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COERÇÃO, CAPITAL E ESTADOS EUROPEUS 990-1992 CHARLES TILLY Tradução Geraldo Gerson de Souza

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  • COERO, CAPITAL E ESTADOS EUROPEUS 990-1992

    CHARLES TILLY

    Traduo

    Geraldo Gerson de Souza

  • 6O SISTEMA EUROPEU DE ESTADO

    A V IN C U L A O D O S E ST A D O S E U R O P E U S

    O poder naval dos otom anos expulsou Veneza do M editerrneo orien tal e acelerou o declnio da cidade-im prio enquanto po tncia m ilitar im portante. N a poca em que, vindos da estepe asitica, com earam a avanar para a E uropa, os aguerridos tu rcos eram nm ades p resos terra, a ex em p lo de m uitos de seus v izinhos belicosos. M as, assim que alcanaram o m ar N egro e o M editerrneo, depressa aprenderam a construir navios e a navegar. O que m ais im portante, durante o sculo XV com earam a usar a plvora num a escala que os europeus no haviam visto anteriorm ente. Levaram o terror aos coraes europeus, porque tanto venceram todas as duras lutas no m ar quanto fizeram conquistas violentas em terra. Parecia que ningum estava a salvo desses saqueadores ferozes. P o r vo lta do sculo XV, seus ayanos at o Mediterrneoe os Blcs constituram am eaas tam bm Itlia e ustria.

    A tom ada de Constantinopla pelos otomanos (1453) ameaou claram ente os interesses venezianos, mas Veneza conseguiu ganhar tem po ao celebrar um tratado com ercial com os turcos. O tem po ganho foi pequeno: a Turquia e Veneza logo entraram em guerra, com terrveis resultados para a ltim a. A perda de N egroponte, a principal base veneziana no norte do Egeu (1470), foi o com eo da sada de Veneza da zona otom ana. D esse m omento em diante, por cinqenta anos, Veneza travou um a interm itente guerra defensiva contra o Imprio O tom ano, enquanto os turcos

    faziam incurses ao continente italiano.

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    A guerra turco-veneziana de 1499-1503 obrigou Veneza a descer m ais um degrau na escada internacional. M esm o que s vezes a inim iga H ungria se tenha jun tado a Veneza contra o Im prio O tom ano em 1500, os m arinheiros da c idade no conseguiram derro tar os turcos. Ao contrrio , um a frota turca com andada po r Kem al R e is infligiu um a derrota m aior arm ada que Veneza j conseguira reunir, na deplorvel batalha de Z onchio (Lane 1973a: 242). N essa batalha, V eneza perdeu M odon, Koron e Lepanto, im portantes postos avanados do M editerrneo. N o acordo de paz, os venezianos cederam seus direitos a um a srie de c idades gregas e albanesas.

    O utras po tnc ias europias viram no acordo de paz que ps fim a essa g uerra um acontecim ento decisivo, e por isso participaram da redao do tratado. Pois, ao m esmo tem po em que Veneza perdia postos avanados no M editerrneo orientai, a repblica conquistava im portantes territrios na Itlia do Norte, onde a E spanha e a Frana haviam intervindo na dcada de 1490. As fronteiras polticas da E u ro p a M erid ional m udaram com esp an to sa veloc idade . A Paz de B u d a (agosto de 1503) foi celebrada entre a Turquia, a M oldvia, R agusa, Veneza, o P a pado, a B om ia-H ungria, a Polnia-L itunia, Rodes, a E spanha, Portugal e a In glaterra, e constitui o prim eiro grande acordo internacional dos tem pos m odernos (P itcher 1972: 98-99). A realizao dessa grande conferncia de paz tem um sig n ificado adicional: em face da expanso o tom ana e com o resultado da g u erra franco-espanhola na Itlia, os europeus com earam a in stitu ir um sistem a de e s tados distintivo e encadeado.

    O s estados constituem um sistema na m edida em que interagem entre si com regularidade e proporo que a sua interao afeta o com portam ento de cada estado. Em 990 d.C ., nada existia que se assem elhasse a um sistem a europeu de estado. Por volta de 1990 d.C., um sistem a que antes era prim ordialm ente europeu hav ia explodido at abranger quase o g lobo inteiro. No plano in term edirio , a E uropa atravessou alguns sculos durante os quais os estados europeus, em sua m aioria, m antiveram ligaes razoavelm ente fortes - hostis, am igveis, neutras, ou, mais provavelm ente, m istas e variadas - com a m aior parte dos outros estados europeus, mas com um nm ero muito pequeno fora do continente. Em seu poder coletivo e seu encadeam ento, esses estados se distinguiram do resto do m undo. O fa to poltico predom inante dos ltimos mil anos a form ao e expanso de um s is tem a europeu de estado constitu do , em grande m ed ida , m ais por e s tad o s nacionais que por im prios, cidades-estado ou outras variantes de poder coercivo.

    O m undo av an av a rum o sua a tu a l c o n d io p e cu lia r a p a rtir de um conjun to de circunstncias m uito diferente. U m m ilnio atrs, as pessoas de toda a te rra v iv iam ou em im prios d e s lig a d o s um do o u tro ou em s itu a es de

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    soberania fragm entada. Em bora alguns imprios, com o o m a ia e o ch ins, tenham atingido um grau razovel de centralizao, m esm o eles governaram de form a bastante ind ire ta longe de seus centros, extorquindo tributo e confiando o governo a d e te n to re s de p o d e r re g io n a is que go zav am d e c o n s id e r v e l a u to n o m ia . O correram m uitas vezes m ovim entos de conqu ista , ba ta lhas nas fm b rias dos territrios dos estados e incurses para extorquir tributos, pilhagens e escravos, mas em toda a parte as gaerras declaradas com alianas form ais e exrcitos em m assa foram eventos raros.

    Por volta de 990, o prprio espao da Europa se fragm entou em quatro ou cinco aglom erados de estados relativam ente distintos. Os regim es de conquista da Europa Oriental faziam contnuas incurses nas zonas de dom nio um do outro, ao m esmo tem po em que m antinham algum as ligaes com os escandinavos ao norte, os bizantinos ao sul e os povos arm ados da estepe a leste. Um conjunto de estados mais bem -definido e com ligaes mais estreitas, predom inantem ente m uulm ano, circundava o M editerrneo e ocupava a maior parte da Ibria. N a faixa relativam ente urbana que vai da Itlia central a Flandres, centenas de potncias sem i-autnom as superpunham -se s jurisdies reclam adas do papado e do Sacro Im prio Rom ano. Um reino sx iim itav o rla nordeste dessa faixa.' N um a esfera de in fluncia um pouco separada ao norte, um im prio dinam arqus se estendia at as Ilhas Britnicas.

    E sses ag lo m erad o s de e s tad o s p a rcia lm en te sep arad o s logo iriam o b ter v ncu los m tuos m ais fo rtes , bem com o ap rese n ta r um a d ife re n c ia o m ais acentuada em re lao aos estados da sia e da frica . Passaram a v incu iar-se atravs da expanso do com rcio para o norte a partir do M editerrneo, do contnuo movim ento de tropas nm ades vindas da estepe, da luta por territrio en tre cristos e m uulm anos e da d issem inao das incurses p o r m ar de guerreiros v in d o s do norte. Os descendentes norm andos dos vikings, que haviam pilhado o norte e o oeste da Europa durante vrios sculos, p o r exem plo, iriam no s consolidar seu prprio imprio no m eio da regio que hoje denom inam os Frana, m as tam bm conquistar a Inglaterra e a Siclia.

    A histria da Siclia ilustra de que m odo grandes conquistas uniram a Europa. A ilha, desde a queda do Im prio Rom ano, cara sob o dom nio de um a aps outra potncia no-italiana: prim eiram ente Bizncio, depois (com eando em 827 d.C .) um a srie de estados m uulm anos. Aps dois sculos de dom nio m uulm ano, os aven tureiros no rm andos se apossaram da ilha no final do scu lo XI. Os seus sucessores tornaram -se reis da Siclia e casaram -se nas fam lias reais transalp inas. N o dia de N atal de 1194, o sacro im perador rom ano H enrique VI (fortalecido pelos direitos com binados de herana e conquista) apossou-se da coroa. D epois disso , m em bros das casas reais alem , francesa ou espanhola governaram a S iclia at o

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    a d v e n to de N a p o le o . D u ran te um m il n io , a S ic lia fo i a e n c ru z ilh a d a de m ovim entos de conquista que se estenderam ao M editerrneo.

