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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO CLEISSIANE CUNHA PINHO DE CAMILLIS CAUSAS DE REINCIDÊNCIAS ENTRE ADOLESCENTES DE 12 A 15 ANOS: um estudo de caso no Centro Socioeducativo Passaré FORTALEZA 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE DIREITO

CLEISSIANE CUNHA PINHO DE CAMILLIS

CAUSAS DE REINCIDÊNCIAS ENTRE ADOLESCENTES DE 12 A 15 ANOS: um

estudo de caso no Centro Socioeducativo Passaré

FORTALEZA

2014

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CLEISSIANE CUNHA PINHO DE CAMILLIS

CAUSAS DE REINCIDÊNCIAS ENTRE ADOLESCENTES DE 12 A 15 ANOS: um estudo

de caso no Centro Socioeducativo Passaré

Monografia apresentada ao Centro de

Ensino Superior do Ceará – Faculdade

Cearense – FAC, como requisito parcial

para obtenção do grau de Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. Dr. José Péricles

Chaves

FORTALEZA

2014

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CLEISSIANE CUNHA PINHO DE CAMILLIS

CAUSAS DE REINCIDÊNCIAS ENTRE ADOLESCENTES DE 12 A 15 ANOS: um estudo

de caso no Centro Socioeducativo Passaré

Monografia como pré-requisito para

obtenção do título de Bacharelado em

Direito, outorgado pela Faculdade Cearense

- FAC, tendo sido aprovada pela banca

examinadora composta pelos professores.

Data de aprovação: 10/12/2014

Banca Examinadora

___________________________________

José Péricles Chaves, Prof. Dr.

Orientador

_____________________________ _______________________________

Adriane Leitão Karam, Profa. Ms. Ninon Elizabeth Tauchmann, Profa.Ms

Examinadora Examinadora

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DEDICATÓRIA

A Deus por tudo sempre. A Vanile De Camillis e

Sara Pinho De Camillis, meus amores, que

tornaram possível a realização deste trabalho, pelas

horas incontáveis de paciência, estímulo, afeto e

dedicação. E a meus pais por todo o amor,

incentivo e orações durante toda a caminhada da

minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Péricles pela parceria, que nos permitiu aprofundar nossos

conhecimentos para melhor desempenho desse trabalho.

À Dra. Fátima Valente, pelo grande auxílio e colaboração prestados para a

conclusão deste trabalho, com os relatos de sua experiência na função ministerial.

À toda equipe de profissionais do Centro Socioeducativo Passaré – CESEPA, que

atenciosamente nos recebeu e colaborou com a coleta dos dados aqui apresentados.

Aos adolescentes que generosamente abriram seus corações e me contaram suas

histórias.

Aos membros da banca, por terem aceitado o nosso convite para composição da

banca examinadora.

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RESUMO

Esta monografia tem por escopo analisar as principais causas de reincidências dos

adolescentes de 12 a 15, internos no Centro Socioeducativo Passaré - CESEPA, na prática de

atos infracionais. Para tanto, primeiramente revisa-se sobre a evolução histórica do Direito da

Infância e da Juventude, as garantias do adolescente autor de ato infracional ante o Estatuto da

Criança e do Adolescente - ECA e a nova lei do SINASE. Tratar-se-á, na sequencia, a respeito

das causas de reincidências na prática de atos infracionais. O desenvolvimento do trabalho

parte de uma pesquisa de campo envolvendo adolescentes entre 12 a 15 anos de

idade, internos no Centro Socioeducativo Passaré - CESEPA, bem como de uma

conversa informal com o Juiz de Direito, Promotora de Justiça que atuam na 5ª Vara

da Infância e da Juventude, bem como o Diretor do Centro Socioeducativo Passaré -

CESEPA e profissionais da equipe técnica envolvidos no processo de ressocialização

dos adolescentes dentro do Centro Educacional e embasa-se em bibliografia e

doutrina com a leitura e estudos minuciosos de vários livros e artigos científicos, além de

consultas à legislação em vigor. Como resultado, pode-se apresentar o resultado de um

estudo, através de entrevistas realizadas com 20 adolescentes dentro do Centro

Socioeducativo Passaré.

Palavras Chaves: Adolescente, Atos infracionais, Centro Socioeducativo

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ABSTRACT

This monograph is scope to analyze the main causes of recidivism of adolescents 12-15, the

internal Socio Center Passaré - CESEPA in practice of infractions. We begin revises up on the

historical evolution of the law of Children and Youth, guarantees teenager who commits an

infraction against the Statute of Children and Adolescents - ECA and the new law of

SINASE. Treat yourself will, in sequence, about the causes of recidivism in the commission

of illegal acts. The development work is part of a field survey of adolescents aged 12 to 15

years old, built in the Socio-Educational Center Passaré - CESEPA as well as a casual

conversation with the judge, Promoter of Justice acting in 5th Court of Childhood and Youth,

as well as the Director of the Centre Socio Passaré - CESEPA and professional technical staff

involved in the rehabilitation process of adolescents within the Educational Center and was

grounded in literature and doctrine with reading and detailed studies of several books and

scientific articles in addition to consultations with the legislation. As a result, we can present

the results of a study through interviews with 20 adolescents within the Socio-Educational

Center Passaré.

Key Words: Teenager, Acts infractions, Socio Center

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LISTA DE ABREVIATURAS / SÍMBOLOS

SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

Art. – artigo

5ªVIJ – 5ª Vara da Infância e da Juventude

CESEPA – Centro Socioeducativo Passaré

CESM – Centro Educacional São Miguel

MSE – medida socioeducativa

PmJ-IJ – Promotoria da Infância e da Juventude

LA – Liberdade Assistida

PSC – Prestação de Serviço a Comunidade

Cap. – Capítulo

Inc. – Inciso

§ - Parágrafo

p.- Página

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 9

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE ... 13

2.1 Conceito de adolescência ........................................................................................... 15

2.2 Do Código de Menores ao ECA ................................................................................. 16

2.3 Natureza do sistema de responsabilização do adolescente autor de 19

ato infracional .................................................................................................................. 19

2.4 Garantias Penais do adolescente autor de ato infracional ........................................... 21

2.5 Garantias Processuais do adolescente autor de ato infracional .................................... 23

3 DO ATO INFRACIONAL E DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM ESPÉCIE

.................................................................................................................................... 26

3.1 Conceito e Natureza Jurídica do Ato Infracional ....................................................... 26

3.2 O ECA e as medidas socioeducativas ......................................................................... 27

3.3 As alterações trazidas pelo SINASE ........................................................................... 34

3.4. A execução da medida de internação no CESEPA ..................................................... 36

4 PRINCIPAIS CAUSAS DE REINCIDÊNCIA NOS ATOS INFRACIONAIS ....... 38

4.1. Reincidência dos atos infracionais ............................................................................. 38

4.2. Reflexo das medidas aplicadas na reincidência de atos infracionais ......................... 39

4.3. Resultado da pesquisa ............................................................................................... 40

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 44

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 47

ANEXOS ........................................................................................................................ 49

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

instalaram um sistema de proteção geral de direitos de crianças e adolescentes cujo intuito é a

efetiva implantação da Doutrina da Proteção Integral, ao enumerar direitos e estabelecer

princípios e diretrizes da política de atendimento, definir competências e atribuições gerais e

dispor sobre os procedimentos judiciais que envolvem crianças e adolescentes.

Esse Sistema de Garantia de Direitos, cujas ações são promovidas pelo Poder

Público em suas três esferas e pela sociedade civil, sob três eixos: promoção, defesa e controle

social, rege a política de atenção a crianças e adolescentes, cuja finalidade é ordenar de forma

melhor as várias questões que gravitam em torno da temática, reduzindo assim a

complexidade inerente ao atendimento aos direitos desse público.

Em 18 de janeiro de 2012, foi sancionada a Lei nº 12.594 que instituiu o Sistema

Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, apresentado pela Secretaria Especial

dos Direitos Humanos da Presidência da República e o Conselho Nacional dos Direitos da

Criança e do Adolescente, fruto de uma construção coletiva que envolveu nos últimos anos,

diversas áreas de governo, representantes de entidades e especialistas na área, além de

diversos debates protagonizados por operadores do Sistema de Garantia de Direitos em

encontros regionais que cobriram todo o país.

O SINASE constitui-se de uma política destinada à inclusão do adolescente em

conflito com a lei que se correlaciona e demanda iniciativas dos diferentes campos das

políticas públicas e sociais. Dentro desse contexto, encontramos uma das grandes

problemáticas sociais e do Direito, englobando os adolescentes infratores que são

demonizados depois da prática de atos de extrema violência que repercutem diariamente na

mídia, em especial, na televisiva, levando diversos segmentos da sociedade a uma enxurrada

de opiniões, dentre elas, a da necessidade da redução da maioridade penal, da aplicação de

medidas mais severas, de maior tempo de internação, de penas perpetuas, de penas de morte,

etc.

Mas as principais perguntas foram: Quais as causas de reincidência na prática de

atos infracionais? Qual a razão da ineficácia das medidas socioeducativas aplicadas? Qual o

perfil do adolescente em conflito com a lei que encontra-se privado de liberdade nos Centros

Educacionais na Comarca de Fortaleza? Só na busca de respostas a perguntas dessa natureza

foi que se pode compreender melhor porque a aplicação das medidas socioeducativas não é a

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principal solução para a criminalidade juvenil e sim políticas públicas preventivas de inclusão

social do adolescente, já que a criminalidade tem raízes de caráter social.

Dessa forma, esse trabalho teve como objetivo principal buscar as principais

causas de reincidência dos adolescentes na prática de atos infracionais através de um estado

de caso, verificando a eficácia ou ineficácia das medidas socioeducativas, especialmente a de

internação. Já os objetivos específicos giraram em torno de se constatar qual a opinião do

Diretor do CESEPA, analisando suas dificuldades, o posicionamento da Promotora de Justiça

Titular da 5ª Promotoria da Infância e Juventude e do Juiz de Direito titular da 5ª Vara da

Infância e Juventude, na comarca de Fortaleza, sobre a problemática estudada por meio de

uma pesquisa de campo.

Estando a autora inserida nos quadros dos servidores da Procuradoria Geral de

Justiça do Estado do Ceará, o interesse pelo estudo do tema em comento resultou na busca da

verificação das causas de reincidência e o perfil dos adolescentes.

O tratamento metodológico dado à monografia foi delineado em uma pesquisa de

campo realizada com adolescentes de 12 a 15 anos internos no CESEPA da Comarca de

Fortaleza e associado a bases teóricas de natureza bibliográfica e doutrinária.

Na tentativa de atingir o objetivo proposto por este estudo, inicialmente realizou-

se uma pesquisa bibliográfica para o levantamento dos dados secundários, destinados a

facilitar a compreensão do problema, priorizando as questões e identificando critérios que

forneceram subsídios ao trabalho, oriundos em livros, códigos, Constituição Federal e

doutrinas, artigos publicados em revistas, revistas especializadas e assim elaboramos os

tópicos teóricos da monografia. A principal vantagem desse tipo de pesquisa, segundo Gil

(1999), é permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos de forma ampla e

abrangente.

Em seguida foi realizada uma pesquisa de campo de natureza quantitativa, com

delineamento descritivo-conclusivo conforme a abordagem do estudo de caso. Segundo Yin

(2001), o estudo de caso é uma investigação empírica de um fenômeno contemporâneo em um

contexto real, quando os limites entre eles não estão claramente definidos e em que múltiplas

fontes de evidência são usadas. Ainda, segundo Yin (2001), existem, pois, vários tipos de

estudo de caso, contudo, esta pesquisa se caracterizou como estudo de caso holístico, em que

o estudo é composto por apenas uma subunidade de análise, podendo ser um indivíduo, uma

reunião, uma função ou um local determinado, considerando que a unidade de análise abrange

adolescentes em conflito com a lei privados de liberdade no CESEPA. Para a conclusão do

estudo, foi realizada a pesquisa durante o segundo semestre de 2014.

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Vale ressaltar ainda que os estudos de casos são indicados quando o objetivo da

pesquisa é expandir e generalizar teorias (generalização analítica) e não enumerar frequências

(generalização estatística). Conforme Triviños (1987), o seu grande valor é o de fornecer o

conhecimento aprofundado de uma realidade delimitada, onde os resultados atingidos podem

permitir hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas.

