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O QUE O TIO SAM REALMENTE QUER SOBRE O AUTOR Noam Chomsky é uma das figuras mais importantes na Lingüística do século XX. Nascido em Filadélfia, em 1928, leciona, desde 1955, no Instituto Tecnológico de Massachusetts, onde se tornou catedrático aos 32 anos. Além de seu trabalho como lingüista, Chomsky escreve livros sobre temas contemporâneos. Suas palestras têm despertado a atenção de platéias em todo o país e pelo mundo afora. Num mundo mais sensato, seus incansáveis esforços para promover a justiça já lhe teriam dado direito ao Prêmio Nobel da Paz, mas o Comitê continua atribuindo-o a pessoas como Henry Kissinger. Se você está acostumado a pensar que os Estados Unidos são os defensores da democracia no mundo, certamente a leitura deste livro vai lhe parecer incrível. Mas Chomsky é um erudito, e, embora os fatos aqui descritos sejam conhecidos e falem por si sós, toda conclusão é sustentada por volumosas provas documentais (veja nas páginas 133-138 as referências a algumas delas). Foi muito difícil compilar o vasto espectro do pensamento social de Chomsky num livro tão pequeno. Você encontrará, na página 139, uma lista de outros livros políticos do autor, que se referem aos temas aqui introduzidos e com detalhes mais abrangentes. Arthur Naiman, Sandy Niemann OS OBJETIVOS PRINCIPAIS DA POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS A proteção do nosso território A relação entre os Estados Unidos e os outros países obviamente remonta às origens da história da América, mas como a Segunda Guerra Mundial foi um verdadeiro divisor de águas, comecemos então por aí. Enquanto a guerra promovia o enfraquecimento ou a destruição de nossos rivais industriais, aos Estados Unidos ela propiciava enormes benefícios. Nosso território jamais foi atacado, e a produção americana mais que triplicou. Mesmo antes da guerra, os Estados Unidos já eram de longe o principal país industrial do mundo como o eram desde a virada do século. Mas, nesse momento, possuíamos literalmente 50% da riqueza mundial e controlávamos os dois lados dos dois oceanos. Nunca houve um período na história em que uma nação tenha tido um controle e uma segurança do mundo tão esmagadores. Aqueles que determinam a política norte-americana sabiam muito bem que os Estados Unidos sairiam da Segunda Guerra como a primeira potência global da história, tanto assim que, durante e depois da guerra, já planejavam, cuidadosamente como. moldar o mundo do pós- guerra. Como esta é uma sociedade aberta, podemos ler os planos deles, muito claros e francos. Os estrategistas norte-americanos - desde os ligados ao Departamento de Estado até os do Conselho de Relações Exteriores (um dos grandes canais pelos quais líderes empresariais 1

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Chomsky. O que o tio Sam realmente quer

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O QUE O TIO SAM REALMENTE QUER

SOBRE O AUTOR

Noam Chomsky uma das figuras mais importantes na Lingstica do sculo XX. Nascido em Filadlfia, em 1928, leciona, desde 1955, no Instituto Tecnolgico de Massachusetts, onde se tornou catedrtico aos 32 anos.

Alm de seu trabalho como lingista, Chomsky escreve livros sobre temas contemporneos. Suas palestras tm despertado a ateno de platias em todo o pas e pelo mundo afora.

Num mundo mais sensato, seus incansveis esforos para promover a justia j lhe teriam dado direito ao Prmio Nobel da Paz, mas o Comit continua atribuindo-o a pessoas como Henry Kissinger.

Se voc est acostumado a pensar que os Estados Unidos so os defensores da democracia no mundo, certamente a leitura deste livro vai lhe parecer incrvel. Mas Chomsky um erudito, e, embora os fatos aqui descritos sejam conhecidos e falem por si ss, toda concluso sustentada por volumosas provas documentais (veja nas pginas 133-138 as referncias a algumas delas).

Foi muito difcil compilar o vasto espectro do pensamento social de Chomsky num livro to pequeno. Voc encontrar, na pgina 139, uma lista de outros livros polticos do autor, que se referem aos temas aqui introduzidos e com detalhes mais abrangentes.

Arthur Naiman,

Sandy Niemann

OS OBJETIVOS PRINCIPAIS DA POLTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS

A proteo do nosso territrio

A relao entre os Estados Unidos e os outros pases obviamente remonta s origens da histria da Amrica, mas como a Segunda Guerra Mundial foi um verdadeiro divisor de guas, comecemos ento por a.

Enquanto a guerra promovia o enfraquecimento ou a destruio de nossos rivais industriais, aos Estados Unidos ela propiciava enormes benefcios. Nosso territrio jamais foi atacado, e a produo americana mais que triplicou.

Mesmo antes da guerra, os Estados Unidos j eram de longe o principal pas industrial do mundo como o eram desde a virada do sculo.

Mas, nesse momento, possuamos literalmente 50% da riqueza mundial e controlvamos os dois lados dos dois oceanos. Nunca houve um perodo na histria em que uma nao tenha tido um controle e uma segurana do mundo to esmagadores.

Aqueles que determinam a poltica norte-americana sabiam muito bem que os Estados Unidos sairiam da Segunda Guerra como a primeira potncia global da histria, tanto assim que, durante e depois da guerra, j planejavam, cuidadosamente como. moldar o mundo do ps-guerra. Como esta uma sociedade aberta, podemos ler os planos deles, muito claros e francos.

Os estrategistas norte-americanos - desde os ligados ao Departamento de Estado at os do Conselho de Relaes Exteriores (um dos grandes canais pelos quais lderes empresariais influenciam a poltica externa) - concordaram que o domnio dos Estados Unidos tinha de ser mantido. Mas havia uma divergncia de opinio sobre como fazer isso.

Na extrema linha dura, temos documentos como o Memorando 68 do Conselho de Segurana Nacional (de 1950). O CSN 68 desenvolveu as opinies do secretrio de Estado Dean Acheson e foi escrito por Paul Nitze, que ainda anda por a (ele foi um dos negociadores do controle de armamentos de Ronald Reagan). O CSN 68 propunha uma "estratgia de empurrar para trs", que "fomentaria as sementes da destruio dentro do sistema sovitico, para que pudssemos ento negociar um pacto, em nossos termos, com a Unio Sovitica" (um Estado ou Estados sucessores).

As polticas recomendadas pelo CSN 68 exigiriam sacrifcios e disciplina nos Estados Unidos em outras palavras, gigantescos gastos militares e cortes nos servios sociais. Seria necessrio tambm superar o excesso de tolerncia que permite demasiada dissidncia interna.

Essas polticas j estavam, de fato, sendo implementadas desde 1949, quando a espionagem dos EUA na Europa Oriental foi transferida para uma rede liderada por Reinhard Gehlen, que j havia dirigido a inteligncia militar nazista na Frente Leste da guerra. Essa rede era parte da aliana EUA-nazistas, que absorveu rapidamente muitos dos piores criminosos de guerra e estendeu suas operaes para a Amrica Latina e para outras partes do mundo.

Essas operaes incluam um exrcito secreto, patrocinado pela aliana EUA-nazistas, que se encarregava de fornecer agentes e provises militares a exrcitos que tinham sido criados por Hitler e que, no incio da dcada de 1950, ainda estavam operando na Unio Sovitica e no Leste Europeu. (Esse fato conhecido nos Estados Unidos, mas considerado insignificante, embora pudesse provocar caras feias e viradas de mesas se descobrssemos, por exemplo, que a Unio Sovitica enviara agentes e provises a exrcitos comandados por Hitler, que estavam operando nas Montanhas Rochosas.)

O extremo-liberal

O CSN 68 a extrema linha dura, e lembre-se: polticas no eram somente tericas, muitas delas j estavam realmente sendo implementadas. Agora, vejamos o outro extremo: o grupo denominado "os pombos", onde o principal pombo era, sem dvida, George Kennan, que dirigiu a equipe de planejamento do Departamento de Estado at 1950, quando foi .substitudo por Nitze. A propsito, o escritrio de Kennan foi responsvel pela rede de Gehlen.

Kennan era um dos mais inteligentes e lcidos estrategistas dos EUA e uma das mais importantes personalidades na configurao do mundo ps guerra. Seus escritos so uma ilustrao extremamente interessante da posio dos "pombos". Se algum quiser realmente conhecer esse pas, um documento bom para consultar o Estudo de Planejamento Poltico 23, escrito por Kennan para a equipe de planejamento do Departamento de Estado, em 1948. Eis aqui um exemplo de seu contedo:

Ns temos cerca de 50% da riqueza mundial, mas somente 6,3% de sua populao... Nesta situao, no podemos deixar de ser alvo de inveja e ressentimento. Nossa verdadeira tarefa, na prxima fase, planejar um padro de relaes que nos permitir manter esta posio de desigualdade... Para agir assim, teremos de dispensar todo sentimentalismo e devaneio; nossa ateno deve concentrar-se em toda parte, em nossos objetivos nacionais imediatos... Precisamos parar de falar de vagos e... irreais objetivos, tais como direitos humanos, elevao do padro de vida e democratizao. No est longe o dia em que teremos de lidar com conceitos de poder direto. Ento, quanto menos impedidos formos por slogans idealistas, melhor.

O EPP 23 era, logicamente, um documento altamente secreto. Para pacificar o povo, era necessrio difundir "slogans idealistas" (como ainda constantemente feito), mas aqui os estrategistas estavam falando entre si.

Seguindo essas mesmas linhas, numa reunio de embaixadores americanos na Amrica Latina, em 1950, Kennan observou que a maior preocupao da poltica externa norte-americana deve ser "a proteo das nossas (isto , da Amrica Latina) matrias-primas". Devemos, portanto, combater a perigosa heresia que, segundo informava a Inteligncia americana, estava se espalhando pela Amrica Latina: "A idia de que o 'governo tem responsabilidade direta pelo bem do povo".

Os estrategistas americanos chamam essa idia de comunismo, seja qual for a real opinio das pessoas que a defendem. Elas podem formar grupos de auto-ajuda, baseados na Igreja, ou quaisquer outros, mas se elas apiam tal heresia, elas so comunistas.

Essa posio tambm clara nos arquivos pblicos. Por exemplo, um grupo de estudos de alto nvel declarou, em 1955, que a ameaa principal das potncias comunistas (o verdadeiro sentido do termo comunismo na prtica) a recusa em exercer seu papel servial, isto , o de "complementar as economias industriais do Ocidente".

Kennan seguiu explicando os meios que devamos utilizar contra os inimigos que caam nessa heresia:

A resposta final pode ser desagradvel, mas... no devemos hesitar diante da represso policial do governo local. Isso no vergonhoso, porque os comunistas so essencialmente traidores... melhor ter um regime forte no poder do que um governo liberal, indulgente, brando e infiltrado de comunistas.

Tais polticas no comearam com liberais ps-guerra como Kennan. H trinta anos, o secretrio de Estado de Woodrow Wilson j havia declarado que o significado prtico da Doutrina Monroe levava em conta que "os Estados Unidos consideram seus prprios interesses. A integridade das outras naes americanas um mero acidente, no um fim". Wilson, o grande apstolo da autodeterminao, concordou que o argumento era "irrefutvel", embora fosse "apoltico" apresent-lo publicamente.

Wilson agiu de acordo com esse pensamento ao invadir, entre outras coisas, o Haiti e a Repblica Dominicana, onde seus soldados assassinaram, destruram e demoliram o sistema poltico vigente, deixando as empresas norte-americanas firmemente no controle e preparando, assim, o cenrio para ditaduras brutais e corruptas.

