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Centro Universitário Salesiano de São Paulo Priscila Fernanda Bertola dos Santos Educação Não Formal e Equoterapia: O galope do educador na arena da terapia Americana 2012

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Centro Universitário Salesiano de São Paulo

Priscila Fernanda Bertola dos Santos

Educação Não Formal e Equoterapia:

O galope do educador na arena da terapia

Americana

2012

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Priscila Fernanda Bertola dos Santos

Educação Não Formal e Equoterapia:

O galope do educador na arena da terapia

Dissertação apresentada como exigência para obtenção do

grau de Mestre em Educação Sóciocomunitária à Comissão

Julgadora do Centro Universitário Salesiano, sob a

orientação do Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa.

Americana

2012

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Santos, Priscila Fernanda Bertola dos

B198m Educação Não Formal e Equoterapia: o galope do educador na arena da terapia / Priscila Fernanda Bertola dos Santos – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2012.

120 f. Dissertação de mestrado em Educação. UNISAL – SP.

Orientador: Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa. Inclui bibliografia. 1.Educação Não Formal. 2.Equoterapia. 3. Pedagogia

I. Título. CDD – 615.8515

Catalogação elaborada por Carla Cristina Valle Faganelli Bibliotecária do Centro Universitário Salesiano UNISAL – UE – Americana SP – CRB-8 104/2012

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Priscila Fernanda Bertola dos Santos

Educação Não Formal e Equoterapia: O Galope do Educador na Arena da Terapia

Dissertação apresentada como exigência para obtenção do

grau de Mestre em Educação Sóciocomunitária à Comissão

Julgadora do Centro Universitário Salesiano, sob a

orientação do Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa.

Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em 29/09/2012, pela comissão

julgadora:

Banca examinadora

Profª Drª: Regina Célia Sarmento

Instituição: Unicamp

Assinatura: ____________________________________________________________

Prof. Dr.: Luís Antonio Groppo

Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Assinatura: ____________________________________________________________

Prof. Dr.: Severino Antônio Moreira Barbosa

Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Assinatura: ____________________________________________________________

Americana - 2012

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Para minha mãe Emilia, meu pai Rinaldo, minha irmã

Vanessa e meu marido Fernando, que me ajudaram

a transpor os obstáculos durante este delicioso galope.

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AGRADECIMENTOS

A Deus e a Nossa Senhora, que apesar das adversidades, desânimos e às vezes

desespero, jamais saíram de perto de mim.

A minha sustentável base familiar - mãe, pai, irmã e marido - que esteve comigo

durante este período, me incentivando sem pedir nada em troca.

A todos os professores do programa de Mestrado que carinhosamente acolheram, não

só a mim, mas a todos os alunos do curso, independente de estarmos cursando suas

disciplinas ou não.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Severino Antonio, minha imensurável gratidão, por

transmitir tamanha serenidade e acreditar que seria possível recomeçar quando tudo

parecia acabado.

Aos professores Luís Antonio Groppo e Regina Célia Sarmento pelas valiosas

contribuições durante as bancas.

Aos meus preciosos amigos que ficarão guardados para sempre em meu coração:

Claudia Grota e Eugenio Benito, pelo incentivo e pela sabedoria contida em cada

palavra; Maria Dorothea e Andréa Jaconi, minhas AMIGAS para além do Mestrado.

A Aequotam (equipe de trabalho, pais e praticantes) que me proporcionaram conhecer

a humanidade do trabalho voluntário e que em pouco tempo de convivência, viraram a

minha dissertação ‘de pernas pro ar’.

A todos que direta ou indiretamente, viveram comigo este inestimável momento.

Obrigada, de coração.

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RESUMO

Esta dissertação abordará e fará algumas reflexões sobre três temas: educação não

formal, equoterapia e pedagogia. A equoterapia é um método terapêutico realizado

sobre o cavalo que está inserido numa abordagem interdisciplinar. Faz parte da equipe

terapêutica profissionais da área da educação, saúde e equitação. Essa terapia busca o

desenvolvimento do indivíduo em seus aspectos biopsicossociais, isto é, auxilia e

estimula o desenvolvimento motor, emocional e social, visando o bem-estar do

praticante. As sessões são realizadas na arena, com pessoas portadoras de algum tipo

de deficiência sob a orientação de um profissional direcionado para o atendimento das

necessidades do praticante. Tendo como foco a área educacional no âmbito não formal,

faremos algumas reflexões com base nas contribuições de afetividade de Henri Wallon

e inteireza de Jean-Yves Leloup, com o objetivo de verificar de que maneira o

pedagogo pode estimular o desenvolvimento psicomotor e afetivo do praticante de

equoterapia durante a realização de uma sessão. Além disso, identificar o pedagogo

como educador provedor da aprendizagem junto ao praticante, fora do ambiente

escolar, denominando-o como terapeuta, através da criação do elo entre eles. O

direcionamento da aplicação pedagógica das atividades se dará junto a praticantes

autistas, durante a realização das sessões de equoterapia.

Palavras-Chave: Educação Não Formal, Equoterapia e Pedagogia

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ABSTRACT

This dissertation aims at making some reflections about three themes: non-formal

education, riding therapy and pedagogy. The riding therapy is a therapeutic method

performed on the horse that is inserted in an interdisciplinary approach. The therapeutic

team is formed by education, health and riding professionals. This therapy aims at

developing the individual into the biopsychosocial aspects, supporting and encouraging

his emotional, social and motor development for his well-being. The therapeutic

sessions are performed at an arena with people that have any type of disability, under

the supervision of a professional to meet the needs of the practitioner. The focus is on

non-formal education sector, we propose some reflections based on the affective

contributions of Henri Wallon and completeness of Jean-Yves Leloup, with the objective

of verifying how the teacher can stimulate the psychomotor and affective development of

the practitioner, during the session. Also, identify the teacher as an educator who

provides learning and knowledge outside the school environment, becoming a therapist

by creating a link between them. The focus of this educational activity will be performed

along with autistic practitioners during the riding therapy sessions.

Keywords: Non-formal Education, Riding Therapy and Pedagogy.

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Lista de Ilustrações

Figura 1 Desenho de flor ................................................................................ 15 e 89

Figura 2 Autismo: os sintomas da doença ............................................................. 29

Figura 3 O cavalo ........................................................................................... 34 e 88

Figura 4 Equipe terapêutica interdisciplinar (1) ...................................................... 44

Figura 5 Equipe terapêutica interdisciplinar (2)....................................................... 45

Figura 6 Eu e o cavalo ........................................................................................... 56

Figura 7 Arena coberta ........................................................................................... 60

Figura 8 Arena aberta ............................................................................................ 60

Figura 9 Rampa de acesso (1) ............................................................................... 61

Figura 10 Rampa de acesso (2) ............................................................................. 61

Figura 11 Capacetes ................................................................................................ 62

Figura 12 Bolas ........................................................................................................ 64

Figura 13 Cones ....................................................................................................... 65

Figura 14 Baliza ........................................................................................................ 65

Figura 15 Saco de pancada ..................................................................................... 66

Figura 16 Massinha .................................................................................................. 67

Figura 17 Dominó ..................................................................................................... 67

Figura 18 Jogo da velha (1) ..................................................................................... 68

Figura 19 Caixa tátil (1) ............................................................................................ 69

Figura 20 Prancheta ................................................................................................. 69

Figura 21 Montando palavras (1) ............................................................................. 70

Figura 22 Jogo da memória ..................................................................................... 70

Figura 23 Livro infantil .............................................................................................. 71

Figura 24 Atividade matemática (1) ......................................................................... 72

Figura 25 A fazenda ......................................................................................... 74 e 94

Figura 26 Senta e levanta ........................................................................................ 82

Figura 27 Abdominal ................................................................................................ 83

Figura 28 Jogo da velha (2) ..................................................................................... 84

Figura 29 Jogo da velha (3) ..................................................................................... 85

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Figura 30 Montando palavras (2) ............................................................................. 86

Figura 31 Montando palavras (3) ............................................................................. 86

Figura 32 Leitura de livro (1) .................................................................................... 87

Figura 33 Leitura de livro (2)..................................................................................... 87

Figura 34 Escrita espontânea .................................................................................. 89

Figura 35 Jogo dos pontinhos (1) ............................................................................. 90

Figura 36 Jogo dos pontinhos (2) ............................................................................. 91

Figura 37 Jogo dos pontinhos (3) ............................................................................. 91

Figura 38 Caixa tátil – identificando os objetos ........................................................ 92

Figura 39 Caixa tátil – representando os objetos ..................................................... 93

Figura 40 Caixa tátil – registro .................................................................................. 93

Figura 41 Atividade matemática (2) ......................................................................... 95

Figura 42 Sequência numérica ................................................................................ 96

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SUMÁRIO

Introdução ..................................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1 – NA ARENA DA EDUCAÇÃO .............................................................. 15

1.1 – Educação: a baia não formal ................................................................................ 18

1.2 – Deficiência: A escolha da baia especial ............................................................... 20

1.3 – Autismo: o cavalo preferido nem sempre é o perfeito .......................................... 24

1.4 – Pedagogo: o domador de cavalos ........................................................................ 30

CAPÍTULO 2 – SELANDO O CAVALO NA EQUOTERAPIA ...................................... 34

2.1 – Equoterapia: o surgimento ................................................................................... 37

2.2 – Ande Brasil: a sela protetora ................................................................................ 39

2.3 – Equoterapia: a manta que protege o seu nascimento .......................................... 41

2.4 – O cavalo e a equipe terapêutica interdisciplinar ................................................... 43

2.4.1 – Profissionais da área da saúde .............................................................. 46

2.4.2 – Profissionais da área da educação ......................................................... 47

2.4.3 – Profissionais da área de equitação ......................................................... 48

2.5 – As guias que caracterizam uma sessão ............................................................... 49

2.5.1 – Programas de Equoterapia ..................................................................... 50

2.5.2 – Indicações e Contraindicações ............................................................... 51

2.6 – Psicomotricidade: os benefícios dos movimentos do cavalo ............................... 52

CAPÍTULO 3 – NO GALOPE DO CAVALO ................................................................. 56

3.1 – As rédeas da Aequotam ....................................................................................... 58

3.2 – Pegando estrelinhas ............................................................................................. 63

3.3 – Manta, cilhão e estribo ......................................................................................... 64

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CAPÍTULO 4 – DIÁRIO DE UM DOMADOR ............................................................... 74

4.1 – Todo cavalo tem uma história .............................................................................. 77

A história de R ......................................................................................... 78

A história de G ......................................................................................... 79

4.2 – No zigue-zague das sessões ............................................................................... 80

Os galopes de R ...................................................................................... 80

Os galopes de G ...................................................................................... 97

4.3 – Encerrando a sessão .......................................................................................... 100

Considerações finais: O último galope. Será? ............................................................ 104

Referências Bibliográficas ........................................................................................... 107

Apêndice....................................................................................................................... 112

Anexo .......................................................................................................................... 119

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INTRODUÇÃO

A convivência com animais há muito tempo deixou de ser vista apenas como

companhia e ganhou ares benéficos para a saúde, seja ela na parte física, mental ou de

aprendizagem. Aves, cachorros, coelhos, tartarugas, cavalos, além de uma infinidade

de outros animais, auxiliam em tratamentos terapêuticos.

O tratamento alternativo ganhou espaço:

A demanda também aumentou porque a técnica se mostrou eficaz para alguns distúrbios da modernidade. Em especial, o transtorno de déficit de atenção, que tem deixado pais e professores de cabelo em pé e causado polêmica em torno do uso ou não de medicamentos. (BIDERMAN, p.6, 2012)

Para esta pesquisa de dissertação, em específico, direcionaremos nosso olhar para a

intervenção do cavalo no auxilio ao tratamento terapêutico. Apesar de sua extrema

importância na evolução do praticante1 no que se refere ao desenvolvimento

biopsicossocial, ou seja, o benefício motor, o emocional e social, enfatizaremos como

objetivo principal, a aplicação de atividades pedagógicas, no que se refere a aspectos

psicomotores e afetivos.

A técnica da terapia através do cavalo é conhecida como equoterapia e passou a fazer

parte de meu cotidiano em fevereiro de 2012, quando fui convidada a ser voluntária na

área administrativa de uma Associação. Porém, ao término do meu primeiro dia como

integrante da equipe, o presidente me felicitou dizendo que meus conhecimentos

seriam melhores aproveitados na arena. Na semana seguinte, tendo contato direto com

os praticantes, percebi que estava no lugar certo e isso fez com que eu revisse o tema

que eu havia escolhido para o Mestrado (que até então era literatura infantil) e

direcionasse os estudos para as atividades desenvolvidas durante as sessões. Percebi

naquele momento, que o tema equoterapia havia me escolhido.

1 Praticante é o termo usado para pessoas ou crianças com deficiência ou necessidade especial, que

frequentam as sessões de equoterapia.

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Durante as sessões, aproximei-me e iniciei o desenvolvimento dos trabalhos com dois

praticantes autistas. Por meio desta vivência, pretendemos analisar de que maneira o

pedagogo pode influenciar no desenvolvimento psicomotor e afetivo dos praticantes das

sessões de equoterapia. No nosso caso, praticantes com diagnóstico de autismo.

A pesquisa fará um estudo das sessões de equoterapia, visando identificar as reais

funções do pedagogo durante sua realização. Além disso, buscará refletir de que

maneira o pedagogo pode auxiliar no desenvolvimento dos praticantes autistas

atendidos nestas sessões.

Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa bibliográfica e pesquisa participante,

junto a praticantes de equoterapia que possuem autismo.

Os referenciais teóricos relativos à educação serão aqueles voltados para o

entendimento da educação não formal e educação especial, assim como intervenções

pedagógicas, no qual nos embasaremos em Jean-Yves Leloup, Eugenio González,

Henri Wallon e Severino Antônio. Sob a ótica da equoterapia, utilizaremos como

referencial José Torquato Severo, Ana Luisa de Lara Uzun e Tatiana Lermontov.

No primeiro capítulo, abordaremos a educação especial de forma global, porém, dando

ênfase ao autismo. Além disso, discorreremos sobre a educação não formal no âmbito

da equoterapia e, para finalizar, a importância das intervenções pedagógicas para

crianças praticantes da equoterapia com diagnóstico de autismo.

No segundo capítulo, faremos algumas considerações sobre a importância dos animais

para a saúde, caracterizaremos o que é a equoterapia, os profissionais envolvidos

voluntariamente nas sessões e também algumas reflexões sobre a historicidade e

benefícios do uso dos cavalos desde Hipócrates, a criação da Ande Brasil, além do

desenvolvimento das sessões de equoterapia.

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Apresentaremos no terceiro capítulo, a Aequotam (Associação de Equoterapia de

Americana), equipe administrativa, mediadores e auxiliares, espaço físico e materiais

normalmente utilizados nas sessões.

Para concluir, no quarto capítulo desenvolveremos a pesquisa participante junto aos

praticantes da equoterapia com diagnóstico de autismo, em que narraremos sua

chegada à Aequotam, a aproximação com os cavalos, as interações afetivas e

emocionais, além da evolução pedagógica diagnosticada através da aplicação de jogos

e atividades pedagógicas.

A abertura de cada capítulo será composta pelo desenho de um dos praticantes

observados durante o desenvolvimento desta pesquisa. Os desenhos foram realizados

durante as sessões, sempre sobre o cavalo. Em alguns momentos era pedido o que

gostaríamos que desenhasse e em outros, ocorreu de forma espontânea.

Pretendemos com este trabalho dar suporte a futuros estudos feitos sobre o tema, além

de colaborar para o desenvolvimento efetivo das atividades desenvolvidas em

Associações de Equoterapia.

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Figura 1 – Desenho de Flor

Fonte: R. T. B., 05.05.2012

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CAPÍTULO 1

Pai:

Se existisse um mundo,

Sem guerras e sem paixões,

Sem beijos mas sem traições

Sem dissimulações, sem mentiras,

Sem lutas por posições.

Um mundo prá se viver

Sem precisar se esconder

E onde fosse possível

Ler sem ser interrompido

Sonhar, mesmo sem ter dormido

Correr sem medo do tombo

Crescer sem ser corrompido

Um mundo pra ser feliz

Sem nada de hipocrisia

Sem arma ou fisiologia

Sem ter medo do escuro

E sem ter pavor do dia

Pai:

Se existisse um mundo assim,

Não criava um só prá mim!

Manuel Vásquez Gil

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NA ARENA DA EDUCAÇÃO

Abordaremos neste primeiro capítulo, a educação especial de forma global, porém,

dando ênfase ao autismo. Além disso, discorreremos sobre a educação não formal e,

para finalizar, a importância das intervenções pedagógicas para crianças praticantes da

equoterapia com diagnóstico de autismo.

A educação, apesar de acontecer em diversos espaços quase sempre tem sido

associada à escola. Quando falamos em aprender ou aperfeiçoar o que já sabemos,

referimo-nos ao local como escola: escola de inglês, escola de informática, escola de

corte e costura, escola de cabeleireiro... Talvez seja por isso que pensar a educação

fora deste ambiente predial e regido sob todas as exigências de adequação que as leis

municipais exigem ainda seja difícil.

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida nela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. (BRANDÃO, 2008, p.7)

A educação não formal ganha espaço a partir da necessidade da própria sociedade.

Segundo Jaume Trilla (1996), a expressão educação não formal começa a aparecer relacionada ao campo pedagógico concomitantemente a uma série de críticas ao sistema formalizado de ensino, em um momento histórico em que diferentes setores da sociedade (não só o pedagógico, como também o serviço social, a área da saúde, cultura e outros) viam a escola e a família como impossibilitados de responder a todas as demandas sociais que lhes são impostas, delegadas e desejadas. (GARCIA, 2008, p.67)

A educação não formal está em destaque neste trabalho, uma vez que as atividades

serão desenvolvidas dentro de uma Associação que faz atendimento de pessoas com

deficiência.