    As ligaes internacionais tam bm perpassaram as cidades-estado do norte da Itlia. Alm disso, m uitas vezes se articularam com polticas dom sticas. No scu lo XIII, por exem plo, Florena estava violentam ente dividida entre a lealdade ao p a p a ou ao im p erad o r. A lu ta p e rs is tiu a t que o v ito rio so P a rtid o P re to (antiim perial) conseguiu exilar os Brancos, entre os quais D anteA lighieri. E m 1311, os P retos tiraram das ruas de Florena as m uitas representaes da guia im perial (Schevill 1963: 187). Todavia, isso no ps fim aos envolvim entos internacionais de Florena. N os sculos XIII e XIV, Florena dedicou um a parte im portante de sua v ida pblica a receber os prncipes e em baixadores de toda a Europa (T rexler 1980: 279-330). N esse m eio tem po, Veneza e G nova faziam conquistas aqui e ali no M e d ite r r n e o . B em an te s de 1500, em sum a, os e s tad o s ita lian o s e s ta v a m envolvidos ativam ente na poltica europia. N a Itlia, particularm ente, possvel perceber os elem entos de um sistem a europeu de estado, m ais ou menos separado in tenc iona lm en te das po tncias m uulm anas do sul e do leste, que se estavam form ando nos sculos X III e XIV.

    A vancem os at 1490. Q uinhentos anos atrs, os europeus estiveram ocupados em criar alguns arranjos que na poca eram nicos: em prim eiro lugar, um sistem a de estados interligados unidos por tratados, em baixadas e casam entos e ex tensa com unicao; em segundo lugar, guerras declaradas travadas por foras m ilitares am plas e d iscip linadas e que term inavam em acordos form ais de paz. E stavam ingressando num perodo em que os principais realinham entos de fronteiras e de soberanos por todo o continente ocorriam ao final das guerras, sob os term os de acordos assinados por m ltiplos estados. Estilos mais antigos de guerra sobreviviam na pirataria e no banditism o, nas ltim as fases da interveno mongol, nas batalhas ir reg u la re s de m u u lm an o s e c ris t o s a trav s dos B lcs e nas v iag e n s dos aventureiros europeus frica, sia, s Am ricas e ao resto do m undo. M as na E u ro p a to m av a fo rm a a lg o q u e se a s se m e lh a v a ao s is te m a de e s ta d o q u e conhecem os hoje. A lm disso, os participantes no eram cidades-estado, ligas ou im p r io s , m as e s ta d o s n a c io n a is : o rg a n iz a e s re la tiv a m e n te a u t n o m a s , centralizadas e diferenciadas que exercem estreito controle sobre a populao dentro de vrias regies contguas fortem ente dem arcadas.

    Os pontos de partida histricos so sem pre ilusrios, porque num processo h ist rico contnuo algum elem ento do princpio sem pre se liga a algum p retenso com eo. No obstante, podem os racionalm ente datar da prtica, no sculo XV, dos estados italianos o estabelecim ento de m isses diplom ticas regulares den tro da E uropa. A invaso francesa e a espanhola da Itlia generalizaram a prtica:

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    Mais ou menos no comeo da dcada de 1490, M ilo tinha representantes residentes na Espanha, na Inglaterra, na Frana e na corte imperial. Fernando de Arago havia aberto o caminho com um residente em Roma por volta de 1480, mais tarde um em Veneza e na Inglaterra mais ou menos em 1495. A sua representao junto aos Hapsburgos fsc] correspondia, por volta de 1495, a um embaixador na corte imperial e outro nos Pases-Baixos. A rede de representaes do imperador Maximiliano, construda antes do final de 1496, entrou em colapso por falta de dinheiro, como ocorreu de novo em 1504. O papado acabou por sucumbir a essa tendncia. Ao trmino do pontificado de Alexandre VI, os nncios residentes, que num certo sentido eram os descendentes diretos dos cobradores de impostos, foram enviados Espanha, Frana, Inglaterra, a Veneza e ao Imperador (1503).

    (Russell 1986: 68.)

    Com a instituio das embaixadas vieram a ampla coleta de inform aes, a am pliao das alianas, as negociaes m ultilaterais em torno dos casam entos reais, um m aior investim ento de cada estado individual no reconhecim ento de outros estados e uma generalizao da guerra.

    Podem os d izer com razo que um abrangente sistem a europeu de estado data das invases da Itlia pelos franceses e espanhis, que expandiram enorm em ente a escala da guerra europia e deram incio era dos exrcitos m ercenrios em massa. A Paz de C ateau-C am brsis (1559) ps fim s guerras entre os H absburgos e os Valois. R atificou a virtual excluso francesa da Itlia, a prim azia da E spanha na m esm a regio e a expulso dos ingleses de Calais. A lm da cessao das hostilidades, os em baixadores negociaram, nessa conferncia, um a gama notvel de questes europias, entre elas os destinos de estados como Sabia e Esccia e o casam ento do rei F ilipe d a E spanha com a p rincesa Isabel da Frana. E stava nascendo a estadstica, apoiada pela guerra.

    N em todos os estados europeus participaram com clareza desse sistem a em ergente. N o scu lo XVI, os pases nrdicos a in d a constitu am um a reg io sep arad a , e m b o ra o co m rc io a ce le ra d o e n tre o s P a ses-B a ix o s e o B ltico com easse a estabelecer ligaes da D inam arca e da Sucia com a Europa Oriental. A Polnia-Litunia era distante, e a Rssia, do ponto de v ista dos europeus orientais, era meio mtica: a Kosm ographie de Sebastian M nster, de 1550, loca lizava os m oscovitas n o B ltico (Platzhoff 1928: 30-31). N o entanto, no decorrer do sculo XV os H absburgos haviam estabelecido relaes diplom ticas com o gro-duque de M oscou e, atravs das repercusses sobre as potncias mais a oeste, a contnua expanso russa ligou os moscovitas com a Europa.

    As ligaes diplom ticas e dinsticas da Sucia no reinado de Joo UI (1568-92) demonstram que m esmo os estados perifricos fizeram parte do sistema. Q uando o imprio livoniano dos Cavaleiros Teutnicos se desintegrou, a Sucia, a Polnia,

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    a D inam arca e a Rssia, todas tentaram reclam ar as suas pores dos destroos. Em suas cam panhas, Joo apoderou-se de Reval, na Estnia, e de outras terras ao longo do que veio a se r um a ex tensa fron te ira russo -sueca ; apesar da g rande rivalidade entre elas, tam bm tentou unir a Polnia e a D inam arca a fim de con ter a Rssia. Ao mesmo tem po em que guerreava, Joo tam bm alcanava xitos d ip lom ticos. A esposa de Joo, Katarina Jagellonica, era um a princesa polonesa e filha de.um Sforza de M ilo. A conexo polonesa tornou possvel a eleio de seu filho Sigism undo para o trono da Polnia. Quando Joo m orreu, Sigism undo tornou-se igualm ente rei da Sucia - pelo menos at que seu tio C arlos o depusesse. O utro filho de Joo, Gustavo Adolfo, mais tarde transform ou a Sucia perifrica num a das grandes potncias da Europa. No com eo do sculo XVII, o sistema europeu de estado se estendia da Sucia ao Imprio Otom ano, de Portugal Rssia.

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  • O SISTEMA EUROPEU D E ESTADO

    O S M E M B R O S D O SISTE M A

    Q uem eram as grandes potncias? Podem os com parar do is esforos recentes para identific-las. George M odelski e W illiam Thom pson usaram o poder naval para estabelecer um rol de potncias globais de 1494 at o m om ento. Segundo a sua definio, um a potncia global tinha pelo m enos 5% do total dos gastos navais ou 10% do total de barcos de guerra das potncias globais e realizou sua atividade naval nos oceanos fora de sua prpria regio. De m aneira sem elhante, Jack Levy reuniu um catlogo das grandes potncias do m undo e das principais guerras que as envolveram de 1495 a 1975. Para ele as grandes potncias eram aqueles estados de toda a parte da terra que, em sua avaliao, tinham elevada capacidade m ilitar perante os outros, perseguiam interesses continentais ou globais, defendiam aqueles in te resses por m eio de u m a am pla gam a de instrum entos, en tre e les a fo ra e am eaas de fora, eram reconhecidos pelos estados mais poderosos com o atores principais, e exerciam d ireitos form ais excepcionais nas relaes internacionais (Levy 1983: 16-18). Entre os provveis candidatos europeus, Levy, segundo os seus

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    critrios, excluiu o Sacro Im prio R om ano, Veneza, a Confederao Sua, Portugal, Po ln ia e D inam arca durante todo o perodo de 1495 a 1975.