A pesquisa foi aplicada pela graduanda entre os dias 22 a 26 de setembro de 2014

no período de 12:00 às 18:00h no CESEPA. Foram produzidos questionários contendo

indagações versando sobre: a idade, escolaridade, renda familiar, ato infracional, reincidência

ou não, tudo em segredo de justiça, em respeito a inviolabilidade dos direitos inerentes aos

adolescentes em conflito com a lei. O procedimento de abordagem aos adolescentes se deu da

seguinte forma: visita ao CESEPA acompanhada de um profissional da equipe técnica do

referido Centro. A aplicação do questionário foi feita após contato com cada adolescente,

tendo como requisito que os mesmos estivessem privados de liberdade na Unidade. Foi feito o

anúncio da pesquisa e fazendo-se referência a duas menções contidas antes das perguntas:

“que não haveria identificação e que se tratava de pesquisa para fins acadêmicos”. Em seguida

foi realizada a aplicação do questionário, em forma de um bate-papo com os adolescentes,

para que os mesmos não se sentissem constrangidos a responder as perguntas, ficando o

aplicador à disposição para esclarecimentos necessários e requeridos por parte dos

entrevistados. Em todos os casos as respostas, foram escritas pelo aplicador a pedido dos

pesquisados.

Para selecionar o universo de amostragem de 20 (vinte) adolescentes, utilizou-se o

método probabilístico por conveniência, em virtude da rotatividade dos adolescentes no

CESEPA, bem como o fato do momento em que nos encontrávamos no Centro Educacional,

alguns adolescentes estarem ocupados com outras atividades ou atendimentos psicológicos,

pedagógicos ou sociais.

A estrutura da monografia está dividida entre três capítulos e as considerações

finais. O primeiro capítulo esboça a evolução histórica do direito da infância e da juventude,

compreendendo a mudança de paradigma e a consolidação do Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA, ampliando o compromisso e a responsabilidade do Estado e da

Sociedade Civil por soluções eficientes, eficazes e efetivas para o sistema socioeducativo.

Esse capítulo mostra sobre o conceito de adolescência e as garantias penais e processuais dos

adolescentes autores de atos infracionais.

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O segundo capítulo dá ênfase ao ato infracional, seu conceito e natureza jurídica,

as medidas socioeducativas no ECA e as mudanças trazidas pelo SINASE, buscando

compreender a aplicação da MSE de internação.

O terceiro capítulo analisa o resultado da pesquisa realizada entre os adolescentes

de 12 a 15 anos internos no CESEPA, buscando as principais causas de reincidência nos atos

infracionais.

Nas considerações finais estão sumarizados os principais resultados do estudo,

bem como sugestões para novas pesquisas, a partir dos resultados obtidos. Sugere-se, que

questões relevantes não contempladas no presente trabalho sejam objeto de investigações

futuras.

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2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

No primeiro capítulo faremos um breve relato da evolução histórica do direito da

infância e da juventude, partindo da construção conceitual da palavra infância e adolescência,

perpassando pelos principais fatos históricos relacionados ao direito dos adolescentes, desde o

Código de Menores até a promulgação do ECA.

É fato comum denominar que no ordenamento jurídico brasileiro atual é aplicável

a doutrina da proteção integral, onde se busca garantir todas as necessidades das pessoas

enquanto infantes. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente expressa direitos da

população infanto-juvenil brasileira, pois afirma o valor intrínseco da criança e do adolescente

como ser humano, em especial, a necessidade do respeito à sua condição de pessoa em

desenvolvimento.

Assim a Constituição Federal e o ECA atuam com base nos ensinamentos da

doutrina da proteção integral, abrangendo aspectos como a criação de programas de

prevenção e atendimento especializado à criança e aos adolescentes dependentes de

entorpecentes e drogas afins, por exemplo. Contudo nem sempre foi assim, existindo por

décadas atitudes estatais repressivas.

Quanto aos adolescentes em conflito com a lei também não foi diferente. A

evolução legislativa se deu em decorrência do fluir dos tempos e do entendimento e

desenvolvimento do homem sobre a necessária relação do indivíduo com as leis. Assim com

relação ao direito das crianças e dos adolescentes não foi diferente, tendo se aperfeiçoado com

o passar dos tempos.

O próprio conceito de infância foi construído ao longo dos anos. Segundo

Philippe Aries (1981), na Idade Média, não existia uma separação clara entre o que seria

adequado para crianças e o que seria da vivência dos adultos. Em suas pesquisas Aries chegou

a conclusão de que as crianças só recebiam tratamento diferenciado apenas nos primeiros anos

de vida, quando ainda dependiam dos cuidados das mães ou de suas amas.

Philipe Aries (1981) nos retrata que a sociedade europeia até por volta do século

XII, não retratava as crianças em seus quadros e, quando o faziam, elas estavam representadas

com trajes semelhantes aos dos adultos, isso tudo justificado pela baixa expectativa de vida

que as crianças tinham na Idade Média.

Assim, Aries nos esclarece que o sentimento de infância não existia na Idade

Média, visto que as crianças eram tratadas como adultos em tamanho menor e não havia

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acomodação ou vestimenta especial para elas. Segundo Zygmunt Bauman (1998), a infância é

um conceito que começou a se desenvolver a partir dos séculos XVI e XVIII.

Segundo Tavares (2001, p.46), em diversos povos das civilizações primitivas, tais

como os hebreus, os espartanos e os romanos, “O pai tinha o terrível jus vitae necis sobre a

pessoa do seu filho não emancipado, podendo aliená-lo, nos tempos mais recuados, até matá-

lo.” No Brasil foi somente nas Ordenações Afonsinas, seguidas pelas Ordenações Filipinas,

que a tutela de menores apareceu pela primeira vez na legislação brasileira. Mais adiante, no

século XIX, o Código Criminal do Império, de 1830 e o Código Penal de 1890 trouxeram

disposições destinadas às crianças e aos adolescentes.

Conforme esclarece Tavares (2001), “A lei concedia, como ‘benevolência’ em

face da tenra idade, a execução da pena de morte, a ser aplicada ao menor de 25 e maior de 17

anos, sob a forma ‘suavizada’ de enforcamento simples, o que era chamada então pena de

morte natura!”(p.51), percebendo-se assim, que até o inicio do século XX aos menores cabia

a imputação penal, sem delimitação de direitos e deveres de outra ordem a não ser a criminal.

A normatização existente acerca dos menores infratores demonstrava a atitude estatal

equivocada e de contumaz repressão, sendo tal entendimento seguido no Brasil até a criação

do Código Mello Mattos, em 1927, o qual, ainda estava longe de reconhecer direitos efetivos

às crianças e aos adolescentes.

A promulgação da lei de menores do começo do século XX se deu em um

contexto histórico onde a sociedade começava a perceber a necessidade da implantação de

políticas sociais e econômicas, em razão do período pós-guerra. Mas os avanços na legislação

menorista passaram a ser notados a partir dos tratados internacionais sobre direitos humanos.

Após a Declaração de Genebra, datada de 1924, seguida pela Declaração dos Direitos do

Homem, de 1928, observou-se a necessidade de discriminação da infância e da juventude em

relação aos adultos, o que refletiu no ordenamento jurídico brasileiro e fomentou a criação dos

Códigos de 1927 e de 1979 (CUNHA, 2010).

No Código Penal do Império (1830), o menor de 14 anos não era considerado

criminoso, visto que o que era levado em conta era o discernimento, por este critério o

individuo seria responsabilizado por seu ato, mas não teria capacidade moral para discernir se

o seu ato era bom ou mau. Já na Primeira República, o critério do discernimento passou a ser

considerado arbitrário, insuficiente para lidar com o aumento da criminalidade infanto-juvenil

(MELO, 2010).

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Como o sistema republicano provocou a separação do Estado da Igreja, aquele

passa a assumir a tarefa de assistência aos menores, uma função até então desenvolvida

exclusivamente pela igreja católica desde o período colonial.

A sociedade brasileira das primeiras décadas da República, não preocupada com o

problema social, mas sim com o controle social, passam a se preocupar com o aumento da

criminalidade infanto-juvenil, acarretando debates, com o positivismo republicano da ordem e

do progresso, finalizando com a aprovação do 1ª Código de Menores de 1927.

2.1 Conceito de Adolescência

Etimologicamente a palavra adolescência vem do latim: “ad” (para) + “olescere”

(crescer), significando portanto, a stricto sensu “ crescer para”. Assim na etimologia da

palavra podemos conceituar adolescência como período em que nos remete a ideia de

desenvolvimento, de preparação para o que está por vir, de fase da vida em que a pessoa se

prepara para se enquadrar nesse “a frente” que está colocado. É como se a adolescência fosse

uma fase que tem que ser transposta para alcançar aquilo que é ideal. Para muitos do senso

comum, a adolescência tem sido vista como “um problema”, “um momento de crise”.

O ECA em seu art. 2º define que para referida lei considera-se criança a pessoa

até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Já para a OMS – Organização Mundial de Saúde - a adolescência é definida como

sendo o período da vida em que começa aos dez anos e termina aos dezenove anos, sendo

dividida portanto em três fases: a) pré-adolescência – dos 10 aos 14 anos; b) adolescência –

dos 15 aos 19 anos completos e c) juventude – dos 15 aos 24 anos.

Se tentarmos definir a adolescência iremos encontrar diversas definições, algumas

utilizando estudos da psicologia, outras da medicina, outras da filosofia, da educação, etc.

Sabemos que conceituar essa fase da vida é difícil, por se tratar do ser humano, tão complexo.

O que podemos afirmar é que o conceito de adolescência hoje é fruto de uma construção

social, marcado por transformações biológicas e comportamentais.

Contudo, nesse trabalho monográfico, iremos trabalhar com o conceito jurídico da

palavra adolescência, que determina a idade em que ela inicia, entrando em acordo com

outros conceitos psicológicos e sociológicos, utilizados para explicar os problemas sociais

para a adolescência. Assim, no Brasil, adolescente é todo aquele que tem doze anos completos

e a partir do dia do seu décimo segundo aniversário, torna-se adolescente e pode vir a cumprir

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uma das medidas socioeducativas previstas no art. 112 do ECA, que vão desde à advertência

até a internação em instituição destinada a adolescentes em conflitos com a lei.

2.2 Do Código de Menores ao ECA

O Código de Menores foi um dispositivo de poder que emergiu no contexto

histórico da urbanização do Rio de Janeiro e São Paulo das primeiras décadas do século XX.

A discussão da sociedade da época sobre a criminalidade infanto-juvenil migra do discurso da

benevolência para o da repressão aos menores.

Em 1920, o legislador passa a definir o segmento infanto-juvenil como menores,

diferenciando entre o menor abandonado e o menor delinquente. Em 12 de outubro de 1927

foi criado o Código de Menores do Brasil, também conhecido como Código Mello Mattos,

que disciplinava os procedimentos para a atenção aos menores de 18 anos.

A elite da sociedade da época forjou então o estigma da pobreza ser inerente à

acomodação e fraqueza dos pobres; forjou a categoria de menor abandonado e delinquente

para os filhos da classe trabalhadora; aprofundou o abismo das desigualdades sociais,

aumentando a perseguição dos pobres que seriam perigosos, acrescendo o conceito de

periculosidade do menor como fator determinante para a definição de políticas disciplinares

diferenciadas, conforme os reformatórios do período de vigência do SAM – Sistema de

Assistência do Menor, criado por Getúlio Vargas e a FUNABEM dos militares (MELO,

2010).

A sociedade brasileira das primeiras décadas da República, não preocupada com o

problema social, mas sim com o controle social, passam a se preocupar com o aumento da

criminalidade infanto-juvenil, acarretando debates, com o positivismo republicano da ordem e

do progresso, finalizando com a aprovação do 1ª Código de Menores de 1927.

Nesse sentido, menores, no contexto do Código Mello Mattos, eram os

abandonados e os delinquentes, com os quais os pais deixaram de cumprir seus deveres, e os

quais, o Estado deveria tutelar. Se por um lado o Código de 1927 representou um grande

passo na construção do direito da infância e da juventude ao legislar com base em referências

biológicas e psicológicas do desenvolvimento humano – prevendo a proteção e a assistência à

menoridade, por outro lado acabou por estigmatizar o menor de idade como delinquente,

traçando medidas, ainda, demasiadamente repressoras. Nesse sentido, refere-se Melo:

Segundo o artigo 26 [do código Mello Mattos], uma série de situações eram

caracterizadas como irregulares, a maioria delas referidas à pobreza ou a vagos

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padrões de condutas dissonantes da camada dirigente. As consequências, segundo o

art. 55 do mesmo código, eram drásticas, todas, de regra, de afastamento da família,

de institucionalização de crianças, podendo envolver todas de uma mesma

família(2010, p.165).

