitindo que sejam considerados inviáveis

também os embriões tidos como indesejáveis por razões de preferência, ou seja,

aqueles que são rejeitados por seus genitores em razão do sexo, da cor dos olhos,

do cabelo, do coeficiente de inteligência, entre outros, razão pela qual a lei deveria

estabelecer um conceito concreto de inviabilidade, devendo este ser válido,

inclusive, para os embriões criopreservados, dando-se proteção aos mesmos até

que estes deixem de apresentar as propriedades necessárias para gerar um novo

ser. O mero consentimento dos genitores, por sua vez, a seu ver, não é o suficiente

para autorização das pesquisas, devendo a lei fazer a referência a todo um processo

de esclarecimento e informação dos mesmos para que só então, devidamente

instruídos, possam manifestar sua vontade e exarar o consentimento exigido.

A questão sobre a fiscalização e aprovação das pesquisas também foi

bastante discutida. Consideraram alguns dos ministros que permitir que a

fiscalização e a aprovação das pesquisas sejam realizadas por comitês de ética das

próprias instituições e serviços de saúde responsáveis por sua realização não daria

credibilidade ao processo, devendo tal função ser atribuída a um órgão estatal

central. O Ministro Gilmar Mendes sugeriu a criação de um Comitê Central de Ética e

Pesquisa vinculado ao Ministério da Saúde, aduzindo para tanto que os avanços

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científicos devem ser encarados com base no princípio da responsabilidade,

exigindo-se dos pesquisadores e cientistas determinada ética para o agir com o ser

humano.

Os Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes afirmaram que a lacuna acima

indicada seria capaz de por si só acarretar na declaração de inconstitucionalidade do

dispositivo por violar o princípio da proporcionalidade por proteção deficiente,

contudo, ao sopesarem que a declaração de inconstitucionalidade causaria um

vácuo legislativo em relação ao tema prefeririam optar pela interpretação do

dispositivo conforme a Constituição, proferindo com isso decisão com caráter aditivo.

Ambos manifestaram-se pela improcedência da demanda, desde que a fiscalização

e aprovação das pesquisas fosse atribuída a órgão estatal vinculado ao Ministério da

Saúde.

Neste ínterim, destaca-se que o processo de interpretação conforme a

Constituição foi criado para aplicação por parte dos julgadores quando há dúvida

acerca da constitucionalidade do dispositivo. Nesses casos o julgador declara sua

constitucionalidade desde que o mesmo seja interpretado em consonância com os

preceitos constitucionais existentes. O fundamento para sua utilização é que todas

as normas jurídicas devem respeitar a primazia da Constituição, partindo-se da

premissa que o legislador na votaria lei contrária à mesma (MARTINS, 2005,

p.410/415).

Ainda preocupado com a fiscalização das pesquisas, o Ministro Cezar

Peluso, destacou que uma das alternativas para enrijecer e moralizar o processo de

fiscalização seria acentuar, “perante a ordem constituída, a responsabilidade penal

dos membros dos comitês de ética (CEP’s) e da própria Comissão Nacional de Ética

em Pesquisa (CONEP/MS), nos termos do art. 319 do Código Penal” (STF, ADI

3510, Min. Cezar Peluso, 2008), asseverando que situação diferente desta colocaria

em dúvida o poder atribuído aos comitês de avaliação, visto que estes, se imunes a

qualquer tipo de sanção, poderiam deixar de cumprir sua função de modo

satisfatório, rendendo-se facilmente ao apelo das instituições pesquisadoras.

O Ministro elenca como atividades inerentes aos membros dos comitês de

ética (CEP’s) e da própria Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS)

as seguintes atribuições, sustentando que no desenvolvimento das mesmas seus

funcionários atuam como servidores públicos, submetendo-se, assim, ao tipo

estabelecido no art. 319 do Código Penal, “sem prejuízo de incorrerem nas penas

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dos delitos previstos nos artigos 24, 25 e 26 da Lei nº 11.105/2005, por omissão

imprópria, quando, dolosamente, deixarem de agir de acordo com tais deveres”

(STF, ADI 3510, PELUSO, 2008).