A "Grande rea''

Durante a Segunda Guerra Mundial, grupos de estudo do Departamento de Estado e do Conselho de Relaes Exteriores desenvolveram planos para o mundo ps-guerra nos termos do que eles determinaram a "Grande rea", para que esta fosse subordinada s necessidades da economia norte americana.

Estavam includos na "Grande rea" o Hemisfrio Ocidental, a Europa Ocidental, o Oriente, o antigo Imprio Britnico (que estava sendo desmantelado), as incomparveis fontes de energia do Oriente Mdio (que estavam passando ento para as mos americanas ao mesmo tempo em que expulsvamos nossos rivais, Frana e Inglaterra), o resto do Terceiro Mundo e, se possvel, o mundo inteiro. Esses planos foram sendo executados medida que as oportunidades permitiam.

A cada setor da nova ordem mundial foi designada uma funo especfica. Os pases industrializados seriam guiados pelas "grandes oficinas", Alemanha e Japo, que tinham demonstrado sua proeza na guerra (e agora estavam trabalhando sob a superviso norte-americana).

Ao Terceiro Mundo cabia executar sua principal funo de fonte de matrias primas e de marcado para as sociedades industriais capitalistas, como dizia um memorando do Departamento de Estado, de 1949. Era para ser explorado (nas palavras de Kennan) para a reconstruo da Europa e do Japo. (As referncias foram feitas ao Sudeste Asitico e a frica, mas as questes foram colocadas de modo geral.)

Kennan sugeriu at mesmo que a Europa receberia assim um estmulo psicolgico com o projeto de explorao da frica. Naturalmente, ningum sugeriu que a frica explorasse a Europa para sua reconstruo, melhorando talvez seu estado de esprito. Esses documentos liberados so lidos somente por estudiosos, que parecem no encontrar nada de estranho ou dissonante em tudo isso.

A Guerra do Vietn emergiu da necessidade de garantir esse papel de servial. Os vietnamitas nacionalistas no quiseram aceitar isso e, portanto, tinham de ser esmagados. A ameaa no era a de que eles iriam conquistar algum, mas que eles poderiam dar um exemplo perigoso de independncia nacional, que inspiraria outros pases na regio.

O governo dos EUA tinha de desempenhar dois importantes papis. O primeiro era o de garantir os distantes domnios da Grande rea. Isso exigia uma postura bastante ameaadora, para assegurar que ningum interferisse nessa tarefa motivo pelo qual houve tantas campanhas dirigidas para as armas nucleares.

O segundo papel era conseguir subvenes pblicas para a indstria de alta tecnologia. Por vrios motivos, o mtodo adotado tem sido, em grande parte, a aplicao em gastos militares.

Livre comrcio um bom termo para ser utilizado nos departamentos de economia e em editoriais de jornais, mas ningum do mundo empresarial, nem do governo, leva a srio esse doutrina. Os setores da economia americana que podem competir internacionalmente so, principalmente, aqueles subvencionados pelo governo: a agricultura intensiva, em termos de capital (a agroempresa, como chamada), a indstria de alta tecnologia, a indstria farmacutica, a indstria biotecnolgica, etc.

O mesmo vlido para outras sociedades industriais. O governo dos EUA faz o povo pagar pela pesquisa e pelo desenvolvimento e proporciona, em grande parte por intermdio dos militares, um mercado garantido para a produo suprflua. Se algo comercivel, o setor privado encarrega-se dele. O sistema de subsdio pblico e lucro privado o que eles chamam de livre empresa.

A restaurao da ordem tradicional

Os estrategistas do mundo ps-guerra, como Kennan, por exemplo, logo perceberam que ia ser imprescindvel, para o bem das empresas americanas , que as outras sociedades ocidentais se refizessem dos prejuzos da guerra, para que pudessem importar mercadorias manufaturadas dos EUA, e assim, fornecerem oportunidades de investimentos. (Estou incluindo aqui o Japo como parte do Ocidente, seguindo a conveno sul-africana de tratar os japoneses como "brancos honorrios".) Entretanto, era fundamental que essas sociedades se reconstrussem de uma maneira bem especfica.

A ordem tradicional de direita tinha de ser restabelecida, com a dominao das empresas com a diviso e o enfraquecimento dos sindicatos e com o peso da reconstruo sendo colocado inteiramente nos ombros da classe trabalhadora e dos pobres.

O principal obstculo no caminho era a resistncia antifascista. Ns, ento, a reprimimos no mundo inteiro e instalamos em seu lugar, na maioria das vezes, fascistas e ex-colaboradores nazistas. s vezes, isso requeria extrema violncia, mas, em outras, isso era feito por meio de medidas mais suaves, como subverter eleies ou esconder alimentos extremamente necessrios. (Este deveria ser o captulo 1 de qualquer histria honesta do perodo ps-guerra, mas, na verdade, isso raramente discutido.)

Esse modelo poltico foi estabelecido em 1942, quando o presidente Roosevelt colocou o almirante francs Jean Darlan como govemador-geral de toda frica do Norte francesa. Darlan era um dos principais colaboradores nazistas e autor de leis anti-semitas, promulgadas no governo de Vichy (o regime fantoche dos nazistas na Frana).

Entretanto, muito mais importante foi o caso primeira rea liberada da Europa - o Sul da Itlia -, onde os EUA, seguindo o conselho de Churchill, impuseram uma ditadura de direita liderada pelo heri de guerra fascista, o marechal de campo Badglio, e pelo rei Victor Emmanuel III, que tambm foi um colaborador fascista.

Os estrategistas norte-americanos reconheceram que a "ameaa" na Europa no era a agresso sovitica (que analistas srios como Dwight Eisenhower no previram), mas a resistncia antifascista operria e camponesa com seus ideais democrticos radicais, o poder poltico e a atrao dos partidos comunistas locais.

Para evitar um colapso econmico, que aumentaria a influncia desses partidos, e para reconstruir as economias capitalistas dos pases da Europa Ocidental, os EUA instituram o Plano Marshall (sob o qual a Europa foi subvencionada em mais de 12 bilhes de dlares, entre 1948 e 1951, com emprstimos e concesses, fundos estes utilizados na compra de um tero das exportaes norte americanas para a Europa no auge do ano de 1949.

Na Itlia, um movimento de base operria e camponesa, liderado pelo Partido Comunista, havia tomado seis divises alemes durante a guerra e libertado o Norte da Itlia. Quando as foras norte-americanas avanaram pela Itlia, dispersaram essa resistncia antifascista e restauraram a estrutura bsica do regime fascista anterior guerra.

A Itlia tinha sido uma das principais reas de subverso da CIA - Central de Inteligncia Americana - desde que a agncia foi fundada. A CIA estava preocupada que os comunistas ganhassem o poder nas decisivas eleies italianas de 1948. Muitas tcnicas foram utilizadas, inclusive a restaurao da polcia fascista, que destruiu sindicatos e escondeu alimentos. Mas, ainda assim, no estava claro que o Partido Comunista seria derrotado.

O primeiro memorando do Conselho de Segurana Nacional (CSNI-1948) especificou uma srie de aes que os EUA realizariam se acaso os comunistas vencessem as eleies. Uma das respostas planejadas seria a interveno armada, com ajuda militar, em operaes secretas na Itlia.

Algumas pessoas, especialmente George Kennan, propuseram ao militar antes das eleies. Ele no queria riscos, mas outros o convenceram de que poderiam ganhar por meio da subverso, o que se concretizou realmente.

Na Grcia, as tropas britnicas entraram depois que os nazistas se haviam retirado. Impuseram um regime to corrupto que provocou nova resistncia. Como a Inglaterra, em seu declnio ps-guerra, foi incapaz de manter o controle. Em 1947, os Estados Unidos entraram, apoiando uma guerra assassina, que resultou em 160.000 mortes.

Foi uma guerra repleta de torturas, exlios polticos de dezenas de milhares de gregos, e aquilo que chamamos "campos de reeducao" para outras dezenas de milhares de pessoas, destruio de sindicatos e nenhuma possibilidade de independncia poltica.

A Grcia foi decididamente colocada nas mos de investidores americanos e empresrios locais, enquanto grande parte da populao teve de emigrar para sobreviver. Os beneficirios foram os colaboradores nazistas, e as principais vtimas foram os trabalhadores e os camponeses da resistncia antinazista, liderada pelos comunistas.

A nossa vitoriosa "defesa" da Grcia contra sua prpria populao serviu de modelo para a Guerra do Vietn - como explicou Adlai Stevenson, na ONU, em 1964. Os conselheiros de Reagan usaram exatamente o mesmo modelo, falando sobre a Amrica Central. E o mesmo padro foi seguido em muitos outros lugares.

No Japo, o governo de Washington iniciou, em 1947, o chamado "caminho inverso", que reverteu os primeiros passos em direo democratizao empreendida pela administrao militar do general MacArthur. O "caminho inverso" reprimiu os sindicatos e outras foras democrticas e colocou o pas firmemente nas mos dos empresrios, que haviam apoiado o fascismo japons - um sistema misto de poder estatal e privado que dura at hoje.

Quando as foras norte-americanas entraram na Coria, em 1945, dissolveram o governo popular local, composto basicamente de antifascistas, que resistiram aos japoneses. Os EUA inauguraram a uma represso brutal, usando a polcia fascista japonesa e coreanos que haviam colaborado com os japoneses durante a ocupao. Cerca de cem mil pessoas foram assassinadas na Coria do Sul antes daquilo que chamamos Guerra da Coria. Inclusive, foram mortas entre trinta e quarenta mil pessoas durante represso a uma revolta camponesa, na pequena regio da Ilha de Cheju.

O golpe fascista na Colmbia, inspirado pela Espanha de Franco, trouxe pouco protesto do governo norte-americano. A mesma coisa ocorreu com o golpe militar na Venezuela e com a restaurao de um admirador do fascismo no Panam. Mas o primeiro governo democrtico da histria da Guatemala, inspirado no New Deal de Roosevelt, provocou um amargo antagonismo norte-americano.

Em 1954, a CIA maquinou um golpe que transformou a Guatemala num inferno em terra. E, desde ento, mantm-se assim, com interveno e apoio regular dos EUA, especialmente durante os governos Kennedy e Johnson.

Outro aspecto da represso resistncia antifascista foi o recrutamento de criminosos de guerra como Klaus Barbie, um oficial da SS que havia sido chefe da Gestapo em Lyon, na Frana. L, ele recebeu o apelido de "aougueiro de Lyon". Embora ele tivesse sido responsvel por crimes hediondos, o Exrcito dos EUA encarregou-o da espionagem na Frana.

Quando Barbie foi finalmente trazido de volta Frana, em 1982, para ser julgado como criminoso de guerra, seu emprego como agente foi assim explicado pelo coronel (aposentado) Eugene Kolb, corpo de contra-espionagem do Exrcito americano: "As 'habilidades' [de Barbie] eram um mal necessrio... Suas atividades haviam sido dirigidas contra o clandestino Partido Comunista e contra a Resistncia Francesa", que j eram alvo da represso dos libertadores norte-americanos.

J que os Estados Unidos continuavam onde os nazistas tinham desistido, fazia muito sentido aproveitar os especialistas em atividades anti resistncia. Mais tarde, quando se tornou difcil, ou impossvel, proteger esse valioso pessoal na Europa, muitos deles esconderam-se nos Estados Unidos ou na Amrica Latina, muitas vezes com a ajuda do Vaticano e de padres fascistas.

L, eles se tornaram conselheiros militares de governos policiais, apoiados pelos Estados Unidos, inspirados, muitas vezes quase abertamente, no Terceiro Reich. Eles tambm se tornaram traficantes de drogas, comerciantes de armas, terroristas e educadores - ensinando a camponeses latino americanos tcnicas de tortura inventadas pela Gestapo. Alguns alunos nazistas fizeram o dever de casa na Amrica Central, estabelecendo, deste modo, uma ligao direta entre os campos de extermnio e os esquadres da morte, tudo graas aliana ps-guerra entre os EUA e os SS.

