1027

Ciência Política - Archive

  • Upload
    others

  • View
    14

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Ciência Política - Archive
Page 2: Ciência Política - Archive
Page 3: Ciência Política - Archive
Page 4: Ciência Política - Archive

ORELHA:PAULOBONAVIDESéDoutorhonoriscausapelaFaculdade

deDireitodaUniversidadedeLisboa;ProfessorEméritodafaculdadede

DireitodaUniversidadeFederaldoCeará;ProfessorVisitantenas

Page 5: Ciência Política - Archive

UniversidadesdeColonia(1982),Tennessee(1984)eCoimbra(1989);

LentenoSeminárioRomânicodaUniversidadedeHeidelberg(1952-

1953);MembroCorrespondentedaAcademiadeCiênciadaRenâniado

Norte-Westfália(Alemanha);MembroCorrespondentedo“Institutode

DerechoConstitucionalyPolítico”,dafaculdadedeCiênciasJurídicase

SociaisdaUniversidadeNacionaldeLaPlata,naArgentina;Membro

CorrespondentedoGrandeColégiodeDoutoresdaCatalunha

(Espanha);MembrodoComitêdeIniciativaquefundouaAssociação

InternacionaldeDireitoConstitucional(Belgrado);Membroda

“AssociationInternationaledeSciencePolitique”(França),da

“InternationaleVereinigungfuerRechtsundSozialphilosophie”

(Wiesbaden,Alemanha),daAcademiaBrasileiradeLetrasJurídicas,do

InstitutoIbero-americanodeDireitoConstitucional,daOrdemdos

AdvogadosdoBrasiledoInstitutodosAdvogadosBrasileiros;“Niemann

fellow-Associate”daUniversidadedeHarvard(1944-1945);prêmio

CarlosdeLaetdaAcademiaBrasileiradeLetras(1948)ePrêmio

MedalhaRuiBarbosadaOrdemdosAdvogadosdoBrasil(1996).

Dentresuasobrascabedestacar:

•CursodeDireitoConstitucional(10aed.,2000);

•TeoriadoEstado(3aed.,1995);

•Reflexões-PolíticaeDireito(3aed.,1998);

Page 6: Ciência Política - Archive

•AConstituiçãoAberta(2ªed.,1996);e

•DoEstadoLiberalaoEstadoSocial(6aed.,1996),

todasporestaEditora,alémdePolíticaeConstituição:osCaminhosda

Democracia(1985)eConstituinteeConstituição(2aed.,1987).

CONTRACAPA:CIÊNCIAPOLÍTICA-PauloBonavides:Estaedição,

revistaeatualizada,éumacontecimentoderelevonabibliografia

políticadoPaís.Raramenteumaobradessegênero,versandoa

temáticodaciênciadogoverno,tevetãovastaaceitaçãonomeio

universitáriobrasileiroquantoestadoProfessorPauloBonavides.

Desdemuito,elasetornouumaespéciedevademecumdosestudantes

deCiênciaPolítica.Vazadoemlinguagemlímpidaeelegante,

transcendeuasestantesdetodaumageraçãodealunosdasnossas

Universidadesatélograr,comigualêxitoeabrangência,afamiliaridade

deumcírculocadavezmaisamplodeleitores,emtodososmeios

cultos,ondeointeressepelofenômenopolíticoepelodestinodas

instituiçõesquenosgovernamépreocupaçãodecadadia.

Clássica,didáticaeatraente,estaobrafazjusaoprestígioeinfluência

dequedesfruta,tantonasesferasacadêmicascomonoutrasfaixasdo

Page 7: Ciência Política - Archive

públicovolvidoparaessamatéria,semdúvidafascinante.

QuantoaoAutor,trata-sedeumpublicistaconsagrado,nacionale

internacionalmente,figurando,semfavor,comodisseoMinistro

OswaldoTrigueiro,entreosprecursoresdaCiênciaPolíticaemnosso

País.

http://groups.google.com/group/digitalsource

CIÊNCIAPOLÍTICA

PAULOBONAVIDES

CIÊNCIAPOLÍTICA

10ªedição

(revista,atualizada)

9atiragem

CIÊNCIAPOLÍTICA

©PAULOBONAVIDES

1ªed.1967;2aedição1972;2aedição,2ªtiragem,1974;

3aedição,1976;4aedição,1978;5aedição,1983;6aedição,1986;

7ªedição,1988;8aedição,1992;9aedição,1993;

(todaspelaCompanhiaEditoraForense)

10aedição,1atiragem,1994;2ªtiragem,06.1995;

Page 8: Ciência Política - Archive

3atiragem,04.1996;4atiragem,02.1997;5atiragem,07.1997;

6atiragem,01.1998;7atiragem,02.1999;8atiragem,01.2000.

ISBN85-7420-023-9

Direitosreservadosdestaediçãopor

MALHEIROSEDITORESLTDA.

RuaPaesdeAraújo,29,conjunto171

CEP04531-940—SãoPaulo—SP

Tel.:(0xx11)3842-9205

Fax:(0xx11)3849-2495

URL:www.malheiroseditores.com.br

e-mail:[email protected]

Composição

HelvéticaEditorialLtda.

Capa

VâniaLúciaAmato

ImpressonoBrasil

PrintedinBrazil

04-2000

AYeda,apresençadesempre,no

sofrimentoenasalegrias

A

Page 9: Ciência Política - Archive

RaimundoPascoalBarbosa

PauloLopoSaraiva

DemócritoRochaDummar

HildebrandoEspínola

RobertoÁtilaAmaralVieira

WillysSantiagoGuerra

CiroGomes

Àmemóriade

AnnibalFernandesBonavides

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO,

PREFÁCIODA1ªEDIÇÃO,

PREFÁCIODA2ªEDIÇÃO,

PREFÁCIODA3ªEDIÇÃO,

PREFÁCIODA4ªEDIÇÃO,

CAPÍTULOI—CIÊNCIAPOLÍTICA

1.ConceitodeCiência—2.Naturalistasversusidealistas

(espiritualistas,historicistaseculturalistas)—3.ACiênciaPolíticaeas

dificuldadesterminológicas—4.Prismafilosófico—5.Prisma

sociológico—6.Prismajurídico—7.Tendênciascontemporâneaspara

otridimensionalismo.

Page 10: Ciência Política - Archive

CAPÍTULO2—ACIÊNCIAPOLÍTICAEASDEMAISCIÊNCIAS

SOCIAIS

1.ACiênciaPolíticaeoDireitoConstitucional—2.ACiênciaPolíticae

aEconomia—3.ACiênciaPolíticaeaHistória—4.ACiênciaPolíticae

aPsicologia—5.ASociologiaPolítica,umanovaameaçaàCiência

Política?.

CAPÍTULO3—ASOCIEDADEEOESTADO

1.ConceitodeSociedade—2.AinterpretaçãoorganicistadaSociedade

—3.Aréplicamecanicistaaoorganicismosocial—4.Sociedadee

Comunidade—5.ASociedadeeoEstado—6.ConceitodeEstado;6.1

Acepçãofilosófica;6.2Acepçãojurídica;6.3Acepçãosociológica—7.

ElementosconstitutivosdoEstado.

CAPÍTULO4—POPULAÇÃOEPOVO

1.Conceitodepopulação—2.Desafiodofantasmamalthusianoao

EstadoModerno—3.Aexplosãodemográficaameaçaofuturoda

humanidade—4.Opesadelodossubdesenvolvidos—5.Opessimismo

dasestatísticas—6.Aposiçãoprivilegiadadospaísesdesenvolvidos—

7.Conceitopolíticodepovo—8.Conceitojurídico—9.Conceito

sociológico.

CAPÍTULO5—ANAÇÃO

1.Nação:umconceitoequívoco?—2.Oerrodetomarinsuladamente

Page 11: Ciência Política - Archive

elementosformadoresdoconceitodenação:raça,religiãoelíngua—3.

Oconceitovoluntarismodenação—4.Oconceitonaturalísticode

nação—5.PassosnotáveisdaobradeRenanfixandooconceitode

nação—6.AnaçãoorganizadacomoEstado:oprincípiodas

nacionalidadeseasoberanianacional.

CAPÍTULO6—DOTERRITÓRIODOESTADO

1.ConceitodeTerritório—2.Oproblemadomarterritorial—3.Os

limitesdomarterritorialbrasileiro—4.Subsoloeplataforma

continental;4.1AONUeaplataformacontinental;4.2OBrasilea

plataformacontinental—5.Oespaçoaéreo—6.Oespaçocósmico—7.

ExceçõesaopoderdeimpériodoEstado—8.Concepçãopolíticado

Território—9.ConcepçãojurídicadoTerritório;9.1Ateoriado

Território-Patrimônio;9.2AteoriadoTerritório-Objeto;9.3Ateoriado

Território-Espaço;9.4AteoriadoTerritório-Competência.

CAPÍTULO7—OPODERDOESTADO

1.Doconceitodepoder—2.Imperatividadeenaturezaintegrativado

poderestatal—3.Acapacidadedeauto-organização—4.Aunidadee

indivisibilidadedopoder—5.Oprincípiodelegalidadeelegitimidade,

—6.Asoberania,110.

CAPÍTULO8—LEGALIDADEELEGITIMIDADEDOPODER

POLÍTICO

Page 12: Ciência Política - Archive

1.Oprincípiodalegalidade—2.Oprincípiodalegitimidade—3.Como

seformouoprincípiodalegalidadeeaespéciedelegitimidadequeesse

princípioprocurouestabelecer—4.Acrisehistóricadalegalidadee

legitimidadedopoder—5.Aconsideraçãofilosóficadoproblemada

legitimidade—6.Osfundamentossociológicosdalegitimidade;6.1A

legitimidadecomorepresentaçãodeumateoriadominantedopoder;6.2

Astrêsformasbásicasdemanifestaçãodalegitimidade:acarismática,a

tradicionalealegalouracional—7.Oaspectojurídicodalegitimidade

—8.Alegitimidadenoexercíciodopoder—9.Alegalidadeea

legitimidadedopodercomotemasdaCiênciaPolítica.

CAPÍTULO9—ASOBERANIA

1.Oproblemadasoberania—2.Formaçãohistóricadoconceitode

soberania—3.Afirmaçãoabsoluta,afirmaçãorelativaenegaçãodo

princípiodesoberania—4.Traçoscaracterísticosdasoberania—5.O

titulardodireitodesoberania:asdoutrinasteocráticaseasdoutrinas

democráticas—6.Doutrinasteocráticas;6.1Doutrinadanatureza

divinadosgovernantes;6.2Doutrinadainvestiduradivina;6.3Doutrina

dainvestiduraprovidencial—7.Asdoutrinasdemocráticas;7.1A

doutrinadasoberaniapopular;7.2Adoutrinadasoberanianacional—

8.Revisãodoconceitodesoberania.

CAPÍTULO10—ASEPARAÇÃODEPODERES

Page 13: Ciência Política - Archive

1.Origemhistóricadoprincípio:soberaniaeseparaçãodepoderes—2.

Osprecursoresdaseparaçãodepoderes—3.Adoutrinadaseparação

depoderesnaobradeMontesquieu—4.Ostrêspoderes:legislativo,

executivoejudiciário—5.Astécnicasdecontrolecomocorretivoparao

rigorerigidezdaseparaçãodepoderes—6.Primadodaseparaçãode

poderesnadoutrinaconstitucionaldoliberalismo—7.Embuscade

umquartopoder:omoderador—8.Declínioereavaliaçãodoprincípio

daseparaçãodepoderes.

CAPÍTULO11—OESTADOUNITÁRIO

1.DoEstadounitário—2.OEstadounitáriocentralizadoeasformas

de

centralização;

Page 14: Ciência Política - Archive

2.1Centralização

política;

Page 15: Ciência Política - Archive

2.2Centralização

administrativa;2.3Centralizaçãoterritorialecentralizaçãomaterial;2.4

Centralizaçãoconcentrada;2.5Centralizaçãodesconcentrada—3.

Vantagensedesvantagensdacentralização—4.OEstadounitário

descentralizado:adescentralizaçãoadministrativa—5.OEstado

unitáriodescentralizadoeoEstadofederal.

CAPÍTULO12—ASUNIÕESDEESTADOS

1.AsUniõesdeEstados;1.1UniõespartidáriaseUniõesdesiguais;1.2

UniõesdeDireitoInternacionaleUniõesdeDireitoConstitucional;1.3

UniõessimpleseUniõesinstitucionais—2.AUniãoPessoal—3.A

UniãoReal;3.1TeoriajurídicadaUniãoReal;3.2DoconceitodeUnião

Real;3.3Aspectosjurídicos,políticoseadministrativosdeUniãoReal;3.4

ExemploshistóricosdeUniãoReal—4.AConfederação—5.A

“Commonwealth”—6.AsUniõesdesiguais:oEstadoprotegidoeas

modalidadesdeProtetorados—7.OutrasformasdeUniõesdesiguais;

7.1OEstadovassalo;7.2OEstadosobmandatoeadministração

fiduciária—8.DoProtetorado“imperialista”aoProtetorado“ideológico”

(eimperialista).

CAPÍTULO13—OESTADOFEDERAL

Page 16: Ciência Política - Archive

1.ConceitodeEstadofederal—2.OEstadofederalcomoFederação;

2.1DistinçãoentreFederaçãoeConfederação;2.2Aleidaparticipaçãoe

aleidaautonomia—3.OEstadofederalemsimesmofrenteaos

Estados-membros;3.1Oladounitáriodaorganizaçãofederal;3.2A

supremaciajurídicadoEstadofederalsobreosEstadosfederados—4.

OsEstados-membroscomounidadesconstitutivasdosistema

federativo—5.Acrisedofederalismo:ocasooutransformaçãoda

ordemfederativaesuarepercussãonoBrasil.

CAPÍTULO14—ASFORMASDEGOVERNO

1.FormasdegovernoeformasdeEstado—2.Aclassificaçãode

Aristóteles:monarquia,aristocraciaedemocracia—3.Oacréscimo

romanoàclassificaçãodeAristóteles:ogovernomisto(Cícero)—4.As

modernasclassificaçõesdasformasdegoverno:deMaquiavele

Montesquieu—5.Formasfundamentaiseformassecundáriasde

governo(Bluntschli)—6.Asformasdegovernosegundoocritérioda

separaçãodepoderes:governoparlamentar,governopresidenciale

governoconvencional—7.Acrisedaconcepçãogovernativaeasduas

modalidadesbásicasdegoverno:governospeloconsentimentoe

governospelacoação.

CAPÍTULO15—OSISTEMAREPRESENTATIVO

1.Osistemarepresentativoeasdoutrinaspolíticasdarepresentação—

Page 17: Ciência Política - Archive

2.Adoutrinada“duplicidade”,alicercedoantigosistemarepresentativo

daépocadoliberalismo—3.ARevoluçãofrancesaconsolidaadoutrina

da“duplicidade”—4.Apogeunaaplicaçãoconstitucionaldadoutrina

da“duplicidade”—5.Declínioda“duplicidade”noséculoXX—6.A

críticadeRousseauaosistemarepresentativo—7.Adoutrinada

“identidade”:governantesegovernados,umasóvontade—8.A

doutrinada“identidade”supõeopluralismodasociedadedegrupos—

9.Oprincípiodemocráticoda“identidade”éumanovailusãodo

sistemarepresentativo—10.Nadinâmicadosgruposedascategorias

intermediáriasseachaanovarealidadedoprincípiorepresentativo—

11.Adecomposiçãodavontadepopulardeterminouacrisedosistema

representativo:doprincípiodarepresentaçãoprofissionalaosgruposde

pressãonoEstadocontemporâneo—12.Umanovateoriada

representaçãopolítica,defundamentomarxista:arepresentaçãocomo

simplesrelaçãoentregovernantesegovernados(Sobolewsky).

CAPÍTULO16—0SUFRÁGIO

1.Osufrágio—2.Éosufrágiodireitooufunção?—3.Osufrágiocomo

“direitodefunção”(doutrinaitaliana)—4.Osufrágiorestrito—5.O

sufrágiouniversal—6.Restriçõesaosufrágiouniversal;6.1

Nacionalidade;6.2Residência;6.3Sexo;6.4Idade;6.5Capacidade

físicaoumental;6.6Graudeinstrução;6.7Aindignidade;6.8Oserviço

Page 18: Ciência Política - Archive

militar;6.9Oalistamento—7.Apropagaçãodosufrágiouniversal—8.

Sufrágiopúblicoesufrágiosecreto—9.Sufrágioigualesufrágioplural

—10.Modalidadesdesufrágioplural;10.1Sufrágiomúltiplo;10.2

Sufrágiofamiliar—11.Sufrágiodiretoesufrágioindireto—12.A

participaçãodoanalfabeto.

CAPÍTULO17—OSSISTEMASELEITORAIS

1.Daimportânciadossistemaseleitorais—2.Osistemamajoritáriode

representação—3.Asvantagensdosistemamajoritário—4.Os

inconvenientesdosistemamajoritário—5.Osistemaderepresentação

proporcional—6.Efeitospositivosdarepresentaçãoproporcional—7.

Efeitosnegativosdarepresentaçãoproporcional—8.Problemasda

representaçãoproporcional:adeterminaçãodonúmerodecandidatos

eleitos(sistemasadotados)—9.Oproblemadas“sobras”eleitoraiseos

métodosempregadospararesolvê-lo—10.Oproblemadaeleiçãodos

candidatosnaslistaspartidárias—11.As“cláusulasdebloqueio”

(Sperrklauseln)eaameaçarepressivaquepesasobreospequenos

partidos—12.Osistemaeleitoralbrasileiro:princípiomajoritárioe

princípioderepresentaçãoproporcional.

CAPÍTULO18—0MANDATO

1.Danaturezadomandato—2.Omandatorepresentativo—3.Traços

característicosdomandatorepresentativo;3.1Ageneralidade;3.2A

Page 19: Ciência Política - Archive

liberdade;3.3Airrevogabilidade;3.4Aindependência—4.Omandato

imperativo;4.1Ascensãocontemporâneadomandatoimperativo.

CAPÍTULO19—ADEMOCRACIA

1.Doconceitodedemocracia—2.Ademocraciadireta:suaprática

tradicionalnoEstado-cidadedaGrécia;2.1Asbasesdademocracia

grega:aisonomia,aisotimiaeaisagoria;2.2Oelogiohistóricoda

democracianaantigüidadeclássica—3.Ademocraciaindireta

(representativa)eaimpossibilidadedoretornoàdemocraciadireta;3.1

Ostraçoscaracterísticosdademocraciaindireta;3.2Ademocracia

semidireta—4.AdemocraciasemidiretanoséculoXX.Apogeue

declíniodeseusinstitutos—5.Ademocraciaeospartidospolíticos:a

realidadecontemporâneadoEstadopartidário.

CAPÍTULO20—OSINSTITUTOSDADEMOCRACIASEMIDIRETA

1.Osinstitutosdademocraciasemidireta—2.Oreferendum;2.1

Modalidadesdereferendum;2.2Ocritériodaclassificaçãodo

referendum;2.3Oreferendumconsultivo;2.4Oreferendumarbitral;2.5

Asvantagensdoreferendum;2.6Osinconvenientesdoreferendum;2.7

Síntese

dos

resultados

do

Page 20: Ciência Política - Archive

referendum

no

constitucionalismo

contemporâneo—3.Oplebiscito—4.Ainiciativa—5.Odireitode

revogação;5.1Orecall;5.2Orecalldosjuizesedasdecisõesjudiciárias;

5.3OAbberufungsrecht—6.Oveto.

CAPÍTULO21—OPRESIDENCIALISMO

1.Asorigensamericanasdosistemapresidencialdegoverno—2.Os

princípiosbásicosdopresidencialismo—3.RelaçõesentreExecutivoe

Legislativonaformapresidencialdegoverno—4.Ospoderesdo

PresidentedaRepública—5.OpoderpresidencialnosEstadosUnidos

—6.OpoderpresidencialnoBrasil(asatribuiçõesdoPresidenteda

República)—7.AmodernizaçãodopoderExecutivoeoperigodas

“ditadurasconstitucionais”—8.OMinistério—9.OMinistériono

presidencialismobrasileiro—10.AfiguraconstitucionaldoVice-

Presidente;10.1Ainutilidadedocargo;10.2UmVice-Presidenteparaser

ouvidoenãoapenasvisto;10.3OVice-Presidentenascrisesdasucessão

presidencial;10.4AvaloraçãodeliberadadaVice-Presidêncianos

EstadosUnidos;10.5AsubstituiçãodoPresidenteemcasode

incapacidade—11.AVice-Presidêncianopresidencialismobrasileiro—

12.OCongressoeacompetênciadasCâmarasnosistemapresidencial

Page 21: Ciência Política - Archive

—13.Opresidencialismo,técnicadademocraciarepresentativa—14.

Osvíciosdopresidencialismo—15.Oimpeachmenteaausênciade

responsabilidadepresidencial—16.AeleiçãodoPresidenteda

Repúblicaeoimpeachmentnosistemapresidencialbrasileiro—17.

Elogiodosistemapresidencialdegoverno—18.Opresidencialismono

Brasil:surpresaeintempestividadedesuaadoção—19.Omalogroda

experiênciapresidencialeotestemunhoidôneodeRuiBarbosa.

CAPÍTULO22—OPARLAMENTARISMO

1.Aformaçãohistóricadosistemaparlamentar:ogoverno

representativoeamonarquialimitadacomopontodepartida—2.O

parlamentarismo

dualista

(monárquico-aristocrático)

ou

parlamentarismoclássico;2.1Aigualdadeentreoexecutivoeo

legislativo;2.2Acolaboraçãodosdoispoderesentresi;2.3Aexistência

demeiosdeaçãorecíprocanofuncionamentodoexecutivoedolegislativo

—3.Oparlamentarismomonista(democrático),característicodoséculo

XX—4.Dogovernoparlamentaraogovernodeassembléia(governo

convencional)—5.Criseetransformaçãodoparlamentarismo:as

tendências“racionalizadoras”contemporâneas—6.Dopseudo-

Page 22: Ciência Política - Archive

parlamentarismodoImpério(umparlamentarismobastardo)aoAto

Adicionalde1961,comomalogrodanovatentativadeimplantaçãodo

sistemaparlamentarnoBrasil.

CAPÍTULO23—OSPARTIDOSPOLÍTICOS

1.Dadefiniçãodopartidopolítico—2.Oconceitodepartidodoséculo

XX—3.Aimpugnaçãodoutrináriadospartidospolíticos—4.Partidos

efacções—5.Oelogiodopartidopolíticoeacompreensãodesua

importânciaessencialparaoEstadomoderno—6.Omissãoepresença

dospartidosnaliteraturapolíticaejurídica—7.Ospartidospolíticos

comorealidadesociológica:suaausênciadostextosconstitucionais—

Page 23: Ciência Política - Archive

8.

Os

partidos

políticos

como

realidade

jurídica:

tendência

contemporâneaparainseri-losnasConstituições—9.Asmodalidades

departidos:partidospessoaisepartidosreais(Hume),partidosde

patronagemepartidosideológicos(Weber),partidosdeopiniãoe

partidosdemassas(Burdeau),partidosdomovimentoepartidosda

conservação(Nawiasky).

CAPITULO24—OSSISTEMASDEPARTIDOS

1.Sistemabipartidário—2.Osistemamultipartidário—3.Opartido

único—4.Ateoriamarxistadopartidopolítico—5.Arepresentação

profissionaleospartidospolíticos—6.OpartidopolíticonaInglaterra

—7.OpartidopolíticonosEstadosUnidos.

CAPÍTULO25—OPARTIDOPOLÍTICONOBRASIL

Page 24: Ciência Política - Archive

1.AescassezdeestudossobreopartidopolíticonoBrasil—2.

Conservadoreseliberais,noImpério,reduzidosaumsópartido:odo

poder—3.Mentalidadeantipartidáriaeestadualismodospartidosna

RepúblicaVelha—4.Areformaeleitoraleopartidopolíticodepoisda

Revoluçãode1930—5.OretrocessodoEstadoNovo:extinçãodospar-

tidospolíticosemalogrodopartidoúnico—6.Ainstitucionalização

jurídicadospartidospolíticosnoBrasil(oavançodaConstituiçãode

1946)eacrisedopartidonacional—7.Requisitosparaaformaçãodos

partidoseevoluçãodosistemapartidárionasconstituiçõesbrasileiras

—8.OnovoEstadopartidáriodoConstitucionalismobrasileiro;8.1O

regimerepresentativoedemocrático;8.2Apersonalidadejurídica;8.3A

atuaçãopermanente;8.4Afiscalizaçãofinanceira;8.5Adisciplina

partidária;8.6Oâmbitonacional;8.7Avedaçãodecoligações

partidárias—9.Adimensãosociológicadopartidopolíticobrasileiro.

CAPÍTULO26—REVOLUÇÃOEGOLPEDEESTADO

1.Controvérsiasemtornodoconceitoderevolução—2.Conceito

histórico-cultural—3.Conceitosociológico—4.Conceitojurídico—5.

Conceitopolítico—6.Origemecausadasrevoluções—7.Asdistintas

fasesdaaçãorevolucionária—8.AcríticadaRevolução—9.Areforma

—10.Acontra-revolução—11.OgolpedeEstado—12.Atécnicado

golpedeEstado—13.GolpedeEstadoerevolução.

Page 25: Ciência Política - Archive

CAPÍTULO27—OSGRUPOSDEPRESSÃOEATECNOCRACIA

1.Conceitoeimportânciadosgruposdepressão—2.Osgruposde

pressãoeospartidospolíticos—3.Modalidadesdosgruposesua

organização—4.Atécnicadeaçãoecombatedosgruposdepressão—

5.Ainstitucionalizaçãodosgruposdepressão—6.Oaspectonegativo

—7.Oaspectopositivo—8.Corretivosàaçãodosgrupos—9.Na

tecnocracia,aterceiraameaça?.

CAPÍTULO28—AOPINIÃOPUBLICA

1.Aopiniãopública,umdostemasdemaisdifícilcaracterizaçãona

CiênciaPolítica—2.Doconceitodeopiniãopública—3.Aopinião

públicaesuaapariçãonopensamentopolítico—4.Pensadores

políticoseestadistasproclamamopoderdaopiniãopública—5.O

Estadoliberaleodogmadaopiniãopública—6.OEstadoautoritárioe

aopiniãopública—7.Asociedadedemassaseanaturezairracionalda

opiniãopública—8.Possívelrestauraçãodoprestígiodaopinião

públicanoEstadodemocráticodemassas—9.Aopiniãopúblicaeos

meiosdepropaganda.

BIBLIOGRAFIA

APRESENTAÇÃO

OProfessorPauloBonavides,daFaculdadedeDireitoda

UniversidadedoCeará,figura,semfavor,entreosprecursoresda

Page 26: Ciência Política - Archive

CiênciaPolíticaemnossopaís.Osváriostrabalhosquetempublicado,

principalmenteestaCiênciaPolítica,sãobrilhanteatestadodenítida

vocaçãouniversitária,aserviçodeumaespecialidadeacadêmicaque,

cadadia,setornamaisimportantenoplanodoensinosuperior.

Desdeosgregos,osfatosrelativosaogovernodasociedade

humanavêmsendoobjetodeestudos,emquesedestacaramfilósofose

pensadoresqueexerceraminfluênciaprofundaeduradouranacultura

ocidental.Masaconcepçãodeumaciênciaparticular,nessecampo,é

dedatarecente.Éaosanglo-saxõesquedevemosaprioridadena

fixaçãodeseuconteúdoenadefiniçãodeseuspropósitos.Tantona

Grã-BretanhacomonosEstadosUnidos,osfatosrelacionadoscoma

formaçãoeofuncionamentodogoverno—asideologias,ospartidos,as

eleições,ossistemasdeorganizaçãodoEstado—vêmsendo,desdeo

séculopassado,objetodoensinoepesquisa,emnumerosas

universidades.Oempirismodoensinojurídiconaquelespaíses,

certamenteteráconcorridoparaodesenvolvimentodessesestudos,fora

doâmbitodasescolasdedireito.

Nospaíseslatinos,acomeçarnaturalmentepelaFrança,somente

apartirdaúltimaguerraéquesevêmretirandoosestudossobreo

Estadoeogovernodaórbitadodireitoconstitucional,aqueestiveram

porlongotemporelegados.

Page 27: Ciência Política - Archive

ComoobservaMauriceDuverger,anovaorientaçãodoensino

universitárioproduziuduasconseqüênciasfundamentais.Porumlado,

jánãoseestudamapenasasrelaçõespolíticasdisciplinadaspelodireito

positivo,mastambémasque—comoospartidos,aopiniãopública,a

propaganda,osgruposdepressão—existem,comoatéhápouco

ocorria,inteiramenteàmargemdalei.Poroutrolado,operou-se

sensívelmodificaçãonoprópriocampodoensinotradicional,devezque

asinstituiçõesdegovernojánãosãoapreciadasapenassoboângulo

jurídico.Tornou-senecessárioverificaremquemedidaelasfuncionam

deconformidadecomodireitoestabelecido,eatéquepontoseu

funcionamentotranscorreforadoquadrolegal.Passou-se,semdúvida,

adarmaisimportânciaaosfatosdoqueatextosartificiais,

freqüentementedivorciadosdarealidadepolítica.

OobjetodaCiênciaPolítica,decertomodo,aindaéode

Aristóteles.Masaconfiguraçãodeumadisciplinauniversitária,parao

nossotempo,pressupõeorientaçãometodológicaeobjetividadede

pesquisacompatíveiscomasexigênciasdaciênciamoderna.

Decerto,aCiênciaPolíticaoperasobreterrenoque,alémde

movediço,aindanãoestáperfeitamentedelimitado.Comoassinalao

ProfessorBonavides,elaaindaassentaemconceitospolêmicosnãosó

quantoaométodocomotambémquantoàdefiniçãodeseuobjetivo.

Page 28: Ciência Política - Archive

Olivroqueeleagorapublicarepresentavaliosacontribuiçãopara

odesenvolvimentodaCiênciaPolíticaemnossopaís,ondeoensinoda

especialidade,aindapresoaocurrículojurídico,éprejudicadopor

deficiênciasnotórias.

Dá-nosoProfessorBonavides,nesteseuexcelentelivro,uma

seguravisãodoprogressodaCiênciaPolíticanospaísesondeelaestá

maisadiantada,particularmentequantoàdoutrinaalemã,queé,para

nós,amenosacessível.

Pelaclarezaexpositivaepelosegurodomíniodamatéria,onovo

livrodoProfessorBonavidesparece-medestinadoaamplaaceitaçãoe

largainfluêncianosmeiosuniversitáriosbrasileiros.É,assim,umlivro

quehonraaUniversidadedoCeará,conhecidaporseuespírito

renovadorequecontacomprofessoresdamaisaltaqualificaçãocomoo

ProfessorBonavides,paraoadequadodesempenhodesuamissão

científicaecultural.

OSWALDOTRIGUEIRO

PREFÁCIODA1ªEDIÇÃO

ApresenteCiênciaPolíticaélivroquesedestinaaoestudantedas

nossasUniversidadeseescolasavulsasdeensinosuperior,nasquais

hádisciplinasrelacionadascomoestudodoutrináriodasinstituições

políticasfundamentais.

Page 29: Ciência Política - Archive

Éademaistrabalhoquepodeserlidoemeditadocompossível

interessepelopúblicoemgeral,preocupadocomostemaspolíticosde

nossaépoca,decujasnascentesteóricaseconstanteevolverbuscamos

darconta,mostrandoigualmenteoperfildecertasidéiasesistemasde

elaboraçãoinstitucionaldoEstadomoderno,emsuafeição

contemporânea.

Ocapítuloprimeiroexpõe,largamente,oproblemada

caracterizaçãodaCiênciaPolíticaesuavinculaçãocomaFilosofia,a

SociologiaeaCiênciadoDireito.AdeterminaçãoconceitualdaCiência

Política,afixaçãodeseuobjeto,asrelaçõescomaTeoriaGeraldo

Estado—queseestendem,demaneirapolêmica,desdeadiligência

identificadoraatéumclarodelimitardeórbitas,intransigentepostulado

poralgunspublicistas—atudoissopassamosrevista,numpaíscomo

oBrasil,onde,nosúltimosanos,umageraçãodebrilhantesescritores

políticosvemabrindonovoshorizontesataisestudos,edando,não

raro,contributosdeexcepcionalvalia.

Naparterespeitanteaoterritório,acreditamoshaversupridouma

lacunaexpositivadosnossoscompêndiosdeTeoriaGeraldoEstado,

que,usualmente,omitemocapítuloacercadasdoutrinasquefixama

naturezajurídicadabaseterritorialdoEstado.

Amesmaafirmativaprocedenotocanteàlarguezae

Page 30: Ciência Política - Archive

desenvolvimentocomquenosreportamosaoregimerepresentativo,

fundamentoinstitucionaldelimitaçãodopoderdosgovernantes,bem

comoprincípiopeculiardeorganizaçãodaautoridadenoEstado

moderno,esobretudoaospartidospolíticos—instrumentosestes

essenciaisàparticipaçãoorganizadadasmassasnoprocessopolíticodo

séculoXX,eaque,aliás,consagramostrêsvastoscapítulos,umdos

quaisvotadoexclusivamenteaoexameeinterpretaçãodarealidade

partidáriaemnossoPaís.

Sempre

que

possível,

como

no

parlamentarismo

e

no

presidencialismo,debatemosocursopolíticodasinstituições

brasileiras,acujocomentárioereflexãonãoficamosestranhos.E

temas,comoalegalidadeelegitimidadedopoder,cujoconhecimento

históricoedoutrináriosenosafiguradegritantecontemporaneidade

parajulgamentoeavaliaçãodastransformaçõesinstitucionaishavidas

Page 31: Ciência Política - Archive

noBrasil,apósosextraordináriossucessosde1964,aparecemaqui

versadosdemaneiralargaeminudente,comindicaçãodasfontes

bibliográficasfundamentais.

Emsuma,omododeencararosfenômenoseasinstituições

políticasnãopôdefugiraotraçopessoaldoautor,manifestadanolivro

DoEstadoLiberalaoEstadoSocial,eemmaisescritos,queseacham

esparsosempublicaçõesespecializadas.Conseguintemente,asformas

políticasdonossoséculo,aoseremaquiexpostas,vêmmarcadaspela

notasocialqueasdestacamdeseuantecedentecunhoindividualista,

nosquadrosdoEstadoliberal.

PAULOBONAVIDES

PREFÁCIODA2ªEDIÇÃO

Afavoráveleexcepcionalacolhidadadaaestelivronomeio

universitáriobrasileiroanimou-seàpresenteedição,quevaibastante

ampliada,eemalgunspontossensivelmentemodificada,embuscade

feiçãodefinitiva.

CuidadoespecialeconstantedoAutortemsidoodeoferecer

sobreamatériadestecompêndiovisãoimediatadosproblemassobreos

quaisprocuraaCiênciaPolíticaassentarsuaordemdeindagações

básicas.

Abrangemosacréscimosainserçãodecapítuloscomoos

Page 32: Ciência Política - Archive

dedicadosaosgruposdepressãoeatecnocracia,arevoluçãoeogolpe

deEstado,aopiniãopública,ossistemaseleitorais,eaciênciapolítica

easdemaisciênciassociais.Reformulou-seporcompletoocapítulo

sobresistemarepresentativoeemprestou-setratamentoautônomoao

temanação.Consideráveisampliaçõessefizeramtambémtocanteaos

assuntospovoepopulação,comatentoexamedasdificuldadespolíticas

esociaisqueaexplosãodemográficadasegundametadedoséculoXX

suscitou

de

forma

angustiante

e

ameaçadora.

Enfim,

os

desenvolvimentosmaisrecentesdostemaspolíticosnaesferadateoria

edosconceitosforamlevadosemconta,tendoemvistaaatualizaçãoda

obraesuapossibilidadedeatendimentoàsexigênciascurriculares,

parapreparaçãoadequadadaquelesqueseintroduzemnessesestudos

deimportânciacadavezmaisalta.

Afigura-se-nosassimhavermelhoradoaqualidadedessa

Page 33: Ciência Política - Archive

contribuiçãodespretensiosa.Almejamosunicamentedaraoestudantee

aopúblicobrasileirouminstrumentodeiniciaçãoque,semperderde

vistaoprogressodaCiênciaPolítica,tenhaporprincipalpontodeapoio

aparteconstitutivamenosexpostaàsobjeçõesdequantosproduzem

argumentoscomquenegaràqueladisciplinaaautonomiapenosamente

propugnada.Autonomia—diga-sesemtemor—longeaindadevencer

atempestadedecontestaçãoeincertezasquedesdemuitorodeiao

objetodaCiênciaPolítica.

PAULOBONAVIDES

PREFÁCIODA3ªEDIÇÃO

Temosqualificadasrazõesparaexprimir,aoensejodaterceira

ediçãodestaCiênciaPolítica,afirmeconvicçãodehaverentregueao

nossoestudanteuniversitáriouminstrumentoútildeiniciaçãoe

orientaçãopertinenteaostemaspolíticosfundamentais.

Arapidezcomque,emmenosdedezanos,vimossesucederem

várioslançamentosdestaobra,adotadadesdemuitocomolivro-texto

nasprincipaisUniversidadesecasasisoladasdeensinosuperiordo

País,comprovaoaltograudepenetraçãoquevemlograndonosmeios

acadêmicoseculturais.

ACiênciaPolítica,aindahápoucoumadisciplinabalbucianteou

semidesconhecidanoBrasil,deitadeúltimoprofundasraízesna

Page 34: Ciência Política - Archive

culturanacional,indicativasdoreconhecimentocadavezmaislargoda

importânciaatribuídaaosestudossobreoPodereoEstado.

Aprecedenteediçãoconfirmara,aliás,nossolivrocomorealmente

prestante,poratendernocampodateoriaedainformaçãopolíticaa

necessidadesatualizadorasindeclináveis.Osacréscimossubstanciais

introduzidosemprestaram-lheumaunidadetemática,volvidatanto

paraaspectosteóricoscomoparaodesenvolvimentodarealidade

políticabrasileira,conformehavíamosassinaladojánoPrefácio.

Recebeuacríticacompetenteasmodificaçõesfeitasdeumaforma

quenosanimaaconservaraobradentrodaestruturaestabelecida,

semnecessidadedealteraçõesmaisamplas.Nãoexcluiisso,todavia,a

possibilidadefuturadeeventuaisalargamentos,àmedidaqueareflexão

assimoaconselheouadilataçãodoprogressocientíficonaesfera

políticafaçadamudançademétodooudainserçãodenovostemas

umaexigênciaindispensávelàpreservaçãodospadrõesaquesempre

aspiramos.

Demais,observamosqueaaceitaçãodestelivronãosecingiuà

órbitauniversitárianemàdisciplinaespecíficadaCiênciaPolíticanos

currículosacadêmicos,masalcançoumatériasafinseáreasmenos

especializadas,emqueentramdistintascategoriasdeumpúblicoávido

deinteirar-sedosfundamentosdaaçãopolíticarelativaauma

Page 35: Ciência Política - Archive

sociedadegravementevulneradaporcriseseabalosnosistemade

convivênciahumanatraçadodentrodoquadrodacivilização

contemporânea.

Daquiseinfere,portanto,queoraiodeinteressedosassuntos

ventiladostranscendeadestinaçãonotoriamentedidáticadopresente

texto.

PAULOBONAVIDES

PREFÁCIODA4ªEDIÇÃO

OestudodaCiênciaPolítica,comosempreoentendemos,é

preparaçãoteóricaindispensávelàdecifraçãodarealidadepolíticanum

determinadomeiosocial.NãoháCiênciaPolíticaneutranem

indiferente,insuladanateorizaçãopuraounoconhecimento

exclusivamentetécnicodasvariaçõesdecomportamento,forada

finalidadequelheemprestamosvaloresdavida,dadoutrinaouda

ideologia.

Ofenômenodopoder,ascompetiçõesdegruposeindivíduospara

lograrinfluxosobreaformaçãodavontadeoficialouapoderar-sedos

instrumentosestataisdedecisão,bemcomoasinstituiçõesexistentese

oscanaisabertosaocursodessaação,constituemosubstratodetodaa

matériapolítica,cujoentendimentorequereimpõeexigênciasdefundo

teóricoque,anossover,estaobrasatisfaz.

Page 36: Ciência Política - Archive

Provasobejaeplenadoqueacabamosdeafirmaréapresente

edição,veículo,maisumavez,dumtextoqueministra,embomnível

universitário,aoestudantebrasileiro,osprincípiosfundamentaissobre

osquaisassentaaCiênciaPolítica.

PAULOBONAVIDES

1

CIÊNCIAPOLÍTICA

1.ConceitodeCiência—2.Naturalistasversusidealistas

(espiritualistas,historicistaseculturalistas)—3.ACiênciaPolítica

easdificuldadesterminológicas—4.Prismafilosófico—5.Prisma

sociológico—6.Prismajurídico—7.Tendênciascontemporâneas

paraotridimensionalismo.

1.ConceitodeCiência

DeAristótelesaKantnãosefazatentadiscriminaçãoentreos

conceitosdeciênciaefilosofia.

Equasesepodedizerqueaseparaçãoconceitualpertenceà

idademoderna.Sósevaitornarconscientenamedidaemqueaumenta

ohiatoentreasposiçõesmetafísicaenaturalista,porconseqüênciada

crisehavidanosestudosfilosóficos,desdeoRenascimento,quando

BaconeAristótelessedefiniamcomopólosopostosdareflexão

filosófica.

Page 37: Ciência Política - Archive

Deumlado,aatitudeescolástica,espiritualista,deraízescristãs,

aristotélicaseplatônicas.

Deoutro,ocomeçodaatitudequesecularizaopensamento

filosóficoemescolasrecentes,asquaissóchegam,noentanto,aopleno

amadurecimento

de

suas

teses

mais

professadamente

antiespiritualistasdepoisdaaberturadehorizontespelafilosofia

kantista.

Comefeito,foiafilosofiacríticaque,emboraconfessadamente

idealista,determinou,pelaambigüidadedeinterpretaçõesaquedeu

lugar,osimpulsosesugestõesindispensáveisdeondesaíram

concepçõesdetodoopostasaoidealismo.

Aciência,segundoAristóteles,tinhaporobjetoosprincípioseas

causas.

SantoTomásdeAquino,porsuavez,adefiniucomoassimilação

damentedirigidaaoconhecimentodacoisa(SummacontraGentiles,1

II,cap.60).

Page 38: Ciência Política - Archive

ViuBaconnamesmaaimagemdaessênciaeWolffdeclarouque

porciênciacumpreentender“ohábitodedemonstrarassertos,istoé,

deinferi-los,porconseqüêncialegítima,deprincípioscertose

imutáveis.”

Tudoquepossaserobjetodecertezaapodíticaéciênciapara

Kant.

Aesteconceitoacrescentououtro,maisemvoga,jádetodo

desembaraçadodeimplicaçãofilosófica,eaquenãohaviamchegado,

commáximaclareza,osseuspredecessores.

Comefeito,dizKantnosElementosMetafísicosdasCiênciasda

Naturezaqueporciênciasehádetomartodasériedeconhecimentos

sistematizadosoucoordenadosmedianteprincípios.1

DepoisdeKant,comaaçãointelectualdospositivistase

evolucionistas,torna-secadavezmaisprecisooconceitodeciência,

ficandoquasetodosacordesemdesigná-lacomooconhecimentodas

relaçõesentrecoisas,fatosoufenômenos,quandoocorreidentidadeou

semelhança,diferençaoucontraste,coexistênciaousucessãonessa

ordemderelações.2

Acaracterizaçãodaciênciaimplica,segundoinumeráveisautores,

atomadadedeterminadaordemdefenômenos,emcujapluralidadese

buscaumprincípiodeunidade,investigando-seoprocessoevolutivo,as

Page 39: Ciência Política - Archive

causas,ascircunstâncias,asregularidadesobservadasnocampo

fenomenológico.

ComSpencerbaqueiamtodasasvacilaçõesedificuldades

porventuraaindaexistentes.Suafórmuladecaracterizaçãoédasmais

perfeitas,simplesenítidasqueseconhecem.

Há,segundoele,trêsvariantesdoconhecimento:conhecimento

empíricoouvulgar,conhecimentonãounificado;conhecimento

científico,conhecimentoparcialmenteunificadoeconhecimento

filosófico,conhecimentototalmenteunificado.

ComLittréareduçãoconceitualdeSpenceracercadosdistintos

ramosdoconhecimentoreaparecenabelafrasequeoscompêndios

usualmentereproduzem:“aciênciaéageneralizaçãodaexperiência,ea

filosofia,ageneralizaçãodaciência”.

Asquatrociênciasfundamentaisqueainspiraçãopositivista,

evolucionistaepragmatistadoséculoXIXapontacomoclassificação

inabalávelseriam:aFísico-Química,queestudaosfenômenosdomundo

inorgânico;aBiologia,queseocupadosfenômenosdomundoorgânico;

aPsicologia,queabrangeosfenômenosdomundopsíquico,ea

Sociologia,quetratadosfenômenosdomundosocial.

Separadaaciênciadafilosofia,semgravesatritos,aparecendoa

primeiracomoordemdeconhecimentosparcialmenteunificadosea

Page 40: Ciência Política - Archive

segundacomoconhecimentocompletamenteunificadodosfenômenos

queservemdeobjetoatodaatividadecognoscitiva,restasaberseé

pontopacíficoaclassificaçãodasciênciasdaíresultante.

Aquitemosoutravezocismaentreespiritualistasepositivistas,

poisaoladodaclassificaçãodeComte—PaidoPositivismo—concorre

outra,nãomenosdifundida,queéaclassificaçãodosfilósofos

neokantistas,daescoladeBaden.

SegundoComte,asciênciassãoabstrataseconcretas.As

abstratas,naexplicaçãodeStuartMill,referidapeloprofessorJoaquim

Pimenta,3sãoaquelas“queseocupamdasleisquegovernamosfatos

elementaresdanatureza”,aopassoqueasconcretas,comociências

tributárias,ousecundárias,sereferem“aaspectosparticularesdos

fenômenos,porexemplo,ageologia,amineralogiaemrelaçãoàfísicae

àquímica,abotânicaeazoologia,emrelaçãoàbiologia,eassimpor

diante”.4

NoCursodeFilosofiaPositivaasciênciasabstratassão

apresentadasdeformahierárquica,segundoaordemdegeneralidadee

simplicidadedecrescenteeaordemdacomplexidadeeespecialização

crescente.Asciências,domodocomoasdispôsComte,vêmseriadasde

talsortequeaciênciaseguintedependedaantecedente,nãosendo

porémarecíprocaverdadeira.Àordemlógicaseacrescentaaordem

Page 41: Ciência Política - Archive

valorativa,istoé,dasciências“inferiores”sepassaàsciências

“superiores”,segundoograudeimportânciahumanaprogressiva.5A

unidadedasciênciasdomundocomasciênciasdohomeméperfeita,

figurandoasúltimasnograumaiselevadode“dignidade”do

conhecimento,ondeosfenômenos—fenômenosdasociedade—são,

peloseumáximoteordecomplexidade,osmaisdifíceisdeprevereos

maisfáceisdemodificar,obrigandoocientistaverdadeiroaoestudo

préviodasprimeirasciênciasdasérie,atéquelhepermitaoacessoao

ramomaisnobredaciência—aSociologia,ciênciadahumanidade,

Coroamentodetodaaformaçãocientífica.

AsseisciênciasfundamentaisdoCursodeFilosofiaPositivade

ComtesãoaMatemática,aAstronomia,aFísica,aQuímica,aBiologia

eaSociologia.Porvoltade1850,acrescentouComteumasétima

ciênciafundamental—aMoral.Comrespeitoaesseprolongamentoda

sérieporComte,escreveLaubier:“Tendoporobjetooestudodo

indivíduo,comoaSociologiaodaHumanidade,aMoralconsiderano

homem,nãosomenteainteligênciaeaatividade,comoaSociologia,

mastambémosentimento.Destasorteéaciênciamaiscomplexa,a

únicacompleta,porquantoverdadeiramenteconcreta:consideraseu

objeto,oindivíduohumano,emsuatotalidade,aopassoqueasdemais

nãoconservamsenãocertaspropriedadesdosserescomabstraçãodos

Page 42: Ciência Política - Archive

demais”.6

Aciência,tomadapelavaloraçãopositivista,estáacimada

filosofia,namedidaemqueestaseconfundecomametafísica.