É que os membros dos comitês estão obrigados a: a) revisar os protocolos de pesquisa, para os aprovar, até sob condições, ou não; b) acompanhar os desenvolvimento dos projetos; c) receber denúncia de abusos e irregularidades, fazendo instaurar sindicância a respeito e decidindo sobre a continuidade, modificação ou suspensão da pesquisa (item VII.13, letras a, b, d, f e g). E os da Comissão Nacional de Ética têm dever de aprovar e acompanhar os protocolos nas áreas temáticas de genética e de reprodução humanas, provendo normas específicas no campo da ética em pesquisa, bem como de rever responsabilidades, proibir ou interromper pesquisas, definitiva ou temporariamente (item VIII.4, letras c, d e f).

Entende o Ministro que dada à importância e a gravidade do

descumprimento de qualquer dos deveres acima transcritos, deveria o

inadimplemento de qualquer deles, de forma individual e autônoma, ser

transformado em tipo penal, com cominação de pena específica, com a severidade

que o assunto exige, asseverando ainda que, independentemente da fiscalização

realizada por tais órgãos, a mesma deveria ser completada com a fiscalização de

órgãos estatais.

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CONCLUSÃO

Com a finalização da presente pesquisa foi possível concluir a importância

de um debate fundamentado acerca da proteção e do direito à vida como bem

jurídico tutelado pelo Estado. Longe das colocações morais e religiosas e até

mesmo das certezas absolutas que alguns cientistas procuram, em nome da ciência,

estabelecer, é preciso discutir o tema de acordo com os preceitos traçados pela

Constituição, por ser esta a base fundamental de nosso ordenamento jurídico.

Nosso Diploma maior não define vida humana e deixou ao alvitre do

legislador infraconstitucional a tarefa de delimitar qual o momento exato para início

da proteção destinada pelo Estado. A redação contida no art. 2º do Código Civil é

controversa, dando margem a inúmeras interpretações, o que fez com que a

discussão sobre o tema jamais se encerrasse ou fosse satisfatoriamente esgotada.

A despeito de todas as teorias existentes, acredita-se que a questão deve ser

resolvida com uma interpretação responsável do comando lançado pelo legislador.

Se nosso ordenamento jurídico determina que a personalidade jurídica, momento

em que o ser se torna sujeito de direitos e obrigações, inicia com o nascimento com

vida, parece coerente afirmar que a legislação brasileira optou por filiar-se a corrente

natalista para o início da personalidade. Contudo, a ressalva existente no mesmo

dispositivo, que põe a salvo desde a concepção os direitos o nascituro, não pode ser

ignorada.

Se nosso ordenamento prevê que os direitos do nascituro são assegurados

desde a concepção, não há como negar que eles possuem, ao menos, proteção

estatal. Se não podem ser considerados pessoas em sentido pleno, por ainda não

terem implementado a condição do nascimento com vida, não podendo assim ser

considerados sujeitos de direitos, certamente podem ser definidos como seres

titulares de proteção estatal. Tal proteção deriva do irradiamento do princípio da

dignidade da pessoa humana, que protege tudo aquilo que possui potencialidade

para se transformar em um novo ser.

No caso estudado, muito embora as células-tronco utilizadas sejam

embrionárias, ou seja, sejam retiradas desse organismo vivo que é titular de

proteção por parte do Estado, é possível observar uma verdadeira relativização do

princípio da dignidade humana. Apesar de possuírem proteção e serem dotados de

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uma dignidade própria, em razão das condições em que se encontram e das ínfimas

chances de desenvolvimento que possuem, tal proteção é afastada, com o intuito de

proporcionar-lhes um destino mais digno do que o puro e simples descarte ou o

congelamento eterno.