Nosso compromisso com a democracia

Com um documento de alto nvel atrs do outro, os estrategistas norte-americanos expunham a viso de que a principal ameaa nova ordem mundial, liderada pelos EUA, era o nacionalismo do Terceiro Mundo - algumas vezes chamado de ultranacionalismo: os "regimes nacionalistas" que atendem s "exigncias populares de elevao imediata dos baixos padres de vida das massas" e produo de bens que satisfaam s suas necessidades bsicas.

As metas bsicas dos estrategistas, insistentemente repetidas, eram evitar que os ultranacionalistas tomassem o poder, se por um golpe de sorte eles chegassem ao poder, retir-los e instalar ali governos que favorecessem os investimentos privados do capital interno e externo, a produo para exportao e o direito de remessa de lucros para fora do pas. (Essas metas nunca foram contestadas nos documentos secretos. Para um estrategista da poltica norte-americana, essas metas praticamente fazem parte do ar que ele respira.)

A oposio democracia e s reformas sociais nunca popular no pas vtima. No se consegue estimular muito as pessoas que a vivem com isso. exceto um pequeno grupo ligado s empresas norte americanas, que naturalmente vai lucrar com isso.

Os EUA esperam contar com a fora e fazer alianas com os militares - "o grupo menos antiamericano da Amrica Latina", como disseram os estrategistas de Kennedy -, de modo que se pode confiar neles para esmagar qualquer grupo popular local que saia do controle.

Os EUA esto dispostos a tolerar reformas sociais como na Costa Rica, por exemplo, somente quando so eliminados os direitos dos trabalhadores e preservadas as condies para os investimentos estrangeiros. Devido ao governo da Costa Rica ter sempre respeitado esses dois princpios imperativos que o deixaram seguir com suas reformas.

Outro problema, que repetidamente apontado nesses documentos secretos, o excessivo liberalismo dos pases do Terceiro Mundo. Esse particularmente o problema da Amrica Latina, onde os governos no esto suficientemente comprometidos com o controle de idias, restries de viagens e onde o sistema judicial to deficiente que exige prova para acusao de crimes.

Essa foi uma das constantes queixas durante o perodo Kennedy (depois dele, os arquivos no foram mais colocados disposio do pblico). Os liberais de Kennedy eram inflexveis sobre a necessidade de vencer os excessos democrticos que permitem a "subverso", que para eles, claro, significava pessoas pensando coisas erradas.

Os EUA no primam, no entanto, pela falta de compaixo pelos pobres. Em meados da dcada de 1950, por exemplo, nosso embaixador na Costa Rica recomendou que a United Fruit Company, que basicamente governava a Costa Rica, apresentasse "uma ligeira e superficial encenao de interesse humano em relao aos trabalhadores, pois isso poderia ter um grande efeito psicolgico". O secretrio de Estado John Foster Dulles concordou, dizendo ao presidente Eisenhower que, para manter as massas da Amrica Latina na linha, "h que adul-las um pouco, para faz-las pensar que voc gosta delas .

Exposto tudo isso, fcil entender a poltica dos EUA para o Terceiro Mundo. Somos radicalmente opostos democracia se seus resultados no podem ser controlados. O problema com as democracias verdadeiras e que elas podem fazer seus governantes carem na heresia de responderem s necessidades de sua prpria populao, em vez das dos investidores norte-americanos.

Um estudo do sistema interamericano, publicado pelo Instituto Real de Assuntos Internacionais, em Londres, concluiu que, enquanto os EUA falsamente louvam a democracia, seu compromisso verdadeiro com a "empresa capitalista privada". Quando os direitos dos investidores so ameaados, a democracia tem de desaparecer; se esses direitos so salvaguardados. assassinos e torturadores so bem-vindos.

Governos parlamentaristas foram derrubados com o apoio dos EUA e, algumas vezes, com interveno direta. No Ir, em 1953; na Guatemala, em 1954 (e em 1963, quando Kennedy apoiou o golpe militar para evitar a ameaa do retorno democracia); na Repblica Dominicana, em 1963 e 1965; no Brasil, em 1964; no Chile, em 1973, e freqentemente em outros lugares. Nossa poltica em geral tem sido a mesma, tanto em El Salvador como em outras partes do mundo.

Os mtodos no so l muito agradveis. O que as foras contra-insurgentes americanas fizeram na Nicargua, ou o que os nossos substitutos terroristas fazem em El Salvador ou na Guatemala, no apenas matana comum, o principal componente a tortura brutal e sdica, batendo bebs contra pedras, pendurando mulheres pelos ps, com os seios cortados, a pele do rosto escalpelada, para sangrarem at a morte, ou cortando a cabea de pessoas, colocando-as em estacas. A questo esmagar o nacionalismo independente e as foras populares que possam construir uma democracia genuna.

A ameaa do bom exemplo

Nenhum pas est isento desse tratamento, no importa o quo insignificante ele seja. Na verdade, so os pases mais fracos e mais pobres que causam as maiores histerias.

Veja o Laos dos anos 1960, provavelmente o pas mais pobre do mundo. A maioria de seus habitantes nem mesmo sabia que tal coisa chamada Laos existia, eles s sabiam que havia uma aldeiazinha aqui e outra acol mais prxima.

Mas to logo uma pequena revoluo social comeou a aparecer ali, Washington submeteu o Laos a um mortfero "bombardeio secreto"* destruindo virtualmente grandes reas habitadas, com operaes que, como foi admitido depois, nada tinham a ver com a guerra que os EUA estavam travando no Vietn do Sul.

Granada tem cem mil habitantes, que produz em noz-moscada, e mal pode ser encontrada no mapa. Mas quando Granada iniciou uma incipiente revoluo social, Washington imediatamente entrou em ao para destruir a ameaa.

Desde a Revoluo Bolchevique de 1917 at a queda dos governos comunistas do Leste Europeu, no final da dcada de 1980, era possvel justificar qualquer ataque norte-americano como defesa contra a ameaa sovitica. Ento, quando os Estados Unidos invadiram Granada, em 1983, o presidente do Estado-Maior Conjunto das Foras Armadas explicou que, na eventualidade de um ataque sovitico na Europa Ocidental, uma Granada hostil poderia proibir o abastecimento de petrleo no Caribe para a Europa Ocidental e, ento, no poderamos defender nossos aliados sitiados. Agora isso parece cmico, mas esse tipo de histria ajuda a mobilizar a opinio pblica para apoiar a agresso, o terror e a subverso.

O ataque contra a Nicargua foi justificado sob a alegao de que, se no os contivssemos l, "eles" poderiam ultrapassar a fronteira de Harlingen, no Texas - apenas dois dias de carro. (Para as pessoas mais instrudas, havia outras desculpas mais sofisticadas e certamente mais plausveis.)

A Nicargua to importante para o empresariado americano que ela poderia sumir do mapa que ningum perceberia. A mesma coisa com El Salvador. Mas ambos tm sido submetidos a assaltos homicidas pelos Estados Unidos, com o custo de centenas de milhares de vidas e muitos bilhes de dlares.

H uma razo para isso, o pas mais fraco e mais pobre mais perigoso como exemplo. Se uma nao pequena e pobre como Granada pode ser bem-sucedida, alcanando um melhor nvel de vida para seu povo, em outro lugar que tenha mais recursos as pessoas podero perguntar: "E ns, por que no?"

Esse foi exatamente o caso da Indochina, que bastante extensa e tem importantssimos recursos. Embora Eisenhower e seus conselheiros fizessem muito alarde do arroz, do estanho e da borracha, o verdadeiro medo era que, se o povo da Indochina conseguisse independncia e justia, o povo da Tailndia iria imit-la, e se isso funcionasse, tentaria na Malsia, e em pouco tempo a Indonsia adotaria a via independente. At l, uma significativa parte da "Grande rea" j teria sido perdida.

Se se quer um sistema global subordinado s necessidades dos investidores norte-americanos, no se pode deixar que partes do sistema se percam. notvel a clareza com que isso declarado nos arquivos oficiais - s vezes, at nos arquivos pblicos. Veja o Chile no governo de Allende. O Chile um pas consideravelmente grande, com muitos recursos naturais, mas, repetindo, os Estados Unidos no desmoronariam se o Chile se tornasse independente. Por que estvamos to preocupados com esse pas? Segundo Kissinger, o Chile era um "vrus" que "infectaria" a regio, com reflexos at na Itlia.

Apesar dos quarenta anos de subverso da CIA, a Itlia ainda tem um movimento trabalhista. Ter um governo social-democrata bem sucedido no Chile eqivaleria a enviar mensagens erradas aos eleitores italianos. Suponha que eles tivessem idias interessantes sobre como obter o controle de seu prprio pas e revivessem os movimentos operrios, solapados pela CIA na dcada de 1940.

Os estrategistas norte-americanos, desde a esto do secretrio de Estado Dean Acheson, no final dos anos 1940, at os dias de hoje, tm advertido que "uma ma podre pode estragar todo o lote". O perigo que a "podrido" - o desenvolvimento social e econmico - pode se espalhar.

Essa "teoria da ma podre" chamada de teoria do domin, para consumo pblico. A verso usada para amedrontar o povo mostra Ho Chi Min tomando uma canoa e chegando Califrnia, e assim vai. Talvez alguns lderes norte-americanos acreditassem nessa asneira - possvel -, mas os estrategistas racionais certamente que no. Eles entendem que a verdadeira ameaa o "bom exemplo".

s vezes, a questo explicada com grande clareza. Quando os EUA estavam planejando derrubar a democracia guatemalteca em 1954, um oficial da Secretaria de Estado declarou que a "Guatemala tem se tornado uma crescente ameaa para a estabilidade de Honduras e de El Salvador. Sua reforma agrria uma arma poderosa de propaganda; seu amplo programa social de ajuda aos trabalhadores e aos camponeses pode resultar numa luta vitoriosa contra as classes dominantes e as grandes empresas estrangeiras. Isso tudo tem um forte apelo junto s populaes vizinhas da Amrica Central, onde prevalecem condies semelhantes .

Em outras palavras, o que os EUA querem "estabilidade", quer dizer, segurana para "as classes dominantes e liberdade para as empresas estrangeiras". Se isso pode ser obtido com mtodos democrticos formais, OK. Se no, a ameaa "estabilidade" causada pelo bom exemplo tem de ser destruda, antes que o vrus infecte os outros. por isso que, mesmo se a menor partcula causar tal perigo, ela tem de ser esmagada.

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* N.T.: O autor refere-se aqui logicamente no-divulgao do fato na mdia local e internacional, poca do acontecimento.

O mundo trilateral

Desde o comeo da dcada de 1970, o mundo tem tomado um rumo em direo ao chamado tripolarismo ou trilateralismo - ou seja, os trs maiores blocos econmicos que competem entre si. O primeiro bloco baseado no yen, com o Japo no centro e as antigas colnias japonesas na periferia.

Retrocedendo aos anos 1930 e 1940, o Japo chamou isso de a Grande Esfera da Co-Prosperidade da sia Oriental. O conflito com os Estados Unidos nasceu da tentativa de o Japo exercer ali o mesmo tipo de controle que as potncias ocidentais exerciam em suas respectivas esferas. Mas aps a guerra ns reconstrumos a regio para eles. E no tivemos, ento, nenhum problema com que o Japo a explorasse - s que agora o Japo teria de explor-la sob nosso abrangente poder.