Limitando nosso território, estamos em contato, especificamente, com autistas. Para

leigos ou mesmo para o cotidiano das pessoas, a visão sobre o autista é a de que são

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pessoas que possuem extrema limitação de relacionamento pessoal, ‘vivendo’

exclusivamente em seu mundo.

Mas o que é realmente autismo? Essa pergunta não é tão fácil de responder, pois não se conseguiu até hoje, uma definição e uma delimitação consensual das terminologias sobre ele. A multiplicidade das terminologias fenomenológicas e, respectivamente, seus sinônimos demonstram a complexidade do problema e a diversidade dos princípios de esclarecimento existentes até hoje. (FACION apud CUNHA, 2009, p.19).

Com base nisso, faremos um levantamento sobre características do autista e sobre

como o profissional da pedagogia, atuando em um ambiente não formal, pode ajudar no

seu desenvolvimento e qual a importância do pedagogo no estímulo diante das

dificuldades e no auxílio para os avanços.

1.1 – EDUCAÇÃO: A BAIA NÃO FORMAL

A escola, como instituição de ensino, é o espaço onde, supõem-se, ocorrem às maiores

descobertas e construção do conhecimento, portanto, denominada como educação

formal. É nela que os alunos aprendem as disciplinas básicas, como português,

matemática, história, geografia, além de ser o local que propõe a formação do indivíduo

como ser atuante na sociedade. Porém,

Não há uma forma única nem um único modelo de educação: a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante. (BRANDÃO, 2008, p.9)

Há muito a educação deixou de ser restrita e de cunho único (e obrigatório) da escola.

A responsabilidade destinada a ela começou a ser árdua e a escola passou a não

conseguir mais dar conta de tudo que lhe era proposto. Junto a isso, a necessidade dos

pais já não tão presentes na educação dos filhos, também influenciou para a ampliação

da educação não formal no mundo contemporâneo, uma vez que ela sempre esteve

presente na sociedade e nas comunidades.

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De acordo com Trilla (1996), o termo educação não formal apareceu no final da década de 60. É o período em que surgem e penetram nas discussões pedagógicas, vários estudos sobre a crise na educação, evidenciada como crise da educação formal. A proximidade na compreensão geral da educação como sinônimo de escola, fez com que passasse a ser difundida e compreendida como crise na educação formal. (GARCIA, 2008, p.68)

Trilla diferencia a educação formal da educação não formal, através de critérios

seguidos pela legislação nacional: enquanto a primeira é amparada pelas leis do

Estado, a segunda não tem uma legislação que incida sobre ela.

Park, Fernandes e Carnicel (2007) apontam outras visões para a educação não formal:

Um grupo de pesquisadores da Michigan State University, nos anos 70, inicialmente define o termo por antagonismo a educação formal escolar, apontando o caminho inverso na construção de sua via, pontuando as diferenças em termos de flexibilidade maior em relação a: estrutura dos programas, formas dos conteúdos abordados, investimento temporal, fornecimento de uma certificação, locais de acontecimento, métodos utilizados, participantes envolvidos e função. Posteriormente, nos anos 90, define o termo pensando em três funções: tendo papel complementar ao sistema formal escolar, como uma alternativa e como papel suplementar. Neste sentido a oposição não é o foco, mas a perspectiva de ampliar as experiências escolares. (p.131)

E continuam:

[...] “por educação formal entende-se o tipo de educação organizada com uma determinada sequência (prévia) e proporcionada pelas escolas, enquanto que a designação não formal, embora obedeça a uma estrutura e a uma organização (distintas porém das escolas) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita a não-fixação de tempos e locais e a flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto.” (AFONSO apud PARK, FERNANDES e CARNICEL, 2007,p.131)

A educação não formal surge como um fôlego para a escola formal, porém não tirando

sua responsabilidade e importância. Tanto a educação formal quanto a não formal são

de necessidade, uma vez que uma complementa a outra. Ações diferentes, porém de

grande importância para a autonomia do sujeito, conforme a Constituição Federal de

1988, artigo 205:

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A educação, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Com o auxílio da educação não formal, a escola regular pôde concentrar-se mais nos

conteúdos ao que realmente é designada.

A educação não formal busca capacitar o cidadão por meio de projetos de desenvolvimento pessoal e social que podem acontecer em diversos espaços: comunidades, empresas, penitenciárias, organizações não governamentais (ONGs), entre outros. (TOZETTO, ROMANIW e MORAIS, 2011, p. 437)

Longe do ambiente escolar, a educação não formal está inserida em ambientes, na

maioria das vezes, sem fins lucrativos e, sempre que possível, sem que haja ônus a

quem frequenta. Muitas instituições chegam a financiar o transporte, a alimentação,

além de oferecer ajuda de custo aos seus educandos.

1.2 – DEFICIÊNCIA: A ESCOLHA DA BAIA ESPECIAL

Eu sei que você e eu

Nunca fomos iguais.

E eu costumava olhar para as estrelas à noite

E queria saber de qual delas eu vim

Porque eu pareço ser parte de um outro mundo

E eu nunca saberei do que ele é feito.

A não ser que você construa uma ponte,

Construa-se uma ponte,

Construa-me uma ponte de amor.

(MCKEAN, 1994, Autista, 28 anos, escritor)

“Ama em mim o que eu poderia ter sido, sob céus mais propícios”.

Schiller

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Como devemos denominar uma pessoa com deficiência?

Algumas palavras simples e cotidianas, mas com significados tão complexos e que se

diferenciam conforme a maneira como são utilizadas: deficiente, especial, portadores de

necessidades ... Para termos uma ideia das evoluções das terminologias, Sassaki

(2003)2 faz um levantamento dos termos utilizados: inválido (até 1920); incapacitado,

indivíduo sem capacidade, indivíduo com capacidade residual e incapaz (1920 a 1960),

defeituoso, deficiente e excepcional (1960 a 1980); pessoa deficiente (1981 a 1987);

pessoa portadora de deficiência (1988 a 1993); de 1990 até os dias atuais, utilizou-se

pessoa especial, portador de direitos especiais, pessoa com necessidade especial,

portador de necessidade especial e pessoa com deficiência. Este último termo é o que

continua em vigor atualmente.

Em virtude das inúmeras mudanças, é compreensível que algumas pessoas ainda

tenham dificuldade em se reportar ou abordar alguém que não esteja inserida nos

‘padrões de normalidade’ estabelecidos pela sociedade.

Sassaki (2006, p.13) apresenta quais são os termos mais adequados a serem usados,

quando falamos sobre deficiência:

Aluno de inclusão: nas escolas, todos são “de inclusão”. Ao se referir

ao aluno surdo, por exemplo, diga aluno com (ou que tem) deficiência.

Cadeira de rodas elétrica: trata-se de uma cadeira de rodas com motor, portanto deve-se dizer cadeira de rodas motorizada.

Cadeirante: o termo reduz a pessoa ao objeto. Diga pessoa em cadeira de rodas ou que anda em cadeira de rodas.

Ceguinho: o diminutivo deixa a impressão de pena. O correto é cego, pessoa cega ou com deficiência visual.

Criança normal: o termo sugere que a deficiência é anormal. Diga, aluno, criança ou adulto sem deficiência.

Deficiente: não devemos reduzir as pessoas e suas capacidades à deficiência. O correto é pessoa com deficiência.

Escola ou classe normal: devemos dizer escola ou classe regular ou comum.

Excepcional: o certo é criança ou jovem com deficiência mental. Mongolóide ou mongol: diga aluno com síndrome de Down, em

referência ao médico inglês que a identificou, John L. Down.

2 <http://www.cnbb.org.br/documento.geral/RomeuSassakiComochamaraspessoas.doc>

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Portador de deficiência: a deficiência não é algo que a pessoa porta (carrega). O correto é pessoa com deficiência.

Surdo-mudo e mudinho: o surdo só não fala porque não ouve. O certo é dizer surdo ou pessoa com deficiência auditiva.

Com o passar dos anos, os termos foram se modificando e se adequando à realidade,

como pode ser identificado na expressão ‘portador de necessidades especiais’: quando

portamos algo, podemos deixá-la a qualquer momento, o que não é o caso da

deficiência. Outro termo que não mais se enquadra é ‘deficiente’, pois denota

incapacidade generalizada.

A aparência física é um dos fatores que contribuem para a caracterização de uma

pessoa com deficiência: a pessoa com Síndrome de Down é facilmente identificada

dada suas particularidades de olhos puxados, orelhas pequenas, rostinho com perfil

achatado, mãos mais curtas; a paralisia é identificada pela perda dos movimentos; um

cego será identificado pelo uso dos óculos escuros e da bengala; o usuário de cadeira

de rodas identifica-se exatamente pelo uso do seu meio de locomoção.

Em alguns casos, só será possível a identificação de alguma deficiência por meio de

exames médicos ou diagnósticos de especialistas, como no caso dos atrasos mentais,

hiperatividade e autismo; são condições que permitem a alguns tipos de deficiências

ficarem por longo tempo sem diagnóstico, uma vez que não apresentam nenhuma

dificuldade física aparente.

Apesar das leis não serem o foco desta dissertação, discorreremos sobre algumas que

garantem a proteção das pessoas com deficiência e seu ingresso na vida escolar.

Conforme a Constituição Federal de 1998:

Artigo 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

O Capítulo IV do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), afirma que:

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Artigo 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho [...]

Artigo 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), na lei nº 9394/96 aponta que:

Artigo 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. Parágrafo 1º - Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial.

A pessoa com deficiência possui garantida sua acessibilidade à escola de ensino

regular, levando-se em consideração seu grau de deficiência. Estando em escola

regular ou especializada, o bem-estar deve estar garantido.

De modo geral, as pessoas com alguma deficiência se identificam e não percebem o

outro deficiente da maneira como as pessoas sem deficiência o fazem. Compartilham

experiências e reações positivas dentro de suas possibilidades. Um texto de

conhecimento popular, porém de autor desconhecido, ilustra este fato3:

OLIMPIADAS ESPECIAIS DE SEATLE. Há alguns anos, nas Olimpíadas Especiais de Seattle, nove participantes, todos com deficiência mental, alinharam-se para a largada da corrida de 100 metros rasos. Ao sinal, todos partiram, não exatamente em disparada, mas com vontade de dar o melhor de si, terminar a corrida e ganhar. Um dos garotos tropeçou no asfalto, caiu e começou a chorar. Os outros oito ouviram o choro, diminuíram o passo e olharam para trás. Então viraram e voltaram. Todos eles. Uma das meninas com Síndrome de Down, ajoelhando, deu um beijo no garoto e disse: - Pronto, agora vai sarar! E todos os nove competidores deram os braços e andaram juntos até a linha de chegada. O estádio inteiro levantou e os aplausos duraram muitos minutos. Talvez os atletas fossem deficientes mentais. Mas com certeza, não eram deficientes espirituais! Isso porque, lá no fundo, todos nós sabemos que o

3 <http://www.cidadaodomundo.org/2005/12/aconteceu-nas-olimpiadas-de-seattle/>

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que importa nesta vida, mais do que ganhar sozinho é ajudar os outros a vencer, mesmo que isso signifique diminuir os nossos passos.

As pessoas com deficiência estão além do que aparentemente podemos ver deles e

nos surpreendem com gestos e atitudes. A mensagem acima deixa clara a afetividade

para além da competição, o que para as pessoas sem deficiência seria difícil acontecer.

Dentre as inúmeras deficiências, para esta dissertação teremos como objeto de estudo

o autismo (Transtorno do Espectro do Autismo). Faremos um breve levantamento

histórico de sua descoberta, assim como uma breve explicação de como o autista é

visto nos dias atuais.

1.3 – AUTISMO: O CAVALO PREFERIDO NEM SEMPRE É O PERFEITO

No início do século XX, foram descritas na França, crianças chamadas de enfants fadas. De onde viria esse nome? Ao se procurar na riqueza dos contos de fadas da Europa, que corresponderiam ao repertório da memória dos povos (folclore), a criança fada seria aquela que foi trocada por uma fada. Nos contos de fadas da Irlanda, há o personagem chamado de changeling, ou seja o transmutado humano. O termo se aplicaria a crianças, batizadas ou não, que seriam raptadas pelos good people (fadas ou gnomos) que, por sua vez, deixariam em lugar da criança um substituto fisicamente idêntico, porém, com personalidade totalmente diferente. Tal rapto ocorreria bem precocemente, e a mãe não o notaria imediatamente. Mas ela estranharia, pois a criança não seria mais afetiva, gritaria e a agrediria, além de ignorá-la. Chama a atenção que o folclore descreve esses raptos como sendo exclusivamente de meninos. (ROSENBERG, 2011, p. 20)

Esta criança, como as outras duas, nunca sorria, não esticava os braços para ela (a mãe), não falava, nunca tinha um olhar de reconhecimento em seus grandes olhos negros que só olhavam fixamente para tudo o que brilhava, porém não conseguia seguir um raio de sol que se afastava lentamente ao deslizar no solo. (DICKENS apud ROSENBERG, 2011, p.22)

Leo Kanner foi o psiquiatra austríaco precursor no estudo sobre o autismo. Porém,

antes dele – o primeiro relato identificado foi em 1677 por Willis – houve inúmeros

escritos feitos por médicos e pedagogos, que descreviam, isoladamente, o

comportamento de crianças muito semelhantes ao que foi relatado por Kanner

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posteriormente. Em 1943, iniciou seu estudo com 11 crianças, sendo 8 meninos e 3

meninas, com idade variando entre 2 anos e 4 meses e 11 anos.

Kanner acreditava que o autismo tinha sua origem primária no transtorno afetivo, “[...]

causado por uma carência afetiva em um meio familiar de pais ‘frios’ e hostis, incapazes

de manter uma relação afetiva calorosa” (GONZÁLEZ, 2007, p.220), e que o transtorno

cognitivo, seria o efeito disso. Como consequência, inúmeras crianças foram internadas

para serem afastadas das patologias dos pais.

Conforme González (2007, p.222), Kanner durante seus estudos levantou algumas

características sobre o autismo:

Incapacidade para manter relações interpessoais com outras pessoas. Os pais os descreviam como “felizes quando são deixados sozinhos”; “em uma concha”; “agindo como se não houvesse pessoas ao seu redor”.

Incapacidade para falar. Nenhuma das 11 crianças detectadas por Kanner chegou a utilizar a linguagem de forma compreensível para os demais.

Excelente memória de repetição. Essa característica se encontra associada à incapacidade linguística dessas crianças, fazendo com que seus pais as “empanturrem” com poesia, versos, nome biológicos, etc.

Ecolalia. Se a criança autista consegue formar frase, repete-as como se fosse um papagaio, sem perceber seu significado.

Utilização inadequada de pronomes pessoais. Se a criança autista fala, pode se referir a si mesma como “você” e às outras pessoas como “eu”.

Medo de sons fortes e objetos em movimento. Até mesmo o barulho produzido pelo vento pode causar pânico ou fobia, mas isso não acontece quando é ela própria que provoca o barulho ou se é alguém que realiza os movimentos de um objeto.

Algumas características estão muito presentes na criança autista, e algumas de

maneira mais sutis, sendo de difícil identificação. Durante a sua pesquisa, Kanner

observou que “uma das características dessas crianças era seu exagerado isolamento

social desde o nascimento, atribuídos hoje mais a fatores biológicos do que

emocionais.” (GONZÁLEZ, 2007, op.cit).

O termo Transtorno do Espectro do Autismo (ou Transtorno do Espectro Autista) surgiu

para contemplar as diferentes características apresentadas pelas crianças com

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diagnóstico de autismo conforme descreve Rivière (2004, p.241): “o conceito de

espectro autista pode nos ajudar a compreender que, quando falamos de autismo e de

outros transtornos globais, empregamos termos comuns para pessoas muito

diferentes”.

E completa:

A idéia de um ‘espectro autista’ teve sua origem em uma pesquisa realizada por Lorna Wing e Judith Gould (1979), cujo objetivo era conhecer o número e as características de crianças e jovens menores de 15 anos que apresentavam algum tipo de deficiência importante nas capacidades de relação social. O resultado dessa pesquisa foi a descoberta de que a prevalência de déficits sociais graves era mais de quatro vezes superior ao do transtorno autista, e também que as crianças com esses déficits concorriam os principais sintomas do espectro autista: transtornos da relação, das capacidades de ficção e de jogo simbólico, das capacidades lingüísticas e comunicativas e da flexibilidade mental e corporal.

O autismo está enquadrado no Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD).

Conforme a cartilha “Direito das Pessoas Autistas” de março de 2011, até o momento,

foram identificados oito desses transtornos, sendo: Autismo infantil, Autismo atípico,

Síndrome de Rett, Outro transtorno desintegrativo da infância, Transtorno com

hipercinesia associada a retardo mental e a movimentos esteriotipados, Síndrome de

Aspeger, Outros transtornos globais do desenvolvimento e Transtornos globais não

especificados do desenvolvimento.

Esses transtornos foram classificados conjuntamente porque todos causam, de algum modo, distúrbios no desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento ocorre de um jeito diferente do esperado para crianças da mesma idade. Ademais, todos afetam, de várias maneiras e intensidades, a comunicação, a interação social e o comportamento da pessoa. (CARTILHA, 2011, p.2)

Diferente do que acontece com a maioria das doenças, o autismo não é detectado

através de exames laboratoriais. O profissional responsável pelo diagnóstico deve ter

formação em medicina, além de possuir experiência clínica nestes casos, uma vez que

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será necessária análise comportamental, técnicas próprias e entrevistas. Em virtude

disso, o autismo é identificado pelo CID 104 e DSM-IV5.