    A s duas relaes compreendem :

    Estado Levy Modelski-ThompsonPortugal - 1494-1580Frana 1495- 1494-1945fngiaerra/Gr-Bretanha 1495- 1494-1^45ustria * 1495-1519,1556-1918Espanha 1495-1519 1494-1808Imprio Otomano 1495-1699 -Habsburgos Unidos 1519-56 -Pases-Baixos 1609-1713 1579-1810Sucia 1617-1721 Rssia/Unio Sovitica 1721- 1714-Prssia/Alemanha/AIemanha Ocidental 1740- 1871-1945Itlia 1861-1943Estados Unidos 1898- 1816-Japo 1905-45 1875-1945China 1949-

    * C om preende os Habsburgos da ustria, a ustria e a ustria-Hungria.

    O exigen te c rit rio de M odelsk i-T hom pson exclu i um a srie de g ran d es potncias que basicam ente dependeram mais dos exrcitos do que das m arinhas. A lm disso, algum as dessas incluses na lista so contestveis. No resta dvida de que um estado nacional denom inado Frana existiu m ais ou menos in term itentem ente desde 1495. T am pouco absurdo ver algum a continuidade na en tidade m utvel cham ada sucessivam ente Inglaterra, G r-B retanha e Reino U nido. M as con tinua aberta a questo de saber em que sentido a Prssia, a C onfederao G erm nica, o Im prio A lem o, a R epblica de Weimar, o Terceiro Reich e a R epblica Federal da A lem anha so m anifestaes sucessivas de um a nica entidade cham ada A lem anha.

    O utrossim , vrias aglom eraes de terras dos Habsburgos aparecem em quatro locais d iferentes do catlogo: Habsburgos da ustria, Espanha, os H absburgos U n idos e os Pases-Baixos. A lm disso, a E spanha e os H absburgos certam ente no desapareceram da cena europia com a abdicao de C arlos V em 1556, com o indica a cronologia de L evy; a A rm ada Espanhola ainda era um a fora tem vel em 1588. N o entanto, a en tidade Espanha problem tica, considerando que, duran te os anos devastados pelas guerras da dcada de 1630, F ilipe IV, nom inalm ente no com ando de todos os vrios reinos ibricos, foi incapaz de persuadir a C atalunha,

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  • O SISTEMA EUROPEU DE ESTADO

    Valncia e diversos de seus outros domnios a juntar-se ao esforo de guerra que Castela ento estava envidando. E quanto a Portugal? Levy no m enciona Portugal. M odelski e Thom pson identificam Portugal com o um a potncia global (a e lite das grandes potncias) entre 1494 e 1580, quando Portugal era independente da coroa espanhola. M esm o durante os sessenta anos seguintes, em que esteve sob a hegem onia da Espanha, Portugal operou com o potncia distinta. Em resum o, em term os d e relaes internacionais, difcil falar antes do sculo XVIII da E spanha no singular. As listas, portanto, se sim plificam radicalm ente. A inda assim, fornecem uma prim eira aproxim ao defensvel de um a importante seqncia de prioridades entre as potncias europias.

    A s duas listas revelam um a tendncia m uito fozte. para a Europa. A t a chegada dos Estados U nidos (1816 para M odelski-Thom pson, 1898 para Levy), o conjun to consiste exclusivam ente de potncias que dispem de um a base im portante na Europa. A partir dessa inform ao um feito r acharia difcil im aginar, por-exem plo, que em 1495 a China tinha cerca de um m ilho de homens em arm as, ou que o Im prio M ali, o Songhai, o Persa, o M ughal, o A steca e o Inca estavam prosperando fora da Europa. Tam pouco podem os adm itir que a rede europia era incom paravelm ente mais rica e, portanto, mais digna de ateno do que as outras. D urante o sculo XVII, possvel que cerca da metade da prata das Amricas foi parar na C hina, trocada por seda, porcelana e outros produtos preciosos (W akeman 1985: 2-3). N esse m om ento, evidentem ente a renda per cupito da-Europa no e ra superior da China. Antes do final do sculo XVIII, em suma, no era patente que as potncias europias lideravam o m undo economicamente.

    Uma lista eurocntrica, no obstante, tem um a justificativa militar; no m uito depois de 1495, os europeus (inclusive os agora sem i-europeus otom anos) tinham estendido de tal m odo o seu dom nio militar que o seu sistema se hav ia tornado o grande sistem a de po d er do m undo inteiro. Por vo lta da dcada d e 1540, por ex em p lo , o Im p r io O to m an o e s tab e le c ia a lia n a s reg u la res c o m p o tn c ias europias, com o a Frana. Graas am eaa que representavam para a Itlia e as terras dos H absburgos, exerciam um a influncia considervel sobre os alinham entos e estratgias dos outros parceiros principais.

    Mais ou m enos no final do sculo XV, ento, o sistem a europeu de estado havia adquirido um a estru tura clara e grande nmero de m em bros. Alm disso, estava a cam inho de dom inar o mundo. As compilaes de Levy e de M odelski-Thom pson identificam as grandes potncias, mas no os m em bros menores do sistem a. Um a prim eira aproxim ao dos lim ites de todo o sistem a em torno de 1500 pode ser buscada na diviso de Eduard Fueter, que aparece no prim eiro volume de Politische Geschichte, da autoria de von B elow e M einicke (Fueter 1919). C om preensivel-

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    mente, Fueter centra a sua classificao dos estados na participao das guerras provocadas pelas invases francesas e espanholas da Itlia.

    estados maiores que participaram diretamente das lutas italianas

    Frana Espanha os Habsburgos

    B orgonha ustria A lem anha

    Veneza

    estados m enores que tiveram participao direta

    M ilo Florena Estados papais N poles e Siclia G nova Sabiaoutros pequenos estados italianos: Ancona, Ferrara, Urbino, M ntua, M naco etc. Sua

    estados maiores que no participaram diretamente

    Im prio Otom ano Inglaterra

    estados menores que no participaram diretamente

    H ungriaEstados corsrios da frica do NortePolniaEscciaD inam arca, depois D inamarca e SuciaPortugalPrsiaN avarra

    A lista do sistema de estados, feita por Fueter, difere da sua principal alternativa, um catlogo de estados e governantes e laborado por Spuler (Spuler 1977,

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    vol. 2), pois conso lida num nico e stad o todos os m em bros do Sacro Im prio R om ano (Baden, B randenburgo, Colnia, Hanover, H esse-C assel, M ainz e dezenas de outros), rene os extensos dom nios Habsburgos, negligencia os estados europeus tributrios do Im prio O tom ano (e.g ., Bsnia, M oldvia e Valquia), desdenha os estados sem i-independentes da E uropa Oriental (e.g., L itunia) e coloca a Prsia na lista dos participantes.

    Fueter propugnou que os m ltiplos estados do Sacro Im prio R om ano fossem tratados com o um a A lem anha isolada, com base no fato de que os m em bros do Im prio s poderiam estabelecer relaes diplom ticas com as potncias externas atravs de seu im perador eleito. M as concordou em que a R eform a, quando m uitos senhores territoriais alem es acharam no protestantism o um a alternativa atraente ao catolicism o do imperador, acentuou o fracionam ento do Im prio (Fueter 1919: 123-36). D a m esm a form a, ele reuniu C astela, A rago e os territrios que con tro lavam , com base no fato de que o seu m onarca com um falava por todos eles (Fueter 1919: 79-103). Incluiu a Prsia no sistem a porque os estados europeus s vezes se aliavam com os persas contra os o tom anos, e relacionou os piratas da frica do N o rte p o rque trav aram um a g u e rra p e rm an en te com os m arin h eiro s do M editerrneo.

    Se a relao nom inal de Fueter do sistem a europeu de estado de 1492 a 1559 for com parada com os dois volumes posteriores da m esma srie, de autoria de W alter P la tzh o ff (1559-1660) e M ax Im m ich (1660-1789), o nm ero de m em bros do sistem a m ostra as seguintes m udanas (P latzhoff 1928, Im m ich 1905):

    Estaclo 1492-1559 1559-1660 1660-17S9

    Alemanha/S. .Romano A + +ustria + + +Borgonha + - -Brandenburgo-Prssia - 7 +Dinamarca + + +Esccia + + -Espanha + + +Federao Sua f + +Florena + 7 -Frana + + +Gcnova + + 7

    Holanda - + +Hungria + 7 ?

    Imprio Otomano + + +Inglaterra + + +Livnia - + -

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    Estado 1492-1559 I559-660 1660-1789

    Milo + - -Npoles-Siclia + - -Navarra + - -Papado + + +pequenos estados italianos + + +Prsia + - -piratas da frica do Norte + - -Polnia + + +Portugal + + +Rssia - + +Sabia + + +Sucia + + +Veneza + +

    ? = no relacionado, mas mencionado no texto com o estado separado.