H muitas tolices escritas acerca de como o Japo, de fato, tornou-se um grande competidor, que provam que somos honrados e fortalecemos nossos inimigos. As verdadeiras opes polticas, entretanto, eram mais estreitas. Uma era restaurar o imprio japons, mas agora sob nosso total controle (essa foi a poltica seguida).

A outra opo era ficar fora da regio e permitir ao Japo e ao resto da sia seguirem caminhos independentes, excludos da "Grande rea" de controle norte-americano. Isso era impensvel.

Alm disso, depois da Segunda Guerra, o Japo no era considerado como possvel concorrente, mesmo num futuro remoto. Especulou-se talvez, a certa altura dos acontecimentos, que o Japo seria capaz de produzir algumas bugigangas, nada mais que isso. (Havia um forte componente de racismo nisso.) O Japo recuperou-se em grande parte por causa da Guerra da Coria e depois com a Guerra do Vietn, que estimulou a produo japonesa e trouxe enormes lucros ao Japo.

Alguns estrategistas, logo no incio do ps-guerra, foram mais perspicazes, entre eles George Kennan. Ele props que os EUA estimulassem o Japo a se industrializar, mas com limite: os EUA controlariam a importao do petrleo japons. Kennan disse que isso dar-nos-ia "poder de veto", se acaso o Japo sasse fora da linha. Os EUA seguiram esse conselho, mantendo o controle do abastecimento e das refinarias de petrleo. Ainda no incio da dcada de 1970, o Japo controlava somente cerca de 10% de seu prprio abastecimento de petrleo.

Esse um dos principais motivos pelo qual os EUA tm se interessado tanto pelo petrleo do Oriente Mdio. No precisvamos do petrleo para ns mesmos; a Amrica do Norte liderava, at 1968, a produo mundial de petrleo. Entretanto, queremos realmente manter as mos na alavanca do poder mundial, e nos assegurar que os lucros fluam principalmente para os Estados Unidos e para a Inglaterra. por isso que mantemos bases militares nas Filipinas. Elas so parte de um sistema global de interveno apontada para o Oriente Mdio, para garantir que as foras locais no sucumbam ao "ultranacionalismo".

O segundo maior bloco competitivo est baseado na Europa e dominado pela Alemanha, que est dando um grande passo em direo consolidao do Mercado Comum Europeu. A Europa. tem uma economia mais forte que a dos Estados Unidos, alm de uma populao maior e mais bem instruda.

Se um dia ela agir conjuntamente e se tornar um poder integrado, os EUA podero tornar-se uma potncia de segunda classe. Isso provvel com uma Europa dirigida pela Alemanha, tomando a liderana na restaurao da Europa Oriental, em seu tradicional papel de colnia econmica, basicamente parte do Terceiro Mundo.

O terceiro bloco dominado pelos Estados Unidos e baseado no dlar. Foi recentemente ampliado com a incluso do Canad, maior parceiro comercial, e logo incluir o Mxico e outras partes do hemisfrio, por meio do "tratado de livre comrcio", projetado, em primeiro lugar, para os interesses dos investidores norte-americanos e seus associados.

Ns sempre assumimos que a Amrica Latina nos pertence por direito. Como Henry Stimson (secretrio de Guerra, sob FDR e Taft, e secretrio de Estado de Hoover) uma vez declarou "nossa regiozinha, logo ali, que nunca incomodou ningum". A consolidao do bloco, baseado no dlar, significa que o esforo para frustrar o desenvolvimento independente na Amrica Central e no Caribe vai continuar.

A menos que voc entenda nossas lutas contra nossos rivais industriais e o Terceiro Mundo, a poltica externa norte-americana parece ser uma srie de erros ocasionais, inconsistentes e confusos. Na verdade, nossos lderes tm sido mais que bem-sucedidos, dentro dos limites de suas possibilidades, nas tarefas a eles atribudas.

Nossa poltica de boa vizinhana

Como os preceitos desenvolvidos por George Kennan foram seguidos? Como deixamos inteira mente de lado a preocupao com os "objetivos vagos e irreais tais como os direitos humanos, a elevao do padro de vida e a democratizao?" J expus nosso "compromisso com a democracia, mas e quanto s outras duas questes?

Vamos focalizar a Amrica Latina, e comear olhando para os direitos humanos. Um estudo feito por Lars Schoultz, um destacado acadmico especialista em direitos humanos da Amrica Latina, mostra que "a ajuda norte-americana tende a ser desproporcionalmente distribuda para os governos "latino-americanos que torturam seus cidados. No tem nada a ver com quanto o pas precisa de ajuda, somente com sua disposio em servir riqueza e ao privilgio.

Estudos mais profundos, feitos pelo economista Edward Herman, revelam uma estreita correlao em todo o mundo entre a tortura e a ajuda norte-americana e fornecem uma explicao: ambas se correlacionam com a melhoria das condies de operaes das empresas. Em comparao com este guia de princpios morais, assuntos tais como tortura e carnificina caem na insignificncia.

E a elevao do padro de vida? Isso foi supostamente tratado na Aliana para o Progresso pelo presidente Kennedy, mas o tipo de desenvolvimento imposto foi direcionado, em sua maior parte, para as necessidades dos investidores norte-americanos. A Aliana fortificou e ampliou o sistema vigente, pelo qual os latino-americanos produzem colheitas para exportao e reduzem as colheitas de subsistncia, como milho e feijo, cultivadas para o consumo local. Com o programa da Aliana, por exemplo, a produo de carne aumentou, enquanto o consumo interno de carne diminuiu.

Esse modelo agroexportativo de desenvolvimento, em geral, produz um "milagre econmico" onde o PNB - Produto Nacional Bruto - sobe, enquanto a maioria da populao morre de fome. Quando se segue tal orientao poltica, a oposio popular inevitavelmente aumenta, o que, ento, se reprime com terror e tortura.

(O uso do terror profundamente arraigado em nosso carter. Nos idos de 1818, John Quincy Adams elogiou a "eficcia salutar" do terror em se tratando das "hordas misturadas de ndios e negros sem lei". Ele escreveu isso para justificar a violncia de Andrew Jackson, na Flrida, que praticamente exterminou a populao nativa e deixou a provncia espanhola sob o controle americano, impressionando muito Thomas Jefferson e outros mais com sua sabedoria.)

O primeiro passo o uso da polcia; ela decisiva porque sabe detectar logo o descontentamento e elimin-lo antes da "grande cirurgia (como chamada nos documentos de planejamento) ser necessria. Se a "grande cirurgia" for necessria, ns contamos com o Exrcito. Quando no conseguimos mais controlar o Exrcito dos pases da Amrica Latina - particularmente a regio do Caribe e da Amrica Central - tempo de derrubar o governo.

Os pases que tentaram inverter as regras, como a Guatemala, sob os governos capitalistas democrticos de Arvalo e Arbenz, ou a Repblica Dominicana, sob o regime capitalista democrtico de Bosch, tornaram-se alvo da hostilidade e da violncia dos Estados Unidos.

O segundo passo utilizar os militares. Os EUA sempre tentaram estabelecer relaes estreitas com os militares de pases estrangeiros, porque essa uma das maneiras de derrubar um governo que saiu fora do controle. Assim foram assentadas as bases para os golpes militares no Chile, em 1973, e na Indonsia, em 1965.

Antes desses golpes, ramos bastante hostis ,aos governos do Chile e da Indonsia, mas continuvamos enviando armas. Mantenha boas relaes com os oficiais certos e eles derrubaro o governo para voc. O mesmo raciocnio motivou o fluxo de armas dos Estados Unidos para o Ir via Israel, desde o incio de 1980. De acordo com altos oficiais israelenses envolvidos, esses fatos eram conhecidos j em 1982, muito antes de haver refns.

Durante o governo Kennedy, a misso dos militares latino-americanos, dominados pelos EUA mudou de "defesa hemisfrica" para "segurana interna" (que basicamente significa guerra contra a, prpria populao). Essa deciso fatdica implicou a "direta cumplicidade [dos Estados Unidos]" com "os mtodos dos esquadres de extermnio de Heinrich Himler", no julgamento retrospectivo de Charles Maechling, que foi encarregado do planejamento de contra-insurgncia, de 1961 a 1966.

O governo Kennedy preparou o caminho para o golpe militar no Brasil em 1964, ajudando a derrubar a democracia brasileira, que se estava tornando independente demais. Enquanto os Estados Unidos davam entusiasmado apoio ao golpe, os chefes militares instituam um estado de segurana nacional de estilo neonazista, com represso, tortura, etc. Isso provocou uma exploso de acontecimentos semelhantes na Argentina, no Chile e em todo o hemisfrio, desde os meados de 1960 at 1980 - um perodo extremamente sangrento.

(Eu penso, falando do ponto de vista legal, que h um motivo bem slido para acusar todos os presidentes norte-americanos desde a Segunda Guerra Mundial. Eles todos tm sido verdadeiros criminosos de guerra ou estiveram envolvidos em crimes de guerra.)

Os militares agem de maneira tpica para criar um desastre econmico, seguindo freqentemente receita de conselheiros norte-americanos, e depois decidem entregar os problemas para os civis administrarem. Um controle militar aberto no mais necessrio, pois j existem novas tcnicas disponveis, por exemplo, o controle exercido pelo Fundo Monetrio Internacional (o qual, assim como o Banco Mundial, empresta fundos s naes do Terceiro Mundo, a maior parte fornecida em larga escala pelas potncias industriais).

Em retribuio aos seus emprstimos, o FMI impe a "liberalizao": uma economia aberta penetrao e ao controle estrangeiros, alm de profundos cortes nos servios pblicos em geral para a maior parte da populao, etc. Essas medidas colocam o poder decididamente nas mos das classes dominantes e de investidores estrangeiros (estabilidade"), alm de reforar as duas clssicas camadas sociais do Terceiro Mundo - a dos super-ricos (mais a classe dos profissionais bem sucedidos que a serve) e a da enorme massa de miserveis e sofredores.

A dvida e o caos econmico deixados pelos militares garantem, de forma geral, que as regras do FMI sero obedecidas - a menos que as foras populares queiram entrar na arena poltica. Neste caso, os militares talvez tenham de reinstalar a "estabilidade".

O Brasil um exemplo esclarecedor desse caso. Sendo um pas muito bem dotado de recursos naturais, alm de ter um alto desenvolvimento industrial, deveria ser uma das naes mais ricas do mundo. Mas graas, em grande parte, ao golpe de 1964 e ao to aclamado "milagre econmico" que se seguiu ao golpe (sem falar nas torturas, assassinatos e outros instrumentos de "controle da populao"), a situao de muitos brasileiros , agora, provavelmente parecida com a da Etipia - e bem pior que a da Europa Oriental, por exemplo.

O Ministrio da Educao informa que mais de um tero do oramento educacional vai para a alimentao escolar, porque a maioria dos estudantes da rede pblica ou come na escola ou no come.

De acordo com a revista South (uma revista de reportagens sobre empresas do Terceiro Mundo), o Brasil tem uma taxa de mortalidade infantil maior que a do Sri Lanka. Um tero da populao vive abaixo da linha da misria e "sete milhes de crianas abandonadas pedem esmola, roubam e cheiram cola nas ruas. E para milhares delas a casa um barraco na favela... ou cada vez mais um pedao de terra embaixo da ponte.

Isso o Brasil, um dos pases de natureza mais rica do planeta.