Salienta-se, dessa forma, que o direcionamento do código de 1927 aos menores

abandonados e delinquentes não se trata de interpretação doutrinária, e sim da expressão

literal da lei, nos termos do seu artigo 1º: “O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou

delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente

às medidas de proteção e assistência contidas neste Código”.

No cenário do populismo do Estado Novo, retoma-se a questão dos menores,

voltando novamente a ser centro da preocupação assistencial do governo, aprovando-se assim,

a Lei de Emergência em 1943. Referida lei promoveu mudanças no Código de Menores, com

os trabalhos de uma comissão revisora que definiu o critério de periculosidade. Os programas

populistas de Vargas teve o compromisso da inserção das crianças e adolescentes pobres no

sistema produtivo por meio da disciplina institucional e o caráter moral e pedagógico do

trabalho. No caso dos menores improdutivos, aplicava-se a política do confinamento em

instituições totalitárias realizadas pelo poder judiciário na figura do juiz (ALVES, 2001).

Com o fim da era Vargas há um desgaste nacional do SAM, em virtude de

denúncias de maus-tratos e violências sofridas pelos internos. Assim a partir de 1964 é criada

a FUNABEM para conter os avanços da criminalidade infanto-juvenil, porém com nova

roupagem da assistência. Dessa feita, a FUNABEM é recebida como a guardiã da criança por

reforçar a obrigação moral da família, reformulando o SAM- Sistema de Assistência ao

Menor.

Contudo a FUNABEM não solucionou a questão do menor conforme prometido e

em 1979 foi promulgado o Novo Código de Menores – Lei nº 6.697/79, definindo como

objeto de sanção e vigilância os menores em situação irregular, principalmente os menores

infratores. Essa institucionalização compulsória dos menores em situação irregular perdurou

até a promulgação do ECA.

Foram os debates no meio acadêmico, em organização de classe e no meio

empresarial que fomentaram os movimentos pelos direitos da criança e juventude durante

toda a década de 80. Os primeiros resultados da movimentação social pela cidadania da

juventude brasileira se deram com a Convocação da Assembleia Constituinte e a consequente

promulgação da Constituição Federal de 1988, representando, portanto, o melhor regramento

jurídico constitucional em matéria de infância e juventude no Brasil, dispensando à área a

atenção e o status merecidos, em prol do progresso legislativo e social do país.

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De início, a Constituição Federal de 1988 apresenta a existência do direito de

proteção conferido às crianças e aos adolescentes, sem que dispense maior detalhamento. É o

que se vê do artigo 6º, que, em suma, identifica a existência do direito e esclarece a sua

natureza de direito social. Contudo, é no artigo 227 que a Constituição Federal ratifica seu

ideal de proteção à infância e à juventude, esclarecendo-o e especificando-o desde o caput aos

seus oito parágrafos. Versa o caput do referido dispositivo:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e

ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência

familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

A existência no texto legal de tratamento dedicado às crianças, aos adolescentes e

aos jovens como seres com peculiaridades específicas decorrentes da idade de cada um, é o

aspecto mais relevante desse dispositivo. Outro aspecto a salientar no caput do artigo 227 da

CF é a expressão “com absoluta prioridade”. Nesse sentido, o que se depreende do referido

artigo da CF, e o que diz literalmente no ECA, é que a criança e o adolescente são sujeitos de

direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, que devem receber cuidados

com prioridade absoluta. Por isso, entende-se que o ECA não apenas modificou o tratamento

da infância na lei, mas também passou a definir práticas para a efetividade desse novo texto

legal, tendo em conta que veio em substituição do já defasado Código de Menores.

O ECA, é pois, o principal regimento jurídico sobre os direitos dos infantes

vigente no Brasil. Sucedendo-se do ensejo dos dispositivos constitucionais de proteção da

infância e da juventude, principalmente do artigo 227, já comentado, o ECA estabeleceu

definitivamente a posição desses indivíduos como sujeitos de direito no ordenamento jurídico

brasileiro. Assim, a prioridade absoluta e a proteção integral são as principais regras

valorativas que disciplinam esse novo ramo do direito, complementando-se uma a outra, vez

que a primeira atua para a efetividade da segunda, e em razão da segunda foi determinada a

primeira.

Percebe-se assim que o Estatuto vai além da Convenção sobre os Direitos da

Criança, para a qual toda pessoa com menos de dezoito anos é criança, sem fazer distinção em

relação aos adolescentes, o que não significa contrariar a norma de direito internacional. Além

de tudo, a Convenção deixou em aberto a possibilidade de os Estados partes considerarem

atingida a maioridade antes dos dezoito anos de idade, opção esta não adotada pelo

ordenamento brasileiro.

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Nessa linha, o legislador brasileiro optou por distinguir os menores de idade em

razão do nível de desenvolvimento em que se encontram, traçando tratamentos discriminados

para as crianças e a para os adolescentes, a fim de dedicar a cada grupo atenção especial

concernente à idade.

2.3 Natureza do sistema de responsabilização do adolescente autor de ato infracional

Analiticamente e conforme a teoria clássica do delito, o crime é definido como a

ação típica, antijurídica e culpável. Assim, na essência, o crime representa um desvalor social,

ofendendo a cidadania. Dessa forma, o ato infracional, definido no art. 103 do ECA como a

conduta descrita como crime ou contravenção penal, atribuído a toda pessoa de doze a dezoito

anos incompletos, também importa um desvalor social, de maneira que na defesa da cidadania

o controle da criminalidade infanto-juvenil assume o caráter de providência indeclinável

(ABMP, 2006).

O Estado, enquanto organização que é destinada a perseguir a paz social,

desenvolve uma série de ações tendentes à reversão do quadro da criminalidade infanto-

juvenil. E como por ordem do legislador, as penas não podem figurar entre as medidas

jurídicas derivadas da prática de crimes ou contravenções penais praticadas por menores de

dezoito anos, foi imprescindível criar um sistema que contemplasse respostas à criminalidade

juvenil, de modo que do mesmo modo como protegesse a sociedade, estabelecesse

mecanismo de intervenção no processo de desenvolvimento da criança ou adolescente.

Resumidamente, o ECA almeja a proteção integral da criança e do adolescente e

seus instrumentos genéricos de garantia estão materializados nos princípios do respeito à

condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento e no princípio da prioridade

absoluta.

Levar em consideração a capacidade do adolescente para o cumprimento da

medida a ele aplicada, importa atenção à essência e aos princípios do Direito da Criança e do

Adolescente, especialmente o respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,

devendo a medida cumprir o seu papel sócio ressocializador, sócio educador. Assim entender

adequadamente a ideia de capacidade pessoal para o cumprimento da medida importa em

compreender a própria culpabilidade do adolescente.

O ato do adolescente que pode ser qualificado de infracional e assim determinar a

aplicação de uma das medidas socioeducativas é somente aquele que, no mundo adulto,

corresponder a uma ação típica, antijurídica e culpável. Assim com base na CF, que inseriu

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em nosso ordenamento a doutrina da proteção integral, adveio um sistema próprio de

responsabilização de autores de atos infracionais, tratando pois de um conjunto sistêmico

distinto do Direito Penal.

É conhecido que o ECA transportou as garantias do Direito Penal, propiciando

como resposta à delinquência juvenil, em vez da severidade das penas criminais, medidas

predominantemente pedagógicas. Surgido da crise da Justiça de Menores, buscando superar

os equívocos e antijuridicidades do “Direito do Menor”, o ECA baseia-se nos princípios do

Direito Ciência, da Epistemologia Jurídica, notadamente do Direito Judiciário.

A responsabilidade penal juvenil como categoria jurídica considera que adultos,

crianças e adolescentes, sendo pessoas desiguais, não podem ser tratadas de maneira igual,

fixando a legislação brasileira, a responsabilidade penal juvenil apenas a partir dos doze anos

completos. A criança menor de doze anos fica isenta de responsabilidade, sendo encaminhada

ao Conselho Tutelar, ficando sujeita a aplicação de medidas protetivas; já os adolescentes

(dos doze aos dezoito anos) têm responsabilidade penal juvenil. Mas a grande questão é como

conjugar em nosso Direito Positivo inimputabilidade e responsabilidade juvenil?

Por isso, o art. 228 da CF, ao conferir inimputabilidade penal até dezoito anos,

ressalvou a sujeição “as normas da legislação especial”. Não se confundindo imputabilidade e

responsabilidade, tem-se que os adolescentes respondem frente ao ECA, portanto são

imputáveis diante daquela lei.

As medidas socioeducativas, assim como as penas criminais podem ser restritivas

de direitos ou privativas de liberdade. Assim assevera Amaral e Silva:

Como no Direito Penal Comum, no Estatuto (Direito Penal Juvenil) predominam os

princípios da despenalização, da descriminalização, do Direito Penal Mínimo,

optando a lei juvenil pelas penas restritivas de direitos, como importantes

alternativas à privação de liberdade. Em suma, embora inimputáveis frente ao

Direito penal Comum, os adolescentes são imputáveis diante das normas da lei

especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, respondem penalmente,

face ao nítido caráter retributivo e sócio-educativo das respectivas medidas, o que se

apresenta altamente pedagógico sob o ângulo dos direitos humanos de vítimas e

vitimizadores. Além disso, respostas justas e adequadas são de boa política criminal,

exsurgindo como elementos indispensáveis à prevenção e à repressão da

delinquência.(CUNHA, 2010, p. 45)

Como visto, os jovens que praticam atos tipificados como condutas penalmente

reprovadas, têm responsabilidade que pode ser definida como penal especial. Sem dúvida

alguma, o ECA representa um avanço político e jurídico no marco histórico de afirmação da

cidadania deste grupo social.

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21

2.4 Garantias penais do adolescente autor de ato infracional

A Constituição Federal, bem como o ECA, absorvendo os ditames da Doutrina da

Proteção Integral, fizeram por estabelecer que a forma mais eficaz de prevenir a delinquência

juvenil é assegurando a tal população a oportunidade de vida digna, garantindo-se, com

absoluta prioridade, a todas as crianças e adolescentes, a possibilidade do exercício dos

direitos da cidadania.

O Estado com o seu dever institucional de efetivar as políticas sociais básicas, das

políticas sociais assistenciais e dos programas de proteção especial é que tem o condão de

construir a verdadeira cidadania, conduzindo os adolescentes em conflito com a lei, que se

encontram na marginalidade ao espaço da dignidade humana. Assim, talvez, quando o Estado

responder concretamente ao seu dever institucional, que muitas vezes fica apenas no “dever

ser”, assegurando as crianças e adolescentes, com prioridade absoluta, o exercício dos direitos

elementares da cidadania, caminharemos para um contexto real inibidor da marginalidade

(ILANUD, 2006).

Aos adolescentes em conflito com a lei, a CF, o ECA e o SINASE garantem o

direito de proteção especial, baseado no princípio da excepcionalidade e da brevidade, onde o

comando constitucional da segregação de adolescentes autores de atos infracionais só deva ser

utilizado como último recurso, quando comprovadamente se mostrarem insuficientes ou

inadequadas as medidas socioeducativas em meio aberto ( LA- liberdade assistida ou PSC –

prestação de serviço a comunidade). Nesse sentido, o art. 122, caput do ECA indica de

maneira taxativa em que casos é possível a aplicação da MSE de internação.

Quando falamos das garantias penais do adolescente autor de ato infracional,

encontramos os seguintes princípios aplicáveis aos adolescentes: a) princípio da legalidade; b)

princípio da culpabilidade; c) princípio da individualização da pena e o d) princípio da

humanização das penas.

O princípio da legalidade ou da reserva legal está inscrito como garantia

constitucional no art. 5º, inc. XXXIX, da Constituição Federal de 1988, bem como no art. 40,

2, a, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança:

Os Estados assegurarão, em particular, que não se alegue que nenhuma criança tenha

infringido as leis penais, nem se acuse ou declare culpada nenhuma criança de ter

infringido essas leis, por atos ou omissões que não eram proibidos pela legislação

nacional ou pelo direito internacional no momento em que forem cometidos

(FORTALEZA, 2014).