    U m a vez que, em 1500, a Rssia e Li vnia estavam realm ente presentes, em bora com vnculos fracos com o resto da Europa, os nicos recm -chegados verdadeiros so a H olanda, form ada na revolta contra os Habsburgos, e Brandenburgo- P rssia, forjado em sculos de guerra. A insistncia desses autores alem es em m anter jun ta a A lem anha , m esmo depois da desintegrao do Sacro Im prio R om ano, esconde a im portncia independente de estados com o a B avria e a Saxnia. A pesar da listagem separada de Fueter, o ducado da B orgonha cara sob o dom nio da Frana em 1477, e a dinastia borguinh da Holanda abrira cam inho para os H absburgos em 1482. Com as restries de que o Sacro Im prio e o Im prio dos H absburgos se despedaaram e que a H olanda independentes se tornaram um a potncia im portante, ento, o principal m ovim ento de 1495 a 1789 foi no sentido da aglom erao: quando M ilo, Npoles, N avarra e a Siclia desaparecem integrados Frana ou Espanha, quando a Hungria se dissolve no Im prio O tom ano e a E sccia se m istura com a Gr-Bretanha, vemos em ao a consolidao dos estados europeus.

    De que form a esses estados se vinculam entre si? O s historiadores e os c ientistas polticos m uitas vezes trataram o sistem a europeu de estado com o se fosse um a hierarquia sim ples, onde um poder hegem nico ou dois poderes com petem en tre si no topo (G ilpin 1988, M odelski & Thompson 1988, Levy 1988, Thom pson 1988). Teorias inteiras de guerra hegem nica foram construdas sob a hiptese de que os estados lutavam pela posio de liderana. D e fato, nenhum estado isolado dom inou algum dia o sistem a na form a que tal modelo requer; quando a Frana estava em seu apogeu, em 1812, a G r-B retanha e a Rssia continuavam com o que subordinadas. Quando a G r-B retanha floresceu no sculo XIX, a Frana, a A lem anha, a R ssia e os Estados Unidos contestaram o poder britnico cada um por seu turno.

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  • O SISTEMA EUROPEU DE ESTADO

    A falha do modelo da hierarquia nica bvia e critica: o exerccio do poder sem pre depende da lo ca lizao ; aquele que d em o n stra im enso po d er em sua vizinhana im ediata v seu poder dim inuir m edida que se desloca para longe de sua base. Veneza, com o vimos, exerceu algum d ia enorm e influncia no Adritico - na verdade, representou por algum tempo o m aior poder isolado da Europa - , no entanto no fez quase nenhum a diferena no B ltico. Um a concepo muito m elhor do sistem a europeu de estado trata-a como um a rede geograficam ente dispersa na qual alguns estados so mais centrais e influentes do que outros, m as as hierarquias diferem de acordo com a localizao no sistema.

    N ovam ente a com pilao de Jack Levy nos ajuda bastante. Levy define uma grande guerra com o aquela q u e envolve um a m d ia de m il ou m ais m ortos em com bate por ano. Exclui as guerras civis, coloniais e imperiais. Segundo os seus critrios, o m undo experim entou 119 grandes guerras que envolveram no mnimo um a grande potncia entre 1495 e 1975. Os participantes dessas guerras (inclusive aqueles que no so qualificados como grandes potncias) estabeleceram um limite g rosseiro filiao ao sistem a de estado da ltim a m etade do m ilnio . Quem , portanto, eram os m em bros? Levy no diz, mas um a olhadela no conjunto total de participantes das guerras durante os primeiros vinte anos de sua relao (1495-1514) d um a id ia interessante (Levy no enum era todos os bligerantes, mas relatos histricos padronizados fornecem facilmente as suas identidades):

    G uerra da L iga de Veneza (1495-97): Frana, Veneza, Sacro Im prio Rom ano, Papado, M ilo, Espanha, Npoles.

    G uerra Turco-Polonesa (1497-98): Im prio O tom ano, Polnia, T rtaros Krim, Rssia, M oldvia.

    Guerra Turco-Veneziana f/499-750.?): Im prio O tom an, Veneza, Hungria. Primeira Guerra M ilanesa (1499-1500): Frana, M ilo.G uerra N apolitana (1501-4): Frana, E spanha, Papado, N poles.Guerra da L iga de Cambrai (7508-9): Frana, Espanha, H absburgos da ustria,

    Papado, M ilo, Veneza.G uerra da L iga Sagrada (1511-14): Frana, Inglaterra, Espanha, H absburgos da

    ustria, Papado, Veneza, M ilo, Cantes suos.G uerra Austro-Turca (1512-19): Habsburgos da ustria, Hungria, Im prio Otomano. G uerra Escocesa (1513-15): Inglaterra, Esccia.

    A lista im plcita de m em bros se assem elha enum erao de Fueter para 1492- 1559, porm mais lim itada. D os participantes no sistem a de estado da lista de Fueter, a relao das guerras de Levy omite a D inam arca, Florena, G nova, Sabia,

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  • CHARLES TILLY

    os piratas da frica do Norte, a Prsia e as cidades-estado italianas m enores, porque durante essas duas dcadas s se envolveram m arginalm ente nas guerras de grandes potncias. Florena, por exem plo, declarou-se realm ente pr-Frana na G uerra da Liga S a g r a d a - e sofreu por causa disso no acordo de paz; mas, entre 1495 e 1514, os flo ren tin o s estavam to preocupados com suas d iv ises in te rn as e com as rebelies de possesses com o P isa que ficaram fora dos combates de grande escala que se abateram sobre eles. D o lado leste, por outro lado, as guerras identificam a Rssia, a M oldvia e os Trtaros Krim com o parte do sistem a europeu de estado, atravs de suas batalhas com os otomanos.

    A F igura 6.1 delineia a participao conjunta dos diversos estados nessas guerras. S im plifica um conjunto complexo de relaes quando no considera quem luta com quem , junta os H absburgos da ustria e o Sacro Imprio R om ano que eles dom inavam e faz distino apenas entre (1) nenhum a participao conjunta, (2) participao conjunta numa nica guerra e (3) participao conjunta em duas ou mais guerras. Com o a participao de no m nimo um a grande potncia qualificava uma guerra para a lista de Levy, o grfico necessariam ente exagera a posio central dessas po tnc ias nas guerras de 1495 a 1515. N o entanto , em erge um quadro plausvel do sistema europeu de estado: a Rssia, a Polnia, os T rtaros Krim (da C rim ia), a M oldvia e o Im prio O tom ano form am um co n ju n to d istin to (a restrio do catlogo s guerras que envolvem grandes potncias e lim ina repetidas lutas entre a Polnia e a R ssia e a Polnia e a L ivnia durante as duas dcadas, mas a sua incluso sim plesm ente acentuaria a d iferena em relao ao conjunto leste-sudeste). Os otomanos guerreiam com as potncias europias m ais prximas, a H ungria oscila entre Veneza e o Im prio Otom ano, a Inglaterra e (especialm ente) a E sccia aparecem na periferia das relaes in ternacionais, enq u an to A rago, Frana, os Habsburgos da ustria, Veneza, o Papado, M ilo e N poles interagem constantem ente. Observem a posio central que ocuparam M ilo , V eneza e o Papado (que no eram grandes potncias, pelos padres de Levy) nos negcios europeus, a posio de Veneza de (na frase de W illiam M cN eill) charneira da Europa, a presena agigantada do Imprio O tom ano e o pequeno envolvim ento da Europa do N orte como um todo.

    Se avanarm os um sculo e meio, descobrirem os um sistem a de estado muito diferente. O catlogo de Levy das guerras que envolvem grandes potncias e que grassavam em algum ano de 1655 a 1674 com preende as seguintes:

    H ispano-Portuguesa (1642-68): Espanha, Portugal.Turco-Veneziana (1645-69): Im prio Otomano, Veneza, Frana.Franco-Espanhola (1648-59): Frana, Espanha, Inglaterra.

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  • O SISTEMA EUROPEU DE ESTADO

    Figura 6.1 Participao conjunta dos estados europeus nas guerras eutre g randes potncins,d 496-'514.

    E scocesa (1650-51): E sccia, Inglaterra.A nglo-H olandesa (1652-55): Inglaterra, H olanda.S e te n tr io n a l (1 6 5 4 -6 0 ): H ab sb u rg o s d a u s tria , H o la n d a , S u c ia , P o l n ia ,

    B randenburgo, R ssia, D inamarca.A nglo-E spanhola (1656-59): Inglaterra, Espanha.H olando-Portuguesa (1657-61): Holanda, Portugal.O tom ana (1657-64): O tom anos, Frana, H absburgos da ustria.Sucia-Brm en (1665-66): Sucia, Brmen.Anglo-H olandesa (1665-67): Inglaterra, H olanda, Frana e D inam arca. da Restaurao (1667-68): Frana, E spanha,'H absburgos d a ustria.H o la n d esa (1672-78): F ran a , H o landa, In g la te rra ,. E sp an h a , H absburgos d a

    ustria, Sucia, B randenburgo.Turco-Polonesa (1672-76): Im prio O tom ano, Polnia.