A situao semelhante em toda a Amrica Latina. Apenas na Amrica Central o nmero de pessoas assassinadas pelas foras apoiadas pelos EUA, desde o final de 1970, gira em torno de duzentos mil, ao mesmo tempo que os movimentos populares, que visavam obter a democracia e a reforma social, foram dizimados. Essas faanhas qualificam os Estados Unidos como fonte de inspirao para o triunfo da democracia em nosso tempo", nas admirveis palavras da liberal Nova Repblica. Tom Wolfe conta-nos que a dcada de 1980 foi "um dos grandes momentos de ,ouro da humanidade, jamais vivido". Como diria Stalin:

"estamos deslumbrados com tanto sucesso.

A crucificao de El Salvador

Por muitos anos, a represso, a tortura e o assassinato foram praticados em El Salvador por ditadores instalados e sustentados pelo nosso governo, uma matria sem nenhum interesse aqui; alm disso, a histria nunca foi realmente contada. No final da dcada de 1970, entretanto, o governo norte-americano comeou a preocupar-se com dois fatos.

Um era o de que Somoza, o ditador da Nicargua, estava perdendo o controle do pas. Os Estados Unidos estavam perdendo a principal base para seus exerccios de fora na regio. Um segundo perigo era talvez o mais ameaador. Em El Salvador, nos anos 1970, houve um crescimento das chamadas "organizaes populares" - associaes camponesas, cooperativas, sindicatos e movimentos eclesiais de base - que se reuniam em torno de grupos de auto- ajuda, etc. Isso aumentou a ameaa democracia.

Em fevereiro de 1980, o arcebispo de El Salvador, Don Oscar Romero, enviou uma carta ao presidente Carter em que implorava o no envio de ajuda militar para a junta que governava o pas. Ele dizia que tal ajuda seria usada para "estimular a injustia e a represso contra organizaes populares" que estavam lutando "pelo respeito por seus direitos humanos mais elementares" ( desnecessrio dizer que isso dificilmente seria notcia em Washington).

Poucas semanas depois, o arcebispo Romero foi assassinado enquanto celebrava uma missa. O neonazista Roberto D'Aubuisson foi considerado totalmente responsvel pelo assassinato (entre outras incontveis atrocidades).

D'Aubuisson foi "lder vitalcio" do Arena, partido que ainda governa El Salvador; os membros desse partido, como o ex-presidente Alfredo Cristiani, tinham de fazer um juramento de sangue em lealdade a ele.

Dez anos depois, milhares de camponeses e pobres da regio urbana participaram de uma missa comemorativa, juntamente com inmeros bispos estrangeiros, mas os Estados Unidos foram notados pela ausncia. A Igreja salvadorenha props formalmente a canonizao de Romero.

Tudo isso se passou com raras referncias no pas que subvencionou e treinou os assassinos de Dom Romero. O The New York Times, o "jornal testemunha", no publicou nenhum editorial sobre o assassinato quando ele ocorreu, nem nos anos seguintes, e tambm nenhum editorial ou reportagem foi feita sobre a comemorao.

Em 7 de maro de 1980, duas semanas antes do assassinato, foi institudo um estado de stio em El Salvador, e a guerra contra a populao comeou com fora total (e com o contnuo apoio e envolvimento dos Estados Unidos). O primeiro e principal ataque foi o grande massacre de Rio Sumpul, uma operao militar, coordenada pelos exrcitos hondurenhos e salvadorenhos, na qual pelo menos seiscentas pessoas foram massacradas. Crianas foram cortadas em pedaos com faces. mulheres foram torturadas e afogadas. Dias depois, partes dos corpos ainda eram encontradas no rio.Havia observadores da Igreja, de modo que as informaes saam imediatamente, mas os principais meios de comunicao no acharam nada que valesse uma reportagem.

Os camponeses foram as principais vtimas dessa guerra, junto com lderes sindicais, estudantes, padres ou qualquer suspeito de trabalhar pelos interesses do povo. No ltimo ano do governo Carter, 1980, o nmero de mortes chegou a algo em torno de dez mil, aumentando para cerca de 13.000 j sob o comando dos reaganistas.

Em outubro de 1980, o novo arcebispo condenou "a guerra de extermnio e genocdio contra a indefesa populao civil", desencadeada pelas foras de segurana. Dois meses depois, estas foram aclamadas por seu "herico servio ao lado do povo, contra a subverso" pelo "moderado" favorito dos Estados Unidos, Jos Napolen Duarte, ao ser nomeado presidente civil da junta.

O papel do "moderado" Duarte era manter a fachada para os dirigentes militares e garantir-lhes a contnua chegada de fundos norte-americanos, mesmo depois de as foras armadas terem violentado e assassinado quatro freiras americanas, o que provocou protestos aqui. Trucidar salvadorenhos uma coisa, porm violentar e matar freiras americanas definitivamente um erro de relaes pblicas. Os meios de comunicao de massa evitaram e abafaram a histria, seguindo a liderana do governo Carter e sua comisso de investigao.

Os recm-chegados reaganistas foram mais longe, tratando de justificar a atrocidade, notadamente o ministro de Estado Alexander Haig e a embaixatriz das Naes Unidas, Jeane Kirkpatrick. Mas ainda foi considerado se valia a pena ter um julgamento-farsa, enquanto anos mais tarde desculpavam a junta assassina - e naturalmente seu financiador.

Os jornais independentes de El Salvador, que poderiam ter informado essas atrocidades, foram destrudos. Embora eles fossem abertamente a favor das empresas, eram ainda indisciplinados demais para o gosto dos militares. O problema foi resolvido entre 1980 e 1981, quando o editor de um desses jornais foi morto pelas foras de segurana e o outro fugiu para o exlio. Como de costume, esses acontecimentos foram considerados muito insignificantes para merecer mais que algumas palavras nos jornais norte-americanos.

Em novembro de 1989, seis padres jesutas, cozinheira e a filha dela foram assassinados pelo Exrcito. Naquela mesma semana, pelo menos mais 28 civis salvadorenhos tambm foram mortos, inclusive a dirigente do principal sindicato, a lder de uma organizao universitria, nove membros de uma cooperativa agrria indgena e dez estudantes universitrios.

As agncias de notcias transmitiram uma reportagem por intermdio do correspondente da AP Douglas Grant Mine, relatando como os soldados entraram num bairro operrio, prximo capital de San Salvador, capturaram seis homens e mais um garoto de 14 anos, por medida de segurana. Em seguida, colocaram todos contra a parede e os fuzilaram. "Eles no eram padres nem defensores dos direitos humanos", escreveu Mine, mas, mesmo assim, essas mortes passaram em grande parte despercebidas, assim como a reportagem de Mine.

Os jesutas foram assassinados pelo Batalho Atlacatl, uma unidade de elite criada, treinada e equipada pelos Estados Unidos. A unidade foi formada em maro de 1981, quando 15 especialistas em contra-insurgncia, da Escola de Foras Especiais do Exrcito norte-americano, foram enviados para El Salvador. Desde o incio, o Batalho esteve envolvido com o extermnio em massa. Um treinador norte-americano descreveu seus soldados como "particularmente ferozes... Ns sempre tivemos dificuldade em conseguir que eles capturassem os prisioneiros em vez de suas orelhas".

Em dezembro de 1981, o Batalho participou de uma operao na qual foram mortos mais de mil civis, numa verdadeira orgia de estupros, incndios e assassinatos. Mais tarde, o Batalho esteve envolvido em bombardeios de cidades, matana de centenas de civis por fuzilamento, afogamento e outros mtodos. A grande maioria das vtimas era de mulheres, crianas e velhos.

O Batalho Atlacatl estava sendo treinado pelas Foras Especiais norte-americanas, pouco antes de matar os jesutas. Esta tem sido a norma em toda a existncia do Batalho. Alguns dos piores ataques ocorreram justamente quando o Batalho recm-chegara dos EUA.

Na "inexperiente democracia" de El Salvador, jovens adolescentes de 13 anos eram capturados em assaltos a favelas e acampamentos de refugiados e, em seguida, forados a entrar para o Exrcito, onde eram doutrinados em rituais copiados dos SS nazistas, inclusive com brutalizao e estupros, preparando-os assim para os extermnios, que freqentemente tinham caractersticas sexuais e satnicas.

A natureza desse tipo de treino do Exrcito salvadorenho foi descrita por um desertor, que recebeu asilo no Texas, em 1990. Seu nome foi mantido em sigilo para proteg-lo dos esquadres da morte salvadorenhos, apesar do pedido do Departamento de Estado para que ele fosse enviado de volta a El Salvador.

Segundo esse desertor, os recrutas tinham de matar cachorros e urubus, mordendo-lhes a garganta e torcendo-lhes a cabea, alm de terem de olhar os soldados torturarem e matarem suspeitos dissidentes, arrancando-lhes as unhas, cortando-lhes a cabea e partes do corpo. Em seguida, brincavam com seus braos para fazer graa.

Em outro caso, um membro confesso de um esquadro da morte ligado ao Batalho Atlacatl, Csar Vielman Joya Martnez, deu detalhes do envolvimento dos conselheiros americanos com o governo salvadorenho nas atividades dos esquadres da morte. O governo Bush fez todo o possvel para que o calassem e o enviassem de volta para uma provvel morte em El Salvador, apesar do apelo das organizaes de Direitos Humanos e dos pedidos do Congresso para que seu testemunho fosse ouvido (o mesmo tratamento foi dado principal testemunha do assassinato dos jesutas).

Os resultados do treinamento militar salvadorenho so descritos no peridico jesuta America por Daniel Santiago, padre catlico em misso em EI Salvador. Ele conta a histria de uma camponesa que, um dia, ao voltar para casa, encontrou seus trs filhos, sua me e sua irm sentados mesa, todos com as cabeas decapitadas, colocadas cuidadosamente em frente aos corpos, com as mos dispostas para cima "como se estivessem acariciando a prpria cabea". Como os assassinos da Guarda Nacional Salvadorenha tiveram problemas em manter no lugar a cabea de um beb, pregaram-na, ento, s mos dele. Depois, um grande balde plstico, cheio de sangue, foi esteticamente exposto no centro da mesa.

Segundo o reverendo Santiago, cenas assim macabras no so raras.

As pessoas no so s assassinadas pelos esquadres da morte em El Salvador. Elas so decapitadas e suas cabeas so postas em estacas e exibidas como parte da paisagem. Os homens no so s destripados pela Polcia do Tesouro Salvadorenho; suas genitlias so decepadas e colocadas na boca. As mulheres salvadorenhas no so s violentadas pela Guarda Nacional, seus ventres so cortados e usados para cobrir o rosto. No basta matar crianas; elas so arrastadas sobre arames farpados at a carne soltar dos ossos, enquanto os pais so obrigados a assistir cena.

O padre Santiago continua a afirmar que violncias dessa natureza aumentaram bastante desde que a Igreja comeou a formar associaes camponesas e grupos de auto-ajuda na tentativa de organizar a populao pobre.

De forma geral, nosso projeto em El Salvador tem sido bem-sucedido. As organizaes populares foram dizimadas, como havia previsto o arcebispo Romero. Dezenas de milhares de pessoas foram trucidadas e mais de um milho de salvadorenhos tornaram-se refugiados. Este foi um dos mais srdidos episdios da histria americana - e tem havido muita concorrncia.

Ensinando uma lio Nicargua

No apenas El Salvador foi ignorado pelas principais correntes da mdia norte-americana durante a dcada de 1970. Nos dez anos anteriores derrubada de Anastasio Somoza, em 1979, a televiso norte-americana - todas as redes - dedicaram exatamente uma hora Nicargua, inteiramente relacionada ao terremoto de Mangua, em 1972.

De 1960 a 1978, o The New York Times publicou trs editoriais sobre a Nicargua. No porque nada estivesse acontecendo ali, mas sim porque qualquer coisa que l estivesse acontecendo no seria digna de registro. A Nicargua no foi motivo de preocupao enquanto o regime tirnico de Somoza no foi desafiado.