Aleidostrêsestadosouleidaevolução,queAugustoComte

expôsnotomoIIIdoSistemadePolíticaPositiva,colocaahumanidadee

oconhecimentoemtrêsfasessucessivasdedesdobramento:oestado

teológico,temporárioepropedêutico,emqueohomembuscaascausas

etudoexplica,naânsiadeconhecimentoabsolutoousupremo,pela

intervençãodedivindades,neleimperandoosteólogosemilitares,com

osentimentodeconquistadominanteemtodaasociedade;oestado

metafísico,detransição,emqueentidadesabstratasexplicamos

fenômenosouosfatosseligamaidéias,quejánãosãocompletamente

preternaturais,

nem

simplesmente

naturais,

mas

“abstrações

personificadas”,dominandonesseestadointermediárioosfilósofose

juristascomasociedadeanimadaporumsentimentodedefesa;enfim,

chega-seaoestadocientífico,queéoestadopositivooufísico,ponto

Page 43: Ciência Política - Archive

finaldaescaladoconhecimentoegrausuperiordeformaçãodefinitiva

daciência,comoimpériodossábios,cientistasetécnicos,como

abandonodasantigaspreocupaçõesdeconhecimentoabsolutopela

investigaçãodascausas,tãocaracterísticadosdoisperíodos

antecedentes,comalimitaçãodainteligênciaaoconhecimentorelativo,

quepermiteaformaçãodaciênciaeaverificaçãodasleis.Aíarazão

humana,tendodeixadodeparteaficçãodosteólogos,doestadoinicial,

edesprezadoaabstraçãodosmetafísicos,doestadointermediário,se

entregadetodoaosprocessosdedemonstração.Oempregodesses

processosfezpossívelaapariçãodaciência,issoocorreunoestado

positivo.

AclassificaçãodasciênciasdeAugustoComte,estabelecendoa

unidadedocampocientífico,nãofoiacolhidacomentusiasmopelas

esferasidealistasdaAlemanha,ondeosneokantistasdeMarburgoede

Badenrenovaramadiscussãodoproblema,taisasdúvidasquese

erguiamacercadanaturezadasciênciasdohomem,nomeadamenteas

ciênciashistóricas,doespírito,dasociedadeedacultura.

Windelband,Rickert,Stammler,eforadaquelecírculo,mas

navegandotambémnacorrentedoidealismo,Dilthey,certificaram-se

sobretudodaimportânciaquetomaparaarelaçãosocial,objeto

daquelasciências,certosdadosquenãoentramnocampoda

Page 44: Ciência Política - Archive

fenomenologiadanaturezaeportantodasciênciasnaturais.

Estesdados,operandocortedicotômicoentreciênciasda

naturezaeciênciasdasociedade,vêmsepará-lasemduasórbitas

distintaseautônomas,quealguns,exagerandoasimplicaçõesda

oposiçãoidealista,tomamporirredutíveis:odesenvolvimentoem

Windelband,afinalidadeemStammler,avontadeemDilthey,

elementoscomqueohomememprestaaofenômenosocialeàsrelações

entreessesfenômenoscertaestruturadequecareceaordem

fenomênicadanatureza.

2.NaturalistasversusIdealistas(espiritualistas,historicistase

culturalistas)

Essareviravoltametodológicanaclassificaçãodasciências,que

trouxeporresultadofecundoeimediatoaretomadadeprestígiodas

correntesidealistas,foiobrasobretudodosfilósofosjáreferidos:

Dilthey,WindelbandeRickert.

LogrouDiltheynaAlemanhaquaseomesmodestinoqueKrause,

fundadordeescolaentreestrangeiros,sagradocomomestredejuristas

naEspanhaenaAméricaLatina,e,noentanto,filósofo

semidesconhecidoeobscuronoseiodeseuspatrícios.

AglóriadeDiltheycomeçousingularmenteaoenveredarelepelos

caminhosdacrítica,ocupando-se,dentreoutros,deGoethee

Page 45: Ciência Política - Archive

Hoelderlin.JáseptuagenáriodeuàestampaVivênciaePoesia,obraque

logrouextraordinárioêxitoliterário.

OfilósofotrabalhavasilenciosamentenaUniversidadedeBerlim,

presoàintimidadedereduzidocírculodediscípulos.

Lastima-seOrtegayGassetque,tendofreqüentadoporaqueles

anosdocomeçodoséculoreferidaUniversidade,hajamas

circunstânciasconcorridoparaquejamaisseaproximassedaobrado

mestre,aquemtantasafinidadesdepensamentovieramdepoisprendê-

loeemcujasidéiasconfessadamentedescobriuoseualterego

filosófico.

PassaraDiltheyporalgoparecidocomoqueaconteceua

Nietzsche,tomadoaprincípiopelosseuscontemporâneoscomosimples

poeta-filósofo.AarrogantecátedrauniversitáriadaAlemanhaporpouco

nãooignoroutotalmente.EnvolveuaNietzschenaquelegelado

desprezoquesóagrandezadogêniopoderiaumdiaromper,paradaí

fixar-senaimortalidadeenoassombrodasgeraçõessubseqüentes,

rendidasàveneraçãodofilósofo,doestilista,dopoeta.

VêOrtegayGassetemDiltheyomaisimportantevultoda

filosofianasegundametadedoséculoXIX.

Acontece,porém,queaobradeDilthey,graçasàinfluênciaque

exerceu,aosdebatesqueprovocou,àintensidadecomquesuasteses

Page 46: Ciência Política - Archive

sãoacadapassoreexaminadaseondecadafragmentoconcentracomo

queummicro-mundodeidéias,permitindoemtodalinhae

profundidadeamaisamplareaveriguaçãodahistória,fazqueele

pertença,indubitavelmente,aoquadrodospensadoresmaisvivosque

agitaramaprimeirametadedesteséculo.

Naquelaobrainacabada,alteia-se,sobretudo,olivroqueDilthey

nãopôdeconcluirequetantaspreocupaçõeslhecausounocursoda

vida,comoespinhodefrustração,prestessempreamagoá-lo:a

IntroduçãoàsCiênciasdoEspírito,queéaliás,nodizerdeOrtega,“sua

obracapital,suaúnicaobra”.

Deefeito,todaaforçadaoriginalidadedeDiltheyserepresenta

naquelaspáginasinconclusas,naquelaobraapenasesboçada,que

lembraumacatedralgigantesca,cujaabóbadanãosefez,écerto,mas

cujoperfilbastajáparaencher-nosàdistânciadomaisgratoassombro

edamaisconsoladoraadmiração.

Opensadoréfilhodeumséculohistoricista,ondesecompletam

imperecíveismonumentosdeanálise,investigaçãoerestituiçãodo

passado,emtermosdealtaprobidadeerigorosolaborcientífico.

BerlimsetornaocentrodaciênciahistóricaeDilthey,nodizer

elegantedeOrtegayGasset,“ouveoutrataaBopp,ofundadorda

lingüísticacomparada;aBoechk,oarquifilólogo;aJacobGrimm,a

Page 47: Ciência Política - Archive

Mommsen,aogeógrafoRitter,aRanke,aTreitschke.Comageração

anteriordosHumboldt,Savigny,Nieburh,Eichhorn,formamestes

gigantesaformidávelfalangedachamadaescolahistórica”.7

Respirandoessasidéias,fez-seelehistoriador.

Masoqueimpressionaemsuaobraémenosofilósofodahistória

queoiniciadordarevisãocríticadateoriadaciência.

AquinosapartamosdeOrtegayGasset,queviuemDilthey

principalmenteohistoriador.

Adimensãodostemasqueeleversoudãoidéiadaenvergadura

necessáriaparaumfilósofotornar-seaíatual,novo,original,fecundo.

TudoissoOrtegayGassetencontroucomimperfeiçõesno

pensadornervosodeidéiasecopiosodeconceitosquefoioinsigne

Dilthey.

Anossoverporémmaioraindaqueointérpretedahistóriaéo

autordanovaagrupaçãodasciências.Aprofundavocaçãodosestudos

históricosfê-loiralémdosconceitospositivistassobreanaturezadas

ciências.

Seumaidéiamáximaconsentealiásdizerdesse“críticodarazão

histórica”:aquitemosumgênio,essaidéianãofoioutrasenãoaque

separouemduasesferasdistintasasciênciasdoespíritodasciências

danatureza.

Page 48: Ciência Política - Archive

Diltheyapareceaíparaosidealistascomoovalenteemancipador.

ÉdeestranharqueOrtegayGasset,tendoreconhecidoa

importânciacapitaldaIntroduçãoàsCiênciasdoEspírito,nãosehaja

fixadonesseponto,paranelefirmaroscréditosdohistoriador-filósofo

àsglóriasdaimortalidade.

QuefezDiltheysobesseaspecto?Quepassodeueleparainiciare

encorajarovigorosoprocessodereabilitaçãoulteriordosmovimentos

idealistas?

Nadamaisquetomarasciênciashistóricas,ciênciasdohomem,

dasociedadeedoEstado,jáentãosemarrimofilosófico,porse

afrontarem,desdeHegel,comaquelacrisedeestruturadecorrenteda

enormidadedopredomínionaturalistaedar-lhesentãooscimentosde

novasolidez,referindo-astodasaessacategoria,que,tomandoa

designaçãoaindarústicadeCiênciasdoEspírito,foisobremodo

aperfeiçoadacomascorreçõeseacréscimosdeWindelbandeRickert,

filósofosneokantistasdaescoladeBaden.

EmdiscursodepossenaAcademiadeCiênciasdeBerlim,assim

compendiouDiltheyasaspiraçõesintelectuaisdesuaobra:“Comeceia

fundamentarasciênciasparticularesdohomem,dasociedadeeda

história.Busco-lhesofundamentoeaconexãonaexperiência,

independentedametafísica;poisossistemasdosmetafísicosdecaíram,

Page 49: Ciência Política - Archive

eapesardissocontinuaavontadeaexigircomosemprequepropósitos

firmesguiemavidadosindivíduosepresidamàdireçãodasociedade.

“Oséculofilosóficoquistransformaravidaatravésdeumateoria

abstrataegeraldanaturezahumana.Estateoriamostrou-seaomesmo

tempotriunfanteeinsuficienteeatécertopontoeversivanasua

arrogância.Nossoséculoreconheceu,comaescolahistórica,a

historicidadedohomemedetodaaordemsocial.Cumpretodavialevar

acaboafundamentadaexplicaçãodasnovasconcepções.Exige-seo

empregodeconceitosemétodosmaisapuradamentepsicológicos,que

acompanhemocrescimentodavidahistórica;deve-sesobretudo

patentearetomarnadevidaconta,emtodasasrealizaçõeshumanas,

comotambémnasdainteligência,atotalidadedavidadaalma,aação

dohomemcompleto,volitivo,sensitivo,intelectivo.”8

ÀteoriadoconhecimentodeDilthey,comoobservouGlockner,se

deparaesseproblemabásico,decujasoluçãotudoomaisdepende:o

doentrelaçamentodomundodaexperiência“externa”(natural)como

mundodaconsciência“interna”(espiritual).

Ponderaaquelemodernohistoriadordafilosofia:“Tantodoponto

devistaexternodasciênciasnaturaiscomodapolaridadeinternadas

ciênciasdoespíritoépossívelexplicaresseentrosamento.Opropósito

deDiltheyassentaemdemonstrarquesepodeseguiresteouaquele

Page 50: Ciência Política - Archive

caminhoeempreenderembasesempíricasaanálisedosfatosda

consciência”.

Residetambémnoâmagodesuaposiçãoquetantosehá-de

procedernoassuntoporviadesistematizaçãoconstrutivacomoda

reflexãohistórica.9

Aexperiência—exprimeomesmoautor—temparaocientista

danatureza,àsvoltassemprecomrealidadesexternas,significado

inteiramentedistintodaquelequetomanaregiãodasciênciasdo

espírito.

Aqui,fala-nosDiltheyempalavrasqueGlocknertranscreve

textualmente:“Indivíduosefatoscompõemoselementosdesta

experiência,suanaturezaésubmersão,noobjeto,detodasasforças

afetivas;opróprioobjetosóseconstróipaulatinamentesobasvistasda

ciênciaemprogresso”.10

OaforismodeDiltheydeque“novastocírculodascoisassóo

homemécompreensívelaohomem”denotaqueoprincípiofundamental

dasciênciasdoespíritonãoseconfundecomoprincípioqueregeas

ciênciasdanatureza.

Naquelas,quetêmporescopo,segundoDilthey,arealidade

histórico-social,há“compreensão”;nósascompreendemos;noseu

objetoaalmavive,asforçasemocionaisoperam,aauto-reflexãocomo

Page 51: Ciência Política - Archive

quedomina.Deseuconteúdológico,desuasfunçõesracionais,quase

nãoháquefalar,poisoqueimporta,tocanteàmatériasociale

histórica,écaptar-lheosentido.

Nasciênciasdanatureza,aocontrário,tomaocientistao

fenômenoparaexplicá-lo,ordenando-ahabitualmentesegundoa

causalidadedaleiqueogoverna.

Célebrehistoriadordafilosofiaefundadordeumadascorrentes

maisfecundasdafilosofianeokantista,Windelband,quandoreitorda

UniversidadedeEstrasburgo,proferiualiocélebrediscursode1894

intitulado“HistóriaeCiênciadaNatureza”,enaltecidocomocapítulo

dosmaiscelebradosdesuaclássicaeafamadaobraPrelúdios,ondeo

eminentefilósofodaescoladeBaden,quaseemconcomitânciacom

Dilthey,interveionaquestãometodológicadasciências.

OsentidoantinômicodafilosofiadeKant,filósofodequemjáse

disseque“depoisdelenenhumprincípionovosecriara”,repontana

obradeWindelbandostentandoaquelanitidez,quealiásjamaisfaltoua

algunsneokantistasdealtíssimomerecimentofilosófico,como,por

exemplo,nocampodasletrasjurídicasoinsigneGustavoRadbruch.

AprimeiraantinomiadeWindelbandconsistenocorteentreas

ciênciasracionais—filosofiaematemática—easciênciasda

experiência.

Page 52: Ciência Política - Archive

Estas,quenosinteressamparticularmente,sãoaquelas,segundo

Windelband,cujamissãosecifranoconhecerdeterminadarealidade,

quandoestasefazacessívelàexperiência.11

Comaspalavrasdofilósofo,podemosdizerquenasciênciasda

experiênciaoquesebuscapeloconhecimentodorealéageneralização

sobaformadeleinatural,ouoparticulardebaixodedeterminada

formahistórica.12

ChegaassimWindelbandanomearasprimeiras,ciênciasdas

leis,assegundas,ciênciasdosacontecimentos;aquelasseocupamdo

quesempreexiste,estasdaquiloquealgumavezjáexistiu.13

CunhaWindelbandparaopensamentocientíficonovas

expressões:ciênciasnomotéticaseciênciasidiográficas.

Masambas—advertesempre—guardaminvariavelmenteesse

pontocomumdecontato:sãociênciasdaexperiência,oquefazque

tantoonaturalistacomoocientistasocialouhistoriadorvenhamdas

mesmaspremissas,domesmopontológicodepartida:asexperiências,

osfatosdapercepção.14

Esedistanciam,poroutraparte,naconsideraçãognosiológicae

axiológicadosfatos.

Um,onaturalista,vai,segundoalinguagemdeWindelband,à

procuradeleis;ooutro,ohistoriador,deacontecimentos.

Page 53: Ciência Política - Archive

Oprimeironãosecontentacomofenômenoinsuladamente,que

careceaindadevalorcientífico;osegundotomaofatocomorealidadejá

valoradaemsimesma;aqueleinclinaopensamentoàabstração,esteà

contemplação;alisepedemteoriaseleis,aquivaloreseverdades.

FazaindaWindelbandaressalvadequeaceitariaasdesignações

tradicionaisdeciênciasnaturaiseciênciashistóricas,contantoque

nessasperspectivasmetodológicasseincluísseapsicologiaentreas

ciênciasdanatureza.15

Assinalaofilósofoqueodualismoporeleestabelecidoé

puramenteformal,entendecomosfinsdoconhecimento,quenumcaso

procuraaleigeral,noutrooacontecimentohistórico,particular,nada

tendopoisquevercomoconteúdodoconhecimentoemsi.

Omesmoobjetopodesujeitar-selicitamentetantoàinvestigação

nomotéticacomoidiográfica,sendo,porconseqüência,relativoo

contrasteentreoqueésempreidênticoeoqueéúnicoeindividual.

Talaconteceporexemplocomdeterminadoidiomaque,através

detodasasvariaçõesdeexpressão,permaneceformalmenteomesmo.

Adespeitoporémdetodasuaunidadeformal,esseidiomanavida

dalinguageméalgosingularetransitório.16

DepoisqueSchopenhauernegaraàhistóriaovalordeciência

autêntica,porocupar-sesempredoparticularenuncadogeral,erade

Page 54: Ciência Política - Archive

todocompreensíveloempenhodogruponeokantistaeminvestigaro

carátercientíficodaquelaordemdeestudosparachegaraconclusões

afirmativaseanimadoras,pertinentesachamadaparteidiográficadas

ciênciasdaexperiência.

AsantinomiasdeWindelband,queoestimularamàbuscade

novafundamentaçãocientífica,sãoquaseasmesmasdeKant:

realidadeevalor,fatoeidéia,causalidadeefinalidade,osereodever

ser,comoproblemajádesuarespectivaconexão.

Todaessareaçãoidealistacontraopositivismo,oempirismoeo

ceticismo,tocanteaométodoeaosfundamentosdasciênciasdo

espírito,encontraporfimseupontoculminantenaobradeRickert,

antigodiscípuloesucessordeWindelbandnacátedradeHeidelberg.

O

idealismo

alemão

que

acometera,

com

Dilthey,

a

preponderâncianaturalistanopensamentocientífico,secomportarade

Page 55: Ciência Política - Archive

início,comtaltimidez,queaquelefilósofoseviracompelidoasacrificar

ametafísicanafundamentaçãodaciência.

Rickertéidealistakantiano.Masidealistaquenãoignoraa

dimensãodesuasforças,complenaconsciênciadaconsolidaçãoque

seutrabalhointelectualhá-deemprestaraosesforçosantecedentesde

DiltheyeWindelband.

Conservandoamesmalinhadecombateaoempregodométodo

naturalistacomoúnicoexclusivamentecientífico,entraRickertna

querelafilosóficaparaaprofundarodebateemtornodaautonomia,

métodosefundamentosdasciênciasdoespírito.

Deparamo-nosjácomnovanomenclaturaemsuaobra.

Plenamentecapacitadodadelicadezaedasdificuldadesdeclassificaras

ciências,Rickertasdistribuitambémemdoisramosfundamentais:

ciênciasdanaturezaeciênciasdacultura.

Depoisdeapontarosequívocosquepoderiamdecorrerda

terminologiadeWindelband—ciênciasnomotéticaseciências

idiográficas—aquelasocupando-sedogeraleestasdoparticularoudo

especial,assinalaRickertqueanteslheaprazreferir-seaummétodo

individualizadoreaoutrogeneralizador,nãoseestabelecendoaesse

respeitodiferençaabsoluta,mastão-somenterelativa,semoque

ninguémjamaispoderácompreender-lheopensamento.17

Page 56: Ciência Política - Archive

Ométodogeneralizadorseaplica—dizele—àsciênciasda

naturezaeoindividualizadoràsciênciasdacultura.

Suateoriadaciênciaépuramenteformalenãodestrói,ao

contráriodasobjeçõesqueselhefizeram,aunidadedaciência.

Aênfasedeseustrabalhos,adverteomesmoRickert,nãofoi

postanadistinçãoentreométodogeneralizadoreométodo

individualizador.Masemdemonstrarosfundamentosqueimpõema

consideraçãodavidaculturalnãoapenasporviagenéricasenão

tambémporviaespecífica,peloscaminhosdaindividualização.

Ecomoatodaculturaaderemvalores,forçaéempregar

combinada-menteasformasdetratamentodarealidadecultural,a

saber,aindividualizadora,eadecorrentedeumprocessode

investigaçãodasrelaçõesdevalores.

Sóaestaalturaéqueseperdeapossibilidadedeunificarlógicae

formalmentearealidadeestudada.18

Asdisciplinasseseparamemcamposdistintos,quantoaos

métodosempregados,namedidaemquetenhamos,deumlado,

ciênciasavalorativas,doutro,ciênciascujoobjetoimpliquevaloresou

relaçõesdevalorestornando-se,porconseqüência,decisivooproblema

devalorparaateoriadométodonasciências.

Amesmarealidadepodeserobjeto,segundoRickert,dedois

Page 57: Ciência Política - Archive

pontosdevistadistintos:arealidadeénaturezaquandoatomamos

comreferênciaaogeral,eéhistória,senosdetivermosnoexamedo

especialeparticular.Emprega-senoprimeirocasoométodo

generalizadordasciênciasdanatureza;nosegundoométodo

individualizadordahistória.19

“Comessadistinção—acrescentaRickert—possuímoso

almejadoprincípioformaldadivisãodasciênciasequemquiser

logicamentechegaraumateoriacientíficahádetomarporbase

indispensávelessadistinçãoformal”.20

LugareshánaobradeRickertondesuasidéiasacercadocaráter

dasciênciasdanaturezasãoexpostascomraratransparênciae

limpidez.

Hajavistaquandoeleacentuaocontrastedasmesmascomas

ciênciashistórico-culturais.DizRickertentãoquenamaisampla

acepçãodapalavranenhumobjetoemprincípiopodefurtar-seao

tratamentonatural-científico,poisnatureza“éarealidadeconjunta

psíquico-corporal,

tomada

genericamente,

com

indiferença

Page 58: Ciência Política - Archive

aos

valores”.21

Ocientistadanaturezaneutraliza-seperanteosvaloreseas

valorizaçõesdosobjetos.Toma-oslivresdoqueneleshádeindividual.

Oespecial,tantonafísicacomonapsicologia,éapenasum“exemplar”

eaciênciacomeça,paraele,quandoesses“exemplares”reunidos

permitemainferênciadeleisde“relaçõesconceituaisougerais”.22

Aconclusãoquetomamosdeautoresquetãolongeconduziramo

debatemetodológicoparasalvaraschamadasciênciasdoespíritoouda

culturaéquedaípordiantejásepodefalarcommaissegurançaem

doismundosdistintos:odanaturezaeodasociedade.

Noprimeiro,háleisnaturais,fixas,permanentes,eternas,

imutáveiscomtodaainviolabilidadedodeterminismofísico-mecânico;

no

segundo

imperam

as

mudanças,

as

diferenciações,

o

Page 59: Ciência Política - Archive

desenvolvimento.

Oprimeiroéomundodahomogeneidade,osegundo,oda

heterogeneidade.

Noprimeiroháconservação,certeza,uniformidade,repetição.No

segundoregeainfinitadiversidade,aprobabilidade,odesenvolvimento,

ateleologia.

Noprimeiro,bastaumfenômenoparalevaràleigeral,bastaum

exemplardasérieparaconhecer-setodaaespécie;nosegundo,tudose

passademododistintoecadafenômenoé,emsimesmo,umaespécie,

algoirreversívelque,segundoJellinek,existiuumasóvezenuncase

reproduziráemcondiçõesidênticas,senão,nomelhordoscasos,em

condiçõesanálogas,damesmaformaque“nainfinitamassadosseres

humanosnuncareapareceráomesmoindivíduo”(Jellinek).

3.Aciênciapolíticaeasdificuldadesterminológicas

Oreexamedateoriadaciênciapelasescolasneo-idealistasda

Alemanhaaquenosreportamos,temcapitalimportânciaparaaclarar

asdificuldadesmetodológicas,quaseintransponíveis,comquese

defrontatodaaciênciasocial,sobretudo,nocasovertente,aciência

política.

Abriucaminhoessereexameaoreconhecimentodosobstáculos

levantadosaoinvestigador.Fê-loaliáscomtalvigorquehojeraro

Page 60: Ciência Política - Archive

cientistasocialhesitaemconfessarosembaraçoscomquesedepara

parachegaraapreciáveisresultadosnaórbitadesuadisciplina.

Aciênciapolíticaéindiscutivelmenteaquelaondeasincertezas

maisafligemoestudioso,pordecorrênciaderazõesqueacríticade

abalizadospublicistastemapontadoàreflexãodosinvestigadores,

levandoalgunsaduvidarsesetrataaquirealmentedeciência.

Quaissãoessasrazões?

OprofessorOrlandoCarvalhoenumerouemseuprestantíssimo

ensaio—CaracterizaçãodaTeoriaGeraldoEstado—algumasdessas

dúvidascomqueseafrontamosestudiososdamatériasocial,osquais,

desdeSumnerMaineaOrlando,haviamassinaladojáocaráter

movediçoeoscilantedovocabuláriopolítico,asvariaçõessemânticas

dostermosdequeseserveocientistasocialdepaísparapaís,comas

mesmaspalavrasvalendoparaosinvestigadoresdomesmotema,

coisasinteiramentedistintas,como,porexemplo,apalavrademocracia,

aqueseemprestamvariadíssimasacepções,ameaçandoimergirnum

caossemsaídaosmaiscompetenteseidôneosesforçosdefixação

conceitual.

AtémesmoaexpressãoEstado,aoredordaqualselevanta

vastíssimaerespeitávelliteraturajácentenária,trazendooselode

contribuiçãomonumentaldeafamadospensadoresefilósofos,nãopôde

Page 61: Ciência Política - Archive

forrar-seaocírculoviciosodeincertezaseobjeções,quantoà

determinaçãoexatadosignificadodequesereveste.

Compilam-sedaantigüidadeaosnossosdias,nostextosmais

autorizadosdareflexãofilosóficaejurídica,copiososconceitosque

servemapenasdeatestarquãolongenosachamosaindada

caracterizaçãosatisfatória.

DaíporqueBastiat,comfinaironia,anunciavaemmeadosdo

séculoXIX,prêmiode50.000francosaquemlherespondessea

contentoainterrogaçãoqueelefizeraaopedirquelhedefinissemo

Estado.

EsseesmorecimentodeBastiatcorroboraoqueHegeldisserada

ciênciadoEstado,tomando-aporprimeiradasciências,pela

importânciaepelascomplicaçõesqueaenvolvem.

OreitorLowelldeHarvard,citadopeloprofessorCarvalho,

interveiotambémcompessimismonodebate,paralembrarquefaltaà

ciênciapolíticaesserequisitoindispensávelàciênciamoderna:a

nomenclaturaininteligívelaohomemeducado,oquepermiteatodo

leigoocupar-se,comamaissantaeincorrigívelleviandade,daquilo

ondesedetêmounaufragamemdificuldadesamargas,cientistase

filósofosinsignes,aoversaremconceitoscomoosdegoverno,nação,

liberdade,democracia,socialismo,etc.

Page 62: Ciência Política - Archive

Tem-sesobretudoreferidoqueotrabalhodocientistadanatureza

éextraordinariamentefacilitadopelacircunstânciadeosfenômenos

teremaíexterioridadeàpartedoobservadorouassubstânciasdeque

trata,porexemplo,oquímico,noseulaboratório,poderemserpesadas

oumedidas,ouaindaaexperiênciadofísico,comoassinalouLord

Bryce,nãotermaisrequisitoderenovaçãoqueavontadedo

investigador,fazendoqueeste,sempreporviadaexperiênciaeda

observação,possachegaraoconhecimentodeleisperfeitamenteexatas

euniformes.

Masseooxigênio,oenxofreeohidrogênio“secomportamda

mesmamaneiranaEuropa,naAustráliaouemSírius”,sequalquer

mudançanacomposiçãodoelementoquímicoencontranocientista

condiçõesfáceisesegurasdeexameeesclarecimento,omesmonãose

dácomofenômenosocialepolítico.

Ficaestesujeitoaimperceptíveisvariações,deumparaoutro

país,atémesmonapráticadomesmoregime;oudeumaoutroséculo,

deumaaoutrageração.

Asinstituições,conservandoporvezesomesmonome,já

passaramtodaviapelasmaiscaprichosasalterações.

Omaterialdequeseserveassimocientistasocialcriapela

extremamutabilidadedesuanatureza,nãosomenteóbicesquase

Page 63: Ciência Política - Archive

invencíveisaoestudioso,comotornapenosíssimosenãoimpossívelo

reconhecimento,naCiênciaPolítica,deleisfixas,uniformes,

invariáveis.

Obstáculoigualmentesério,quesesomaaosdemaisjáreferidose

defeiçãonãomenosdesalentadora,decorredaimpossibilidadeemque

ficaoobservadordeneutralizar-seperanteofenômenoqueestuda,para

daíalcançarconclusõesválidas,lícitas,imparciais,objetivas,quenão

sejamfrutodeinclinaçõesemocionaispassageirasoudejuízos

preformadosnamentedoobservador.

Aconsciênciadequemobservanãoraroseligaaofenômenoou

processo.SuaaderênciaadeterminadoEstado,seulastroideológico,

suavivênciaemcertaépoca,suasreaçõespsicológicasempresençados

maisdistintosgrupos,desdeaigreja,osindicatoeacomunidadeatéà

famíliaeàescola,fazemdesseobservadorunidadeirredutível,capazde

emprestaraofenômenoobservadotodoofeixedepeculiaridadesqueo

acompanham,recebidasouinatas.

Pormaisqueforcejenãochegaráelenuncaacaptarofenômeno

socialimparcialmente,emancipadodocírculoviciosooudacamada

densadepreconceitosqueorodeiam.

Comessasponderaçõespessimistas,masacauteladoras,háde

atuarpoisoestudiosodasociedade,que,comomínimodedogmatismo

Page 64: Ciência Política - Archive

inconsciente,seproponhaaversaroconteúdodificílimodasciências

sociais,rigorosamenteadvertidojádeseusembaraços.

Ondeentramatosesentimentoshumanos,sóaconsideração

despretensiosadosaspectoshistóricos,jurídicos,sociológicose

filosóficos,ontemehoje,nesteounaqueleEstado,daráàproblemática

políticadasociedadeoaproximadoteordecertezaqueviráumdia

galardoaroesforçodocientistasocial,honestoeincansável,cujo

trabalho,antesdafrutificação,sempretomouemcontaamedida

contingentedasverdadesqueseextraemdocomportamentodosgrupos

edadinâmicadasrelaçõessociais.

4.Prismafilosófico

ACiênciaPolítica,emsentidolato,temporobjetooestudodos

acontecimentos,dasinstituiçõesedasidéiaspolíticas,tantoemsentido

teórico(doutrina)comoemsentidoprático(arte),referidoaopassado,

aopresenteeàspossibilidadesfuturas.

Tantoosfatoscomoasinstituiçõeseasidéias,matériasdesse

conhecimento,podemsertomadoscomoforamoudeveriamtersido

(consideraçãodopassado),comosãooudevemser(compreensãodo

presente)ecomoserãooudeverãoser(horizontesdofuturo).

Hásempre,emfacedosproblemasdessainvestigação,pertinente

afatos,instituiçõeseidéias,nãoimportaotempohistórico—ontem,

Page 65: Ciência Política - Archive

hoje,amanhã—emqueostomemos,aquiloqueosalemãeschamam

seinousollen,oprimeirodesignandoarealidadequeé,osegundoa

realidadedodeverser.

Nessamesmaelargaacepção,cabeoexamedasinstituições,dos

fatosedasidéiasreferidasaosordenamentospolíticosdasociedade

debaixodotrípliceaspecto:filosófico,jurídicooupolíticopropriamente

ditoesociológico.

Masnemtodososautores,tratadistasepublicistasqueversam

temasdeCiênciaPolítica,sepõemdeacordocomfixar,demaneiratão

ampla,comovimosacima,oconteúdoeaconformaçãodestadisciplina.

PartetodaaCiênciaPolíticadeconceitospolêmicos,quantoao

método,quantoàextensãodeseuslimites,quantoaonomequesehá-

deelegerparaessacategoriadeestudos,conformeteremosmais

adianteensejodepatentear.

Passemosnoentantorevistaaosdistintosaspectosquepermitem

acentuarcommaisênfaseocarátertransitóriodadisciplina,aoqualse

hápreponderantementereduzido,consoanteotratamentoquelhe

ministraofilósofo,osociólogoouojurista.

Desdeamaisaltaantigüidadeclássica,principalmentedesde

Sócrates,PlatãoeAristóteles,osassuntospolíticosimpressionamo

gênerohumano,sequiosodeconhecê-loseaprofundá-los.

Page 66: Ciência Política - Archive

AristótelesconcluinaGréciaumciclodeestudospolíticos

conscientementeespeculativos.

Masnosfragmentosdasconstituiçõesqueofilósofoestagirita

analisa,assimcomonasúltimaspáginaspolíticasdePlatão,seu

predecessor,quenoLivrodasLeispassarajádoEstadoideale

hipotéticoaoEstadorealehistórico,avultamconsideraçõesdeíndole

sociológica,antecipaçõesquedeixamdeserpuramentefilosóficas.

NaEuropamedievaafilosofiaseenlaçacomateologiaaoocupar-

sedetemaspolíticos.

Equandoestessedefinem,modernaecontemporaneamente,

numaciênciajáorganizadaeautônoma,conservamalgunsdeseus

cultoresaposiçãotradicionaldeprestígiodeanálisefilosófica,dando

nosmanuais,tratadosecompêndiosdeciênciapolíticalugarsempre

honrosoedestacado,senãoporvezespredominante,aoaspecto

estritamentefilosóficodosproblemas.

Entreospensadoresdelínguainglesa,Field,LaskieBertrand

Russeltomaramposiçãodeteóricosouteorizantes,impulsionandoa

ciênciapolítica,sobinspiraçãofilosófica.

NaAlemanha,CarlSchmitteRudolfSmend.

Nospaísesdelínguafrancesa,Dabin,MarceldeLaBignede

Villeneuveeoutros.

Page 67: Ciência Política - Archive

AFilosofiaconduzparaoslivrosdeCiênciaPolíticaadiscussão

deproposiçõesrespeitantesàorigem,àessência,àjustificaçãoeaos

finsdoEstado,comodasdemaisinstituiçõessociaisgeradorasdo

fenômenodopoder,vistoquenemtodosaceitamcircunscrevê-loapenas

àcélulamater,embriogênica,quenocasoserianaturalmenteoEstado,

acrescentando-lheospartidos,ossindicatos,aigreja,asassociações

internacionais,osgruposeconômicos,etc.

Conviveodebatefilosóficoademaiscomainvestigaçãosociológica

ecomafixaçãojurídicadosfatos,normaseinstituiçõespolíticas,

arredandoassimapossibilidadedeousadamenteafirmarmosa

existênciadeummonismofilosóficoentreautorespolíticosdenosso

século,querotulamseuslivroscomonomedeCiênciaPolíticaou

TeoriaGeraldoEstado.

5.Prismasociológico

OutradimensãoimportantíssimaquetomaaCiênciaPolíticaéa

decunhosociológico.

OestudodoEstado,fenômenopolíticoporexcelência,seconstitui

umdospontosaltoseculminantesdaobragenialdeMaxWeber.

OprofundosociólogofezcomoEstadoaquiloqueEhrlichfizerajá

comasociologiajurídica.Deu-lheaconsistênciadotratamento

autônomo.

Page 68: Ciência Política - Archive

Comefeito,nasociologiapolíticadeMaxWeber,abre-seo

capítulodefecundosestudospertinentesàpolíticacientífica,à

racionalizaçãodopoder,àlegitimaçãodasbasessociaisemqueopoder

repousa:inquire-sealidainfluênciaedanaturezadoaparelho

burocrático;investiga-seoregimepolítico,aessênciadospartidos,sua

organização,suatécnicadecombateeproselitismo,sualiderança,seus

programas;interrogam-seasformaslegítimasdeautoridade,como

autoridadelegal,tradicionalecarismática;indaga-sedaadministração

pública,comonelainfluemosatoslegislativos,oucomoaforçados

parlamentos,sobaégidedegrupossocio-econômicospoderosíssimos,

emprestaàdemocraciaalgumasdesuaspeculiaridadesmais

flagrantes.23

ACiênciaPolítica,nasuaconstantesociológica,nãopode

tampoucoignorarasraízeshistóricasdaevoluçãopolítica.

Esseretratoretrospectivo,essemergulhonopassadodas

instituiçõesdevem-secommaisnitidezeoriginalidadeaGumplowicze

Oppenheimer.

Traçouesteúltimoopenosoroteiroqueseestende,atravésdos

maisagudostransesedasmaisamargasvicissitudes,doEstadode

conquistaaoEstadodecidadanialivre.Comoformadecoaçãosobreos

homens,oEstadoseachafadadoadesaparecer,desdequeaescravidão

Page 69: Ciência Política - Archive

antigaeaescravidãocapitalista,outroraforçosas,setornavam

doravantesupérfluas.

SeemAtenas,observaOppenheimer,aoladodecadacidadão

livretrabalhavamcincohomensescravos,nasociedadecontemporânea

acadacidadãolivrecorrespondeodobrodeescravos,masescravos

doutraespécie,doutrocativeiro,escravosdeaçoquenãotêmde

padecerousuarquandotrabalham!

EofimdoEstado,segundoomesmosociólogo,inspiradodecerto

naprofeciamarxista,serásuadiluiçãonoautomatismodasociedade

futura.24

Outroescritorpolíticonãomenosdignoeautorizadopela

excelênciadesuaorientaçãosociológicaéVierkandt,quecontribuià

fixaçãodosquadrosdaCiênciaPolítica,emseusvínculoscoma

sociologia,aoestudarprincipalmenteomodernoEstadonacional.

AcentuaeleocaráterclassistadoEstadoedasociedade,a

dinâmicadalutapelopodernasociedademoderna,ospartidoscomo

representaçãodeinteresseseastendênciasemovimentosreformistas

queseoperamesteséculo,comrespeitoàsrelaçõesdetrabalho,à

educação,àsaúdeespiritualdajuventude,eopapeldaigreja,etc.25

Seguindoigualtrajetória,apareceaversãosociológicadaobrade

Stier-Somlo,inclinadosobretudoaoestudodapolíticacientífica,seus

Page 70: Ciência Política - Archive

problemas,suasignificação,suastarefas,suapossívelsistematização.

Desseelencodeprimeiraordemfazparteaindaumpensadorda

finaestirpedeMannheim.SuaIdeologiaeUtopiaédesseslivrosque

assinalamafisionomiaintelectualdedeterminadaépoca.Sente-senele

todaavibraçãomentaldasociedade.Asociologiatomadaporbaseda

CiênciaPolítica,cavaalisuasraízesmaisprofundas.

Ostemasdereconstruçãosocial,dediagnoseeinterpretaçãodos

momentoscríticosdademocracia,deanálisedosconceitospolíticos,de

estimativasacercadaplanificação,daliberdadeedopodertecema

matériasociológicaqueservedesubstratoaalgunsdoscapítulosmais

fascinantesdenossaCiência.

Aodadojurídicodesuaobra,oprofessoralemãoGeorgJellinek,

outroclássicodaCiênciaPolítica,acrescentacomênfasenãomenos

rigorosaoaspectosociológico.

SuateoriadoEstadoserevelapredominantementesocial,

situando-onaesferametodológicadosdualistas,ouseja,dosque

tomamaCiênciaPolíticasegundoobinômioDireitoeSociedade.

Aestanteclássicadasociologiainclui,porúltimo,essenome

gloriosoparaaCiênciaPolíticaquefoiodeHermannHeller,cujaobra

inacabadatemtodososprimoresdeesquematizaçãogenial.

Lançoucimentosindestrutíveisàcompreensãodadoutrinado

Page 71: Ciência Política - Archive

Estadocomosociologia,comociênciadarealidade,comoteoriadas

estruturas.Estudou,comrigor,noseumonumentalStaatslehre,o

métodoeamissãodateoriadoEstado,arealidadesocial,oEstado

propriamentedito,comseuspressupostoshistóricos,bemcomoas

condiçõesculturaisenaturaisdaunidadeestatal,suaessênciae

finalidade,lastimando-senãohajaconcluídooplanodaobra,queé

todaviaumfragmentodegrandezaeimortalidade.Honraasalturasa

quepodechegaroraciocíniopolíticodeumpensador.

6.Prismajurídico

TemsidotambémaCiênciaPolíticaobjetodeestudoqueareduz

aoDireitoPolítico,asimplescorpodenormas.

Tendênciadecunhoexclusivamentejurídicovemrepresentada

porKelsen,queconstróiumaTeoriaGeraldoEstado,ondelevaàs

últimasconseqüências,noestudodaprincipalinstituiçãogeradorade

fenômenospolíticos,oseuformalismodeinspiraçãokantistaefunda

embasesestritamentemonistas,defeiçãojurídica,anovateoriaque

assimilouoEstadoaoDireitoetantosprotestosarrancoudefilósofose

pensadoresduranteasúltimasdécadas.

OEstado,segundoKelsen,pertencendoaomundododeverser,

dosollen,seexplicapelaunidadedasnormasdedireitodedeterminado

sistema,doqualeleéapenasnomeousinônimo.

Page 72: Ciência Política - Archive

QuemelucidarodireitocomonormaelucidaráoEstado.Aforça

coercitivadestenadamaissignificaqueograudeeficáciadaregrade

direito,ouseja,danormajurídica.

OEstado,organizaçãodepoder,paraKelsen,seesvaziadetodaa

substantividade.Oselementosmateriaisqueocompõem—territórioe

população—seconvertem,respectivamente,natípicaerevolucionária

linguagemdoantigoprofessorvienense,emâmbitoespacialeâmbito

pessoaldevalidadedoordenamentojurídico.

AdoutrinadeKelsentemsuaoriginalidadeembanirdoEstado

todasasimplicaçõesdeordemmoral,ética,histórica,sociológica,

criandooEstadocomopuroconceito,agigantando-lheoaspectoformal,

retinta-mentejurídico,escurecendoarealidadeestatalcomseus

elementosconstitutivos,materiais,conformevimos.Chegaàhipertrofia,

jádescomunal,doelementoformal—opoder,postoquedissimulado

estenasantidadeinvioláveldenormasconcebidascomodireitopuro.

Essateoria,quefazdetodoEstadoEstadodeDireito,porsituar

DireitoeEstadoemrelaçãodeidentidade,umavezaceitaapagariana

consciênciadojuristaosentidodosvaloresenasentençado

magistradoosescrúpulosnormaisdeeqüidade,domesmomodoque

favoreceriaodespotismodasditadurastotalitárias,poremprestarbase

jurídicaatodososatosdopoder,atémesmoosmaisinconcebíveis

Page 73: Ciência Política - Archive

contraavidaeamoraldospovos.Oexemploeexperiênciada

Alemanhanazistaérecenteparamostraratéondepodemchegaras

conseqüênciasdeumpositivismonormativista,àmaneirakelseniana.

Criticou-seaKelsen,ecomrazão,ohavercriadoumaTeoriado

EstadosemEstadoeumaTeoriadoDireitosemDireito.

EntreospublicistascélebresdaFrança,noséculoXX,

encontramosautoresmaispreocupadoscomoaspectojurídicoda

CiênciaPolíticadoquepropriamentecomassuasraízesnafilosofiae

nosestudossociais.

NãosãotãoradicaisquantoKelsen,quereduziuoEstadoa

consideraçõesexclusivamentejurídicas.MasfazemdaTeoriaGeraldo

EstadoumapêndiceouintroduçãoaoDireitoPúblico,nomeadamente

aoDireitoConstitucional,nãohesitandoemversartemaspertinentes

aoEstadoemlivrosdeDireitoConstitucional,segundovelhatradição,

ilustrada,dentreoutros,porDuguit,comoseumonumentaltratado,

cujaprimeiraparte,votadaaoEstado,abrangecertasanálisesondea

cadapassotomaosociólogoolugardojurista.

EmCarrédeMalberg,depara-se-nosoutroclássicodessa

orientação,queseinclinamaisparaoDireitodoqueparaaSociologia

ouaFilosofia.

7.Tendênciascontemporâneasparaotridimensionalismo

Page 74: Ciência Política - Archive

AorientaçãoquetomanaCiênciaPolíticaaFilosofia,aSociologia

eoDireitocompredominânciaouexclusividadevemcedendolugarao

empregodaanálisetridimensional,queabrangeateoriasocialjurídica

eateoriafilosóficadosfatos,dasinstituiçõesedasidéias,expostasem

ordemenciclopédica,demodoadarinteiraeunificadavisãodaquilo

queéobjetodestadisciplina.

FezopublicistaalemãoHansNawiasky,daBaviera,oesforço

maiscompetenteeidôneoqueseconheceporultrapassaro

unilateralismoebilateralismodoscientistaspolíticosqueo

antecederam,dandoàsuaTeoriaGeraldoEstadotratamento

tridimensional,aoestudaroEstadocomoidéia,comofatosocialecomo

fenômenojurídico.

Osautoresfrancesesquepublicaramobrasmaisrecentesde

CiênciaPolíticaestãofugindotambémàestreitezadeseus

predecessores,eapesardaimpopularidadedosnomesdeTeoriaGeral

doEstadoeCiênciaPolíticanasualiteraturaespecializada,jáfizeram

todaviaaesserespeitoconsideráveisconcessõesàepígrafedesta

disciplina,inclinando-semaisparaaexpressãoCiênciaPolítica,coma

qualbatizouGeorgesBurdeauseuexcelentetratadosobreamatéria.

Nãosomentepassouopensamentofrancêsaacatara

denominaçãodeCiênciaPolítica,consagradajánomeioculturalanglo-

Page 75: Ciência Política - Archive

saxônico,comoemprestounosúltimosanosaessesestudossignificado

maissociológicoefilosóficodoque,emverdade,jurídico,como

preconizavaatradiçãooraproscrita.

JuristasdaenvergaduradeDuverger,Vedel,MarceldeLaBigne

deVilleneuveacompanhamatendênciauniversalizadadeadotaro

estudodaCiênciaPolíticasobotrípliceaspectotantasvezesaqui

referido,asaber,oaspectotridimensional,abrangendoporconseguinte

aconsideraçãojurídica,sociológicaefilosófica.

Comosevê,nãoreinaacordoentreosescritorespolíticosdos

principaispaísesocidentaisacercadoslimitesdadisciplinadequenos

ocupamos.

Nemsequerarespeitodonomepeloqualpossamostodos

reconhecê-la.Nomundoanglo-americano,aCiênciaPolíticaouversaa

experiênciapolíticavividaeacumuladanasinstituições(ondeasforças

políticascompetitivasimpõemosinteressesemjogo),comfeiçãode

estudopragmático,oudesprezafortementeoladoteórico.

NaAlemanha,osjuristasquecresceramnocultoesuperstiçãodo

poder,deram-lheonomedaTeoriaGeraldoEstado,comvariaçõesde

métodoeconteúdoesónasúltimasdécadasseiniciaramnumaCiência

Políticapropriamenteditacomindependênciadocondicionamento

jurídico,comcontribuiçõespróprias,masdebaixodeumvisívelinfluxo

Page 76: Ciência Política - Archive

dascorrentesamericanas,cujopragmatismoexcessivo,todavia,não

perfilhavam.

AdesignaçãodeTeoriaGeraldoEstadoentrouenfraquecidaem

FrançaesóchegouaoBrasilem1940,duranteaditadura.Teve

ingressonocurrículodasFaculdadesdeDireitoporconveniência

ditatorialenãoporimperativospedagógicosouprescriçãodidática.

Comefeito,aConstituiçãode1937deparavaresistêncianasescolas,

porpartedevelhosprofessoresdeformaçãodemocrática,quese

recusavamainterpretá-la.

Quefezpoisaditadura?CriouaCadeiadeTeoriaGeraldo

Estado,paraaqualremoveuapartemaisobstinadadomagistério,

ficandocomlugaresvagosdestinadosaopreenchimentodeconfiança

pormestresacomodadosalecionaroconstitucionalismodosautoresdo

golpedeEstadode1937.

NoBrasil,vingamirmãmenteostermosCiênciaPolíticaeTeoria

GeraldoEstado.Temesteúltimomaioracolhidanomeiojurídico.Por

CiênciaPolítica,estudiososháporémnestePaísqueentendema

consideraçãodofenômenopolíticoemsuamáximaamplitude,qualse

manifestanapluralidadedasfontesgeradoras.

OutrosseabraçamtradicionalmenteaoEstadocomofonte

primária,nãoenxergandonosdemaisgrupossociais,nacionaisou

Page 77: Ciência Política - Archive

internacionais,senãofontessecundárias,cujaautonomia,diretaou

indiretamente,derivadoordenamentoestatal,quepermanece,em

últimaanálise,matrizdetodaafenomenologiapolítica.

Estesnãovêemrazãoparasustentarporconseqüênciaasutileza

daquelesquedãopreferência,pormaislata,àexpressãoCiência

Política,eignoramounegampoisasupostalarguezadeâmbitoda

CiênciaPolítica,cujacircunferênciaparaelescoincidecomadaTeoria

GeraldoEstado.

Porhaverequivalênciadeáreasedeobjeto,seriaamesma

matéria,apenascomnomesdistintos.

Asimpatianaescolha,paraosqueraciocinamdessaforma,recai

naturalmentesobreaTeoriaGeraldoEstado,cujasraízes,adespeito

daorigem,seaprofundaramcommaisforçaqueasdaCiênciaPolítica.