    A Figura 6.2 resum e as participaes conjuntas. Q u ando com parada com o d iagram a anterior, revela um sistem a europeu de estado que se havia tornado m ais am arrado, deslocara-se decisivam ente para o norte e, com isso, perdera o seu foco italiano. Por volta de 1655-75, a Frana e a E spanha m antinham a sua im portncia, a Inglaterra e os H absburgos da ustria haviam -se tornado m ais centrais, e a Sucia, a H olanda e o B randenburgo haviam aparecido com o atores im portantes. E m bora o poder relativo e a posio central dos participantes tivessem m udado considera

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  • CHARLES TILLY

    velm en te nos do is scu los seguintes, o m apa do sculo XVII m ostra-nos um a estru tura que se assem elha de nosso tem po. A coisa principal que ele no m ostra a expanso do envolv im ento da m aioria desses estados no m undo distante da Europa.

    Figura 6.2 Participao conjunta dos estados europeus nas guerras entre grandes potncias, 1656-1674.

    Seria im possvel ler os diagram as que representavam os perodos tard ios; p rim eiram ente, eles ligam cada estado europeu a quase todos os outros estados europeus, depois estendem um vnculo aps outro ao m undo fora da Europa. P ara os vinte anos que m edeiam 1790 e 1809, a lista de Levy das guerras entre grandes p o tn c ia s inc lu i a R u sso -S u e ca (1 7 8 8 -9 0 ): R ss ia , S u c ia , D in am arca ; d a R evo lu o F rancesa (1792-1802): F ran a , G r -B re tan h a , E sp an h a , u s tria , H olanda, Rssia, Prssia, Sardenha, Saxnia, Hanver, O ldenburg, H esse-C assel, B aden, W rttem berg , B avria , P iem onte, Parm a, M dena, M ntua, o P a p ad o , M alta, Veneza, Gnova, Sua, Egito, Im prio Otom ano, Portugal, N poles, Tos- cnia; N apolenicas (1803-15): Frana, R eino U nido, Espanha, ustria, R ssia , Prssia, Sucia, Bavria, W rttem berg, H esse, Nassau, N poles, Baden, Darm stadt, Berg, B runsw ick, Nrnberg, Imprio O tom ano, M oldvia, Valquia; Russo-Turca (1806-12): R eino U nido, Rssia, Im prio O tom ano; Russo-Sueca (1808-9): R ssia, Sucia, D inam arca.

    Com exceo do tringulo um tanto separado que liga a Rssia, a Sucia e a D inam arca, podem os m uito bem dizer que esse perodo represen ta um a g uerra

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  • O SISTEMA EUROPEU DE ESTADO

    perm anente de que participam todos os estados europeus; a rede correspondente m ostra que quase todo estado europeu, inclusive o Im prio O tom ano, e s t co- envolvido com cada um dos outros, e o Egito arrastado para o sistem a pela invaso napolenica. Se estendssem os o perodo at 1812, iram os encontrar o recm - form ado E stados U nidos ingressando tam bm no sistem a. A pesar dessas partes separadas e apesar de terem essas g uerras sido travadas em m uitos territ rio s coloniais, as guerras do perodo foram essencialm ente europias.

    A lim itao das guerras entre grandes potncias aos estados europeus cessou logo. As m udanas n o sistem a a p artir d e 1815 so ntidas e violentas. N o perodo que m edeia a G uerra Franco-Prussiana de 1870-1871 e a Prim eira Guerra M undial, su rg ira m tr s a lte ra e s c rtica s no s is te m a eu ro p eu de estad o : os e s ta d o s fragm entados da A lem anha e da It lia se conso lidaram em estados nac io n a is ex tensos e re la tivam ente unitrios; o Im prio O tom ano e o dos H absburgos se quebraram num nm ero limitado de estados nacionais distintos; e m ltiplos estados europeus lutaram entre si e com povos nativos por im prios coloniais na frica, na sia e no Pacfico . N esse perodo, a lguns tratados celeb rados en tre po tnc ias eu ro p ias - po r exem plo , a T rp lice A liana da A lem anha, ustria e I t lia - c a ra c te ris tic a m en te in c lu ram p ro v im en to s re la tiv o s d e fesa dos in te resse s ultram arinos contra outros estados europeus. Esses interesses conflitantes m uitas vezes desem bocaram na guerra, aberta ou secreta.

    D urante as duas dcadas que se estendem de 1880 a 1899, entre as guerras p rincipais (aquelas que causaram pelo m enos mil m ortos em com bate por ano) incluem -se a B ritnico-A feg (1878-1880: Reino U nido e afegos), do P acfico (1879-83: Chile, B olvia e Peru), Franco-Indochinesa (1882-84: Frana e indochi- neses), M ahdista (1882-85: Reino Unido, Egito e sudaneses), Sino-Francesa (1884- 85: Frana e China), Centro-Americana (1885: EI Salvador, Guatemala), S rv io - B lgara (1885: Srvia e Bulgria), Franco-M algaxe (1894-95: Frana e m algaxes), C ubana (1894-98: Espanha e cubanos), Sino-Japonesa (1894-95: C hina e Japo), talo-E tope (1895-96: ItlTa, etopes), Prim eira das Filipinas (1896-98: E spanha e F ilip inas), G reco-Turca (1897: Im prio O tom ano, G rcia), H ispano-A m ericana (1898: Espanha e EUA), Segunda das F ilipinas (1899-1902: EUA e Filipinas), e dos Beres (1899-1902: R eino Unido e beres; [Small & Singer 1982: 85-99]). L evy no classifica nenhum desses conflitos en tre as guerras de grandes po tncias, e som ente a S ino-Francesa para ele um a guerra que envolve o sistema de grandes po tncias. Todas a s outras colocaram fren te a frente potncias m enores ou um a potncia m aior e um povo colonizado. Todas elas, com exceo de duas (a Srvio- B lgara e a Greco-Turca, que foram travadas nas margens de um Im prio O tom ano em desintegrao), tiveram incio em cam pos de batalha distantes da Europa.

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    Os acordos de paz que puseram fim Prim eira Guerra M undial (m ais ou menos conclusivos) e a Segunda G uerra M undial (ainda no solucionada) produziram outras m udanas crticas no sistem a europeu de estado, entre elas a onda de desco- ionizaes a partir de 1945. N a verdade, desde a Prim eira Guerra M undial, torna- se cada vez mais difcil separar o sistem a europeu do sistem a m undial de estados que se estava form ando com m uita rapidez. Os beligerantes da P rim eira G uerra M undial com preendiam no s quase todos os estados europeus, com o tam bm Turquia, Japo, Panam, Cuba, Bolvia, Sio, L ibria, China, Peru, U ruguai, Brasil, Equador, Guatem ala, N icargua, Costa Rica, Haiti e Honduras. As colnias europias da frica, da sia e do Pacfico tam bm contriburam com soldados.

    Em dcadas recentes, a guerra tornou-se cada vez mais internacional. N os ltim os v in te anos da lista de L evy (1956-75), Sm all & Singer enum eram doze guerras entre estados que causaram pelo menos mil mortos em com bate por ano:

    Russo-H ngara (1956): URSS, Hungria.do Sinai (1956): Frana, R eino Unido, Israel, Egito.Sino-lndiana (1962): China, ndia.do Vietn(1965-75): Vietn do Norte, Vietn do Sul, Tailndia, EUA, Cam puchea,

    Coria, Austrlia, Filipinas.Segunda de K ashm ir (1965): Paquisto, ndia.dos Seis D ias (1967): Israel, Egito/RAU, Jordnia, Sria.Israeli-Egpcia (1969-70): Israel, Egito/RAU. do Futebol (1969): El Salvador, Honduras. de Bangladesh (1971): ndia, Paquisto.do lom K ipur (1973): Israel, Egito/RAU, Iraque, Sria, Jordnia, A rbia Saudita. Turco-Cipriota (1974): Turquia, Chipre.Vietnamita-Cam bojana (1975-): Vietn, Cam puchea.

    D esse conjunto, as nicas guerras que envolveram diretam ente as grandes potncias, segundo os critrios de Levy, foram a invaso russa da H ungria (1956), a guerra do Sinai (1956), a guerra sino-indiana (1962) e a guerra do V ietn (1965- 73). Das quatro apenas um a foi travada na Europa. N a Hungria, um a das potncias dom inantes do m undo esm agou um a rebelio num estado satlite . N o Sinai, a Frana e a G r-Bretanha intervieram rapidam ente quando Israel invadiu o territrio egpcio e o Egito, em retaliao, entrou na zona do Canal de Suez e afundou navios para bloquear o canal. Um a fora de paz das N aes U nidas estabilizou o territrio e, depois de dois meses, Israel retirou as suas foras da pennsula do Sinai, exceto da Faixa d e G aza e Charm ei Sheikh. Na fronteira entre a C hina e a ndia, tropas chinesas invadiram as zonas m ontanhesas depois que a ndia tentou ocupar um a

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  • O SISTEMA EUROPEU DE ESTADO

    alta serrania numa zona disputada. Os chineses detiveram o seu cam inho e depois com earam a retirar-se.