Quando seu regime foi desafiado pelos sandinistas, no final dos anos 1970, os EUA tentaram instituir o chamado "Somozismo sem Somoza", isto , todo o sistema corrupto seria mantido intacto, mas com outra pessoa na liderana. Como isso no funcionou, o ento presidente Carter tentou manter a Guarda Nacional de Somoza como uma base para a potncia norte-americana.

A Guarda Nacional sempre foi notadamente brutal e sdica. Em junho de 1979, levou a cabo uma srie macia de atrocidades na guerra contra os sandinistas, bombardeando bairros residenciais em Mangua, matando dezenas de milhares de pessoas. Nessas alturas, o embaixador norte-americano enviou um telegrama Casa Branca dizendo que seria desaconselhvel mandar a Guarda Nacional suspender o bombardeio, porque isso poderia interferir na poltica de manter a Guarda no poder e deixar os sandinistas de fora.

Nosso embaixador na Organizao dos Estados Americanos (OEA) tambm falou a favor do "Somozismo sem Somoza", mas a OEA rejeitou prontamente a sugesto. Poucos dias depois, Somoza voou para Miami com o que restava do Tesouro Nacional, e a Guarda desmoronou.

O governo Carter levou os comandantes da Guarda para fora do pas em avies com sinais da Cruz Vermelha (um crime de guerra) e comeou a reconstitu-la nas fronteiras da Nicargua. Os EUA tambm usaram a Argentina como uma intermediria. (Naquela poca, a Argentina estava sob o comando de generais neonazistas, que deram uma folga na tortura e no assassinato de sua prpria populao para ajudar a restabelecer a Guarda logo rebatizada de os contras ou "guerreiros da liberdade.)

Reagan utilizou-os para lanar uma guerra terrorista em grande escala contra a Nicargua, combinada com uma guerra econmica, que foi muito mais letal. Ainda intimidamos outros pases para que no enviassem ajuda tambm.

Mesmo assim, apesar dos nveis astronmicos da ajuda militar, os EUA no conseguiram criar uma fora militar vivel na Nicargua. Isso foi realmente notvel, analisando bem. Nenhuma guerrilha no mundo obteve tantos recursos, mesmo remotamente, quanto os contras obtiveram dos EUA. Provavelmente poderia se iniciar uma insurgncia guerrilheira, na regies montanhosas dos Estados Unidos, com tais recursos.

Por que os EUA foram to longe na Nicargua? A organizao de desenvolvimento internacional a Oxfam - explicou os motivos verdadeiros ao declarar que em sua experincia de 76 anos em pases em desenvolvimento "a Nicargua foi... excepcional no esforo e no firme compromisso daquele governo... em melhorar as condies de vida do povo e em estimular sua participao ativa no processo de desenvolvimento".

Dos quatro pases centro-americanos onde a Oxfam teve presena significativa (El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicargua), somente na Nicargua houve um real e substancial esforo em resolver as injustias da posse da terra e em estender os servios mdicos, educacionais e agrcolas s famlias de camponeses pobres.

Outras organizaes contaram histrias semelhantes. No incio da dcada de 1980, o Banco Mundial considerou "alguns setores da Nicargua extraordinariamente mais bem-sucedidos que qualquer outra parte do mundo". Em 1983, o Banco Interamericano de Desenvolvimento concluiu que "a Nicargua fazia notveis progressos no setor social e estava lanando bases para um desenvolvimento socioeconmico a longo prazo.

O sucesso das reformas sandinistas aterrorizaram, ento, os estrategistas norte-americanos. Eles sabiam que, "pela primeira vez, a Nicargua tinha um governo que se interessava pelo povo , conforme afirmou Jos Figueres, o pai da democracia na Costa Rica. (Embora Figueres tenha sido o principal lder democrtico na Amrica Central durante quarenta anos, suas inaceitveis observaes sobre o mundo real foram completamente censuradas pela mdia norte-americana.)

O dio provocado pelos sandinistas por estes tentarem dirigir recursos aos pobres (sendo at bem-sucedidos nisso) foi realmente magnfico de se observar. Praticamente todos os estrategistas polticos dos EUA compartilharam desse dio, atingindo um verdadeiro frenesi.

Nos idos de 1981, um membro da Secretaria de Estado alardeou que ns iramos "transformar a Nicargua na Albnia da Amrica Central", isto , pobre, isolada e politicamente radical, de modo que o sonho sandinista de criar um modelo novo e exemplar para a Amrica Latina seria um fracasso.

George Shultz chamou os sandinistas de "um cncer, bem aqui em nossas terras", que tinha de ser destrudo. Na outra ponta do cenrio poltico, um lder do Senado, o liberal Alan Cranston, declarou que, se no fosse possvel destruir os sandinistas, teramos ento de deix-los "apodrecer no [seu] prprio pus.

Ento, os Estados Unidos lanaram um triplo ataque contra a Nicargua. Primeiro, exercendo uma extrema presso para pressionar o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento a suspenderem todos os projetos de assistncia ao pas. Segundo, lanaram a guerra dos contras juntamente com uma guerra econmica ilegal para acabar com o que a Oxfam corretamente chamou de "a ameaa de um bom exemplo .

Os terrveis ataques terroristas dos contras, sob ordens dos EUA, em direo aos "alvos leves" contriburam, juntamente com o boicote econmico, para o fim de toda e qualquer esperana de desenvolvimento econmico e reforma social. O terror norte-americano assegurou que a Nicargua no desmobilizasse seu exrcito e enviasse seus parcos e limitados recursos para a reconstruo das runas, que foram deixadas pelos ditadores apoiados pelos EUA e pelos crimes dos reaganistas.

Uma das mais respeitveis correspondentes da Amrica Central, Julia Preston, escreveu (trabalhando na poca para o Boston Globe) que "autoridades do governo afirmaram estar contentes em ver os contras debilitarem os sandinistas, forando-os a desviar seus escassos recursos para a guerra e afastando-os, assim, dos programas sociais . Aquilo era fundamental, j que os programas sociais eram o corao de um bom exemplo que poderia contaminar outros pases da regio e corroer o sistema americano de roubo e explorao.

Recusamo-nos, at mesmo, a prestar ajuda na hora da catstrofe. Em 1972, aps um terremoto, os EUA enviaram uma considervel soma de recursos em auxlio Nicargua, sendo que a maior parte desses recursos foi roubada por nosso amigo Somoza. Entretanto, em 1988, quando um desastre natural - o furaco Joan - abalou a Nicargua, ns no enviamos sequer um centavo, porque, se o tivssemos enviado, este centavo provavelmente teria chegado ao povo e no aos bolsos de um bandido rico. Ainda pressionamos nossos aliados a enviarem pouca ajuda.

A devastao do furaco mais a perspectiva bem-vinda de fome em massa e os danos ecolgicos, a longo prazo, ajudaram nossos esforos (ou reforaram nossos objetivos). Ns queramos que os nicaragenses morressem de fome para que pudssemos acusar os sandinistas de m gesto econmica. J que no estavam sob nosso controle, deveriam sofrer at a morte.

Terceiro, usamos ardis diplomticos para esmagar a Nicargua. Como escreveu Tony Avirgan no jornal costarriquenho Mesoanzerica, "os sandinistas caram numa trama perpetrada pelo presidente costarriquenho Oscar Arias e outros presidentes centro-americanos, o que lhes custou as eleies de fevereiro [1990]".

Para a Nicargua, o plano de paz de agosto de 1987 era bom negcio, lembrou Avirgan: eles adiantariam as eleies nacionais em alguns meses e permitiriam a observao internacional, como j tinham feito em 1984, "em troca de terem os contras desmobilizados e a guerra levada a um fim... . O governo nicaragense cumpriu o que foi exigido pelo plano de paz, entretanto, ningum mais prestou a mais leve ateno ao plano.

Arias, a Casa Branca e o Congresso nunca tiveram a mnima inteno de cumprir qualquer aspecto do plano. Os EUA triplicaram virtualmente os vos da CIA em reforo aos contras. Em poucos meses, o plano de paz estava totalmente sepultado.

Assim que a campanha eleitoral comeou, os Estados Unidos tornaram bem claro que o embargo econmico, que estava estrangulando o pas, e o terror dos contras continuariam se os sandinistas ganhassem a eleio.

Teramos de ser no mnimo nazistas ou stalinistas incorrigveis para considerar uma eleio conduzida sob tais condies como justa e livre. Ao sul de nossas fronteiras, poucos sucumbiram a tais iluses.

Se uma coisa como essa tivesse sido praticada por nossos inimigos,... eu deixo a reao da mdia por conta de sua imaginao. O incrvel foi que os sandinistas ainda obtiveram 40% dos votos, enquanto as manchetes do The New York Times proclamavam que os americanos estavam "unidos na alegria" com essa "vitria do jogo limpo americano.

As faanhas dos Estados Unidos na Amrica Central, nos ltimos 15 anos, so uma enorme tragdia , no s pelo avassalador custo humano, mas tambm porque h uma dcada havia reais perspectivas de progresso em direo a uma democracia significativa, comprometida com as necessidades humanas, j com os primeiros sucessos visveis em El Salvador, Guatemala e Nicargua.

Esses esforos poderiam ter funcionado e ensinado lies teis a outros flagelados com problemas semelhantes, o que logicamente era o que os estrategistas norte-americanos mais temiam. A ameaa foi abortada com sucesso, talvez para sempre.

Fazendo da Guatemala um campo de extermnio

Se houve um lugar na Amrica Central que obteve alguma cobertura pela mdia antes da revoluo sandinista, este lugar foi a Guatemala. Em 1944, uma revoluo derrubou um tirano odioso, resultando da o estabelecimento de um governo democrtico que se inspirou basicamente no New Deal, de Roosevelt. Nos dez anos de interldio democrtico que se seguiram, houve o incio de um bem-sucedido desenvolvimento econmico independente.

Isso causou uma verdadeira histeria em Washington. Eisenhower e Dulles advertiram que "a autodefesa e a autopreservao dos Estados Unidos estavam em jogo, a menos que o vrus fosse exterminado. Os relatrios da Inteligncia norte-amercana eram muito francos quanto ao perigo representado pela democracia capitalista na Guatemala.

Um memorando da CIA, de 1952, descreveu a situao da Guatemala como "adversa aos interesses dos EUA" devido "influncia comunista... baseada na defesa das reformas sociais e da poltica nacionalista". O memorando advertia que a Guatemala "tinha recentemente aumentado substancialmente seu apoio s atividades comunistas e antiamericanas em outros pases da Amrica Central. Um primoroso exemplo citado foi uma alegada doao de 300.000 dlares a Jos Figueres.

Como j foi mencionado anteriormente, Jos Figueres foi o fundador da democracia na Costa Rica e o principal lder democrtico da Amrica Central. Embora tenha contribudo entusiasticamente com a CIA e tenha chamado os Estados Unidos de "o porta-bandeira de nossa causa", alm de ter sido considerado pelo embaixador norteamericano na Costa Rica como "a melhor agncia de propaganda que a United Fruit Company poderia encontrar na Amrica Latina", Figueres tinha um estilo independente e, portanto, no era de tanta confiana quanto Somoza ou outros bandidos a nosso servio.

Na retrica poltica dos Estados Unidos, isso possivelmente faria dele um "comunista". Ento, se a Guatemala havia dado dinheiro para ajud-lo a vencer a eleio, isso mostrava que a Guatemala apoiava os comunistas.