O diagnóstico correto feito precocemente beneficia a criança num tratamento dedicado,

com efeitos melhores, além do bem-estar do mesmo e de sua família, uma vez que,

“atualmente não se ‘cura’ o autismo, embora possa haver melhora muito significativa,

graças, sobretudo, ao trabalho paciente da educação” (RIVIÈRE, 2004, p.237).

De modo geral, os indícios de autismo podem ser identificados a partir dos dezoito

meses, porém, dificilmente um diagnóstico será concluído antes dos trinta ou trinta e

seis meses.

Quando falamos sobre autismo, é comum que criemos a imagem mental de uma

criança sentada no chão e se balançando o tempo todo, não dando atenção ao que

está acontecendo a sua volta ou se está sendo requisitada por alguém. Além disso,

associamos também à imagem de uma criança que não tem afinidade ou troca de

carinho com ninguém, vivendo apenas no seu mundo, sem que haja troca ou interação,

afinal, de modo geral, o autismo é identificado como sendo um transtorno humano em

que há falta de comunicação, socialização e comportamento.

Mas, será que é esse mesmo o comportamento de um autista? Será que todos são

iguais? Existe variação de graus quando falamos de autismo? O autista é uma pessoa

que pode estar no convívio social? Ele aprende? Ele fala? Ele pode ser uma pessoa

independente? Consegue ler e escrever? Todos podem ser inclusos em salas de aula

regulares?

4 CID 10 – Classificação Internacional de Doenças (Transtornos Mentais e de Comportamento)

5 No ano de 1952, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) publicou a primeira edição do "Manual

Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais" (DSM-I), e as edições seguintes, publicadas em 1968

(DSM-II), 1980 (DSM-III), 1987 (DSM-III-R) e 1994 (DSM-IV), foram revistas, modificadas e ampliadas.

(http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-1082005000300010)

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O rótulo “autismo” parece remeter a um conjunto bastante heterogêneo de individualidade, cujos níveis evolutivos, necessidades educacionais e terapêuticas e perspectivas vitais são bastante diferentes. A ideia de considerar o autismo como um “contínuo”, mais do que como uma categoria que defina um modo de “ser”, ajuda-nos a compreender que, apesar das importantes diferenças que existem entre diferentes pessoas, todas elas apresentam alterações em maior ou menor grau, em uma série de aspectos ou “dimensões”, cuja afecção se produz sempre nos casos de transtorno profundo do desenvolvimento. A expressão e a natureza concreta das alterações, que as pessoas com espectro autista apresentam nessas “dimensões sempre alteradas”, dependem de seis fatores: 1. A associação ou não do autismo com atraso mental mais ou menos

grave. 2. A gravidade do transtorno que apresentam. 3. A idade – o momento evolutivo – da pessoa autista. 4. O sexo: o transtorno autista afeta com menos frequência, porém com

maior gravidade de alteração, as mulheres do que os homens. 5. A adequação e a eficiência dos tratamentos utilizados e das

experiências de aprendizagem. 6. O compromisso e o apoio da família.

(RIVIÈRE, 2004, p.241)

Alguns sintomas podem ser identificados ainda na família. Conforme José e Coelho

(1995, p.171) a figura 2 a seguir (elaborado pela New York State Society For Autistic

Children e traduzido pela Associação de Amigos do Autista-AMA), descreve catorze

sintomas de crianças com autismo.

José e Coelho (1995) consideram ainda que, com sete dos catorze aspectos, a criança

pode ser considerada autista. Porém, são apenas indícios que deverão ser

diagnosticados com profissionais especializados.

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Figura 2 – Autismo: os sintomas da doença

Fonte: http://sobreautismo.files.wordpress.com/2011/07/autismo3.jpg

Mas, depois de alguns séculos da descoberta do autismo e apesar de todos os estudos

e pesquisas já existentes, ainda estamos muito aquém do que realmente precisa ser

descoberto sobre isso.

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1.4 – PEDAGOGO: O DOMADOR DE CAVALOS

Educar a sensibilidade é tão vital quanto educar a inteligência.

Severino Antônio

[...] a terapia é sem dúvida ‘arte da interpretação’, efeitos e afetos modificam-se em direção a um melhor ou pior de acordo com o sentido que se dá a um sofrimento, um evento, um sonho ou um texto sagrado. O homem está condenado a interpretar, é nisso que ele é livre. (LELOUP, 2003, p.15)

Fora do ambiente escolar e inserido num ambiente não formal, o pedagogo deixa de ser

apenas um educador provedor da aprendizagem e desenvolvimento do sujeito. Nosso

objetivo, neste momento, é de identificá-lo também como terapeuta.

Leloup (2003) descreve o terapeuta no tempo de Fílon como sendo a pessoa que cuida

do corpo, da alma e da ética.

Na época de Fílon, o Terapeuta cuidava dos ‘deuses’, que eram as imagens pelas quais o homem representava para si o Absoluto, as imagens múltiplas do Ser único. Os deuses são também os Valores que orientam e desenvolvem a vida; em termos mais filosóficos, falar-se-á de “transcendentais”: o Belo, o Verdadeiro, o Bom. Cuidar dos deuses é vigiar as grandes imagens que habitam em nós, os arquétipos que nos guiam para o melhor ou o pior de nós mesmos. (p.28)

E completa:

O terapeuta é também um ser “que sabe orar” pela saúde do outro, isto é, chamar sobre ele a presença e a energia do Vivente, pois só ele pode curar toda doença e com o qual ele “coopera”. O terapeuta não cura, ele “cuida”, é o Vivente que trata e que cura. O terapeuta está lá apenas para pôr o doente nas melhores condições possíveis para que o Vivente atue e venha a cura. (p.25)

Sob essa perspectiva, ele não cumpre formalmente a função de professor com suas

atribuições de planejamento, orientação, avaliação e reunião de pais, mas está acima

disso. O pedagogo terapeuta planeja, executa, avalia, faz conversas formais e informais

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e percebe que seu trabalho requer dele, algo além do que rotineiramente desenvolveria

na sala de aula.

[...] Terapeuta. Sua maneira de jamais tratar o outro como um objeto, como uma doença, considerando-o sempre, infinitamente mais importante do que seu sintoma, com o qual não deve ser identificado. (LELOUP, 2012, p.28)

O pedagogo como terapeuta “é o educador, com ternura e alta empatia. O mediador,

quem anima os diálogos, faz perguntas, desperta a curiosidade, organiza os exercícios,

cultiva a escuta, ensina as palavras.” (ANTÔNIO, 2008, p.27).

Além disso,

O afeto motiva o desejo de aprender. A emoção move a inteligência. Emotivo, mote, motivo, motivação, motor: muitas palavras que se juntam com novas iluminações ao reconhecermos seu parentesco próximo. (ANTÔNIO, op.cit, p.27)

Paralelo ao que o pedagogo precisa estar desenvolvendo em suas atividades

pedagógicas, se depara com a necessidade do elo que precisa existir entre ele e seu

praticante.

[...] A confiança precisa estar cotidianamente presente em quem aprende, e também em quem ensina, no seu olhar, na sua voz, nos seus gestos: é preciso correspondência, convergência, ressonância. Além de sentir-se capaz de aprender, outra necessidade se evidencia: pertencer, ser acolhida, ter um lugar a que possa retornar e se sentir em casa. Para o começo do aventurar-se no desconhecido, que traz medos e incertezas, a criança precisa de pertencimento, de familiaridade, de reconhecer e ser reconhecida. Propiciarmos a ela o sentimento de ser acolhida é um dos cuidados mais preciosos. (ANTÔNIO, 2008, p.28)

O trabalho precisa ser desenvolvido de forma especial, não sendo possível fazer

comparações de desenvolvimento entre crianças, mesmo porque, aquele momento é

ricamente único. É importante que o pedagogo, como terapeuta, tenha a sensibilidade

de perceber as necessidades do seu ‘paciente’. O lúdico torna-se peça chave para

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proporcionar maior envolvimento e interesse pelo que está sendo feito, além de ser

uma grande porta de entrada no auxílio e solução de problemas.

As representações simbólicas são tão concretas quanto nossos próprios corpos, quanto as relações sociais que entretecem a história cotidiana. Reconhecer sentido ou atribuir sentido à existência é tão natural e necessário quanto respirar. Precisamos disso para permanecer vivos. E para mudar a vida. Reconhecer o que somos e o que podemos ser, essa é uma das destinações da educação. Reconhecer-se sujeito é inseparável do sentir-se autor – de ideias, de palavras, de diálogos. Fazer sua própria escuta, ver com os próprios olhos, expressar-se com linguagem própria: isso é construção do conhecimento, de cultura, de história. (ANTÔNIO, 2002, p.35)

Toda pessoa que precisa de um terapeuta espera cuidados especiais e dedicados;

intervenções que valorizem ainda mais aquele momento. O pedagogo, como terapeuta,

precisa de sua sensibilidade para enriquecer seu trabalho.

O Terapeuta cuida de um sujeito, que possui um corpo, que pede para ser tocado de certa maneira. Há de falar, mas também entra em contato com algo que está além do organismo desorganizado, que é o Ser profundo dessa pessoa. Portanto, o Terapeuta cuida de um sujeito, que possui um corpo, que pede para ser tocado de certa maneira. (LELOUP, 2012, p. 29)

Na equoterapia, aproveitando-se do cavalo como seu aliado, o pedagogo estará

atuando na criação de situações que auxiliem seu paciente (praticante) no convívio e

desempenho escolar.

O papel do pedagogo e/ou psicopedagogo é o de criar situações que encaminhem a pessoa à utilização dos recursos disponíveis durante as sessões de equoterapia para as atividades escolares, objetivando trabalhar as dificuldades resultantes do processo ensino-aprendizagem, a assimilação, concentração e atenção. O próprio movimento proporcionado pelo cavalo favorece a integração dos hemisférios cerebrais. (UZUN, 2005, p.43)

O paciente (praticante) não pertence ao pedagogo terapeuta apenas para sua

intervenção pedagógica mas vai além disso. Conforme Leloup (op.cit, p.37) “uma

pessoa é mais que um indivíduo” e o pedagogo percebe o paciente como um todo, na

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sua inteireza. Eles possuem um elo, uma relação que envolve afeto, cognição, cultura,

intelecto, espiritualidade ... No desenvolvimento desta atividade, ele sabe que não basta

ser apenas um pedagogo: o vínculo precisa ser formado.

Na terapia equoterápica, o pedagogo não está sozinho: a equipe interdisciplinar é

fundamental para que os benefícios ao praticante sejam ainda maiores. No segundo

capítulo, faremos algumas considerações sobre a importância dos animais para a

saúde, caracterizaremos o que é a equoterapia, os profissionais envolvidos nas

sessões e também algumas reflexões sobre a historicidade e benefícios do uso dos

cavalos desde Hipócrates, a criação da Ande Brasil, além do desenvolvimento das

sessões de equoterapia.

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Figura 3 – O cavalo

Fonte: R. T. B., 14.04.2012

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CAPÍTULO 2

Cada dia, a dança

Cada dia, a dança

exata ou incerta,

à beira dos abismos

e também da graça.

Tocamos outra vez

solos sem retorno,

com ritmos estranhos

mas medularmente próximos.

As músicas se perdem

por trilhas já traçadas.

Os pés caem ao chão,

em becos sem saída.

As pernas, como sempre,

recriam os caminhos.

Os corpos recuperam

a luz e os movimentos,

e as vidas futuras

em nós ensaiam os passos.

Severino Antônio

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SELANDO O CAVALO NA EQUOTERAPIA

Depois de escolhermos as baias com as quais iremos direcionar nossa pesquisa,

chegou a hora de deixar o cavalo preparado para uma sessão de equoterapia, mas: o

que é a equoterapia? Quais são os profissionais envolvidos nas sessões

equoterápicas? Quando surgiram os primeiros indícios de que as atividades realizadas

com os cavalos poderiam ser terapêuticas? Onde surgiu a equoterapia? Quem é o

responsável pela sua organização? Como ocorrem as sessões?

Foi-se o tempo, em que os animais eram tidos apenas como de estimação,

companheiros para os momentos de tristeza ou guardadores de patrimônio.

Atualmente, os animais estão cada vez mais sendo inseridos em tratamentos,

principalmente quando se trata de crianças, idosos ou pessoas com algum tipo de

deficiência (seja motora ou intelectual). Cachorro, coelho, chinchila, gato, tartaruga,

passarinho, cavalo ... todos possuem um lugar especial e função digna nos

tratamentos.

Os animais propiciam momentos de distração e felicidade, fazendo com que, por alguns

momentos, os problemas pareçam diminuir. Isso apenas levando em consideração os

aspectos afetivos mais cotidianos. Conforme o fisioterapeuta Vinicius Ribeiro (Jornal

Folha de São Paulo, 2012, p.6): “O animal é um catalisador de emoções, a pessoa

expressa seus sentimentos por meio dele: diz que quem está triste, cansado, chateado

é o cachorro.”

Os cachorros, em geral, são os mais conhecidos, pois são companheiros e leais. Além

disso, alguns adestrados destacam-se por “serem os olhos” das pessoas com

deficiência visual: conseguem orientar tarefas como guiar pelas ruas, entrar ou sair de

alguma condução, dar autonomia para que o deficiente more sozinho e até salvar vidas.

Os gatos auxiliam por sua agilidade e autonomia. São, em geral, recomendados para

crianças autistas, pois respeitam suas necessidades de interação.

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Cada animal possui a sua particularidade e seus benefícios, sejam eles de estimação

ou terapêuticos, além de possuírem fundamental importância ao que foi proposto:

brincando, guiando ou cuidando. Para este trabalho, daremos ênfase e especial

destaque para o cavalo.

2.1– EQUOTERAPIA: O SURGIMENTO

As terapias com cavalos fazem parte da história da humanidade. Freire (1999), Uzun

(2005), Medeiros e Dias (2008) e Severo (2010) fazem a descrição da linha histórica da

equoterapia, desde o seu surgimento até sua efetivação no Brasil, além da criação das

primeiras associações e realização dos primeiros congressos. A partir de suas citações,

fizemos a coletânea dos momentos históricos:

Hipócrates de Loo (458-370 a.C.) recomendava exercícios a cavalo para a saúde

dos cavaleiros e tratamento de insônia;

124 a. C – Asclepíades (médico grego) indicava a equitação no tratamento de

paralisias e epilepsia;

Galeno (130-199 d.C.) divulgou os conhecimentos da medicina ocidental,

enfatizando as atividades com cavalos;

1569 – Jerônimo Merkurialis (médico) afirma que além do corpo, os sentidos

também são beneficiados com a equitação;

Francisco Fuller (1654 – 1734) descreve que para o tratamento da hipocondria, o

método adequado seria a equitação;

1676 – Thomas Syndehan relatou que a equitação era o tratamento ideal para

tuberculose, cólicas biliares e flatulências. Tamanha era sua convicção dos

benefícios do cavalo, que chegava a emprestar seus animais a pacientes sem

recursos;

Samuel Theodor Quelmatz (1697-1758) faz a primeira referência ao movimento

tridimensional do dorso do cavalo;

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John Pringle (1707- 1782) constatou que militares que estavam em combate a pé,

eram mais atingidos por doenças endêmicas dos que estavam a cavalo;

1719 – Friedrich Hoffman dedica um capítulo, em seu livro, sobre os benefícios da

equitação;

1734 – Charles S. Castel desenvolveu uma cadeira que reproduzia movimentos

similares aos do cavalo (“tremoussoir”);

Goethe (1749 – 1832) cavalgava diariamente, reconhecendo os benefícios para a

coluna vertebral;

1772 – Giuseppe Benvenutti afirmou que para manter o corpo são, é necessária a

prática de equitação;

1782 – Joseph C. Tissot descreveu as contraindicações da equitação, assim como

os movimentos do cavalo (ativo, passivo e ativo-passivo);

1890 – Gustav Zander faz a primeira constatação sobre a dinâmica do cavalo;

1901 – Hospital Ortopédico de Oswentry (Inglaterra) utiliza, pela primeira vez, a

equitação no contexto hospitalar;

No início do séc. XX (na Inglaterra), o ato de montar foi utilizado como forma de

tratamento para os soldados da Primeira Guerra Mundial, assim como para

inválidos;

A partir de 1950 – fisioterapeutas britânicos estudaram a equitação como terapia

para todos os tipos de deficiências;

1952 e 1956 – Elizabeth Haertel, com sequelas motoras em virtude de uma

poliomielite, ganhou medalha de prata em adestramento nos Jogos Olímpicos de

Helsinki, valorizando a equitação para a reabilitação;

1965 - na educação, a equitação passou a fazer parte do currículo acadêmico na

França;

1969 – desenvolveu-se o primeiro trabalho científico sobre reeducação equestre;

1969 – foi criada na Inglaterra, a Associação Britânica de Equitação Terapêutica

(Riding for Disable Association – RDA);

1969 – criada a Associação Americana de Equoterapia para Deficientes (North

American Riding for de Handicapped Association – Narha), reunindo os centros de

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equoterapia norte-americanos e canadenses, orientando para a criação de centro de

equoterapia de alto padrão;

1971 – Elly Kogler e Gabriele B. Walter trazem ao Brasil, as primeiras experiências

sobre equoterapia;

1972 – Dra. Collette Picart Trintelin defende, na França, a primeira tese de

doutorado sobre equoterapia;

1974 – início dos Congressos Internacionais sobre equoterapia;

1985 – Fundação da Federação Internacional;

1989 – Fundação da Associação Nacional de Equoterapia (ANDE BRASIL);

1997 – a equoterapia é reconhecida como método médico, pelo Conselho Federal

de Medicina, pelo parecer número 06/97 de 09 de abril de 1997;

1998 – Fundação da Associação de Equoterapia Paulista (AEP);

1999 – I Congresso Brasileiro de Equoterapia na ANDE BRASIL;

2002 – II Congresso Brasileiro de Equoterapia;

2004 – III Congresso Brasileiro de Equoterapia e I Congresso Ibero-Americano de

Equoterapia;

2006 – XII International Congress of Therapeutic Riding, realizado pela primeira vez

no Brasil, em Brasília.