    O conflito vietnam ita ultrapassou de longe todos os ou tros em durao e perdas; durante os seus brutais dez anos de durao, produziu cerca de 1,2 m ilhes de m ortos em com bate, alm de perdas civis incontveis (Sm all & Singer 1982:93). Aconteceu que o prim eiro dom inador, a Frana, se retirou, deixando atrs de si um a guerra entre as duas m etades de um estado dividido. D epois de dois anos de participao c landestina , a m aior po tncia do m undo, os E stados U nidos, in terveio ento abertam ente com um a fora devastadora - m as no final ineficiente. Os soldados dos EUA invadiram em seguida o estado vizinho do C am boja e bom bardearam as suas c idades. U m a grande po tncia em ascenso , a China, o b se rvava-os atentam ente apenas do outro lado da fronteira, en q u an to a U nio S o vitica enviava suprim entos ao norte, e a Austrlia, a N ova Zelndia, a C oria do Sul, as Filipinas e a Tailndia ajudavam o esforo am ericano no sul e todo o c o n flito ferv ia num a g u erra c ivil no Laos. A guerra cam bojano-v ie tnam ita d e se n vo lveu-se igualm ente a partir das 'lu tas que se in iciaram d u ran te a in terveno am ericana no Vietn.

    A Guerra do V ietn dram atiza o que havia acontecido, ao sistem a d e estado. A s gu erras en tre g ra n d es p o tn c ias ou trav ad as por e la s h av iam -se to rn ad o relativam ente raras m as im ensam ente destrutivas. U m a parcela crescente de todas as guerras principais ocorreu dentro de estados constitudos, quando um a ou m ais grandes potncias intervinham direta ou indiretam ente num a guerra civil em nom e de parceiros locais. Com a im portante exceo das reivindicaes separatistas, o conflito raramente d izia respeito ao territrio a ser ocupado po r um dado estado; ao contrrio , o que os com batentes disputavam e ra quais, g rupoa deviam .controlar o estado existente dentro de suas fronteiras estabelecidas. A perseguio, a elim inao ou expulso de m inorias tnicas pelo estado passaram a p roduzir refugiados num a escala sem precedentes na histria do mundo. No entanto, a substituio do concerto das potncias europias pela hegem onia bipolar URSS-EUA frustrou a prtica dos acordos gerais de paz.

    Esse conjunto de m udanas, se persistir, significa um notvel rom pim ento com o passado. A ltera os riscos da guerra: os governantes de um estado j no po dem esperar ganharfou tem em perder) territrio substancial m ediante beligerncia. A s guerras territoriais de Israel com seus vizinhos no teriam surpreendido um europeu do sculo XVIII, m as no perodo a partir de 1945 se transform aram em anom alias. As guerras dizem respeito cada vez mais aquem deve governarem cada e stad o , quais estados d evero con tro lar as polticas de ou tro s estados e q u a is transferncias de recursos, povo e produtos entre estados devero ocorrer.

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  • CHARLES TILLY

    A C R IA O D E U M M U N D O L IG A D O P O R E S T A D O S

    D urante os ltim os quinhentos anos, portanto, ocorreram trs coisas surpre- . endentes. Prim eiro, quase toda a Europa se consolidou em estados nacionais com fronteiras bem -definidas e relaes m tuas. Segundo, o sistem a europeu se d issem inou por quase o m undo todo. Terceiro, os outros estados, agindo em concerto, exerceram um a crescente influncia sobre a organizao e o territrio dos novos

    3estados. A s trs m udanas esto estreitam ente interligadas, j que os estados lderes da E uropa difundiram o sistem a por interm dio da colonizao, da conquista e da penetrao dos estados no-europeus. A criao prim eiram ente da L iga das Naes e, depois, das Naes U nidas apenas ratificou e racionalizou a organizao de todos os povos da terra num nico sistem a de estado.

    O bservem o sentido dessas m udanas. Em mdia, a form ao do estado deixou de ser um processo relativam ente interno para tornar-se fortem ente externo .A guerra pesou bastante na form ao dos estados durante toda a histria que estam os exam inando aqui; nessa m edida, o processo foi sem pre externo. N o entanto, quanto m ais rem ontarm os no tem po, m ais governantes e pretensos governantes vemos lutarem para sujeitar as populaes dentro dos territrios que controlam nom inalmente, com baterem os antagonistas armados dentro desses territrios, conquistarem terras e povos adjacentes e construrem seus prprios monoplios de fora. Assim, vem o-los criarem irrefletidam ente estados cujas estruturas ostentam as m arcas das lutas e negociaes que lhes deram origem . Inversam ente, m edida que avanam os no tem po, testem unham os a crescente relevncia dos concertos entre estados para o destino de algum estado particular - pelo m enos at a Segunda G uerra M undial (v e rC h ap m an 1988, Cronin 1988, Cum ings 1988, Dovver 1988, E den 1988, Geyer 1988, G ran 1988a, Levine 1988, Rice 1988, Stein 1988).

    O surg im ento da B lg ica com o estado separado ilustra a im portncia das influncias externas na E uropa (C lark 1984, Zolberg 1978). A B lgica, que antes de 1831 nunca foi um estado distinto e unificado, constituiu m ais ou m enos a parte dos Pases-B aixos que a E spanha, e depois os H absburgos da ustria, conservaram aps a revolta da Holanda. A Frana conquistou e incorporou esses territrios em 1795 e conservou-os at a so luo da guerra de 1815; vinte anos de adm inistrao francesa transform aram a econom ia da regio e converteram -na num dos principais centros industriais da Europa. O acordo de paz que ps fim s G uerras N apolenicas atribuiu a regio a um reino recm -form ado dos Pases-Baixos, com sede em Haia. Logo um a coalizo de industriais, liberais, francfonos e catlicos (as categorias se superpunham , mas no eram de m odo nenhum idnticas) fazia presses por direitos regionais.

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  • O SISTEMA EUROPEU DE ESTADO

    Em outubro de 1830, os ativistas dessa coalizo, inspirados na Revoluo de Ju lho da vizinha F rana, constituram um governo prov isrio revolucionrio; a am eaa de retaliao francesa impediu que o governo holands reagisse com foras m ilitares. Em novembro, os ingleses convocaram um a conferncia das potncias europias, que no ms seguinte declarou a dissoluo do R eino dos Pases-Baixos em suas duas partes com ponentes. Sob a estreita vigilncia da Frana e da G r-B retanha , o s recm -batizados belgas experimentaram recrutar um rei e rascunhar um a constitu io liberal. Q uando a conferncia de Londres props um a soluo a longo prazo, relativam ente desfavorvel H olanda, o rei G uilherm e da Holanda enviou um exrcito , derrotou as im provisadas tropas belgas e encorajou um a invaso fran cesa; os ingieses se jun taram m ais tarde ao esforo de expulsar as foras holandesas do que devia ser territrio belga. Em 1839, o rei Guilherm e finalm ente aceitou um acordo que no s reconhecia a Blgica com o tambm criava um estado distinto, o ducado do Luxem burgo independente (em bora com um territrio dim inuto). D o incio ao fim, o ingresso da Blgica no sistem a europeu de estado atravessou um canal cavado por seus poderosos vizinhos.

    N o decurso dos trs ltim os sculos, alguns pactos entre estados poderosos reduziram cada vez m ais os lim ites dentro dos, quais podia ocorrer algum tip o de luta nacional pelo poder. E isso foi feito atravs da im posio de acordos de paz internacionais, da organizao de colnias, da difuso de m odelos padronizados de e x rc ito s , bu ro crac ias e ou tro s e lem entos do aparelho e s ta ta l, da c riao de o rg an iza es in te rnac ionais encarregadas de estender o s is tem a de estado, da g aran tia coletiva de fron teiras nacionais e de in terveno para m anter a ordem dom stica. Esse estreitam ento restringiu os cam inhos alternativos de form ao do estado. Em todo o m undo, a form ao de estado convergiu na construo m ais ou m enos deliberada de estados nacionais - no imprios, nem cidades-estado, nem federaes, mas estados nacionais - segundo os modelos oferecidos, subsidiados e assegurados pelas grandes potncias.