Pior ainda, o mesmo memorando continuava, as "diretrizes radicais e nacionalistas" do governo capitalista democrtico, incluindo a "perseguio dos interesses econmicos estrangeiros, especialmente os da United Fruit Company", haviam ganho "o apoio ou aquiescncia da maioria dos guatemaltecos". O governo estava obtendo a "mobilizao dos camponeses at aqui inertes", e minando, ao mesmo tempo, o poder dos grandes latifundirios.

Alm disso, a revoluo de 1944 tinha despertado "um forte movimento nacional para libertar a Guatemala da ditadura militar, do atraso social e do 'colonialismo econmico', que haviam sido normas do passado", e "inspirado a lealdade e se ajustado ao interesse da maioria dos guatemaltecos politicamente conscientes". As coisas tornaram-se ainda piores depois que uma bem-sucedida reforma agrria comeou a ameaar a "estabilidade" nas naes vizinhas, onde a populao sofrida no poderia deixar de notar tais medidas.

Em resumo, a situao ficou horrvel. Ento, a CIA empreendeu um bem-sucedido golpe. A Guatemala tornou-se o aougue que at hoje, com a interveno regular dos Estados Unidos sempre que as coisas ameaam sair fora da linha.

No final da dcada de 1970, as atrocidades estavam novamente alcanando limites absurdos, provocando protestos verbais. Mesmo assim, ao contrrio do que muita gente cr, a ajuda militar para a Guatemala continuou virtualmente a mesma, sob o governo dos "direitos humanos" de Carter. Nossos aliados tambm se voltaram nossa causa - notadamente Israel, que considerado um ativo estrategista, em parte devido ao seu sucesso em promover terrorismo de Estado.

Com Reagan, o apoio ao quase genocdio na Guatemala tornou-se absolutamente fantico. O mais radical dos Hitlers guatemaltecos que ns j apoiamos l, Rios Montt, foi saudado por Reagan como um homem totalmente dedicado democracia. No incio dos anos 1980, os amigos de Washington trucidaram dezenas de milhares de guatemaltecos, a maioria ndios do planalto, alm de outros incontveis casos de pessoas torturadas e violentadas. Grandes regies foram dizimadas.

Em 1988, um jornal guatemalteco recentemente aberto, chamado La Epoca, foi explodido por terroristas ligados ao governo. Naquela poca, a mdia aqui estava muito preocupada com o fato de um jornal financiado pelos Estados Unidos na Nicargua, La Prensa - que propunha abertamente a derrubada do governo e apoiava o exrcito terrorista dirigido pelos EUA -, ter sido forado a deixar de lanar algumas edies devido falta de papel de imprensa. Isso causou uma torrente de indignao e insultos, no Washington Post e em outros lugares, contra o totalitarismo sandinista.

Por outro lado, a destruio do La Epoca no despertou interesse algum e nem foi noticiada aqui, embora o fato tenha sido bem conhecido pelos jornalistas norte-americanos. Naturalmente, os meios de comunicao de massa norte-americanos no esperavam noticiar que as foras de segurana, financiadas pelos Estados Unidos, haviam silenciado a nica voz independente na Guatemala, que havia tentado, poucas semanas antes, se levantar.

Um ano depois, um jornalista do La Epoca, Jlio Godoy, que havia fugido aps a exploso do jornal, voltou Guatemala para uma breve visita. Quando voltou aos Estados Unidos, ele comparou a situao da Amrica Central com a da Europa Oriental. Para ele, os europeus orientais tinham "mais sorte que os centro-americanos", Godoy escreve por qu:

Enquanto em Praga o governo imposto por Moscou degradaria e humilharia os reformistas, o governo da Guatemala, criado por Washington, os assassinaria. Isso ainda continua, num virtual genocdio que j fez mais de 150.000 vtimas [aquilo que a Anistia Internacional chama de], "um programa governamental de assassinato poltico.

A imprensa ou se conforma ou, como no caso do La Epoca, desaparece. "A gente tentado a acreditar", continua Godoy, "que algumas pessoas na Casa Branca rendem homenagens aos deuses astecas, oferecendo o sangue centro-americano". E cita um diplomata da Europa Ocidental que afirmou: "Enquanto os norte-americanos no mudarem sua atitude na regio, no haver aqui espao para a verdade ou para a esperana.

A invaso do Panam

O Panam tem sido tradicionalmente controlado pela sua minscula elite europia, menos de 10% da populao. Isso mudou em 1968, quando Omar Torrijos, um general populista, liderou um golpe que permitiu aos negros e aos mestios pobres partilharem uma fatia mnima do poder, sob sua ditadura militar.

Em 1981, Torrijos foi morto num acidente areo. At 1983, o governante efetivo do Panam foi Manuel Noriega, um criminoso que havia sido aliado de Torrijos e da CIA.

O governo norte-americano j sabia que Noriega estava envolvido com o trfico de drogas, desde pelo menos 1972, quando o governo de Nixon considerou a possibilidade de elimin-lo. Contudo, ele continuou na folha de pagamentos da CIA. Em 1983, uma comisso do Senado norte-americano concluiu que o Panam havia se tornado um grande centro de lavagem de dinheiro e de trfico de drogas.

O governo norte-americano, mesmo assim, continuou a prestigiar os servios de Noriega. Em maio de 1986, o diretor do rgo de Represso s Drogas elogiou Noriega por sua "vigorosa poltica contra o trfico de drogas". Um ano mais tarde, esse diretor deu "boas-vindas nossa estreita associao" com Noriega, enquanto o procurador-geral Edwin Meese paralisou uma investigao do Departamento de Justia dos EUA sobre as atividades criminosas de Noriega. Em agosto de 1987, uma resoluo do Senado condenando Noriega foi contestada por Elliott Abrams, uma autoridade do Departamento de Estado, encarregado da poltica norte-americana na Amrica Central e no Panam.

Ainda assim, quando Noriega foi finalmente processado, em Miami, em 1988, todas as denncias, exceto uma, eram referentes a atividades praticadas antes de 1984, quando ele era o nosso "garoto", ajudando os Estados Unidos na guerra contra a Nicargua, fraudando eleies com a aprovao dos EUA e geralmente servindo de modo satisfatrio aos interesses norte-americanos. Isso nada teve a ver com a repentina descoberta de que ele foi gngster e traficante de drogas - o que sempre se soube.

Tudo muito previsvel, como um estudo atrs do outro mostra. Um tirano brutal cruza facilmente a linha, do amigo admirvel para o "vilo" e a "escria" quando comete o crime de independncia. Um erro comum o de ir alm do roubo aos pobres - o que at bom - e comear a interferir nos interesses dos privilegiados, provocando a oposio dos lderes empresariais.

Em meados de 1980, Noriega j era considerado culpado por esses crimes. E, entre outras coisas, ele parecia no estar disposto a ajudar os EUA na guerra dos contras. Sua independncia ameaava tambm nossos interesses no Panam. Em 1 de janeiro de 1990, a maior parte da administrao do Canal estava para passar ao controle do Panam no ano 2000, o Canal passar completamente para eles. Tnhamos de nos assegurar, ento, que o Panam estaria nas mos de pessoas que pudssemos controlar antes daquela data.

Como no podamos mais confiar em Noriega para cumprir nossas ordens, ele tinha de sumir. Washington imps sanes econmicas que virtualmente destruram a economia, deixando a carga principal cair sobre a maioria pobre e no branca. Essa populao tambm passou a odiar Noriega, porque ele era responsvel pela guerra econmica (que era ilegal, se algum quer saber) que estava levando seus filhos a morrerem de fome.

Em seguida, tentou-se um golpe militar, mas falhou. Ento, em dezembro de 1989, os EUA comemoraram a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria invadindo o Panam de modo fulminante, matando centenas ou talvez milhares de civis (ningum sabe ao certo, e poucos ao norte do Rio Grande tm interesse suficiente em saber). Isso restaurou o poder da elite branca e rica, que havia sido destituda pelo golpe de Torrijos, bem a tempo de assegurar um governo dcil na mudana administrativa do Canal, em 1de janeiro de 1990 (como foi observado pela imprensa direitista europia).

Durante todo esse processo, a imprensa norteamericana foi comandada por Washington, selecionando viles segundo as necessidades do momento. Aes anteriormente perdoadas tornaram-se crimes. Por exemplo, em 1984, a eleio presidencial panamenha foi vencida por Arnulfo Arias. A eleio foi roubada por Noriega com violncia e fraude considerveis.

Mas Noriega ainda no se havia tornado desobediente. Ele era nosso homem no Panam, e o partido de Arias foi julgado por ter perigosos elementos do "ultranacionalismo". O governo Reagan aplaudiu, portanto, a violncia e a fraude, e mandou para l o secretrio de Estado, George Shultz, para legitimar a eleio roubada e elogiar a verso da "democracia" de Noriega como um modelo para os errantes sandinistas.

A aliana Washington-mdia e os principais jornais abstiveram-se de criticar a eleio fraudulenta no Panam, mas consideraram como totalmente sem valor as eleies sandinistas daquele mesmo ano - que foram muito mais livres e honestas - porque no puderam ser controladas.

Em maio de 1989, Noriega novamente rouba uma eleio, dessa vez de um representante da oposio empresarial, Guillermo Endara. Noriega usou menos violncia do que em 1984. Mas o governo Reagan havia sinalizado estar contra Noriega. Seguindo o roteiro j previsvel, a imprensa expressou sua indignao ante o fracasso dele em seguir nosso elevado padro democrtico.

A imprensa comeou tambm a denunciar veementemente as violaes dos direitos humanos, que anteriormente no haviam merecido a mnima ateno. Na poca da invaso do Panam, em dezembro de 1989, a imprensa j havia satanizado Noriega, transformando-o num monstro pior que tila, o rei dos hunos (foi basicamente a repetio da satanizao de Kadafi, da Lbia). Ted Koppel jurava que "Noriega pertencia quela confraria especial de viles internacionais, homens como Kadafi, Idi Amin e o Aiatol Khomeini, que os americanos amam odiar". Dan Rather colocou-o "no topo da lista de ladres, das drogas e da escria do mundo". Na verdade, Noriega foi um bandido de muito menor calibre - exatamente como era quando trabalhava para a CIA.

Em 1988, por exemplo, o Americas Watch publicou uma reportagem sobre os direitos humanos no Panam, mostrando um quadro desolador. Mas como os relatrios e as informaes mostram claramente, o registro de violaes de Noriega aos direitos humanos no era nada diferente do de outros clientes dos Estados Unidos na regio, nem era pior do que no perodo em que Noriega ainda era um dos nossos favoritos e seguia nossas ordens.

Tome o caso de Honduras, por exemplo. Embora no seja um governo terrorista e assassino como os de El Salvador e da Guatemala, os abusos contra os direitos humanos, l, eram provavelmente piores do que no Panam. De fato, havia um batalho treinado pela CIA, em Honduras, que por si s j havia cometido mais atrocidades do que Noriega.

Ou ento considerem os ditadores apoiados pelos Estados Unidos, como Trujillo, na Repblica Dominicana, Somoza, na Nicargua, Marcos, nas Filipinas, Duvalier, no Haiti, e uma srie de outros gngsters da Amrica Central, durante a dcada de 1980. Todos eram mais brutais que Noriega, mas os Estados Unidos os apoiaram incontestavelmente por dcadas, mesmo sabendo das terrveis atrocidades cometidas - enquanto os lucros saam de seus pases e desembocavam nos EUA. O governo de George Bush continuou a exaltar Mobutu, Ceausescu e Sadam Hussein, entre outros, todos criminosos piores que Noriega. Suharto, da Indonsia, indiscutivelmente o pior assassino de todos eles, permanecia como "moderado" na mdia de Washington.