A linha histórica mostra que há muito tempo os benefícios na utilização do cavalo já são

reconhecidos, porém de forma fragmentada e nos mais diferentes países. As atividades

equoterápicas ainda são bastante recentes e chegam a ser de pouco conhecimento

para a maioria da população. No Brasil, a prática está sendo desenvolvida de forma

gradativa e a base para a realização deste trabalho está pautada na ANDE BRASIL.

2.2 – ANDE BRASIL: A SELA PROTETORA

No Brasil, a primeira Associação de Equoterapia foi criada em 10 de maio de 1989, na

Granja do Torto, cidade de Brasília, Distrito Federal e recebeu o nome de ANDE

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BRASIL (Associação Nacional de Equoterapia). Foi fundada pelo general Ary Rodolpho

Carracho Horne e pelo coronel de cavalaria Lélio de Castro Cirillo.

Em convênio com a Secretaria do Exército e o Ministério da Defesa, a ANDE BRASIL

possui o apoio do Regimento da Cavalaria de Guarda, ou, como é conhecido,

Regimento dos Dragões da Independência.

Além de ações doutrinárias, orientação e criação de novos centros de equoterapia, a

Ande oferece cursos e congressos, representando o Brasil em diversos países.

A palavra equoterapia surgiu da necessidade de se ter uma palavra, da língua

portuguesa, que traduzisse o programa de reabilitação e educação desenvolvido com o

cavalo e a cavalo, com pessoas com deficiência.

Apesar da prática ser realizada em mais de trinta países, as expressões adotadas por

eles são motivos de discussão em congressos internacionais, “pois ainda não se

encontrou uma palavra para ser utilizada em todos os países que caracterize todos os

programas de reabilitação e educação realizados com o cavalo e a cavalo”. (ANDE

BRASIL, 2005, p.4)

A partir da interação de diversos profissionais da área da saúde e educação, deixou-se

de utilizar o simples conceito de “equitação para deficiente” para atuar no campo

técnico-científico, isto é, com maior envolvimento devido a estudos e tratamentos

direcionados.

Criada pela ANDE BRASIL, a palavra EQUOTERAPIA possui três intenções:

a primeira, homenagear a nossa língua mãe – o latim- adotando o radical EQUO que vem de EQUUS.

a segunda, homenagear o pai da medicina ocidental, o grego

HIPOCRATES de LOO (458 a 377 a.C.), que no seu livro “DAS DIETAS” já aconselhava a prática equestre para regenerar a saúde, preservar o corpo humano de muitas doenças e no tratamento de

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insônia e mencionava que a prática equestre, ao ar livre, faz com que os cavaleiros melhorem seu tônus. Adotou-se TERAPIA que vem do grego THERAPEIA, parte da medicina que trata da aplicação de conhecimento técnico-científico no campo da reabilitação e reeducação.

a terceira foi estratégica: quem utilizasse a palavra EQUOTERAPIA,

totalmente desconhecida até então, estaria engajado nos princípios e normas fundamentais que norteiam esta prática no Brasil, o que facilitaria o reconhecimento do método terapêutico pelos órgãos competentes.

(ANDE BRASIL, 2005, p.4)

Para fortalecer os créditos, EQUOTERAPIA está registrada no INPI – Instituto Nacional

de Propriedade Industrial – sob o registro 819392529 de 26 de julho de 1999, além de

ser reconhecida como ferramenta terapêutica pelo Conselho Federal de Medicina

desde 1997.

2.3 – EQUOTERAPIA: A MANTA QUE PROTEGE O SEU NASCIMENTO

A equoterapia é o desenvolvimento de atividades terapêuticas, utilizando-se do cavalo,

com o objetivo de proporcionar ao praticante bem-estar em diversos aspectos:

A equoterapia é um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar, nas áreas da Saúde, Educação e Equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas portadoras de deficiência e/ou necessidades especiais. (Ande, 1999 apud LERMONTOV, 2004, p.40)

Conforme Buchene e Savini (1996 apud FREIRE, 1999, p.51) a indicação da

equoterapia possui os seguintes objetivos:

melhorar padrões anormais através da quebra de padrões patológicos;

melhorar o conhecimento do esquema corporal; melhorar a postura como um todo, normalizando o tônus corporal; estimular o equilíbrio; melhorar a coordenação espaço-temporal; educar o sistema nervoso central, propriocepção e exterocepção; manter articulações íntegras e dentro da normalidade;

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realizar reeducação respiratória; introduzir movimentos e posturas inibidores de reflexos; relaxamento; finalizando, desenvolver motivação, autoconfiança e auto-

valorização, que são de extrema importância para o sucesso dos outros objetivos citados.

Por meio dos cavalos, a equoterapia busca auxiliar e estimular o desenvolvimento

motor, emocional e social durante a reabilitação do praticante.

A Equoterapia pode ser considerada como um conjunto de técnicas reeducativas que agem para superar danos sensoriais, motores, cognitivos e comportamentos mentais, através de uma atividade lúdico-desportiva, que tem como meio o cavalo (CITTERIO, 1999, p.33 apud UZUN, 2005, p.19)

Os trabalhos desenvolvidos proporcionam ao praticante envolvimento de corpo inteiro

e, para que todos os objetivos sejam alcançados, faz-se necessária a atuação de

diferentes profissionais que estarão em contato com o praticante conforme sua

necessidade. “Quanto mais ampla a equipe, mais enriquecedor torna-se o trabalho.”

(RUSCHEL, 2010, p.285)

A terapia desenvolvida durante as sessões de equoterapia tem a função de

complementar as atividades já realizadas por profissionais externos, que atuam em

diversas áreas (fisioterápica, fonoaudiológica, psicológica, terapêutica, etc), em que o

praticante é atendido, não sendo recomendado que o mesmo descontinue os

atendimentos clínicos.

Para reafirmar a eficácia e os benefícios da equoterapia, Severo (2010, p.20) afirma

que “a atividade é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina como ‘método

médico’ 6”.

6 O termo método médico também é usado por alguns autores, sob a nomenclatura de método

terapêutico ou método científico.

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Severo (p.296) afirma ainda que a equoterapia auxilia na movimentação do praticante,

estimula sua autoestima e confiança, fortalece a autoimagem, além de favorecer o

desenvolvimento de qualidade, valores e afeto.

2.4 – O CAVALO E A EQUIPE TERAPÊUTICA INTERDISCIPLINAR

Na equoterapia, o cavalo é o elo entre o praticante e os profissionais que estarão

atuando junto dele. Para que haja o real aproveitamento do tempo e das funções a

serem desenvolvidas, as sessões são dirigidas por uma equipe terapêutica no qual

existe a interação de vários profissionais em suas respectivas áreas, seja ela da saúde

ou educação, com o objetivo direcionado para cada praticante.

A contextualização de equipe terapêutica apresentou pequenas diferenças de

conceituação, conforme os autores: Severo (2010) denomina o trabalho da equipe

como sendo interdisciplinar; Medeiros e Dias (2008), como sendo uma equipe técnica

multiprofissional e interdisciplinar; Uzun (2005), como equipe interdisciplinar e

Lermontov (2004), caracteriza a equipe como interdisciplinar, com alguns momentos de

transdisciplinaridade.

Nicolescu (apud ANTÔNIO, 2002, p.61), faz uma descrição sobre as diferentes

interações dos campos das disciplinas:

A necessidade indispensável de laços entre as diferentes disciplinas traduziu-se pelo surgimento, na metade do século XX, da pluridisciplinaridade e da interdisciplinaridade. A pluridisciplinaridade diz respeito ao estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo. [...] A interdisciplinaridade tem uma ambição diferente daquela da pluridisciplinaridade. Ela diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra. [...] A transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. [...]

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A disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são as quatro flechas de um único e mesmo arco: o do conhecimento. Como no caso da disciplinaridade, a pesquisa transdisciplinar não é antagonista mas complementar à pesquisa pluri e interdisciplinar.

Os centros de equoterapia, tendo como princípio o envolvimento existente entre os

seus profissionais e os benefícios ao praticante, definirão o tipo de envolvimento e

trabalho que estará sendo realizado pela sua equipe.

Independente das atividades desenvolvidas serem inter ou transdisciplinares, a base da

formação da equipe equoterápica durante as sessões, é a mesma e consiste em

mediador, auxiliar-guia e auxiliar lateral, conforme ilustram as figuras 4 e 5:

Figura 4: Equipe Terapêutica Interdisciplinar (1)

Fonte: Imagem da autora

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Figura 5: Equipe Terapêutica Interdisciplinar (2)

Fonte: Imagem da autora

Mediador: é o profissional com formação compatível com a necessidade do

praticante e que fará o direcionamento da sessão, podendo ser um pedagogo,

psicólogo, fisioterapeuta, fonoaudiólogo etc;

Auxiliar-lateral: é a pessoa responsável pelo auxílio físico e segurança do

praticante, acompanhando-o a pé, ao lado do cavalo, estando ao lado oposto do

mediador. Não é necessário que exista formação específica para o auxiliar-lateral,

ao menos que haja a intervenção de dois profissionais (mediadores) na mesma

sessão;

Auxiliar-guia: é a pessoa que conduz o cavalo durante a sessão, ritma seu

andamento, direção, além de preservar o equilíbrio do praticante. É preciso que ele

esteja entrosado com o animal para que a sessão ocorra sem incidentes;

Os profissionais atuantes como mediadores, junto ao praticante, podem fazer parte de

diferentes áreas: Saúde, Educação e Equitação.

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2.4.1 – Profissionais da Área da Saúde:

São os profissionais que visam a recuperação e o bem-estar do praticante com base na

medicina. Com exceção dos médicos que apresentam seus diagnósticos em

consultórios, os demais profissionais trabalham diretamente com o praticante na arena.

Psicólogo – atua com o praticante, visando o seu bem-estar. Além disso, estimula o

relacionamento da equipe para a aquisição de bons resultados.

O psicólogo orienta e acompanha os praticantes durante as sessões e, o uso do cavalo propõe atividades e brincadeiras com o intuito de que o praticante pegue em suas mãos a ‘rédea’ de sua própria vida, trabalhando conflitos, traumas e desorganizações comportamentais por meio da conscientização de suas potencialidades, resgate da auto-estima e autoconfiança. (UZUN, 2005, p.42)

Fisioterapeuta – atua na melhora física do praticante.

O fisioterapeuta tem a função de avaliar, eleger, traçar, objetivos terapêuticos, realizar condutas específicas, manter a evolução atualizada e a interação com a equipe de atuação paralela, buscando a troca de informações e unidirecionando os objetivos do tratamento. (MEDEIROS e DIAS, 2008, p.49)

Fonoaudiólogo – Para que sua atuação tenha eficácia, é preciso que ele adapte

suas metodologias à equoterapia, uma vez que as sessões serão realizadas em

ambientes abertos, adequando recursos e materiais que serão utilizados conforme

o praticante. Possui como atuação:

desenvolver a comunicação oral, a voz e a audição, habilitando e aperfeiçoando padrões de fala e voz, de acordo com os princípios da equoterapia;

colaborar com todos os profissionais da equipe, prestando esclarecimentos específicos sobre fonoaudiologia sempre que necessário;

valorizar a relação entre praticante e cavalo, facilitando o processo terapêutico através dela;

interagir constantemente com os familiares, permitindo que eles vivenciem, de modo mais comprometido, o desenvolvimento do praticante. (RUSCHEL, 2010, p.285)

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Terapeuta Ocupacional – cuida do entrosamento do praticante com o animal,

assim como na coordenação motora.

O terapeuta ocupacional pode promover uma série de atividades que venham auxiliar na aquisição da coordenação motora e funcionalidade do praticante, desde o preparo do alimento do cavalo, até a exploração tátil realizada por meio do cavalo e do ambiente natural, bem como cuidar de adaptações necessárias para cada caso. (UZUN, 2005, p.43)

Psicomotricista - “De forma geral, trabalha a conscientização do movimento, bem

como a percepção espaço-temporal, lateralidade e coordenação motora.”

(UZUN, op. cit, p.43)

Médico e/ou Equipe Médica - É o profissional responsável pela condição física do

praticante e em geral, faz a indicação para a prática da equoterapia, não estando

necessariamente no Centro de Treinamento.

2.4.2 – Profissionais da Área da Educação

Desempenham suas funções fora do conhecido espaço escolar, aplicando suas técnica

ao praticante na arena e sobre o cavalo. Trabalham de forma concreta, facilitando a

assimilação e o desenvolvimento, além de dedicar-se exclusivamente a um praticante

de cada vez.

Pedagogo e/ou Psicopedagogo – tem a função de criar recursos didáticos lúdicos

para serem agregados durante a sessão, conforme já discorrido no Capítulo 1, item

1.4. Criar situações que auxiliem o praticante durante o desenvolvimento das

sessões, assim como possa auxiliá-lo no convívio e desempenho escolar.

O papel do pedagogo e/ou psicopedagogo é o de criar situações que encaminhem a pessoa à utilização dos recursos disponíveis durante as sessões de equoterapia para as atividades escolares, objetivando trabalhar as dificuldades resultantes do processo ensino-aprendizagem, a assimilação, concentração e atenção. O próprio movimento

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proporcionado pelo cavalo favorece a integração dos hemisférios cerebrais. (UZUN, 2005, p.43)

Educador Físico: “propõe exercícios e atividades que venham trabalhar o indivíduo

globalmente e em suas especificidades, promovendo seu bem-estar, conforto e

desenvolvimento musculoesquelético”. (UZUN, op.cit, p.43)

2.4.3 – Profissionais da Área da Equitação

Os profissionais da equitação são responsáveis por deixarem os animais em condições

para o trabalho das atividades equoterápicas. São também de extrema importância,

uma vez que direcionam o cavalo durante o atendimento, precisando estar atentos às

orientações dos mediadores.

Instrutor de Equitação - “O instrutor de equitação é o responsável pela escolha, pelo

treinamento do animal e ensino da arte equestre sob a orientação da equipe.”

(MEDEIROS e DIAS, 2008, p.49)

Tratador - Responsável pela alimentação dos animais e cuidado com os cavalos,

seguindo as orientações do veterinário.

Veterinário – é o profissional responsável pelo bem-estar do animal, deixando-o apto

para as atividades realizadas com os praticantes. “O veterinário é o responsável

pelo tratamento das afecções, bem como por sua prevenção, evitando assim,

intercorrências durante o desenvolvimento do trabalho”. (MEDEIROS e DIAS, op. cit,

p.49)

O praticante deverá ter o acompanhamento de ao menos um profissional específico,

que atuará na sua área, com o objetivo de beneficiar a socialização do praticante, além

de potencializar a sua evolução. No caso do praticante necessitar de mais de um

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profissional, os mesmos deverão planejar em conjunto, para que apenas um direcione a

sessão.

É importante que o praticante possua sempre a mesma referência, valorizando a

criação dos vínculos, além de proporcionar maior segurança durante o desenvolvimento

das sessões.

2.5 – AS GUIAS QUE CARACTERIZAM UMA SESSÃO

O cavalo necessita de afeto para estabelecer uma relação, assim como o

praticante. Essa relação aparecerá um dia, mas não sabemos se foi o

cavalo ou o praticante quem estabeleceu primeiro. Será positiva quando

o prazer de um for igual ao prazer do outro. (LERMONTOV, 2004, p.100)

A sessão de equoterapia possui o tempo estimado de 40 minutos de duração, sendo

que o praticante permanece sobre o cavalo por 30 minutos. A sessão pode ser

realizada de uma a três vezes por semana – desde que não interfira nos demais

tratamentos do praticante. O tempo mínimo de permanência no programa de

equoterapia deve ser de seis meses.

Conforme Medeiros e Dias (2003), de modo geral, as sessões apresentam três etapas:

aproximação, desenvolvimento ou montaria e conclusão.

Aproximação: é a criação do vínculo afetivo do praticante com o animal que será

montado. É incentivado que o praticante chame o cavalo pelo nome, acaricie-o e de

forma gradativa, é colocado sobre o animal;

Desenvolvimento ou montaria: é caracterizado, conforme Medeiros e Dias (2008,

p.41) “[...] como o momento central do atendimento, abordando atividades

direcionadas aos objetivos específicos a cada paciente.”

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Conclusão: para o encerramento da sessão o praticante é incentivado a acariciar e

alimentar o animal com cenoura, firmando o vínculo afetivo.

Ao término da sessão, todo o trabalho desenvolvido é registrado em formulário próprio

que contém: nome do praticante, nome do animal, nome dos integrantes da equipe pelo

qual foi atendido, evolução da sessão, recursos utilizados, estado do praticante. Essa

avaliação permite a continuidade das atividades em sessão futura.