Onomedesta,sopradoultimamentecomintensidade,atravésdaleitura

einfluênciadeautoresamericanoseingleses,ganhatodavia

larguíssimoterreno.

1.Kant,MetaphysischeAnfangsgruendederNaturwissenschaft.Prefácio,2e3.

2.JoaquimPimenta,EnciclopédiadeCultura.

3.Idem,ibidem,p.45.

4.Idem,ibidem,pp.45-46.

5.AugustoComte,Sociologie.

Page 78: Ciência Política - Archive

6.JeanLaubier,apudAugustoComte,ob.cit.,p.XI.

7.OrtegayGasset,apudKant,Hegel,Dilthey,p.144.

8.WilheimDilthey,GesammelteSchriften,V,p.11.

9.HermannGlockner,DieeuropaeischePhilosophie,vonAnfangenbiszurGegenwart,

pp.1.063-1.064.

10.W.Dilthey,GesammelteSchriftenI,2ªed.,p.109daEinleitungindie

GeisteswisseschaftenI,ErsteseinleitendesBuch,XVI.

11.WilhelmWindelband,Praeludien,V.I/II,p.141.

12.WilhelmWindelband,ob.cit.,p.141.

13.Idem,ibidem,p.145.

14.Idem,ibidem,p.145.

15.Idem,ibidem,p.148.

16.WilhelmWindelband,ob.cit.,p.145.

17.HeinrichRickert,KulturwissenschaftundNaturwissenschaftsechsteundsiebente

Auflage,pp.VIIeVIII.

18.Idem,ibidem.

19.HeinrichRickert,ob.cit.,p.IX.

20.Idem,ibidem,pp.55-56.

21.Idem,ibidem,p.56.

22.Idem,ibidem,p.97.

Page 79: Ciência Política - Archive

23.HeinrichRickert,ob.cit.,p.97.

24.MaxWeber,Staatssoziologie.

25.FranzOppenheimer,DerStaat,pp.8,126-133.

2

ACIENCIAPOLÍTICAEAS

DEMAISCIÊNCIASSOCIAIS

1.ACiênciaPolíticaeoDireitoConstitucional—2.ACiência

PolíticaeaEconomia—3.ACiênciaPolíticaeaHistória—4.A

CiênciaPolíticaeaPsicologia—5.ASociologiaPolítica,umanova

ameaçaàCiênciaPolítica?

1.ACiênciaPolíticaeoDireitoConstitucional

SãoapertadíssimososlaçosqueprendemaCiênciaPolíticaao

DireitoConstitucional.EntreospublicistascélebresdaFrança,no

séculoXX,autoresháquesepreocuparammenoscomoaspecto

jurídicodaCiênciaPolíticadoquepropriamentecomsuasraízesna

filosofiaenosestudossociais.

Naquelepaís,aCiênciaPolítica,antesdechegaràmaioridade

comodisciplinaautônoma,estevequasetodacontidanoDireito,

mormentenoDireitoConstitucional.Adespeitodocismaoperado,este

aindaéoramodaCiênciaJurídicacujoinfluxomaispesasobrea

CiênciaPolítica.

Page 80: Ciência Política - Archive

Algunsdentreosmelhorespoliticólogosdacátedrauniversitária

naFrançasãoconstitucionalistas,omesmoocorrendonoBrasil.

Comefeito,Burdeau,VedeiePrélot,antesdeaderiremàCiência

PolíticatinhamjánomeadademestresdoDireitoConstitucional,onde

conservaminalteráveisoprestígioeaautoridadedesempre.

Demais,antesdaapariçãodaCiênciaPolítica(ciênciadesíntese),

jáoDireitoConstitucionalforaumadasCiênciasPolíticas.Seuinfluxo

sobreodesenvolvimentodaCiênciaPolítica,poderáeventualmente

diminuir,jamaisextinguir-se,porquantooDireitoConstitucional

abrangelargaáreadacoisapolítica—asinstituiçõesdoEstado,em

cujoâmbito,comosesabe,costumamdesenrolar-seosprincipais

fenômenosdopoderpolítico,constitucionalmenteorganizado.

AmaioroumenorcoincidênciadeáreasdaCiênciaPolíticacomo

DireitoConstitucional,ditandoograudeprofundidadedasrelações

entreambos,seacha,segundoaperspicazobservaçãodeBurdeau,na

dependênciadaestabilidadeouinstabilidadedomeiopolíticoesocial.1

Daquisepodeextrairtambémafecundadeduçãodeque,quanto

menosdesenvolvidaasociedade,quantomaisgraveseuatraso

econômico,maisinstáveiseoscilantesasinstituiçõespolíticas.Do

mesmopasso,menosamploeeficazseráentãooDireitoConstitucional

emsuacapacidadedeorganizarinstituiçõesqueabranjamdemodo

Page 81: Ciência Política - Archive

efetivotodaaesferadecomportamentoedecisãodogrupopolítico.

Daquidecorrepoisumcrescentehiatoentreaordemconstitucional

estabelecidaearealidadepolítica.Enfim,diminuicomissoa

possibilidadedetodaavidapolítica—inclusiveocomportamentoeo

poderdedecisãodeindivíduosegrupos—recairnaórbitadodireito

regulamentadoedasinstituiçõescriadas.

Empaísessubdesenvolvidos,nominalmentedemocráticos,háum

círculominimumconstitucional,ondeoperamasinstituiçõesqueo

poderoficializou,aopassoquenospaísesdesenvolvidosesseminimum

seconverteemmaximum.Aqui,segundoalinguagemdeBurdeau,“vida

políticarealevidapolíticajuridicamenteinstitucionalizadatendema

coincidir”.2Dessasituaçãoemergeemconseqüênciaumcampomais

amplo,maisarejado,maisdesimpedidoaoDireitoConstitucional,que

seráodireitodasinstituições.

Ali,nasociedadesubdesenvolvida,aocontrário,avidapolítica

geraumteorelevadíssimodecontrovérsiaseimpõemenosuma

oposiçãoaogovernodoqueàsinstituições,fazendocomqueaparte

maisimportantedocomportamentopolíticoedofuncionamentodo

podertranscorraforadasregiõesoficiaisoudodireitopúblicolegislado.

Aeficáciadosistemaficanessecasopreponderantementesujeitaà

imprevisívelaçãodegruposdepressão,liderançaspolíticasocultase

Page 82: Ciência Política - Archive

ostensivas,organizaçõespartidáriaslícitaseclandestinas,elites

influentes,queproduzemoumanipulamumaopiniãopúblicadócile

suspeitaemsuaautenticidade.

Observa-seademaisquenospaísessubdesenvolvidos,osgolpes

deEstado,aviolaçãocontumazdoDireitoConstitucional,ofermento

revolucionáriooriundodainsatisfaçãosocial,alutadeclasses,

brutalmenteexacerbadapeloprivilégioouporviolentasdiscrepâncias

econômicas,compõemumquadroondeoprocessopolíticoearealidade

dopoderescapamnãoraroaoslimitesmodestosdaautoridade

institucionalizada.ÉentãonessascircunstânciasqueoDireito

Constitucionalpodesertomadoouinterpretadocomo“umconjunto

formalderegrasdasquaisavidaseausentou”,conformedisse

Burdeau,eaCiênciaPolíticaaparece“comodisciplinaaptaaprestar

contasdarealidade”,3poissua“promoçãosefazconcomitanteao

declíniodoDireitoConstitucional”.4

Nãoprocede,poroutraparte,eemconclusão,aafirmativade

Robson,dequeovínculodaCiênciaPolíticacomoDireito

Constitucionalconduziriainevitavelmente“aumaconcepçãoestreita,

falsaedeformadadessadisciplina”.5Talocorreriacomefeitosea

CiênciaPolíticaresultassetotalmenteabsorvidapeloDireito,queé

apenasumadesuasfaces.Comojurídico,mormentecomoDireito

Page 83: Ciência Política - Archive

Constitucional,aCiênciaPolítica,atémesmoparaefeitodefacilidadee

segurançadosestudoseformaçãodeconceitos,devemanterestreitas

relações,fazendodosistemainstitucional,sancionadopelaordem

jurídica,opontodeapoiomaisfirmecomqueestenderaoutrasesferas

sociaistodasasindagaçõesdecunhocaracteristicamentepolítico.

2.ACiênciaPolíticaeaEconomia

Semoconhecimentodosaspectoseconômicosemquesebaseiaa

estruturasocial,dificilmentesepoderiachegaràcompreensãodos

fenômenospolíticosedasinstituiçõespelasquaisumasociedadese

governa.Reputa-sepacíficooentendimentodecientistaspolíticoscomo

Burdeau,quenãoprecisamdesermarxistas,parareconhecernofato

econômico“ofatofundamentaldepolitizaçãodasociedade”.6

Admitidaessatese,perceber-se-ásemdificuldadeaimportância

capitalquetemparaaCiênciaPolíticatodaamatériadequeseocupaa

EconomiaPolítica,elamesma,emoutrasépocas,consideradaumadas

CiênciasPolíticas.

Assinalandoograupróximodeparentescoentreasduas

disciplinas,Burdeauasseveraqueestãounidasporlaçosde

“consangüinidade”econstituemumaúnicaciência.Segundoselêno

mesmoautor,ofatodeaEconomiaPolíticahavertransitadodesua

velhaacepçãodeciênciadasriquezasparaamodernaacepçãode

Page 84: Ciência Política - Archive

ciênciadoscomportamentoseconômicos,emnadaalterouaconexidade

dosdoisramos,podendo-se,emverdade,passardaanáliseeconômicaa

umapolíticaeconômica,edapolíticaeconômicaparaumaaçãopolítica,

racionalmenteapoiadanumprogramadesustentaçãodemetas

econômicas,traçadasdeantemão,comopropósitodepromoverpor

exemplofinsdesenvolvimentistas,oucombateroatrasodeestruturas

sociaiseeconômicas,reconhecidamentearcaicas.

Democraciaesocialismo,formaspolíticasdeorganizaçãodo

poder,nãoprescindem,noEstadomoderno,deplanificação.O

conhecimentoeconômicosefazcadavezmaisinteressadoeoEstado

nãooempregaunicamenteparaexplicarouconheceromodoporque

sesatisfazemasnecessidadesmateriaisdeumasociedade,senãoque

osempregacadavezmais,paracriarinstrumentosnovosediretosde

ação,vinculando-osaumprogramadegovernoouaumapolítica

econômicaespecífica.

Acorrentedeidéiasdequeresultatalvezomaisforteacentona

identidadedaCiênciaPolíticacomaEconomiaPolíticaésemdúvidaa

dospensadoresmarxistas.

Deduz-sedomarxismoquetodasasinstituiçõessociaise

políticasformamumasuperestrutura,tendoporbasedesustentação

umainfra-estruturaeconômica.Essainfra-estruturaédeterminante,

Page 85: Ciência Política - Archive

emúltimaanálise,detudoquantosepassaemcima,sendoafunção

econômicadecisiva,bemquenãosejaexclusiva,noinfluxoexercido

sobreasinstituiçõesintegrantesdachamadasuperestruturasocial.

Numaobjeçãoàquelesqueconferemdemasiadaimportânciaaos

fatoreseconômicos,oprofessorXifraHerasponderaqueexistemesferas

políticasdetodoalheiasainteresseseconômicos,mencionandoaquelas

queserelacionamcomamanutençãodapazeaadministraçãoda

justiça.7

Verifica-seporémqueatéapazguardaimplicaçõeseconômicas

profundas,querapazexterna,entreEstados,querapazinterna,apaz

social,apazpolítica,cujosreflexospsicológicosincidemcomamáxima

intensidadesobreocomportamentoeconômicoefinanceirodeumpaís.

Bastalevecomoçãooucriseparaquesecomprove,sobretudoem

sociedadesdeestruturaeconômicafrágil,quantoapazénecessáriaao

bomcursodosnegóciosecomoseutranstornopoderárefletir-sede

modonegativo,comforçaquaseinstantânea,sobreoconjuntodas

operações

econômicas

e

financeiras.

Demais,

Page 86: Ciência Política - Archive

paz

social

é

fundamentalmenteaquelaqueresultadaatenuaçãodalutadeclassese

dadistribuiçãomaisequitativadopodereconômiconumasociedade,

medianteapráticadajustiçasocial.

3.ACiênciaPolíticaeaHistória

QuandosetomaaHistóriacomoacumulaçãocríticadefatose

experiênciasvividas,fácilsetornaperceberaimportânciadeseuestudo

paraaCiênciaPolíticaeacontribuiçãoessencialqueohistoriador

poderáoferecernessedomínio.

Seofilósofo,oeconomista,osociólogoeojuristaquiseram,em

outrasépocas,monopolizaraCiênciaPolíticaouimprimir-lheuma

diretrizquetraduzisseexclusividadedeperspectiva,tambémo

historiadornãofoiinsensívelaessaorientação,querendoigualmente

apropriar-sedaqueladisciplina,parareduzi-laamerainvestigação

acercadaorigemedodesdobramentodossistemas,dasidéiasedas

doutrinaspolíticas,conhecidasepraticadaspelogênerohumanono

decursodetantosséculos.

Dessasinvestigaçõesseriamextraídasgeneralizaçõescomovalor

de“leishistóricas”,nãotendosidooutro,conformeressaltaBurdeau,o

Page 87: Ciência Política - Archive

trabalhodeHegeleMarx,conferindoàHistóriaumsurpreendenteteor

científico,um“valordecerteza”,empregadoparasustentaçãode

ideologias,dasquaisaquelasleisconstituiriam“umaespéciede

matéria-prima”.8

ACiênciaPolíticadosideólogosmarxistasseservedaHistória

comosehouvessealidecifradoosegredodeevoluçãodialéticadas

instituiçõespolíticasesociais.Prognosticamassimumfuturo

necessárioquealimentaaideologiaeaconverteemmáquinadeguerra.

Rodeadosdedescréditooude“umcomplexodeinferioridade”,segundo

assinalaBurdeau,ficariampoisossistemassociaisnão-marxistas.Haja

vistaoliberalismo,ocapitalismo,ademocraciaburguesa,objetode

inapelávelsentençademortelavradapelaHistória.9

Deúltimo,comoincrementodasinvestigaçõessociológicasecom

omaiorespaçoconcedidoacertasciênciasdocomportamento,comoa

PsicologiaSocialeaAntropologia,arrefeceuointeresseporumaCiência

PolíticafundamentadaunicamentenaHistória.Comoasdemais

concepçõesjáexaminadas—filosófica,jurídicaeeconômica—

padeceriaestatambémodeplorávelvíciodaunilateralidade.

Seosaspectoshistóricostêmpassadoemalgunscasosasegundo

plano,recaindosobreaposiçãohistoricista—pelomenos,anão

dialética—anotadeanacronismo,esejánãoépossívelfazerda

Page 88: Ciência Política - Archive

HistórianasCiênciasSociaisoquesefezdaMatemáticanasCiências

daNatureza,averdadeestácomHaettichquandocontinuaacentuando

aindeclinávelimportânciadosestudoshistóricos.Assimprocedeeleao

afirmarquedeterminadasproposiçõesdaCiênciaPolíticanadamais

sãodoque“generalizaçõesdaexperiênciahistórica”,ouaoadvertirque

oqueénãopodesercompreendidosemoconhecimentodoquehá

sido.10

AautoridadedaHistória,comociênciadebase,mantenedorade

apertadasconexõescomaCiênciaPolítica,ficadomesmopasso

comprovadapeloesquemadoscientistasdaUNESCO,queabriram

quasetodaumarubricaparaacolhernoâmbitodessaciênciaaHistória

dasIdéiasPolíticas.

SendoademaisaCiênciaPolíticaco-artíficeouco-constitutivada

realidademesmaqueinvestiga,faz-seválidaaafirmativadeBurdeau,

segundoaqual“asidéiassobreosfatossãomaisimportantesqueos

fatosmesmos”,11razãoporquecumpretersemprepresenteàs

indagaçõesdaCiênciaPolítica,parafazê-lasdetodofecundase

compreensíveis,ahistóriadasidéias.

4.ACiênciaPolíticaeaPsicologia

TemosvistocomoaFilosofia,oDireitoeaEconomiareclamaram

jáumelevadíssimograudeparticipaçãonomoldaraíndoledaCiência

Page 89: Ciência Política - Archive

Política.Houveépocasemqueopensamentocríticoseinclinou

fortementeaanexaraquelaciênciaacadaumdaquelesdistintosramos

doconhecimento.Cadafasehistóricaexpôsoseufigurinodeinfluência

dominante.Esteséculo,chegouavezdospsicólogosesociólogos,os

maisrecentesemquereremapropriar-sedaCiênciaPolítica,fazendo

hojeoqueontemfizeramosfilósofos,osjuristas,oseconomistas,os

historiadores.

TravaaPsicologiacomaSociologiaumdueloreivindicatório,que

vaidasimplespretensãodehegemoniaàimpertinênciadeuma

eventualabsorção.Seháesferademodernidadeouatualidadeno

problemaderelaçõesdaCiênciaPolíticacomoutrasciênciassociais,

essaesferapertenceagoraapsicólogospolíticos,queintentamimpor

suastécnicasdeinvestigaçãoeoperarumareduçãosistemáticada

CiênciaPolíticaàdisciplinadaqualprocedemepelaqualsemprese

orientaram.Aíestãoos“behavioristas”paraatestá-lo,formandojá

escolaefundandoachamadanovaCiênciaPolítica,tãoemvoganos

EstadosUnidos.

Oirracionalismo,nãoraroobservadoematividadesdegovernos

ourelaçõesdeEstados,fortaleceporigualaconvicçãodospsicólogos

sociaisdequeforadasmotivaçõespsicológicasnãoépossívellograr

umacompreensãoplenamentesatisfatóriadoprocessopolítico.Com

Page 90: Ciência Política - Archive

efeito,segundoafirmaXifraHeras,deformalapidar,“aCiênciaPolítica

operacommaterialhumanoeosfundamentosdopoderedaobediência

sãodenaturezapsicológica”.12

Seerroexisteentreosqueadotamessaposição,decorreissoem

largapartedoempenhodealgunsemquereremreduziraCiência

PolíticaasimplescapítulodaPsicologiaSocial,oqueinevitavelmente

resultarianumencurtamentointoleráveldoseucampo.Este,queiram

ounãoos“behavioristas”,há-desersempremaisvastodoqueseriase

adotássemosapenasaqueladimensãoexclusiva.

5.ASociologiaPolítica,umanovaameaçaàCiênciaPolítica?

Desdequeseconstituiuciênciaautônoma,aSociologiapassoua

representarumobstáculoaodesenvolvimentodaCiênciaPolítica.Basta

atentar-separaofatodequesuasindagaçõesseconcentravamna

unicidadedosocial(exclusãoconseqüentedaautonomiadopolítico)e

nainvestigaçãodasociedadecomototalidade,obsessãoqueem

AugustoComtedesembocaranoconceitodehumanidade.

Numasegundafaseporémospositivistas,paisdaSociologia,

fazendomaisfecundaainvestigaçãosociológica,volveramde

preferênciasuasvistasmenosparaounitarismodasociedadedoque

paraoseupluralismo,menosparaainvestigaçãodasociedadedoque

dassociedades,menosparaoconhecimentodotododoquedaspartes

Page 91: Ciência Política - Archive

(osagregadossociais).

Aestaaltura,umapreocupaçãoteóricacedeulugarauma

preocupaçãoempírica.Grupos,classessociais,relaçõesintergrupais

entraramacomporofocodominantedeatençãodaSociologia,cujo

interessepelavidapolíticaseapresentavaaindasecundário.

Oinfluxoqueofatorpolíticopodeexercersobreosocialevice-

versaformaonúcleodeumaSociologiaPolítica.Masestanemsequer

seconstituíra,ficandodeverasretardadasuaformaçãoempresençade

outrosramosjáadultosdaSociologia.Somenteapósvencercertas

relutânciasfoiqueaSociologiasevolveuparaasociedadepolíticado

nossotempo,deixandodeladooexclusivismocomqueseconsagrara

aoexamedofenômenodopodernassociedadesprimitivas.

Essareviravoltaparaa“contemporaneização”ouatualizaçãode

seuobjetofezaSociologiaPolíticaprogredirassombrosamentenos

últimosvinteanos,atécomprometer,comooraacontece,segundo

entendemalguns,aautonomiadaCiênciaPolítica.

Emverdade,autoresdoprestígiodeDuverger,Catlin,Arone

BertranddeJuvenelfazemaSociologiaPolíticacoincidircomaCiência

Políticaouempregamcritériosrigorosamentesociológicosparaanálise

detodososfenômenosqueseprendemàrealidadepolítica.Opontode

vistaemquesecolocampoderáredundar,conformejáredundouem

Page 92: Ciência Política - Archive

Duverger,nainteiraidentidadeentreambasasciências,coma

resultanteabsorçãodaCiênciaPolíticapelaSociologiaPolítica.

Afigura-se-nosporéminaceitávelessaredução.ACiênciaPolítica

possuiâmbitomaislargoqueaSociologiaPolítica.Postoqueconservem

inumeráveispontosdecontatooupartilhemambasumterrenocomum

evasto,verdadeéquesenãoconfundemasduasdisciplinas.

Aquelecampocomum—grupos,classessociais,instituições,

comportamentos,opiniãopública—fazdifícileproblemáticaa

delimitação.MasaCiênciaPolíticatomarumosqueasociologiaignora,

eque,admitidos,favorecemotraçadodefronteiras:adireção

normativa.UmaSociologiaPolíticanãopoderia,semdescrédito,entrar

naesferado“deverser”,do“sollen”,serumaciênciadosvalores,

segundotrêssentidosqueavaloraçãocomporta:oempírico,o

normativoeosubjetivo,ganhandoaquelaamplitudequeaCiência

Políticatemostentado,atravésdesuastendênciasmaisrecentes.

SeoâmbitomaterialdaCiênciaPolíticafosseunicamenteoda

SociologiaPolítica,comoestavemsendodeúltimocultivada,ouseeste

âmbitopudesseservirdecritérioaumaúnicaperspectivadeindagação,

eessaindagaçãoemprestasseàCiênciaPolíticatão-somentecaráter

pragmáticoeexclusivodeCiênciaaplicadaeprática,enãodeCiência

normativa,queelatambémpossui,entãotodaessatesedeanexaçãoda

Page 93: Ciência Política - Archive

CiênciaPolíticapelaSociologiaencontrariaressonância,aparde

legítimabasedeapoio.Ondeambasasdisciplinasoperamsobreo

mesmoterrenoecomidênticaspreocupaçõespragmáticas,areflexão

dificilmentedeparalimitescertoscomquedistingui-las.Aíomelhorque

lhecumpreéadmitirnessaesferaaidentidadedosdoisramos.

Emrigor,aSociologiaPolíticaéqueconstituipartedaCiência

Política,nãooinverso.ACiênciaPolíticaéotodo,aSociologiaPolíticaa

parte;aliogênero,aqui,aespécie.Foradessacompreensão,seriafalso,

vindoemdanodaCiênciaPolítica,falardeidentidadeoucoincidência

dasduasdisciplinas.NãoéaCiênciaPolíticaqueestádentroda

SociologiaPolítica,masaSociologiaPolíticaqueficanointeriorda

CiênciaPolítica.Todosociólogodopoderoudocomportamentopolítico

é,comsuacontribuição,cientistapolítico,masacontecequenemtodo

cientistapolíticoétão-somentesociólogo.

Vejamosenfim,demodosumário,osprincipaistemasda

SociologiaPolítica,quesãotambémtemasintegranteseinseparáveisdo

conteúdodaCiênciaPolítica:a)opoderpolítico,ocomportamento

político(indivíduosegrupos),asmanifestaçõesdeautoridade

(carismática,tradicionalelegal,segundoMaxWeber),alegalidadee

legitimidadedopoderpolítico;b)osfatoresmateriaisdopoderpolítico:

oterritórioeapopulação;c)asorigenssociaisdoEstadoesuapenosa

Page 94: Ciência Política - Archive

evolução,consagrandoinstitutosquesedesdobramhistoricamente,da

escravidãoàliberdade,doEstadodeconquistaaoEstadodecidadania

livre(Oppenheimer);d)apolíticacientífica,volvidabasicamenteparaa

racionalizaçãodopoder(afunçãopolítica,econômicaesocialdas

burocraciasnoEstadomoderno),atecnocracia;e)osgruposdepressão

detodoogênero,lícitoseilícitos,queatuamàsombradosparlamentos

edosministérios,einfluemnosatoslegislativosemedidasdopoder

executivo;f)alutadeclasseseseusefeitospolíticos,astensõessociais,

osantagonismospolíticosdetodaespécie;g)acrisedossistemasde

governo,osregimespolíticos,asideologias,asutopias,aliberdadeea

autoridadeeh)oinconformismosocial,asreformas,asrevoluçõeseos

golpesdeEstado.

1.GeorgesBurdeau,MéthodedelaSciencePolitique,p.141.

2.Idem,ibidem,p.141.

3.Idem,ibidem,p.141.

4.W.A.Robson,SciencePolitique,p.17.

5.GeorgesBurdeau,ob.cit.,p.130.

6.GeorgesBurdeau,ob.cit.,pp.129-130.

7.JorgeXifraHeras,IntroducciónalaPolítica,p.51.

8.GeorgesBurdeau,ob.cit.,p.125.

9.Idem,ibidem,p.129.

Page 95: Ciência Política - Archive

10.ManfredHaettich,LehrbuchderPolitikwissenschaft,GrundlegungundSystematik,

v.1,p.90.

11.GeorgesBurdeau,ob.cit.,p.33.

12.JorgeXifrasHeras,ob.cit.,p.52.

3

ASOCIEDADEEOESTADO

1.ConceitodeSociedade—2.Ainterpretaçãoorganicistada

Sociedade—3.Aréplicamecanicistaaoorganicismosocial—4.

SociedadeeComunidade—5.ASociedadeeoEstado—6.

ConceitodeEstado:6.1Acepçãofilosófica—6.2Acepçãojurídica

—6.3Acepçãosociológica—7.ElementosconstitutivosdoEstado.

Page 96: Ciência Política - Archive

1.ConceitodeSociedadeQuandonosdeparamoscomessapalavraembuscadeum

conceitoquepossaesclarecê-lasatisfatoriamente,areflexãocríticanos

compeledeimediatoafazermençãodosautoresqueseinsurgem

contraaquiloqueemgeralsedenominaSociedade.SanchezAgestae

Maurraspertencemaessacategoria.Oprimeiroasseveracomênfase

quenãoháSociedade,“termoabstratoeimpreciso,masSociedades,

umapluralidadedegruposdamaisdiversaespécieecoesão”eo

segundo,SociedadedesociedadesenãoSociedadesdeindivíduos.

EmverdadeporémovocábuloSociedadetemsidoempregado,

conformeassinalaumsociólogoamericano,comoapalavramais

genéricaqueexisteparareferir“todoocomplexoderelaçõesdohomem

comseussemelhantes”.1

Sendoomecanicismoeoorganicismoasduasformulações

históricasmaisimportantessobreosfundamentosdaSociedade,todo

conceitoquesederdeSociedadetraduziránaessênciaoinfluxode

umaoudeoutraconcepção.

QuandoToenniesdizqueaSociedadeéogrupoderivadodeum

acordodevontades,demembrosquebuscam,medianteovínculo

associativo,uminteressecomumimpossíveldeobter-sepelosesforços

Page 97: Ciência Política - Archive

isolados

dos

indivíduos,

esse

conceito

é

irrepreensivelmente

mecanicista.

Noentanto,quandoDelVecchioentendeporSociedadeo

conjuntoderelaçõesmedianteasquaisváriosindivíduosvivemeatuam

solidariamenteemordemaformarumaentidadenovaesuperior,

oferece-noseleumconceitodeSociedadebasicamenteorganicista.

2.AinterpretaçãoorganicistadaSociedade

Duasteoriasprincipaisdisputamaexplicaçãocorretados

fundamentosdaSociedade:ateoriaorgânicaeateoriamecânica.

Osorganicistasprocedemdotroncomilenardafilosofiagrega.

DescendemdeAristótelesePlatão.

Nadoutrinaaristotélicaassinala-se,comefeito,ocarátersocial

dohomem.Anaturezafezdohomemo“serpolítico”,quenãopodeviver

foradaSociedade.

Paraviveràmargemdoslaçosdesociabilidade,precisariaoente

Page 98: Ciência Política - Archive

humanodeserumDeusouumbruto,algomaisoualgomenosdoque

umhomem.Osinstintosegocêntricosealtruístasquegovernama

condiçãohumana,oinstintodepreservaçãodaespécie,fazemporém

queohomemsejaeminentementesocial.

Grotius,quenãofoiorganicista,acompanhouopensamentode

Aristótelesefaloudeumappetitussocietatis,comovocaçãoinatado

homemparaavidasocial.

SituouDelVecchiomuitobemoproblema.Dizerqueohomemé

socialouprecisadaSociedadeparavivernãosignificaquejásehaja

caracterizadoumaposiçãoorganicistaoumecanicista.

Estaposiçãosósedefinequandoopensadorinquiredamaneira

porquesedeveorganizarougovernaraSociedade.SeaSociedadeéo

valorprimáriooufundamental,seasuaexistênciaimportanuma

realidadenovaesuperior,subsistenteporsimesma,temoso

organicismo.Aliás,deorganicismoDelVecchionosdáoseguinte

conceito:“Reuniãodeváriaspartes,quepreenchemfunçõesdistintase

que,porsuaaçãocombinada,concorremparamanteravidadotodo”.2

Se,aocontrário,oindivíduoéaunidadeembriogênica,ocentro

irredutívelatodaassimilaçãocoletiva,osujeitodaordemsocial,a

unidadequenãocriounemhá-decriarnenhumarealidademais,que

lhesejasuperior,opontoprimárioebásicoquevaleporsimesmoedo

Page 99: Ciência Política - Archive

qualtodososordenamentossociaisemanamcomoderivações

secundárias,comovariaçõesquepodemreconduzir-sesempreaoponto

departida:aele,aoindivíduo,aquiestamosforadetodaadúvidaem

presençadeumaposiçãomecanicista.

Osprimeiros,porseabraçaremaovalorSociedade,são

organicistas;ossegundos,pornãoreconheceremnaSociedademais

quemerasomadepartes,quenãogeranenhumarealidadesuscetível

desubsistirforaouacimadosindivíduos,sãomecanicistas.

Osorganicistas,nateoriadaSociedadeedoEstado,sevêem

arrastadosquasesempre,porconseqüêncialógica,àsposições

direitistaseantidemocráticas,aoautoritarismo,àsjustificações

reacionáriasdopoder,àautocracia,atémesmoquandosedissimulam

emconcepçõesdedemocraciaorgânica(concepçãoqueésempreados

governoseideólogospredispostosjáàditadura).Nemsequerum

doutrináriodademocraciacomoRousseau,comaconcepção

organicistaegenialdavolontégénérale,princípionovotãoaplaudido

porHegel,pôdeforrar-seaessaincrepaçãoumavezqueopoder

popularassimconcebidosobadivisada“vontadegeral”acabaria

gerandoochamadodespotismodasmultidões.Aquiteríamosaexceção

radicaldeumorganicismodemocráticodesembocandotodaviano

mesmoestuárioquejáreferimos:oautoritarismodopoder,aditadura

Page 100: Ciência Política - Archive

dosordenamentospolíticos.

SeRousseauchegaporémàquelaconseqüência,segundoalguns

deseusintérpretes,amesmadosorganicistasmaisconhecidos:uma

certaconcepçãoautoritáriadopoder—aindaquesetratedaversão

maisextremadadopoderdemocrático—delestodaviaseaparta

fundamentalmentequandoabreaspáginasdoContratoSocialcoma

proposiçãodequeoshomensnascemlivreseiguais,emantagonismo

comquasetodaadoutrinaorganicista,queafirmaprecisamenteo

contrário.

Entendeestaqueohomemjamaisnasceunaliberdadee,

invocandoofatobiológicodonascimento,mostraquedesdeoberçoo

princípiodeautoridadeotomanosbraços,rodeando-o,amparando-o,

governando-o.Vinteequatrohorasforadaproteçãodospaisbastariam

paraacabarcomoserquechegaaomundotãofrágiledesprotegido.

Dependência,autoridade,hierarquia,desamparo,debilidade,eisjáem

onúcleofamilialosvínculosprimeirosqueenvolvemacriaturahumana

edosquaisjamaislograrádesatar-seinteiramente.Fazemos

organicistasaapologiadaautoridade.Estimamosocialporquevêemna

Sociedadeofatopermanente,arealidadequesobrevive,aorganização

superior,oordenamentoque,desfalcadodosindivíduosnasucessão

dostempos,nolentodesdobrardasgerações,semprepersiste,nunca

Page 101: Ciência Política - Archive

desaparece,atravessandootempoeasidades.Osindivíduospassam,a

Sociedadefica.

Demais,ateoriaorganicistaseimpressionacomofatodequea

Sociedadegravanoindivíduoumasegundanatureza,verdadeiramassa

deconceitos,denoçõesedevínculosnosquaisseformaamelhor,a

maisreal,amaisautênticapartedeseuser.

Tomando

porém

a

Sociedade

como

organismo,

ficam

deslembradosdequesóarbitrariamentepodemasanalogiasporventura

existentesconduziraessaequiparação,alegitimartalidentidadeque

pôseminteirodescréditooorganicismojádesvairado.

Distinguemalgunsautoresduasmodalidadesdeorganicismo:o

materialistaeoidealista.

NoprimeiroentraaconcepçãoorganicistadeAugustoComte,

juntamentecomoorganicismobiológicodeSpencer,Bluntschlie

Schaeffle,chegandoosdoisúltimosporém,noparaleloentreorganismo

Page 102: Ciência Política - Archive

esociedade,aosmaisabsurdosexageros,àscomparaçõesmais

excêntricas,averdadeirosdesatinoslógicos,quecobriramderidículoa

doutrinaorganicista.

Oorganicismoéticoeidealista,cultivou-oaescolahistórica,

sobretudodesdeaconcepçãodeSavigny,acercado“espíritopopular”(o

Volksgeist)tomadoporfontehistórica,costumeira,tradicional,geradora

deregrasevaloressociaisejurídicos.

Aliás,o“espíritopopular”comoconceitonãoédosqueprimam

pelaclareza.Tem-seafiguradoaalgunspublicistasobscuroeabstrato,

levandoW.Arnoldaessaponderaçãoextremamenteirônica:“Aquilo

quenósnãosabemosounãocompreendemos,denominamosespírito

popular”(Waswirnichtwissenodernichtverstehen,nennenwir

Volksgeist).

Aessacorrenteéticadoidealismoalemãonadoutrinados

fundamentosdaSociedade,aderem,entreoutros,Trendelenburg,

KrauseeAhrens.

3.Aréplicamecanicistaaoorganismosocial

Osmecanicistasacometemimpiedosamenteateoriaorganicista,

mostrandoquenãoháapropaladaidentificaçãoentreoorganismo

biológicoeaSociedade.Nestaocorremfenômenosquenãoacham

equivalentenaquele:asmigrações,amobilidadesocial,osuicídio.

Page 103: Ciência Política - Archive

Aspartes,noorganismo,nãovivemporsimesmas,sendo

inconcebível,comoadverteDelVecchio,imaginá-lasforadoserque

integram.3

Tampoucopodemosadmiti-lasnoutraposiçãoquenãosejaaque

anaturezalhesindicou.

Comoindivíduojáissonãoacontece.Temesteasuamesma

vida,seusfinsautônomos,acapacidadededeslocaçãoespacialeanão

menosimportanteaptidãodemover-senointeriordosgruposdeque

fazparte.Ora,essamobilidadeoconduzoraàascensão,oraao

descensodecategoriasocial,econômicaouprofissional.

OpublicistadaBaviera,naAlemanha,vonSeydel,quecombateu

energicamenteadoutrinaorganicista,costumavadizerque“assimcomo

asomade100homensnãodá101,damesmaformaaadiçãode100

vontadesnãopodeproduzira101ªvontade”,nocaso,avontadesocial

ouavontadepolítica,comorealidadenova,comvidaforaeacimadas

vontadesindividuais.4

Ateoriamecânicaépredominantementefilosóficaenão

sociológica.Seusrepresentantesmaistípicosforamalgunsfilósofosdo

direitonaturaldesdeocomeçodaidademoderna.Seuscorolários,com

raraexceção,eHobbeséaquiumadessasexceções,acabam,sobo

aspectopolítico,naexplicaçãoelegitimaçãodopoderdemocrático.

Page 104: Ciência Política - Archive

Dastesescontratualistas,dapostulaçãoqueestasfazem,infere-

sequeabasedaSociedadeéoassentimentoenãooprincípiode

autoridade.

Ademocracialiberaleademocraciasocialpartemdesse

postuladoúnicoeessencialdeorganizaçãosocial,defundamentoa

todaavidapolítica:arazão,comoguiadaconvivênciahumana,com

apoionavontadelivreecriadoradosindivíduos.

Comoaconstantedocontratualismosocialéoproblemada

melhorformadeorganizaçãodaSociedade,damelhormaneirade

governaroshomensedeacharnarazãovaloresquelegitimem,com

maisforçaeinvulnerabilidade,oprincípiodaautoridade,partiram

todososcontratualistasdoclássicoecélebreconfrontodoestadode

naturezacomoestadodesociedade.

Poucoimportaqueocontrasteestadodenatureza—estadode

sociedadehajasuscitadotãoseverascríticas,porpartedosquese

empenharamemdemonstraroquehaviadeirrealeanti-histórico

nessasconcepçõescontratualistas.

Masraroforamosfilósofosdodireitonaturalqueseserviramdo

estadodenaturezaparaemprestar-lhecunhodehistoricidade,comose

elerealmenteacontecera,comoseforafaseatravessadapelasociedade

humanaemalgumperíodoimemorial.

Page 105: Ciência Política - Archive

4.SociedadeecomunidadeTomandoaSociedadecomodadosociológico,eminentes

estudiososdaCiênciaSocialtêm,poroutrolado,postomaisênfasena

distinçãoconceitualentreSociedadeeComunidade.Hajavista,por

exemplo,ocasodeToennies.

Em1799,Schleiermacherdistinguira,pelaprimeiravez,a

SociedadedaComunidadeeWundtfalaradepoisnuma“vontade

impulsiva”frenteauma“vontadeintencional”,comosejáantecipassem

ambosalgumasbasesdaclássicaelaboraçãoconceitualdeToennies.

EmSociedadeeComunidade(GesellschaftundGemeinschaft),

estudaToenniesessasduasformasbásicasdeconvivênciahumana,

diametralmenteopostas.

ASociedadesupõe,segundoaquelesociólogo,aaçãoconjuntae

racionaldosindivíduosnoseiodaordemjurídicaeeconômica;nela,“os

homens,adespeitodetodososlaços,permanecemseparados”.

JáaComunidadeimplicaaexistênciadeformasdevidae

organizaçãosocial,ondeimperaessencialmenteumasolidariedadefeita

devínculospsíquicosentreoscomponentesdogrupo.

AComunidadeédotadadecaráterirracional,primitivo,munidae

fortalecidadesolidariedadeinconsciente,feitadeafetos,simpatias,

Page 106: Ciência Política - Archive

emoções,confiança,laçosdedependênciadiretaemútuado

“individual”edo“social”.

AfirmaToenniesque,sendoaComunidadeum“todovalorado”,

cadaindivíduotomadoinsuladamenteéalgofalsoeartificial.Bobbio,

noDicionáriodeFilosofia(DizionariodiFilosofia)escrevecomclarezaque

acomunidadeéumgrupooriundodapróprianatureza,independente

davontadedosmembrosqueocompõem—aFamília,porexemplo.5

NaComunidadeavontadesetornaessencial,substancial,

orgânica.NaSociedade,arbitrária.AComunidadesurgiuprimeiro,a

Sociedadeapareceudepois.AComunidadeématériaesubstância,a

Sociedadeéformaeordem.

NaSociedade,hásolidariedademecânica,naComunidade,

orgânica.ASociedadesegovernapelarazão,aComunidadepelavidae

pelosinstintos.AComunidadeéumorganismo,aSociedade,uma

organização(Berdeaeff)ousegundoPoch,citadoporAgesta,na

Comunidade(aFamília,porexemplo)agenteé,naSociedade(uma

sociedademercantil,porexemplo)agenteestá.DizAgestaque

“simbólicaoualegoricamenteaComunidadeéumorganismo,a

Sociedadeumcontrato”.6

TendoaComunidadeantecedidoaSociedade,queéumestádio

maisadiantadodavidasocial,estanãoeliminouaquela.Nointeriorda

Page 107: Ciência Política - Archive

Sociedade,queseachaprovidadeumquererautônomo,quebuscafins

racionais,previamenteestatuídoseordenados,convivemasformas

comunitárias,comseusvínculostributáriosdedependênciae

complementação,comsuasformasespontâneasdevidaintensiva,com

seuslaçosdeestreitamentoecomunicaçãoentreoshomens,noplano

doinconscienteedoirracional.

AoladodoconceitodeComunidadesurgemodernamenteode

Massa.Vierkandtencontraaíaformamaissignificativadas

manifestaçõesfenomenológicasqueseprendemàcomposição

estruturaldasociedadecontemporânea.

Page 108: Ciência Política - Archive

5.ASociedadeeoEstadoOsconceitosdeSociedadeeEstado,nalinguagemdosfilósofose

estadistas,têmsidoempregadosoraindistintamente,oraemcontraste,

aparecendoentãoaSociedadecomocírculomaisamploeoEstado

comocírculomaisrestrito.ASociedadevemprimeiro;oEstado,depois.

Comodeclínioedissoluçãodocorporativismomedievoe

conseqüenteadventodaburguesia,instaura-senopensamentopolítico

doOcidente,dopontodevistahistóricoesociológico,odualismo

Sociedade-Estado.

Aburguesiatriunfanteabraça-seacariciadoraaesseconceitoque

fazdoEstadoaordemjurídica,ocorponormativo,amáquinadopoder

político,exterioràSociedade,compreendidaestacomoesferamais

dilatada,desubstratomaterialmenteeconômico,ondeosindivíduos

dinamizamsuaaçãoeexpandemseutrabalho.

ASociedade,algointerpostoentreoindivíduoeoEstado,éa

realidadeintermediária,maislargaeexterna,superioraoEstado,

poréminferioraindaaoindivíduo,enquantomedidadevalor.

AexpressãoSociedade,depoisdehaversidousadapelaprimeira

vezporFergusoncomonomedesociedadecivil(civilSociety),sefirma

nousopolíticograçasaoaparecimentodaburguesia.

Page 109: Ciência Política - Archive

Detodososfilósofos,consoanteassinalaJellinek,foiRousseauo

quedistinguiucommaisacuidadeaSociedadedoEstado.

PorSociedade,entendeueleoconjuntodaquelesgrupos

fragmentários,daquelas“sociedadesparciais”,onde,doconflitode

interessesreinantessósepoderecolheravontadedetodos(volontéde

tous),aopassoqueoEstadovalecomoalgoqueseexprimenuma

vontadegeral(volontégénérale),aúnicaautêntica,captadadiretamente

da

relação

indivíduo-Estado,

sem

nenhuma

interposição

ou

desvirtuamentoporpartedosinteressesrepresentadosnosgrupos

sociaisinterpostos.7

FoiRousseauaesserespeitogenial.Confessa-seHegelgrato

àqueleconceito,queveiocompletaroeloaindapordescobrirentrea

FamíliaeoEstado.ASociedadeécolocadapoisnafilosofiahegeliana

comoantítese,comopartedomovimentodialéticodoespíritoobjetivo

(espíritosubjetivo—tese,espíritoobjetivo—antítese,eespírito

Page 110: Ciência Política - Archive

absoluto—síntese,segundoadialéticageraldoespírito),cujateseéa

FamíliaecujasínteseoEstado.8

OconceitodeSociedadetomousucessivamentetrêscoloraçõesno

cursodesuacaminhadahistórica.Foiprimeirojurídico(privatistae

publicístico)comRousseau,conformevimos;depoiseconômico,com

Ferguson,Smith,Saint-SimoneMarx,eenfim,sociológico,desde

Comte,SpencereToennies.

Nosocialismoutópico,nomeadamentecomSaint-Simon,a

Sociedadesedefinepeloseuteoreconômico,pelaexistênciadeclasses.

Proudhon,resvalandojáparaoanarquismo,vênoEstadoa

opressãoorganizadaenaSociedadealiberdadedifusa.

MarxeEngelsconservamadistinçãoconceitualentreEstadoe

Sociedade,deixandoporémdetomaroEstadocomoseforaalgo

separadodaSociedade,quetivesseexistênciaàparte,autônoma,como

realidadeexterna,cujoexamejánãolembrasseoqueemsiháde

profundamentesocial,poisoEstado—advertemosmarxistas—é

produtodaSociedade,instrumentodascontradiçõessociais,esóse

explicacomofasehistórica,àluzdodesenvolvimentodaSociedadee

dosantagonismosdeclasse.OEstadonãoestáforadaSociedade,mas

dentro,postoquesedistingadamesma.

ASociologia,desdeComteeSpencer,forcejaporapagara

Page 111: Ciência Política - Archive

antinomiaEstadoeSociedade.

FazendodaSociologiaoestudodetodaavidasocial,tantoda

estáticacornodadinâmicadaSociedade,reduzosociólogooEstadoa

umadasformasdeSociedade,caracterizadapelaespecificidadedeseu

fim—apromoçãodaordempolítica,aorganizaçãocoercitivados

poderessociaisdedecisão,emconcomitânciacomoutrassociedades,

comoasdenaturezaeconômica,religiosa,educacional,lingüística,etc.

ASociedade,segundoBobbio,tantopodeapareceremoposição

aoEstadocomodebaixodesuaégide.Daquiportantoesseconceitode

Sociedade:“Conjuntoderelaçõeshumanasintersubjetivas,anteriores,

exterioresecontráriasaoEstadoousujeitasaeste”.9

OdireitoalemãodesdequecaiusoboinfluxodeHegel,segundo

observouv.d.Gablentz,pôsênfasenocontrastedosdoisconceitos,

vendonaSociedadeareuniãodetodososfenômenosdeconvivência

humanaquesedesenrolamforadoEstado.10

Page 112: Ciência Política - Archive

6.ConceitodeEstadoHouvenoséculoXIXumpublicistadoliberalismo—Bastiat—

quesedispôscomamaissutilironiaapagaroprêmiodecinqüentamil

francosaquemlheproporcionasseumadefiniçãosatisfatóriade

Estado.

ContinuavaeleaquelaatitudepessimistaeamargadeHegel,

quandoofilósofomáximodoidealismoalemãoconfessouqueentrea

naturezaeseusmistérioseasociedadehumanaeseusproblemas,não

haviaquehesitarquantoaoconhecimentomaisfácildanatureza.

OmesmopessimismoperpassanaspalavrasdeKelsen,quando

advertequeascopiosasacepçõesemprestadasàexpressãoEstado

embaraçamaprecisãodotermo,expostoaconverter-senumjuízode

valor.11

OEstadocomoordempolíticadaSociedadeéconhecidodesdea

antigüidadeaosnossosdias.Todavianemsempreteveessa

denominação,nemtampoucoencobriuamesmarealidade.

Apolisdosgregosouacivitasearespublicadosromanoseram

vozesquetraduziamaidéiadeEstado,principalmentepeloaspectode

personificaçãodovínculocomunitário,deaderênciaimediataàordem

políticaedecidadania.

Page 113: Ciência Política - Archive

NoImpérioRomano,duranteoapogeudaexpansão,emaistarde

entreosgermânicosinvasores,osvocábulosImperiumeRegnum,então

deusocorrente,passaramaexprimiraidéiadeEstado,nomeadamente

comoorganizaçãodedomínioepoder.

DaísechegaàIdadeMédia,que,empregandootermoLaender

(“Países”)traznaidéiadeEstadosobretudoareminiscênciado

território.12

OempregomodernodonomeEstadoremontaaMaquiavel,

quandoesteinaugurouOPríncipecomafrasecélebre:“Todosos

Estados,todososdomíniosquetêmtidooutêmimpériosobreos

homenssãoEstados,esãorepúblicasouprincipados”.13

ApesardousoquefezBodin,depois,dotermoRepúblicana

mesmaacepção,oqueficoucomaobradoescritorflorentinofoia

palavraEstado,universalmenteconsagradapelaterminologiados

temposmodernosedaidadecontemporânea.

HápensadoresqueintentamcaracterizaroEstadosegundo

posiçãopredominantementefilosófica;outrosrealçamoladojurídicoe,

porúltimo,nãofaltamaquelesquelevammaisemcontaaformulação

sociológicadeseuconceito.