De fato, no exato momento em que o Panam foi invadido, devido ao ultraje na violao dos direitos humanos feito por Noriega, o governo Bush anunciou a venda de alta tecnologia para a China, justificando que 300 milhes de dlares, em negcios para as empresas norte-americanas, estavam em jogo, e assim os contatos foram secretamente retomados, poucas semanas depois do massacre na Praa Tiananmen.

No mesmo dia em que o Panam foi invadido, a Casa Branca anunciou tambm planos (e os implementou logo em seguida) de suspender a proibio de emprstimo ao Iraque. O Departamento de Estado explicou com seriedade que a medida objetivava alcanar "o aumento de metas de exportao americano e nos colocar em melhor posio para tratar com o Iraque sobre o relatrio dos direitos humanos...

O Departamento de Estado continuou com essa farsa enquanto Bush repelia a oposio democrtica iraquiana (banqueiros, profissionais, etc.) e bloqueava esforos no Congresso para condenar os crimes atrozes de seu velho amigo Sadam Hussein. Comparado com os amigos de Bush em Bagd e Pequim, Noriega parecia a Madre Teresa de Calcut.

Aps a invaso, Bush anunciou um bilho de dlares em ajuda ao Panam, dos quais 400 milhes consistiam em incentivos s empresas norteamericanas para exportar produtos ao Panam, 150 milhes foram para pagar emprstimos aos bancos e 65 milhes foram para outros emprstimos ao setor privado e garantias aos investidores americanos. Em outras palavras, cerca de metade da ajuda foi um presente do contribuinte americano s empresas americanas.

Os EUA colocaram os banqueiros de volta ao poder depois da invaso. O envolvimento de Noriega com o trfico de drogas era trivial se comparado com o deles. O trfico de drogas, l, foi sempre conduzido pelos bancos - e como o sistema bancrio praticamente no regulamentado -, isso resulta numa sada natural para o dinheiro do crime. Essa tem sido a base altamente artificial da economia panamenha e permanece assim - possivelmente em grau mais elevado - aps a invaso. As Foras Armadas de Defesa Panamenha foram tambm reconstrudas com os mesmos oficiais.

Em geral, tudo est praticamente na mesma, s que agora os servidores encarregados so mais confiveis. (O mesmo se passa com Granada, que se tornou um grande centro de lavagem de dinheiro das drogas, desde a invaso americana. A Nicargua tambm se tornou um importante canal de ligao para o mercado americano de drogas, depois da vitria de Washington na eleio de 1990. A norma padronizada - assim como a omisso em perceb-la.)

Vacinando o Sudeste Asitico

As guerras americanas na Indochina fazem parte da norma geral. Por volta de 1948, o Departamento de Estado reconheceu claramente que o Viet Minh, a resistncia antifrancesa comandada por Ho Chi Min, era o movimento nacional do Vietn. Mas o Viet Minh no cedeu o controle s oligarquias locais, favorecendo ento o desenvolvimento independente e ignorando os interesses dos investidores estrangeiros.

Temia-se que o Viet Minh pudesse ter xito, j que, nesse caso, "a podrido propagar-se-ia" e o "vrus infectaria" a regio, para adotar a linguagem que os estrategistas usaram anos aps anos. (Com exceo de alguns loucos e alienados, ningum temia a conquista - o que eles mais temiam era que um exemplo positivo fosse bem sucedido.)

O que se faz quando se tem um vrus? Primeiro voc o destri e, em seguida, vacina as vtimas em potencial para que a doena no se propague. essa a estratgia que os EUA utilizam no Terceiro Mundo.

Se possvel, aconselhvel fazer com que os militares locais destruam para voc. Se eles no puderem, voc ter de contar com suas prprias foras. Isso mais oneroso, e deselegante, mas algumas vezes voc tem de fazer isso. O Vietn foi um desses lugares em que tivemos de agir assim.

Bem no final dos anos 1960, os EUA bloquearam todas as tentativas de um acordo poltico para o conflito, mesmo aqueles propostos pelos generais de Saigon. Se houvesse um acordo poltico, poderia haver progresso na direo de um desenvolvimento bem sucedido fora da nossa influncia - resultado esse inaceitvel.

Ao invs disso, ns instalamos um terror de Estado, de estilo tipicamente latino-americano no Sul do Vietn, subvertendo a nica eleio livre na histria do Laos, porque o lado errado ganhou, e bloqueamos a eleio no Vietn, porque era bvio que o lado errado iria ganhar l tambm.

O governo Kennnedy fez uma escalada de ataque contra o Vietn do Sul, partindo de um macio terror de Estado para uma agresso aberta. Johnson enviou uma enorme fora expedicionria para atacar o Sul do Vietn e expandiu a guerra para toda a Indochina. Isso certamente destruiu o vrus - porm, a Indochina ter sorte se dentro de cem anos conseguir se recuperar.

Enquanto os EUA extirpavam a doena do desenvolvimento independente pela raiz no Vietn, evitaram tambm sua propagao, apoiando a tomada de poder na Indonsia por Suharto, em 1965, promovendo a queda da democracia nas Filipinas por Ferdinando Marcos, em 1972, e apoiando a lei marcial na Coria do Sul e na Tailndia, e assim por diante.

O golpe de Suharto na Indonsia, em 1965, foi particularmente bem acolhido pelo Ocidente, porque destruiu ali o nico partido poltico de massa resultando em poucos meses numa matana de cerca de setecentas mil pessoas, a maioria camponeses sem terra - "um raio de luz na sia", como se rejubilou o principal pensador do The New York Times, James Reston, assegurando aos seus leitores que os EUA tinham participado desse triunfo.

O Ocidente ficou muito grato em fazer negcios com o novo lder "moderado" da Indonsia, como o Christian Science Monitor descreveu o general Suharto, aps ele ter lavado as mos de sangue enquanto acumulava centenas de milhares de cadveres do Timor e de outras partes. Esse impressionante extermnio de massa "um blsamo para o corao", assegurou-nos o respeitvel Economist, referindo-se, sem dvida, sua atitude em relao s empresas ocidentais.

Depois que a guerra do Vietn terminou, em 1975, o objetivo principal dos Estados Unidos tem sido maximizar o sofrimento e a represso nos pases que foram devastados pela violncia. O grau de crueldade realmente espantoso.

Quando os menonitas tentaram vender lpis para o Camboja, o Departamento de Estado tentou impedi-los. Quando a Oxfam tentou enviar-lhes dez bombas solares, a reao foi igual. O mesmo se sucedeu com os grupos religiosos que tentaram mandar ps escavadeiras para o Laos, para que fossem desenterradas as bombas lanadas pelos ataques americanos.

Quando a ndia tentou enviar cem bfalos domsticos para o Vietn para compensar a quantidade enorme de gado destruda pelos ataques americanos - lembre-se que, nesse pas primitivo, o bfalo domstico representa o fertilizante, o trator e a sobrevivncia -, os Estados Unidos ameaaram cancelar o programa de ajuda Alimento para a Paz. (Com isso, at Orwell ficaria surpreso.) Nenhum grau de crueldade suficientemente grande para os sdicos de Washington. As classes instrudas conhecem o suficiente para olhar do outro lado.

Para sangrar o Vietn, ns apoiamos indiretamente o Khmer Vennelho por intermdio de nossos aliados, China e Tailndia. Os cambojanos tiveram de pagar com sangue at estarmos seguros de que no haveria recuperao no Vietn. Os vietnamitas foram punidos por terem enfrentado a violncia norte-americana.

Ao contrrio do que praticamente todos dizem - direita ou esquerda -, os Estados Unidos alcanaram seu objetivo na Indochina. O Vietn foi destrudo. No h mais perigo ali de um desenvolvimento bem-sucedido poder servir de modelo para outros pases da regio.

Logicamente, no foi uma vitria total para os Estados Unidos. Nossa grande meta - a de reincorporar a Indochina ao sistema global dominado pelos EUA - ainda no foi alcanada.

Mas o nosso objetivo bsico - o decisivo, o que realmente importava - foi o de destruir o vrus, e isso ns conseguimos. O Vietn um pas em desespero e os Estados Unidos fazem o que podem para mant-lo assim. Em outubro de 1991, os Estados Unidos ignoraram mais uma vez os enrgicos protestos de seus aliados, na Europa e no Japo, e renovaram o embargo e as sanes contra o Vietn. Os pases de Terceiro Mundo devem aprender que no podem ousar levantar a cabea. Seno, o valento global os perseguir incansavelmente por cometerem esse crime inconfessvel.

A Guerra do Golfo

A Guerra do Golfo ilustrou bem este mesmo guia de princpios, como poderemos ver claramente, se levantarmos o vu da propaganda.

Quando o Iraque invadiu o Kuwait, em agosto de 1990, o Conselho de Segurana da ONU imediatamente condenou o Iraque e lhe imps severas sanes. Por que a ONU reagiu to prontamente e com uma firmeza to sem precedentes? A aliana entre a mdia e o governo norte-americano tinha uma resposta padro.

Primeiro, disseram-nos que a agresso iraquiana era um crime singular e, portanto, merecia uma reao singularmente dura. "A Amrica est onde sempre esteve - contra a agresso, contra todos aqueles que usam da fora para substituir o imprio da lei" - assim fomos informados pelo presidente Bush - o invasor do Panam e nico chefe de Estado condenado pela Corte Internacional pelo uso ilegal da fora (a condenao da Corte deveu-se ao ataque norte-americano contra a Nicargua). A mdia e as classes instrudas repetiram obedientemente a lio ditada pelo seu lder, curvando-se em reverncia grandiosidade de seus altos princpios.

Segundo, essas mesmas autoridades declararam, em coro, que finalmente a ONU estava agora funcionando como fora planejada. Eles argumentavam que isso era impossvel antes do fim da Guerra Fria, quando a ONU se tornou ineficiente graas dissidncia da Unio Sovitica e estridente retrica antiocidental do Terceiro Mundo.

Nenhum desses argumentos resistem, mesmo por um instante, a um exame mais minucioso. Nem os EUA e nem os demais pases aliados estavam sustentando algum alto princpio no Golfo. O motivo dessa resposta sem precedentes a Sadam Hussein no foi sua brutal agresso, mas sim por ele ter pisado em falso.

Sadam Hussein um gngster assassino exatamente como era antes da Guerra do Golfo, quando ele era nosso amigo e scio comercial favorito. Sua invaso ao Kuwait foi certamente uma atrocidade, porm dentro dos padres de outros crimes praticados pelos Estados Unidos e seus aliados, e nem to terrvel quanto as que ocorreram em outras regies. Por exemplo, a invaso da Indonsia e a anexao do Timor Oriental, que alcanaram propores prximas s de um genocdio, devido ao decisivo apoio dos EUA e de seus aliados. Talvez um quarto dos setecentos mil habitantes tenham sido mortos, uma carnificina superior ocorrida em Pol Pot, em relao populao, naquele mesmo perodo.

Nosso embaixador na ONU naquela poca (hoje senador por Nova York), Daniel Moynihan, assim explicou sua faanha na ONU em relao ao Timor Oriental: "Os EUA queriam que as coisas ocorressem justamente da forma como ocorreram, e trabalharam para isso. O Departamento de Estado desejava que a ONU comprovasse sua total ineficcia em quaisquer medidas que fossem empreendidas por ela. Esta tarefa foi dada a mim, e eu a cumpri com considervel sucesso.

O ministro das Relaes Exteriores australiano justificou a aquiescncia de seu pas na invaso do Timor Oriental (e a participao com a Indonsia no roubo das ricas reservas de petrleo do Timor) dizendo simplesmente que "o mundo um lugar muito injusto, repleto de exemplos de conquistas pela fora". Quando o Iraque invadiu o Kuwa