2.5.1 – Programas de Equoterapia

O programa de equoterapia divide-se em quatro etapas, podendo ser aplicada e

alterada gradativamente, percebendo a necessidade e evolução do praticante,

conforme discorrem Medeiros e Dias (2003) e Uzun (2005):

Hipoterapia – é destinado ao praticante com completa dependência, quando o

mesmo não consegue manter-se sobre o cavalo sem que haja um profissional,

montado com ele, dando apoio e sustentação;

Educação / Reeducação – o praticante possui autonomia parcial, precisando de

menor intervenção dos profissionais;

Pré-esportivo – o praticante possui completa autonomia sobre o cavalo, porém, faz-

se necessário ainda, o acompanhamento de um profissional;

Esportivo (ou hipismo adaptado) – permite que o praticante seja inserido no treino

de equitação básica, com finalidade esportiva.

Nas sessões equoterápicas, em sua maioria, são aplicadas as modalidades de

hipoterapia e educação / reeducação, dadas as necessidades dos praticantes.

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2.5.2 – Indicações e Contraindicações

Visando cuidados e o desenvolvimento de um trabalho adequado, o Comitê de Saúde

da North American Riding for the Handecapped Association (NARHA) relacionou os

casos em que o tratamento equoterápico é indicado ou não.

Considera que a principal preocupação é propiciar uma experiência segura e produtiva aos praticantes. Reconhecendo que as atividades relacionadas com o cavalo possuem riscos inerentes, avalia a participação dos praticantes de acordo com a análise da relação risco/benefício. Assim, também deve ser analisado o quadro do praticante e as situações de atendimento, levando-se em conta as condições de transporte para o cavalo, a segurança do praticante, a equipe relacionada para o atendimento e a relação cavalo/praticante. (UZUN, 2005, p.37)

Antes de iniciar qualquer atividade equoterápica, o interessado deverá ser avaliado e

autorizado pela equipe de profissionais pelo qual já é atendido em clínicas e

consultórios. A equoterapia, conforme afirmam Uzun (2005) e Freire (1999) é indicada

para os seguintes casos:

paralisia cerebral;

acidente vascular cerebral;

sequelas de lesões medulares;

atraso maturativo;

distúrbios comportamentais;

problemas psicológicos;

disfunção cerebral mínima;

disfunção neuromuscoloesquelética;

disfunção de integração sensorial;

alteração de tônus muscular;

distúrbio do equilíbrio;

atraso no desenvolvimento neuropsicomotor;

dificuldades de aprendizagem e linguagem;

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traumatismo cranioencefálico;

síndrome de Down e outros.

Ela é contraindicada nas seguintes ocasiões:

portadores da síndrome de Down menores de três anos;

osteoporose grave;

tumor ósseo;

artroxe coxo-femural;

coluna instável;

ferimentos abertos sobre uma superfície de sustentação;

hemofilia com caso recente de hemorragia;

cateter uretral alojado (mulher);

distúrbios ativos da saúde mental que possam ser perigosos.

A equoterapia favorece a sensação de bem-estar, aliado a inúmeros benefícios

biopsicossociais que ocorrem durante toda a sessão. Entretanto, o acompanhamento e

liberação de ordem médica fazem-se necessárias para o real aproveitamento que o

praticante possa ter.

2.6 – PSICOMOTRICIDADE: OS BENEFÍCIOS DOS MOVIMENTOS DO CAVALO

A psicomotricidade é parte integrante e indissociável da equoterapia, uma vez que o

estímulo é desenvolvido durante toda a sessão. Independente do diagnóstico médico, o

praticante, mesmo que não estivesse fazendo nenhum movimento conforme orientação

do mediador, ainda sim, somente com os movimentos que o cavalo faz, ele estaria

recebendo os estímulos de que necessita.

Binômio é o conceito que define homem-cavalo, como se os dois fossem apenas um: o

homem é a extensão do cavalo e o cavalo é o prolongamento do homem. Para um

cavaleiro habilitado, o cavalo é quase a extensão de seu corpo, porém, para um

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praticante de equoterapia, são necessárias diversas avaliações para ser definido,

exatamente, quais os músculos que poderão e precisarão ser estimulados e quais os

movimentos poderão ser feitos durante as sessões. Os profissionais da área da saúde

são os responsáveis pela elaboração das atividades que serão desenvolvidas de

acordo com a necessidade de cada praticante.

O praticante, dependendo de suas condições, poderá ter estimulados: músculos

abdominais, músculos laterais da coluna lombar, músculos do quadril, músculos da

coxa, movimentos do tronco e do pescoço.

Para o desenvolvimento desta terapia, o cavalo é o mediador fundamental para a

evolução do praticante, uma vez que seus movimentos auxiliam no equilíbrio e

coordenação, conforme afirma Lermontov (2004, p.17):

O movimento rítmico, preciso e tridimensional do cavalo, que ao caminhar se desloca para frente/trás, para os lados e para cima/baixo, pode ser comparado com a ação da pelve humana no andar. O praticante da equoterapia é levado a acompanhar os movimentos do cavalo, tendo de manter o equilíbrio e a coordenação para movimentar simultaneamente tronco, braços, ombros, cabeça e o restante do corpo, dentro de seus limites.

Lermontov afirma ainda, que a importância da motricidade já está registrada em escritos

desde antes de Cristo, como já relatado no item 2.1, sendo que os movimentos eram

usados como agentes curativos. Como referência histórica, para o desenvolvimento da

psicomotricidade foram importantes: a psiquiatria, a psicanálise, a pedagogia e a

psiconeurofisiologia.

O desenvolvimento psicomotor tem como objetivo que o indivíduo seja capaz de

controlar o próprio corpo. “Esse desenvolvimento envolve um componente externo ou

práxico (a ação), mas também um componente interno ou simbólico (a representação

do corpo e suas possibilidades de ação)”. (PALACIOS e MORA, 1995, p.39)

A psicomotricidade é uma nova ciência que cuida do indivíduo a partir de seu corpo e de sua capacidade psíquica de realizar movimentos. Não se

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trata da realização de movimento propriamente dito, mas da atividade psíquica que transforma a imagem para a ação em estímulos para os movimentos musculares adequados. (Lermontov,2004, p.20) Seu objetivo é fornecer elementos para que as crianças possam construir seu desenvolvimento global, através de seu próprio corpo e da relação do corpo com o meio ambiente. É tocando, apalpando, correndo, cheirando, observando, que a criança desenvolve seu físico, realiza seus conhecimentos, elabora seus conceitos, desperta suas emoções, enfim, percebe o mundo que a cerca e constrói seu mundo interior. (OSÓRIO, p.48 apud LERMONTOV, op.cit)

Seguindo o pensamento das emoções, Wallon (1879-1962), importante estudioso sobre

o psiquismo humano, “[...] volta sua atenção para a criança, pois através dela é possível

ter acesso à gênese dos processos psíquicos”. (GALVÃO, 2011, p.11). Para Wallon, a

criança é um ser completo, não sendo possível fragmentá-la para entendê-la: o motor, o

cognitivo e o afetivo estão sempre ligados e, nisso baseia-se sua teoria. O

comportamento de cada pessoa será firmado a partir do avanço dos movimentos.

O motor, o afetivo, o cognitivo, a pessoa, embora cada um desses aspectos tenha identidade estrutural e funcional diferenciada, estão tão integrados que cada um é parte constitutiva dos outros. Sua separação se faz necessária apenas para a descrição do processo. (ALMEIDA e MAHONEY, 2007, pág.15)

Reafirmando o exposto por Almeida e Mahoney, Galvão (op. cit, p.33) também

apresenta suas contribuições baseadas na teoria de Wallon:

[...] O estudo das síndromes psicomotoras, ao qual dedicou-se diretamente, deixou evidentes as relações entre movimento e psiquismo, bem como o papel fundamental desempenhado pelo meio social. Em situação de dependência, o doente dirige suas ações para as pessoas das quais depende, criando um vínculo que age sobre suas próprias ações.

Ainda conforme Galvão (p.66):

[...] A atividade intelectual, que tem a linguagem como instrumento indispensável, depende do coletivo. Permitindo acesso à linguagem, podemos dizer que a emoção está na origem da atividade intelectual. Pelas interações sociais que propiciam, as emoções possibilitam o acesso ao universo simbólico da cultura.

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A psicomotricidade une o corpo do homem em movimento e sua relação com o mundo,

interno e externo, por isso, não é possível fragmentá-lo. O objetivo é que o praticante

consiga ter a imagem do movimento que será desenvolvido e não a simples repetição.

[...] o ser humano está “em processo de”, “em relação a”. Não há movimento pelo movimento, senão movimento marcado de consciência e intencionalidade. Ao pretender transcender e transcender-se, a pessoa se vê capaz de “ser mais”, tentando sempre “alcançar um novo ponto na linha do horizonte”. (LIMA, 2000, p.29)

Durante as sessões de equoterapia, o praticante é levado a corrigir-se conforme sua

postura e movimentos que estão sendo realizados, procurando conscientizar-se de

suas ações.

Uma vez que o homem se expressa pela sua motricidade, a educação motora deve contemplar as formas de expressão do ser humano e valorizar, principalmente, expressões de respeito, solidariedade, perseverança, bom humor, flexibilidade, tolerância, cooperação [...] (LIMA, 2000, p.103)

Para que haja êxito, é importante o direcionamento correto do profissional responsável,

sua postura e habilidade para aplicar as atividades de forma coerente. Além disso, é

indispensável o envolvimento com o que está sendo feito, a fim de potencializar o que

há de melhor naquela sessão.

Beneficiando o que está sendo realizado, o profissional recorre à utilização de diversos

recursos materiais, que serão apresentados no próximo capítulo. Apresentaremos

também, a Associação em que a pesquisa foi realizada.

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Figura 6 – Eu e o cavalo

Fonte: R. T.B., 11.08.2012

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CAPÍTULO 3

Rowan começou a percorrer as trilhas familiares e eu o segui de perto. De súbito, inesperadamente, ele

dobrou à esquerda e disparou por entre as árvores, tomando um rumo que nunca seguira. [...] Antes que

eu pudesse alcançá-lo, ele pulou a cerca de arame e se aproximou de quatro cavalos, que pastavam do

outro lado. Rindo deliciado, jogou-se no chão de barriga para cima, bem diante da égua alfa, a líder da

manada [...], qualquer movimento repentino poderia assustá-la e fazer com que ela o pisoteasse.

[...] Tal como os outros quatro cavalos, a égua ficou imóvel [...]. Abaixou então a cabeça e começou a

remexer os lábios. O sinal de submissão equina.

Observei a cena e caminhei devagar em direção a ela, de modo a não assustá-la. Eu sabia que estava

testemunhando algo extraordinário. A égua estava se submetendo espontaneamente à criança que

estava diante dela.

ISAACSON, 2009, p.28

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NO GALOPE DO CAVALO

Os animais e as pessoas autistas não vêem a ideia que têm das coisas. Vêem as coisas concretamente, como são. Nós (autistas e animais) vemos os detalhes que formam o mundo, enquanto as pessoas normais misturam todos os detalhes, que acabam indefinidos, no seu conceito geral de mundo.

(GRANDIN, 2006, p.40)

Este capítulo está baseado nas atividades desenvolvidas pela Aequotam (Associação

de Equoterapia de Americana). Apresentaremos sua fundação, objetivos, os voluntários

da equipe administrativa, auxiliares e mediadores, além dos espaços físicos, materiais

utilizados e adaptados e rotinas.

As informações contidas neste item foram conseguidas por meio da minha vivência e

permanência de seis meses (como pesquisadora) na Associação, assim como

informações, de maneira informal, do presidente e demais membros atuantes da

equipe.

3.1 – AS RÉDEAS DA AEQUOTAM

A Aequotam (Associação de Equoterapia de Americana) foi fundada em Americana,

estado de São Paulo, no dia 02 de Abril de 2005, pelo Sr. Éris Camilo Bordignon, com o

objetivo de proporcionar melhora na qualidade de vida de pessoas com necessidades

especiais, através da terapia com cavalos. A Associação tem cunho filantrópico, porém,

por não receber verba pública, cobra uma mensalidade dos praticantes a fim de manter

os recursos necessários para seus atendimentos.

Atende atualmente 28 praticantes com os mais diferentes diagnósticos: paralisia

cerebral, distrofia muscular, miopatia congênita, atraso no desenvolvimento

neuropsicomotor, autismo etc.

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Sua equipe é formada por 31 voluntários que dedicam parte do seu sábado ao

desenvolvimento de atividades com os praticantes e, às vezes, alguns dias da semana

também no treinamento dos cavalos. A equipe é dividida para desenvolver atividades,

desde a recepção dos interessados na prática da equoterapia até o desenvolvimento da

sessão, do seguinte modo:

Equipe Administrativa: empenhada em angariar fundos para que as atividades da

Associação mantenham-se. Organizam bingos, festas e desfiles. Fazem o primeiro

contato com as famílias interessadas ou encaminhadas à equoterapia.

Auxiliares-guia: são pessoas que trabalham diretamente com os cavalos, possuindo

conhecimentos e prática para esta atividade, seja através do convívio diário ou

adquirido por meio de cursos (particulares ou ministrados pela ANDE).

Auxiliares-lateral: na sua maioria, são estudantes do ensino médio. São muito

receptivos às orientações dos mediadores, não medindo esforços e disposição no

cumprimento de suas atividades, visando o bem estar dos praticantes.

Mediadores: são as pessoas que proporcionam a terapia, além da já aplicada pelo

animal. A Aequotam conta hoje com: fisioterapeutas, estudantes de fisioterapia,

psicóloga, estudante de psicologia, pedagoga, nutricionista e assistente social.

Os atendimentos ocorrem uma vez na semana, aos sábados. Atualmente, a Associação

conta com oito cavalos, sendo cinco em atividade e três em treinamento. Cada cavalo

faz em média o atendimento de seis praticantes por sábado. Durante a semana, os

cavalos passam por treinamento com a equipe especializada.

A Associação desenvolve suas sessões em um local emprestado (Fazenda São

Jerônimo), possuindo limitações para o desenvolvimento de suas atividades, uma vez

que todo material precisa ser retirado e guardado longe do ambiente da prática das

sessões equoterápicas. No entanto, tudo fica organizado a tempo dos atendimentos.

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As sessões podem ser realizadas em ambiente fechado ou aberto (figuras 7 e 8). O

espaço físico, e no nosso caso a arena, precisa ser adequada para a prática e

necessidades do praticante.

É interessante ressaltar também a importância de o terreno possuir um solo macio, ou seja, deve ser um terreno com solo de areia, serragem, grama ou terra fofa, para suavizar as batidas das patas do animal ao solo, fazendo com que o impacto causado no praticante seja de menor intensidade. (LERMONTOV, 2004, p.76)

Figura 7 – Arena coberta

Fonte: Imagem da autora

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Figura 8 – Arena aberta

Fonte: Imagem da autora

As rampas (figuras 9 e10) facilitam o acesso das pessoas portadoras de necessidades

especiais, permitindo que se aproximem com maior facilidade do animal. No caso das

pessoas que utilizam cadeira de rodas, os mesmos são colocados sobre o animal pelos

voluntários. Quando o praticante possui mobilidade, incentiva-se para que suba no

cavalo sozinho, sendo orientado e amparado quanto ao modo de realizar.

Figura 9 – Rampa de acesso (1)

Fonte: Imagem da autora

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Figura 10 – Rampa de acesso (2)

Fonte: Imagem da autora

Para a realização das sessões, alguns equipamentos e acessórios são indispensáveis

para o melhor aproveitamento da sessão, assim como à segurança do praticante e

equipe. Na figura 11 temos os capacetes com diferentes numerações, sendo possível

adequar ao tamanho correto do praticante. As “calças” são usadas para dar

sustentação aos iniciantes ou conforme a necessidade.

Figura 11 – Capacetes

Fonte: Imagem da autora

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No dia 20 de Julho de 2011, conforme a Lei nº 2.217/2011, de autoria do Poder

Executivo, a Aequotam recebeu a doação de um terreno, localizado na Avenida Nicolau

João Abdala, para montagem do seu Centro de Reabilitação.

As futuras instalações contarão com o que há de mais moderno e bem equipado para a

realização de sessões de equoterapia, além de equitação (reeducação equestre / pré-

esporte), que proporcionará aos praticantes, que não se enquadram mais nos

tratamentos equoterápicos, ter a oportunidade de continuar desenvolvendo seu apreço

pelos cavalos, em níveis mais avançados de domínio do animal.

3.2 – PEGANDO ESTRELINHAS7

A rotina desenvolvida em uma sessão de equoterapia é padrão para qualquer centro

equoterápico e conforme já discorrido no item 2.5, possui três etapas: aproximação (o

elo afetivo entre o praticante, o animal e a equipe interdisciplinar), desenvolvimento ou

montaria (momento onde são realizadas as atividades conforme o direcionamento do

mediador) e conclusão (encerramento da sessão, em que o praticante é estimulado a

acariciar e alimentar o cavalo). Ao término de cada sessão, é realizado um relatório, em

folha própria, sobre o desenvolvimento do praticante.

As atividades desenvolvidas durante a sessão dependem do direcionamento do

mediador. Havendo a necessidade, ele poderá estimular áreas que não sejam

estritamente às dele, como por exemplo: o psicólogo pode estimular a pronúncia de

alguma palavra (que seria de cunho do fonoaudiólogo) ou alongamento dos membros

(que deveria ser feito por um fisioterapeuta), sem deixar de trabalhar os seus objetivos.

Para a aplicação das atividades, dependendo do que será realizado durante aquela

sessão, é necessário que haja a adaptação prévia dos materiais, uma vez que tudo

será realizado sobre o cavalo (parado ou em movimento). 7 “Pegando estrelinhas” é uma das expressões usadas para incentivar os praticantes a esticarem os

braços para cima, movimentando as mãos num abre e fecha (movimento de pinça).