    N o que pretensos governantes ou seus patres encom endassem um estado in te iro co m o se fosse um a casa pr-fabricada. Q uando u m a po tncia europia instalava numa de suas colnias tribunais, sistem as fiscais, polcia, exrcitos, ou escolas, seguia usualm ente os preceitos europeus. Quando os estados independentes do Terceiro Mundo procuraram junto s grandes potncias algum tipo de ajuda na o rg an izao de m ercados, m anufaturas ou poder m ilitar, as grandes po tncias u sua lm en te persuadiram -nos a organizar segundo a m aneira europia. Q uando instituies internacionais com o o Banco M undial em prestaram dinheiro a estados no-europeus beligerantes, estipularam regularm ente que esses estados em preendessem reform as q u e estivessem em harm onia com as p r ticas eu ropias e

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    americanas. Quando, finalm ente, os pases pobres procuraram lugares para educar os seus burocratas, tcnicos e oficiais m ilitares, m uitas vezes os enviaram para treinam ento na Europa 011 num a de suas extenses. To logo dom inou a Europa e partes do m undo povoadas principalm ente por europeus, o estado nacional serviu de m odelo para a form ao do estado em toda a parte.

    Por que estados nacionais? Os estados nacionais triunfaram no m undo inteiro porque prim eiram ente triunfaram na Europa, cujos estados agiram no sentido de se reproduzir. Triunfaram na E uropa porque os estados mais potentes - Frana e E spanha antes de todos os outros - adotaram form as de guerra que tem porariam ente esm agaram os seus vizinhos, e cujo suporte gerou com o produtos secundrios a centralizao, a diferenciao e a autonom ia do aparelho estatal. E sses estados deram esse passo no final do sculo XV, tanto porque haviam com pletado h pouco a expulso das potncias antagonistas de seus territrios quanto porque tiveram acesso a capitalistas passveis de ajud-los a financiar guerras feitas com fortificaes caras, artilharia e, acim a de tudo, soldados mercenrios.

    N o vamos exagerar: estados martimos, a exem plo da R epblica Holandesa e de Veneza, competiram com eficcia, por mais de um sculo, com as principais potncias terrestres; o controle das costas continuou sendo decisivo para o abastecim ento do interior, suas frotas ajudaram a proteg-las de invaso e os imprios ultram arinos cresceram em importncia. A lguns estados pouco com ercializados, com o a Sucia e B randenburgo, tentaram institu ir foras m ilitares com petitivas atravs de enorme penetrao coerciva de seus territrios. M as, no final, som ente aqueles pases que com binaram fontes significativas de capitai com populaes substanciais capazes de produzir grandes foras m ilitares dom sticas saram -se bem no novo estilo europeu de guerra. Esses pases eram , ou se to rnaram , estados nacionais.

    E st fora de dvida que os estados nacionais teriam prevalecido na Europa m esmo que a Frana e a E spanha tivessem sido m enos agressivas no final do sculo XV. N os sculos XVI e XVII, m uitos ou tros estad o s europeus ten taram faze r conquistas dentro da E uropa po r algum tem po: vm m ente im ediatam ente a Sucia, Brandenburgo e Rssia. Alm disso, a R epblica H olandesa, Portugal e a G r-B retanha com earam com petindo por im prios u ltram arin o s, p roduzindo muitos dos mesmos efeitos sobre as relaes entre estados e cidados. Os estados europeus mantinham dom nio poltico sobre cerca de 7% das terras do mundo em 1500, 35% em 1800 e 84% em 1914 (H eadrck 1981: 3). E ssa expanso em si m esm a facilitou a m ultiplicao dos estados nacionais no m undo inteiro. Se outra com binao de estados tivesse vencido as guerras, o seu carter teria afetado de m odo significativo o cam inho e os resultados da form ao d o estado europeu.

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  • A inda, a expanso d a capitai e a reorganizao da guerra no sculo XVI favoreceu conjuntam ente a c rescen te predom inncia dos estados nacionais.

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  • O SISTEMA EUROPEU DE ESTADO

    * -S E IS Q U E S T E S R E L E V A N T E S

    Para avaliar at onde chegam os, retornem os s questes que deram incio a esta investigao . D essa vez, invertam os a o rdem , tom ando as q u est es m ais detalhadas e conduzindo ao problem a geral.

    O que explica o padro m ais ou m enos concn trico de form ao de estado no conjunto da E uropa ? V im os que, sob alguns aspectos, a pergunta de tu rpa a situao inicial. E m 990 d.C., quase to d a a Europa v iv ia urna situao de soberania fragm entada. N o entanto , o carter e o grau dessa fragm entao variaram . Em d iferen tes seg m en to s do c rcu lo ex terno , os g ran d es p ro p rie t rio s ru ra is e os incursores n m ades em pregaram a coero de fo rm a re la tivam ente autnom a, embora, na m aioria dos casos, um deles pudesse ostentar algum a espcie de ttulo, com o duque, c ou rei, recebesse dos outros deferncia e tributo e tivesse direitos ao servio m ilitar interm itente do restante.

    A grande variao geogrfica da Europa em term os d e trajetria d e form ao do estado refle tia a d istribuio diferencial da coero e do capital. N o crcu lo externo, tipificado pela Rssia e pela H ungria, a escassez de capital concentrado, a conseqente fraqueza das cidades e dos capitalistas, a fora d os proprietrios rurais arm ados e a lu ta con tra poderosos invasores, com o os m ongis, proporcionaram alguma vantagem queles governantes que, sem levantar grandes som as d e dinheiro, tiveram condies de extorquir fora m ilitar dos proprietrios de terra e dos cam

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    poneses. O s estados que segu iram a trajet ria de intensa ap licao de coero cooptaram os proprietrios rurais e o clero, sujeitaram o cam pesinato, criaram extensas burocracias e sufocaram as suas burguesias.

    N a zona interna, tipificada por Veneza e pelos Pases-Baixos, a concentrao de capitai e a predom inncia dos capitalistas tanto facilitaram a criao de fora m ilitar quanto inibiram a conquista dos estados pelos especialistas em coero. Durante sculos, os estados m artim os da zona desfrutaram de grande poder poltico e econmico. C ontudo, no final, v iram -se cercados ou conquistados pof grandes estados baseados na terra que recrutaram grandes exrcitos junto sua prpria populao.

    No m eio ficavam aqueles estados - sobretudo a Frana, a G r-B retanha e mais tarde a P rssia - que com binaram fontes substanciais de capital dom stico com relaes proprietrio-cultivador suscetveis de facilitar a criao de fora armada m acia. A sua m aior capacidade de sustentar os exrcitos com os seus prprios recursos acabou por faz-los predom inar sobre outros tipos de estado. Alm disso, a atividade desenvolvida na criao dos exrcitos logo os transform ou em estados nacionais.

    A P en n su la Ibrica o fe rece um a com posio in teressan te das trs experincias: u m a C atalunha, dom inada por B arcelona, que atuou m uito m ais com o c id ade-estado enquanto p rosperou o com rcio m editerrnico, um a C astela que constru iu po d er m ilitar com base num a nobreza guerreira e num cam pesinato subjugado m as que contou com as riquezas estrangeiras para alugar mercenrios, um Portugal profundam ente dividido entre L isboa e o seu interior acentuadam ente rural, alm de outras com binaes em Valncia, Andaluzia, N avarra e outros locais. M as na poca todos os estados eram mais com psitos do que exige a m inha tipologia sim ples: a G r-B retanha com a sua Inglaterra, G ales, Esccia, Irlanda e possesses ultram arinas; a Prssia que afinal se estendeu da Pom ernia rural R ennia povoada de c idades; o Im prio O tom ano com sua ex tenso que foi s vezes da Prsia H ungria via as ilhas com erciais do M editerrneo; os vrios im prios Habsburgos e seus sucesso res, dispersos pela m aioria dos c lim as e econom ias d a E uropa. A distino entre a trajetria de intensa aplicao de coero, a de grande inverso de capitai e a de coero capitalizada apreende um a parte significativa d a variao geogrfica e tem poral, mas no a apreende toda.

    P or que, apesar de bvios interesses em contrrio, os governantes m uitas vezes a c e ita ra m o estabelec im en to de in stitu i es represen ta tivas d as c lasses princ ipa is dentro das populaes que fo ra m subm etidas ju risd i o do estado? Os m o n arcas jogaram o m esm o jo g o - o jo g o da guerra e da com petio po r territrio - sob condies am plam ente diferentes. Quanto mais cara e mais exigente se to rn av a a guerra, m ais recu rso s tiveram de negociar para em preend-la . A negociao produziu ou fo rta leceu as institu ies represen tativas na form a de

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    E stados, Cortes e por fim legislaturas nacionais. A negociao se estendeu desde a cooptao com privilgios at a represso armada em m assa, mas produziu acordos en tre o soberano e os sditos. Em bora os governantes de estados como a Frana e a Prssia tenham tentado frustrar, durante sculos, a m aioria das antigas instituies representativas, essas instituies ou suas sucessoras acabaram adquirindo mais poder perante a coroa m edida que a tributao regular, o crdito e o pagam ento d a d v id a acionai se transform aram em elem entos essencia is para co n tinuar a p roduzir fora armada.