6.1Acepçãofilosófica

AosprimeirospertenceHegel,quedefiniuoEstadocomoa

Page 114: Ciência Política - Archive

“realidadedaidéiamoral”,a“substânciaéticaconscientedesimesma”,

a“manifestaçãovisíveldadivindade”,colocando-onarotaçãodeseu

princípiodialéticodaIdéiacomoasíntesedoespíritoobjetivo,ovalor

socialmaisalto,queconciliaacontradiçãoFamíliaeSociedade,como

instituiçãoacimadaqualsobrepairatão-somenteoabsoluto,em

exteriorizaçõesdialéticas,queabrangemaarte,areligiãoeafilosofia.

6.2Acepçãojurídica

EmKantcolhe-seacercadoEstadoconceitodeveraslacunoso,

inferioràdefiniçãoclássicaquenosdeudoDireito.Comseuformalismo

invariável,viuKantnoEstadoapenasoângulojurídico,aoconcebê-lo

como“areuniãodeumamultidãodehomensvivendosobasleisdo

Direito”.14

Semembargodesuasraízeskantistas,nãopoupouDelVecchioa

definiçãodeKant,queelereputainexata.Dizquesepoderiaaplicar

tantoaummunicípiocomoaumaprovínciaeatémesmoauma

penitenciária!

Todavianãosoubeessejurista-filósofoirmuitoalémdaestreiteza

jurídicadokantismoformalista,aoconceituaroEstado.Tantoassim

quesuadefiniçãodeEstadocomo“osujeitodaordemjurídicanaqual

serealizaacomunidadedevidadeumpovo”ou“aexpressão

potestativadaSociedade”,postoqueressalte,comoeleafirma,a

Page 115: Ciência Política - Archive

distinçãoentreSociedadeeEstado,desprezacontudoelementos

concretosdarealidadeestatal,partesconstitutivasdoEstado,quesó

vãoaparecercomtodaainteirezaeprecisãonaqueleconceito

sociológicodeDuguit,queomesmoDelVecchiojáantesreproduzirae

dequenosocuparemosmaisadiante.

AdefiniçãodeDelVecchio,dopontodevistaexclusivamente

jurídico,satisfaz,principalmentequandoele,separandooEstadoda

Sociedade,nota,comtodaalucidezqueoEstadoéolaçojurídicoou

políticoaopassoqueaSociedadeéumapluralidadedelaços.15

ValeapenadereferirsuanoçãodequeaSociedadeéogênero,o

Estado,aespécie;dequeaorganizaçãoestatalrepresentaumaforma

deSociedadeapenas,emconcorrênciaecontrastecomoutras,mais

vastas,comoasreligiõeseasnacionalidades,cujoslaços,emborade

maiorextensãoeabrangendoporvezesefetivoshumanosmais

numerosos,carecemtodaviadeenvergaduraedasolidezdolaço

político,desupremainfluênciasobreosdemais.

DeigualteorjurídicoétambémoconceitodeEstadodeBurdeau,

queassinalasobretudooaspectoinstitucionaldopoder.Dizesseautor

que“oEstadoseformaquandoopoderassentanumainstituiçãoenão

numhomem.Chega-seaesseresultadomedianteumaoperação

jurídicaqueeuchamoainstitucionalizaçãodoPoder”.16Jean-Yves

Page 116: Ciência Política - Archive

Calvez,inspiradoemBurdeaueapóscomentar-lheaconcepçãode

Estado,conclui:“OEstadoéageneralizaçãodasujeiçãodopoderao

direito:porumacertadespersonalização”.Desenvolvendoasidéiasde

Burdeau,intentaentãodemonstrarqueoEstadosóexistiráondefor

concebidocomoumpoderindependentedapessoadosgovernantes.17

6.3Acepçãosociológica

ComOswaldoSpengler,Oppenheimer,Duguiteoutrosoconceito

deEstadotomacoloraçãomarcadamentesociológica.

AopassoqueSpenglersurpreendenoEstadoaHistóriaem

repousoenaHistóriaoEstadoemmarcha,Oppenheimerconsidera

errôneastodasasdefiniçõesatéentãoconhecidasdeEstado,desde

CíceroaJellinek.

Oabalizadopensadorconfessaqueopessimismosociológico

dominaosespíritos.OconceitodeEstadoqueelaboraestávazadonas

influênciasmarxistasdeseupensamento.

OEstado,pelaorigemepelaessência,nãopassadaquela

“instituiçãosocial,queumgrupovitoriosoimpôsaumgrupovencido,

comoúnicofimdeorganizarodomíniodoprimeirosobreosegundoe

resguardar-secontrarebeliõesintestinaseagressõesestrangeiras”.18

OEstadoconstitucionalmodernonãosedesvinculounateoriade

Oppenheimerdesuaíndoledeorganizaçãodaviolênciaedojugo

Page 117: Ciência Política - Archive

econômicoaqueumaclassesubmeteoutra.Célebreéapassagemem

queelesustentaque,pelaforma,esseEstadoécoaçãoepeloconteúdo

exploraçãoeconômica.19

AposiçãosociológicadeDuguitcomrespeitoaoEstadonãovaria

consideravelmentedadeOppenheimer.

ConsideraoEstadocoletividadequesecaracterizaapenaspor

assinaladaeduradouradiferenciaçãoentrefortesefracos,ondeos

fortesmonopolizamaforça,demodoconcentradoeorganizado.20

DefineoEstado,emsentidogeral,comotodasociedadehumana

naqualhádiferenciaçãoentregovernantesegovernados,eemsentido

restritocomo“grupohumanofixadoemdeterminadoterritório,ondeos

maisfortesimpõemaosmaisfracossuavontade”.21

Outrojurista-sociólogodotomodevonJehringdestacatambém

noEstadooaspectocoercitivo.Comefeito,dizesseautorqueoEstado

ésimplesmente“aorganizaçãosocialdopoderdecoerção”ou“a

organizaçãodacoaçãosocial”ou“asociedadecomotitulardeumpoder

coercitivoreguladoedisciplinado”,sendooDireitoporsuavez“a

disciplinadacoação”.22

Domesmocunhosociológico,oconceitomarxistadeEstado.

MarxeEngelsexplicamoEstadocomofenômenohistóricopassageiro,

oriundodaapariçãodalutadeclassesnaSociedade,desdeque,da

Page 118: Ciência Política - Archive

propriedadecoletivasepassouàapropriaçãoindividualdosmeiosde

produção.Instituiçãoportantoquenemsempreexistiuequenem

sempreexistirá.Fadadoadesaparecer,opoderpolítico,comoMarxo

definiu,é“opoderorganizadodeumaclasseparaopressãodeoutra”.23

Damesmaforma,assinalaEngelsqueapresenteSociedade,

enquantoSociedadedeclasses,nãopodedispensaroEstado,istoé,

“umaorganizaçãodarespectivaclasseexploradoraparamanutençãode

suascondiçõesexternasdeprodução,asaber,paraaopressãodas

classesexploradas.”24

OconceitodeEstadorepousa,porconseguinte,naorganização

ouinstitucionalizaçãodaviolência,segundoasanálisesmaisprofundas

dasociologiapolítica.Esseconceito,jáexaminadoemtantoscientistas

sociais,reapareceporigualnumsociólogodaenvergaduradeMax

Weber.

SóuminstrumentoconsentedefinirsociologicamenteoEstado

moderno,bemcomotodaassociaçãopolítica:aforça—dizaquele

pensador—enãooseuconteúdo.25Todasasformaçõespolíticassão

formaçõesdeforça,prossegueoinsignesociólogo,detalmaneiraquese

existissemsomenteagregaçõessociaissemmeioscoercitivos,jánão

haverialugarparaoconceitodoEstado.26

“TodoEstadosefundamentanaforça”,disseTrotskyemBrest-

Page 119: Ciência Política - Archive

Litowsk,eMaxWeber,citando-odeformaliteral,lhedáinteirarazão,

emboraacheque“aviolêncianãoéoinstrumentonormaleúnicodo

Estado”,masaquelequelheé“específico”.27Nopassado,sim,foraa

violência,desdeahorda,ummeiointeiramentenormalentreosmais

distintosgrupos.28

OEstadomodernoracionalizou,porém,oempregodaviolência,

aomesmopassoqueofezlegítimo.Demodoque,valendo-sedetais

reflexões,chegaMaxWeber,enfim,aoseucélebreconceitodeEstado:

aquelacomunidadehumanaque,dentrodeumdeterminadoterritório,

reivindicaparasi,demaneirabemsucedida,omonopóliodaviolência

físicalegítima.29

Algocaracterizaassimopresente,poresseaspecto,segundoele:

osgruposeosindivíduossóterãodireitoaoempregomaterialdaforça

comoassentimentodoEstado.Desortequeesteseconvertenaúnica

fontedo“direito”àviolência,conformeexpressõestextuaisdoabalizado

sociólogo.30

Oconceitodeumaordemjurídicalegítimaracionalizou,porsua

vez,asregrasconcernentesàaplicaçãodaforça,monopolizadapelo

Estado.Emsuma,reconheceMaxWeberoEstadocomoaderradeira

fontedetodaalegitimidade,tocanteàutilizaçãodaforçafísicaou

material.31

Page 120: Ciência Política - Archive

7.ElementosconstitutivosdoEstadoDetodososconceitosjáreferidos,odeDuguitéoquemelhor

revelaoselementosconstitutivosqueateoriapolíticaordinariamente

reconhecenoEstado.

Sãoesseselementosdeordemformaledeordemmaterial.

Deordemformal,háopoderpolíticonaSociedade,que,segundo

Duguit,surgedodomíniodosmaisfortessobreosmaisfracos.

Edeordemmaterial,oelementohumano,quesequalificaem

grausdistintos,comopopulação,povoenação,istoé,emtermos

demográficos,jurídicoseculturais,bemcomooelementoterritório,

compreendidosestes,conformevimos,naquelapartedadefiniçãoem

queDuguitexpendesuaapreciaçãosociológicadoEstadocomo“grupo

humanofixadonumdeterminadoterritório”.

NossaúnicaobjeçãoaoconceitodeEstadodeDuguitprende-sea

umpossíveljuízodevalorcontidonaafirmativadaquelejurista,

segundoaqualopoderimplicasempreadominaçãodosmaisfracos

pelosmaisfortes.

Admitiressadominaçãoporinerenteatodoordenamentoestatal,

istoé,porfatosociológicoincontrastável,equivaleriadecertoaexcluira

possibilidadedeumEstadoeventualmenteacimadasclassessociaise

Page 121: Ciência Política - Archive

dotadodecaracterísticasneutraisquepudessememdeterminadas

circunstânciasconvertê-lonojuizoudisciplinadorcorretoeinsuspeito

dearrogantesinteressesrivais.

Apresençaporconseguintedessaconotaçãosubjetivista(acrença

doautordequeoEstadoexprimeadominaçãodosmaisfortessobreos

maisfracos)obriga-nosarejeitaroconceitodeDuguit.Gostaríamos

poisdesubstituí-loporumoutro,quesenosafiguratãocompleto

quantoaqueleemenumerartambémoselementosconstitutivosdo

Estado.Formulou-oJellinekquandodissequeoEstado“éacorporação

deumpovo,assentadanumdeterminadoterritórioedotadadeum

poderorigináriodemando”.32Conceitoesteirrepreensível,dignosem

dúvidadefazerjusaoprêmiosugeridoporBastiat.

1.TalcottParsons,EncyclopaediaofSocialSciences,t.13-14,p.225.

2.GeorgioDelVecchio,PhilosophieduDroit,p.346.

3.GeorgioDelVecchio,ob.cit.,p.351.

4.GustavSeidler,GrundzuegedesAllgemeinenStaatsrechtes,p.32.

5.NorbertoBobbio,“Società”,in:DizionariodiFilosofia,pp.611-613.

6.LuísSanchezAgesta,PrincípiosdeTeoriaPolítica,p.120.

7.G.Jellinek,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,pp.86-88.

8.Hegel,GrundlinienderPhilosophiedesRechts.

9.NorbertoBobbio,ob.cit.,p.611.

Page 122: Ciência Política - Archive

10.OttoHeinrichGablentz,v.d.“GesellschaftundGesellschaftslehre”,in:Staatund

Politik,pp.108-109.

11.HansKelsen,TeoriaGeneraldelEstado,pp.3-4.

12.GuentherKuechenhoff,&ErichKuechenhoff,AllgemeineStaatslehre,2ªed.,p.15.

13.NiccoloMachiavelli,IlPríncipe,13ªed.,p.37.

14.Kant,MetaphysikderSitten,p.135.

15.GeorgioDelVecchio,ob.cit.,pp.351-352.

16.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.II,p.128.

17.Jean-YvesCalvez,IntroductionàlaViePolitique,p.67.

18.FranzOppenheimer,DerStaat,4ªed.,p.5.

19.Idem,ibidem,p.119.

20.Duguit,L’État,I,pp.615-619.

21.Duguit,ManueldeDroitConstitutionnel,4ªed.,pp.14-15.

22.R.vonJehring,DerZweckimRecht,4ªed.,I,pp.239-401.

23.Marx,“DasKommunistischesManifest”,in:DieFhruehscrhiften.p.548.

24.Engels,DieEntwicklungdesSozialismusvonderUtopiezurWissenschaft,p.41.

25.MaxWeber,“WirtschaftundGesellschaft”,vierte,neuherausgegebeneAuflage,

besorgetvonJohannesWinckelman,I,Halbband,p.29e2.Halbband,p.829.

26.MaxWeber,ob.cit.II,pp.520e830.

Page 123: Ciência Política - Archive

27.MaxWeber,ibidem,pp.829e830.

28.Idem,ibidem,p.830.

29.Idem,ibidem,pp.519e830.

30.Idem,ibidem,p.830.

31.Idem,ibidem,p.519.

32.G.Jellinek,AllegemeineStaatslehre,3ªed.,pp.180,181,183.

4

POPULAÇÃOEPOVO

1.Conceitodepopulação—2.Desafiodofantasmamalthusianoao

Estadomoderno—3.Aexplosãodemográficaameaçaofuturoda

humanidade—4.Opesadelodossubdesenvolvidos—5.O

pessimismodasestatísticas—6.Aposiçãoprivilegiadadospaíses

desenvolvidos—7.Conceitopolíticodepovo—8.Conceitojurídico

—9.Conceitosociológico.

1.Conceitodepopulação

TodasaspessoaspresentesnoterritóriodoEstado,num

determinadomomento,inclusiveestrangeiroseapátridas,fazemparte

dapopulação.Éporconseguinteapopulaçãosobesseaspectoumdado

essencialmentequantitativo,queindependedequalquerlaçojurídicode

sujeiçãoaopoderestatal.Nãoseconfundecomanoçãodepovo,

porquantonesta,fundamentaléovínculodoindivíduoaoEstado

Page 124: Ciência Política - Archive

atravésdanacionalidadeoucidadania.Apopulaçãoéconceito

puramentedemográficoeestatístico.Seuestudocientíficotemsidofeito

pelademografia,umadasdisciplinasauxiliaresdaCiênciaPolíticae

queseocupatantodosaspectosquantitativoscomoqualitativosdo

elementopopulacional.

Dopontodevistaeconômico,apopulaçãotantopodesignificar

fatordepujança,poderioeengrandecimentocomotambémcausade

debilidadeparaoordenamentoestatal.Oaspectoeconômicoésolidário

comoaspectopolítico,demodoqueomaioroumenorcoeficiente

populacional,amaioroumenorextensãodosíndicesdecrescimento

demográficohãoigualmentedevalercomodadovariáveldegrandezaou

misériadoEstado.

Caberiaaquireflexõesacercadaimportânciapolíticaeeconômica

queassume,porexemplo,apopulaçãodeumEstadocomoaChina,de

umbilhãodehabitantes.Seponderarmosqueaquantidadede

habitantesreferidaaumsóEstadorepresentapotencialmente

considerávelforçadereserva,talnãoexcluitodaviaoladodefragilidade

implícitoemquadrosdemográficostransbordantes.Naturalmente,o

significadopolíticodapopulaçãovaidependerdocorrelatosignificado

econômicodamesmapopulaçãonoEstado.Problemaidênticooferecea

Índia.

Page 125: Ciência Política - Archive

OsEstadosdomundoantigonãoostentavamasdificuldadesdo

Estadomoderno.EramEstadosqueseconstituíamnasraiasda

comunidade,dentrodeumacidade,apolis,Estado-cidade.

EntreospensadorespolíticosdaGrécia,houvequempretendesse

determinaroquantummínimodesdeoqualexistiriaoEstado,fixando-o

arbitrariamenteemvinte,trintaouquarentamilhabitantes.Masa

fixaçãodomínimopopulacionalparaoreconhecimentodaordem

estataléhojenaCiênciaPolíticainteiramentedestituídode

importância.

Page 126: Ciência Política - Archive

2.DesafiodofantasmamalthusianoaoEstadomodernoOproblemapolítico-econômicomaiscuriosoqueoincremento

populacionallevantacontemporaneamentecontinuasendo,adespeito

detudo,aquelequeateoriamalthusianapôsdemanifestohácercade

duzentosanos.

DiziaMalthusqueapopulaçãocresciaemproporçãogeométrica,

aopassoqueosgênerosalimentíciosaumentavamsegundoregra

aritmética,demodoquenalinhadotempo,aconstante,atendência

permanentevinhaaseradealargarabrechaentreacapacidadede

manteraspopulaçõeseataxadecrescimentodessasmesmas

populações.

Quandoessefossosealargademasiado,surgementão,segundo

Malthus,asguerras,asrevoluções,asepidemias,asfomes

devastadoras,pararestaurarem,comaviolênciadosacrifícioimposto,o

equilíbriorompido.Desaparecemosexcedentespopulacionais.As

guerras,consoanteatesemalthusiana,acarretandocomosevêa

destruiçãoperiódicadosefetivospopulacionaisexcedentes,paraos

quaisnãochegaopãodasubsistência,constituemfatalidadesocial.

ApresentouMalthussuatese,definsdoséculoXVIIIparao

Page 127: Ciência Política - Archive

começodoséculoXIX.Seaceitamosoprincípiomalthusianodo

crescimentodaspopulações,estamosaceitandoasenfermidadessociais

comooriundasdeumdeterminismosocial,dasleisdanatureza,contra

asquaisnadapodeohomememsociedade.

Malthuslançousuateoriacomtodooaparatoeostentaçãode

tesecientífica,verídica,comprovada,intocável.Masvieramoscríticos

dasconcepçõesmalthusianas,eentreosqueinvestiramcommais

ímpetocontraestadoutrinaimplacáveldaspopulaçõessobressaem

precisamenteoscorifeusdascorrentessocialistas.Professaram

hostilidadeabertaeabsolutaaMalthus,intentandodemonstrar-lhea

falsidadedatese.

Emqueseapóiafundamentalmenteacríticaantimalthusiana?

Numotimismoquenãovacilaacercadaspossibilidadesdatécnicaeda

ciência,noseudesenvolvimento,noseucontínuoprogresso,decriarem

paraohomemasmaisricasepromissorasperspectivasdelibertação

econômica.Emconseqüência,dizemossocialistas,arespostada

ciênciaéclaraeotimista:aciência,pormeiodatécnicaadiantadae

racional,técnicaaltamenteaprimorada,podeproduzir,comcapacidade

ilimitada,quaseinfinita,osbensnecessáriosàexistênciahumana.

Bastaqueseatentenalibertaçãodeforçaspoderosíssimasdecorrentes,

porexemplo,dadesintegraçãodoátomo.Aeranuclear,quejáseestá

Page 128: Ciência Política - Archive

oferecendoporrealidade,naantemanhãdesuasmelhorespromessas,

dariarespostairretorquívelaosquevêemcobertasdecinzaasidades

vindourasdahumanidade.

Temoscondiçõesdevencerafome.Temosmeiosdetornar

verdadeiramenteridículoedestituídodetodaabasecientíficao

sombrioprognósticomalthusiano.Massurgeoproblemacapital,quea

reflexãojáanteviu:équenãobastahaverciênciadesenvolvidaou

técnicadeproduçãoexcepcionalmenteavançada.Oproblema

malthusianoreaparecerá,porquantonãocabeapenasàciênciadispor

derecursosemeiospotenciaiscomquedebelarouobviarvenhaa

consumar-seatravésdostemposaprofeciamalthusiana.

Ograndeenigmaconsisteemcriarnasociedadeasformas

políticasesociaisdeaplicaçãodaciênciaedatécnica.Emprincípio,as

sociedadesnãotêmoquetemerdasconseqüênciasdaprogressão

geométrica,comqueoterrordemográficodeMalthusasameaça.Se

nãohouverporémdentrodasociedadehumanaumautilizaçãoda

técnicaedaciência,emordemamodificar,pelomáximoincremento

produtivo,osdadoscontidosnaproposiçãodopastorprotestante,

naturalmenteMalthusdespontarásempresombrio.Comefeito,oque

vemosaindaemnossosdias,acadapasso,éapresençadofantasma

dafomenospaísessubdesenvolvidos,comoaíndia,eosseus536

Page 129: Ciência Política - Archive

milhõesdehabitantes,dosquais30a40milhõessãopáriasque

morremàmínguaemplenaidadedosprogressosnucleares.

3.Aexplosãodemográficaameaçaofuturodahumanidade

Adimensãomalthusianadoproblemadaspopulaçõesconstituíra

simplesmenteumareflexãopessimistasobreaescassezdegêneros

alimentícios,esobreafome,comsuasimplicaçõespolíticasesociais.

Otemapopulacionalvolveuporémapreocuparoscientistas

sociaisdenossaépocanumaperspectivaqueéagoraimensamente

maisampla:nãosetrataunicamentedesabersehaverágêneros

bastantesparaalimentarahumanidade,masdeconhecerouprevera

naturezaoumédiadopadrãodevidaqueaguardaráasociedade

humana,mormenteospovossubdesenvolvidos,emfacedaexplosão

populacionalnaidadedaindustrialização.

Estamosdiantedo“maiorfenômenodemográficodahistória

universal”.1Determinaraqualidadedavidahumanaparacontersua

eventualdeterioração,eisointeressequeainvestigaçãocientíficado

crescimentovertiginosodaspopulaçõesdeveproduziremprimeirolugar

noânimodequantosseempenhamemsolucionaraquestão

demográfica.

ACiênciaPolíticanãopodeporconseguinteficarindiferente,de

braçoscruzados,aesseproblemaqueabalaoséculoXXeémerecedor

Page 130: Ciência Política - Archive

delargodesenvolvimento.

Estamosempresençadeumcrescimentosemparadeiro,

mormentenospaísessubdesenvolvidos.OprofessorEynern,da

UniversidadedeBerlim,distinguiuquatrofasesnoquadrodessa

impressionantecrise.2

Aprimeirafaseéaquelaemqueastaxasdenatalidadee

mortalidadeseequiparam,asaber,nascememorrememmédia35ou

40pessoaspor1.000habitantesanualmente.

Asegundafaseocorrequandosedáaquedadataxade

mortalidadequedesceparacercade20,emvirtudedosprogressos

espetacularesdamedicina,medianteoempregodeantibióticos,

vacinas,sulfanilamidas,aadoçãogeneralizadaderegraselementaresde

higienepreventiva,usodeinseticidasemlargaescalacomsaneamento

completodeáreasdantessujeitasagrandesmoléstiasendêmicase

outrasmedidasgeraisdesaúdepúblicaquepraticamenteeliminaramo

perigodasepidemiasdevastadoras.Nessasegundafaseataxade

nascimentopermanecealtaeumavezrompidooequilíbrioanterior

verifica-seemconseqüênciarápidoincrementopopulacional.

Naterceirafase,ataxadenascimentoentraemdeclínio,

conformeEynern,nãoporefeitode“impotênciabiológica”,mas

exclusivamenteemdecorrência,segundoele,deumalimitaçãoracional

Page 131: Ciência Política - Archive

donúmerodefilhosnocasamento.Faz-seentãoapolíticada

“paternidaderesponsável”ouconsciente,comaplanificaçãodafamília,

deacordocomosrecursosdequedispõemospaisparaasubsistência,

semquebradorespectivopadrãodevida,queafamílianumerosa

acarretaria.Comoataxademortalidadecontinuatodaviaadiminuir,

permaneceaindaaltooexcedentedenatalidadepostoquejáseesteja

devoltaaoequilíbrio.

Aquartafasetestemunhaareaproximaçãodasduastaxas:ada

natalidadesesitua,segundoEynern,aonúmerode10/1000,umpouco

acimadademortalidadeeatendênciadecrescimentosemanifesta

ligeiramenteatenuada,abaixonível,restaurando-seporconseguinte

umasituaçãoqueseassemelhaàdaprimeirafaseequesignificará

decertoatravessiavitoriosadacrise.

Nessaquartafaseseachamospaísesdesenvolvidos,ondea

explosãodemográficajáfoipostadebaixodecontrole;naterceirafase

nãoingressouaindanenhumpaíssubdesenvolvido.Dospaíses

orientais,ondeocrescimentodemográficosemanifestacommais

violência,aúnicaexceçãoéoJapão,orajánaterceirafase.Nasegunda

fase—aquelaqueregistraodesequilíbriomaisagudo—seachamos

povosdaÁsia,ÁfricaedamaiorpartedaAméricaLatina.

Page 132: Ciência Política - Archive

4.OpesadelodossubdesenvolvidosOdramadospaísessubdesenvolvidosempresençadoproblema

populacionaldecorredofatodequeoaumentodaproduçãoeconômica

nãoacompanhaoaumentomuitomaisvelozdapopulação,produzindo

assimumfossoondesedespenhamtodasasesperançasdeuma

partidaefetivaparaodesenvolvimento.

Ataxadeincrementodemográficoabsorvetodaataxade

acréscimodaprodutividade.Asconseqüênciasdolorosassãoo

rebaixamento

contínuo

das

condições

de

vida

dos

povos

subdesenvolvidos,impotentesparasatisfazersequerasnecessidades

primáriasdepão,roupaeteto,domesmopassoqueasdemais

necessidadessecundáriasdoconfortoproporcionadopelasociedade

tecnológicaficamparaelescomoumaquimeraouesperançacadavez

Page 133: Ciência Política - Archive

maisremota.

OseconomistasbrasileirosRobertoCamposeGlycondePaiva

têmdemonstradovivapreocupaçãocomesseproblema,colocando-ona

pautadosmaisurgentes.Referem-seinsistentementeàchamada“infra-

estruturaonerosa”quefariafútiltodoesforçodeelevar“osníveisde

confortoebem-estardapopulaçãoviva”,casopermaneçaodesnível

entreoaumentomaiordapopulaçãoeoaumentomenordaprodução.

Essainfra-estruturaquepesasobreoerárioreclamarecursospara

construçãodemaisescolasprimárias,secundáriasesuperiores,

serviçospúblicosdeabastecimentod’água,eletricidade,esgotose

transportes,bemcomoproduçãosuficientedegênerosalimentícios

básicos.

Todooesforçoqueopoderpúblicofizessenaquelesdomínios

nuncaseriabastanteaproduzirumasolução,porquantoosrecursos

limitadosacabariamrapidamenteabsorvidos,restandosemprevastos

excedenteshumanosaimpetraroatendimentodaquelasnecessidades

mínimasdehabitação,educaçãoesaúde,excedentescriadospelataxa

maiordenatalidadeabundante.Conclusãopolítica:aschamasdoódio

socialcrepita-riamcommaisforçaemaisacesaficariaalutadeclasses

conduzidaaoparoxismoeaeventualtragédiaideológica.

Quantos

Page 134: Ciência Política - Archive

contestam

a

ordem

capitalista

nos

países

subdesenvolvidosesperamcontarcomumaliadopotencial:asfuturas

massasfamintaseimpacientes,cujodescontentamentoseriao

combustíveldafogueirarevolucionária.Daquiosilênciocomque

muitoscobremoaspecto“despolitizado”daquestãodemográfica,ou

seja,evitamsuamensuraçãopelocrescimentoquantitativo,emtermos

econômicospuros,subtraídosatodainferênciaouimplicaçãopolítico-

ideológica,tendoemvistanãoquemseapoderarádopoder,masquem

amanhã,debaixodenãoimportaqueregimepolítico,seacharáem

condiçõesdecorrigiroutolheroscatastróficosefeitosda“bomba

populacional”.

5.Opessimismodasestatísticas

Alinguagemestatísticaentranamatériafalandocomafriezados

númerospalavrasdepessimismo.DadosdivulgadospelaOrganização

dasNaçõesUnidasmostramqueoincrementomaiorocorrenospaíses

subdesenvolvidos.Em1970para3,5bilhõesdehabitantes,haviana

Page 135: Ciência Política - Archive

faixasubdesenvolvida2,5bilhões,maisdametadedogênerohumano.

Noano2.000,oquadronãoseapresentarámodificado,masao

contráriomuitomaissombrio:a6,6bilhõesdesereshumanossobrea

Terracorresponderão5,4bilhõesdesubdesenvolvidos,maisde80por

centodetodaahumanidade!

Numaconferênciaproferidaem1969naUniversidadeCatólicade

NotreDame,emSouthBend,noEstadodeIndiana,RobertoMac

Namara,PresidentedoBancoMundialepolíticonorte-americanode

renomeemquestõesestratégicasfezprognósticosaterradoresacercado

incrementodemográfico,revelandoosseguintesfatosqueofuturo

confirmará—dizele—seahumanidadenãoadotarconscientemente

urnanovapolíticapopulacional:a)apopulaçãodomundodobraráno

curtoespaçode35anos;b)umacriançanascidaemnossosdiasviverá

aos70anos,curtoprazodeumageração,numplanetahabitadopor15

bilhõesdesereshumanos;c)seusnetosviverãoentre60bilhõesde

sereshumanos;d)umquadrodantesco,piortalvezqueoinfernodo

poeta,aguardaráahumanidadenospróximos6séculosemeio:umser

humanoparacadapolegadaquadradadeterra!

OEstadodeS.Paulo,quecomentouemsuaediçãode4demaio

de1969aoraçãodeMacNamaraedeondeextraímososdadosacima

reproduzidostambémsereferiuaumdocumentodaONUnoqualse

Page 136: Ciência Política - Archive

lia:“Seforamnecessários200.000anosparaatingir2,5bilhõesde

sereshumanossobreaTerra,eisquevãosersuficientestrintaanos

paraacrescentarmaisdoisbilhões”.

6.Aposiçãoprivilegiadadospaísesdesenvolvidos

Asituaçãodospaísesdesenvolvidoséprivilegiada,comtodasas

previsõesindicandoumvertiginosoaumentodopadrãodevidanas

próximasdécadas.Oresultadoseráporémoaprofundamentodo

abismoqueosseparajádasnaçõessubdesenvolvidas.Ocorrecomeles

precisamenteocontrário:oaumentodapopulaçãoéinferiorao

aumentodaproduçãoeconômica.

Cria-seassimumasociedadedeabundância,cadavezmais

opulenta,servidadeimpressionanteprogressotecnológicoqueeleva

rapidamenteosníveisdebem-estargeraldaspopulaçõesafortunadas.

Nessassociedades,segundoHauriou,aoinvésdapenúriade

pessoalqualificado,observadanospaísessubdesenvolvidos,são

numerososedeexcelentenívelosquadrospolíticos,técnicos,

administrativosecientíficos.Ospovosdesenvolvidosdispõemnãosóde

largaexperiênciacomodeumknow-howsuperiornodomínio

tecnológico.Investindomaciçamentenapesquisacientífica,rasgam

horizontesnovosdeprosperidadematerialepreparamumacivilização

deconfortoqueaelevadíssimarendapercapitalhesproporcionará.

Page 137: Ciência Política - Archive

Dopontodevistapolítico,prevê-senessequadrodeotimismoum

declíniomaiordalutadeclasses,umaacomodaçãocooperativamais

estreitadaclasseobreiracomaclassepatronal,umaperspectivadepaz

socialfavorávelàdefinitivaconsolidaçãodosprincípiosdemocráticose

enfimumadespolitizaçãocrescentedaquestãoideológica,quearderá

commenosintensidadedoquenasáreasdosubdesenvolvimento,

expostasaoatrasoqueaexplosãopopulacionalpoderátornar

irremediável.

Masacoexistênciacomosubdesenvolvimentonãodesenha

todaviaumapaisagemtãorisonhaparaosdesenvolvidos.Oclimade

apreensãojádominahojeosentimentodaselitesocidentais,

conscientesdatempestadequeofuturovaiaparelhando.Sitiadospela

misériadaperiferia,sabemospovosdesenvolvidosquealiseforjam

armasrevolucionáriasaserviçodesistemasautocráticosquerevogamo

regimedemocráticodasliberdadeshumanas,obstruindo-lheoexercício

econfiandoopoderaopartidoúnicodaideologiatotalitária,cuja

missãomessiânicaconsistiránumainflexívelpolíticadeholocaustos

sociais,emnomedeumaeventualeincertaeliminaçãodo

subdesenvolvimento.

7.Conceitopolíticodepovo

Oconceitodepovopodeserestabelecidodopontodevista

Page 138: Ciência Política - Archive

político,jurídicoesociológico.

Aantigüidadejáoconhecera,dando-nosdissotestemunhoaobra

deCícero.Comefeito,segundooescritorromano,povoé“areuniãoda

multidãoassociadapeloconsensododireitoepelacomunhãoda

utilidade”enãosimplesmentetodoconjuntodehomenscongregadosde

qualquermaneira.3

Amodernidadedoconceitoéporémafirmadaporalgunsautores,

quevãobuscar-lheanascentenasidéiasdaRevoluçãofrancesa.Fora

desconhecidoàIdadeMédia,cujateoriadoEstadopartiadoterritório,

daorganizaçãofeudal,ondeopoderseassentavaemrelaçõesde

propriedade.AnovateoriadoEstadoquecomeçacomaimplantaçãoda

sociedadeliberal-burguesa,nasegundametadedoséculoXVIII,parte

dopovo.Noabsolutismoopovoforaobjeto,comademocraciaelese

transformaemsujeito.4

TeveinícioesseprincípiocomoEstadoliberal,constitucionale

representativo.Ahistóriaquevaidosufrágiorestritoaosufrágio

universaléaprópriahistóriadaimplantaçãodoprincípiodemocráticoe

daformaçãopolíticadoconceitodepovo.Emborarestrito,osufrágio

inauguraaparticipaçãodosgovernados,suapresençaoficialnopoder

medianteosistemarepresentativo,elegendorepresentantesque

intervirãonaelaboraçãodasleisequeexprimirãopelaprimeiravezna

Page 139: Ciência Política - Archive

sociedademodernaumavontadepolíticanovaedistintadavontadedos

reisabsolutos.

Povoéentãooquadrohumanosufragante,quesepolitizou(quer

dizer,queassumiucapacidadedecisória),ouseja,ocorpoeleitoral.O

conceitodepovotraduzporconseguinteumaformaçãohistórica

recente,sendoestranhoaodireitopúblicodasrealezasabsolutas,que

conheciamsúditosedinastias,masnãoconheciampovosenações.

Esseconceitopolíticodepovoprende-seevidentementeauma

concepçãoideológica:adasburguesiasocidentaisqueimplantaramo

sistemarepresentativoeimpuseramaparticipaçãodosgovernados,

desencadeandooprocessoqueconverteriaestesdeobjetoemsujeitoda

ordempolítica.

Semacompreensãodesseconfinamentodoconceitoàssuas

raízeshistóricas,poderiaparecerabsurdooconceitodepovodo

professorAfonsoArinos,povopolítico,porquanto,tomadoforada

qualificaçãopolítica,nãoseriampovoosmenores,osanalfabetos,os

queporesteouaquelemotivo,deordemparticularoudeordemgeral,

estivessemexcluídosdodireitodesufrágio,nemtampoucohaveriapovo

nospaísestotalitários,ondealivreparticipaçãodosgovernadosna

criaçãodavontadeestatalseachassesufocadaouinterditada.Com

efeito,escreveucombrilhoeelegânciaonossoAfonsoArinos:“nossa

Page 140: Ciência Política - Archive

Constituiçãodizquetodopoderemanadopovoeemseunomeserá

exercido.Vejamosoqueistoquerdizer.Emprimeirolugar,oqueé

povo?Osconstitucionalistasnãohesitam.Povo,nosentidojurídico,não

éomesmoquepopulação,nosentidodemográfico.Povoéaquelaparte

dapopulaçãocapazdeparticipar,atravésdeeleições,doprocesso

democrático,dentrodeumsistemavariáveldelimitações,quedepende

decadapaísedecadaépoca.

“Visivelmente,nonossoPaísenaépocaatual,certaslimitações

impostaspelaConstituiçãode1946estãoobsoletas.Porexemplo,no

casodossargentos.Daquiaalgumtempoépossívelqueoutras

limitaçõesprecisemdesaparecer,como,porexemplo,adosanalfabetos,

quevotamempaísescomoaItáliaejávotaramnoBrasilimperial”.5

DeacordocomAurelinoLealpovo“indicaamassageraldos

habitantesdeumpaíseapartedelaaqueseatribuicapacidadede

concorrerparaainvestiduradopoderpúblico”.6

AfonsoArinosfoimuitomaisprecisodoqueAurelinoLeal.Este,

buscandoexprimiromesmoconceitopolíticodepovo,somouduas

quantidadesheterogêneas:apopulaçãoeoquadroeleitoral.Na

populaçãopodemfigurarestrangeirosquenãofazempartedopovoe

todaviaentramnaquela“massageraldoshabitantesdeumpaís”aque

sereportouAurelinoLeal.Comefeito,aincorretaformulaçãode

Page 141: Ciência Política - Archive

AurelinoLealsótemválidaasegundaparteque,destacadadaprimeira,

encerraoconceitopolíticodepovonaacepçãoemqueeleseformou

paraasociedademoderna,atéquetomasseulteriormente,comojá

ocorreemnossosdias,suaperfeitaeinobjetávelcaracterizaçãojurídica,

aúnica,anossover,colocadaforadetodoâmbitodecontrovérsiaede

aplicaçãouniversalaqualquersubstratohumano,nãoimportaoslaços

políticoseideológicosaqueestejavinculado.

8.ConceitoJurídico

Sóodireitopodeexplicarplenamenteoconceitodepovo.Sehá

umtraçoqueocaracteriza,essetraçoésobretudojurídicoeondeele

estiverpresente,asobjeçõesnãoprevalecerão.

Comefeito,opovoexprimeoconjuntodepessoasvinculadasde

formainstitucionaleestávelaumdeterminadoordenamentojurídico,

ou,segundoRaneletti,“oconjuntodeindivíduosquepertencemao

Estado,istoé,oconjuntodecidadãos”.7

DizOspitaliquepovoé“oconjuntodepessoasquepertencemao

Estadopelarelaçãodecidadania”,8ounodizerdeVirga“oconjuntode

indivíduosvinculadospelacidadaniaaumdeterminadoordenamento

jurídico”.9

Ésemelhantevínculodecidadaniaqueprendeosindivíduosao

Estadoeosconstituicomopovo.Aíestá,noentenderdeOrlandoe

Page 142: Ciência Política - Archive

Gropallioquidnovidesseconceito.Fazempartedopovotantoosquese

achamnoterritóriocomoforadeste,noestrangeiro,maspresosaum

determinadosistemadepoderouordenamentonormativo,pelovínculo

decidadania.

Nãobastadizerconformefazemaquelesdoisautoresquepovoéo

elementohumanocomosujeitodedireitoseobrigações.Aafirmativa

nãoéincorreta,masdemasiadolata.Umgruposocialtambémpode

abrangeroelementohumanoelevadoacategoriadesujeitodedireitose

obrigaçõesenãoconstituirumpovo.Urgeporconseguintedarênfase

aolaçodecidadania,aovínculoparticularouespecíficoqueuneo

indivíduoaumcertosistemadeleis,aumdeterminadoordenamento

estatal.

Acidadaniaéaprovadeidentidadequemostraarelaçãoou

vínculodoindivíduocomoEstado.Émedianteessarelaçãoqueuma

pessoaconstituifraçãooupartedeumpovo.

Ostatusdecidadania,segundoChiarelli,implicanumasituação

jurídicasubjetiva,consistentenumcomplexodedireitosedeveresde

caráterpúblico.

Ostatuscivitatisouestadodecidadaniadefinebasicamentea

capacidadepúblicadoindivíduo,asomadosdireitospolíticosedeveres

queeletemperanteoEstado.Orlandofoidemasiadolongenalatitude

Page 143: Ciência Política - Archive

doconceitoquandoabrangeunessestatustambémosdireitosedeveres

denaturezaprivada.10

Dacidadania,queéumaesferadecapacidade,derivamdireitos,

quaisodireitodevotareservotado(statusactivaecivitatis)oudeveres,

comoosdefidelidadeàPátria,prestaçãodeserviçomilitare

observânciadasleisdoEstado.Sendoacidadaniaumcírculode

capacidadeconferidopeloEstadoaoscidadãos,estepoderátraçar-lhe

limites,casoemqueostatuscivitatisapresentaránoseuexercíciocerta

variaçãooumudançadegrau.Dequalquermaneiraéumstatusque

defineovínculonacionaldapessoa,osseusdireitosedeveresem

presençadoEstadoequenormalmenteacompanhacadaindivíduopor

todaavida.

Trêssistemasdeterminamacidadania:ojussanguinis

(determinaçãodacidadaniapelovínculopessoal),ojussoli(acidadania

sedeterminapelovínculoterritorial)eosistemamisto(admiteambos

osvínculos).Naterminologiadodireitoconstitucionalbrasileiroao

invésdapalavracidadania,quetemumaacepçãomaisrestrita,

emprega-secomomesmosentidoovocábulonacionalidade.

Amatériaseachareguladanoartigo12daConstituiçãofederal,

quedefinequemébrasileiroeporconseguinte,emfacedasnossasleis,

quemconstituionossopovo.

Page 144: Ciência Política - Archive

9.Conceitosociológico

Tidotambémcomoconceitonaturalistaouétnico,decorreporém

commuitomaisfreqüênciadedadosculturais,queumaconsideração

unilateralmentejurídicanãopoderiaexprimir.

Dessepontodevista—osociológico—háequivalênciado

conceitodepovocomodenação.Opovoécompreendidocomotodaa

continuidadedoelementohumano,projetadohistoricamenteno

decursodeváriasgeraçõesedotadodevaloreseaspiraçõescomuns.

Compreendevivosemortos,asgeraçõespresenteseasgerações

passadas,osquevivemeosquehãodeviver.Éenfimaquelemesmo

povopolíticoconcebido,conformevimos,deacordocomas

característicasjurídicasquenumdeterminadoterritóriolheconferema

organizaçãodeEstado,masaomesmotempocolocadonumadimensão

históricaqueligaopassadoaofuturoeassimtranscendeomomento

dacontemporaneidadedesuaexistênciaconcreta.

Opovonessesentidoéanação,eaindadebaixodesseaspecto

podetomarumaacepçãotãolataqueparasobreviverbastaconservar

acesaachamadaconsciêncianacional.Osjudeussemterritórioesem

Estadopróprio,disseminadosnocorpopolíticodesociedadesqueoraos

acolhiam,oraosexpeliam,nemporissodeixaramnuncadeserpovoe

nação,tendoasduasexpressõesaquiigualsignificado.11

Page 145: Ciência Política - Archive

1.GertvonEynern,“Bevoelkerungspolitik”,in:StaatundPolitik,p.43.

2.Idem,ibidem,p.43.

3.M.TulliusCicero,DeRePublica,livroI,25,p.31.(“Respublicarespopuli,populus

autemnonomnishominumcoetusquoquomodocongregatus,sedcoetus

multitudinisjurisconsensuetutilitatiscommunionesociatus”.)

4.Salomon-Delatour,PolitischeSoziologie,p.41.

5.AfonsoArinosdeMeloFranco,JornaldoBrasil,ediçãode22.8.1963.

6.AurelinoLeal,TeoriaePráticadaConstituiçãoFederalBrasileira,p.18.

7.OresteRaneletti,IstituzionidiDirittoPubblico,13ªed.,p.18.

8.GiancarloOspitali,IstituzionidiDirittoPubblico,5ªed.,p.31.

9.Veja-sePietroVirga,DirittoCostituzionale,6ªed.,pp.43-44.

10.V.E.Orlando,PrincipiidiDirittoCostituzionale,5ª.ed.,p.26.

11.Inclinando-seasepararosdoisconceitos,povoenação,AurelinoLealafirmouque

“anaçãocomportanoseuconceitoumasubjetividadequeescapaàconcepçãodo

termopovo”(A.Leal.Ob.cit.,p.18).Noentanto,nuncafaltaramautoresantigose

modernosparareputaridênticosaquelesconceitos.Orban,constitucionalistabelga,

citadoporAurelino,professava“opropósitodeliberado”deadotarasinonímiadosdois

termos,damesmamaneiraqueBattagliaeMaggiore,autoresmaismodernos.

Page 146: Ciência Política - Archive

Em

verdade,aexpressãopovosóficadevidamenteesclarecidafaceaoseuusovulgare

científico,seatentarmossempreparaasdistintasacepçõesqueabrange,conformejá

expusemos.

5

ANAÇÃO

1.ANação:umconceitoequívoco?—2.Oerrodetomar

insuladamentealgunselementosformadoresdoconceitodenação:

raça,religiãoelíngua—3.Oconceitovoluntarísticodenação—4.

Oconceitonaturalísticodenação—5.Passosnotáveisdaobrade

Renanfixandooconceitodenação—6.Anaçãoorganizadacomo

Estado:oprincípiodasnacionalidadeseasoberanianacional.

1.ANação:umconceitoequívoco?

ComotantosoutrosconceitosqueentramnaCiênciaPolítica,o

denaçãotemsidoincriminadodeostentar“caráterfugaz,

plurisignificanteeatéequívoco”(Sestan).

Umadasboasnoçõesqueesclarecemporémosignificadoda

palavranaçãopertenceaHauriou,quandooautorfrancêsassinalao

círculofechadoqueaconsciêncianacionalrepresentaeadiferenciação

refletidaqueaseparadeoutrasconsciênciasnacionais.Senãovejamos:

Page 147: Ciência Política - Archive

Anação,segundoele,é“umgrupohumanonoqualosindivíduosse

sentemmutuamenteunidos,porlaçostantomateriaiscomoespirituais,

bemcomoconscientesdaquiloqueosdistinguedosindivíduos

componentesdeoutrosgruposnacionais”.1

AldoBozziporsuavezrepeteoutrospublicistasaoacentuarno

conceitodenaçãooidemsentire(omesmosentimento)“derivadoda

comunhãodetradição,dehistória,delíngua,dereligião,deliteraturae

dearte,quesãotodosfatoresagregativosprejurídicos”.2Sua

formulaçãoequivaleevidentementeapatentearcomclarezaqueo

elementohumanopodeconstituir-seembasesnacionais,antesde

tomarqualquerfiguradeorganizaçãoestatal.

AliásdesdeváriosséculosjáBodinconceituaraoEstadodeixando

departeosaspectosculturaisdeordemnacional,hojeosmais

competentesadefiniramodalidadeprediletadeorganizaçãoestatal.

Comapropagaçãodoprincípiodasnacionalidades,avocação

dominantetemsidoadeestabeleceroEstadosobrebasesnacionais.O

EstadodeBodinporémprescindiadessasbases:

“Demuitoscidadãos...faz-seumEstado(république),quandoeles

sãogovernadospelapotênciasoberanadeumoudiversossenhores,

aindaquesejamdiversificadosemleis,línguas,costumes,religiõese

nações”.3Bodin,definindoassimoEstado,cometeuomesmopecadode

Page 148: Ciência Política - Archive

MaquiaveleHobbes,ouseja,silenciou,segundoobservaçãode

D’Entrèves,acercadoelementonacionalidade,“játãoimportanteno

séculoemqueescrevia”.4

Contribuiçãoimportantíssimaaoconceitodenação,anteriorsem

dúvidaàdeRenan,deu-nosManciniaoproclamarosfatoresnaturais

(território,raçaelíngua),históricos(tradição,costumes,leisereligião)e

psicológico(consciêncianacional)queservemdefundamentoànação.

Seuconceitodenaçãoconservaamodernidadedaépocaemque

foienunciadonacátedradeMilão.EmmeadosdoséculoXIXafirmava

Manciniqueanaçãoé“umasociedadenaturaldehomens,com

unidadedeterritório,costumeselíngua,estruturadosnumacomunhão

devidaeconsciênciasocial,”5

2.Oerrodetomarinsuladamentealgunselementosformadores

doconceitodeNação:raça,religiãoelíngua

Várioselementoshãosidoempregadoscomorespostaàseguinte

indagação:queéanação?Feitaaliás,sabiamente,porErnestoRenan

nocélebreopúsculoquelevaportítuloessamesmainterrogação.