Não há dúvidas que o embrião humano deve ser protegido e preservado

quando se encontra em pleno desenvolvimento, contudo, no caso dos embriões

extranumerários, o processo de desenvolvimento foi interrompido pelo

congelamento. A técnica de criopreservação de embriões, como se constatou

durante a realização da pesquisa, é capaz de reduzir a viabilidade evolutiva até

mesmo dos embriões que, segundo os padrões médicos estabelecidos, possuíam

todas as condições necessárias a implantação em um útero feminino, o que

demonstra que mesmo que eles viessem a ser implantados sua chance de

desenvolvimento seria muito pequena.

Além disso, inexiste no Brasil legislação que regulamente os procedimentos

de reprodução assistida, não havendo qualquer preceito legal que obrigue os

genitores dos embriões a utilizar o material genético que restou do procedimento a

que eles se submeteram, logo, caso o casal já saiba que não deseja mais ter filhos,

o destino dos embriões é o congelamento eterno ou o descarte.

Neste cenário, considerando que os embriões excedentes não possuem

capacidade de desenvolvimento autônoma, necessitando de intervenção humana

para tentar retomar seu processo evolutivo, que, como visto, é potencialmente

reduzido após o congelamento, e que seus genitores não estão obrigados a sua

posterior utilização, parece adequado o destino que a Lei 11.105/05 lhes reservou,

pois além de ressaltar que só podem ser utilizados nas pesquisas e terapias

embriões excedentários, inviáveis e congelados há mais de três, condicionou sua

utilização prévia autorização dos genitores.

Em que pese o dispositivo tenha previsto destino nobre aos embriões,

adotando uma série de requisitos para sua utilização, acredita-se que a questão

poderia ter sido melhor regulamentada com a criação de legislação que tratasse

especificamente sobre tema, regulando não apenas as pesquisas e terapias que

serão realizadas com os embriões excedentes, mas também as técnicas de

reprodução assistida. A questão é complexa e abrange diversas nuances e

particularidades que, certamente, são impossíveis de destacar em um único

dispositivo de lei.

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Assim sendo, conclui-se que a utilização dos embriões excedentes nos

procedimentos previstos na Lei de Biossegurança não ofendem qualquer preceito

constitucional, pois, além de não serem sujeitos de direitos, a proteção que o

ordenamento jurídico lhes destina é afastada por terem perdido substancialmente a

potencialidade de se transformarem em um novo ser. Neste sentido posicionou-se o

Supremo Tribunal Federal, o que representou grande avanço para medicina

brasileira que, só agora, terá chance de igualar-se as tecnologias e descobertas já

feitas em outros países, buscando com isso a cura e o tratamento para doenças até

hoje tidas como incuráveis.

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal que aqui foi objeto de análise,

demonstrou que a maioria de seus membros julgadores preferiram não enfrentar a

questão de frente, procurando solução para controvérsia que ali se apresentava,

sem que com isso fosse preciso definir vida e os limites da proteção destinada pelo

Estado. Tal atitude, certamente, foi resultado da pressão social e do plano de fundo

da discussão que pairava no Supremo, visto que, dependendo da definição utilizada,

esta poderia ser utilizada em momentos vindouros para discussão do aborto e da

antecipação terapêutica do parto no caso dos fetos anencéfalos.

O voto vencedor definiu vida de acordo com as disposições contidas no art.

2º do Código Civil e destinou a vida pré-natal, desde que em pleno desenvolvimento

em um organismo feminino, proteção jurídica derivada do princípio da dignidade

humana. Tal definição pode vir a influenciar de alguma forma no julgamento da

ADPF 54, no entanto, não é possível prever qual posicionamento será adotado pelo

Supremo Tribunal Federal, uma vez que, existem naquela Casa de Justiça não

apenas manifestações contrárias, mas também os ministros que utilizaram o verbete

vida e sua proteção para definir a controvérsia posta em julgamento na ADI 3510.

Ademais, ante a relativização do princípio da dignidade humana e a idéia de que a

proteção conferida a vida pré-natal deve ser sopesada com os direitos e garantias

constitucionais asseguradas a gestante, não se pode descartar a possibilidade de

prolação de sentença que decida a controvérsia de modo a garantir as mulheres o

direito a antecipação terapêutica do parto.

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