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Em virtude dessa garantia, o Estado, em seu poder de punir, perde o caráter

absoluto e passa a ter limitação jurídica, onde só a lei escrita pode ser fonte de normas

incriminadoras, da irretroatividade da lei penal em prejuízo do acusado, da proibição do

emprego da analogia em relação às normas incriminadoras e de que as leis penais devem

descrever fatos puníveis de maneira precisa e inequívoca, sem deixar dúvidas sobre sua

proibição.

Também como garantia emprestada do Direito Penal, encontramos o princípio da

culpabilidade, previsto no art.40,2, I, da Convenção Internacional sobre os Direitos da

Criança: “Que toda a criança de quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se

acuse de ter infringido essas leis goze, pelo menos, das seguintes garantias: I – ser

considerada inocente, enquanto não for comprovada sua culpa”.

Por esse princípio extraímos que, por falta de capacidade de culpa, o adolescente

portador de doença mental ou de qualquer alteração mórbida da saúde mental, não pode

receber medida socioeducativa, visto que não era ao tempo da ação ou da omissão

inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com

esse entendimento de culpa: “Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental

receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições”

(FORTALEZA, 2014).

No art. 40, 4, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança

encontramos o princípio da individualização da pena, com a análise sob a perspectiva da

aplicação da medida socioeducativa mais adequada às necessidades pedagógicas do

adolescente.

Diversas medidas, tais como ordens de guarda, orientação e supervisão,

aconselhamento, liberdade vigiada, colocação em lares de adoção, programas de

educação e formação profissional, bem como outras alternativas à internação em instituições, deverão estar disponíveis para garantir que as crianças sejam tratadas de

modo apropriado ao seu bem-estar e de forma proporcional às circunstâncias do

delito (FORTALEZA, 2014).

O ECA permite que mesmo tendo havido a prática do ato infracional, o Ministério

Público, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à

personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação na prática do ato infracional,

poderá conceder a remissão como forma de perdão puro e simples. Assim a individualização

da pena se dará com a motivação que considere a especial condição do adolescente em seus

aspectos pessoal, familiar e social.

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Por fim, encontramos esculpido no art. V da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, no art. 5º, inc. XLVII da CF e ainda no art. 37 da Convenção Internacional sobre os

Direitos da Criança, o princípio da humanidade das penas.

O princípio da humanidade das penas deve produzir efeitos não só no tocante à

eliminação de tratamentos desumanos, degradantes ou cruéis, como também no momento da

execução de qualquer uma das medidas socioeducativas aplicadas, notadamente as que

acarretem a privação da liberdade dos adolescentes.

2.5 Garantias processuais do adolescente autor de ato infracional

No microssistema jurídico do Direito da Criança e do Adolescente, o tema das

garantias processuais aplicáveis aos procedimentos em face dos adolescentes em conflito com

a lei constitui-se em matéria fundamental. O art. 227 da CF ao afirmar a inimputabilidade dos

menores de dezoito anos de idade remete-os à responsabilização prevista em legislação

especial, no ECA. A inimputabilidade penal não os faz irresponsáveis, nem inimputabilidade

penal faz-se sinônimo de impunidade.

No Brasil, o ECA instituiu um sistema de responsabilidade do adolescente em

conflito com a lei, que por sua natureza garantista, inspirado nos princípios assecuratórios de

limites ao poder sancionador do Estado, pode e deve ser definido como de Direito Penal

Juvenil, estabelecendo um mecanismo sancionatório com a finalidade pedagógica.

Afirmando o Direito Penal Juvenil, inserido desde a promulgação do ECA,

sentencia Emílio Garcia Mendez:

A construção jurídica da responsabilidade penal dos adolescentes no Estatuto da

Criança e do Adolescente (de modo que foram eventualmente sancionados somente

os atos típicos, antijurídicos e culpáveis e não os atos “anti-sociais” definidos casuisticamente pelo Juiz de Menores), inspirada nos princípios do Direito Penal

Mínimo constitui uma conquista e um avanço extraordinário normativamente

consagrados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Sustentar a existência de uma

suposta responsabilidade social em contraposição à responsabilidade penal não só

contradiz a letra do Estatuto da Criança e do Adolescente (art.103) como também

constitui – pelo menos objetivamente – uma posição funcional a políticas

repressivas, demagógicas e irracionais. No contexto do sistema de administração da

justiça juvenil proposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê

expressamente a privação da liberdade para delitos de natureza grave, impugnar a

existência de um Direito Penal Juvenil é tão absurdo como impugnar a Lei da

Gravidade. Se em uma definição realista o Direito Penal se caracteriza pela capacidade efetiva – legal e legítima – de produzir sofrimentos reais, sua

impugnação ali onde a sanção de privação de liberdade existe e se aplica constitui

uma manifestação intolerável de ingenuidade ou o regresso sem dissimulação ao

festival de eufemismo que era o Direitos de Menores (MENDEZ, 2002, p. 59).

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Vale ressaltar que o ECA, em face das garantias processuais asseguradas aos

adolescentes em conflito com a lei, construiu um modelo novo de responsabilização desses

adolescentes, superando o paradigma da incapacidade. E em matéria de afirmação de Direitos

Fundamentais e Garantias Processuais, o ECA reafirma preceitos incorporados na própria

CF/88. No art. 15 do ECA ao atribuir a condição de sujeitos de direitos às crianças e aos

adolescentes, decorrentes do art. 227 da CF/88, reconhece a esses sujeitos as mesmas

prerrogativas descritas no art.5º da CF, que trata dos direitos individuais e coletivos,

atribuindo aos adolescentes todos os direitos dos adultos que sejam compatíveis com a

condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Assim, por exemplo, é garantido aos adolescentes que ninguém será privado de

sua liberdade a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada do Juiz com

competência na jurisdição da Infância e da Juventude, com direito também a identificação dos

responsáveis por sua apreensão.

Percebe-se pois que a regra geral é no sentido de que o adolescente responda ao

procedimento em liberdade, dando-se sua internação apenas por impositiva decisão judicial.

Outra garantia processual encontra-se preconizada no art. 110 do ECA, o da

garantia do devido processo legal: “Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o

devido processo legal”. Fica estabelecido então, como fundamento democrático, que se

assegura a todo adolescente infrator, o exercício de acesso ao Poder Judiciário, bem como o

desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas.

Encontramos ainda no art. 111 do ECA outras garantias asseguradas aos

adolescentes, todas corolários do princípio constitucional do devido processo legal. A

representação do membro do Ministério Público, atribuindo a conduta infracional ao

adolescente é a peça inaugural do procedimento de apuração do ato infracional, devendo

conter a descrição de todas as elementares do tipo penal cuja autoria afirma.

O art. 111, II, do ECA afirma o seguinte: “São asseguradas ao adolescente, entre

outras, as seguintes garantias: II – igualdade na relação processual, podendo confrontar-se

com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa.” Essa

igualdade na relação processual é decorrente do principio do contraditório e da ampla defesa,

visando assegurar iguais possibilidades entre as partes.

No inciso III do artigo acima referido, consta assegurado aos adolescentes em

conflito com a lei, a defesa técnica por advogado. Se o adolescente está sujeito ao devido

processo legal indiscutível é o seu direito à defesa técnica por advogado, em conformidade

com o art. 133, da CF.

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25

Seguindo ainda no mesmo art.111, o inciso IV garante a assistência judiciária

gratuita e integral aos necessitados – garantia de natureza constitucional; o inciso V, o direito

do adolescente de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente – art. 141 do ECA e

art.5º XXXV da CF e o inciso VI, o direito de solicitar a presença de seus pais ou

responsáveis em qualquer fase do procedimento.

Há ainda aos adolescentes em conflitos com a lei, a garantia do direito de petição,

assegurada a qualquer pessoa física ou jurídica no sentido de exercer suas postulações junto

aos poderes públicos; o habeas corpus e o mandado de segurança. Outra garantia assegurada

às crianças e aos adolescentes faz-se relativa ao segredo de justiça, visando assegurar a

inviolabilidade física e moral do adolescente.

Por fim e não menos importante é assegurado aos adolescentes em conflito com a

lei o direito a celeridade do julgamento, em consonância com o princípio constitucional da

prioridade absoluta, contaminando e norteando todo o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Constitui-se, assim, em uma primazia na prestação jurisdicional, tanto na fase do processo de

conhecimento, inclusive no segundo grau, quanto na fase de execução da medida

socioeducativa.

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3 DO ATO INFRACIONAL E DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM ESPÉCIE

Nesse segundo capítulo já conceituaremos o ato infracional, segundo o Estatuto da

Criança e do Adolescente – ECA, descrevendo a natureza jurídica e as espécies de medidas

socioeducativas aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei.

O legislador preocupou-se em dar ao adolescente infrator um tratamento

diferenciado, em virtude das suas condições de ser em desenvolvimento e das suas

peculiaridades. Uma das principais diferenças refere-se a utilização do termo utilizado ao

mencionar a conduta praticada por um adolescente infrator. Denomina-se ato infracional a

conduta delitiva praticada pelo menor infrator e de crime a mesma conduta praticada pelos

demais sujeitos que não o menor e tratados no Código Penal. Encontra-se no artigo 103 do

ECA a definição de ato infracional: Considera-se ato infracional a conduta descrita como

crime ou contravenção penal. Assim só há ato infracional se houver figura típica penal que o

preveja, estando a divisão entre imputáveis e inimputáveis definida pela idade do infrator.

Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às

medidas previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do

adolescente à data do fato (BRASIL, 1990)

Tanto nos antigos Códigos da Doutrina da Situação Irregular quanto nas atuais e

modernas legislações, a delinquência juvenil não tem encontrado outra alternativa a não ser

referir-se as condutas dos adolescentes às condutas tipificadas na lei penal. E a aplicação de

uma medida protetiva ou medida socioeducativa corresponderá sempre à responsabilização

por um ato delituoso. Contudo o grande avanço da responsabilização no ECA é o aspecto

pedagógico da medida aplicada.

3.1 Conceito e Natureza Jurídica do Ato Infracional

Veio com o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA uma

nomenclatura específica para os atos praticados por adolescentes em conflito com a lei,

fundado no princípio da legalidade, estabelecendo e tipificando as condutas que quando

violadas impõe a aplicação das medidas sócio-educativas cabíveis ao caso concreto.

Conforme citado anteriormente o artigo 103 do ECA deixou claramente definido

como ato infracional todo ato praticado por adolescente (pessoas de 12 a 18 anos

incompletos) tipificado no Código Penal como crime ou contravenção penal, não podendo ser

tipificado qualquer ato que o Código Penal não preveja. Para aqueles menores de 12 anos, o

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artigo 105 do já citado Estatuto, determina que: Art.105. Ao ato infracional praticado por

criança corresponderão as medidas previstas no Art. 101, ou seja, para as crianças que

cometerem atos tipificados no Código Penal como crime ou contravenção penal não serão

aplicadas as medidas socioeducativas descritas no artigo 112 do ECA, visto que até doze

anos incompletos são considerados crianças e a elas são aplicadas apenas as medidas

protetivas.

Neste sentido, com o Estatuto da Criança e do Adolescente rompeu-se com os

preceitos tratados em legislações anteriores, como o Código de Menores, de situação

irregular, passando a dar tratamento diferenciado, considerado como um novo modelo

garantista que prevê e cuida dos direitos materiais e processuais.

Portanto é apenas uma definição normativa trazida pelo art. 103 do ECA, a

definição de ato infracional, tendo a natureza jurídica de atos ilícitos, a mesma infração penal

prevista no art. 1º da lei de introdução ao código penal (Dec. Lei 3.914/41), uma vez que tem

relação direta com os delitos penais.

Dessa forma, conforme já mencionado anteriormente, o conceito de ato

infracional definido também pelos doutrinadores, situa-se na categoria de ilícito jurídico,

vindo a ratificar a idéia da natureza jurídica dos atos infracionais como atos ilícitos, tais como

roubo, homicídio, latrocínio, porte ilegal de arma de fogo, tráfico de drogas, dentre outros.

3.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e as medidas socioeducativas

Segundo o art. 112 do ECA são medidas socioeducativas: I - advertência; II -

obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade

assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento

educacional.

Além das medidas socioeducativas acima elencadas, o Estatuto da Criança e do

Adolescente trouxe em seu bojo a previsão também de medidas de proteção, no art. 101, estas

aplicadas às crianças e aos adolescentes em situação de risco, tais medidas visam dar ao

jovem um meio de recuperação diante de sua condição e necessidade.

Aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional, apurada sua

responsabilidade após o devido processo legal, cujo objetivo não é a punição, mas a

efetivação de meios para reeducá-los, às medidas socioeducativas poderão ser aplicadas, de

acordo com cada caso concreto, uma medida protetiva cumulativamente.

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O rol das medidas socioeducativas previstas no art. 112 do ECA é taxativo e sua

limitação decorre do princípio da legalidade, sendo vedado impor medidas diversas das

enunciadas no artigo em tela.

A medida socioeducativa de advertência é a mais branda de todas, consistindo

conforme o art. 115 do ECA em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.

Após a promulgação da Lei do SINASE (conjunto de princípios, regras e critérios que

envolvem a execução das medidas socioeducativas), a MSE de advertência, bem como a de

reparação de dano, quando aplicadas de forma isolada, sem uma outra medida cumulada a

elas, deverão ser executadas nos próprios autos de conhecimento, senão vejamos:

Art. 38. As medidas de proteção, de advertência e de reparação do dano, quando aplicadas de forma isolada, serão executadas nos próprios autos do processo de

conhecimento, respeitado o disposto nos arts. 143 e 144 da Lei no8.069, de 13 de

julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

A MSE de advertência é bastante utilizada aos pequenos delitos como brigas em

escolas, lesões leves a parentes, tentativas de furtos em supermercados, sem o uso de arma ou

sugesta (movimento que leve a vítima entender que o infrator está portando algum tipo de

arma de fogo ou arma branca), principalmente quando os adolescentes são primários na

prática desses atos infracionais, visto que o caráter das MSE é pedagógico, bem como o fato

de muitas vezes a prática do ato infracional decorrer de condutas impensadas e precipitadas de

sujeitos em formação biopsicosocial.

O ECA instituiu dois grupos de medidas socioeducativas, as não privativas de

liberdade (advertência, reparação de dano, prestação de serviço à comunidade e liberdade

assistida) e as privativas de liberdade (semiliberdade e internação). A MSE de advertência é a

menos traumática ao adolescente, que busca fazer com o que o infrator compreenda a ilicitude

de seu ato e suas consequências.

A segunda MSE prevista no art.112 do ECA é a de reparação de dano, sendo

tipificada no art.116 da seguinte forma:

Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade

poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o

ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.

Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser

substituída por outra adequada (BRASIL, 1990).

Assim depreende-se do artigo acima referido que o juiz ao aplicar a um

adolescente a MSE de obrigação de reparar o dano, objetiva despertar no mesmo o senso de

responsabilidade em face do outra, da vítima e do que lhe pertence. Contudo essa MSE

apresenta-se frágil, visto que a mesma pode recair sobre um adolescente que não possua

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condições para esse fim, bem como o fato do mesmo cumpri-lá não por meios próprios,

utilizando recursos dos pais ou responsáveis.

Seguindo os incisos do artigo 112 do ECA, encontra-se no inciso III a MSE de

PSC – prestação de serviço à comunidade que conforme dispõe o art. 117 do ECA:

Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas

gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a

entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem

como em programas comunitários ou governamentais.

Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente,

devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos

sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a

frequência à escola ou à jornada normal de trabalho (BRASIL, 1990).

A PSC consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período

não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros. Pode

também ser aplicada como forma alternativa de forma de que evite a imposição da medida

privativa de liberdade. As tarefas são atribuídas de modo que não prejudique as atividades

escolares ou o trabalho do adolescente, não podendo jamais consistir em tarefas humilhantes

ou discriminatórias.

Essa medida socioeducativa busca desenvolver no infrator a idéia de

responsabilidade, de apego as normas comunitárias, de respeito pelo trabalho, bem como

produz na comunidade uma sensação de obediência às regras, devendo a equipe técnica que

acompanha o adolescente enviar relatório periódico ao juiz da infância e juventude que

fiscaliza a execução da medida, narrando eventuais incidentes que possa ocorrer e controlar

sua frequência.

Há doutrinadores, tais como, CUNHA, 2010; MELO, 2010 e ALVES, 2001, que

consideram a MSE de PSC uma das mais eficazes, considerando que tal medida pode levar o

adolescente a se sentir útil e inserido dentro da sociedade, evitando o tempo ocioso para

pensar na discriminação que recai sobre si mesmo, reduzindo também o tempo livre para

contato com más companhias, traficantes de drogas ou outros elementos corruptores para sua

formação pessoal.

Por fim, dentre as medidas de meio aberto, a mais severa delas é a de LA –

Liberdade Assistida, que além de restringir direitos, tem um prazo mínimo de seis meses,

podendo ser prorrogada ou substituída a qualquer tempo por outra mais gravosa, dependendo

do comportamento do adolescente diante do cumprimento da medida.

Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais

adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

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§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual

poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.

§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a

qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o

orientador, o Ministério Público e o defensor (BRASIL, 1990).

A Liberdade Assistida é a MSE ideal para infrações de média gravidade por não

ter os inconvenientes das medidas institucionais. Sua imposição se dará através do juiz que

designará uma pessoa capacitada para acompanhar o adolescente.

Segundo dispõe a Lei nº 12.594/2012 (Lei do SINASE) em seus artigos 39 a 42, a

MSE de LA deve obedecer aos seguintes procedimentos:

Art. 39. Para aplicação das medidas socioeducativas de prestação de serviços à

comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou internação, será constituído

processo de execução para cada adolescente, respeitado o disposto nos arts. 143 e

144 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente),

e com autuação das seguintes peças:

I - documentos de caráter pessoal do adolescente existentes no processo de

conhecimento, especialmente os que comprovem sua idade; e

II - as indicadas pela autoridade judiciária, sempre que houver necessidade e, obrigatoriamente:

a) cópia da representação;

b) cópia da certidão de antecedentes;

c) cópia da sentença ou acórdão; e

d) cópia de estudos técnicos realizados durante a fase de conhecimento.

Parágrafo único. Procedimento idêntico será observado na hipótese de medida

aplicada em sede de remissão, como forma de suspensão do processo.

Art. 40. Autuadas as peças, a autoridade judiciária encaminhará, imediatamente,

cópia integral do expediente ao órgão gestor do atendimento socioeducativo,

solicitando designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida.

Diante do exposto, verifica-se que as MSE de meio aberto, como a LA, por

exemplo, há a necessidade do acompanhamento do adolescente por uma equipe

multidisciplinar que irá trabalhar juntamente com a família visando reatar os laços rompidos

com a prática do ato infracional.

Art. 41. A autoridade judiciária dará vistas da proposta de plano individual de que trata o art. 53 desta Lei ao defensor e ao Ministério Público pelo prazo sucessivo de

3 (três) dias, contados do recebimento da proposta encaminhada pela direção do

programa de atendimento.

§ 1o O defensor e o Ministério Público poderão requerer, e o Juiz da Execução

poderá determinar, de ofício, a realização de qualquer avaliação ou perícia que

entenderem necessárias para complementação do plano individual.

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§ 2o A impugnação ou complementação do plano individual, requerida pelo defensor

ou pelo Ministério Público, deverá ser fundamentada, podendo a autoridade

judiciária indeferi-la, se entender insuficiente a motivação.

§ 3o Admitida a impugnação, ou se entender que o plano é inadequado, a autoridade

judiciária designará, se necessário, audiência da qual cientificará o defensor, o

Ministério Público, a direção do programa de atendimento, o adolescente e seus pais

ou responsável.

§ 4o A impugnação não suspenderá a execução do plano individual, salvo

determinação judicial em contrário.

§ 5o Findo o prazo sem impugnação, considerar-se-á o plano individual homologado.

Em consonância com o artigo 41 do ECA, cada socioeducando terá um plano

individual de atendimento, elaborado pela equipe técnica já referida, que abrangerá os

aspectos psicológicos, pedagógicos e sociais do indivíduo em desenvolvimento que é o

adolescente. Já o artigo 42 disciplina os critérios de avaliação das MSE aplicadas, senão

vejamos:

Art. 42. As medidas socioeducativas de liberdade assistida, de semiliberdade e de

internação deverão ser reavaliadas no máximo a cada 6 (seis) meses, podendo a

autoridade judiciária, se necessário, designar audiência, no prazo máximo de 10

(dez) dias, cientificando o defensor, o Ministério Público, a direção do programa de atendimento, o adolescente e seus pais ou responsável.

§ 1o A audiência será instruída com o relatório da equipe técnica do programa de

atendimento sobre a evolução do plano de que trata o art. 52 desta Lei e com

qualquer outro parecer técnico requerido pelas partes e deferido pela autoridade

judiciária.

§ 2o A gravidade do ato infracional, os antecedentes e o tempo de duração da medida

não são fatores que, por si, justifiquem a não substituição da medida por outra

menos grave.

§ 3o Considera-se mais grave a internação, em relação a todas as demais medidas, e

mais grave a semiliberdade, em relação às medidas de meio aberto.

Todos esses procedimentos disciplinados na Lei do SINASE vieram com o intuito

de influenciar na eficácia das MSE impostas, em especial, as de meio aberto, visando com que

o adolescente não seja institucionalizado. Contudo tem-se constatado que as determinações da

medida de LA acabam por se dar por mera comprovação da matrícula na escola do

adolescente, da retirada dos documentos necessários para o exercício da cidadania, sem

eficácia prática na eliminação da reincidência dos adolescentes na prática de atos infracionais,

sendo conhecido pelos mesmos como “aquela que a gente vai uma vez por mês assinar”.

No campo do dever ser, a MSE de LA é a medida que deveria se mostrar como a

medida mais adequada a reduzir a reincidência, visto que seria capaz de resgatar por meio de

apoio técnico as potencialidades dos adolescentes, resgatando-os, orientando-os, auxiliando-

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os e acompanhando-os na promoção social dos adolescente e seu sua família, bem como

inserindo-os no mercado de trabalho e no sistema educacional.

Contudo os programas comunitários e assistenciais não tem se mostrado eficiente,

pois há a falta de recursos humanos, do número insuficiente de pessoas com adequada

formação aos meios que efetivem a socialização do adolescente, tornando-se atualmente um

controle exclusivamente passivo das atividades cotidianas do adolescente.

Já passando para as medidas em meio fechado, a MSE de semiliberdade é a que

constitui a medida privativa de liberdade intermediária entre a internação e as medidas do

meio aberto. Encontra-se tipificada no art.120 do ECA que assim dispõe:

Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades

externas, independentemente de autorização judicial.

§ 1º É obrigatória a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que

possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.

§ 2º A medida não comporta prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as

disposições relativas à internação (BRASIL, 1990).

A medida socioeducativa de semiliberdade pode ser aplicada como medida inicial,

bem como pode também se dá após uma progressão de medida de internação para

semiliberdade, funcionando como transição entre uma medida de meio fechado para um

futuro meio aberto, já que em cumprimento dessa MSE, o adolescente poderá estudar e/ou

trabalhar fora da Unidade, como passar os fins de semana junto a família.

A avaliação do adolescente no cumprimento da medida de semiliberdade se dá em

conformidade ao art.42 da Lei do SINASE já transcrito acima, a cada seis meses, com base

em relatório da equipe técnica do Centro Educacional, que apresentará parecer técnico,

sugerindo continuidade, liberação total ou progressão da medida para LA ao adolescente em

cumprimento da medida, não possuindo assim um tempo determinado para cumprimento,

podendo chegar até três anos.

A última das medidas socioeducativas previstas no art. 112 do ECA é a de

internação, que é a mais grave de todas as medidas, destinadas para casos em que o

adolescente é reincidente na prática de atos infracionais ou usou de violência ou grave ameaça

a vítima. Esta medida encontra-se definida nos artigos 121 a 123 do ECA, senão vejamos:

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios

de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica

da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.

§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser

reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.

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§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.

§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser

liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.

§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial,

ouvido o Ministério Público.

Assim, observa-se que independentemente do ato infracional praticado, qualquer

adolescente em cumprimento da medida de internação terá sua avaliação apresentada, pela

equipe técnica do Centro Educacional aonde se encontra, ao Juízo da 5ª vara da Infância e da

Juventude ( Vara de execuções de medidas socioeducativas).

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a

pessoa;

II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente

imposta.

§ 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser

superior a três meses.

§ 2º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida

adequada.

Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes,

em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por

critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.

Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão

obrigatórias atividades pedagógicas.

Pelos artigos acima transcritos percebe-se que a MSE de internação não comporta

prazo determinado, devendo ser o adolescente avaliado a cada seis meses pela equipe técnica

multidisciplinar do Centro Educacional onde se encontra, não podendo em hipótese alguma

exceder o prazo de três anos.