Umdesseselementostomadosemcontavemaseroelemento

étnico:araça.Onacional-socialismodeHitler,poucoantesdaSegunda

GuerraMundial,quisfundartodooidealnacionaleresumirtodoo

conceitodenaçãoenacionalidadeembasesétnicas,naraçaalemã,

Page 149: Ciência Política - Archive

tomadaprecisamenteporvalorsuperioràsdemaisraças,numalinha

depurezaracialemqueosalemãescuidavamapresentar-secomoo

ramomaisnobredafamíliaariana.

Ateseracistatemsido,ecomrazão,violentamenteimpugnada

porcientistasesociólogos,queentendemnãohaverraçacapazde

definirnenhumpovo,nenhumanação.Asguerras,asrevoluções,as

convulsõessociaisqueseabatemsobreospovos,osvastíssimos

movimentosmigratóriosqueahistórianosoferece,aparde

movimentosdeintercâmbiocomercial,movimentosdecontatoentre

povos,desdeidadesimemoriaisconcorremnaverdadeparatornar

suspeitaqualquerpretensãodegruposhumanosaumalinhagem

incontroversadeunidaderacialsemmescla.Todosospovosterão

conhecidomisturasemépocasrecentesouemépocasrecuadas,

principalmentenosperíodosapagadosdahistória,dosquaisnenhum

registroseconserva.

Osjudeus,porexemplo,formaramumdoscasossingularesde

povoqueconservourelativainteirezaétnica.MasjádizaBíbliaqueeste

povonãoéemverdaderaçapura,sendoporémdasrarascoletividades

humanascujoevolveratravésdaHistóriapodemosacompanharaté

doisoutrêsmilanosantesdeCristo.Senosvolvemosparaoutros

povoscontemporâneos,fácilseriaaveriguar-lheaorigemhistóricano

Page 150: Ciência Política - Archive

encontrodemuitasestirpes,nocaldeamentodosanguedemuitas

raças.

Confirma-se,porconseqüência,atesedequenãoexistea

pretendidapurezaracial.E,porconseguinte,nãoéaraçaelemento

bastanteparadar-nosostraçosconfigurantesdoquesejaumanação.

Renanforadeverasclaroeincisivoaesserespeito,quandoafirmou:“A

verdadeéquenãoháraçapuraeassentarapolíticanaanálise

etnográficaémontá-lasobreumaquimera”.6Deixemosportantodelado

osantecedentesétnicosdecadapovoebusquemosoutrodadoque

possamelhorcaracterizá-la.

Seráporventuraoprincípiodeconfissãoreligiosaoelemento

explicativodoconceitodeNação?Arespostamaisumavezénegativa.

Evidentemente,podemosterumasóreligiãoreferidaavários

Estados,comotemosEstadosnosquaisseprofessamaisdeumcredo

religioso.HajavistaaAlemanha,metadeprotestante,metadecatólica.

Noentantoninguémhá-denegaraopovoalemãoosatributos

nacionais,ninguémlherecusaráaunidadeculturalesentimentalqueo

distinguedosdemaispovos.Poroutraparte,ocorreocasodeumasó

religiãoabrangerváriasnações,distintospovos;ocatolicismoemtodaa

AméricaLatina,oprotestantismonaEuropaocidental.Semdúvidanão

seriaofatorreligiosoaquelequenosproporcionariaoconceitode

Page 151: Ciência Política - Archive

Nação.

Sãorigorosamentelegítimaspoisasseguintesobservaçõesde

ErnestoRenan:“JánãoháreligiãodeEstado;pode-seserfrancês,

inglês,alemão,sendocatólico,protestante,israelitaounãopraticando

nenhumculto.Areligiãosetornouumacoisaindividual,contemplaa

consciênciadecadaum.Nãoexistejádivisãodenaçõesemcatólicase

protestantes”.7Easeguir,quandoasseveraqueareligiãopassouao

“forointernodecadaqual”e“jánãocontaentreasrazõesquetraçam

oslimitesdospovos”.8

Seráentãoalínguaoagentedeterminantedanacionalidade?Não.

Porumarazãobastantesimples:ahistóriaestárepleta,nãoapenasa

história,mastodaavidacontemporânea,deEstadosoucomunidades

nacionaisondesefalamváriosidiomas.NaSuíça,porexemplo,fala-se

oitaliano,ofrancês,oalemão.Equemrecusaráaopovosuíçosua

condiçãonacional?Quemdiráqueessepovocarecedeatributosqueo

distinguemdosmaispovosformandoumaNação?

Ironicamente,ErnestoRenanescreveuarespeitodoidioma,com

assazderazão:“Nãosepodemterosmesmossentimentose

pensamentoseamarasmesmascoisasemlínguasdiferentes?

Acabamosdereferir-nosàinconveniênciadefazerdependerapolítica

internacionaldaetnografia.Inconvenientenãomenorseriafazê-la

Page 152: Ciência Política - Archive

dependerdafilologiacomparada”.9

AindagaçãosobreoconceitodeNaçãocrescedevultoquandose

retomaaquelaperplexidadecomqueErnestoRenaninterrogava:“Como

aSuíça—quetemtrêslínguas,trêsreligiões,enãoseiquantasraças

—éumaNação,enquantonãooé,porexemplo,aToscana,tão

homogênea?PorqueaÁustriaéumEstadoenãoumanação?”.10Fica

portantodepéaquelainterrogaçãodopontodepartida:Queéuma

Nação?Seráporventuraaraça?areligião?oidioma?

Étudoisto,podendoseralgomaisoualgomenosquetudoisto.

Emverdade,exprimeaNaçãoconceitosobretudodeordemmoral,

cultural

e

psicológica,

em

que

se

somam

aqueles

fatores

antecedentementeenunciados,podendocadaumdelesentraroudeixar

deentraremseuteorconstitutivo.Anaçãoexistirásempreque

Page 153: Ciência Política - Archive

tivermossínteseespiritualoupsicológica,concentrandoossobreditos

fatores,aindaquefalteumououtrodentreosmesmos.

Qualdesseselementos—língua,religião,raça—seafigurade

maiorimportância?Alíngua.Porquealínguaéinstrumentode

comunicação,naverdadeomeiodequeohomemmelhorseservepara

comunicaridéias,sentimentoseformasdepensar,estabelecendoo

diálogo,e,atravésdodiálogo,dandorespostaesoluçãoaosproblemas

dopresente.

3.Oconceitovoluntarísticodenação

Oconceitovoluntarísticodenaçãoéoquedecorredetodasas

reflexõesanteriores.Resultadaintervençãoconvergentedaqueles

fatoresmorais,culturaisepsicológicos,frisadossistematicamentepor

MancinieErnestoRenan.Apresençadetaisfatoresconstituiotecido

dequeseformaachamadaconsciêncianacional.

Opensamentopolíticofrancêseitalianoexprimiuessaconcepção

nosmelhorestermos,emprestando-lhedomesmopassoumteorde

idealismoqueresultouporigualnoconceitodepátria,“aqueleconceito

mediador”que,segundoD’EntrèvesuneanaçãoaoEstado.

Anaçãoaparecenessaconcepçãocomoatodevontadecoletiva,

inspiradoemsentimentoshistóricos,quetrazemalembrançatantodas

épocasfelizescomodasprovaçõesnasguerras,emrevoluçõese

Page 154: Ciência Política - Archive

calamidades.Suscitatambémacomunicaçãodeinteresseseconômicos

eavivaoslaçosdeparentescoespiritual,formandoaquelaplataforma

deuniãoesolidariedadeondeaconsciênciadopovotomaumtraço

irrevogáveldepermanênciaedestinaçãocomum.Essacontinuidade,

cujasbasesseestãorenovandoacadapasso,noacordotácitoda

convivência,foibemexpressacomaimagemdeRenanquandodisse

queanaçãoéum“plebiscitodetodososdias”.

Exprimindoaconcepçãovoluntarísticadenação,Haurioua

apresentoucomofrutodasociedadefrancesa,traduzindo-asoba

denominaçãodenação-solidariedade,umvouloirvivrecollectif.Anação

éconcebidaporHaurioucomo“grupofechado”,umtodo,dizoautor

francês,opostoàsdemaisformaçõesnacionais.Masaoposiçãosóse

exprimiránaturalmenteemtermosdeforçaquandoobjetode

contestaçãoexterna.Odesenvolvimentopelanaçãodeumaconsciência

exaltadade“grupofechado”caracterizariaporémaanomaliado

sentimentonacionaleproduziriainternamenteadistorçãonacional.

Peloângulohistóricoredundoualiásnaapariçãodoconceito

naturalísticodenação,cujasbasesvamosadianteexpor.

O“grupofechado”queanaçãoconstituiseatenuanoconceito

voluntarístico“adversoatodaclausuraintoleranteeexclusivista”.Esse

conceito,acrescentaD’Entréves,“postulaoflorescimentodapátrialivre

Page 155: Ciência Política - Archive

numacivilizaçãosuperior”.11

4.Oconceitonaturalísticodenação

Diretamenteinfluenciadopelasconcepçõesracistas,formou-sena

Alemanhaumconceitodenaçãoqueteveparaaquelepaísasmais

funestasconseqüências.Oconceitonaturalísticoderaçanãofoiarigor

criaçãooriginaldonacional-socialismoalemão,porquantojánoséculo

passadoseusfundamentosseachavamimplícitosemteoriasdefendidas

porLapouge,GobineaueHoustonStewart,osdoisprimeirosfranceses

eoterceiroinglês.

Teorizaramelesacercadeumasupostahierarquiadasraças

humanas,emcujaextremidademaisaltacolocaramospovos

germânicos,portadoresdetraçosétnicosprivilegiadosempurezade

sangueesuperioridadebiológica,quelhesasseguravaasupremaciana

classificaçãodasraças.Apolitizaçãodateoriaracistaembases

ideológicas,servindodeesteiodetodaumaconcepçãodevidaenúcleo

deumnovoconceitodenação,resultoufácilaonacional-socialismo,

queprovocouaSegundaGrandeGuerraMundial.

Ocultodanaçãorecebeulogooindumentomístico.Festejou-se,

segundoHornung,adescobertadoprincípioracistacomo“ofeito

copernicanodostemposmodernos”.12

Aideologianacional-socialistafaziadepovo,naçãoeraçauma

Page 156: Ciência Política - Archive

totalidadeviva,exprimindo“aunidadebioespiritualdosangueedo

solo”,uma“comunidadetribal”,fundada,segundoosideólogos

nazistas,exclusivamentenoselementosétnicos.

OVolkstumousejaopovo-raçaresumiaanação,identificadano

sangueenosolo,sendooFuehrerapersonificaçãodavontadenacional.

Daquioprincípiopolíticodaideologianacional-socialistaquenão

admitiasecontestasseaautoridadecarismáticadoChefe.“OFuehrer

temsemprerazão”eraolemaarvoradopelosadeptosdeHitler(der

Fuehrerhatimmerrecht).

Oconceitonaturalísticoemverdadeconsistiunumadeformação

patológicadaconcepçãodenaçãocomo“grupofechado”,produzindoa

modalidademaisinsanadenacionalismo—odaraça,emmoldes

políticos.

5.PassosnotáveisdaobradeRenartfixandooconceitodenação

Anaçãonãosecompõeapenasdapopulaçãovivaemilitante,dos

quadroshumanosquefazemahistóriaemcurso.Deitaanaçãosuas

raízesespirituaisnatradição,viveasglóriasqueilustraramopassado,

professaocultoechamamentodosmortos,reverenciaamemóriados

heróisedescobrecomavisãodopassadoasforçasmoraisde

permanênciahistórica,quehãodeguiá-lanosdiasdeglóriaeluzcomo

nasnoitesdeinfortúnioeamargasvicissitudes.Maisdoqueopovo,

Page 157: Ciência Política - Archive

queresumeapenasaresponsabilidadeeodestinodeumahoraque

flui,anação—somaeherançadevalores—temcompromissocoma

história;porqueafirmaemseunomeopresenteeopassado,domesmo

passoquepreparaoporvir,repartidoesteentreapreensõese

esperanças,aspiraçõesesobressaltos.

Sendo,comefeito,aquela“idéiaclaranaaparência,masquese

prestaaosmaisperigososequívocos”,13anaçãorepresenta,segundoo

mesmoErnestoRenan,naimortalconferênciadaSorbonne,de1882,

“umaalma,umespírito,umafamíliaespiritual”.14

Aopôrdepartealínguaearaça,declarouRenanque“oque

constituiumanaçãoéhaverfeitograndescoisasnopassadoequerer

fazê-lasnoporvir”.15Comigualbrilho,omesmoautorafirma:“A

existênciadeumanaçãoé(perdoai-meestametáfora)umplebiscitode

todososdias,comoaexistênciadoindivíduoéumaafirmaçãoperpétua

davida”.16

Definindoaessênciaespiritualdanação,escreveRenanem

termosdeinexcedívelclareza:“Umanaçãoéu’aalma,umprincípio

espiritual.Duascoisasque,emverdade,constituemumasó,fazemesta

alma,esteprincípioespiritual.Umaestánopassado,outranopresente.

Umaéaposseemcomumdeumricolegadoderecordações,aoutraéo

consentimentoatual,odesejodeviverjuntos,avontadedecontinuar

Page 158: Ciência Política - Archive

fazendovaleraherançaqueserecebeuindivisa.Ohomem,senhores,

nãoseimprovisa.Anação,comooindivíduo,éoestuáriodeumlargo

passadodeesforços,desacrifíciosedeabnegações.Ocultodos

antepassadoséomaislegítimodetodos;osantepassadosnosfizeramo

quesomos.Umpassadoheróico,grandeshomens,glória—entenda-se

averdadeiraglória—eisaquiocapitalsocialsobrequeassentauma

idéianacional.Terglóriascomunsnopassado,umavontadecomumno

presente;haverfeitograndescoisasjuntas,quereraindafazê-las;eisaí

ascondiçõesessenciaisparaserumpovo.Ama-seacasaquese

construiuesetransmite.Ocantoespartano:“Somosoquefostes;

seremosoquesois;é,emsuasimplicidade,ohinoabreviadodetoda

pátria”.17

Emsuma,comasimplicidadegenialdeseuestilo,omesmo

Renan:“Ohomemnãoéescravonemdesuaraça,nemdesualíngua,

nemdesuareligião,nemdocursodosrios,nemdadireçãodascadeias

demontanhas.Umagrandeagregaçãodehomens,sãdeespíritoe

cálidadecoração,criaumaconsciênciamoralquesechamaanação”.18

Page 159: Ciência Política - Archive

6.

A

nação

organizada

como

Estado:

o

princípio

das

nacionalidadeseasoberanianacional

Osaspectoshistóricos,étnicos,psicológicosesociológicos

dominamoconceitodenaçãoquetambémaspiraordinariamentea

revestir-sedeteorpolítico.

Comapolitizaçãoreclamada,ogruponacionalbuscaseu

Coroamentonoprincípiodaautodeterminação,organizando-sesoba

formadeordenamentoestatal.EoEstadoseconverteassimna

“organizaçãojurídicadanação”ou,segundoEsmein,emsua

“personificaçãojurídica”.

NoconfrontoEstado-nação,cabeoprimadoànação,segundo

Page 160: Ciência Política - Archive

Mancini.Atribuielevalorjurídicoàsnacionalidades,edesenvolve

aquelaposiçãodoutrináriaquepretendiafazerdasnaçõesos

verdadeirossujeitosdedireitointernacional.Opatriotadaunificação

italianaentendiaque“asnaçõessãoobradeDeuseosEstados,

entidadesarbitráriaseartificiais,criadasfreqüentementepelaviolência

epelafraude”.FoiMancinioprincipalartíficedochamadoprincípiodas

nacionalidades,quetantainfluênciaexerceunacartapolíticada

Europa,duranteoséculopassadoeaindaaocomeçodesteséculo,

quandodacelebraçãodoTratadodeVersailles.Basicamenteoprincípio

significaque“todanaçãotemodireitodetornar-seumEstado”oua

todanaçãodevecorresponderumEstado.Mazzinialiásafirmouque“as

naçõessãoosindivíduosdahumanidade.”

DopontodevistadadoutrinaqueseformounaItáliaduranteo

séculopassado,anaçãoéovalormaior,eoEstado—formapuramente

política—sósejustificaquandorepresentaotermopolíticoelógicodo

desdobramentonacional,opontodechegadanecessáriodetodanação

quecompletasuaevoluçãoaoorganizar-secomoEstado.Noentanto,

conformeassinalaBiscarettidiRuffia,anaçãonãosomentepode

subsistirforadetodoreconhecimentojurídico,senãotambémem

contrastecomavontadedosEstados.Exemplodeanterioridadee

exterioridadedaexistêncianacionalemrelaçãoaoEstadofoiodanação

Page 161: Ciência Política - Archive

judaicadepoisqueTitodestruiuJerusalémaoano70daeracristã.Os

judeussobreviveramcomonação,apesardepoliticamentedestruídos

comoEstado.Eomaiscurioso,sobreviveramtambémcontraavontade

dosEstadosqueosperseguiam.

Adoutrinapolíticadasnacionalidadesexperimentouseuapogeu

comachamadaescolaitalianadodireitointernacional,inspirando

juridicamenteosmovimentosdeunificaçãonacionalnaItáliae

Alemanha.Esposava-senessadoutrinaoprincípiodeautodeterminação

dospovos,tãoemvoganosistemaderelaçõesinternacionais,desdeo

séculopassado.

Aoladodarepercussãoexternadoprincípionacional,éde

assinalaroaspectopolíticointernodamesmatesequefezdanaçãoo

primeirovalormoraldasociedadepoliticamenteorganizada.Ovalorda

naçãonaordeminternaantecedeuaproclamaçãodesuaimportância

nodomíniointernacional.Serviualiásdebasedoutrináriaatodoo

constitucionalismoliberaldesdeaRevoluçãoFrancesa.Constituiu-sede

maneirarevolucionáriaduranteaquelaépoca,ficandoconsubstanciado

nadoutrinadasoberanianacional,quepostulavaaorigemdetodoo

poderemanação,únicafontecapazdelegitimaroexercícioda

autoridadepolítica.

1.AndréHauriou,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.90.

Page 162: Ciência Política - Archive

2.AldoBozzi,IstituzionidiDirittoPubblico,p.24.

3.J.Bodin,DelaRépublique,I,6.

4.AlessandroPasserinD’Entrèves,LaDottrinadelloStato,p.244.

5.“Nazioneèunasocietànaturalediuomini,perunitàditerritorio,diorigini,di

costumi,dilinguaconformataacomunanzadicoscienzasociale”(ManciniapudLea

Meirigi,in:NuovoDigesto,pp.929-962).

6.ErnestRenan,“Qu’est-cequ’uneNation”,in:OeuvresComplétes,t.I,p.896.

7.Idem,ibidem,p.902.

8.Idem,ibidem,p.902.

9.Idem,ibidem,pp.899-900.

10.Idem,ibidem,p.893.

11.A.P.D’Entrèves,ob.cit.,p.251.

12.KlausHornung,“EtappenpolitischerPaedagogikinDeutschland”,in:

SchriftenreihederBundeszentralefuerpolitischeBildung,caderno60,p.75.

13.E.Renan,ob.cit.,p.887.

14.Idem,ibidem,p.903.

15.Idem,ibidem,p.904.

16.Idem,ibidem,p.904.

17.Idem,ibidem,p.904.

18.Idem,ibidem,pp.905-906.

Page 163: Ciência Política - Archive

6

DOTERRITÓRIODOESTADO

1.ConceitodeTerritório—2.Oproblemadomarterritorial—3.Os

limitesdomarterritorialbrasileiro—4.Subsoloeplataforma

continental:4.1AONUeaplataformacontinental—4.2OBrasile

aplataformacontinental—5.Oespaçoaéreo—6.Oespaço

cósmico—7.ExceçõesaopoderdeimpériodoEstado—8.

Concepçãopolíticadoterritório—9.Concepçãojurídicado

território:9.1Ateoriadoterritório-patrimônio—9.2Ateoriado

território-objeto—9.3Ateoriadoterritório-espaço—9.4Ateoriado

território-competência

1.Conceitodeterritório

Constituindoabasegeográficadopoder,oterritóriodoEstadoé

definidodemaneiramaisoumenosuniformepelostratadistas.A

matériaoferece,conformeveremos,poucospontosdecontrovérsia,

salvoaquelesocorridoscommaisfreqüêncianodomínioda

fundamentaçãojurídicadovínculodoTerritóriocomoEstado.

DefiniuPergolesioterritóriocomo“apartedogloboterrestrena

qualseachaefetivamentefixadooelementopopulacional,comexclusão

dasoberaniadequalqueroutroEstado”.1Algunsautoressetêm

limitadotodaviaadizerqueoterritórioésimplesmenteoespaçodentro

Page 164: Ciência Política - Archive

doqualoEstadoexercitaseupoderdeimpério(soberania).

Tem-severificadotodaviadúvidasquandosetratadeindagarseo

territórioéounãoelementoconstitutivodoEstado.RespondeDonati

negativamente.Entendequeoterritóriodeveserconsideradocomo

condiçãonecessáriamasexterioraoEstado.Domesmomodoos

discípulosqueoseguem.Achamquesetratadeumpressupostoeque

atodoindivíduoresultaindispensávelumaporçãodosoloondepôros

pés.Essesoloporémnãoconstituipartedoserhumanoelheéexterior,

emboraimprescindível.Damesmaformaoterritórioemrelaçãoao

Estado.

Masnãofaltamautores—ealiásemmaiornúmero—que

esposamateseoposta,asaber,oterritório“fazparte”doEstado,é

elementoconstitutivoeessencial,esemeleoEstadoinexistiria.O

territórioestariaparaoEstadoassimcomoocorpoparaapessoa

humana.CriticandoaposiçãodeDonati,umjuristaitalianofezessa

curiosaobservação:suponhamosquetodososhabitantesdoprincipado

deLiechtensteinemigrassemparaoestrangeiro.Acasolevariameles

consigooEstado?2

Areflexãoacercadaimportânciadoterritórioseestendetambém

àhipótesejáformuladaporalgunsjuristasqueprocuramdeterminarse

umatribonômadepoderiaounãoconstituirumEstado,faltando-lhe

Page 165: Ciência Política - Archive

comolhefaltaaquelacaracterísticadefixaçãoestávelqueentrano

conceitodeterritório,conformevimos.

ArespostadeAnschuetzéafirmativa,desdequecumpridascertas

exigências.Aprimeiraseriaogruponômadepossuiraintençãodeter

comoseuoterritórioobjetodeumaocupaçãomóvelefugaz.Asegunda,

acapacidadematerialdeexcluirpeloempregodaforçaapresençade

outrastribosnômadesnoespaçogeográficoreservadoàsincursõesdo

grupo.Atendidosessesrequisitos,éAnschuetzdeparecerqueatribo

nômadepodeapresentarnormalmentecaracterísticasdeordenamento

estatal.3

Indaga-seaindaseaocupaçãobélicadoterritórioprovocaounão

aextinçãoimediatadoEstado.Sesetratadeocupaçãotemporária,os

juristasseinclinamarespondernegativamente,opinandoquesóo

tratadodepazdecidirádasortedoEstado,tantodasuaconservação

comodadebellatiooudesaparecimentototal.Éclaroqueaocupação

importanumasensívelsuspensãoouatémesmoab-rogaçãodamaior

partedasnormasdedireitopolítico.AordemjurídicacivildoEstado

ocupadoétalvezaquemenosrestriçõespadecedebaixodeumregime

deocupação,salvonaturalmenteaquelasimpostaspelasnecessidades

dapotênciaocupante.

Sãopartesdoterritórioaterrafirme,comaságuasaí

Page 166: Ciência Política - Archive

compreendidas,omarterritorial,osubsoloeaplataformacontinental,

bemcomooespaçoaéreo.

2.Oproblemadomarterritorial*

*Ver,arespeito,notadap.130.

Nodomíniodasrelaçõesinternacionaisfiguracomoumdos

problemasmaisdelicadosecomplexosadelimitaçãodaságuas

territoriaisousejaochamadomarterritorial,emvirtudedarevisãode

limitesquenumerososEstadostêmfeitorecentemente,ampliandosua

faixasobreaqualrecaiopoderdeimpériodoEstado.Atémesmouma

doutrinajáseestariaformandonaAméricaLatinacomquejustificara

ampliaçãodomarterritorialporalgunspaíses,aosquaisoBrasil

aderiutambémem1970,quandoaumentoupara200milhasolimitede

suaságuasterritoriais.

Compreende-sepormarterritorialaquelafaixavariáveldeáguas

quebanhamascostasdeumEstadoesobreasquaisexerceeledireitos

desoberania.Zonaadjacenteoucontíguaaoterritóriocontinentaldo

Estado,alcançaumacertadistânciadacosta,sujeitaporémavariações

impostaspeloscritériosnemsempreuniformesdeestabelecimentode

seuslimites,porpartedosdiversosEstados.

Aextensãooularguradomarterritorial,segundoMonacoe

Consacchi,secalculaapartirdalinhadebaixamaré,acompanhando

Page 167: Ciência Política - Archive

sempreasinuosidadedacosta.4

Desdealgunsséculos,aságuasterritoriaisdespertaramaatenção

dosjuristas,quebuscaramfixá-las.NãochegaramcontudoosEstados

àadoçãodeumcritérioúnico.Dasdoutrinasantigasaprimeirafoiado

“limitevisual”semdúvidaamaisrudimentareprecária,porquanto

estabeleciaalarguradaságuasterritoriaisemfunçãodoalcanceda

vista.

Veiodepoisachamadadoutrinadocritériodefensivo,explicada

pelosbrocardoslatinosterraepotestasfiniturubifiniturarmorumvis(o

poderdeterraacabaondeacabaopoderdasarmas)ouubvis,ibiius

(ondeaforça,aíodireito),resultandonaadoçãodolimitetradicionalde

trêsmilhas,queumcostumeinternacionalfezgenericamenteválido

duranteváriosséculos.

Ocorreporémqueessecritério,sugeridopeloalcancedaspeças

deartilharianaépocaemqueosjuristasdaescoladodireitonaturalo

conceberamseachahojeultrapassadoemrazãodoexcepcional

incrementodaindústriabélica.DemodoqueseosEstadosfossem

observá-lonaidadedosmísseis,outodososoceanosseriamáguas

territoriais(umabsurdo)ousimplesmentejánãoexistiriamtaiságuas.

Verifica-seademaiscrisenolimitedetrêsmilhas,queseacentuou

desdeotérminodaSegundaGuerraMundial,tendoseagravado

Page 168: Ciência Política - Archive

consideravelmentenosúltimosdezanosprovocadasobretudopor

motivodeordemeconômica.

TodososEstadostêmatentadoparaoscopiososrecursosqueas

regiõesmarítimascontíguasoferecemnostrêsreinosdanatureza.A

soberaniasobreumafaixaamplíssimademaradjacenteproporcionaria

proteçãoseguraeeficazaosinteresseseconômicosqueoEstadoprecisa

deresguardar.

Arelevânciadatutelasefazmaissignificativaaindaquandose

tratadepaísessubdesenvolvidos,cujascostasdesguarnecidas

permanecemexpostasàpresençadefrotaspesqueirasdepaíses

estrangeirosentreguesaumaindesejáveleatécertopontoespoliativa

exploraçãodaquelesrecursos.Emgeral,procedemdepaíses

desenvolvidos,ouseja,economicamentepoderosos.

Apolíticalatino-americanaadotadajápornovepaíses—Chile,

Peru,Equador,Argentina,Panamá,Nicarágua,ElSalvador,Uruguaie

Brasil—queampliarampara200milhasolimitedeseumarterritorial,

inspirou-sedecertonoreconhecimentodessarealidade.Pesaram

tambémnaadoçãodamedidaconsideraçõesdaseguinteordem:a)

segurançanacional;b)repressãoaocontrabando;c)controlede

navegaçãoparaevitarapoluiçãodaságuas,etc.

Aliásaquelespaísescelebraramemmaiode1970,em

Page 169: Ciência Política - Archive

Montevidéu,aPrimeiraConferênciaLatino-AmericanasobreDireito

Marítimo,ratificandonesseensejoodireitodosEstadosdeestenderos

limitesdomarterritorialpara200milhas.Subscreveramnessesentido

umdocumentodejustificação,assinalandoemprimeirolugara

importânciadosrecursosnaturaisdazonamarítimaterritorialparao

desenvolvimentoeconômicodosEstadosribeirinhos.

Formou-seporconseguintenaAméricaLatinasólidafrentede

inspiraçãonacionalistaemdefesadafaixade200milhasdesoberania

sobreomarterritorial,emoposiçãoaosEstadosUnidoseàUnião

Soviética,quepatrocinamumacordointernacionalparafixaçãodos

limitesdaquelemarapenasem12milhas.ADeclaraçãodeMontevidéu

concluicomestaspalavras:“Animadospelosresultadosdestareunião,

osEstadossignatáriosexpressamseupropósitodecoordenarsuaação

futuracomafinalidadedeasseguraradefesaefetivadosprincípios

enunciadosnapresentedeclaração”.

Aampliaçãounilateraldomarterritorialtemprovocadocontudo

dificuldadesquenãoforamaindaremovidas.Apesardequea

OrganizaçãodasNaçõesUnidastenhadiligenciadoparalograracordo

sobreoempregodecritérioquepossaacomodarasdiversasposições

antagônicasaquestãopermaneceaberta.OsEstadosUnidos,a25de

fevereirode1970,emitiramnotadeapoioaolimitede12milhas,

Page 170: Ciência Política - Archive

ressalvandoqueenquantoesselimitenãoforfixado“nãosãoobrigados

areconheceráguasterritoriaisdemaisde3milhas”.

DaConferênciasobreoDireitodoMar,celebradaemGenebraa

29deabrilde1958,poriniciativadaquelaorganizaçãointernacional,

resultaramquatroconvençõessobrematériadistintaporémcorrelata:

a)marterritorialezonacontígua;b)alto-mar;c)pescaeconservação

dosrecursosbiológicosdoalto-mar;ed)plataformacontinental.

Comrespeitoaomarterritorialficouassentadoqueasoberania

doEstadoseprolongaaté“umazonademaradjacenteàssuascostas,

designadasobonomedemarterritorial”.Nãosefixoutodavialimite

específico,deixando-seacritériodecadaEstadodeterminaraextensão

domarterritorialnumafaixavariávelde3a12milhas,masqueem

hipótesealgumadeveráexcedera12milhas.

AConferênciadeGenebrade1964reiterouessaposição.O

argumentocontrárioàs200milhaspartiadasgrandespotências,

nomeadamentedosEstadosUnidoseUniãoSoviética.Entendiamque

tallimiteatentavacontraumprincípiobásicodoDireitoInternacional

—odaliberdadedosmareseumavezaplicadoemalgunsmares,como

oMediterrâneo,excluiriaaexistênciadeáguasinternacionais,

suprimindooconceitodealto-marcomoespaçolivre.Quantoaolimite

de3milhas,vemsendooúnicoconsagradopeloDireitoInternacional,a

Page 171: Ciência Política - Archive

quenenhumEstadoofereceobjeção.Mastemsidoalteradoporvários

países,quemanifestamtendênciajáirreprimívelparainstituirfaixa

maislargademarterritorial,emalgunscasoscomdescumprimento

daquelasrecomendaçõesdoórgãointernacional.

Nopresente,sãoapenas32ospaísesquecontinuamconservando

otradicionallimitede3milhas,incluindo-seentreestesosEstados

Unidos,aGrã-Bretanha,oJapão,aAlemanhaePaísesBaixos.Com

limitede6milhashá14países,comode10milhas12ecomode12

milhasnadamenosde36.

OPerueoEquadorforamosprimeirosEstadosdaAmérica

Latinaquedilatarampara200milhasalarguradaságuasterritoriais.

Disposiçãosemelhanteadotaram-naoutrasrepúblicasdohemisfério,

entreasquaisNicarágua,Panamá,Uruguai,ArgentinaeBrasil.

3.Oslimitesdomarterritorialbrasileiro*

*Ver,arespeito,notadap.130.

OBrasilconsagrapresentementeolimitede200milhasdemar

territorial.Tomouessaposiçãoatravésdeatopresidencialde25de

marçode1970,alterandoolimitede12milhas,cujavigênciafora

inferioraumano,porquantofixadoa20deabrilde1969.Antes,a18

denovembrode1966,verificava-senossaprimeiramudançadelimite

deáguasterritoriais,quandopassamosdas3milhasclássicaspara6

Page 172: Ciência Política - Archive

milhas.

Comanovaposição,oBrasiladeriuàpolíticadesoberania

marítimaquejávinhasendoperfilhadaporoutrasnaçõesdo

continente.Justificandoadistintaorientação,assinalouoGoverno

brasileiroque“alémdoproblemadeordemeconômica,representado

pelanecessidadededefesadopotencialbiológicobrasileiro,foidada

especialênfaseaoaspectopolíticodaquestão”.

Odecretoquedispôsacercadonovolimitede200milhas

ressalvouodireitodepassageminocenteparaosnaviosdetodasas

nacionalidades.Efoiadiante,definindoapassageminocente:“O

simplestrânsitopelomarterritorial,semoexercíciodequaisquer

atividadesestranhasànavegaçãoesemoutrasparadasquenãoas

incidentesàmesmanavegação”.

Page 173: Ciência Política - Archive

4.SubsoloeplataformacontinentalAseguintemáximalatinadeteorjurídicoexprimeaexata

concepçãofísicadoterritório:cuiusestsolumeiusestusqueadcoelum

etadinferosousejausqueadsideraeusqueadinferos.Incluem-seaí

portantocomopartedoterritórioosubsoloeoespaçoaéreo.Aliása

concepçãopolíticaejurídicadoterritóriojáoapresentamodernamente

comoumespaçoconcebidodemaneirageométricaemtrêsdimensões,

sobaformadeumcone“cujovérticeseachanocentrodaterraecujos

limitespercorremosconfinsdoEstado,elevando-sedaíparaoinfinito,

nãosepodendoprecisaratéquepontoseestendaointeressejurídico

doEstadosobreaatmosferaesemquesepossaadmitiraípoder

diversodaqueledoEstado”.5

Aindacomrespeitoàspartesdoterritório,aplataforma

continentaltemsidodesdeasúltimasdécadasreclamadaporvários

EstadoscomosendoconstitutivadoterritóriodoEstado.Recebeupor

igualadenominaçãodeplataformalitorâneaou“ContinentalShelf”.

Ousooficialdaexpressãoocorreuemduascélebres

proclamaçõesdeTruman,a28desetembrode1945,quandoo

PresidentedosEstadosUnidosafirmoudireitossobreaplataforma

continentalparafinsespecíficoselimitados,considerando“osrecursos

Page 174: Ciência Política - Archive

naturaisdosubsoloedofundodomardaplataformacontinental,

abaixodoalto-marpróximoàscostasdosEstadosUnidoscomo

pertencentesaestesesubmetidosàsuajurisdiçãoecontrole”.As

ressalvasfeitasaoexercíciodasoberaniaentendiamcomo

reconhecimentodo“caráterdealto-mardaságuassuperjacentesà

plataformacontinentaleodireitoàsuanavegação,livree

desembaraçado”.Asduasproclamaçõesversavamrespectivamente

sobrezonasdeconservaçãodepescariaerecursosnaturaisda

plataformasubmarina.Nadeclaraçãoamericanaafirmava-seque“a

plataformacontinentalpodeserconsideradacomoumaextensãoda

massaterrestredopaísribeirinhoecomoformandopartedela

naturalmente”.

Page 175: Ciência Política - Archive

4.1AONUeaplataformacontinentalArelevânciaqueoassuntovemalcançando,dadoovultodos

interessespolíticoseeconômicosenvolvidos,nãopodiadeixar

indiferenteaessamatériaaOrganizaçãodasNaçõesUnidas.

Comefeito,jáemjulhode1951aComissãodeDireito

InternacionaldaONUadmitiaaplataformacontinental“comosujeitaao

controleejurisdiçãodoEstadoribeirinho,massomenteparaosfinsde

explorareaproveitarseusrecursosnaturais”.Umaposiçãopoisquese

acercavabastantedadoutrinaamericanadaplataformacontinental,já

enunciadaporTruman,equealiássobcertoaspectoareproduzia.

Em1953,amesmaComissãoseocupavanovamentedotema,

definindodestafeitaaplataformacontinentalcomo“oleitodomareo

subsolodasregiõessubmarinascontíguasàscostas,massituadasfora

dazonadomarterritorial,atéumaprofundidadede200metros”.

Nasreuniõescelebradasem1953,aComissãoreiteroutambémo

pontodevistajáfirmadoanteriormente,explicitandoentãoque“o

Estadoribeirinhoexercedireitossobreaplataformacontinentalparaos

finsdeexploraçãoeaproveitamentodeseusrecursos”.

ComaposiçãojurídicaassumidapelaONU,oorganismo

internacionaldeixoubemclaroqueospoderesdoEstadoribeirinho

Page 176: Ciência Política - Archive

sobreaplataformacontinentalimportamnumajurisdiçãolimitada,não

devendodemaneiraalgumaconfundir-secomanaturezaeextensão

dospoderesdesoberaniaqueaqueleEstadoexercequersobreseu

territóriopropriamentedito,quersobreomarterritorial.

Aságuasquecobremaplataformacontinentalsesujeitamno

entendimentodaONUaoregimedealto-mar,resguardadaspelos

princípiosdeliberdadeeinapropriabilidadedominantesnaboa

doutrinainternacional.

Page 177: Ciência Política - Archive

4.2OBrasileaplataformacontinentalNossaposiçãoemtornodamatériafoifixadapeloDecreton.

28.840,de8denovembrode1950,quedeclarou“integradaaoterritório

nacionalaplataformasubmarinanapartecorrespondenteaesse

território”.Ajustificaçãododecretoseapoiava,entreoutros,nos

seguintesargumentos:

a.“aplataformacontinentaléumverdadeiroterritóriosubmersoe

constituicomasterrasaqueéadjacenteumasóunidadegeográfica”;

b.a“possibilidade,cadavezmaior,daexploraçãooudo

aproveitamentodasriquezasaíencontradas”;

c.ozelo“pelaintegridadenacionalepelasegurançainternado

país”.

ÉóbvioquearecentemedidadoGovernobrasileiroampliando

para200milhasomarterritorialtrouxeconsiderávelalentoàs

pretensõesdoPaístocantesasuaplataformacontinental,sobreaqual

jánãorecaiumajurisdiçãolimitadamaspoderesdesoberania,emtoda

asuaamplitude,numaintegraçãojurídicatotaldo“território

submerso”correspondenteàplataforma,dentrodolimitedas200

milhasmencionadas.Afastamo-nosporémdoentendimentosobrea

matéria,dominantenaONU,tantoarespeitodomarterritorialcomoda

Page 178: Ciência Política - Archive

plataformacontinental.Seguimosporémumaposiçãoabraçadano

continentepordiversasrepúblicasirmãsconscientesdaimportância

políticaeeconômicaquetemparaosdestinosdaemancipaçãonacional

oaproveitamentopotencialdosrecursoseventuaisexistentestantonas

águasterritoriaiscomonofundodomar.

5.Oespaçoaéreo

Ocritériodefensivoqueinspirouadelimitaçãodomarterritorial

noslimitesusuaisde3milhas—hojeemdeclínio—decertomodo

tambémporanalogiaseaplicouaoespaçoaéreo,paraefeitode

determinação

dos

limites

dentro

dos

quais

se

exerce

incontrastavelmenteasoberaniadoEstado.

Medianteumraciocínionegativopode-sepelomenoschegara

essapossívelconclusão.Hajavistaocasocuriosodadécadade60

quandoosaviõesU-2norte-americanossobrevoavamoespaçoaéreoda

Page 179: Ciência Política - Archive

UniãoSoviéticaemmissõesdeespionagem,semprovocaroprotesto

russodeviolaçãodoespaçoaéreoterritorial,emboraoGovernodaquele

Estadoestivesseperfeitamenteinformadodoqueseestavapassando

comaintromissãoestrangeiranoscéusdopaís.Sóquandopôdecoma

artilhariaanti-aéreaabateroaparelhopilotadoporPower,aURSSdeu

oescândalointernacionaldaviolaçãodoespaçoaéreo,oferecendoo

protestoquepoliticamentetorpedeouareuniãodecúpulaprogramada

paraVienaentreKruscheveKennedy.

Como

não

existe

uma

altitude

exata,

reconhecida

internacionalmenteequepossaresponderàquestãodesaberatéonde

vaiasoberaniaterritorialsobreoespaçoaéreo,édepresumir,ilustrado

peloexemploanterior,queosEstadosviessemadotandoumcritério

análogoaoterraepotestasfiniturubifiniturarmorumvis.Jáessecritério

setornouporémincompatívelcomaépocadossatélitesedosfoguetes

queprojetamartefatosadistânciascósmicasemdisparosquepodem

Page 180: Ciência Política - Archive

conduziraoutroscorposcelestes,fazendoporconseqüênciainviável

todosistemadesoberaniacalcadosobreopoderdasarmas.Élegítimo

porémadmitir,comoalgunsjuristasofazem,que“asoberaniado

Estadosobreoespaçoaéreoestende-seemaltitudeatéondehajaum

interessepúblicoquepossareclamaraaçãoouproteçãodoEstado”.6

Aquestãonoentantocontinuaemdebate,vistoque“nemos

limitessuperioresdoespaçoaéreo,nemoslimitesinferioresdoespaço

extra-atmosféricoforamobjetodeumadefiniçãogeral”,conforme

ressaltaTaubenfeld.Comefeito,opinaestequeaextensãodasoberania

territorialselimitanoespaçoaaproximadamentecemmilhas“no

máximo”.7

Comrespeitoaoespaçoaéreo,distinguiuHuberquatrocamadas

sobreasuperfíciedaterra:atroposfera(de10a12quilômetrosde

altitude),aestratosfera(atécercade100quilômetros)aionosfera(de

100acercade600quilômetros)eaexosfera(zona,segundoele,de

transiçãoparaoespaçocósmico,quecomeçaondeacabaaforçade

atraçãodaTerra).8

Tem-seaípelomenosumensaiodedelimitaçãodaaltitudedo

espaçoaéreo,quenãodeveserconfundidocomoespaçocósmico,a

despeitodaimprecisãojurídicaemestabeleceroexatopontoquesepara

asduasmodalidadesdeespaço.

Page 181: Ciência Política - Archive

AConvençãodeParisde13deoutubrode1919acolheuo

princípiodasoberaniacompletaeexclusivadoEstadosobreoseu

espaçoaéreo,numaépocaevidentementeemqueoprogresso

tecnológiconãopermitiaaindavislumbrarpossibilidadestotaisna

exploraçãodesseespaço,descurandoportantoafixaçãodoslimitesde

altitude

ao

exercício

da

soberania

territorial,

bem

como

a

regulamentação

jurídica

da

navegação

extra-atmosférica

ou

astronáutica,emvirtudenaturalmentedoatrasodosfatosainda

Page 182: Ciência Política - Archive

reinantesemrelaçãoaessahipótese.

AConferênciadeChicago,celebradaa7dedezembrode1944,

produziu

regras

fundamentais

observadas

pela

aviação

civil

internacional,taiscomoasrelativasàliberdadedevôooutrânsito

inofensivodeaeronavescivis,peloterritóriodeumEstado,excetoo

sobrevôodeáreaseventualmenteinterditadaspormotivosdesegurança

nacionaloupresençadeinstalaçõesefortificaçõesmilitares.

6.Oespaçocósmico

Temsidoapreciávelnasúltimasdécadasoempenhodosjuristas

emfundarumnovodireitoacercadecujadenominaçãonãosepõem

elestodaviadeacordo:ochamadodireitoastronáutico,interestelar,

interplanetário,espacialoucósmico.9

Oprincípioconsagradoexcluiadominaçãodoespaçocósmico

pelasoberaniaestatal.Comessaáreaacontecealgoquelembrao

entendimentodominanteacercadoalto-mar.Querdosencontros

Page 183: Ciência Política - Archive

internacionaisdejuristas,querdasmanifestaçõesdaAssembléia-Geral

daONUedosacordoscelebradosentreosEstadoUnidoseaUnião

Soviéticaresultouoreconhecimentodainapropriabilidadedoespaço

cósmico,bemcomooutrospostuladosdomaiorinteressecomque

assegurarapresençalivredetodososEstadosnaexploraçãoespacial.

Em1958,aAssembléia-GeraldaONUcriouaComissãoparao

UsoPacíficodoEspaçoExtra-atmosférico,datandodaíaprimeira

intervençãodiplomáticadoorganismointernacionalnoesforçoconjunto

deregulamentaçãojurídicadocosmos.

Trêsanosdepois,a20dedezembrode1961,amesma

AssembléiaadotavaaResoluçãon.1.721sobreCooperação

InternacionalRelativaàUtilizaçãoPacíficadoEspaçoExterior,que

proclamava:a)aextensãoaoespaçoexterioreaoscorposcelestesdos

princípiosdoDireitoInternacionaledaCartadasNaçõesUnidas;b)o

direitodetodosospaísesdelevaracaboexploraçõesnoespaço

cósmico;ec)ainapropriabilidadejurídicadoscorposcelestes,não

podendoestes,porconseguinte,ficardebaixodasoberaniadenenhum

país.

Em1962,aAssembléia-GeraldaONUfezumapeloatodosos

Estadosmembrosparaqueenvidassemesforçosnosentidodeuma

codificaçãodenormaspertinentesaoespaçocósmico.Noanoseguinte,

Page 184: Ciência Política - Archive

a8dejunhode1962,foicelebradoemRomaoacordoentreaAcademia

deCiênciasdaURSSeaAdministraçãoNacionaldeAeronáuticae

EspaçodosEstadosUnidos,relativoàcooperaçãocientíficaentreas

duascorporaçõesparautilizaçãopacíficadocosmo.

A5deagostode1963celebrou-seoTratadodeMoscouentrea

UniãoSoviética,osEstadosUnidoseaInglaterra,inaugurando-se

entãoumnovoramododireitopositivo:odireitointernacionalespacial.

EsseTratadoproscreveuexperiênciascomarmasnuclearesna

atmosfera,noespaçocósmicoedebaixodágua,sendodeduração

ilimitada.Subscreveram-nomaisde100Estados,membrosdaONU.

Finalmente,remontaa1963a“Declaraçãodosprincípiosdebase

daatividadedosEstadosparaodescobrimentoeautilizaçãodoespaço

cósmico”,adotadapelaAssembléia-GeraldaONU.Trata-seda

Resoluçãon.1.962(XVIII)sobreoespaçoextra-atmosférico,naqualse

dispõeque“oespaçoextra-atmosférico,compreendendoaluaeos

demaiscorposcelestes,nãopodeserobjetodeapropriaçãonacional

atravésdeproclamaçãodesoberania,utilização,ouocupação,nempor

nenhumoutromeio”.

DamesmaResolução,aprovadaporunanimidadea13de

dezembrode1963,constaque“asatividadesdosEstadosrelativasà

exploraçãoeutilizaçãodoespaçoextra-atmosféricoseefetuarãode

Page 185: Ciência Política - Archive

acordocomoDireitoInternacionaleaCartadasNaçõesUnidas”.

Deúltimo,umnovotratadofoiassinado,em1967,comadesãode

numerosospaísesmembrosdaONU,interditandoacolocaçãodearmas

dedestruiçãoemmassanumaórbitaaoredordaTerra,bemcomoa

instalaçãodebasesoufortificaçõesmilitaresnoscorposcelestes.

Podemos,emsuma,referirasseguintesdisposiçõescomoparte

dodireitocósmicopositivoqueaONUintentaestabelecer:a)extensão

aodomíniocósmicodosprincípiosenormasdedireitointernacional

gravadosnaCartadaqueleorganismo:b)interdiçãodeexperiências

nuclearesnoespaçocósmico;c)proibiçãodeenvioaocosmosde

artefatosportadoresdecargasnuclearesouarmasdedestruiçãoem

massa,ed)proibiçãodepropagandadeguerranoespaçocósmico.

7.ExceçõesaopoderdeimpériodoEstado

Admitem-seduasexceçõesaopoderdeimpériodoEstadosobreo

território:aextraterritorialidadeeaimunidadedosagentes

diplomáticos.

SegundoRanelletti,aextraterritorialidadesignificaoseguinte:

“umacoisaqueseencontranoterritóriodeumEstadoédedireito

consideradacomoseestivessesituadanoterritóriodeoutroEstado”.

Porexemplo:osnaviosdeguerra.Aindaemáguasterritoriais

estrangeirassãoelesconsideradospartedoterritórionacional.

Page 186: Ciência Política - Archive

Emalto-marounoespaçoaéreolivreosnavioseaviõesdeum

paíssãotidoscomopartesdeseusterritóriosesujeitosporconseguinte

àsleisdessepaís,salvosehouverprincípiodedireitointernacionalque

osfaçadependentesdeumaleiestrangeira(Pergolesi).