    P o r que o s esta d o s europeus variaram tanto no que d iz respeito in co rporao das oligarquias e instituies urbanas estrutura de estado naciona l? No co n ju n to , as institu ies urbanas-se converteram em elem entos perm anentes do estado nacional onde - e at o grau em que - prevalecia o capital concentrado. Isso aconteceu por dois m otivos: primeiro, porque os fortes aglom erados de capitalistas h m uito tinham o incentivo e os m eios d e b loquear qualquer tentativa por parte d os proprietrios ru rais no-cap ita listas de acum ular p o d e r coercivo nas suas vizinhanas; segundo, porque, m edida que a escala e o custo da guerra aum entaram o nmero de governantes com acesso ao crdito, um a econom ia com ercializada, facilm ente tributvel, obteve grandes vantagens na prtica da guerra, fato que propiciou considervel poder de negociao s principais cidades com erciais e suas oligarquias.

    Num extremo, a fraqueza do capital n a Polnia facilitou o dom nio do estado pe los proprietrios rurais, a tal ponto que os reis nunca conseguiram um predom nio efetivo sobre seus sditos nominais. Com a exceo parcial de Gdansk, os nobres poloneses esprem eram as suas cidades at a exausto. No outro extremo, a fo ra do capital na Repblica H olandesa praticam ente reduziu o governo nacional a um a fed erao de c idades-estado . N o obstan te , o im enso p o d e r com ercial d essas cidades-estado federadas propiciou-lhes os meios de fo rm ar m arinhas e a lu g ar e x rc ito s com g ra n d e ra p id e z . N as re g i e s c a p ita is d e e s ta d o , o s g o v e rn o s subordinaram as cidades ao estado e usaram-nas com o instrum entos de governo, m as tam bm em pregaram o seu capital e capitalistas na p roduo de fora arm ada; os estados de modo geral n incorporaram as instituies e oligarquias urbanas e stru tu ra nacional cm o ta I', mas negociaram form as de representao que lhes deram um poder considervlt

    P or que o p o k er po l lc e comercial deslocou-se gradualm ente das cidades- estado e cidades-im pri do M editerrneo para os estados extensos e as c idades relativam ente subordinadas do A tlntico? Nossa inquirio do m ilnio de 990 a 1990 coloca esse deslocam ento em perspectiva e levanta dvidas acerca da sucesso c la ra de uma hegem onia isolada de, digam os, Veneza para Portugal e depois Gr-

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    B retanha. Talvez possam os dar a palma Gr-Bretanha no tocante a parte do sculo XIX (e desse m odo a judar a explicar a relativa au sncia de guerras eu ro p ias importantes entre 1815 e 1914). M as, antes desse instante, pelo menos dois estados poderosos estavam sem pre competindo pelo dom nio da Europa; nenhum deles o conseguiu algum dia. Do lado comercial, a expanso que se tornou patente no final do sculo XV incidiu sobre uma ampla parte de reas urbanas europias; sustentou um a Renascena cujo centro continuou sendo as cidades-estado do norte da Itlia, mas cujas ram ificaes alcanaram a Alem anha, Flandres e a Frana, bem com o um a Reforma cujo foco inicial foram as cidades da A lem anha central e m eridional. A lm disso, V eneza, G nova, R agusa e outras c idad es-es tad o m ed iterrn icas continuaram a prosperar, quando no a predominar, at o sculo XVIII.

    E n tre tan to , os cen tro s de g rav idade com ercia l e p o ltica ce rtam e n te se deslocaram p ara o norte depois do scu lo XV. Em prim eiro lugar, as tro cas com erciais terrestres e de pequena cabotagem com as cidades do leste m inguaram em conseqncia de invases dos nm ades, de d oenas e, even tualm en te , do estabelecim ento europeu de itinerrios no alto mar para a sia costeando a frica. Ento, os com rcios do Bltico e do A tlntico que se fortaleceram um ao outro enriqueceram Castela, Portugal, Frana, Inglaterra e a H olanda mais do que o resto da Europa. Todos esses estados usaram a sua prpria riqueza para construir poder m ilitar e em pregaram os seus militares para descobrir novas riquezas. A capacidade de construir im ensos exrcitos, grandes navios, de fazer longas viagens e conquistas no ultram ar deram -lhes enormes vantagens sobre as cidades-estado m editerrnicas cujas rotas foram bloqueadas pelas potncias m uulm anas.

    Por que as cidades-estado, as cidades-imprio, as federaes e as organizaes religiosas perderam a sua importncia como tipos predominantes de estado na Europa? Em toda a histria dos estados europeus, a prtica da guerra e a proteo conduziram atividade extrativa, que provocou a negociao com aqueles que detinham os meios de guerra e proteo. Essa negociao suscitou um envolvim ento adicional dos estados na produo, distribuio e aplicao de justia. Sem pre criou algum a forma de estrutura de estado, que podia variar de acordo com a econom ia e a configurao de classes dentro das quais ocorreu.

    De suas prprias m aneiras e em seus prprios locais, as cidades-estado, as cidades-im prio, as federaes e as organizaes religiosas, todas prosperaram na Europa at o sculo XVI; na verdade, os im prios de um tipo ou de outro ainda predom inavam na E uropa na poca da abdicao de C arlos V em 1557. N esse m omento, os estados nacionais comearam a ganhar relevncia. E conseguiram -no por dois motivos afins: primeiro, a com ercializao e a acum ulao de capital em estados maiores com o a Inglaterra e a Frana reduziram as vantagens na guerra dos

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    pequenos estados mercantis; e segundo, a guerra expandiu-se em custo e em escala, parcialm ente em funo do aum ento da capacidade dos estados m aiores de drenar as suas econom ias, ou suas colnias, para pagar as foras arm adas. G anharam as guerras. O s esfo ros dos estados m enores para defender-se os transfo rm aram , absorveram ou com binaram em estados nacionais.

    P or que a guerra derivou da conquista p o r tributo e da luta entre extorqui- dores de tribu to arm ados para batalhas sustentadas entre extensos exrcitos e m arinhas? L em brem -se das transies do patrim onialism o para a corretagem , para a nacionalizao e para a especializao. O que produziram essas transies? O s ex- torquidores de tributo que foram bem -sucedidos se acharam no contro le indireto de terras e populaes enorm es, cuja adm inistrao e explorao - sobretudo em tem po de guerra com outras potncias im portantes - acabaram criando um a estrutura de estado pe rm an en te . E sses e stad o s popu losos q u e tentaram in co rp o ra r cap ita l substancial e capitalistas a seus preparativos dc guerra prim eiram ente construram exrcitos e m arinhas atravs da corretagem e, em seguida, incorporaram as foras arm adas estru tura de estado atravs da nacionalizao, seguida da especializao. Em cada estgio, eles tinham os meios de adquirir e praticar a tecnologia m ilitar mais eficiente num a escala m aior do que os seus vizinhos. U m a vez que a guerra dava lucro m ais por eficcia do que por eficincia, ofereceram escolhas difceis aos vizinhos m enores: envidar o m esm o tipo de esforo m ilitar a grandes custos, aceitar a co n q u is ta ou encon trar um n icho subord inado seguro. O s es tad o s nacionais prolongaram as outras form as de guerra.

    R esum indo: O que explica a grande variao n o tempo e no e spao dos tipos de estado que predom inaram na Europa a p a rtir de 990 d.C., e p o r q ue os estados europeus acabaram p o r converg irem variantes d iferentes do estado nacional? P or que as direes de m udana fo ra m to sem elhantes e os cam inhos que adotaram, to d iferentes? s estados europeus com earam em posies m uito d iferentes em funo da distribuio de capital_e coero concentrados. M udaram m edida que se alteraram as intersees do capital e da coero. M as a com petio m ilitar acabou im pelindo-os na m esm a direo gerai. Fortalecem ao mesmo tem po a criao e a predom inncia final do estado nacional. No processo , o s europeus criaram um sistem a de estado que dom inou o m undo inteiro. H oje vivemos dentro desse sistem a de e stad o . N o obstan te , o m undo fora da E u ro p a s se a ssem elh a E u ro p a superficialm ente. A lgum a coisa m udou na extenso do sistem a de estado europeu ao resto da terra - inclusive a relao entre a ativ idade m ilitar e a fo rm ao do estado . O co n h ec im en to da e x p erin c ia eu ro p ia a juda a id e n tif ic a r a lgum as peculiaridades preocupantes do m undo contem porneo. O captulo seguinte (e final) cuida dessas peculiaridades.

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