Vale ressaltar que a MSE de internação tem como principais características a

observância da brevidade e da excepcionalidade, não podendo ser aplicada tendo como

parâmetro a gravidade do ato infracional, visto que o que se deve levar em conta é a

inviabilidade de outra medida, respeitando sempre a condição peculiar do ser em

desenvolvimento.

Trata-se, pois, a MSE de internação de uma das mais conhecidas pela sociedade

como um todo, seja pelo grande número de rebeliões que os telejornais noticiam, seja pela

opinião pública da ineficácia da mesma, considerada pela população como uma medida que

pouco pune os adolescentes infratores, seja pelo prazo máximo de três anos, seja pelos

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direitos que são garantidos a eles, em conformidade com o artigo 124 do ECA, que assim nos

diz:

Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os

seguintes:

I – entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público;

II – peticionar diretamente a qualquer autoridade;

III – avistar-se reservadamente com seu defensor; IV – ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada;

V – ser tratado com respeito e dignidade;

VI – permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao

domicílio de seus pais ou responsável;

VII – receber visitas, ao menos semanalmente;

VIII – corresponder-se com seus familiares e amigos;

IX – ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;

X – habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;

XI – receber escolarização e profissionalização;

XII – realizar atividades culturais, esportivas e de lazer;

XIII – ter acesso aos meios de comunicação social; XIV – receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o

deseje;

XV – manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-

los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;

XVI – receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis

à vida em sociedade.

§ 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.

§ 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de

pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade

aos interesses do adolescente.

Contudo embora previsto no ECA por muitas vezes, é verificado o

descumprimento desses direitos, contribuindo para prejudicar o funcionamento do sistema

sócio-educativo que quando não cumpridos ou violados podem comprometer a eficiente

aplicação da medida e contribuir como uma das causas de reincidência dos adolescentes na

prática de atos infracionais.

3.3 As alterações trazidas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo -

SINASE

O ECA instituído pela Lei nº 8.069/90 contrapõem-se a um passado de controle e

exclusão social, substituindo o velho paradigma da situação irregular vivido durante o Código

de Menores, calcado na Doutrina da Proteção Integral.

Contudo, embora o ECA tenha apresentado mudanças significativas e conquistas

valorosas com reflexo inclusive no trato da questão dos adolescentes em conflito com a lei,

tem-se percebido que essas conquistas em relação ao conteúdo, ao método e à gestão,

encontram-se ainda no plano jurídico e político-conceitual, não chegando definitivamente aos

seus destinatários (CUNHA, 2010).

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Buscando então a concretização dos avanços obtidos pelo ECA, o Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA – responsável por deliberar

sobre a política de atenção à infância e adolescência, buscou cumprir o seu papel

normatizador e articulador, ampliando os debates com os demais atores do Sistema de

Garantia dos Direitos – SGD.

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e o

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente apresentaram então, após

encontros estaduais e cinco encontros regionais e um encontro nacional com juízes,

promotores de justiça, conselheiros de direitos, técnicos e gestores de entidades e/ou

programas de atendimento socioeducativo, o SINASE – Sistema Nacional de Atendimento

Socioeducativo, fruto de uma construção coletiva que envolveu nos últimos anos diversas

áreas do governo, representantes de entidades e especialistas na área, além de uma série de

debates protagonizados por operadores do Sistema de Garantia de Direitos em encontros

regionais que cobriram todo o país, culminando com a promulgação da Lei nº 12.594/12.

A implantação do SINASE objetiva principalmente o desenvolvimento de uma

ação socioeducativa sustentada nos princípios dos direitos humanos, constituindo-se assim

uma medida imprescindível para uma boa aplicação das medidas de ressocialização. A lei do

SINASE representa hoje a inovação dos melhores modelos de ressocialização, apresentado

caminhos ao gestor público para a devida reintegração do adolescente infrator ao convívio

sociofamiliar e a sociedade. Com a lei nº 12.594/12 percebemos ainda mais claramente que a

mudança do paradigma depende de um esforço conjunto entre diversos setores da sociedade.

Como exemplos de algumas das inúmeras mudanças trazidas pela lei do SINASE,

encontramos na lei nº 12.594/12, art. Art. 45:

Se, no transcurso da execução, sobrevier sentença de aplicação de nova medida, a

autoridade judiciária procederá à unificação, ouvidos, previamente, o Ministério

Público e o defensor, no prazo de 3 (três) dias sucessivos, decidindo-se em igual

prazo.§ 1o É vedado à autoridade judiciária determinar reinício de cumprimento de

medida socioeducativa, ou deixar de considerar os prazos máximos, e de liberação

compulsória previstos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), excetuada a hipótese de medida aplicada por ato infracional

praticado durante a execução.§ 2o É vedado à autoridade judiciária aplicar nova

medida de internação, por atos infracionais praticados anteriormente, a adolescente

que já tenha concluído cumprimento de medida socioeducativa dessa natureza, ou

que tenha sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa, sendo tais

atos absorvidos por aqueles aos quais se impôs a medida socioeducativa

extrema(BRASIL, 2012).

Assim, depreendemos desse artigo que o adolescente reincidente, o qual for aplicada

nova medida socioeducativa, terá suas medidas unificadas, ouvidos o representante do

Ministério Público e o Defensor Público, não podendo ser unificadas medidas de meios

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diferentes – aberto e fechado, respeitando ainda os parágrafos 1º e 2º do referido artigo, onde

veda a autoridade judiciária a aplicação de nova medida por ato anterior ao qual o adolescente

já se encontra em cumprimento de medida, evitando que seja desconsiderado o tempo de

cumprimento da medida imposta.

Outra importante inovação trazida pelo SINASE encontra-se no art.46 da lei,

determinando os casos em que a medida socioeducativa será declarada extinta, dentre elas,

nos casos dos jovens maiores de dezoito anos que encontrem-se em cumprimento de medida

socioeducativa de internação e dentro do Centro Educacional, por exemplo, cometem um ato,

como dano ao patrimônio público, muito comum nos casos de rebeliões ocorridas nas

Unidades, respondendo assim a um processo junto a uma das Varas Criminais, chegando até a

passar algum tempo no sistema carcerário e caso sendo liberado, retornando ao Centro

Educacional trás consigo hábitos do sistema penitenciário, prejudicando o processo de

ressocialização de outros internos que encontram-se de forma satisfatória no cumprimento da

medida. Então, em conformidade com o parágrafo 1º do art.46 da lei nº 12.594/12: “§ 1o No

caso de o maior de 18 (dezoito) anos, em cumprimento de medida socioeducativa, responder

a processo-crime, caberá à autoridade judiciária decidir sobre eventual extinção da

execução, cientificando da decisão o juízo criminal competente”.

3.4 A execução da medida de internação provisória no Centro Socioeducativo Passaré

– CESEPA

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seu artigo 123 que a MSE de

internação deve ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto do

destinado ao abrigo dos não infratores, obedecida a rigorosa separação por critérios de idade,

compleição física e gravidade da infração, sendo ainda obrigatórias atividades pedagógicas

durante o período de internação, o que realmente caracteriza a natureza socioeducativa da

medida de internação.

Assim, em respeito ao dispositivo acima referido, a Secretaria do Trabalho e

Desenvolvimento Social – STDS, órgão do governo do Estado do Ceará que tem como

missão Contribuir para elevação da qualidade de vida da população cearense, sobretudo dos

segmentos socialmente vulnerabilizados, coordenando e executando as políticas do Trabalho,

Assistência Social e desenvolvendo ações de Segurança Alimentar e Nutricional, fica

responsável através da Coordenadoria de Proteção Social Especial – Célula de Atenção as

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Medidas Socioeducativas, por todos os Centros Educacionais do Estado do Ceará, dentre eles,

o Centro Socioeducativo Passaré – CESEPA.

A Célula das Medidas Sócio Educativas está diretamente vinculada à Coordenadoria

da Proteção Social Especial, ficando responsável pelo acompanhamento da rede de unidades

que formam o sistema socioeducativo do Estado do Ceará, nas áreas de privação de liberdade

e as de meio aberto. É instância de assessoria técnica à Coordenadoria acompanhando,

monitorando e avaliando o trabalho desenvolvido dentro dos Centros Educacionais que

atendem o adolescente envolvido na prática de atos infracionais, garantindo que os princípios

norteadores do ECA e do SINASE serão respeitados.

O Estado é responsável pela execução das medidas privativas de liberdade na capital e

nos municípios onde estão implantados outros Centros Educacionais, cabendo aos municípios

a responsabilidade pela execução das MSE em meio aberto.

O Centro Educacional aqui escolhido foi o Centro Socioeducativo Passaré –

CESEPA, construído com o objetivo de atender, em regime de internato (primeira medida),

adolescentes autores de ato infracional de natureza grave, em suas necessidades básicas, com

vistas a sua reinserção ao convívio sociofamiliar a qual se encontra submetido, ou seja, tem

como público alvo adolescentes em conflito com a Lei, do sexo masculino, na faixa etária de

12 a 15 anos.

O CESEPA fica localizado na Rua Eldourado, 800 - CEP: 60.805.060 - Passaré -

Fortaleza - Ceará – Brasil e tem como diretor/orientador atualmente Claudenor Moreira da

Costa e como fonte de financiamento o governo do estado do Ceará. A Unidade oferece

oficinas de vime, oficina de tecelagem, oficina de aerografia, EJA I e II, atividades esportivas,

dentre outros. Possui um quadro de profissionais contratados por ONG’s (tercerizados)

bastante deficitário para o número crescente de adolescentes atendidos na Unidade, tais como

dois psicólogos, dois pedagogos, um assistente social, cerca de setenta instrutores

educacionais, para atender e ressocializar mais de cem adolescentes em conflito com a lei.

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38

4 PRINCIPAIS CAUSAS DE REINCIDÊNCIA NOS ATOS INFRACIONAIS

Nesse último capítulo relataremos os resultados obtidos com o estudo de caso,

com transcrições de trechos das declarações de alguns dos adolescentes, bem como das mais

relevantes observações anotadas durante as entrevistas.

Este trabalho nasceu com a ideia de buscar compreender as principais causas de

reincidência dos jovens na prática de atos infracionais, para isso foi necessário estudar a

história da legislação menorista, suas mudanças, chegando a atual conjuntura legislativa.

Após, foi realizado um sucinto resumo das MSE aplicáveis aos adolescentes que encontram-

se em conflito com a lei, para a posteriori empreender um estudo de caso no CESEPA com

aplicação de questionários e observações acerca das ideias e perfil dos internos.

Perguntar ao próprio sujeito envolvido no contexto da criminalidade o porquê da

sua reincidência poderia levar o trabalho a uma constatação equivocada ou superficial, daí

trabalhamos com o seu perfil, sua história, sua idade, sua escolaridade, seu seguimento da

sociedade.

4.1 Reincidência dos atos infracionais

Dizer que um adolescente é reincidente na prática de atos infracionais, significa

que o mesmo tem mais de uma passagem pela Justiça e pela DCA – Delegacia da Criança e

do Adolescente, delegacia esta especializada em receber adolescentes em conflito com a lei,

localizada dentro do Complexo Projeto Justiça Já, na Rua Tabelião Fabião, 114, São Gerardo,

Fortaleza – Ceará.

No entanto, muitas vezes o adolescente já é “reincidente”, ou melhor dizendo,

contumaz na prática do ato infracional sem ter sequer registro algum na delegacia

especializada, visto que quando são apreendidos não significa dizer que é a primeira vez que

praticou o ato. Contudo para nossa legislação, para os efeitos jurídicos é considerado

reincidente aquele adolescente que já possui passagem pela Justiça e pela DCA.

Conforme relatório estatístico apresentado pelo diretor do CESEPA, em

novembro de 2013, dos 98 adolescentes atendidos naquele mês, 36 eram reincidentes; já no

mês de dezembro do mesmo ano, dos 75 adolescentes que deram entrada na Unidade, 47 eram

reincidentes. Assim, verificamos por dados de apenas dois meses, que o Centro Educacional

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Socioeducativo Passaré recebeu em dois meses 173 adolescentes, com idade de 12 a 15 anos

de idade, que é o seu público alvo e desses 83 já eram reincidentes.