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3.3 – MANTA, CILHÃO E ESTRIBO

Antes do início da primeira sessão do dia, todo o material que será utilizado fica

organizado, facilitando a eficiência e praticidade no desenvolvimento da sessão. Os

animais ficam devidamente equipados com a manta, o cilhão e o estribo8, utilizados em

todas as sessões e que dão segurança e sustentação ao praticante. Na arena,

dispomos de alguns materiais que são primários para o uso de qualquer mediador,

como as bolas, os cones e as balizas. Cada material possui o seu objetivo que pode

variar conforme a necessidade do mediador e do praticante:

Bolas (figura 12): ajudam no alongamento, coordenação motora, força, direcionamento,

além de cores e textura, uma vez que as bolas ficam presas dentro de redinhas,

permanecendo em altura acima da cabeça do praticante.

Figura 12 – Bolas

Fonte: Imagem da autora

8 Esses materiais (manta, cilhão e estribo) estão em contato direto com o praticante, mas podem ser

substituídos pela sela, dependendo da necessidade. Além disso, o animal precisa de outros equipamentos para a prática da atividade, como embocadura, cabeçada e cabresto.

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Cones (figura 13): a realização dos movimentos entre os cones auxilia no

condicionamento físico, postura e equilíbrio. Do ponto de vista pedagógico, incentivam

a lateralidade, enfatizando direita e esquerda e de um lado para outro.

Figura 13 – Cones

Fonte: Imagem da autora

Baliza (figura 14): semelhante ao realizado nos cones, porém por serem mais altos

acabam por desestabilizar o praticante. Além disso, por estarem organizadas mais

próximas, permite fazer curvas (ou círculos) de maneira mais rápidas, potencializando o

estímulo ao equilíbrio do praticante.

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Figura 14 – Baliza

Fonte: Imagem da autora

Saco de pancada (figura 15): auxiliam na coordenação motora, estímulo da força,

lateralidade e equilíbrio.

Figura 15 – Saco de pancada

Fonte: Imagem da autora

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Algumas atividades são específicas, portanto são desenvolvidas ou adaptadas

conforme a orientação do mediador e necessidade dos praticantes. Para esta pesquisa

em específico, utilizamos os materiais relacionados a seguir, compreendendo os

objetivos mencionados:

Massinha de modelar (figura 16): promover o contato com uma diferente textura,

criatividade, percepção de nova sensação durante o manuseio.

Figura 16: Massinha

Fonte: http://blogdebrinquedo.com.br

Dominó (figura 17): contribui com o desenvolvimento de atividades que envolvem a

sequência lógica, raciocínio, grupo semântico, nomeação e identificação das frutas.

Figura 17: Dominó

Fonte: Imagem da autora

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Jogo da velha (figura 18): contribui na compreensão de regras do jogo e discriminação

de cores.

Figura 18: Jogo da Velha (1)

Fonte: Imagem da autora

Caixa tátil (figura 19): contribui no estímulo à memorização dos objetos, identificação

dos mesmos através do tato, nomeação a partir de conhecimentos prévios.

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Figura 19: Caixa tátil (1)

Fonte: http://www.pirlimpimpimbrinquedos.com.br

Prancheta, lápis e hidrocor (figura 20): visa dar sustentação às atividades durante o

seu desenvolvimento, assim como recurso para a realização de desenhos ou atividades

de escrita.

Figura 20: Prancheta

http://www.rexonline.com.br

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Tabuleiro para montar palavras (figura 21): é utilizado para identificar objetos

relacionados à prática equestre e na tentativa de nomeação a partir de conhecimentos

prévios; escrita dos nomes dos objetos utilizando-se de letras móveis e leitura.

Figura 21: Montando palavras (1)

Fonte: Imagem da autora

Figuras com personagens infantis (figura 22): é usado para identificar os

personagens, nomeá-los e como jogo da memória.

Figura 22: Jogo da Memória

Fonte: Imagem da autora

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Livro (figura 23): tem como objetivo estimular a leitura, conhecer novas palavras,

identificar e representar o que está sendo apresentado, além de explorar o que o livro

pode oferecer através de questionamentos.

Figura 23: Livro infantil

Fonte: Imagem da autora

Atividade matemática (figura 24): contribui para o desenvolvimento do conceito de

sequência numérica e raciocínio lógico.

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Figura 24: Atividade matemática (1)

Fonte: Gabriela Cordeiro

Os materiais apresentados foram adaptados conforme a necessidade dos praticantes.

Por serem utilizados sobre o cavalo e em espaço em que estão ocorrendo mais de uma

atividade ao mesmo tempo (tanto o animal quanto o praticante podem se assustar com

os movimentos dos outros cavalos), foram feitos ajustes para que o trabalho não fosse

prejudicado.

Outros materiais, como quebra-cabeça, sequência de história, baralho entre outros,

podem ser adaptados utilizando-se velcro ou ímã sob lousa imantada, permitindo maior

aderência dos objetos oferecidos ao praticante.

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Durante as sessões, utilizamos também tampa de caixa de sapato, que permitiu

espalhar os objetos com segurança.

No quarto capítulo, faremos o histórico dos praticantes participantes desta pesquisa,

assim como relato das atividades desenvolvidas durante este período.

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Figura 25 – A fazenda

Fonte: R. T. B., 14.04.2012

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CAPÍTULO 4

Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é.

Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes

em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso

mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão.

Seu focinho é úmido e fresco.

Eu beijo o seu focinho.

Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito.

A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo

tempo selvagem e suave.

Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome.

Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai.

Se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai.

Aviso também que não se deve temer seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma

que está relinchando de prazer ou de cólera,

a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.

Clarice Lispector

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DIÁRIO DE UM DOMADOR

Andar a cavalo era uma alegria para mim. Lembro-me de algumas vezes em que estava cavalgando e galopávamos no pasto, e isso era muito emocionante .... Lembro como era, as árvores passando muito rápido. Lembro-me disso muito bem, até hoje.

(GRANDIN, 2006, p.14)

Neste último capítulo, apresentaremos a vivência da pesquisadora durante os cinco

meses em que permaneceu no atendimento junto aos praticantes de equoterapia.

Descreveremos aos contatos e receptividade dos mesmos. Dentre as inúmeras

deficiências atendidas pela Associação, direcionamos para esta dissertação o relato de

atividades desenvolvidas com dois praticantes com autismo.

O desenvolvimento desta dissertação está pautada, além da pesquisa bibliográfica, na

pesquisa participante. Com o objetivo de analisar de que maneira o pedagogo pode

influenciar no desenvolvimento psicomotor e afetivo dos praticantes das sessões de

equoterapia e no nosso caso, praticantes com diagnóstico de autismo, a pesquisa

bibliográfica foi de fundamental importância para as reflexões necessárias, afinal,

conforme afirmam Groppo e Martins (2009, p.46), “a pesquisa bibliográfica não é

apenas uma técnica de coleta de dados”.

Entre ciências humanas, incluindo a educação, a pesquisa bibliográfica parece ser a única técnica de pesquisa praticamente “obrigatória”. Quase sempre se espera que uma pesquisa nesta área se inicie com a revisão daquilo que de principal se produziu sobre o tema em questão. Neste sentido, a pesquisa bibliográfica informa ao pesquisador uma bibliografia do que há de mais importante sobre o seu tema. (GROPPO e MARTINS, op.cit., p.47)

A bibliografia estudada deu suporte para o entendimento sobre a educação não formal,

equoterapia (seu surgimento e seus benefícios) e embasamento sobre o autismo.

Para a pesquisa participante, o local escolhido foi a Aequotam e as observações foram

direcionadas no atendimento com dois praticantes autistas.

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[...] a pesquisa participante é uma técnica de pesquisa que não se deixa intimidar pelas acusações de não neutralidade científica. Pelo contrário, faz da pesquisa um instrumento de intervenção na realidade, tornando-se, para além de científica, uma técnica de coleta, análise e compreensão dos dados profundamente engajada e militante. (GROPPO e MARTINS, 2009, p.63)

Para esta pesquisa, não foram realizadas aplicações de testes. Partimos dos indicativos

e diagnósticos médicos, uma vez que nosso objetivo não era identificar e diagnosticar

uma criança com autismo e sim, avaliar as intervenções pedagógicas possíveis em dois

casos específicos.

Procurando maior envolvimento entre os praticantes e a pedagoga terapeuta,

propusemos atividades recreativas que foram desenvolvidas durante a sessão de

equoterapia.

Pretendemos com este trabalho, além de contemplar os objetivos propostos, dar

suporte a futuros estudos feitos sobre o tema, além de colaborar para o

desenvolvimento efetivo das atividades desenvolvidas em associações de equoterapia.

4.1 – TODO CAVALO TEM UMA HISTÓRIA

Para que possamos conhecer os praticantes participantes desta pesquisa,

apresentaremos um breve histórico de cada um. As informações aqui contidas foram

fornecidas pelos pais dos respectivos praticantes, através de anamnese9 realizada no

momento do ingresso dos mesmos na equoterapia. Alguns detalhes foram fornecidos

pelos pais em conversas informais.

Os praticantes foram escolhidos por terem o mesmo diagnóstico (autismo) e

frequentarem a Associação pelo mesmo período. Além disso, seria possível observar a

9 A anamnese tem “[...] por objetivo colher dados significativos sobre a história de vida do paciente.”

(WEISS, 2000, p.61).

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reação dos dois praticantes em atividades semelhantes. Para identificá-los,

chamaremos o primeiro praticante de R. e o segundo de G.

A história de R

R. tem dezenove anos e frequenta a equoterapia desde 12 de Fevereiro de 2011.

Os pais perceberam algo diferente no filho por volta de um ano de idade e pensaram

que fosse surdo-mudo. É filho único por opção dos pais, que preferiram, após o

diagnóstico de autismo, direcionar sua atenção ao bem estar dele.

Gosta de assistir a TV, desenhar e pintar telas, apesar de ter deixado de fazê-lo depois

que sua professora de pintura engravidou. Segundo o pai, houve um bloqueio e a

psicóloga que faz seu atendimento, pediu para que fosse respeitada sua vontade de

deixar de pintar. Assusta-se com o toque do telefone, barulho do liquidificador e

batedeira. Gosta de cantar e possui memória música muito desenvolvida.

Começou a falar com sete para oito anos. Durante as sessões, R. mostrou-se

comunicativo porém respondendo as questões apresentadas de forma direta ou por

alternativa, na qual confirmava o que havia sido perguntado. Em nenhum momento

existe o diálogo propriamente dito, mas sim repetição (ecolalia).

Frequenta escola especial para autistas, em Americana e, segundo informações dos

pais, alfabetizou-se sozinho, vindo a ter um pouco de dificuldade quando entrou na

escola: somente neste momento, começou a escrever algumas palavras erradas.

Possui a caligrafia das letras com formato exemplar.

Seus pais trabalham durante o dia, por isso, quando necessário permanece sozinho em

casa. Para sua segurança, o pai desliga a campainha evitando que ele tenha a

curiosidade de atender. Sente-se bem cumprindo sua rotina diária: sabe exatamente o

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que será feito no final de semana e caso haja alguma alteração, os pais procuram

prepará-lo com antecedência. Além disso, respeitam o filho quando percebem que ele

está incomodado em algum lugar. Possui desenvolvimento motor normal. Quando

contrariado, fica nervoso e agressivo.

Durante as sessões de equoterapia realiza tudo o que é solicitado e raramente

demonstra dificuldade em fazer algum exercício que foi ensinado em sessão passada.

É solicito ao que é pedido e relaciona-se bem, mesmo havendo mudança de

acompanhante (seja no auxiliar-lateral ou no mediador). Quando não quer mais

desenvolver determinada atividade, dificilmente conseguimos convencê-lo do contrário.

A história de G

G. tem sete anos e frequenta a equoterapia desde 12 de Fevereiro de 2011.

Gosta de assistir filmes infantis da Disney. Tem medo de alguns sons altos e de latido

de cachorro, porém a mãe informou que está melhorando depois que iniciou as sessões

de equoterapia.

Durante as sessões, balbucia poucas coisas e, na maioria das vezes, de forma

incompreensível, porém apresenta movimentos corporais, sendo possível identificar o

que deseja.

Conforme o laudo médico possui o diagnóstico de autismo típico leve. Não é uma

criança agressiva. Não beija, porém oferece a face para ser beijada.

É entusiasmado para o desenvolvimento das sessões, sendo possível observar que seu

olhar, apesar de distante, é expressivo e transmite que ele está confortável com o que

está acontecendo. É resistente quanto à mudança do mediador da sessão, recusando-

se a fazer alguns exercícios quando não são direcionados pela mediadora que o

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acompanha desde o seu ingresso na equoterapia, mesmo que sejam exercícios

recorrentes em toda sessão. É resistente também ao toque de novos materiais ou

realização de atividades diferentes.

4.2 – NO ZIGUE-ZAGUE DAS SESSÕES

Durante o período em que permanecemos na Associação pudemos acompanhar o

empenho e envolvimento dos praticantes na realização das atividades, porém o

processo evolutivo de cada um iniciou-se antes da presença da pesquisadora, motivo

pelo qual consideramos importante a descrição deste processo desde o ingresso dos

praticantes até a data de encerramento da avaliação das sessões.

Os dados contidos a seguir foram retirados dos relatórios realizados ao término de cada

sessão. Descreveremos, de modo geral, porém com abrangência interdisciplinar, os

primeiros contatos com a equipe e o cavalo, acontecimentos e conquistas. Com base

nisso, a apresentação de alguns objetivos terão linguagem específica da área de

predominância.

Os galopes de R

Início das atividades: 12 de Fevereiro de 2011

Cavalo: Brinquedo10

Movimento do cavalo: antepistado11 e transpistado12

Encerramento da coleta de dados: 28 de Julho de 2012

10

Sempre que possível, é mantido o mesmo cavalo em todos os atendimentos do praticante, fortalecendo o laço de amizade e segurança entre eles. Em alguns casos, faz-se necessária a mudança, que pode ocorrer pela altura do animal mediante os auxiliares ou indisposição do animal pelo praticante. 11

Antepistado – É a andadura que o cavalo realiza quando a pata traseira pisa antes da marca deixada pela pata dianteira. É um andar mais calmo. 12

Transpistado – É a andadura que o cavalo realiza quando a pata traseira pisa depois da marca deixada pela pata dianteira, ou seja, o galope.

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Objetivos13: aproximação; interação com o animal e a equipe; ajuste de equipamento;

socialização; melhora na compreensão dos comandos verbais; resposta a comandos

verbais; atenção; raciocínio; antecipação; coordenação motora; sequência numérica,

leitura, escrita.

Em seu primeiro contato na Associação, seguindo o pedido da mediadora, o praticante

penteou, acariciou e alimentou o animal. Visitou a cocheira e observou os outros

atendimentos que estavam acontecendo na arena. Foi receptivo e tranquilo quanto às

orientações recebidas. O praticante não montou o animal, fazendo apenas o

reconhecimento do ambiente e equipe.

A partir da segunda sessão começaram as orientações mais específicas. A equipe

ensinou o praticante a montar sozinho, utilizando-se da rampa, assim como apear. O

mesmo não foi resistente às orientações dos profissionais, mantendo-se tranquilo.

Antes da realização de cada atividade, o praticante era avisado sobre o que estaria

acontecendo.

As atividades motoras desenvolvidas durante todo o período em que R. frequenta a

equoterapia visam auxiliar no equilíbrio, postura e controle de tronco, uma vez que

possui capacidade para seguir em estágio mais avançado. Foram realizadas atividades

como: movimentos com bola alternando os braços, de acordo com a orientação da

equipe; baliza com os braços abertos; utilização de cesta e bola para jogar basquete;

estimulação da compreensão dos comandos e movimentos, com ênfase nos MMSS

(membros superiores); diferenciação direita e esquerda; movimento de avião14;

movimento de avião cego15; movimentos com as mãos colocando-as para cima e para

os lados; alongamento; senta e levanta do cavalo com dez segundos de duração cada

(figura 26) sendo feita a contagem pelo próprio praticante. Fez decúbito lateral com o

cavalo em movimento, além de séries de 10 repetições de abdominal (figura 27);

13

Tendo em vista que durante a realização das sessões, a equipe teve mudanças, os objetivos também foram diferentes de uma sessão para outra. 14

Avião – movimento de andar sentado, com os braços abertos e sem apoio. 15

Avião cego – movimento de andar sentado, com os braços abertos, sem apoio e com os olhos fechados, dificultando o equilíbrio.

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treinamento de equilíbrio e fortalecimentos dos membros inferiores (MMII), ficando em

pé no cavalo e passando pela baliza.

O percurso era realizado algumas vezes no sentido horário e outras no anti-horário,

visando estimular a noção espacial e a lateralidade.

Figura 26: Senta e Levanta

Fonte: Imagem da Autora

Figura 27: Abdominal

Fonte: Imagem da autora

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As atividades aplicadas por uma estudante de psicologia tinham como principais

objetivos a resposta a comandos verbais, explorando assim os conhecimentos prévios

de R., visando estimular: a identificação das cores das bolas; músicas cantadas durante

todo o atendimento; concentração no jogo (montando a história) e citando o que

continha as imagens e as cores; praticou atividade com números a partir do jogo da

tabuada; treino do alfabeto associando letras aos objetos; jogo da memória; jogo da

tabuada; lançamento de dardo; jogo de basquete parado e com o cavalo em

movimento. Incentivou a socialização com outro praticante por meio de jogo com bola.

Foi feito jogo de perguntas e respostas no qual se destacou nas questões referente a

esporte; jogo de trânsito no qual desenvolveu muito bem, respondendo sobre placas de

sinalização. Além disso, houve o estimulo da autonomia, lateralidade e o trabalho com a

guia falsa16 ajudando na fixação direita e esquerda.