Tocanteàimunidade,osagentesdiplomáticos,emtermosde

reciprocidade,seachamisentosdopoderdeimpériodoEstadoonde

querquevenhamseracreditados.Essaimunidade,decaráterpessoal,

decorredaconveniênciadeafiançaraodiplomatacondiçõesmínimas

necessáriasaobomdesempenhodesuamissão.

8.Concepçãopolíticadoterritório

Quandosetratadoexamepolíticoquearealidadeterritorial

oferece,osproblemasquedaídecorremgiramaoredordeelementos

pertinentesàdimensão,àforma,relevoelimitesdoterritório,cuja

significaçãologopassadoâmbitogeográficoparaaesferapolítica,

mormentequandoessesdadosimportantíssimosseprendemaofator

humano,populacional,exercendosobreopoder,osdestinos,avidaeo

desenvolvimentodoEstadopapelrelevantíssimo,quenemsemprehá

sidoassinaladodevidamentepelostratadistasusuaisdamatéria.

Estes,viaderegra,comrarasexceções,descuramsempreolado

políticoeseforramaodebatedesuasimplicações,fazendoporvezes

remissãodoassuntoàGeopolítica,emcujoâmbitocaberiatalestudo.

Page 187: Ciência Política - Archive

Hátambémosqueentendemquebastaconfinaroterritórioaoângulo

jurídico.

Poucosdedicamàmatériaaatençãoquelheconcedeu

merecidamenteoconspícuopublicistaHermannHellernasuaTeoriado

Estado(Staatslehre),ondeseocupoudaimportânciabásicaque

assumemparaaaçãodoEstadoascondiçõesgeográficas.CaiuHeller

porémnoerrooposto:cingiu-seapenasaomomentopolíticoda

influênciadoterritório,menosprezandoporsuavezainquirição

jurídica.

NaantigüidadefilósofosdacategoriadePlatãoeAristóteles

pressentiramaextraordináriaimportânciadosefeitosdaambiência

físicasobreasinstituiçõespolíticas.Suaspreocupaçõesaindavagasse

repetemsubseqüentementenocomeçodostemposmodernoscom

Maquiavel,BodineHume.Maquiavel,demodomaispreciso,depoisde

cunharemsuaobrapolíticaaexpressãoEstado,queaciência

consagrou,representanopensamentopolíticoaperfeitatomadade

consciênciadapassagemdoantigoEstado-CidadeaoEstadonacional.

Comestesealargadecisivamenteadimensãodoterritório,

ganhandoaíoEstadomodernoumdeseustraçoscaracterísticos.Foi

contudoemDoEspíritodasLeisdeMontesquieuqueopensamento

modernodemaneiramaiscoordenadarefletiusobreasrelaçõesentreo

Page 188: Ciência Política - Archive

meiofísicoeanaturezadasinstituiçõespolíticas.

HerdereHegel,doladoalemãonãoperderamdevistaessaordem

deproblemasquedecaiudeformaconsiderávelnasegundametadedo

séculopassado,sóserenovandodemodofecundo,esteséculo,graças

aosreparosdeHatzeleKjellen,compendiadoshojenumramo

inteiramentedistintodeestudossociais:aGeopolítica.

9.Concepçãojurídicadoterritório

Oprimeirotemaqueaquiseofereceéodesaberseoterritório

entraporelementoconstitutivodoEstado,comoalgoquelhesejade

todoindispensáveloucomoelementomeramentecondicionanteda

existênciadoEstado.

JáJellinekressaltaraqueasdefiniçõesdeEstado,deBodina

Kant,nãomencionavamsequeroterritório.Deixaraassimdeprevalecer

aconcepçãomedievadoEstadopatrimonial,quecedialugarà

concepçãojus-naturalistadoEstadoprodutodarazão,noção

puramenteabstrata.

Correporémentreostratadistasmaismodernosqueescreveram

desdeoséculoXIXamáximadeque“nenhumEstadohásemterritório”

afimdesignificarcomissoquetodoEstadosupõenecessariamente

áreafixadepopulaçãosedentária.

Achamemsuamaioriaospublicistasquedevendopreencheros

Page 189: Ciência Política - Archive

finsquelhesãoatribuídos,precisaoEstadodaquelapartedeespaço

geográficoqueordinariamenterecebeadesignaçãodeterritório,ondeo

grupohumanoelegehabitaçãofixaecerta.

Apopulação,privadadessabasefísicaepermanentequeéo

território,poderiaconstituirumahordadenômades,nunca,porém,

umacomunidadeestatal.

Observa-sequeadoutrinademaispesoseinclinaparaa

consideraçãodoterritóriocomoelementoessencialaoconceitode

Estado,adespeitodastesescontráriaspropugnadasporKelsen,

HeinricheSmend,tidasjáporinválidas.

Asprincipaisteoriasqueintentamdeterminaranaturezajurídica

doterritóriosão:aTeoriadoTerritório-Patrimônio,aTeoriado

Território-Objeto,aTeoriadoTerritório-EspaçoeaTeoriadoTerritório-

Competência.

9.1Ateoriadoterritório-patrimônio

Temosaquiateoriamaisantiga,degrandevoganaIdadeMédia,

quandonãosedistinguianitidamenteodireitopúblicododireito

privadoeseexplicavaanoçãodoterritórioatravésdodireitodascoisas,

confundindo-seoterritóriocomapropriedadeoucomoutrosdireitos

reais.

Chegouessateoriapatrimonialatéaostemposmodernose

Page 190: Ciência Política - Archive

derivouprecisamentedaconcepçãoquesetinhadoterritóriocomo

propriedadedossenhoresfeudaisedaconcepçãodeseushabitantes

comocoisas,servoshereditáriosdagleba,acessóriosdaterraedosolo.

AIdadeMédianãoseparavaasnoçõesdistintasdeimperiumede

dominium,antesaspunhanumsótitular,napessoadosenhorfeudal.

Adistinçãotodaviaéantiga.Sênecajáaconhecera,segundoo

apotegmacélebredeGrotius:Adreges“potestas”omniumpertinet,ad

singulos“proprietas”.10

Cumpreportantodestacar,consoanteassinalaBluntschli,no

direitodesoberaniadoEstadosobreoterritório,oimperium,como

soberaniaterritorial,dodominium,comopropriedadedoEstado.Temo

domínio,segundoesseautor,teorjusprivatista,aindaquesejaoEstado

osujeitojurídico,aopassoqueoimperiumconservacaráter

essencialmentepolíticoeporsuanaturezasópodecompetirao

Estado.11

Ateoriamedievadoterritório-patrimônioignoravaoimperiumeo

dominiumcomoconceitosessencialmentedesconformes,deefeitos

jurídicosdotadosdeeventualcoincidênciaempontosisolados,mas

provindodefontesquetodaviarestaminequivocamenteautônomas.12

NaquelaconcepçãoeraopoderdoEstadosobreoterritórioda

mesmanaturezadodireitodoproprietáriosobreoimóvel.Daíos

Page 191: Ciência Política - Archive

pactos,asconcessões,oslitígiossucessóriosemmatériaterritorial,que

avultamdurantetodaaIdadeMédiacomoperíododeconfusãoentreo

direitopúblicoeodireitoprivado.

AtéocomeçodoséculoXIX—notaHelfritz—nãoseperguntava

“aqueEstadopertencestu”,senãoqueseinquiria“dequemés

súdito?”,domesmomodoquehouve,segundoBluntschli,considerável

progressodopensamentopolíticoenãosinaldebarbaria,conforme

pretendeuojurista-filósofoalemãoStahl,quandoosfranceses,reagindo

contraaconcepçãodaFrançacomopatrimoniumregis,mudaramno

calordaRevolução,otítulodosreisfrancesesdeReideFrançaparao

deReidosFranceses.13

Emsuma,ateoriamedievadecunhopatrimonialtomaoterritório

porobjetodapropriedadeeminentedossenhoresfeudaise,depois,

comopropriedadedoEstado,comunicandosuainfluênciaaodireito

públicoalemãoatéaoséculoXIX,quandonovateoriaseforma,que

representajáparaaépocaalgumprogressonodireitopolítico:ateoria

doterritório-objeto.Estatodavia,consoanteveremos,jamaislogrou

desatar-sedetododosresquíciosesobrevivênciasdateoriapatrimonial.

9.2Ateoriadoterritório-objeto

Deparamo-nosaseguircomateoriadosjuristasquevislumbram

noterritóriooobjetodeumdireitodascoisaspúblicooudeumdireito

Page 192: Ciência Política - Archive

realdecaráterpúblico.Segundoosadeptosdessacorrenteodireitodo

Estadosobreoseuterritórioédireitoespecial,eminente,soberano.

Toma-seoterritóriocomocoisa—nãodopontodevistadodireito

privado,qualsefazianaantigaconcepçãopuramentepatrimonial—

masdopontodevistadodireitopúblico.Fala-sedeumdireitodo

Estadosobreoterritórioeporesteseentendemprincipalmenteas

terras,numanoçãodeevidenteestreiteza.

Éoterritóriopostonasuaexterioridade,sobretudonasua

acepçãocorporal,comocoisa,comoobjetofrenteaoEstado,queseriao

titular,apessoadoqualaqueleestavadesmembrado,masacuja

vontadeficavasujeito.OterritórioestariaassimparaoEstadodo

mesmomodoqueacoisaparaoproprietário,easoberaniaterritorial

serianodireitopúblicoaquiloquenodireitociviléodireitode

propriedade.14

Todaessaconcepçãodoterritório-objetosignificaotrasladopara

odireitopúblico,poranalogia,deumanoçãopuramentejusprivatista,a

saber,adedominium,opodersobrecoisas,sobrealgoqueépróprio,

queépertinenteaalguém,queenvolveexclusividade,aocontrárioda

deimperium—podersobrepessoas.

Napropriedade,ficaacoisasubstancialmentesubmetidaà

vontadedoproprietário,quesobreelaseexerceatravésdetrês

Page 193: Ciência Política - Archive

momentosessenciais:a)pelaexclusãodosdemaisaogozodacoisa;b)

pelaadmissãodotitularaessegozodacoisa;ec)pelasegurançade

queafruiçãodacoisanãoseráturbadaporterceiros.

Acolhidaateoriadoterritório-objeto,teríamostodasaquelas

implicaçõesqueforamlucidamenteexpostasporFrickernasuacrítica

àposiçãoteóricaassumidaporLaband,bemfáceisaliásderesumir.

ConsiderandocoisaoterritóriodoEstado,asoberaniaterritorial

sedecompõeemduaspartes:umanegativa,outrapositiva.Aparte

positivaencerraacompetênciadoEstadodeempregarasterrasouo

territórioparaatenderafinsestatais.Apartenegativa,também

chamadafacedodireitointernacionaldasoberaniaestatal,importana

exclusãodopoderdequalqueroutroEstadosobreomesmoterritório.

DopontodevistadoDireitoInternacional—asseveraLaband—

trata-senaverdadeoterritóriodeumEstadocomrespeitoaoutros

Estadosdemodointeiramenteequivalenteàpropriedadenasrelações

dedireitoprivado.SenasrelaçõesdosEstadosentresiasoberania

territorial,segundoLaband,temcaráterdedireitodascoisas

publicístico,aconseqüênciaquedaídecorrenecessariamenteéquena

relaçãodedireitopúblicoomesmotambémseobserva,istoé,cada

Estadotemsobreseuterritórioumdireitodesoberania.Essepoder

jurídicoexclusivodoEstadosobreseuterritóriovemaserprecisamente

Page 194: Ciência Política - Archive

abasedaqueletratamentodoterritóriodoEstadopeloDireito

Internacional.Tudoocorre,concluiaquelejurista,comonaesferado

direitoprivado,relativamenteàpropriedade,aqualsignificaumpoder

jurídicoreconhecidosobredeterminadacoisaeconseqüentementeum

jusexcludendialios.15

Adoutrinadoterritório-objeto,queempresta,conformevimos,

caráterdedireitodascoisasàsrelaçõesdoEstadocomseuterritório,

foilargamenteprofessadanaAlemanha,comalgumasmodificações,por

Gerber,Laband,vonSeydel,Bornhak,UllmanneHeilborn.

Combateram-natenazmenteRadnitzky,HaeneleZorn,atéficar

ultrapassadacomoensaiomonumentalepolêmicodeCarlVictor

Fricker,intituladoTerritórioeSoberaniaTerritorial(1901).

Fezessadoutrinaadeptosentreautoreslatinoseconta

inumeráveisparciaisentreosinternacionalistasnão-alemães,conforme

salientouJellinek,osquaisseabraçamarudimentosdaantigateoria

patrimonialparaexplicarcertosaspectosdodireitointernacional,como

separaçãoeperdadeterritórios,anexações,servidões,ocupação,etc.16

9.3Ateoriadoterritório-espaço

DasobjeçõessuscitadasporFrickeràteoriadoterritórioobjeto

resultouaplainadooterrenoparaoadventodateoriamaisemvogana

modernaciênciajurídica,queéinquestionavelmenteateoriado

Page 195: Ciência Política - Archive

território-espaço.

Comefeito,em1901,vinhaalumenaAlemanha,deautoria

daquelepublicistadeLeipzig,doisensaiosquesetornaramclássicosna

literaturapolíticadesteséculo,intituladosrespectivamenteTerritórioe

SoberaniaTerritorialeDoTerritóriodoEstado(esteúltimoescritoem

1868,masestampadopelaprimeiravezaqueleano),nosquaisFricker,

superandodefinitivamenteadoutrinadeGerbereLaband,mostrava

queasoberanianãosepodiaexercersobrecoisas,massobrepessoas,e

que“oterritórionãoexprimeumprolongamentodoEstado,senãoum

momentoemsuaessência”.17

Segundoessadoutrina,logoabraçadaporG.Meyer,Jellinek,

Anschuetz,OttoMayer,Stammlereoutrosclássicosdaliteratura

jurídicaalemã,oterritóriodoEstadonadamaissignificaque“a

extensãoespacialdasoberaniadoEstado”.Consoanteateoriade

FrickerarelaçãodoEstadocomoterritóriodeixadeserumarelação

jurídica,vistoquenãosendooterritórioobjetodoEstadocomosujeito,

nãopodehavernenhumdireitodoEstadosobreseuterritório.Aessa

conclusãodeFricker,acrescentava-seoutradequeopoderdoEstado

nãoépodersobreoterritório,maspodernoterritóriocqualquer

modificaçãodoterritóriodoEstadoimplicaamodificaçãomesmado

Estado.18

Page 196: Ciência Política - Archive

Zitelmann,vindodepoisdeFricker,cunhouaquelaexpressão

doravanteconsagrada,segundoaqualoterritórioé“opalcoda

soberaniaestatal”,oâmbitoespacialonde,aoladodaaçãosoberana,se

desenrolamtambémasatividadeseconômicas,sociaiseculturaisdo

Estado.19

AdoutrinaalemãdoséculoXXquasetodaseinclinaparaa

concepçãodoterritório-espaço,quenaterminologiadeseusautores

conhecediversasdesignações,semqueestastodaviaimpliquem

variaçõesconsideráveisdefundo.Asfórmulasempregadas,conforme

assinalaMarceldelaBignedeVilleneuve,compreendemnessanova

direçãooterritório,oraporlimitematerialàaçãoefetivadoEstado,ora

porsubstratodacoletividadeestatal,jácomozonageográficaqueserve

paradesignarecircunscreverapopulação,jácomoaquelaparteda

superfíciedoglobosobreaqualsóoEstadotemodireitodeorganizare

pôremfuncionamentoosdiversosserviçospúblicos,ouentãocomo

palcodopoderpúblico,ouaindacomoperímetronoqualexerceo

Estadoodireitodecomandarpessoas.20

Adoutrinadoterritório-espaço,quederrogaavelhaconcepçãode

direitorealdeGerbereLaband,tampoucoseembaraçacomosóbices

quepoderiamderivardarelaçãoentreoordenamentoestataleo

territórionafiguradoestadofederal,nemsequercomosdireitosreais

Page 197: Ciência Política - Archive

quepossuioEstadosobrecertaspartesdeseuterritório.

ComoaautoridadedoEstadocomrespeitoaoterritórioédeteor

pessoal,nãohavendoaquiquefalardedominium,podersobrecoisas,

senãodeimperium,podersobrepessoas,opoderdoEstadodeobrigar

aspessoasnoterritóriosefazdemaneiraexclusiva,sesetratade

Estadosoberanoeunitário;ou,nahipótesefederativa,deEstado

composto,emcolaboraçãocomoEstadosoberano,aoqualseacha

sujeitooEstado-membro,conformeadverteJellinek.21

OpoderqueoEstadoexercesobreoterritório,quandoimpõe

limitaçõesaosindivíduoscomrespeitoaodireitodepropriedadedosolo,

quandoexpropria,ouquandoinstituiservidõesdeutilidadepública,

nãoseelevajamaisàcategoriadeumdireitocomexistênciaautônoma,

umdireitosobreosolo,umdireitoreal,massecinge,segundoa

doutrinaespacial,aumpoderqueinvariavelmenteserefereapessoas

ouseaplicaporintermédiodepessoascomoimperium,nuncacomo

dominium,sendonopensamentodaquelejuristaalemãoarelaçãoentre

oEstadoeoterritório,emqualquerhipótese,relaçãodedireitopessoal,

jamaisrelaçãodedireitoreal.

Conseqüênciaclaraquesedepreendeademaisdessamoderna

teoriagermânicaéadequeoterritório,aocontráriodoquesustenta

ponderávelcorrentedejuristasfranceses,aindacontemporaneamente

Page 198: Ciência Política - Archive

filiadosnaantigadoutrinadeGerbereLaband(emprestam-lhetodavia

coloraçãoinstitucionalefalamperantearelaçãoEstadoeterritóriode

umdireitopúblicorealinstitucional),longedeserapenasaquela

condiçãodeexistênciadoEstadoaquesereportaCarrédeMalberg,é

efetivamenteelementoessencial,constitutivodoEstado,partedeseu

seredesuapessoa,estandoparaele,sesepermiteacomparação

antropomórfica,assimcomoocorpoestáparaohomem.Demodoque

todaofensaaoterritórioéofensaaopróprioEstado,comoficouclaro

nasliçõesdeFrickereJellinekaesserespeito.Vãotãolongeesses

juristasemfazerdoEstadoumcompostodehomenseterritório,ouem

pôroterritóriocomoparteconstitutivadapersonalidademesmado

Estado,queemalgunstratadistasapareceaquelateoriacoma

designaçãodeteoriadoterritório-sujeitoemcontraposiçãoàantiga

teoriadoterritório-objeto.

ApesardequeJellinekhajareputadoarelaçãojurídicaentreo

Estadoeoterritórionostermosdanovadoutrinacomodasmais

preciosasconquistasdodireitopúblico,nãofaltaramdoladofrancêse

dacorrentedosinternacionalistaspesadasobjeçõesàteoriado

território-espaço,território-limiteouterritório-direitopessoaldoEstado.

DáVilleneuvealembrar,entreoutras,asseguintes,demaispeso:

comoexplicarodireitodoEstadodepraticarcertosatos,algunsatéde

Page 199: Ciência Política - Archive

sumaimportância,foradeseuterritóriopropriamentedito,taispor

exemploosqueocorrememalto-mar,emnaviosnacionaisouno

estrangeiro,medianteconvençõescomoutrosEstados?

Comojustificaropoderdepolíciaouaaçãodostribunais

instaladosnoterritóriodepotênciaestrangeira,qualseverificavano

casodospaísesdecapitulação?

ComoadmitircomoutroEstadoaformaçãodeumcondominium

sobredeterminadaextensãoterritorial,àmaneira—hajavista—do

quesepassounoSudãoAnglo-Egípcio?

Comoaclararacoexistênciadopoderespiritualcomopoder

temporalnamesmaárea?

ComoaceitarascessõesterritoriaisfreqüentesentreEstados,

apósasguerrasoupormaisrazõeseventuais?

ComoconciliaraautoridadedoEstadofederalcoexistindocoma

dosEstadosfederadosnomesmoperímetro?22Resumidamente,são

estesosprincipaispontosqueacríticalevantouparainvalidara

doutrinaqueseestendedesdeFrickeraJellinekcomopropósitode

caracterizaraumanovaluzarelaçãoentreoEstadoeoterritório.

9.4Ateoriadoterritório-competência

Ateoriadoterritório-espaçoacaboupordesembocarnateoriado

território-competência,obradosjuristasaustríacosdachamadaEscola

Page 200: Ciência Política - Archive

deViena,quepassaramavernoterritóriosimplesmenteumelemento

determinantedavalidezdanorma,sobretudoummeiodelocalizaçãoda

validezdaregrajurídica.

Ateoriadoterritório-competência,ardentementepatrocinadapor

Kelsen,chamalogoaatençãodoestudioso,comoadverteGiese,por

admitirdemodoespecialumconceitojurídicodecompetênciaedemodo

geralumconceitodevalidadedodireito.23

Toda

a

porfia

doutrinária

do

grupo

vienense,

como

ponderadamenteassinalaaqueleautor,temporprincipalescopo

arredardocampoteóricoa“primitiva”concepçãocientífica,geográficae

naturalistadoterritório,tomando,emcontrapartida,asoberania

territorialpordadoprimárioeoterritóriopropriamenteditopordado

secundário.

Essateoriasedesdobraemduasacepçõesdeterritório.A

Page 201: Ciência Política - Archive

primeira,maisrestrita,fazdoterritórioaesferadecompetêncialocal,a

“diocesedopoderestatal”,segundoalinguagemdeRadnitzky.A

segundaencaraoterritóriodemaneirasignificativamenteampla,nos

termosanálogosdateoriadoterritório-espaço,asaber,comoâmbitoda

validezdaordemestatal,comodelimitaçãoespacialdavalidezdas

normasjurídicas.24

QuandoGiesecotejaasduasteorias—ateoriadoespaçoea

teoriadacompetência—chegaeleàplausívelconclusãodequeambas

seaproximam,dequenãoéintransponívelofossoqueassepara,poisa

únicadistinçãoessencialrepousanaimportânciaporventuraatribuída

aoterritórioeàsoberaniaterritorial.Nateoriadoterritório-espaçoa

importânciafundamentalpertenceaoterritório,aopassoquenateoria

doterritório-competênciaédecapitalrelevânciaasoberania

territorial.25

1.FerruccioPergolesi,DirittoCostituzionale,15ªed.,v.1,p.94.

2.PietroVirga,DirittoCostituzionale,6ªed.,p.57.

3.GerhardAnschuetz,“DeutschesStaatsrecht”,in:Holtzendorff&Kohler(ed.)

EnzyklopaediederRechtswissenschaftimsystematischerBearbeitung,v.4,p.7.

4.RiccardoMonaco&GiorgioCansacchi,LoStatoeilsuoOrdinamentoGiurídico,7ª

ed.,p.125.

Page 202: Ciência Política - Archive

5.E.Crosa,DirittoCostituzionale,4ªed.,p.174,apudPergolesi,ob.cit.,p.101.

6.OresteRanelletti,IstituzionidiDirittoPubblico.13ªed.,p.28.

7.HowardJ.Taubenfeld,“L’EspaceExtra-Atmosphérique:EvolucionduDroit

International”,RevuedelaCommissionInternationaledeJuristes,(4):39,1969.

8.ErichHuber,RechtundWeltraum,v.77,caderno1.

9.F.Pergolesi,ob.cit.,p.105.Dentreosprimeirostrabalhosdeanáliseaonovo

direitoemlínguaportuguesasãoderessaltarosdeautoriadoprofessorHaroldo

Valladão.Veja-setambémoensaiodesistematizaçãocontidonamonografia

precursoradeC.A.DunscheedeAbranches,EspaçoExterioreResponsabilidade

Internacional.

10.HugoGrotius,DeJureBelliacPacis,II,3,§4.

11.J.C.Bluntschli,AllgemeineStaatslehre,p.280.

12.Poezl,In:BluntschliBrater(ed.),DeutschesStaats-Woerterbuch,v.9,p.723.

13.HansHelfritz,AllgemeineStaatsrecht,5ªed.rev.eaum.,p.108.eBluntschli,

AllgemeineStaatslehre,6ªed.,p.283.

14.VonSeydel,BayerischesStaatsrecht,2ªed.,v.I,p.334.

15.Laband,apudFricker,GebietundGebietshoheit,p.15.

16.Jellinek,G.AllgemeineStaatslehre,pp.405-406.

17.Fricker,“VomStaatsgebiet”,in:GebietundGebietshoheit,p.107.

18.Idem,ibidem,pp.111-112.

Page 203: Ciência Política - Archive

19.F.Giese,“DasStaatsgebiet”,in:Anschuetz&Thoma(ed.)Handbuchdes

DeutschenStaatsrechts,1ªed.,1930,p.225.

20.MarceldelaBigneDeVilleneuve,TraitéGénéraldel’État,p.245.

21.G.Jellinek,apudM.delaBigneDeVilleneuve,ob.cit.,p.245.

22.M.delaBigneDeVilleneuve,ob.cit.,pp.245-247.

23.Giese,ob.cit.,p.226.

24.Idem,ibidem,p.226.

25.Idem,ibidem,p.226.

Marterritorial:pelaLein.8.617,de4.1.93,aságuasexternasbrasileiras

compreendemtrêsfaixasdistintas:a)omarterritorial,queéafaixade12milhas

marítimasmedidasapartirdalinhadebaixa-mardolitoralcontinentaleinsular

brasileiro(art.1º);b)azonacontígua,compreendendoumafaixaquevaidas12às24

milhasmarítimas,“apartirdaslinhasdebasequeservemparamediralargurado

marterritorial”(art.4º);ec)azonaeconômicaexclusiva,queéafaixaqueseestende

das12milhasdomarterritorialaté200milhas.

Nomarterritorial,aindasegundoaLein.8.617,arts.2°.e3º,inclusiveemseuleito,

subsoloeespaçoaéreo,oBrasilexercesuasoberania,admitidaa“passageminocente”

denaviosdequalquernacionalidade—oquesedefinecomoapassagem“contínuae

Page 204: Ciência Política - Archive

rápida”,alémde“nãoprejudicialàpaz,àboaordemouàsegurança”doPaís.

NazonacontíguaoBrasilexercefiscalizaçãoparaevitarinfraçõesàsleiseaos

regulamentosaduaneiros,fiscais,deimigraçãoousanitários,podendomesmo

reprimirquaisquerdessasinfrações,noseuterritórioounoseumarterritorial.

NazonaeconômicaexclusivaoBrasilexerce“direitosdesoberaniaparafinsde

exploraçãoeaproveitamento,conservaçãoegestãoderecursosnaturais,vivosounão

vivos,daságuassobrejacentesaoleitodomar,doleitodomareseusubsolo”(art.6°).

Osarts.8°a10dessaLeiestabelecemnormassobreproteção,investigaçãoe

preservaçãodomeiomarinho,construçãoeoperaçãodeinstalaçõeseilhasartificiais,

exercíciosemanobrasmilitares,navegaçãoesobrevôodessazonadomar.

7

OPODERDOESTADO

1.Doconceitodepoder—2.Imperatividadeenaturezaintegrativa

dopoderestatal—3.Acapacidadedeauto-organização—4.A

unidadeeindivisibilidadedopoder—5.0princípiodelegalidadee

legitimidade—6.Asoberania.

Page 205: Ciência Política - Archive

1.DoconceitodepoderElementoessencialconstitutivodoEstado,opoderrepresenta

sumariamenteaquelaenergiabásicaqueanimaaexistênciadeuma

comunidadehumananumdeterminadoterritório,conservando-aunida,

coesaesolidária.

Autoresháquepreferemdefini-locomo“afaculdadedetomar

decisõesemnomedacoletividade”(AfonsoArinos).

Comopoderseentrelaçamaforçaeacompetência,compreendida

estaúltimacomoalegitimidadeoriundadoconsentimento.Seopoder

repousaunicamentenaforça,eaSociedade,ondeeleseexerce,

exteriorizaemprimeirolugaroaspectocoercitivocomanotada

dominaçãomaterialeoempregofreqüentedemeiosviolentospara

imporaobediência,essepoder,nãoimportasuaaparentesolidezou

estabilidade,serásempreumpoderdefato.

Se,todavia,buscaopodersuabasedeapoiomenosnaforçado

quenacompetência,menosnacoerçãodoquenoconsentimentodos

governados,converter-se-áentãonumpoderdedireito.OEstado

modernoresumebasicamenteoprocessodedespersonalizaçãodo

poder,asaber,apassagemdeumpoderdepessoaaumpoderde

instituições,depoderimpostopelaforçaaumpoderfundadona

Page 206: Ciência Política - Archive

aprovaçãodogrupo,deumpoderdefatoaumpoderdedireito.

Novocabuláriopolíticoocorrecomfreqüênciaoemprego

indistintodaspalavrasforça,podereautoridade.Exigênciasdeclareza

porémrecomendamacorreçãodosabusosaquiperpetrados.Anosso

ver,aforçaexprimeacapacidadematerialdecomandarinternae

externamente;opodersignificaaorganizaçãooudisciplinajurídicada

forçaeaautoridadeenfimtraduzopoderquandoeleseexplicapelo

consentimento,tácitoouexpresso,dosgovernados(quantomais

consentimentomaislegitimidadeequantomaislegitimidademais

autoridade).Opodercomautoridadeéopoderemtodasuaplenitude,

aptoadarsoluçõesaosproblemassociais.Quantomenoracontestação

equantomaiorabasedeconsentimentoeadesãodogrupo,mais

estávelseapresentaráoordenamentoestatal,unindoaforçaaopodere

opoderàautoridade.Ondeporémoconsentimentosocialforfraco,a

autoridaderefletiráessafraqueza;ondeforforte,aautoridadeseachará

robustecida.

ComrespeitoaopoderdoEstado,urgeconsiderá-loatravésdos

traçosquelheemprestamafisionomiacostumeira,algunsdosquais

comportamintermináveisdebatesrelativosaoseucarátercontingente

ouabsoluto.

Essestraçossão:aimperatividadeenaturezaintegrativadopoder

Page 207: Ciência Política - Archive

estatal,acapacidadedeauto-organização,aunidadeeindivisibilidade

dopoder,oprincípiodelegalidadeelegitimidadeeasoberania.

Page 208: Ciência Política - Archive

2.ImperatividadeenaturezaintegrativadopoderestatalASociedade,termogenérico,abrangeformasespecíficasde

organizaçãosocial,cujadistinçãosefazpelosobjetivos,pelaextensãoe

pelograudeintensidadedoslaçosqueprendemosindivíduosaos

diversostiposdeassociaçãoconhecidos,quevãodesdeassociedades

religiosasatéaquelasdecunhomeramenterecreativo.

OEstado,postoquesejaumaformadesociedade,nãoéaúnica,

nemamaisvasta,conformelembraDelVecchio,poiscoexistecom

outrasquelhesãoanterioresnoplanohistórico,comoaFamília,ouo

ultrapassamnadimensãogeográficaenosquadrosdeparticipação,

comosóiacontecercomalgumasconfissõesreligiosas:ocristianismo,

porexemplo,noqualsefiliampovosdeváriosEstados.

QuetraçoessencialrestaassimparasepararoEstado,como

organizaçãodopoder,dasdemaissociedadesqueexercemtambém

influênciaeaçãosobreocomportamentodeseusmembros?

Inquestionavelmente,essetraçofundamentalsecifranocaráter

inabdicável,obrigatórioounecessáriodaparticipaçãodetodoindivíduo

numasociedadeestatal.NascemosnoEstadoeaomenos

contemporaneamenteéinconcebívelavidaforadoEstado.

Page 209: Ciência Política - Archive

Aopassoqueasdemaisassociaçõessãodeparticipação

voluntária,conservandosemprelivreaosseusmembrosaportade

entradaesaída,oEstado,quepossuiomonopóliodacoação

organizada

e

incondicionada,

não

somente

emite

regras

de

comportamentosenãoquedispõedosmeiosmateriaisimprescindíveis

comqueimporaobservânciadosprincípiosporventuraestatuídosde

condutasocial.

AtuaoEstadoporconseguintenaambiênciacoletiva,quando

necessário,comamáximaimperatividadeefirmeza,formandoaquele

vastocírculodesegurançaeaçãonoqualsemovemoutroscírculos

menoresdeledependentesouaeleacomodados,quesãoosgrupose

indivíduos,cujaexistênciaganhaalicertezaepersonificaçãojurídica.

Examinadaatentamenteanaturezadopoderestatal,verifica-se

quetodoEstado,comunidadeterritorial,implicaumadiferenciação

Page 210: Ciência Política - Archive

entregovernantesegovernados,entrehomensquemandamehomens

queobedecem,entreosquedetêmopodereosqueaelesesujeitam.

Aminoriadosqueimpõemàmaioriaasuavontadepor

persuasão,consentimentoouimposiçãomaterialformaogovernoque,

tendoaprerrogativaexclusivadoempregodaforça,exerceopoder

estatalatravésdeleisqueobrigam,nãoporquesejam“boas,justasou

sábias”,massimplesmenteporquesãoleis,pautasdeconvivência,

imperativosdeconduta.Dispõeaautoridadegovernativadacapacidade

unilateraldeditaràmassadosgovernados,senecessáriopela

compulsão,ocumprimentoirresistíveldesuasordens,preceitose

determinaçõesdecomportamentosocial.

AopoderdoEstadoaderemcertostraçosouqualidades

fundamentais.

Oprimeiroéanaturezaintegrativaouassociativadopoder

estatal,jáempartecompreendidanasconsideraçõesantecedentese

quefazqueoportadordopoderdoEstado,dopontodevistajurídico,

nãosejaumapessoafísicanemváriaspessoasfísicas,massempree

indispensavelmenteapessoajurídica,oEstado.1

3.Acapacidadedeauto-organização

Osegundotraçoessencialquederivadaexistênciadopoder

estataléasuacapacidadedeauto-organização.Ocaráterestatalde

Page 211: Ciência Política - Archive

umaorganizaçãosocialdecorreprecisamentedacircunstânciade

procederdeumdireitopróprio,deumafaculdadeautodeterminativa,de

umaautonomiaconstitucionalopoderqueessaorganizaçãoexerce

sobreosseuscomponentes.

HáEstadodesdequeopodersocialestejaemcondiçõesde

elaboraroumodificarpordireitopróprioeoriginárioumaordem

constitucional.Poucomontaqueprescriçõesjurídicasvenham

embaraçaroucircunscreveraextensãodessacapacidadeoutirar-lheo

princípiodeexclusividadecomoaconteceporexemplonocasodas

organizaçõesfederativas.

Existindoinstrumentoautônomodepoderfinanceiro,policiale

militarcomcapacidadeorganizadoraeregulativaaíexistiráoEstado.2

Page 212: Ciência Política - Archive

4.AunidadeeindivisibilidadedopoderAindivisibilidadedopoderconfiguraoutranotacaracterísticado

poderestatal.Significaquesomentepodehaverumúnicotitulardesse

poder,queserásempreoEstadocomopessoajurídicaouaquelepoder

socialqueemúltimainstânciaseexprime,segundoqueremalguns

publicistas,pelavontadedomonarca,daclasseoudopovo.

OprincípiodeunidadeouindivisibilidadedopoderdoEstado

resultahistoricamentedasuperaçãododualismomedievoquerepartia

opoderentreopríncipeeascorporações,dotadasestasporvezesde

umpoderdepolíciaejurisdição,quebemexprimiaaconcepção

jusprivatistaepatrimonialimperantenasociedadeocidentalatéo

séculoXVI.

Comanoçãodeunidadeeindivisibilidadedopoder,aufereo

Estadomodernoumdeseuspostuladosessenciaisque,desprendendoo

poderdoEstadodopoderpessoaldogovernante,permitecompreender

acomunidaderegidaforadasconcepçõescivilistasdodireitode

propriedade,dominantesnoperíodomedievo.

Cumpredistinguiratitularidadedopoderestataldoexercício

dessemesmopoder,conformeadverteKuechenhoff.Titularesdopoder

sãoaquelaspessoascujavontadesetomacomovontadeestatal.

Page 213: Ciência Política - Archive

Essavontade,expressandoopoderdoEstado,semanifesta

atravésdeórgãosestatais,quedeterminamemseusatosedecisõeso

carátereosfinsdoordenamentopolítico.Dáocitadoautoralemãoa

esserespeitoclaroepersuasivoexemplocomoquesepassanoEstado

democráticocontemporâneo.Atitularidadedopoderestatalpertence

aquiaopovo;oseuexercício,porém,aosórgãosatravésdosquaiso

poderseconcretiza,quaissejamocorpoeleitoral,oParlamento,o

Ministério,ochefedeEstado,etc.3

Adistinçãoacimaenunciadafacultacompreenderacontradição

aparentequeresultariadopostuladoessencialdaunidadedopoder

contrapostoaoprincípiodachamadaseparaçãodepoderesconsagrado

pelateoriaconstitucionaleelaboradoporMontesquieuemDoEspírito

dasLeis(1748).

OpoderdoEstadonapessoadeseutitularéindivisível:adivisão

sósefazquantoaoexercíciodopoder,quantoàsformasbásicasde

atividadeestatal.

Distribuem-seatravésdetrêstiposfundamentaisparaefeito

dessemesmoexercícioasmúltiplasfunçõesdoEstadouno:afunção

legislativa,afunçãojudiciáriaeafunçãoexecutiva,quesãocometidas

aórgãosoupessoasdistintas,comopropósitodeevitaraconcentração

deseuexercícionumaúnicapessoa.

Page 214: Ciência Política - Archive

Nãomenosfalazvemaserapretendidaquebradoaxiomada

unidadedopoderdoEstadoemfacedaexistênciadoEstadofederal.A

UniãoeosEstados-membrosnãocompõemsubjetivamenteduas

vontadesdistintas,portadorasdopoderestatal,oqualseconserva

referidoaumasópessoa,aumúnicotitular.

Houvetão-somentedivisãodoobjeto,dastarefas,dostrabalhose

assuntospertinentesàaçãodoEstado,emsuma,naboalinguagem

jurídica,divisãodecompetênciaenãodopoderdoEstadopropriamente

dito.

Page 215: Ciência Política - Archive

5.OprincipiodelegalidadeelegitimidadeAutoresháquefazemdalegalidadeelegitimidadecondições

essenciaisdopoderdoEstadotantoquantodacapacidade

constitucionaledaindivisibilidadedessemesmopoder.

Outrosporémtrilhandoviaoposta,entendemqueanoçãode

legalidadeelegitimidadenãopertenceàcaracterizaçãodopoder,nem

constituisequertraçodopoderestatal.

Page 216: Ciência Política - Archive

6.ASoberaniaAsoberania,queexprimeomaisaltopoderdoEstado,a

qualidadedepodersupremo(supremapotestas),apresentaduasfaces

distintas:ainternaeaexterna.

AsoberaniainternasignificaoimperiumqueoEstadotemsobreo

territórioeapopulação,bemcomoasuperioridadedopoderpolítico

frenteaosdemaispoderessociais,quelheficamsujeitos,deforma

mediataouimediata.

Asoberaniaexternaéamanifestaçãoindependentedopoderdo

EstadoperanteoutrosEstados.

1.FriedrichGiese,AllgemeinesStaatsrecht,p.20.

2.G.Jellinek,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,pp.427-504.

3.GuenthereErichKuechenhoff,AllgemeineStaatslehre,pp.42-43.

8

LEGALIDADEELEGITIMIDADE

DOPODERPOLÍTICO

1.Oprincípiodalegalidade—2.Oprincípiodalegitimidade—3.

Comoseformouoprincípioeaespéciedelegitimidadequeesse

princípioprocurouestabelecer—4.Acrisehistóricadalegalidadee

legitimidadedopoder—5.Aconsideraçãofilosóficadoproblema

Page 217: Ciência Política - Archive

dalegitimidade—6.Osfundamentossociológicosdalegitimidade:

6.1Alegitimidadecomorepresentaçãodeumateoriadominantedo

poder—6.2Astrêsformasbásicasdemanifestaçãoda

legitimidade:acarismática,atradicionalealegalouracional—7.

Oaspectojurídicodalegitimidade—8.Alegitimidadenoexercício

dopoder—9.Alegalidadeealegitimidadedopodercomotemas

daCiênciaPolítica.

1.Oprincípiodalegalidade

Alegalidadenossistemaspolíticosexprimebasicamentea

observânciadasleis,istoé,oprocedimentodaautoridadeem

consonânciaestritacomodireitoestabelecido.Ouemoutraspalavras

traduzanoçãodequetodopoderestataldeveráatuarsemprede

conformidadecomasregrasjurídicasvigentes.Emsuma,a

acomodaçãodopoderqueseexerceaodireitoqueoregula.

Cumprepoisdiscernirnotermolegalidadeaquiloqueexprime

inteiraconformidadecomaordemjurídicavigente.

Nessaacepçãoampla,ofuncionamentodoregimeeaautoridade

investidanosgovernantesdevemreger-sesegundoaslinhas-mestras

traçadaspelaConstituição,cujospreceitossãoabasesobreaqual

assentatantooexercíciodopodercomoacompetênciadosórgãos

estatais.

Page 218: Ciência Política - Archive

Alegalidadesupõeporconseguinteolivreedesembaraçado

mecanismodasinstituiçõesedosatosdaautoridade,movendo-seem

consonânciacomospreceitosjurídicosvigentesourespeitando

rigorosamenteahierarquiadasnormas,quevãodosregulamentos,

decretoseleisordináriasatéaleimáximaesuperior,queéa

Constituição.

Opoderlegalrepresentaporconseqüênciaopoderemharmonia

comosprincípiosjurídicos,queservemdeesteioàordemestatal.O

conceitodelegalidadesesituaassimnumdomínioexclusivamente

formal,técnicoejurídico.

2.Oprincípiodalegitimidade

Jáalegitimidadetemexigênciasmaisdelicadas,vistoquelevanta

oproblemadefundo,questionandoacercadajustificaçãoedosvalores

dopoderlegal.Alegitimidadeéalegalidadeacrescidadesuavaloração.

Éocritérioquesebuscamenosparacompreendereaplicardoque

paraaceitarounegaraadequaçãodopoderàssituaçõesdavidasocial

queeleéchamadoadisciplinar.

Noconceitodelegitimidadeentramascrençasdedeterminada

época,quepresidemàmanifestaçãodoconsentimentoedaobediência.

Alegalidadedeumregimedemocrático,porexemplo,éoseu

enquadramentonosmoldesdeumaconstituiçãoobservadaepraticada;

Page 219: Ciência Política - Archive

sualegitimidadeserásempreopodercontidonaquelaconstituição,

exercendo-sedeconformidadecomascrenças,osvaloreseos

princípiosdaideologiadominante,nocasoaideologiademocrática.

3.Comoseformouoprincípiodalegalidadeeaespéciede

legitimidadequeesseprincípioprocurouestabelecer

Oprincípiodelegalidadenasceudoanseiodeestabelecerna

sociedadehumanaregraspermanenteseválidas,quefossemobrasda

razão,epudessemabrigarosindivíduosdeumacondutaarbitráriae

imprevisíveldapartedosgovernantes.Tinha-seemvistaalcançarum

estadogeraldeconfiançaecertezanaaçãodostitularesdopoder,

evitando-seassimadúvida,aintranqüilidade,adesconfiançaea

suspeição,tãousuaisondeopoderéabsoluto,ondeogovernoseacha

dotadodeumavontadepessoalsoberanaousereputalegibussolutuse

onde,enfim,asregrasdeconvivêncianãoforampreviamente

elaboradasnemreconhecidas.

Alegalidade,compreendidapoiscomoacertezaquetêmos

governadosdequealeiosprotegeoudequenenhummalportantolhes

poderáadvirdocomportamentodosgovernantes,seráentãosobesse

aspecto,comoqueriaMontesquieu,sinônimodeliberdade.

Autoresqueescreveramduranteoancienregime,emFrança,

tiveramaintuiçãodesseprincípio.HajavistaFeneloncomrespeitoao

Page 220: Ciência Política - Archive

poderdorei:“Elepodetudosobreaspessoas,masasleispodemtudo

sobreele”(Ilpeuttoutsurlespeuples,maislesloispeuventtoutsurlui).

Masfoioséculoracionalistaefilosófico—oséculoXVIII—que

desenvolvendoastesesdocontratualismosocialaprofundounaFrança

ajustificaçãodoutrináriadoprincípiodalegalidade.

Suaexplicitaçãopolíticasefezporviarevolucionária,quandoa

legalidadeseconverteuemmatériaconstitucional.Assimnotextode

1791:“NãoháemFrançaautoridadesuperioràdalei;oreinãoreina

senãoemvirtudedelaeéunicamenteemnomedaleiquepoderáele

exigirobediência”(Art.32,doCapítuloIIdaConstituiçãoFrancesade

1791).

Algunsanosantes,osex-colonosdeMassachussets,emancipados

dadominaçãoinglesa,gravaramemsuaConstituição(Art.30)o

princípiodaseparaçãodepoderesafimdeque“pudessehaverum

governodeleisenãodehomens”.

Enfim,oprincípiodalegalidadeatendeaqueleidealjeffersoniano

deestabelecerumgovernodaleiemsubstituiçãodogovernodos

homensedecertomodoreproduztambémaquelamáximadeMichelet

sobre“ogovernodohomemporsimesmo”,ouseja,legouvernementde

l’hommeparluimême.

4.Acrisehistóricadalegalidadeelegitimidadedopoder

Page 221: Ciência Política - Archive

Sãoquatroosdadosquesenosafiguramaltamenteelucidativose

indispensáveisparaaconsideraçãodalegalidadeelegitimidadecomo

temasdateoriapolítica:ohistórico,ofilosófico,osociológicoeo

jurídico.

Dopontodevistahistórico,partimosdasrelaçõesentrelegalidade

elegitimidade,cujadistinçãoaantigüidaderomanaeodireitoCanônico

ignoraramporcompleto.NoCodexJurisCanonici,segundoanota

Schmitt,apalavralegitimusaparececomfreqüência,aopassoque

legalissomente

ocorreemquatrolugareseassimmesmo

invariavelmentereferidaaodireitocivil.

Acisãolegalidadeelegitimidadetornou-sepatenteao

pensamentoeuropeudesde1815,quandosefezvivoeagudo,conforme

lembraaquelejurista,oantagonismoqueaFrançamonárquicapassou

atestemunharentrealegitimidadehistóricadeumadinastia

restauradaealegalidadevigentedoCódigonapoleônico.

Liberaiseconservadores,progressistasmoderadoscomfiliação

espiritualnaRevoluçãoFrancesaerealistasrestauradores,de

obstinadaconvicçãomonárquica,serepartiamemposiçõesadversas,

sustentandoosliberaisalegalidadedamonarquiaconstitucionaleos

conservadoresorequisitodelegitimidadedamesma,comoformade

Page 222: Ciência Política - Archive

poder.

OaugedacrisesesituanadeposiçãodeCarlosXenoadventode

LuísFelipe,quandoatesedalegalidadeseimpõeàdalegitimidade,nos

termoshistóricosetradicionaisemqueestaúltimasemprefora

tomada.Osdoisconceitosdaípordianteandamrelativamente

desacompanhados.

Acorrenteracionalista,provenientedaRevoluçãoFrancesa,que

transitaradoracionalismofilosófico,abstratoejusnaturalistaparao

racionalismopositivista,empíricoerelativistaoperouumasutil

transposiçãodetermos,fazendotodaalegitimidaderepousardoravante

nalegalidadeenãocomodantesalegalidadenalegitimidade.

Alei,segundoaexpectativaconfiantedoséculo,representavao

máximopoderdaRazãoemancipadora.Osjuristasdeíndoleliberal

fazem-lheocultodoantipaternalismo,dafémaisardentenasua

capacidadedeexprimiroprincípiocivilizador,ogovernodohomempor

simesmo(legouvernementdel’hommeparluimême),comorefere

Michelet,citadoporSchmitt.

Alei,queprincipiacomoautênticadeusadascrenças

revolucionárias,acaba,segundoSchmitteBertBrecht,prostituídanos

lábiosdosgangstersamericanos,quandoessesironicamentedãoa

palavradeordemdeque“otrabalhodeveserlegal”.1Igualmente“legal”,

Page 223: Ciência Política - Archive

conformereferiremosadiante,foitambémaascensãodeHitleraopoder

naAlemanhaeaimplantaçãodaditadurasocialistanaTchecoslováquia

peloPartidoComunista.E,noentanto,aleiaxiologicamentefundarahá

poucomaisdeumséculooprestígiodeumanovaordemsocial

exageradamenteconfiantenospoderesdaRazãoabstrataelibertadora.

Comaleidoscódigosburgueses,verdadeirostalismãsjurídicos

daexaltaçãorevolucionáriade1789,forapossívelbanirdajovem

sociedadeburguesaocultoincômodoerespeitosodopassado,a

inviolabilidadedoscostumes,asoberaniadatradição,oacatamento

dogmáticodetodaaautoridade,basessobreasquaisassentavaaliáso

poderdasantigasordensprivilegiadassobaégidedasrealezas

onipotentes.