Dados como esses despertaram ainda mais nosso interesse pelo tema do presente

trabalho, uma vez que os adolescentes de 12 a 15 anos de idade estão na primeira faixa de

divisão dos adolescentes em conflito com a lei, ficando outros Centros, tais como o CEPA,

com adolescentes de 17 anos e o CECAL com jovens de 18 a 21 anos de idade. Então quais

são as causas dessa reincidência? Por que esse índice tão alto, já que a MSE tem seu caráter

ressocializador? O que não está funcionando? Por que não está funcionando? De quem é a

culpa? Essas e outras perguntas povoavam nossa mente quando iniciamos o estudo de caso no

CESEPA.

4.2 Reflexo das medidas aplicadas na reincidência de atos infracionais

Diante de toda análise e dos levantamentos bibliográficos foi possível

observarmos que embora haja um esforço na aplicação das medidas, por parte da equipe

técnica dos Centros Educacionais, da equipe técnica do Juizado da Infância e da Juventude, da

Defensoria Pública, Ministério Público, Juiz, dentre outros operadores do direito ou de outras

áreas envolvidos na execução das MSE de privação de liberdade; pouco se tem tido de

resultados favoráveis, uma vez que efetivamente não estão contribuindo de maneira eficiente

para recuperação e ressocialização do adolescente em conflito com a lei, principal objetivo

das medidas, resultando na reincidência das práticas delituosas.

Pois os próprios dados apresentados pela Direção do CESEPA nos mostrou que

no ano de 2013 e 2014 houve um crescimento nos índices de atos infracionais praticados por

adolescentes e na maior parte deles reincidentes. Não foi difícil encontramos adolescentes

respondendo a três ou quatro procedimentos, adolescentes que praticaram desde o porte ilegal

de arma de fogo até o latrocínio ou homicídio. Assim como também, vale destacar, que

segundo a DCA, tem aumentado o número de jovens que respondem a procedimentos em uma

das Varas da Infância e Juventude, vítima de homicídios, ou seja, tanto eles matam quanto

morrem, entram em uma rua sem saída, onde matar ou morrer é um ato banal.

Dentre as medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes em conflito com a

lei, a de internação, por ser a mais severa, a que priva o individuo de sua liberdade é tida

como a que apresenta as piores condições para produzir resultados positivos, pois questões

como superlotação, falta de políticas públicas entre os órgãos, número insuficiente de

profissionais por quantidade de adolescentes internos, capacitação dos instrutores

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educacionais, remuneração, estrutura física, falta de envolvimento das famílias, etc, se

destacam como dificuldades para execução da medida.

Segundo Olympio Sotto Maior a segregação e a inexistência de projeto de vida

fazem com que os adolescentes internados fiquem ainda mais distantes de um

desenvolvimento sadio e acrescenta:

[...] convivendo em ambientes, de regra, promíscuos e aprendendo as normas

próprias dos grupos marginais (especialmente no que tange a responder com violência aos conflitos do cotidiano), a probabilidade (quase absoluta) é de que os

adolescentes acabem absorvendo a chamada identidade do infrator, passando a se

reconhecerem, sim, como de má índole, natureza perversa, alta periculosidade,

enfim, como pessoas cuja história de vida, passada e futura, resta indestrutivelmente

ligada à delinqüência (os irrecuperáveis, como dizem eles). Desta forma quando do

desinternamento, certamente estaremos diante de cidadãos com categoria piorada,

ainda mais predispostos à condutas violentas e anti-sociais (2006, p. 120).

Assim, verificamos que a MSE de internação deveria ser executada com bastante

zelo, buscando atingir os objetivos da ressocialização e consequentemente alcançando como

resultado o impedimento da reincidência, exatamente o contrário do que tem sido constatado

atualmente.

4.3 Resultado da pesquisa

A pesquisa foi realizada no CESEPA, em Fortaleza, nos dias 22 a 26 de setembro

de 2014, no período de 12:00 às 18:00 horas, no sentido de se identificar quais as causas de

reincidência entre adolescente de 12 a 15 anos, acerca do tema deslindado na presente peça

monográfica.

Dos 114 adolescentes internos no Centro Educacional nos dias de pesquisa,

conseguiu-se entrevistar cerca de 20 adolescentes, onde foram feitas entrevistas, aplicando-se

o questionário que segue nos anexos.

O procedimento escolhido foi o de entrevista através do contato direto com os

entrevistados. O questionário aplicado abordou os seguintes aspectos: idade, escolaridade,

atos praticados, contexto familiar, dentre outros.

Os resultados da pesquisa estão demonstrados através dos números obtidos

dispostos na sequencia das perguntas. Inicia-se o questionário tomando-se por base a idade do

adolescente, que deveria estar compreendida de 12 a 15 anos. Com isto, fez-se as seguintes

indagações aos entrevistados.

As 1ª, 2ª e 3ª indagações: Nome, idade e escolaridade. Por tratar-se de

adolescentes e em respeito ao art. 143 do ECA, não poderemos escrever os nomes dos

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entrevistados, apenas quando for necessário identificando pelas iniciais. Senão vejamos o que

diz o referido artigo:

Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que

digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.

Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança

ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação,

parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome. (Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003).

Dentre os entrevistados 03 (três) tinham 12 anos de idade, 01 (um) com 13 anos e

os demais estavam com 15 (quinze) anos. Quanto à escolaridade, não nos foi surpresa, a

maioria possuía apenas o nível fundamental I, completo ou incompleto. Então quanto às três

primeiras indagações ficamos assim: A) 12 anos – 03 adolescentes (02 não alfabetizados e 01

com nível fundamental incompleto); B)13 anos – 01 adolescente (com nível fundamental

incompleto); C) 14 anos – nenhum adolescente (vale ressaltar que o Centro Educacional

poderia até ter algum adolescente de 14 anos nos dias da visita, contudo, do universo dos 20

(vinte) entrevistados, nenhum estava com 14 anos de idade); D) 15 anos – 16 adolescentes (03

com nível fundamental I incompleto; 05 com nível fundamental I completo; 08 com nível

fundamental II incompleto).

A 4ª Indagação já dizia respeito a renda(fator econômico), para que pudéssemos

saber de qual camada social aqueles adolescentes eram oriundos, perguntamos qual era a

renda familiar e 80% dos entrevistados afirmaram que a renda da família era de até 1salário

mínimo. Não foi constatado, dentre os entrevistados nenhum adolescente pertencente a classe

média ou classe alta da nossa sociedade, todos pertenciam a classe pobre da sociedade

cearense.

Ainda relacionado à família dos adolescentes, indagamos se os mesmos eram

oriundos da capital ou do interior do Estado e 40% disseram ser do interior, o que nos levou a

seguinte reflexão: uma das causas de superlotação das Unidades de Internação não se dá

também pelo fato dos Centros Educacionais existentes em Fortaleza ter que admitir

adolescentes vindos do interior, uma vez que muito pouco existem nos municípios do

interior? Acerca desse tema conversamos com um dos coordenadores do CESEPA, que assim

afirmou:

O fato de recebermos adolescentes do interior dificulta em muito nosso trabalho,

uma vez que muitos vem sem a carta de guia, com sentenças tardias, bem como ser

uma das causas de rivalidades dentro da Casa, adolescentes da capital x adolescente

do interior, mas essa problemática é de conhecimento da nossa coordenação, da

STDS e já existem projetos apara a construção de centros educacionais nos interiores, com o intuito de desafogar as nossas unidades. Além do que o ECA

afirma que esses socioeducandos devem cumprir medida de internação em locais

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mais próximo possível de suas residências, proporcionando uma melhor

ressocialização, envolvendo o jovem e a família, na busca da reconstrução dos laços.

As 6ª, 7ª e 8ª indagações estavam relacionadas ainda ao setor familiar,

perguntamos com quem aqueles adolescentes residiam antes de serem encaminhados ao

cumprimento da MSE de internação, se pai e mãe, só pai, só mãe, avós, quantos seriam na

residência e que tipo de residência seria essa, se alugada, própria, cedida, invadida, tudo isso

ainda na busca de compreender esse sujeito no seu contexto sociofamiliar.

Entre os entrevistados, apenas 04(quatro) adolescentes moram com pai e mãe,

08(oito) com a avó materna e 05(cinco) com a mãe e os irmãos e o restante com outros

parentes. As residências dos adolescentes do interior são de parentes, próprias e cedidas; as

dos adolescentes de Fortaleza, encontramos um residente em invasão, outros de aluguel e

nenhum em casa própria.

Após contextualizarmos os adolescentes nos aspectos individuais (nome e idade),

educacional e familiar, passamos a indagar acerca do uso ou não de substâncias entorpecentes.

Dos 20(vinte) adolescentes entrevistados, apenas 02(dois) afirmaram nunca ter feito uso de

qualquer substância, alguns responderam: Você usa ou já usou droga? – “Não, só maconha” e

12(doze) afirmaram que sim, já usaram ou usam maconha, crack e ainda houve quem

respondesse cocaína.

Dentre os doze adolescentes que afirmaram categoricamente que usam drogas, o

adolescente R.T.A. (apenas as iniciais), de 12 anos de idade, assim me respondeu:

Muitas vezes a droga também influencia a pessoa, quando eu to joiado e vou assaltar eu chego logo intimidando, dando tapa na cara e gritando. Eu comecei a usar drogas

eu não tinha nem oito anos direito, porque minha mãe usava e o marido dela usava,

o primeiro cigarro que eu fumei foi meu padastro que me deu, quando eu tinha 11

anos eu já tava viciado em tudo: crack, maconha, bebida e agora que eu completei

12 anos eu fui preso, porque minha avó me denunciou porque eu queria matar ela.

Por fim, adentramos nas perguntas relacionadas ao tema da presente pesquisa

monográfica, tipo de ato infracional praticado, se primário ou reincidente, tempo de medida

de internação já cumprida e em caso de reincidência, qual a MSE anteriormente aplicada.

Foram apresentados pela direção da Casa documentos comprobatórios que dos 114 internos

no início da semana visitada, 88 haviam praticado o ato infracional de roubo simples ou

cumulado com tráfico de drogas; 08 praticaram o porte ilegal de arma de fogo; 08 estavam

internos pela prática de homicídio; 04 adolescentes praticaram lesão corporal; outros 04

praticaram receptação e por fim, 02 adolescentes praticaram ameaça, esses últimos tiveram

sua MSE de internação decretada não pela prática do ato infracional de ameaça, porém eram

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reincidentes e haviam descumprido a MSE de semliberdade. Dos entrevistados obtivemos

respostas tais como:

Essa história de medida me persegue a mais de ano, qualquer errinho to aqui de

novo. Aqui às vezes é bom e às vezes não, a mãe da gente pensa que a gente tá bem,

mas aqui se a gente não pensar a gente sai é pior dona, a senhora não sabe o que é

passar um dia aqui. Pelo menos duas vezes por mês minha mãe vem me ver, porque

nós mora no interior, ai quando ela vem eu fico sabendo como tá minha família e meus amigos. Aqui eu já apanhei, tem instrutor aqui que gosta de bater em nós.

(JPL, 15 anos)

A medida socioeducativa aqui senhora, não corrige ninguém não...só faz é piorar.

Quando a gente erra, tem um policial que nos bate e nos humilha, um promotor que

enche a gente de perguntas e um juiz que manda um psicólogo fazer oficina para nós

reconhecermos nossos erros, mas quando as autoridades cometem erros nunca são

punidos, enquanto nós basta uma briga para sermos perseguidos por quem manda.

(ABS, 15 anos)

Eu não tenho família não, eu moro com uma tia, eu fui abandonado quando criança,

a rua foi quem cuidou de mim e me ensinou as coisas erradas, meu pai mataram e

minha mãe tá presa. Não é legal tá aqui, tenho mais o que fazer na rua, eu não gosto de tá aqui...é a terceira vez que eu to aqui...eu não quero mais voltar pra cá não...eu

venho porque me trazem, mas eu não gosto não...quem é que gosta de ficar preso...é

doida é.(FWA, 15 anos)

Eu to aqui por tráfico...eu comprei de um cara que eu não posso dizer o nome...se a

gente fala muito, eles mandam matar nossa família, queimam casa, e se neguinho

ficar devendo é cemitério na certa. Tanto faz eu dizer ou não dizer...se eu apanhei

aqui dentro (risos)...já morreu foi gente nos centros educacionais...aqui a gente é

tratado como cachorro e tem muita gente, tá lotado...quando a gente faz rebelião

senhora, não é porque a gente quer fugir não, é porque a gente tá querendo

reivindicar nossos direitos e saber o que tá acontecendo.(MAO, 13 anos)

Acerca da reincidência constatamos que dos 114 adolescentes privados de liberdade,

64 já haviam cumprido ou estavam em cumprimento de outra MSE, tais como LA, PSC e

semiliberdade.