No dia 25 de Fevereiro de 2012, tivemos nosso primeiro contato com o praticante. Não

houve resistência na aproximação, sendo possível a interação. Nesta sessão,

acompanhamos o desenvolvimento das atividades e nada da área pedagógica foi

aplicado.

Em 03 de Março de 2012 começamos as intervenções e a primeira atividade proposta

foi o jogo da velha (figuras 28 e 29). Foi informado que estaríamos brincando com um

jogo e foi pedido que dissesse as cores das peças. O praticante disse as cores sem

dificuldade, afirmando que gostava mais da amarela. Primeiramente permitimos que ele

colasse as peças para saber como funcionava, o qual se demonstrou minucioso ao ficar

olhando o velcro atrás da estrela para encaixá-la corretamente (vertical ou

horizontalmente). Em seguida explicamos como se jogava: na primeira vez ele

simplesmente colou as peças, na segunda, pareceu compreender o processo, mas

depois disso, não quis mais jogar. O jogo foi proposto em sessão futura, sendo dadas

as mesmas orientações e novamente, apresentou as mesmas reações: primeiramente

16

Na utilização da guia falsa, o praticante maneja o animal, utilizando-se dos movimentos e da oralidade para que o auxiliar-guia direcione o animal para o lado que o praticante está indicando. Em nenhum momento, o praticante tem o controle absoluto do animal. Este recurso é utilizado para explorar a lateralidade e incentivar a autonomia.

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ficou somente encaixando as peças (porém sem se prender aos detalhes do velcro) e

na segunda pareceu ter compreendido a proposta, mas não quis jogar novamente.

Figura 28: Jogo da Velha (2)

Fonte: Imagem da Autora

Figura 29: Jogo da Velha (3)

Fonte: Imagem da Autora

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Há cada sessão, procuramos aplicar uma atividade diferente, tentando descobrir o que

ele já sabia e qual a disponibilidade de aprender coisas novas para propor novos

desafios.

Até este momento, não havíamos identificado qual o conhecimento de R. na formação

de palavras. Aplicamos a montagem de letras móveis sob o tabuleiro (figuras 30 e 31)

que continha figuras referentes ao cavalo. Primeiramente fomos mostrando as figuras e

pedindo que nomeasse. Nas figuras em que ele sentia dificuldade ou não sabia,

falávamos o nome e ele repetia. Na realização da atividade, desenvolveu extremamente

rápido, sabendo diferenciar e utilizar corretamente o S e o C. Nomeou as letras com

propriedade e não houve nenhum erro de escrita.

Figura 30: Montando palavras (2)

Fonte: Imagem da autora

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Figura 31: Montando palavras (3)

Fonte: Imagem da autora

Para verificarmos sua leitura, pedimos para que lesse o livro “Adivinha o quanto eu te

amo” de Sam McBratney (figuras 32 e 33), o qual não apresentou dificuldades. Para

dificultar sua concentração, enquanto lia o livro, pedimos que representasse o que

estava ilustrado. Para esta atividade e preservando a segurança do praticante, o cavalo

estava parado.

Figura 32: Leitura de livro (1)

Fonte: Imagem da autora

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Figura 33: Leitura de livro (2)

Fonte: Imagem da autora

Em uma das sessões, R. estava bastante desatento, não conseguindo utilizar a guia

falsa e identificar direita e esquerda. Sendo assim, a sessão foi parada e foi pedido que

desenhasse algo que gostasse de fazer, no qual desenhou um cavalo (figura 3). Ao

término do desenho, introduzimos novamente a guia falsa e R não apresentou

dificuldade em conduzir o cavalo sozinho, inclusive na baliza.

Figura 3: O cavalo

Fonte: R. T. B., 14.04.2012

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Com a finalidade de analisar sua escrita, foi pedido para que o praticante escrevesse

tudo o que gosta de fazer. Iniciou desenhando um cavalo e foi pedido para que parasse

e explicado novamente para que ele escrevesse o qual compreendeu e listou suas

preferências (figura 34). Ao término, ele pediu para desenhar uma flor17, sendo calmo e

paciente com os detalhes (figura 1).

Figura 34: Escrita espontânea

Fonte: R. T. B., 05.05.2012

17

As cores utilizadas na flor (preto e verde) foram uma falta de opção uma vez que nesta sessão estávamos apenas como dois hidrocores.

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Figura 1: Desenho de flor

Fonte: R. T. B., 05.05.2012

Realizamos a atividade dos pontinhos (figuras 35, 36 e 37) com o objetivo do raciocínio.

Pedimos que escolhesse uma cor de hidrocor, ficando com o vermelho e deu o verde

para a pesquisadora. Explicamos o objetivo e o praticante realizou a atividade, porém

não foi possível identificar se ele realmente compreendeu o que estava sendo realizado

ou o fez por repetição. Ao término, pedimos que contasse quantos retângulos ele havia

feito e que marcasse na lateral do papel o seu nome e a quantidade desenhada.

Pedimos que fizesse o mesmo com o nome da pesquisadora. Para registrar a

pontuação, pegou o hidrocor da mão da pesquisadora para que ficasse da cor que

havia utilizado.

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Figura 35: Jogo dos pontinhos (1)

Fonte: Imagem da autora

Figura 36: Jogo dos pontinhos (2)

Fonte: Imagem da autora

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Figura 37: Jogo dos pontinhos (3)

Fonte: R. T. B. e PRI, 26.05.2012

Para a realização de uma atividade de imagem mental, propusemos a caixa tátil (figura

38). Dentro dela foram colocados objetos de conhecimento prévio do praticante (caneta,

apontador e bola de tênis), porém sem que o mesmo os tivesse visto. Pedimos para

que colocasse a mão dentro da caixa e tentasse identificar o que era sem tirá-lo de

dentro. No primeiro objeto disse que era um lápis (referindo-se à caneta) e depois o

tirou da caixa. No segundo disse borracha, mas logo se corrigiu dizendo que era um

apontador. No terceiro objeto, disse que era ‘raquete’, ‘de jogar’, ‘tênis’ (fazendo os

gestos do movimento da raquete). Questionado o que era usado para jogar tênis,

respondeu bola. Na sequência, colocamos os objetos dentro da caixa novamente e

pedimos que desenhasse os mesmos sem olhá-los. Ele fez os desenhos tentando

lembrar os detalhes e as cores que eram (figuras 39 e 40).

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Figura 38: Caixa tátil – identificando os objetos

Fonte: Imagem da autora

Figura 39: Caixa tátil – representando os objetos

Fonte: Imagem da autora

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Figura 40: Caixa tátil – registro

Fonte: R. T. B., 02.05.2012

Explorando e incentivando o conhecimento e gosto artístico de R, pedimos para que

fizesse um desenho. Questionado o que gostaria de fazer, ele disse que faria cavalo.

Desenhou três cavalos e perguntamos se gostaria de desenhar mais alguma coisa e ele

respondeu: “sol amarelo” e o fez. Em seguida, pegou a canetinha azul e fez as nuvens.

Questionamos se faria mais alguma coisa, ele disse casa. A princípio ficamos um pouco

apreensivas pensando que a casa ficaria solta e sem perspectiva. R, sem tomar

conhecimento de nossa aflição, pegou o hidrocor e continuou desenhando: primeiro a

casa, depois a cerca e por último a árvore (figura 25).

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Figura 25: A fazenda

Fonte: R. T. B., 14.04.2012

Para identificarmos seu raciocínio matemático, apresentamos uma atividade para que

completasse os números faltantes e posteriormente, conseguisse fazer a associação do

relógio com o numeral equivalente. R. apresentou um pouco de dificuldade para realizar

os exercícios, porém após algumas explicações, conseguiu compreender o objetivo,

realizando-o conforme a ilustração da figura 41.

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Figura 41: Atividade matemática (2)

Fonte: R. T. B.,16.06.2012

Em outra sessão, foi pedido para que R fizesse a sequência numérica de 1 a 30,

mantendo-se como referência a atividade matemática desenvolvida anteriormente. Sem

dificuldade, R escreveu os numerais, mantendo além da lógica sequencial, o espaço e

tamanho dos números (figura 42).

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Figura 42: Sequência numérica

Fonte: R. T. B., 28.07.2012

Com a atividade matemática, encerramos nossa avaliação sobre o praticante R. O

trabalho continua sendo desenvolvido na Associação no qual R. ainda frequenta, pois o

mesmo não visa apenas a avaliação para esta pesquisa, mas sim que o trabalho

continue sendo desenvolvido para o enriquecimento e progresso de R.

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Os galopes de G

Início das atividades: 12 de Fevereiro de 2011

Cavalo: Brinquedo

Movimento do cavalo: antepistado

Encerramento da coleta de dados: 28 de Julho de 2012

Objetivos: aproximação; interação com a equipe e animal; socialização; resposta a

comandos verbais; conhecimento de novas texturas.

Baseado nas avaliações realizadas antes do início de nossa pesquisa, seu primeiro

contato com o cavalo e a equipe foi bastante difícil: chegou um pouco agitado e

resistente à aproximação. O pai esteve presente durante este processo de aproximação

do praticante com o animal e quando o mesmo mostrou-se seguro na presença da

mediadora, o pai retirou-se. O praticante foi colocado próximo ao animal e a mediadora

incentivou para que ele olhasse-a pentear o cavalo. Aos poucos G. foi interessando-se

pela escova, porém muito discretamente. Pegou-a nas mãos e fez o movimento de

pentear o cavalo. Apresentou dificuldade de manter o olhar no animal. O processo de

aproximação foi lento. O praticante ficava exaltado quando não era respeitado o seu

tempo. Ao término, saiu em disparada e estava um pouco nervoso. Todo o processo foi

repetido novamente, em outra sessão, para maior tranquilidade e adaptação do

praticante. Na terceira sessão, G. chegou e foi direto ao encontro da mediadora. O

praticante não recusou, em nenhum momento ir até o cavalo. Sem insistência, passou a

mão e olhou para o animal. O processo de aproximação evoluiu e as atividades na

arena tiveram início.

Nas sessões seguintes, as atividades desenvolvidas procuravam incentivar G. na

resposta a comandos verbais, além de procurar maior interação entre o praticante e a

equipe da equoterapia. Apresentava oscilação de comportamento quanto sua chegada

à Associação: às vezes calmo; outros mais agitado e negando-se a montar no animal;

tapando os ouvidos no sentido de recusa; tendo a iniciativa de subir sozinho no cavalo.

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Foram propostas diversas atividades com estímulo motor. Em algumas delas –

alongamento, deitar-se sobre o animal, abrir os braços imitando avião – apresentava

resistência de início, mas depois, concordava em realizar. Era incentivado a: acariciar o

animal, fazer decúbito lateral e esticar as mãos fazendo um ‘avião’, deitar de bruço,

bater nas bolas com a cabeça e com as mãos.

Como recursos concretos foram utilizados: peças de montar, boneco de pano, letras do

alfabeto, bolas, guia falsa, papel e hidrocor;

Em junho de 2011, após quatro meses de equoterapia, o praticante conseguiu fazer

contato visual mais demorado com uma das auxiliares e pela primeira vez despediu-se

dizendo tchau. Em agosto, tanto a equipe quanto a mãe perceberam melhora na

resposta às orientações dadas a G. Começou a apresentar maior segurança com a

mediadora, segurando sua mão e acariciando seus cabelos. Por vezes, balbuciava um

canto.

Conforme relato da mãe, em Janeiro de 2012, G. amenizou seus medos, como por

exemplo, de cachorro e ela recorreu este feito às sessões de equoterapia.

Em 25 de fevereiro de 2012, tivemos nosso primeiro encontro. Na ocasião, a equipe de

trabalho estava modificada. Pouco foi conseguido de resposta, sendo difícil para que

ele tirasse as mãos do cilhão. Na sessão seguinte demos massinha de modelar a ele, o

qual manuseou brevemente, porém sem ficar olhando. Na sequência, ficou tirando

pedacinhos e jogando no chão. Mostramos a ele o potinho onde deveria ser guardado e

quando ele fazia o movimento que iria jogar no chão, colocávamos o potinho na frente

para que fosse guardando, até que o fez por completo. A atividade com a massinha foi

realizada novamente, porém os resultados obtidos foram os mesmos: pegava

pedacinhos e jogava-os no chão.

Apresentamos a ele também, o jogo da velha, assim como feito com R., porém não se

interessou e raramente olhava para o jogo. Tentamos incentivá-lo para que colasse as

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estrelas no local indicado, mesmo que não cumprisse as regras do jogo, mas só fazia

com ajuda.

Procuramos identificar com a mãe as preferências de G., para que pudéssemos dispor

de objetos mais atrativos a ele. A mãe disse que G. gostava do filme Ratattoule. Na

tentativa de maior aproximação, confeccionamos figuras com as personagens do filme,

com o objetivo que procurar os pares e, em sessão futura, tentar como jogo da

memória. G., no entanto, não demonstrou interesse pelas figuras, distraindo-se com

facilidade e jogando as figuras na arena.

Em outra sessão, foi apresentado a G. papel e hidrocor para que desenhasse, porém,

apesar de todo o incentivo, empurrava a prancheta e colocava as mãos no ouvido.

Prendeu-se apenas por alguns instantes na textura da tampa do hidrocor.

A observação e pesquisa com o praticante G. ficou comprometida pois o contato com

ele foi bastante difícil: não aceitava a intervenção de outra pessoa que não a da

mediadora que estava com ele desde o seu ingresso na equoterapia. Além disso, o

excesso de faltas impossibilitou uma maior aproximação e tentativa de diferentes

intervenções.

G. deixou de freqüentar a Associação no dia 28 de Julho, após um mês de ausências e

por dificuldades financeiras. Apenas nas duas últimas sessões, a pesquisadora

conseguiu que G. segurasse em suas mãos com segurança e mantivesse alguns

segundos de contato visual.

Diferente de R., não será possível continuar observando e auxiliando no

desenvolvimento G.

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4.3 – Encerrando a sessão

As atividades desenvolvidas na Associação de equoterapia possibilitaram refletir sobre

quais as reais funções do pedagogo durante as sessões de equoterapia e de que

maneira ele pode influenciar no desenvolvimento psicomotor e afetivo dos praticantes –

R. e G. – durante a realização das sessões.

Durante os cinco meses em que o trabalho foi desenvolvido, tivemos contato em 12

sessões com R, e 7 com G, sempre aos sábados. O número reduzido de contatos (que

no total poderiam ter chegado a 23) deu-se por vários motivos: falta dos praticantes;

ausência da pesquisadora; realização de festa para a Associação (no dia anterior ou no

próprio dia do atendimento); por ser um local emprestado, a proprietária o utilizava para

a realização de eventos; a necessidade da pesquisadora ajuda no atendimento de outro

praticante pela ausência de voluntários.

Achamos oportuno apontar alguns fatores específicos para melhor analisar e até

mesmo comparar os dois praticantes. Destacamos então: a confiança, o equilíbrio e a

concentração.

A confiança se dá com base na afetividade, porque o praticante precisa sentir

segurança na equipe de atendimento e também no cavalo, tendo certeza de que nada

irá lhe acontecer durante a realização das sessões e desenvolvimento das atividades

propostas. Caso ocorra algum incidente, a equipe estará preparada para ajudá-lo. Além

disso, é indispensável o elo afetivo entre o praticante, a equipe terapêutica e o cavalo,

ficando quase impossível a realização de qualquer atividade caso este elo não exista.

O equilíbrio, embasado na psicomotricidade, é fundamental para que o praticante

consiga realizar a programação proposta pela equipe, mantendo-se firme apesar da

realização dos movimentos feitos por ele mesmo e pelo cavalo. Tamanha sua

importância, que independente da formação do mediador, a postura é um requisito

cobrado a todo momento dos praticantes.

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A concentração, no nosso caso com ênfase no desenvolvimento das atividades

pedagógicas, permite que o praticante realize as atividades entendendo o que está

fazendo, porém, num ambiente em que isso seja testado constantemente, pois existem

as sessões que estão ocorrendo com os outros praticantes, conversas dos membros

das equipes com seus praticantes, movimentos externos de pessoas, carros e trem,

propiciando, durante todo o atendimento, a desconcentração. Cabe à equipe, neste

momento, tentar interagir com o praticante de modo que consiga atrair sua atenção

para o que está sendo realizado.

Baseados nos itens acima, R e G apresentaram comportamentos distintos:

Confiança

R G

Demonstrou confiança desde o início na

pesquisadora, realizando tudo o que era

solicitado.

Realizava os exercícios pedidos e fazia-os

devidamente mesmo com o cavalo em

movimento, independente do mediador

daquela sessão.

Possui confiança restrita, sendo mais

difícil o contato pessoal. Com a

pesquisadora, apresentou resistência em

atender o que era pedido, sendo possível

um pequeno contato apenas nas duas

últimas sessões.

Em relação às atividades motoras,

desenvolvia o que era pedido apenas pela

mediadora de sua confiança, fazendo as

mudanças de posição mesmo com o

cavalo em movimento.

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Equilíbrio

R G

Possui postura correta sobre o cavalo,

mantendo-se equilibrado durante toda a

sessão.

Apesar de demonstrar medo em algumas

situações, nunca deixou de realizar

qualquer atividade pedida, mantendo-se

firme durante a realização de abdominal

ou ficando em pé (apoiado no estribo) no

cavalo, além das corridas.

Possui postura correta sobre o cavalo,

mantendo-se equilibrado durante toda a

sessão.

Realiza decúbito lateral (inversões de

lados) sem apresentar medo e com o

cavalo em movimento. Fica bastante à

vontade quando está deitado de bruço.