Masduascriseshistóricasdeconsideráveisproporçõesvieram

aindaabater-sesobreoprincípiodalegalidadeelegitimidade.

ComoManifestodeMarxeosdesenvolvimentosulterioresda

teorizaçãodeLênin,TrotskieLukács,alei,queforaoCoroamento

doutrináriodoracionalismoeuropeu,apareceagoradegradadaa

instrumentodasociedadedeclasses,comoasuperestruturasocialda

opressãoburguesa,comoórgãodepermanênciadosprivilégios

econômicos,nãosendobonsrevolucionários,segundooconselhode

Lênin,reproduzidoporSchmitt,aquelesquenãosouberemuniros

Page 224: Ciência Política - Archive

meiosilegaisdelutaatodasasformaslegaisdetomadadopoder.

Despreza-sealeicomofimedelaseservecomomeio.

Alegitimidadedoordenamentojurídicoburguêséatacadaa

fundonessatomadadeposiçãodospensadoresrevolucionários

marxistas,quealargamcadavezmaisohiatoseparandoalegalidadeda

legitimidade,cujarupturatemexemplosdeantecedênciahistóricana

polêmicadosliberaiscomostradicionalistasconservadoresdoséculo

XIX.

Duranteonacional-socialismoacrisechegaaomáximograude

intensidade.Aquitemosconcretizadooexemplohistóricosupremode

umacorrentedeopinião,deumaideologia,deumpartidopolítico,cujos

chefes,semquebradalegalidade,tomaramopoderàsombradoregime

estabelecidoedeleseserviramdomodoquesenosafiguramais

ominosoemtodaahistóriadogênerohumano,ecujalegitimidade,

vistaouapreciadapeloscritériosdoracionalismoimperantena

doutrinajurídicadosmovimentosliberaisepositivistasdoséculoXIX,

pareceriairrepreensível.OmesmosepassounaTchecoslováquiacoma

tomadadopoderporumarevoluçãoaparentementepacífica,deteor

parlamentar,queinstauroualianovalegalidadeproletária.

5.Aconsideraçãofilosóficadoproblemadalegitimidade

Exemploscomoaquelesqueacabamosdecitarnosconvidamde

Page 225: Ciência Política - Archive

imediatoaretomaroproblemamedianteumsegundopontodepartida:

ofilosófico.

Dopontodevistafilosófico,alegitimidaderepousanoplanodas

crençaspessoais,noterrenodasconvicçõesindividuaisdesabor

ideológico,dasvaloraçõessubjetivas,doscritériosaxiológicosvariáveis

segundoaspessoas,tomandooscontornosdeumamáximadecaráter

absoluto,deprincípioinabalável,fundadoemnoçãopuramente

metafísicaquesevenhaaelegerporbasedopoder.

Alegitimidadeassimconsideradanãorespondeaosfatos,à

ordemestabelecida,aosdadoscorrentesdavidapolíticaesocial,

segundoomecanismoemqueestessedesenrolam—oqueseriajádo

âmbitodalegalidade—masinquireacercadospreceitosfundamentais

quejustificamouinvalidamaexistênciadotítuloedoexercíciodo

poder,daregramoral,medianteaqualsehádemoveropoderdos

governantesparareceberemereceroassentimentodosgovernados.

Quandoentramosafazerreflexõesacercadasrazõesqueregema

necessidadeouinevitabilidadedopoderpolíticonasociedade,e

indagamosporqueunsobedecemeoutrosmandam,oufiguramoso

caráterdepermanênciaoutemporariedadedopoderestatalcomo

ordemcoativa,estamosnaverdadelevantandoproposiçõesdecunho

filosóficopertinentesàlegitimidadedopodernoseuaspectode

Page 226: Ciência Política - Archive

finalismosocial.

Formula-sedeterminadadoutrinaacercadofundamentodopoder

edaobediência,e,medianteocritérioperfilhadonessadoutrina,mede-

seaseguiralegitimidadedeumaordempolíticaqualquer,seuteorde

veracidadeouerro,quehádevariarconsoanteatábuadosvalores

estabelecidossubjetivamente.Busca-seentãomenosopoderqueédo

quepropriamenteopoderquedeveriaser.

6.Osfundamentossociológicosdalegitimidade

OconceitodelegitimidadeexpressoporVedei,segundooqual

“chama-seprincípiodelegitimidadeofundamentodopodernuma

determinadasociedade,aregraemvirtudedaqualsejulgaqueum

poderdeveounãoserobedecido”noslevaassimsemnenhuma

intermitênciaàcompreensãosociológicadotermo.2

Aesserespeito,valeressaltaraimportânciaquetemo

entendimentosociológicodalegitimidade,aqualimplicasemprenuma

teoriadominantedopoder.Suscitandooproblemadaautoridade,em

termossociológicos,distingueMaxWeber,conformeveremos,três

formasbásicasdemanifestaçãodalegitimidade,quesãocapitaisparaa

explicaçãodetodososfenômenosdopoderobservadosemqualquer

tipodeorganizaçãosocial:acarismática,atradicionalealegalou

racional.

Page 227: Ciência Política - Archive

6.1Alegitimidadecomorepresentaçãodeumateoriadominantedopoder

Aobservaçãonosmostra,segundoDuverger,quenumacerta

épocaenumcertopaís,hásempreumateoriadominantedopoder,à

qualadereamassadosgovernados.

Ogoverno,erguidoàbasedessadoutrina,queimperano

assentimentodapopulação,serádopontodevistasociológicoogoverno

legítimo.

Nãocabemaqui,asseveraojuristafrancês,asdigressões

ideológicas,metafísicasedoutrináriasrelativamenteànaturezado

poder.Emconseqüência,desdequeoestudiosonadaafirmadefalsoou

verdadeirosobreocaráterdoprincípiodelegitimidadesocialmente

imperanteeapenasconsideraasdoutrinaspropagadasatravésdos

povosedasépocascomomerosfatossociológicos,quecumpreterem

contaeaveriguar,pelaadesãonelesrefletidadepartedasconsciências

individuais,ponderaeconcluiopublicistafrancêsqueassim

considerada,“alegitimidadesetornaumanoçãopuramenterelativae

contingente,cujoconteúdodependedascrençasefetivamente

espalhadasnumcertomomento,emdeterminadopaís”.3

Graçasaessecritério,fez-sepossível,segundoomesmoautor,

compreenderospontosdetransiçãohistóricaporquehápassadono

cursodacivilizaçãopolíticaocidentaloprincípiodalegitimidade,o

Page 228: Ciência Política - Archive

conflitotravadoentreodireitodivinodosreiseodireitodospovos,

entrealegitimidadeteocráticaealegitimidadedemocrática,domesmo

modoquehojesecontrapõe,numduelodepreponderância,a

legitimidadeburguesadopovoencarnadanoabstratoconceitodenação

ealegitimidadeproletáriacomassentonodogmadeclassesoberanae

predestinadaqueoproletariadoresume.4

6.2Astrêsformasbásicasdemanifestaçãodalegitimidade:a

carismática,atradicionalealegalouracional

Debaixodomesmoprismasociológico,MaxWeberfazquea

legalidaderepousesobretrêsformasbásicasdemanifestaçãoda

legitimidade:acarismática,atradicionalealegalouracional.

Essestrêstiposdepoderlegítimoabrangidonoclássicoesquema

deMaxWebertêmresumidamenteaexplicaçãoquesesegue,segundo

aspalavrasmesmasdocelebradosociólogo.

Aautoridadecarismáticaassentasobreas“crenças”havidasem

profetas,sobreo“reconhecimento”quepessoalmentealcançamos

heróiseosdemagogos,duranteasguerraseassedições,nasruasenas

tribunas,convertendoaféeoreconhecimentoemdeveresinvioláveis

quelhessãodevidospelosgovernados.Opodercarismáticosebaseia,

segundoosociólogo,nadiretalealdadepessoaldosseguidores.

Aautoridadecarismática,acrescentaMaxWeber,adespeitode

Page 229: Ciência Política - Archive

haversidoumadaspotênciasmaisrevolucionáriasdaHistória,

transformadoradossentimentosedestinosdepovosecivilizações

inteirasconservanassuasformasmaispurasocaráterautoritárioe

imperativo.5

Jáaautoridadetradicionalseapóianacrençadequeos

ordenamentosexistenteseospoderesdemandoedireçãocomportama

virtudedasantidade.Otipomaispuro,prossegueMaxWeber,éoda

autoridadepatriarcal,ondeogovernanteéo“senhor”;ogovernado,o

“súdito”eofuncionário,o“servidor”.

Afirmaosociólogo:presta-seobediênciaàpessoaporrespeito,em

virtudedatradiçãodeumadignidadepessoalquesereputasagrada.

Todoocomandoseprendeintrinsecamenteàtradição,cujaviolação

brutalporpartedochefepoderáeventualmentepôremperigoseu

própriopoder,cujalegitimidadesealicerçatão-somentenacrença

acercadesuasantidade.Acriaçãodeumnovodireitoemfacedas

normas

oriundas

da

tradição

é

em

Page 230: Ciência Política - Archive

princípio

impossível.6

Conseqüentemente,adireçãopolíticadomeiosocialgozadeuma

solidezeestabilidadequeseachasobadependênciaimediataedireta

doaprofundamentodatradiçãonaconsciênciacoletiva.

Quantoaoúltimotipo,odaautoridade“legal”,queinformatodaa

épocadoracionalismoocidental,temosopoderfundadonoestatuto,na

regulamentaçãodaautoridade.AquiasseveraMaxWeber:otipomais

puroéodaautoridadeburocrática.Suaconcepçãofundamentalse

resumenapostulaçãodequequalquerdireitopodesermodificadoe

criadoadlibitum,porelaboraçãovoluntária,desdequeessaelaboração

sejaformalmentecorreta.Aobediênciaseprestanãoàpessoa,em

virtudededireitopróprio,masàregra,quesereconhececompetente

paradesignaraquemeemqueextensãosehádeobedecer.7

Demais,opoderracionaloulegalcriaademaisemsuas

manifestaçõesdelegitimidadeanoçãodecompetência,opoder

tradicionaladeprivilégioeocarismático,desconhecendoesses

conceitos,dilataalegitimaçãoatéondealcanceamissãodochefe,na

medidadeseusatributoscarismáticospessoais,conformeobserva

aquelepensador.8

7.Oaspectojurídicodalegitimidade

Page 231: Ciência Política - Archive

Ultimandoatransiçãodosociológicoaojurídico,CarlSchmitt,o

maisconspícuojuristadaAlemanhacomprometidocomonacional-

socialismo,intentademonstrarqueapossedopoderlegalemtermosde

legitimidaderequersempreumapresunçãodejuridicidade,de

exeqüibilidadeeobediênciacondicionaledepreenchimentode

cláusulasgerais,cujaimportânciapráticaeteóricanãodeveser

ignoradapelateoriaconstitucionalnempelafilosofiadodireito,visto

quetantoservemdecritériodecontroledaconstitucionalidadeda

legislaçãocomodepontodepartidaaumadoutrinadodireitode

resistência.9

Foijustamenteafaltadetalconsciênciaalimentadanaformação

dopovoalemão,cultivadaentreosseusmagistrados,disseminadana

massadeservidorespúblicos,implantadanoespíritodadireçãopolítica

dopaís,referidatambémaospartidospolíticosdeliderança

democráticaerepublicana,aquiloquenahorafataldaconspiração

nazistaentregouaordemjurídicadaAlemanhaàditadura

inescrupulosa,desarmandodepoisosentimentoderesistênciada

naçãoàspráticascriminosaseviolentasdonacional-socialismo.

Schmittmesmofoivítimadessaemboscadahistóricadalegalidade

hitlerista,tendorazõespessoaisdesobra,porexperiênciadoutrinária,

paraacrescentarcomocorretivodemocráticoeconstitucionala

Page 232: Ciência Política - Archive

postulaçãodelimitesjurídicoseficazesàlegitimidadeinvocadapelos

titularesdopoderlegal.

Adoutrinamaisrecentedosautoresfranceses,jáemparte

examinada,conformevimos,sedistribui,quantoaoproblemada

legalidadeelegitimidadedosgovernos,nasseguintesposições:1)a

legalidadeétão-somentequestãodeforma;alegitimidade,questãode

fundo,substancial,relativaàconsonânciadopodercomaopinião

pública,decujoapoiodepende(Burdeau);

2)alegitimidadeénoçãoideológica,alegalidade,noçãojurídica;

dopontodevista,porém,daordemconstitucionalpositivaasduas

noções

coincidem

ou

se

confundem:

“um

governo

é

legal,

conseqüentementelegítimo,soboaspectododireito,desdequese

estabeleçademodoregular,conformeasregrasdaordemestatutária

Page 233: Ciência Política - Archive

nacional”,asaber,aoinstituir-sedeacordocomaConstituiçãoem

vigor;10casoporémvenhaacontrariaressasregras,quedeverão

presidirigualmenteaoseufuncionamento,semelhantegovernodeixará

deserlegal,perdendotambémsuacondiçãodelegítimo;11

3)legalidadeéaconformaçãodogovernocomasdisposiçõesde

umtextoconstitucionalprecedente,aopassoquealegitimidade

significaafielobservânciadosprincípiosdanovaordemjurídica

proclamada;alegalidadeseráassimumconceitoformal,alegitimidade,

umconceitomaterial,demaneiraque,segundoessaposição,um

governodefatofar-se-áeventualmentelegítimoseprocedersegundoas

regrasporelemesmoestabelecidas,fundamentandoumanovaordem

políticaouconstitucional(Duverger).

DeacordoporémcomadoutrinadeHauriou,maisantiga,“o

princípiodelegitimidadenãoéemsioutracoisasenãooprincípioda

transmissãodopoderconformealei.”12

Aludeopublicistafrancêsaosgovernoscomomerosdepositários

deumpoder,cujasedelegítimaseachanalei,naautoridade,na

competênciajuridicamentedefinida,daqualsãoinstrumentosou

servidoresobedientes,sendoalegitimidadeafielobservânciados

mecanismosdetransmissãodopoder.13

Quantoaopoderdefato,opoderrevolucionário,opoderque

Page 234: Ciência Política - Archive

emergedascrisesourupturasviolentasdaordemlegalvigente,a

doutrinadeHauriouconservaomesmocaráterjurídicoformal,

recusandoaessespodereslegitimidade,quesóseadquire

eventualmentenamedidaemqueosmesmos,umavezestabelecidos,

façam“aautoridadeeacompetênciaprevaleceremsobreopoderde

dominação”.Aobservânciaeadoçãodaordemjurídicaéaviaaberta

paraalegitimaçãodosgovernosoupoderesdefato.14

8.Alegitimidadenoexercíciodopoder

Alegitimidadeabrangeporúltimoduascategoriasdeproblemas

distintos.Oprimeiroproblemaserelacionacomanecessidadeea

finalidademesmadopoderpolíticoqueseexercenasociedadeatravés

principalmentedeumaobediênciaconsentidaeespontânea,enão

apenasemvirtudedacompulsãoefetivaoupotencialdequedispõeo

Estado—instrumentomáximodeinstitucionalizaçãodetodoopoder

político.

Vistadebaixodesseaspecto,alegitimidadedopodersóaparece

contestadanasdoutrinasanárquicas,nomeadamentenomarxismo,ao

passoqueasdemaisescolasconhecidasseempenhamemdar-lhepor

fundamentooraosimpulsosnaturais,orgânicosebiológicosdo

homem,oraoconsentimentolivrementeexpressoporumaassociação

devontades,comonasteoriasdocontratosocial,reconhecendo-seem

Page 235: Ciência Política - Archive

qualquerdasúltimasposiçõesmencionadas,porlegítima,aexistência

nasociedadedeumpoderpolíticoimpostoàsvontadesindividuais.

Seaexistênciadopoderpolíticonasociedadeseachalegitimada

comraraounenhumadiscrepância(sendoaúnicaexceçãoados

anarquistas)oproblemadalegitimidade,aocontrário,secomplica

quandoaquestãoversadaentraaseradoexercíciolegítimodopoder.

Trata-seaquideindicarofundamentodelegitimidadedogoverno

oudosgovernantes,manifestadocomoumdadohistóricoerelativo,

consoanteasdoutrinasouascrençasgeralmenteaceitasequelhes

servemdeesteio,modificáveisconformeaépocaouopaís.

NaIdadeMédia,essacrença-suportedalegitimidadefoiDeus,a

religião,osobrenatural,aopassoquecontemporaneamenteelavem

sendoopovo,ademocracia,oconsentimentodoscidadãoseaadesão

dosgovernados.

Masnãoseexaurenissooproblemadalegitimidadegovernativa.

Cumprepassaraosegundoproblema,odesabersetodogovernoélegal

elegítimoaomesmotempoequaisashipótesesconfigurativasde

desencontrodessesdoiselementos:legalidadeelegitimidade.

Comefeito,concebe-seperfeitamenteumgovernolegalqueseja

ilegítimo.Hajavistaoexemplofrancês,muitocitado,dogovernode

Petain,que,investidolegalmentenopoder,cedopatenteouseuinteiro

Page 236: Ciência Política - Archive

desacordocomossentimentoseesperançasevotosdopovofrancês.

Daíresultounegar-lheopaísadesãoeconsentimento,basesda

legitimidadepolítica.

JáogovernofrancêsdeDeGaullenoexílio,queemergiradas

lutasdalibertaçãonacional,foiem1944,comogovernoprovisórioda

Repúblicafrancesa,ogovernoilegalporémlegítimodopovofrancês.

Viaderegra,osgovernosquenascemdassituações

revolucionárias,dosgolpesdeEstado,dasconspiraçõestriunfantes,são

governosilegaismaseventualmentelegítimos,seabraçadoslogopelo

sentimentonacionaldeaprovaçãoaoexercíciodoseupoder.

Confirmadaaviabilidadedessesgovernos,alegitimidadefundaráentão

comotempoanovalegalidade.Eestahádeperdurar,conciliadano

binômiolegalidade-legitimidade,atéqueulteriorescomoçõesda

consciêncianacionaltragamcomaintervençãosúbitadecrises

imprevistaseprofundasparaaconservaçãodopoderaperdado

equilíbriopolíticodossistemaslegaisesuaconseqüentedestruição.

9.Alegalidadeelegitimidadedopodercomotemasdaciência

política

Oespinhosotemalegalidadeelegitimidadedopoderpolítico

abrangeumaliteraturajurídicadiminuta,apesardetratar-sede

matériacontrovertida,quesemprerepontanaconsciênciados

Page 237: Ciência Política - Archive

legisladores,dospolíticosedospensadoressociaisnashorasdecrise

dopoder,quandoseabreoinquéritodasrevoluções,dasditadurase

dosgolpesdeEstado,quandosequestionaacercadeestremecimentos

noprincípiodeautoridade,dequebraeafrouxamentodoslaçosde

obediênciaqueprendemosgovernadosaosgovernantes.

Dentreosestudosesparsosquecompõemapequenacontribuição

clássicasobreoassunto,faz-semisterressaltarolivrodeFerrero,

pertinenteaoantigoprincípiodelegitimidade15eodeLênin

(Esquerdismo,DoençaInfantildoComunismo),obracapitalcujo

desconhecimentotornaria“anacrônica”todaadiscussãoacercado

problemadalegalidade,conformejáadvertiuumconstitucionalista

alemão,bemcomoosestudosdeMaxWeber16eaintervençãodeCarl

Schmittsobreoassunto,em1932,noanocrucialdesuapolêmicacom

osconstitucionalistasdaRepúblicadeWeimar.17

Dosescritosmaisantigosaindaconservaalguminteressenos

diaspresentesodeautoriadeBenjaminConstantsobreoespíritode

conquistaeusurpação18emaisalgunsdiscursospolíticosdeWilson,

quandooPresidentedosEstadosUnidossustentouadoutrina

americanadalegitimidadedemocrática.

1.CarlSchmitt,LegalitaetundLegitimitaet,eDasProblemderLegalitaet.

2.GeorgesVedei,IntroductionauxÉtudesPolitiques,FascículoI,p.28.

Page 238: Ciência Política - Archive

3.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.39.

4.Idem,ibidem,p.39.

5.MaxWeber,Staatssoziologie,p.106.

6.Idem,ibidem,p.101.

7.MaxWeber,ob.cit.,p.9.

8.Idem,ibidem,p.105.

9.CarlSchmitt,“DasProblemderLegalitaet”,in:VerfassungsrechtlicheAufsaetze,pp.

440-451.

10.JulienLaferrière,ManueldeDroitConstitutionnel,2ªed.,p.838.

11.Idem,ibidem,p.838.

12.MauriceHauriou,PrincípiosdeDerechoPublicoyConstitucional,tradução

espanhola,2ªed.,s/d,p.198.

13.Idem,ibidem,p.198.

14.Idem,ibidem,p.200.

15.G.Ferrero,Potere.

16.MaxWeber.NocélebrecapítuloIX“WirtschaftundGesellschaft”partesegunda,

sobresociologiadopoder,daobraEconomiaeSociedade.4ªed.,pp.551-558.

17.CarlSchmitt,ob.cit.

18.BenjaminConstant.“De1’espiritdeConquêteetdel’usurpation”,in:Ouevres,p.

Page 239: Ciência Política - Archive

983es.

9

ASOBERANIA

1.Oproblemadasoberania—2.Formaçãohistóricadoconceitode

soberania—3.Afirmaçãoabsoluta,afirmaçãorelativaenegação

doprincípiodesoberania—4.Traçoscaracterísticosdasoberania

—5.Otitulardodireitodesoberania:asdoutrinasteocráticaseas

doutrinasdemocráticas—6.Doutrinasteocráticas:6.1Adoutrina

danaturezadivinadosgovernantes—6.2Adoutrinada

investiduradivina—6.3Adoutrinadainvestiduraprovidencial—

7.Asdoutrinasdemocráticas:7.1Adoutrinadasoberaniapopular

—7.2Adoutrinadasoberanianacional—S.Revisãodoconceito

desoberania.

Page 240: Ciência Política - Archive

1.OproblemadasoberaniaConsiderávelnúmerodepublicistascompreendenosdias

presentesasoberaniacomoumconceitohistóricoerelativo.

Histórico,porquantoaantigüidadeodesconheceuemsuas

formasdeorganizaçãopolítica.Hajavistaoexemplodapolisgrega,do

Estado-cidadenaGréciaclássica.Asoberaniasurgeapenascomo

adventodoEstadomoderno,semquenadaporoutrapartelhe

assegure,defuturo,acontinuidade.

Relativo,umavezquetomadodeinícioporelementoessencialdo

Estado—conformesucedeuaindaentrejuristasdoséculoXIX—raroo

autorhojequeapósostrabalhosexaustivosdeJellinekaindaseocupa

dasoberaniasoboprismadodireitointernacional,comodeumdado

essencialconstitutivodoEstado.HáEstadossoberanoseEstadosnão

soberanos.Dopontodevistaexterno,asoberaniaéapenasqualidade

dopoder,queaorganizaçãoestatalpoderáostentaroudeixarde

ostentar.

Dopontodevistainterno,porém,asoberania,comoconceito

jurídicoesocial,seapresentamenoscontrovertida,vistoqueéda

essênciadoordenamentoestatalumasuperioridadeesupremacia,a

qual,resumindojáanoçãodesoberania,fazqueopoderdoEstadose

Page 241: Ciência Política - Archive

sobreponhaincontrastavelmenteaosdemaispoderessociais,quelhes

ficamsubordinados.Asoberaniaassimentendidacomosoberania

internafixaanoçãodepredomínioqueoordenamentoestatalexerce

numcertoterritórioenumadeterminadapopulaçãosobreosdemais

ordenamentossociais.ApareceentãooEstadocomoportadordeuma

vontadesupremaesoberana—asupremapotestas—quedefluideseu

papelprivilegiadodeordenamentopolíticomonopolizadordacoação

incondicionadanasociedade.Estadooupoderestatalesoberaniaassim

concebidos,debaixodessepressuposto,coincidemamplamente.Onde

houverEstadohaverápoissoberania.

Acrisecontemporâneadesseconceitoenvolveaspectos

fundamentais:deumaparte,adificuldadedeconciliaranoçãode

soberaniadoEstadocomaordeminternacional,demodoqueaênfase

nasoberaniadoEstadoimplicasacrifíciomaioroumenordo

ordenamentointernacionale,vice-versa,aênfasenestesefazcom

restriçõesdegrauvariávelaoslimitesdasoberania,háalgumtempo

tomadaaindaemtermosabsolutos;doutraparte,acrisesemanifesta

soboaspectoeaevidênciadecorrentesdoutrináriasoufatosque

ameaçadoramentepatenteiamaexistênciadegruposeinstituições

sociaisconcorrentes,asquaisdisputamaoEstadosuaqualificaçãode

ordenamentopolíticosupremo,enfraquecendoedesvalorizandopor

Page 242: Ciência Política - Archive

conseqüênciaaidéiamesmadeEstado.

Emverdade,dopontodevistainterno,anegaçãodasoberaniado

Estado,sendoanegaçãodopróprioEstado,ocorremaisnasteorias

políticasdoanarquismoedomarxismo.Naordemdosfatosquese

desenrolamnumdeterminadoEstado,acomete-semenosaidéiado

Estado,dasoberaniadopoderpolítico,doqueumaformadeEstado,de

poderpolítico,deregimevigente.Aporfiapelopoderporpartede

partidos,órgãossindicais,ideologias,gruposcompactosdeopiniãoe

pressão,arrebatandoaoEstadopropriamenteditoautonomiae

iniciativa,criamcentrosmilitanteseconcorrentesdepoder,queantes

desujeitaremoEstado,atuamjáparalelamenteaeste,diminuindo-lhe

aautoridadeesupremacia,questionando-lheasoberania,tornando

enfimcríticoeproblemáticoodesempenhodaquiloquecompõea

essênciadaestatalidade,asaber,omonopóliosocialdacoação

organizada,opoderincontrastáveldeditá-laeimpô-laindistintae

irresistivelmenteatodososgrupossociais.

2.Formaçãohistóricadoconceitodesoberania

OEstadoantigonaconcepçãogregaeraumacomunidadesocial

perfeita,aúnicaorganizaçãopolítica,aquelaqueabrangiaohomemem

todaaexteriorizaçãoelarguezadesuavidasocial,caracterizando-se,

segundoAristóteles,comoautarquia,noçãointeiramentediversada

Page 243: Ciência Política - Archive

modernasoberaniaequepermitiadistinguiroEstadodasdemais

formasdesociedade.

RepresentavaoEstadoparaosantigosgregosaquelaambiência

socialondetodasasnecessidadeshumanassepudessemproverou

satisfazerplenamente,aquelaesferadotada,emsuma,deindispensável

auto-suficiêncianaqualsedesenrolavaoplanodevidadocidadão

grego.OEstado-cidadedesconheciaassimoconflitointernodos

poderessociais,arivalidadeintestinadeinstituições,grupos,facções

oupartidospolíticos,intentandoquebraraunidademonolíticado

Estado.Asociedadepolíticaqueignoravaconflitosdestaordem

compunhanapolisumtododetamanhahomogeneidadequeanenhum

pensadoroujuristaromanoocorreuadistinçãoentreEstadoemais

comunidadespolíticas,querdopontodevistaexterno,querdopontode

vistainterno.

AIdadeMédiacopioutão-somenteemcertamaneiraomodelo

imperialdeorganizaçãopolíticadopovoromano.OSantoImpério

Romano-Germânicofoiemgrandeparteabstração,nomepomposo,

reminiscênciasaudosa,maisquerealidadevivaeoperante,justificando

assimafrasedequemafirmouquepoucotinhaeledesantoequase

nadaderomanoemuitomenosdegermânico.

Comefeito,aquelaorganizaçãoimperial,queseestenderaaquase

Page 244: Ciência Política - Archive

todaacristandade,abrangiaentreoImpérioeoindivíduovastacamada

depoderesintermediários,deinstituiçõesprovidasdecompetência,de

comunidadespropiciandoodesenvolvimentointeriordeumavidasocial

autônoma.Aidadedomeioserevelahistoricamentecomoolongo

períodoemqueaidéiadeEstadoseapresentaamortecidaemfaceda

multiplicidadeecompetiçãodepoderesrivais.

Afrouxaunidadedopoderpolíticocentralizadosimbolicamente

napessoadoImperadorpadeceemsuaórbitamaislargaodesafioda

Igreja.AcúriaromanaeoImpériolutamentresi,pelasupremaciado

poderpolítico.Doisgládiossedefrontam,duasordenssehostilizam:a

ordemtemporaleaordemespiritual,acoroaeosacerdócio,Cristoe

César.Ospoderesautônomosdasordensintermediáriasjá

mencionadasestavamnominalmentesujeitosàautoridadesuperiordo

Império.Somenteeste,acujatestaseachavaoImperador,nãoficara

sujeitoanenhumajurisdição.Oprincípiodasoberaniacomeça

historicamente

por

exprimir

a

superioridade

de

Page 245: Ciência Política - Archive

um

poder,

desembaraçadodequaisquerlaçosdesujeição.Tomava-seasoberania

pelomaisaltopoder,asupremitas,queconstavajánalinguagemlatina

daIdadeMédia,portraçoessencialcomquedistinguiroEstadodos

demaispoderesrivais,quelhedisputavamasupremacianocursodo

períodomedievo.

IlustraaFrança,maisquequalqueroutropaís,odramahistórico

quegerouoconceitodesoberania.Essedramatevealiseupalco

principal.Aexpressãosouveraineté(soberania)éfrancesa.Ogrande

teóricodasoberaniavemaserBodin,cujosolhosestiveramsempre

presosàrealidadehistóricadesuapátria.OreideFrançaafirmava

externamentenaslutascomoImpérioeosacerdóciosua

independênciapolítica.Essefatopassaatraduzirparaopublicistaum

pensamentoqueselheafiguraessencialaoconceitodeEstado:ode

soberania.

AodefiniraRepúblicanaacepçãodeEstado,Bodinfizerada

soberaniaseuelementoinseparável.Senão,vejamos:Républiqueestun

droitgouvernementdeplusieursmenagesetdecequileurestcommun

avecpuissancesouveraine,1asaber,“aRepúblicaéojustogovernode

muitasfamílias,edoquelhesécomum,compodersoberano”.

Page 246: Ciência Política - Archive

Asoberaniaseconverte,conseqüentemente,numconceito

polêmico,umavezquepartindodapremissadeBodin,segundoaqual

nãoháEstadosemsoberania,ospublicistas,acordescomtalpontode

vista,deixamdetratá-lacomocategoriahistóricaepassamareputá-la

categoriaabsoluta,dogmadodireitopúblico,oqueéfalso;segundoa

conclusãodadoutrinadominantedesdeJellinekaosdiaspresentes.

3.Afirmaçãoabsoluta,afirmaçãorelativaenegaçãodoprincípio

desoberania

Acorrentemaiscopiosadospublicistascontemporâneosentende

queasoberaniaédadohistóricoerepresentaapenasdeterminada

qualidadedopoderdoEstado,qualidadequenemsequerconstitui

elementoessencialaoconceitodeEstado,podendohaverEstadoscom

ousemsoberania.Ocontrárioseriadeixarforadeexplicaçãoa

existênciadecomunidadespolíticasvassalas,queaHistóriaconheceu

sobadesignaçãodeEstado,bemcomorecusarcaráterdeEstadoàs

comunidadescomponentesdeumaFederação.

Aceitarporémasoberaniacomoqualidadedopoder,elemento

relativonãoessencial,oucategoriahistórica,arredando-seportantodas

posiçõesrígidasdosquecostumamtomá-laemtermosabsolutos,não

deveporoutroladosignificarseprofesseamesmaopiniãodePreuss,

DuguiteKelsenque,commaioroumenorintensidade,buscam

Page 247: Ciência Política - Archive

eliminarporinteirodateoriadoEstadooconceitodesoberania.

Considerandooaspectohistórico-relativistadasoberania,adotou

Jellinekaposiçãomaisseguidanadoutrinacontemporâneadodireito

públicoequeocolocaaigualdistânciadeBodineDuguit,ao

conceituarasoberaniacomo“capacidadedoEstadoauma

autovinculaçãoeautodeterminaçãojurídicaexclusiva”.2

CorrigiuJellinekoabusocontidonaconcepçãodeBodine

removeuoprincipalobstáculodavelhadoutrinafrancesa,quefaziada

soberaniaumpoderabsoluto,ilimitado,incontrastável.

Jávimos,emparte,asdificuldadesqueconcorremparafazer

obscuroecontroversooconceitodesoberania,desdequeoaceitemos

comocategoriaabsolutanostermosdavelhaconcepçãodeBodin.

Essasdificuldadessãoresumidamenteaimpraticabilidadequedaí

decorreriaparaexplicaraexistênciadodireitointernacionalea

impossibilidadeademaisdeatribuircaráterdeEstadoacertos

ordenamentospolíticoscomoosquefazempartedeumaFederação.

Masnãoparamaquiosembaraçoslevantadosaesseconceito,aos

quaissevêmsomardemodonãomenostormentosoosquedizem

respeitoàsededopodersoberano,asaber,seasoberaniaédorei,da

nação,dopovooudeumaclassenasociedade.

4.Traçoscaracterísticosdasoberania

Page 248: Ciência Política - Archive

Asoberaniaéunaeindivisível,nãosedelegaasoberania,a

soberaniaéirrevogável,asoberaniaéperpétua,asoberaniaéumpoder

supremo,eisosprincipaispontosdecaracterizaçãocomqueBodinfez

dasoberanianoséculoXVIIumelementoessencialdoEstado.

Nalinhadepensamentodograndejuristadamonarquiafrancesa

hálogoumaconstantevisível:firmarasoberaniacomopoder

incontrastável.Porqueanecessidadedeafirmarasoberaniacomo

poderincontrastável?Pormotivossobretudodeordemhistórica.

OEstadomoderno,cujonascimentotestemunharamteoristas

políticosdaenvergaduradeBodin,precisavadeimpor-se.Suaformação

vinhaprecedidadosantagonismosdaIdadeMédiaentreopoder

espiritualeopodertemporal,entreoimperadorgermânico-romanoeos

novosreisquesurgiamdadecomposiçãodosfeudos.Sobreessa

decomposiçãoselevantavanovaordemdeagregaçõespolíticasmais

prestigiosas.DemodoqueumpodernovosefirmounoEstadomoderno

eestepoderfoiopoderdosmonarcasindependentes;poderabsoluto,

queprecisavadejustificativateórica.

Ateoriadasoberaniacomopodersupremo,comsedena

monarquia,surgeentãocomoamaisfascinantedasteorias,aque

vence,aquemaisproselitismofaznasuaépoca.Bodinassentaa

doutrinadessepodersupremotendoemvistasobretudosuas

Page 249: Ciência Política - Archive

implicaçõesnasrelaçõescomoutrosEstados.Hobbes,porsuavez,

procedeàteorizaçãodopodersoberanoparalegitimarinternamentea

supremaciadomonarcasobreossúditos.

5.Otitulardodireitodesoberania:asdoutrinasteocráticaseas

doutrinasdemocráticas

Tem-sefeitodistinçãoentreasoberaniadoEstadoeasoberania

noEstado.

ComaexpressãosoberaniadoEstadobusca-sesobretudo

assinalarapreeminênciadogrupopolítico—oEstado,seuascendente

hierárquico—sobreosdemaisgrupossociaisinternosouexternoscom

osquaissedefrontaeafirmaacadapasso,equesãodopontodevista

internocomunidadeshumanascomoaigreja,aescola,afamília,etc,e

dopontodevistaexterno,acomunidadeinternacional.

AsoberanianoEstadodizrespeitoporconseqüênciaàquestão

doselementosecaracterísticosdopoderestatalqueodistinguem,

consoanteassinalamos,dosdemaispodereseinstituiçõessociais.

AsoberanianoEstadoformariaaorevésoutracategoriade

problemasderelevanteimportância,concentradossumariamentena

determinaçãodaautoridadesupremanointeriordoEstado,na

verificaçãohierárquicadosórgãosdacomunidadepolíticaesobretudo

najustificaçãodaautoridadeconferidaaosujeitooutitulardopoder

Page 250: Ciência Política - Archive

supremo.

AutoreshácomoDuguitquereputaminsolúvelesseteorema

políticodesubjetivaçãododireitodesoberania.Oproblemadesaber

queméosujeitododireitodesoberaniasecomplicaaliásdesdeas

origenshistóricasdasoberania,quandonenhumadistinçãorigorosase

faziaentreapessoadoEstadoeadosgovernantes,conduzindoassim

aoempregoindiferentedapalavrasoberaniaparadesignar,comoainda

acontecenosdiaspresentes,oradeterminadapropriedadedoEstado

nassuasrelaçõescomoutrossujeitosdaordemjurídica,oraaposição

jurídicadecertaspessoasnoEstado.3

Asváriasdoutrinaspertinentesàjustificaçãodosujeitododireito

desoberanianoEstado,dotitularnoqualseachainvestidaa

soberania,têmumaseqüênciahistóricaeumaraizpolíticaesociológica

patente,desdobrando-sedesdeasoberaniadomonarca,naaurorado

Estadomoderno,àsconcepçõesmaispróximaserecentesdasoberania

danação,doorganismoestataledaclasse,podendoserapreciadasde

umpontodevistahistórico,jurídico,filosóficoesociológico.

Oproblemaportantodelegitimarasoberanianapessoadeseu

titularedomesmopassoexplicaraorigemdopodersoberanotem

suscitadohistoricamenteváriasdoutrinas,começandocomasque

sustentamodireitodivinodosreisatéasqueassentamnopovoasede

Page 251: Ciência Política - Archive

dasoberania.Dividem-seportantoemdoisgrupos:doutrinas

teocráticasedoutrinasdemocráticas.

Asdoutrinasteocráticastêmumpontocomum:abasedivinaque

emprestamaopoder.Apresentamtodaviaconsideráveisvariações,que

assinalamodesenvolvimentodaconcepçãoteocráticadasoberania,

comrespeitoaopapeldosgovernantesnodesempenhodopoder.

Quantoàsdoutrinasdemocráticas,sãoestasmaisumcapituloda

obracriadoradogêniopolíticoeuropeu,cujainfluênciafoitãogrande

naformaçãodoEstadomoderno.

Osprincípiosqueassentamnopovoafonteincontroversadetodo

opoderpolíticohaviamgerminadonaobradeteólogoscatólicos

medievais,nateoriacontratualdeHobbesenadoutrinados

reformadoresprotestantesdoséculoXVII,logoseguidospelosjuristas

daEscoladoDireitoNaturaledasGentes,porJean-JacquesRousseau,

bemcomopelosenciclopedistasepelosconstituintesfrancesesda

Revolução,emcujasreflexõesemáximasdecomportamentoe

organizaçãopolíticadasociedadeamadurecemdoutrinascapitaisede

tododistintasemseusefeitos:adoutrinadasoberaniapopularea

doutrinadasoberanianacional.

6.Adoutrinasteocráticas

6.1Adoutrinadanaturezadivinadosgovernantes

Page 252: Ciência Política - Archive

Amaisexageradaerigorosadessasdoutrinaséaquefazdos

governantesdeusesvivos,reconhecendo-lhesatributosecaráterde

divindade.Osmonarcascomotitularesdopodersoberanosãoseres

divinos,objetodecultoeveneração.Ahistóriaandacheiadeexemplos

dereisquefielmenteprofessavamessadoutrinaesereputavam

divindades,comoosfaraósdoEgito,osimperadoresromanos,os

príncipesorientaiseatémesmooImperadordoJapãoatéaofimda

SegundaGuerraMundial.4

NaFrançadoancienrégime,anteriorportantoàRevolução

Francesa,haviaquemabraçassecomardoressamesmacrençanoteor

divinodosreis,comoconstadaseguintedeclaraçãodoclerogalicano,

segundoaqual“osreisnãoexistemapenaspelavontadedeDeussenão

queelesmesmossãoDeus:ninguémpoderánegaroutergiversaressa

evidênciasemincorreremblasfêmiaoucometersacrilégio”.5

Omesmopensamentoreaparecenasaudaçãoqueemnomedo

ParlamentoOmerTalonfaziaaLuísXIV,comemorandooadventodo

novorei:“OassentodeVossaMajestadenosfiguraotronodeDeus

vivo...Asordensdoreinovostributamhonraerespeitocomoauma

divindadevisível”.6

Page 253: Ciência Política - Archive

6.2AdoutrinadainvestiduradivinaSaindoporémdessaextremidadedaconcepçãoteocrática,

depara-se-nosadoutrinacristãdainvestiduradivinadosreis,os

quais,conservandoemboraograumaisaltodeeminênciaemajestade,

nãosesupõemforadacondiçãohumana,comopartícipesnadivindade.

Reputam-setodaviadelegadosdiretoseimediatosdeDeus,recebendo

desteainvestiduraparaoexercíciodeumpoderqueporsuanatureza

seconcebecomodivino.Sãoosmonarcasnaterraosexecutores

irresistíveisdavontadedeDeus.Cumpreaospovosprestar-lhescega

obediênciadadaaorigemdivinadopoder.Osmonarcassão

responsáveisunicamenteperanteDeus,jamaisperanteoshomens.

QuandoLuísXIV,escrevendosuasMemórias,expressarigorosamentea

mesmaidéiaeLuísXV,numcélebreedito,afirmaquesuacoroanão

derivadeninguémsenãodeDeusequeodireitodefazerasleislhe

competecomexclusividade,temosaísegundoDuguit,citadopor

Villeneuve,amaiscompletaeacabadaimagemda“puradoutrinado

direitodivino”sobrenatural.7

Emsuma,essavariantedopensamentoteocráticonãosomente

entendeopodercomoinstituídoporDeusparaconservaçãoda

sociedade,senãoquefazdaescolhadesteoudaquelegovernante,neste

Page 254: Ciência Política - Archive

ounaquelepaís,umatodavontadedivina.DesignadasporDeuspara

osexercíciosdaautoridadeasdinastiasrevestemcarátersagrado.

Adoutrinadodireitodivinosobrenaturalestevegrandementeem

voganoséculodeLuísXIVesepropagoudomesmomodoentreos

reformadoresprotestantesque,desdeCalvino,aempregavampara

lisonjearofavormonárquicoeeliminaroudiminuirainfluênciaeo

prestígiotemporaldacortepontifícia.8

Page 255: Ciência Política - Archive

6.3AdoutrinadainvestiduraprovidencialAfundamentaçãoreligiosadasoberania,quedantesjásefizera

comateoriadanaturezadivinadosgovernanteseaseguircomateoria

dainvestiduradivina,seconverteporúltimonateoriadainvestidura

providencial,queseassinalaporadmitirapenasaorigemdivinado

poder,tornandocadavezmaisbrandaaintervençãodadivindadeem

matériapolítica,cujalegitimidadeseresumenaobservância

escrupulosadobemcomum.

Essadoutrina,quesepodereputarrepresentativadoverdadeiro

espíritodaigrejacristã,vemdosantigosapóstolosetomaseus

contornosmaisdefinidosnopensamentodeSantoTomásdeAquino,

quandoestedistingueoprincípiodopoder,dedireitodivino,segundoo

apóstoloPaulo,domodoconsoanteoqualseadquireessepodereouso

quedelefazopríncipe,osquaissãodedireitohumano.9

Fazendodadesignaçãodosgovernantesobradoshomensenão

dadivindade,ateoriadainvestiduraprovidencialalcançadeimediato

umresultadocabalevisívelqueaseparadasduasposições

antecedentesdopensamentoteocrático:odaeventualparticipaçãodos

governadosnaescolhadosgovernantes.

Quebrou-seassimarigidezdasimplicaçõesautocráticas

Page 256: Ciência Política - Archive

decorrentesdasteoriasmonárquicasdodireitodivinoetornou-se

possívelconciliarosprincípiosteológicosdasoberaniacomos

postuladosdemocráticospertinentesàsedeeaoexercíciodopoder

político.Asdoutrinasdodireitodivinoprovidencialcontamentreseus

maisconspícuosadeptosnoséculopassadoospensadoresdareação

românticafrancesaJosephdeMaistreeBonald,queviamemDeuso

guiaprovidencialdasociedadehumana.

7.Asdoutrinasdemocráticas

Page 257: Ciência Política - Archive

7.1AdoutrinadasoberaniapopularAdoutrinadasoberaniapopular,aprimeiraeinconfundivelmente

amaisdemocráticadasdoutrinasemexamenãopostula

necessariamenteumaformarepublicanadegoverno,tantoqueHobbes

adesenvolveuparaderivardavontadepopularnasuateoriado

contratosocialajustificaçãodopodermonárquicoeRousseau,com

maiordesabusoenãomenosrigor,fê-lacompatívelcomtodasas

formasdegoverno,comoseprecatadamentequisessecorrigirjáoerro

dosquenoséculopassadoeaindanosdiaspresentesfizerama

democraciainseparáveldoliberalismo,quandoeste—oliberalismo—

significaapenasumadesuasvarianteseincontrastavelmenteaquela

quecommenosfidelidadereproduzaimagemeexpressãodavontade

populareaplenitudeportantodoprincípiodemocrático.

Asoberaniapopular,segundooautordoContratoSocialeseus

discípulos,étão-somenteasomadasdistintasfraçõesdesoberania,

quepertencemcomoatributoacadaindivíduo,oqual,membroda

comunidadeestataledetentordessaparceladopodersoberano

fragmentado,participaativamentenaescolhadosgovernantes.

Essadoutrinafundaoprocessodemocráticosobreaigualdade

políticadoscidadãoseosufrágiouniversal,conseqüêncianecessáriaa

Page 258: Ciência Política - Archive

quechegaRousseau,quandoafirmaqueseoEstadoforcompostode

dezmilcidadãos,cadaumdelesteráadécimamilésimaparteda

autoridadesoberana.10

Aconcepçãodasoberaniapopular,postoqueseapóieem

reflexõescontraditóriaseinsustentáveisdaquelefilósofopolítico,tevea

máximainfluêncianodesdobramentoulteriordasidéiasdemocráticas,

nomeadamentenoquedizrespeitoàprogressivauniversalizaçãodo

sufrágio,tomadoestenaslutasconstitucionaisdoséculopassadoe

desteséculo,porpartedosreformadoresmaisradicaiseprogressistas,

comoaverdadeiraespinhadorsaldosistemademocrático.

Page 259: Ciência Política - Archive

7.2AdoutrinadasoberanianacionalOspublicistasfrancesesdaprimeirafasedaRevolução—aque

vaide1789a1791—nãoficaramindiferentesàsconseqüênciasque

emboalógicaderivariamdaquelaposiçãorousseauniana,comaqualse

conduziriaoelementopopularàplenitudedopoderpolíticoeao

eventualdespotismoeonipotênciadasmultidões.

Cumpriadaraoproblemadasoberaniasoluçãojurídica,políticae

social,concebidaemtermosdeparticipaçãolimitadadavontade

popular,queevitassedeumaparteacontinuaçãodoregime

monárquicoautocráticoedeoutrapartecoibisseosexcessosemquese

despenhariaaautoridadepopular,casolhefosseconferidoopleno

exercíciodopoder.

Osiniciadoresdomovimentorevolucionáriocontraoancien

régimesefizeraminstrumentosconscientesdeumaburguesia

deliberadaapleitearodomíniopolíticodasociedadefrancesa,depoisde

haveralcançadoamáximapreponderânciaeconômicaemtrêsséculos

deflorescentedesenvolvimentomaterial,deprofundastransformações

nasrelaçõesdaprodução,deintensificaçãonuncavistadocomércioe

daindústria,movidosporforçasquesepultavamnassuasmesmas

ruínasaantigasociedadefeudal,cerrandoparasempreseus

Page 260: Ciência Política - Archive

estreitíssimoshorizonteseconômicos.

EssasforçasfaziamaRevoluçãoemnomedoterceiroestado—a

ordemburguesa—emboraarvorassemabandeiradeumpoderque

inculcavaextrairdopovotodaasualegitimidade.

Adoutrinademocráticadasoberaniaqueospoderesda

RevoluçãofundaramefizeramprevalecernaAssembléiaConstituintefoi

adoutrinadasoberanianacional.ANaçãosurgenessaconcepçãocomo

depositáriaúnicaeexclusivadaautoridadesoberana.Aquelaimagem

doindivíduotitulardeumafraçãodasoberania,commilhõesde

soberanosemcadacoletividade,cedelugaràconcepçãodeumapessoa

privilegiadamentesoberana:aNação.PovoeNaçãoformamumasó

entidade,compreendidaorganicamentecomosernovo,distintoe

abstratamentepersonificado,dotadodevontadeprópria,superioràs

vontadesindividuaisqueocompõem.