Contudo, observamos algo bastante relevante, na estatística apresentada pela

direção do CESEPA, que não nos autorizou que fosse anexada a esse presente trabalho

monográfico, mostrou-nos que, embora os adolescentes infratores sejam hoje temidos pela

sociedade civil, levando a muitos a defender a redução da maioridade penal como solução

mágica para os casos das reincidências, os adolescentes em conflito com a lei representam

apenas um por cento dos autores da criminalidade ocorrida em nosso país, bem como, o roubo

e o tráfico de drogas são os atos infracionais mais praticados por esses jovens.

Observamos ainda que os adolescentes entrevistas apresentaram em sua maioria

uma história de dificuldades e de carência em áreas da cognição e do social, que implicam nas

aquisições adquiridas através da escola, das precárias condições oferecidas pelo meio, e da

dificuldade de interação social (rejeição, preconceito, discriminação, etc).

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática de atos infracionais por adolescentes entre 12 e 15 anos de idade é

analisada no decorrer desta monografia, tendo em vista a busca de compreensões acerca das

causas de reincidência na prática desses atos. Antes, porém, resgata-se diacronicamente,

informes sobre os passos legislativos iniciais operados na legislação menorista, o nascimento

do ECA, as alterações trazidas pela Lei do SINASE e pelos conceitos de adolescência ao

longo dos tempos.

O ECA é um estatuto dedicado a crianças e adolescentes, fruto de segmentos pró-

cidadania na década de 90, que protagonizaram movimentos em favor dos direitos das

crianças e adolescentes, buscando garantir a oferta de serviços públicos básicos. A

promulgação do ECA trouxe consigo o acolhimento das Doutrinas da Proteção Integral e da

Participação Real e ainda a criação dos Conselhos Tutelares.

Entretanto, passados 24 anos após a promulgação do ECA e 02 anos após a

promulgação da Lei do SINASE, permanece ainda o desafio à sociedade brasileira de fazer

valer os preceitos do referido estatuto, em especial, no que diz respeito ao Título III – “Das

Práticas de Ato Infracional”. Vê-se, desta forma que muito se evoluiu legislativamente, mas

administrativamente, operacionalmente muito ainda se tem a fazer.

Afirma-se no decorrer da monografia que é notório o aumento da reincidência da

prática de atos infracionais e do número de adolescentes em conflito com a lei.

Consequentemente, a superlotação das Unidades de cumprimento de medidas de privação de

liberdade não é só uma realidade do Estado do Ceará, mas de todo o território brasileiro.

Diante disso, buscamos compreender, muito mais do que simplesmente enumeras

as causas de reincidência na prática de atos infracionais entre adolescentes de 12 a 15 anos de

idade, dentro de um dos Centros Educacionais de Fortaleza – CE, buscando inicialmente

conhecer esses sujeitos, sua história de vida, sua condição financeira, sua estrutura familiar e

escolar.

Não se pode olvidar que a Constituição Federal de 1988 tem entre os seus

princípios, o da proteção da dignidade humana, sendo considerado o princípio constitucional

mais amplo, uma vez que abrange uma diversidade de valores existentes na sociedade. E

como princípio constitucional que é o ECA não poderia deixar de tê-lo como um dos

princípios norteadores. Porém, a partir desse ponto, nos questionamos, se o objetivo das

medidas socioeducativas é pedagógico, ressocializador e o índice de reincidência tem

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aumentado assustadoramente, o que tem acontecido? Ressocializar significa, segundo o

dicionário informal, reintegrar uma pessoa novamente ao convívio social por meio de

políticas humanísticas, pessoa essa que se desviou, deixou de ser sociável, com a prática de

uma conduta reprovável, no caso dos adolescentes, com a prática de um ato infracional que é

todo aquele análogo a um crime ou contravenção penal.

Então assim, entendemos que não basta conhecermos as causas de reincidência da

prática de atos infracionais, que pelo extraído das entrevistas são, dentre inúmeras outras: as

drogas, o meio em que vivem, as amizades, a falência da instituição familiar, a ausência de

limites, a falta de regras, a ausência de um aparato espiritual, etc.

Para comprovarmos algumas dessas causas transcrevermos algumas falas dos

adolescentes entrevistados, bem como dos profissionais atuantes no CESEPA:

P.H. foi apreendido na Comarca de Quixadá – CE no dia 29.05.2013 e encaminhado

ao CESM, no dia 30.05.2013, pelo MM Juiz da 5ª VIJ de Fortaleza – CE, atendendo

a requerimento do Juízo da Comarca de origem, para cumprir internação provisória

pela prática do ato infracional de roubo.

Em 04.07.2013 o socioeducando foi transferido ao CESEPA para cumprimento da

MSE de internação, após ser sentenciado pelo Juízo da Comarca de origem. Em

30.10.2013, em audiência de avaliação, o adolescente foi beneficiado com a progressão da medida para LA.

Em 31.10.2013 foi liberado do CESEPA e entregue a família na Comarca de

Quixadá – CE, conforme determinação do Juiz da 5ª VIJ de Fortaleza, através de

ofício.

Em 02.11.2013 o adolescente foi novamente apreendido na Comarca de Quixadá

pela prática de um novo ato infracional de roubo e encaminhado novamente ao

CESM e posteriormente, após a promulgação da sentença ao CESEPA. Observamos

através dos atendimentos que as más companhias são fatores determinantes para a

reincidência de P.H. (Trechos do relatório técnico de acompanhamento da medida de

internação, realizado por assistente social, advogado, psicólogo e pedagogo da

Unidade).

E.C. apresentou desde o início um péssimo comportamento diante do cumprimento

da medida, contudo não culpamos apenas o adolescente, uma vez que toda a sua

história de vida é permeada de conflitos. E.C. não tem um suporte familiar, não

recebe visitas, sempre foi rejeitado pelo pai e a mãe é uma usuária de drogas. Tentar

reconstruir ou melhor, construir a vida desse adolescente é tarefa muito difícil para

qualquer profissional, até porque não temos só um E.C., temos inúmeros, uma

equipe de 5 ou 6 profissionais não consegue atender a mais de cem internos da

forma que o ECA determina.(Desabafo da psicóloga da Unidade)

Eu não tive escolha, comecei a roubar para pagar o cara lá da rua, se não pagar

morre a senhora sabe disso né, mas eu não machuco ninguém não, é tudo na boa,

pego a bolsa, o celular, o que a pessoa tiver e saiu correndo, eu só faço sugesta, eu

não uso de violência. A senhora não sabe nada da minha vida, a senhora já passou fome? Já apanhou de polícia? (Trechos da conversa com A.M., 15 anos)

Conversando com o adolescente A.S.T e encorajado a realizar uma auto avaliação,

o socioeducando apontou que o seu comportamento no Centro Educacional durante os

primeiros seis meses foi conflituoso, entretanto não soube informar os motivos. Afirmou,

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porém, que as relações conflituosas no seu meio social o levaram a cometer o ato infracional

em questão, uma vez que as rivalidades existentes nas relações sociais motivaram o seu

comportamento ilícito.

Constata-se a partir da análise dos resultados da pesquisa que Assim como P.H.,

A.M. e A.S.T, encontra-se também outros adolescentes reincidentes como estatísticas já

mencionadas, e dentre as entrevistas, percebe-se que as causas de reincidências são as mais

diversas, desde de natureza pessoais, emocionais, familiares até econômicas, mas sobretudo,

de natureza estrutural e política, uma vez que o objetivo da medida, a finalidade para que a

mesma foi criada não é cumprida, ou seja, a medida segundo o ECA é ressocializadora,

socioeducativa, e isto não acontece, a partir do momento que adolescentes em conflito com a

lei são cada vez mais estereotipados, taxados e excluídos ainda mais da sociedade, que antes

mesmo já não se encontrava socializado.

Como se depreendeu do estudo de caso, muito ainda há que se fazer para que a

MSE atinja seus objetivos. Buscar enumerar as causas de reincidência na prática de atos

infracionais em momento algum nos pareceu tarefa fácil, pois estávamos a todo o momento

no limiar do senso comum e da intervenção de preconceitos pessoais. Por esta razão,

entendemos que o multicitado conflito deve ser solucionado, como se percebe com a fala dos

próprios sujeitos, através de políticas públicas com educação, saúde, moradia, vida digna para

o ser humano das mais variadas classes sociais. Que o problema do alto índice de reincidência

na prática de atos infracionais é muito mais complexo do que imaginávamos no inicio desse

trabalho.

Entretanto, o estudo em questão não se esgota aqui, não só pelo fato de tratar de

tema delicado, mas também devido à complexidade da matéria, ficando à espera de que os

mais variados atores do sistema se unam e cada um faça a sua parte dentro da

responsabilidade que a Constituição Federal preconiza em seu artigo 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao

jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,

ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.(BRASIL,

2010).

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ANEXOS

FACULDADE CEARENSE Curso de Direito

CARTA DE APRESENTAÇÃO

Fortaleza,

Ilmo(s) Sr(s) Coordenador (es) e Diretor (es) do CESEPA:

Como aluna do Curso de Direito da Faculdade Cearense - FAC e como orientador de sua

monografia de conclusão do curso, estamos contatando com os integrantes do Centro

Socioeducativo Passaré - CESEPA, com vistas à realização de uma pesquisa, cujo objetivo

central é investigar as causas de reincidência na prática de atos infracionais, entre

adolescentes de 12 a 15 anos de idade.

Para que este objetivo possa concretizar-se, necessitamos de sua atenção e de sua autorização,

para a entrevista aos adolescentes para o preenchimento do questionário anexo, o qual busca

conhecer o contexto sociofamiliar desses sujeitos e em especial as causas de reincidências na

prática de atos infracionais.

Os dados fornecidos são confidenciais e serão tratados somente de forma agregada, com

vistas à elaboração do trabalho.

Contando com sua fundamental colaboração, esperamos contar com a sua participação ou de

alguém que tenha capacidade para substituí-lo(s), ao dispensar seu precioso tempo quando de

nossa presença no Centro Educacional. A pesquisa será realizada na segunda quinzena de

setembro de 2014.

Antecipadamente gratos, subscrevemo-nos

Atenciosamente,

Prof. Dr. José Péricles Chaves

Orientador

Cleissiane Cunha Pinho De Camillis

Graduanda

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FACULDADE CEARENSE

Curso de Direito

Pesquisa de Campo

LOCAL: Centro Socioeducativo Passaré - CESEPA

PÚBLICO ALVO: Adolescente de 12 a 15 anos

IMPORTANTE

1º O entrevistado não será identificado em hipótese alguma

2º As respostas dadas a este questionário somente serão utilizadas para fins

acadêmicos.

QUESITOS

1. Nome:

2. Idade:

( ) 12 anos

( ) 13 anos

( ) 14 anos

( ) 15 anos

03. Escolaridade:

( ) Não alfabetizado

( ) Nível fundamental I

( ) Nível fundamental I incompleto

( ) Nível fundamental II

( ) Nível fundamental II incompleto

( ) Nível médio incompleto

Cursando: ( ) Sim ( ) Não

04. Renda familiar:

( ) Inferior a 1 salário mínimo

( ) 1 salário mínimo

( ) Mais de 1 a 2 salários mínimos

( ) Mais de 2 a 3 salários mínimos

05. Onde reside:

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( ) Capital

( ) Interior

06. Com quem reside:

( ) com os pais

( ) só com a mãe

( ) só com o pai

( ) com os avôs

( ) com parentes

( ) abrigo

07. Número de moradores na residência:

( ) Um

( ) 2 a 4

( ) 5 a 10

( ) Mais de 10

Quem são:

08. Espécie de domicílio:

( ) Particular – próprio/quitado

( ) Particular – ainda pagando

( ) Alugado

( ) Cedido

( ) Outra condição

09. Uso de entorpecentes:

( ) Sim ( ) Não

Caso sim, quais?

Caso sim, a quanto tempo faz uso?

10. Realidade infracional:

10.1. Qual o ato cometido?

10.2. O que o levou a cometer um ato infracional?

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10.3. Você é primário ou reincidente? Já teve passagem pela Justiça e pela DCA?

10.4 Em caso afirmativo, que outra medida socioeducativo lhe foi aplicada da(s) outra(s)

vez(es) em que praticou um ato infracional?