Concentração

R G

Mantém pouco contato visual, porém está

sempre atento ao que está sendo

proposto.

Às vezes demonstra não compreender o

que está sendo pedido; mesmo assim,

não perde a concentração até que consiga

entender e realizar o que está sendo

requisitado.

Quase não mantém contato visual,

prendendo sua atenção em objetos

distantes.

Com exceção das atividades motoras, não

apresenta concentração no que é

proposto.

Foi possível verificar que, apesar de possuírem o mesmo diagnóstico, R. e G.

apresentam comportamentos distintos.

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Apesar do desligamento de G, acreditamos que, se eventualmente voltasse a

frequentar a equoterapia, fosse mais oportuno que continuasse o acompanhamento

tendo uma psicóloga como mediadora, visando criar um vínculo afetivo ainda maior e

potencializando a resposta a comandos verbais e socialização.

Em relação a R, acreditamos que a presença de um pedagogo é muito importante para

estimular ainda mais os conhecimentos que já possui, procurando incentivar novos

desafios e avançando nos seus limites. Com R, pretendemos, em sessões futuras,

resgatar o apreço pela pintura em tela partindo de atividades pedagógicas que

estimulem esta prática.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: O ÚLTIMO GALOPE. SERÁ?

A equoterapia é uma atividade terapêutica ainda de conhecimento restrito para a

maioria das pessoas, apesar dos inúmeros benefícios apresentados. Faz parte de sua

rotina a motivação no desenvolvimento de atividades motoras, cognitivas e de

socialização.

O trabalho desenvolvido nos centro de equoterapia, na maioria das vezes, é de cunho

filantrópico, sendo necessária uma gama de voluntários, extremamente empenhados,

para que o projeto realmente aconteça. E de que maneira uma pessoa pode ser tocada

para realizar um trabalho em que não receberá nada em troca? Trocar horas do

precioso sono ou lazer para se dedicar a alguma coisa com o qual não possui o menor

vínculo? Pelo menos, essa é a visão inicial de quem pretende ser um militante do

trabalho voluntário. Mas as coisas mudam.

Durante o período em que tenho permanecido na Associação, atuando primeiramente

como voluntária e só depois como pesquisadora, pude notar o envolvimento da equipe

com os praticantes. Quando necessário, os voluntários são substituídos sem prejudicar

o atendimento, demonstrando o mesmo carinho e atenção. O elo pode parecer não ser

o mesmo, mas semanalmente temos o prazer de conviver com todos eles.

O trabalho voluntário, sob minha visão particular, está além do que supunha que eu

pudesse oferecer. Doar algumas horas da minha semana? Colocar em prática os

conhecimentos da faculdade, cursos, congressos e pós-graduações?

A vivência me fez mudar de opinião. Quando eu pensei que estava dando algo de mim,

na verdade percebi que aquele momento me completava. O que pude proporcionar

durante este período de pesquisa e que terá continuidade mesmo com seu término, é

realmente muito pouco se comparado ao que recebi.

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Pude presenciar conquistas pequenas para muita gente e extremamente grandiosas

para outras. A postura ereta de uma criança sem o controle do tronco, mesmo que por

alguns segundos. Manter-se em pé e dar pequenos passos na busca da independência,

depois de ter recebido uma descarga elétrica que mudaria seus planos para o futuro. A

troca de gritos e choros, pelo acompanhamento balbuciado de uma música infantil. O

sorriso espontâneo no momento do galope do cavalo. A troca de olhares e o elo de

cumplicidade com um autista.

Comecei a perceber que a vida pode ser comparada com uma sessão de equoterapia:

é preciso que haja maior aproximação com as coisas e com as pessoas; sempre terá

alguém a nossa frente para nos guiar e alguém ao nosso lado para nos amparar

quando precisar de ajuda; alguém estará na retaguarda para nos dar um feedback

sobre nossos atos e comportamentos; alguém será a nossa base, que a vezes nos

desestrutura, mas faz isso para o nosso fortalecimento e com certeza, não nos deixará

cair.

Pode ser que nos sintamos, em algum momento, impossibilitados de nos mover para

resolver problemas; cegos para as injustiças; sem fala para reagir. Os obstáculos

insistentemente aparecerão, mas sempre teremos alguém por perto, não para facilitar,

mas para fazer com que aquele momento seja de crescimento, apesar da dor.

Durante esta dissertação, novas visões foram possibilitadas: a) a educação não

acontece somente na escola; b) os animais podem ser muito mais que apenas

companheiros, eles podem ajudar a curar a dor emocional, espiritual e física; c) o

cavalo é um aliado de peso na terapia de diversas doenças, além de construtor de elo

afetivo; d) a dedicação voluntária é essencial para o acontecimento de algumas

atividades; e) a pessoa com diagnóstico de autismo está além daquele ser sentado no

canto da sala se balançando o tempo todo; f) o relacionamento hostil não é fator

determinante para o ‘desenvolvimento’ do autismo; g) o desconhecimento faz com que

as pessoas sejam rotuladas de forma generalizada e em algumas vezes,

pejorativamente; h) o pedagogo tem uma vasta área de atuação e recursos para

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desenvolver o seu trabalho; i) de nada vale o conhecimento se não pudermos dividi-lo;

j) diagnósticos iguais não significam pessoas iguais; k) “o essencial é invisível aos

olhos” (Antoine de Saint-Exupéry).

Ao educador, que tem a felicidade de fazer parte desse processo, cabe permitir-se

acrescentar novos conhecimentos à vasta teoria aprendida na escola formal. A

formação contínua no pensar e repensar a prática, na circulação de ideias e diálogos.

A prática e a vivência ativa dentro de um centro de equoterapia oportunizam a

educação não formal para a vida, despertam sensações adormecidas e intuições que

talvez não se imaginasse que pudessem existir. Neste trabalho, assim como em todos

os outros, é preciso dedicação e não esperar que novas ideias venham a cavalo. É

preciso buscar, interagir e vivenciar o processo. É o aprender na prática para realmente

conseguir ajudar quem precisa.

A formação do educador não pode estar restrita a momentos formais obrigatórios, mas

ele deve procurá-la no zigue-zague das balizas, tentando buscar as bolas mais altas e

nas aventuras dos galopes que a educação proporciona. E quando ele pensar que a

etapa já está concluída é tempo de recomeçar, buscando novas teorias, reavaliando e

reelaborando suas práticas.

Como domadora de cavalos, espero que o trabalho seja a oportunidade para que novos

galopes possam acontecer. Obstáculos com certeza existirão, mas as rédeas ajudarão

a trilhar novos caminhos, na mesma arena ou não. E quem é a domadora? É uma

pessoa que um dia foi convidada para ser voluntária e recebeu o maior presente do

mundo.

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APÊNDICE

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MEMORIAL

Difícil é falar de si mesmo ...

O que será que tem de especial na minha vida a ponto de contá-la para alguém? O que

as pessoas pensarão quando lerem os fragmentos que contém nestes 35 anos de vida?

Não sei ... só fazendo para saber.

A minha vida sempre foi muito tranquila ... e digo isso não por ter nascido em uma

família rica (que não é o caso), mas porque acredito que consigo manter o controle

(claro que não é sempre ... principalmente com o prazo do mestrado terminando e

quase não sobrando tempo para fazer a escrita ... mas, felizmente, é uma etapa que

está quase concluída).

Venho de uma família com pouco estudo, se comparada aos dias atuais: minha mãe, a

nona filha numa prole de dez, terminou a antiga 8ª série por meio de um supletivo e

meu pai, o primogênito de seis, fez técnico de contabilidade. Tanto meu pai, quanto

minha mãe, passaram a infância e a adolescência no sítio (na cidade de Tietê) e

trabalho pesado era o que não faltava.

Ainda na adolescência, meu pai mudou-se para Americana, onde morou com uma tia

(que era o retrato da felicidade até ser surpreendida por um AVC). Passou o restante da

vida trabalhando no antigo Banespa, hoje Banco Santander, onde se aposentou.

Minha mãe saiu do sítio quando se casou com meu pai e veio morar na “cidade

grande”. Pouco tempo depois, engravidou e a primeira filha, primeira neta e primeira

sobrinha de seis tios homens que moravam na casa da frente, nasceu. Morávamos no

fundo da casa da minha avó, mãe do meu pai; nossa casa parecia de boneca – quarto,

sala, cozinha e banheiro.

Mesmo com o orçamento sempre restrito, nunca faltou o essencial: casa pequena,

porém bem protegida, alimentação, banho quente e é claro, os mimos intermináveis dos

tios, avó e dos pais.

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Quase quatro anos depois, nasceu a Vanessa, minha irmã preferida (sempre digo isso

a ela, pois é a única).

Fomos crescendo e minha mãe começou a trabalhar. Ela sempre nos ensinou a

respeitar os mais velhos, organizar e limpar a casa, que quando fossemos na casa de

alguém, que deveríamos ajudar e lavar a louça do almoço seria o mínimo. Esses

ensinamentos reforçam meu conceito de que educação não se aprende na escola, não

depende de classe social e muito menos de graduação ou titulação, mas está muito

mais ligada a valores, caráter e criação.

Nossa maior alegria e maior regalia enquanto criança, era aos finais de semana (nem

todos) de comer pizza com o vale-alimentação que o meu pai ganhava do banco e

quando voltávamos, assistíamos ao programa de luta ‘Gigantes do Ringue’ – momentos

inesquecíveis com meu pai. Lembro-me também de como era gostoso ir ao

supermercado (uma vez no mês) e das “porcarias” que comprávamos neste dia: uma

bandeja com 6 danones, dois pacotes de bolacha doce, uma caixa de BIS e às vezes,

salgadinho (tudo para durar o mês todo) ... como as coisas eram saborosas ...

comíamos com gosto e não havia o menor sinal de desperdício.

O almoço de domingo era de uma típica família italiana: macarrão, frango assado,

maionese e uma garrafa de Coca-Cola. Ás vezes, o macarrão era substituído por

lasanha ou pela deliciosa farra de fazer nhoque.

Tenho pena das crianças que nos dias de hoje, não sabem o que é sentir vontade de

alguma coisa: as mães vão ao mercado todos os dias, as feiras todos os dias, as lojas

todos os dias. Que bom que fomos criadas aprendendo que existiam dias para ganhar

presente (aniversário, dia das crianças e natal). Que delícia era ir ao centro da cidade

para comprar uma blusa nova ou um tênis. Quando meu pai falava “eu não tenho

dinheiro”, na inocência falávamos “dá cheque”.

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Nunca tivemos muitos brinquedos, mas o suficiente para que pudéssemos nos divertir:

algumas bonecas, bicicleta, um monte de areia no quintal de casa e uma lousa enorme

que meu pai fez para que pudéssemos brincar de escolinha. A lousa foi pintada com

tinta preta, no mesmo lugar onde minha mãe lavava roupa: enquanto fazia o serviço,

aproveitava para “brincar” estudando com a gente. O giz usado eram pedaços de gesso

e para apagar, um pano molhado resolvia.

Deixando os brinquedos de lado, faço parte da geração que brincou muito na rua.

Época em que as mães chegavam do trabalho, faziam a janta e depois de tudo

organizado, sentavam-se na calçada para conversar enquanto as crianças, umas 15

mais ou menos da mesma idade, brincavam de pega-pega, esconde-esconde,

queimada, mamãe da rua, mês, alerta, taco .... Que triste é saber que as crianças de

hoje em dia, mal sabem correr, pois vivem aprisionadas dentro de suas casas: os pais

não têm mais tempo para viver essa vida com elas e mesmo que tivessem a violência e

a criminalidade não permitiriam que essas crianças fossem felizes na rua como nós: eu,

minha irmã e todos os nossos amigos daquela época fomos.

Crescemos, mas agora vou deixar a minha irmã um pouco de lado e continuar com a

minha memória ... mas depois ela volta.

Comecei na escola com cinco anos e sinceramente, não me lembro de ter chorado uma

única vez. Estudei na escola da prefeitura, na turma que chamávamos de Prézinho.

Sempre fui muito ligada às professoras, ajudava a cozinheira quando a auxiliar faltava e

eu achava o máximo. Lembro-me perfeitamente do cheio da massinha e do giz de cera,

de como adorava o balanço, brincar com algumas florzinhas que caiam da árvore e

desciam rodando igual a um pião. E por incrível que pareça, mesmo tendo passado 30

anos, nunca mais tive o prazer de comer o peixe em molho que tinha na EMEI Corimbó.

Ainda do Prézinho tenho algumas recordações. Não me esqueço do dia em que fiquei

doente na escola. A professora ligou para minha mãe me buscar e ficou comigo no

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colo; os meus ‘coleguinhas’ ficaram sentados em círculo, em volta de nós, esperando

que minha mãe chegasse.

Foi no Prézinho que tive duas grandes tristezas: a primeira foi ter levado um disco com

histórias infantis e quando estava voltando para casa, tropecei e derrubei o disco que

se quebrou (até hoje, consigo lembrar perfeitamente da história completa da Branca de

Neve e os Sete Anões, as vozes dos personagens, a música de suspense ...). A

segunda aconteceu na minha formatura: na época o prefeito costumava entregar os

diplomas durante a sessão solene e foi isso que ele fez com todas as crianças, menos

comigo – o meu diploma foi entregue pelo Secretário de Educação. Na época, não

consegui entender o porque de ter sido diferente dos outros.

No ensino fundamental, estudei até a 5ª série na escola do estado e depois passei para

uma escola particular. Nesta época da transição, calharam dois acontecimentos: a

minha mãe estava trabalhando na Diretoria de Ensino e ficou sabendo que haveria

greve de professores no início do ano (e se bem me recordo, a greve durou quase 3

meses) e meu pai, começou a receber do banco, auxílio escola, o que acabou me

beneficiando.

Concluí o ensino fundamental e comuniquei a família que faria magistério. A minha mãe

dizia que eu poderia ser o que quisesse menos professora, pelas coisas que ela via e

ouvia enquanto estava trabalhando na Diretoria de Ensino. Acredito que tenha sido uma

das primeiras vezes que discordei e fui contra o que ela dizia. Quando minha mãe viu

que não tinha jeito, acabou me apoiando.

Depois do magistério, fiz Pedagogia. Trabalhava durante o dia em um escritório e fazia

faculdade a noite. Era bastante corrido, mas valeu a pena.

O sonho do meu pai era que eu e minha irmã fizéssemos faculdade e para ele, já

estaria de bom tamanho, afinal, estaríamos graduadas além do que ele pode estudar.

Mas minha mãe incentivava para que continuasse estudando e que bom que foi assim.

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Ao final do segundo ano da faculdade, surgiu a oportunidade de comprarmos uma

escola infantil (nesta época, a minha mãe estava em depressão por estar sem

trabalhar). Unimos o útil ao agradável: compramos a escola, minha mãe estava

empregada e eu comecei a colocar meus conhecimentos (porém não a prática) pra

funcionar.

Trabalhamos muito nessa época (eu, minha mãe, minha irmã): não tínhamos salário,

pois estávamos começando; não tínhamos experiência e pouco tempo depois,

descobrimos que a documentação da escola estava irregular. Pensamos por um breve

momento, em desistir ... mas desistimos dessa desistência.

Conseguimos comprar um terreno e construir prédio próprio. Temos uma equipe

pedagógica dedicada e nos concentramos nos afazeres administrativos.

Nesta época mesma época, fui aprovada no concurso da Prefeitura de Santa Bárbara d’

Oeste: trabalhei contratada num projeto com adolescentes e depois fui efetivada para o

cargo no qual havia me submetido: professora de educação infantil.

No período em que inauguramos o novo prédio da escola, também me casei,

felizmente, com uma pessoa que entende, sempre esteve presente, me apoiou (e ainda

apóia) o meu gosto pelos estudos.

Sou convicta de que a educação está em mudança continuamente, por isso, mesmo

depois de ter feito Magistério e Pedagogia, sempre acreditei que o caminho a ser

percorrido ainda seria longo, por isso, sempre que possível, participo de palestras,

convenções e congressos, sendo eles obrigatórios ou não.

Fiz o Proepre, curso de extensão da UNICAMP, baseado na teoria de Piaget, por duas

vezes: na primeira como aluna e no ano seguinte, como monitora. Pela prefeitura, fiz o

Profa e o Pós-Profa.

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A minha primeira pós-graduação foi feita em Araras, onde cursei Psicopedagogia. Foi

um momento repleto de aprendizagem. Na segunda pós, feita em Amparo, cursei

Educação Especial e Inclusiva e redescobri minha paixão pelos portadores de

deficiências. Digo redescobri, pois sempre quis trabalhar com deficiências, mas os

caminhos foram sendo trilhados para outros lados.

O meu ingresso no Mestrado deu-se como susto: talvez por medo de não conseguir

concluir, sempre deixava as datas dos processos seletivos ‘passarem’. Numa terça-

feira, vi num outdoor que haveria seleção na Unisal. Apresentei meu projeto na sexta-

feira, fiz a prova e a entrevista no sábado e pronto ... meus dias nunca mais seriam os

mesmos.

Durante o tempo em que permaneci no mestrado, vivi experiências que jamais sairão

da minha memória. Fiz colegas e amizades para a vida toda. Aprendi coisas além do

que foram apresentadas nas disciplinas: vivi a humildade e humanidade dos

professores e tento reproduzi-las na minha postura profissional seja como professora de

educação infantil ou como administradora de escola.

A serenidade do professor Severino me fez acreditar que seria possível meu recomeço

quando tudo parecia estar acabado. Faltando seis meses para o término do meu prazo

prorrogado, começamos tudo de novo. Saímos da viagem pela literatura e fomos

cavalgar na intervenção pedagógica .... e que cavalgada.

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ANEXO

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