ANação,assimconstituída,seapresentanessadoutrinacomo

umcorpopolíticovivo,real,atuante,quedetémasoberaniaeaexerce

atravésdeseusrepresentantes.

Adistinçãosensívelecapitalentreasduasdoutrinas

democráticasdasoberaniasefazsentirsobretudoquantoaosefeitosda

faculdadedeparticipaçãopolíticadoeleitorado,queaquiselimita,

circunscritoàquelesqueaNaçãoinvestirnafunçãodeescolhados

Page 261: Ciência Política - Archive

governanteseali,nadoutrinadasoberaniapopular,seuniversalizaa

todososcidadãoscomodireitoquelhescabeporsercadaindivíduo

portadoroutitulardeumaparceladasoberania.

Adoutrinadasoberanianacionaldominouquasetodoodireito

políticodaFrançapós-revolucionárianaidadeliberaldeseu

constitucionalismo.ARevoluçãoproclamouesseprincípiocomtodaa

solenidadedesuasleisemdoisartigoscélebresdosDireitosdoHomem

de1789edaConstituiçãode1791,respectivamente.

Comefeito,oartigo3°daDeclaraçãoasseveraque“oprincípiode

todaasoberaniaresideessencialmenteemaNação”eque“nenhuma

corporação,nenhumindivíduopodeexercerautoridadequedelanão

emaneexpressamente”.

Aessaardenteprofissãodefénasoberanianacionalsucedeo

artigo1°,títuloterceirodaConstituiçãode1791,quereiteraomesmo

pensamento,apósprecisaroscaracteresessenciaisdasoberania:“A

soberaniaéuna,indivisível,inalienáveleimprescritível.Pertenceà

nação;nenhumaseçãodopovo,nenhumindivíduopodeatribuir-se-lhe

oexercício”(Art.1ºdoTítuloIIIdaConstituiçãoFrancesade1791).

8.Revisãodoconceitodesoberania

Comotodoconceitodeciênciapolíticaadoutrinadasoberania

passouporlargodesdobramentoetambémporminuciosarevisão.

Page 262: Ciência Política - Archive

Hájuristas,sociólogosepensadorespolíticosqueentendem

tratar-sedeumconceitojáemdeclínio.Hoje,porexemplo,conforme

algunspublicistas,asideologiaspesammaisnasrelaçõesentreos

Estadosdoqueosentimentonacionaldesoberania.

Produzemasideologiastamanhasolidariedadeentreindivíduos

depaísesdiferentesqueacabamporestreitá-losnumvínculode

consciênciamaisapertadoqueolaçodenacionalidade.Muitasvezes,

contemporaneamente,dizDuverger,exprimindoessamesmaidéia,

numaanálisedesurpreendenteacuidade,indivíduosdeEstados

distintosatuamcommaiscompreensãoeentendimento,àbasede

convicçõespolíticasidênticas,doquetangidospormotivosdeordem

pátria.11Dizissoopensadorfrancêsparamostrarcomoos

fundamentosnacionaisdasoberaniahãosidoacometidose

enfraquecidosporfatoresdiversosnahorapresente.

Outromotivoqueconcorrefortementeparaabateroprincípiode

soberaniaéanecessidadedecriarumaordeminternacional,vindoessa

ordematerumprimadosobreaordemnacional.

Osinternacionalistassãohomensquevêemsemprecom

suspeiçãooprincípiodesoberania.Nãoapenascomsuspeição,senão

comoseforaeleobstáculoàrealizaçãodacomunidadeinternacional,à

positivação

Page 263: Ciência Política - Archive

do

direito

internacional,

à

passagem

do

direito

internacional,deumdireitodebasesmeramentecontratuais,apoiado

emprincípiosdedireitonatural,defundamentostão-somenteéticosou

racionais,aumdireitoquecoercitivamentesepudesseimporatodosos

Estados.

1.AdefiniçãoabreocapítuloIdoLivroPrimeirodaobradeJeanBodin,LessixLivres

delaRépublique.Veja-seaediçãode1961,fac-similada,daScienciaAalen,que

reproduzotextodaediçãode1583,aparecidaemParis.

2.G.Jellinek,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,p.495.

3.GeorgMeyer,LehrbuchdesDeutschenStaatsrechts,3ªed.,p.15.

4.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,Paris,p.33.

5.M.Lacourt-Gavet,ApudMarceldelaBignedeVilleneuve,TraitéGénéraledel’État,

1929,p.280.

Page 264: Ciência Política - Archive

6.Funck-Brentano,ApudMarceldelaBignedeVilleneuve,ob.cit.,p.280.

7.Duguit,apudM.delaBignedeVilleneuve,ob.cit.,p.27.

8.GeorgesBurdeau,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,7ªed.,p.94.

9.M.delaBignedeVilleneuve,ob.cit.,p.281.

10.J.J.Rousseau,DuContratSocial,liv.III,cap.I,p.274.

11.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,2ªed.,pp.72-73.

10

ASEPARAÇÃODEPODERES

l.Origemhistóricadoprincípio:soberaniaeseparaçãodepoderes

—2.Osprecursoresdaseparaçãodepoderes—3.Adoutrinada

separaçãodepoderesnaobradeMontesquieu—4.Ostrês

poderes:legislativo,executivoejudiciário—5.Astécnicasde

controlecomocorretivoparaorigorerigidezdaseparaçãode

poderes—6.Primadodaseparaçãodepoderesnadoutrina

constitucionaldoliberalismo—7.Embuscadeumquartopoder:o

moderador—8.Declínioereavaliaçãodoprincípiodaseparação

depoderes.

1.Origemhistóricadoprincípio:soberaniaeseparaçãode

poderes

Oprincípiodaseparaçãodepoderes,tantoquantooda

Page 265: Ciência Política - Archive

soberania,demandadocientistapolíticooindispensávelexameda

ambiênciahistóricaemquesegerou,foradaqualsefazdetodo

incompreensível,quernaidadeemqueseelevouàalturadedogma

constitucional—oséculoXIX—,quernosdiaspresentes,que

testemunhamjáodeclíniodainfluênciaauferidanaspassadasquadras

doliberalismo.

Essadimensãodahistoricidadedoprincípioéválidaporquenos

ajudaaexplicarsuaapariçãonoséculoXVIIIeseuulterior

desdobramento

e

implantação

nos

textos

constitucionais

de

inumeráveisEstadosdoorbepolíticoocidental.

Comefeito,observava-seemquasetodaaEuropacontinental,

sobretudoemFrança,afadigaresultantedopoderpolíticoexcessivoda

monarquiaabsoluta,quepesavasobretodasascamadassociais

interpostasentreomonarcaeamassadesúditos.

Arrolavamessascamadasemseusefetivosaburguesiacomercial

Page 266: Ciência Política - Archive

eindustrialascendente,apardanobreza,queporseuturnoserepartia

entrenobressubmissosaotronoeescassaminoriadefidalgos

inconformadoscomarigidezeosabusosdosistemapolíticovigente,já

inclinadoaoexercíciodepráticassemidespóticas.

OséculoXVIIserviradeapogeuàjustificação,propagaçãoe

consolidaçãodadoutrinadasoberania.Estadoutrinaextraiu-sede

umaimposiçãocasuístadopoder—opoderdomonarca,

gradativamenteedificadoeampliadoeafirmadonocursodas

dissensõeseantinomiasmedievas,comoabsolutoesupremo,querdo

pontodevistainterno,querdopontodevistaexterno.Externamente,

fundava-seaindependênciadoEstadomoderno,favorecidopelos

antigoscombatesdoImperadorgermânicocomopontíficeromanoe

internamenteerguia-seumcentrodeautoridadeincontrastávelna

cabeçavisíveldomonarcadedireitodivinooudepoderesabsolutos.

Comasoberaniasechegarapoisàsoluçãopolíticadaexistência

doEstadomoderno,distintodoantigoEstadomedievo.

AsoberaniadeinícioéamonarquiaeamonarquiaoEstado,a

saber,umacertamassadepoderesconcentrados,quenãolograram

todaviainauguraraindaafasedeimpessoalidade,caracterizadorado

modernopoderpolíticoemsuasbasesinstitucionais.Talfasesósevem

aalcançar,napartecontinentaldaEuropa,comasdoutrinaseas

Page 267: Ciência Política - Archive

revoluçõesdondesurgesubseqüentementeochamadoEstadode

direito.Asoberaniasefazdogma.Aautoridadedomonarcaesplende.O

Estadomodernoseconverteemrealidade.Masasociedadeseacha

longedetodoorepouso.Opoderabsolutounificaraemtermospolíticos

anovasociedade,dandofulminanteréplicaàantigadispersãomedieva.

AordemeconômicadaburguesiaseimplantanoOcidenteeos

reisconferem-lhetodasortedeproteção.Omercantilismocomopolítica

econômicadoséculocorreparaleloàidadedeapogeudamonarquia

absoluta.Comapráticamercantilista,osmonarcasfazemoprimeiro

intervencionismoestataldostemposmodernos:subsidiamempresase

companhiasdenavegação,fomentamocomércioeaindústria,

amparamaclasseempresarial,robustecemopatronato,conhecemo

capitalmasignoramaindaotrabalho,fazemalegislaçãoindustrialdo

empresárioburguês,enemdelevesuspeitamqueoEstadocontraiao

mesmopassoasupremadívidadefazerumdiatambémalegislação

socialdoproletariadoquevaidespontar,ajudamenfimoprivilégio

econômicodaburguesiaacrescereprosperar,atéaosdiasemquese

volveele,arrogante,contraadecrepitudepolíticadavelharealeza.

IstosepassaránoséculoXVIII.Dopontodevistainterno,a

antigadoutrinadasoberania,emtermospessoais,seconvertenum

anacronismo.Porquerazões?Vamosintentarexplicá-las.

Page 268: Ciência Política - Archive

Opodersoberanodomonarcaseextraviaradosfinsrequeridos

pelasnecessidadessociais,políticaseeconômicascorrentes,comos

quaisperderatodaaidentificaçãolegitimativa.Mudaramaquelesfins

porimperativodenecessidadesnovasetodaviaamonarquia

permaneceraemseucaráterhabitualdepodercerrado,poderpessoal,

poderabsolutodacoroagovernante.Comotal,vaiessepoderpesar

sobreossúditos.Invalidadohistoricamente,servetão-somenteaos

abusospessoaisdaautoridademonolíticadorei.

Aempresacapitalista,comaburguesiaeconomicamente

vitoriosa,dispensavaosreis,nomeadamenteosmonarcasdaversão

autocrática.OreieraoEstado.OEstado,intervencionista.O

intervencionismoforaumbemeumanecessidade,masdesúbito

aparecerátransfeitonumfantasmaqueopríncipeemdelíriode

absolutismo

poderia

improvisamente

soltar,

enfreando

o

desenvolvimentodeumaeconomiajáconsolidada,deumsistema,como

odaeconomiacapitalista,que,àquelaaltura,antesdemaisnada

Page 269: Ciência Política - Archive

demandavaomáximodeliberdadeparaalcançaromáximode

expansão;demandavaportantomenosopaternalismodeumpoder

obseqüentemasciosodesuasprerrogativasdemando,doquea

garantiaimpessoaldalei,emcujaformaçãoparticipasseativae

criadoramente.

Todosospressupostosestavamformadospoisnaordemsocial,

políticaeeconômicaafimdemudaroeixodoEstadomoderno,da

concepçãodoravanteretrógradadeumreiqueseconfundiacomo

Estadonoexercíciodopoderabsoluto,paraapostulaçãodeum

ordenamentopolíticoimpessoal,concebidosegundoasdoutrinasde

limitaçãodopoder,medianteasformasliberaisdecontençãoda

autoridadeeasgarantiasjurídicasdainiciativaeconômica.

2.Osprecursoresdaseparaçãodepoderes

Oprincípiodaseparaçãodepoderes,detantainfluênciasobreo

modernoEstadodedireito,emboratenhatidosuasistematizaçãona

obradeMontesquieu,queoempregouclaramentecomotécnicade

salvaguardadaliberdade,conheceutodaviaprecursores,jána

antigüidade,jánaIdadeMédiaetemposmodernos.

DistinguiraAristótelesaassembléia-geral,ocorpodemagistrados

eocorpojudiciário;MarsíliodePáduanoDefensorPacisjáperceberaa

naturezadasdistintasfunçõesestataiseporfimaEscoladeDireito

Page 270: Ciência Política - Archive

NaturaledasGentes,comGrotius,WolfePuffendorf,aofalarempartes

potentialessummiimperii,seaproximarabastantedadistinção

estabelecidaporMontesquieu.

EmBodin,SwifteBolingbrokeaconcepçãodepoderesquese

contrabalançamnointeriordoordenamentoestataljáseachapresente,

mostrandoquãopróximoestiveramdeumateorizaçãodefinidaaesse

respeito.

Locke,menosafamadoqueMontesquieu,équasetãomoderno

quantoeste,notocanteàseparaçãodepoderes.Assinalaopensador

inglêsadistinçãoentreostrêspoderes—executivo,legislativoe

judiciário—ereporta-setambémaumquartopoder:aprerrogativa.Ao

fazê-lo,seupensamentoémaisautenticamentevinculadoà

ConstituiçãoinglesadoqueodoautordeDoEspíritodasLeis.

Aprerrogativa,comopoderestatal,competeaopríncipe,queterá

tambémaatribuiçãodepromoverobemcomumondealeiforomissa

oulacunosa.1

3.AdoutrinadaseparaçãodepoderesnaobradeMontesquieu

AssimcomoaInglaterraconheceraLockeporpensadorpolíticodo

contra-absolutismo,vazadonainspiraçãoindividualistadosdireitos

naturaisoponíveisaoEstado,aFrançavaiconhecer,comogêniode

Montesquieu,acriaçãonaobraDoEspiritodasLeisdatécnicade

Page 271: Ciência Política - Archive

separaçãodepoderes,queresumeoprincípioconstitucionaldemaior

vogaeprestígiodetodaaidadeliberal.

ConstahaverMontesquieucometidoequívocofundamental

quandopropôsaConstituiçãodaInglaterraporexemplovivorelativoà

práticadaqueleprincípiodeorganizaçãopolítica,porquantonailha

vizinhaoqueefetivamentesepassavaeraocomeçodaexperiência

parlamentardegoverno,esbatendotodaadistinçãodepoderes.

Masressaltamosbonstratadistasqueseerrohouve,esseerrohá

detersidofecundo,vistoqueenriqueceuoconstitucionalismoeuropeu

deseuinstrumentomaispoderosoemaisrígidodeproteçãoegarantia

dasliberdadesindividuais,asaber,aseparaçãodepoderes.

AmesmatesesobreoequívocodeMontesquieu,vêmo-la

professadaporMirkineGuetzévitch,conformelembraoprofessor

OrlandoBittar.NasconferênciasdobicentenáriodaobraDoEspírito

dasLeis(1948),dizGuetzévitchqueaInglaterraéparaMontesquieu

umautopia,semelhanteàsdePlatão,MoruseCampanella.

RessaltaaindaBittar,arrimadoemBagehot,quede1729a1731,

épocadavisitadeMontesquieuàInglaterra,opaísjáseinclinavapara

oregimedegabinete,comaascensãoparlamentardo“grão-vizir”Sir

RobertWalpole.

Montesquieumesmoéhesitante.Suadúvidatransparecenos

Page 272: Ciência Política - Archive

últimostrechosdocelebradocapítulo6dolivroXI,relativoà

ConstituiçãodaInglaterra,quandoescreve:“Nãomecabeexaminarse

fruemounãoosinglesespresentementeestaliberdade.Contento-me

comassinalareencontrá-laestabelecidanasleisenadamaisbusco”.2

Duguitjápensaporémdemododistinto,segundoBarthelémy,

entendendoqueMontesquieuarespeitodaseparaçãodepoderesteria

sidomenosteóricodoqueLocke.

AspalavrasdeMadisonnoFederalistapõemaquestãoem

melhorestermos,quandoponderaaqueleestadistaomerecimentode

Montesquieu,emrespostaaosqueachavamnãohaversidoa

Constituiçãoamericanaexplícitaeirretorquívelempatentearsua

adesãoformalàmáximadopensadorfrancês.EscreveMadison:“O

oráculoquesempreseconsultaecitaaesserespeitoéocelebrado

Montesquieu.Senãofoieleoautordestevaliosopreceitodaciência

política,teveaomenosoméritodeexpô-loerecomendá-lodomodo

maiseficazàatençãodahumanidade”.Eparalogo,recorrendoàfonte

deondeMontesquieuextraiuaqueleteorema,asaber,aConstituição

daInglaterra,“modelo”ouconformeaspalavrasmesmasdofilósofo,

“espelhodeliberdadepolítica”,afirmaMadison:“Omaislevevislumbre

daConstituiçãoInglesamostraquenenhumdosdepartamentos

legislativo,executivooujudiciárioseachademaneiraalguma

Page 273: Ciência Política - Archive

totalmenteseparadooudistintoentresi”.3

AgrandereflexãopolíticadeMontesquieuqueconduzao

mencionadoprincípiogiraaoredordoconceitodeliberdade,cujas

distintasacepçõesoautordeDoEspíritodasLeisinvestiga,fixando-se

naqueladesuaautoria,segundoaqualconsistealiberdadenodireito

defazer-setudoquantopermitemasleis.

Depoisdereferiraliberdadepolíticaaosgovernosmoderados,

afirmaMontesquieuqueumaexperiênciaeternaatestaquetodo

homemquedetémopodertendeaabusardomesmo.4

Vaioabusoatéondeselhedeparemlimites.5Eparaquenãose

possaabusardessepoder,faz-semisterorganizarasociedadepolítica

detalformaqueopodersejaumfreioaopoder,limitandoopoderpelo

própriopoder.6

Aseguir,confessaqueháumpaísnomundoquefezdaliberdade

políticaobjetodesuaConstituição.Edeimediatosepropõeestudaros

princípiossobreosquaisassentanessesistemaagarantiadaliberdade.

EssanaçãoéaInglaterracomsuaConstituiçãoeesseprincípioa

separaçãodepoderescomseuscorolários.7

4.Ostrêspoderes:legislativo,executivoejudiciário

DistingueMontesquieuemcadaEstadotrêssortesdepoderes:o

poderlegislativo,opoderexecutivo(poderexecutivodascoisasque

Page 274: Ciência Política - Archive

dependemdodireitodasgentes,segundosuaterminologia)eopoder

judiciário(poderexecutivodascoisasquedependemdodireitocivil).

Acadaumdessespoderescorrespondem,segundoopensador

francês,determinadasfunções.

Atravésdopoderlegislativofazem-seleisparasempreoupara

determinadaépoca,bemcomoseaperfeiçoamouab-rogamasquejáse

achamfeitas.

Comopoderexecutivo,ocupa-seopríncipeoumagistrado(os

termossãodeMontesquieu)dapazedaguerra,enviaerecebe

embaixadores,estabeleceasegurançaeprevineasinvasões.

Oterceiropoder—ojudiciário—dáaopríncipeoumagistradoa

faculdadedepuniroscrimesoujulgarosdissídiosdaordemcivil.

Discriminadosassimospoderesnessalinhateóricadeseparação,

segundoosfinsaquesepropõem,entraMontesquieuaconceituara

liberdadepolítica,definindo-acomoaquelatranqüilidadedeespírito,

decorrentedojuízodesegurançaquecadaqualfaçaacercadeseu

estadonoplanodaconvivênciasocial.

Aliberdadeestarásemprepresente,segundoonotávelfilósofo,

todavezquehajaumgovernoemfacedoqualoscidadãosnão

abriguemnenhumtemorrecíproco.Aliberdadepolíticaexprimirá

sempreosentimentodesegurança,degarantiaedecertezaqueo

Page 275: Ciência Política - Archive

ordenamentojurídicoproporcioneàsrelaçõesdeindivíduopara

indivíduo,sobaégidedaautoridadegovernativa.

DaquipassaMontesquieuaexplicarcomoseextingueou

desaparecealiberdadenashipótesesqueeleconfiguradeuniãodos

poderesnumsótitular.Quandoumaúnicapessoa,singularou

coletiva,detémopoderlegislativoeopoderexecutivo,jádeixoude

haverliberdade,porquantopersiste,segundoMontesquieu,otemorda

elaboraçãodeleistirânicas,sujeitasaumanãomenostirânica

aplicação.

Sesetratadopoderjudiciário,duasconseqüênciasderivao

mesmopensadordanocivaconjugaçãodospoderesnumasópessoaou

órgão.Ambasasconseqüênciasimportamnadestruiçãodaliberdade

política.Opoderjudiciáriomaisopoderlegislativosãoiguaisao

arbítrio,porquetalsomadepoderesfazdojuizlegislador,emprestando-

lhepoderarbitráriosobreavidaealiberdadedoscidadãos.Opoder

judiciárioaoladodopoderlegislativo,emmãosdeumtitularexclusivo,

confereaojuizaforçadeumopressor.Aopressãosemanifestapela

ausênciaouprivaçãodaliberdadepolítica.

Porúltimo,asseveraoafamadopublicistanocapítuloVIdolivro

XIdoDel’EspritdesLois,tudoestariaperdidoseaquelestrêspoderes

—odefazerasleis,odeexecutarasresoluçõespúblicaseodepunir

Page 276: Ciência Política - Archive

crimesousolverpendênciasentreparticulares—sereunissemnumsó

homemouassociaçãodehomens.

Redundariairremissivelmenteessamáximaconcentraçãode

poderesnodespotismo,implicandoatotalaboliçãodaliberdade

política.TalsedeunaTurquia,onde,segundoobservaMontesquieu,

reinavaatrozdespotismo,comostrêspoderesconcentradosnapessoa

dosultão.8

OgêniopolíticodeMontesquieunãosecingiuateorizaracercada

naturezadostrêspoderessenãoqueengendroudomesmopassoa

técnicaqueconduziriaaoequilíbriodosmesmospoderes,distinguindo

afaculdadedeestatuir(facultédestatuer)dafaculdadedeimpedir

(facultéd’empêcher).

Comoanaturezadascoisasnãopermiteaimobilidadedos

poderes,masoseuconstantemovimento—lembraoprofundo

pensador—sãoelescompelidosaatuar“deconcerto”,harmônicos,eas

faculdadesenunciadasdeestatuiredeimpedirantecipamjáa

chamadatécnicadoschecksandbalances,dospesosecontrapesos,

desenvolvidaposteriormenteporBolingbroke,naInglaterra,duranteo

séculoXVIII.

Comefeito,quandooexecutivoempregaovetoparaenfrear

determinadamedidalegislativanãofezusodafaculdadedeestatuir

Page 277: Ciência Política - Archive

masdafaculdadedeimpedir,faculdadequeseinserenoquadrodos

mecanismosdecontrolerecíprocodaaçãodospoderes.

Oprincípiodaseparaçãodepoderestevetambémexcelente

acolhidanaobradofilósofoalemãoKant,queenalteceusobretudoo

aspectoético,elevandoospoderesàcategoriade“dignidades”,“pessoas

morais”,emrelaçãodecoordenação(potestascoordinatae),sem

sacrifíciodavontadegeraluna.

AtriaspolíticadeKantreproduzadeMontesquieu:poder

legislativosoberano(potestaslegislatoria),poderexecutivo(potestas

rectoria)epoderjudiciário(potestasiudiciaria).

EstabeleceuKantumsilogismodaordemestatalemqueo

legislativoseapresentacomoapremissamaior,oexecutivo,apremissa

menoreojudiciário,aconclusão.

Insistindona“majestade”dostrêspoderes,semprepostosnuma

altaesferadevaloraçãoética,Kantafirmaqueolegislativoé

“irrepreensível”,oexecutivo“irresistível”eojudiciário“inapelável”.

5.Astécnicasdecontrolecomocorretivosparaorigorerigidez

daseparaçãodepoderes

Astécnicasdecontrolequemedraramnoconstitucionalismo

modernoconstituemcorretivoseficazesaorigordeumaseparação

rígidadepoderes,quesepretendeuimplantarnadoutrinado

Page 278: Ciência Política - Archive

liberalismo,emnomedoprincípiodeMontesquieu.

ConsideremosaseguirnapráticaconstitucionaldoEstado

modernoasmaisconhecidasformasdeequilíbrioeinterferência,

resultantesdateoriadepesosecontrapesos.

Dessatécnicaresultaapresençadoexecutivonaórbitalegislativa

porviadovetoedamensagem,eexcepcionalmente,segundoalguns,da

delegaçãodepoderes,queoprincípioarigorinterdita,pordecorrência

dapróprialógicadaseparação.

Comovetodispõeoexecutivodeumapossibilidadedeimpedir

resoluçõeslegislativasecomamensagemrecomenda,propõee

eventualmenteiniciaalei,mormentenaquelessistemasconstitucionais

queconferemaessepoder—oexecutivo—todaainiciativaem

questõesorçamentáriasedeordemfinanceiraemgeral.

Jáaparticipaçãodoexecutivonaesferadopoderjudiciáriose

exprimemedianteoindulto,faculdadecomqueelemodificaefeitosde

atoprovenientedeoutropoder.Igualparticipaçãosedáatravésda

atribuiçãoreconhecidaaoexecutivodenomearmembrosdopoder

judiciário.

Dolegislativo,porsuavez,partemlaçosvinculandooexecutivoe

ojudiciárioàdependênciadascâmaras.Sãopontosdecontrole

parlamentarsobreaaçãoexecutiva:arejeiçãodoveto,oprocessode

Page 279: Ciência Política - Archive

impeachmentcontraaautoridadeexecutiva,aprovaçãodetratadoea

apreciaçãodeindicaçõesoriundasdopoderexecutivoparao

desempenhodealtoscargosdapúblicaadministração.

Comrespeitoaojudiciário,acompetêncialegislativadecontrole

possui,emdistintossistemasconstitucionais,entreoutrospoderes

eventuaisouvariáveis,osdedeterminaronúmerodemembrosdo

judiciário,limitar-lheajurisdição,fixaradespesadostribunais,

majorarvencimentos,organizaropoderjudiciárioeprocedera

julgamentopolítico(deordináriopelachamada“câmaraalta”),tomando

assimolugardostribunaisnodesempenhodefunçõesdecaráter

estritamentejudiciário.

Enfim,quandosetratadojudiciário,verificamosqueessepoder

exercetambématribuiçõesforadocentrousualdesuacompetência,

quandoporexclusãodeoutrospodereseàmaneiralegislativaestatui

asregrasdorespectivofuncionamentoouàmaneiraexecutiva,organiza

oquadrodeservidores,deixandoassimàdistânciaospoderesque

normalmentedesempenhamfunçõesdessanatureza.

Suafaculdadedeimpedirporémsósemanifestaconcretamente

quandoessepoder—ojudiciário—frenteàscâmarasdecidesobre

inconstitucionalidadedeatosdolegislativoefrenteaoramodopoder

executivoProfereailegalidadedecertasmedidasadministrativas.

Page 280: Ciência Política - Archive

6.Primadodaseparaçãodepoderesnadoutrinaconstitucional

doliberalismo

Todooprestígioqueoprincípiodaseparaçãodepoderesauferiu

nadoutrinaconstitucionaldoliberalismodecorredacrençanoseu

emprego

como

garantia

das

liberdades

individuais

ou

mais

precisamentecomopenhordosrecém-adquiridosdireitospolíticosda

burguesiafrenteaoantigopoderdasrealezasabsolutas.

OprincípioseinauguranomodernoEstadodedireitocomo

técnicaprediletadosconvergentesesforçosdelimitaçãodopoder

absolutoeonipotentedeumexecutivopessoal,queresumiaatéentão

todaaformabásicadeEstado.

OsedificadoresdoEstadoconstitucionaladeremmaisàdoutrina

doliberalismo—acentuandooprincípiodaliberdadeindividual—do

quemesmoàdoutrinadademocracia,quefirmavacommaiorênfaseo

Page 281: Ciência Política - Archive

princípiodaigualdade.

DuastécnicasselhesoferecemparaconservaroEstadoà

distância,queroEstadodamonarquiaabsoluta,vencidopelas

revoluçõesdanobreza(casoinglês)edaburguesia(casofrancês),quero

Estadodademocraciasocial,quesedesenhacomoumaameaça

deitandosombrasaofuturodademocracialiberal:atécnicahorizontal

daseparaçãodepodereseatécnicaverticaldofederalismo.

Deumaparte,atécnicadaseparaçãodepoderesdesembocano

sistemaparlamentar,ondeasprerrogativasdopoderpolíticosão

compromissadamenterepartidasentreoreiconstitucional,de

competêncialimitada,legitimadopeloprincípiomonárquicohereditário

eoparlamento,quebuscasuafontedeautoridadenalegitimaçãodo

mandatorepresentativodefundorelativamentedemocrático.Doutra

parte,confluiamesmatécnicaparaopresidencialismoque,aoinvésda

separaçãoatenuada,professadeinícioumaseparaçãomaisrígidade

poderes,vistoquesurgehistoricamenteassociadoàformarepublicana

degoverno,nãotendo,tantoquantooparlamentarismo,queestatuir

nenhumequilíbriopolíticodecompetênciacomasforçasvencidasdo

passadoabsolutista,dequeamonarquialimitadanoregime

parlamentarsefizerasemprerepresentativa.

Sobreaseparaçãodepoderes,convertidaemdogmadoEstado

Page 282: Ciência Política - Archive

liberal,assentavamosconstituintesliberaisaesperançadetolherou

imobilizaraprogressivademocratizaçãodopoder,suainevitáveletotal

transferênciaparaobraçopopular.Aadoçãomaiscélebredaseparação

porquantomaiseficazocorreunaConstituiçãofederalamericanade

1787.Otextoconstitucionalnãomencionaoprincípioumaúnicaveze

noentantoaConstituiçãoseriaininteligívelseomitíssemosapresença

daseparaçãodepoderesqueéatécnicaderepartiçãodacompetência

soberananaqueledocumentopúblico.

Sãoardentesefáceisosentusiasmoscomqueoliberalismocerca

oaxiomadaseparaçãodepoderes,cujaprimeirasagraçãoefetivae

formalnocorpodasconstituiçõesdosEstadosamericanossedeu

duranteoúltimoquarteldoséculoXVIII.SeguiamessasConstituiçõesa

linhatraçadajádesde1776pelacelebradaDeclaraçãodeDireitosda

Virgínia(VirginiaBillofRights),de12dejunhodaqueleano,quandoa

máximadeMontesquieuentrouexplicitamentepelavezprimeiranos

documentospolíticosdaliberdademoderna.

Oteorprogramáticodascláusulasdistributivasdospoderes,qual

osenumeraaautoridadeoraculardeMontesquieu,ressaltapatenteno

textodasditasConstituições,quenãosecingem,comoaConstituição

federalamericana,amontartodooesquemadopoderestatalnaquele

princípio,apenasestruturalmenteperfilhado,senãoqueexprimem

Page 283: Ciência Política - Archive

aderênciaaomesmoemartigosprecisosesolenes,proibindoaum

poder“exercerjamais”asatribuiçõesdeoutropoder(Constituiçãode

Massachussetts,ParteI,Art.30),ouinserindopomposamenteque“os

poderesdevemserparasempreseparadosedistintos”(constituiçõesde

Maryland,VirgíniaeCarolinadoNorte),numverbalismocaudaloso,de

efeitomaisdoutrinárioqueefetivo,comopressentiuMadisonemsua

críticaecomentárioàobradaConstituição,naspáginasdo

Federalista.9

Masondeaexaltaçãopassionaldoprincípioalcançaomaisalto

graudeintensidadeénaletradasConstituiçõesfrancesasinspiradas

pelasmáximasdoliberalismo.

Comefeito,veja-seoartigo16daConstituiçãoFrancesade3de

setembrode1791,naparterelativaàDeclaraçãodosDireitosdoHomem

edoCidadão:“Todasociedadenaqualnãoestejaasseguradaagarantia

dosdireitosdohomemnemdeterminadaaseparaçãodepoderes,não

possuiconstituição”.

Reapareceessadoutrinanoartigo22daConstituiçãode5do

FrutidordoanoIII:“Existetão-somenteagarantiasocialquando

asseguradapeloestabelecimentodadivisãodepoderes,pelafixaçãode

seuspoderesepelaresponsabilidadedosfuncionáriospúblicos”.

Porúltimo,aConstituiçãode4denovembrode1848,cujoartigo

Page 284: Ciência Política - Archive

19reza:“Aseparaçãodepodereséaprimeiracondiçãodeumgoverno

livre”.

OBrasil,aodecidir-sepelaformarepublicanadegoverno,aderiu

aoprincípiodaseparaçãodepoderesnamelhortradiçãofrancesa—a

deMontesquieu—comexplicitaçãoformal.OImpérioseabraçara

porémaumaseparaçãoinspiradaemBenjaminConstant,ondeos

poderessãoquatroaoinvésdetrês,conformeveremosnoutrolugar.

AConstituiçãorepublicanade1891dispunhanoartigo15:“São

órgãosdasoberanianacionalopoderlegislativo,oexecutivoeo

judiciário,harmônicoseindependentes”.

AConstituiçãode16dejulhode1934manteveoprincípionos

seguintestermos:“Art.30.Sãoórgãosdasoberanianacional,dentro

doslimitesconstitucionais,osPoderesLegislativo,Executivoe

Judiciário,independentesecoordenadosentresi”.

AConstituiçãode18desetembrode1964nãoseafastada

tradiçãorepublicana:“Art.36.SãoPoderesdaUniãooLegislativo,o

ExecutivoeoJudiciário,independenteseharmônicosentresi”.

Oartigo60daConstituiçãode24dejaneirode1967reproduzo

princípio:“SãoPoderesdaUnião,independenteseharmônicos,o

Legislativo,oExecutivoeoJudiciário”.

AConstituiçãode5deoutubrode1988temredaçãoquase

Page 285: Ciência Política - Archive

idêntica:“Art.2ºSãoPoderesdaUnião,independenteseharmônicos

entresi,oLegislativo,oExecutivoeoJudiciário”.

7.Embuscadeumquartopoder:omoderador

Asociedadepolíticacontemporâneapatenteiaumaangustiante

crisenasrelaçõesdospoderestradicionais,domesmopassoquea

interferênciaostensivadenovospoderesparecealteraraquelequadro

habitualdoequilíbriomantidoformalmentepelostextosdas

Constituições,cadavezmaisirreaisemespelharoverdadeiroestado

dasforçasatuantes.

Osnovospoderessãoprincipalmenteopoderpartidário,opoder

“politizado”dascategoriasintermediárias(gruposdeinteressesquelogo

seconvertememgruposdepressão),opodermilitar,opoder

burocrático,opoderdaselitescientíficas,etc.Essacrisesugerea

necessidadederestauraroequilíbrioatravésdeumpodermediador,

poderneutro,queseriamenosumacorrentedeinteresses,comosãoos

novos

poderes

acima

mencionados

do

que

Page 286: Ciência Política - Archive

uma

instituição

“desinteressada”,volvidaunicamenteparaassuperioresmotivaçõesde

ordemgeral,capazdeumaarbitragemserenatodavezqueas

competiçõespolíticaspusessememperigoofundamentodas

instituições.

Teorizandonaépocadasmonarquiasconstitucionais,Benjamin

Constantescrevia:

“OvíciodetodasasConstituiçõeshásidoodenãohavercriado

umpoderneutro,masodetercolocadoocumedaautoridadedeque

eledeviaachar-seinvestidonumdessespoderesativos”.E

acrescentava:“Quandoospoderespúblicossedividemeestãoprestesa

prejudicar-se,faz-semisterumaautoridadeneutra,quefaçacomeleso

queopoderjudiciáriofazcomosindivíduos”.

Essepoder,juizdosdemaispoderes,seriaopoderreal,que

segundoBenjaminConstant,deveriaexistiraoladodopoderexecutivo,

dopoderrepresentativo(legislativo)edopoderjudiciário.

Opoderlegislativoourepresentativo,segundoConstant,reside

nasassembléiasrepresentativas,comasançãodoreiesuafunção

consisteemelaborarasleis.Opoderexecutivoficacomosministros,

tendoporobjetoproveraexecuçãogeraldasleis.Opoderjudiciário

Page 287: Ciência Política - Archive

pertenceaostribunais,cujamissãoseconsubstanciaemaplicaralei

aoscasosparticulares.Enfimopoderreal(verdadeiropodermoderador)

assentanoreique,postoentreostrêspoderes,deveexerceruma

autoridadeneutraeintermediária,porquanto—argumentaBenjamin

Constant—nãotemelenenhuminteresseemperturbaroequilíbrio,

masaocontráriotodooempenhoemmantê-lo.Opoderreal—conclui

BenjaminConstant—édecertomodoopoderjudiciáriodosdemais

poderes.

EstavaassimlançadaateoriadoPoderModerador,daqualo

Brasilserviriadelaboratório,sendooprimeiroetalvezoúnicopaísno

mundoafazer,comofeznaCartapolíticadoImpério,aplicação

constitucionaldonovosistemapreconizadoporBenjaminConstant.

Comefeito,afiguradoquartopoderaparecenaConstituição

brasileiradoImpério,outorgadaporD.PedroI,a25demarçode1824.

ACartaimperialnoartigo98dispunha:

“Adivisãoeharmoniadospoderespolíticoséoprincípio

conservadordosdireitosdoscidadãoseomaisseguromeiodefazer

efetivasasgarantiasqueaConstituiçãooferece.”

Noartigoseguinteasseveravaqueospoderespolíticos

reconhecidospelaConstituiçãodoImpériodoBrasileramquatro:“o

poderlegislativo,opodermoderador,opoderexecutivoeopoder

Page 288: Ciência Política - Archive

judicial”.

Noartigo12declaravaquetodosospoderesconstituíam

delegaçãodaNaçãodepoisdehaverassinaladoqueosrepresentantes

daNaçãobrasileiraeramoImperadoreaAssembléia-Geral.

AConstituiçãoexplicavamaisadiantequeopodermoderador

constituía“achavedetodaaorganizaçãopolítica,eédelegado

privativamenteaoImperador,comochefesupremodaNaçãoeseu

primeirorepresentante,paraqueincessantementevelesobrea

manutenção,equilíbrioeharmoniadosdemaispoderespolíticos”(art.

98).

AConstituiçãooutorgadaproclamavaenfimsagradaeinviolávela

PessoadoImperador,afirmandoqueelenãoestavasujeitoa

responsabilidadealguma.

HápublicistasnoBrasil,aocontráriodeRuieTobiasBarreto,

quelouvamopodermoderador,achandoquegraçasasuapresença

forapossívelmanteraestabilidadedasinstituiçõesnascentesaotempo

doImpérioedomesmopassoconsolidaraunidadenacional,num

continentepoliticamenteflageladoporódioscivisepulverizadoem

repúblicasfracaserivais.

Entendemalgunsqueopodermoderador,emborahouvesse

formalmente

Page 289: Ciência Política - Archive

desaparecido

com

as

Constituições

republicanas,

continuouemverdadeaexistir,de1891a1964,tendoportitularnão

umreimasasforçasarmadas.

OpapeldoExércitobrasileironaquelelargoperíododenossa

históriarepublicana,salvoaépocadoEstadoNovo,foraodeumquarto

poder,restauradordasnormasdojogodemocrático,medianteváriase

passageirasintervençõesnavidapolíticadoPaís.

8.Declínioereavaliaçãodoprincípiodaseparaçãodepoderes

Numaidadeemqueopovoorganizadosefezoúnicoeverdadeiro

podereoEstadocontraiunaordemsocialresponsabilidadesqueo

Estadoliberaljamaisconheceu,nãohálugarparaapráticadeum

princípiorigorosodeseparação.

Osvalorespolíticoscardeaisqueinspiraramsemelhantetécnica

oudesapareceramouestãoemviasdedesaparecimento.

Aseparaçãofoihistoricamentenecessáriaquandoopoderpendia

entregovernantesquebuscavamrecobrarsuasprerrogativasabsolutas

epessoaiseopovoque,representadonosparlamentos,intentava

Page 290: Ciência Política - Archive

dilatarsuaesferademandoeparticipaçãonagerênciadosnegócios

públicos.

Quandosepreconizavaaseparaçãodepoderescomoomelhor

remédioparagarantiadasliberdadesindividuais,estasliberdades

alcançavamnaorganizaçãodoEstadoconstitucionalumaamplitudede

valoresabsolutos,inviolavelmentesuperioresàcoletividadepolítica,

acasteladosnasDeclaraçõesdeDireitos,queideologicamenteerama

partedefundodasConstituições,suapeçabásica,aquea

discriminaçãodecompetênciaentrepoderesdeliberadamentedivididos

eenfraquecidosserviatão-somentedemeio,demoldura,decouraça.As

Constituiçõesviammenosasociedadeemaisoindivíduo,menoso

Estadoemaisocidadão.

DesdeporémquesedesfezaameaçadevolveroEstadoao

absolutismodarealezaeavaloraçãopolíticapassoudoplano

individualistaaoplanosocial,cessaramasrazõesdesustentar,em

termosabsolutos,umprincípioquelogicamenteparalisavaaaçãodo

poderestatalecriaraconsideráveiscontra-sensosnavidade

instituiçõesqueserenovamenãopodemconter-se,senãocontrafeitas,

nosestreitíssimoslindesdeumatécnicajáobsoletaeultrapassada.

Oprincípioperdeupoisautoridade,decaiudevigoreprestígio.

Vemo-lopresentenadoutrinaenasConstituições,masamparadocom

Page 291: Ciência Política - Archive

raroproselitismo,constituindoumdessespontosmortosdo

pensamentopolítico,incompatíveiscomasformasmaisadiantadasdo

progresso

democrático

contemporâneo,

quando,

erroneamente

interpretado,conduzaumaseparaçãoextrema,rigorosaeabsurda.

Demosporémalgumasrazõescríticasquecontribuíram

apreciavelmenteaexpungi-lodaciênciapolítica,tornando-oemsua

aplicaçãoradicalumaextravagância,umareminiscência,um

anacronismodopassadoirreversível.

Percucienteanálisedemonstrainevitavelmentequearazãoestava

comHegelquandoestefilósofopolíticodaAlemanhaasseverouquea

literalseparaçãodepoderesdestruiriaaunidadedopoderestatal,por

suanaturezaindivisível.

Comoconciliaranoçãodesoberaniacomadepoderesdivididose

separados?Oprincípiovaleunicamenteportécnicadistributivade

funçõesdistintasentreórgãosrelativamenteseparados,nuncaporém

valeráemtermosdeincomunicabilidade,antessimdeíntima

cooperação,harmoniaeequilíbrio,semnenhumalinhaquemarque

Page 292: Ciência Política - Archive

separaçãoabsolutaouintransponível.

Coste-Floret,relatordeumprojetoconstitucionalnaFrança,

resumemuitobemoestadopresentedadoutrinadeseparaçãode

poderes,quandoescreve:

“Poisqueéindubitávelqueasoberaniaéuna,éimpossível

admitircomosistemapresidencialqueexistemtrêspoderesseparados.

Masporqueasoberaniaéuna,nãoéprecisoconcluirquetodasas

funçõesdoEstadodevemsernecessariamenteconfundidas.Para

realizarumaorganizaçãoharmônicadospoderespúblicos,éprecisoao

contrárioconstruí-lossobreoprincípiodadiferenciaçãodastrês

funçõesdoEstado:legislativa,executiva,judiciária.Paratomarde

empréstimoumacomparaçãosimplesàordembiológica,éexatopor

exemploqueocorpohumanoéunoetodaviaohomemnãofazcomos

olhosoquetemohábitodefazercomasmãos.Éprecisoqueao

princípiodaunidadeorgânicasejuntearegradadiferenciaçãodas

funções.Hámuitotempoquearegradaseparaçãodospoderes,

imaginadaporMonstesquieucomoummeiodelutarcontrao

absolutismo,perdeutodaarazãodeser”.10

Nãotemosdúvidaporconseguinteemafirmarqueaseparaçãode

poderesexpiroudesdemuitocomodogmadaciência.Foidosmais

valiososinstrumentosdequeseserviuoliberalismoparaconservarna

Page 293: Ciência Política - Archive

sociedadeseuesquemadeorganizaçãodopoder.Comoarmados

conservadores,tevelargaaplicaçãonasalvaguardadeinteresses

individuaisprivilegiadospelaordemsocial.Contemporaneamente,bem

compreendido,oucautelosamenteinstituído,comoscorretivosjá

impostospelamudançadostemposedasidéias,ovelhoprincípio

hauridonasgeniaisreflexõespolíticasdeMontesquieupoderia,segundo

algunspensadores,contra-arrestaroutraformadepoderabsolutopara

oqualcaminhaoEstadomoderno:aonipotênciasemfreiodas

multidõespolíticas.

Convertidonumatécnicasubstancialmentejurídica,oprincípio

queseempregoucontraoabsolutismodosreis,oabsolutismodos

parlamentoseoabsolutismoreacionáriodostribunais,segundo

demonstra,atravésdaSupremaCorte,aexperiênciaamericanaem

matériadecontroledaconstitucionalidadedasleis,nãoficaria

definitivamenteposposto.

Competiriapoisaesseprincípiodesempenharainda,conforme

entendemalgunsdeseusadeptos,missãomoderadoracontraos

excessosdesnecessáriosdepodereseventualmenteusurpadores,como

odasburocraciasexecutivas,queporvezesatalhamcomseusvíciose

errosaadequaçãosocialdopoderpolítico,domesmopassoque

denegameoprimemosmaislegítimosinteressesdaliberdadehumana.

Page 294: Ciência Política - Archive

1.Prerogativeisnothingbutthepowerofdoingpublicgoodwithoutarule.John

Locke,TheSecondTreatiseofGovernment,cap.XIV,p.160.

2.Montesquieu,“Del’EspritdesLois”,in:OeuvresComplètes.t.II,p.407.

3.Madison,in:TheFederalist,p.246.

4.Idem,ibidem,p.395.

5.Idem,ibidem,p.395.

6.Idem,ibidem,p.395.

7.Idem,ibidem,pp.396-407.

8.Montesquieu,ob.cit.,p.397.

9.Madison,ob.cit.,pp.245-252.

10.Coste-Floret,LesProjetsConstitutionnelsFrançais,pp.13-15,apudJoséAugusto,

PresidencialismoversusParlamentarismo,p.44.

11

OESTADOUNITÁRIO

1.DoEstadounitário—2.OEstadounitáriocentralizadoeas

formasdecentralização:2.1Centralizaçãopolítica—2.2

Centralizaçãoadministrativa—2.3Centralizaçãoterritoriale

centralizaçãomaterial—2.4Centralizaçãoconcentrada—2.5

Centralizaçãodesconcentrada—3.Vantagensedesvantagensda

centralização—4.OEstadounitáriodescentralizado:a

Page 295: Ciência Política - Archive

descentralização

administrativa

Page 296: Ciência Política - Archive

5.0

Estado

unitário

descentralizadoeoEstadofederal

1.DoEstadounitário

DasformasdeEstado,aformaunitáriaéamaissimples,amais

lógica,amaishomogênea.Aordemjurídica,aordempolíticaeaordem

administrativaseachamaíconjugadasemperfeitaunidadeorgânica,

referidasaumsópovo,umsóterritório,umsótitulardopoderpúblico

deimpério.

NoEstadounitáriopoderconstituinteepoderconstituídose

exprimempormeiodeinstituiçõesquerepresentamsólidoconjunto,

blocoúnico,comoserespondessemjánessaimagemàconcretização

daqueleprincípiodehomogeneizaçãodasantigascoletividadessociais

governantes,acujasombranasceueprosperouoEstadomoderno,

desdequeestepôdecomboafortunasucederàdispersãodos

ordenamentosmedievos.

Comefeito,ounitarismodopoderéaindadosmaisfortessopros

queanimamavidadosordenamentosestataisnestestempos,

Page 297: Ciência Política - Archive

exprimindotendênciamanifestaeminumeráveiscorposvivosde

sociedadespolíticas.

Éassimcontemporaneamente.Foiassim,consoantedissemos,

quandosedeuaapariçãodoEstadomoderno,cujoaspecto

centralizadoretendênciaunitaristaressaltadesdelogoempresençada

vontadepolíticasoberana,queéavontadedoEstado,congraçando,

fundindoousubordinandoosordenamentossociaisconcorrentes,

doravanteconvertidosemordenamentosinferioresesecundários.

Correspondeessemomentocentralizadoràplenaafirmaçãodo

Estadocomoorganizaçãodopoder.Todoumsistemadeautoridade

manifestamenteabsolutaassinalaessafaseinicialepreparatória,cujo

unitarismosedefinemercêdeumcentrodedireçãohistórica,postono

poderdarealezaabsoluta,tendoporsustentáculolegitimadora

doutrinacoerentedasoberania.

OEstadocentralizadorcedeedecaihistoricamentequando

preparaasmodalidadesdescentralizadoraseatémesmofederativas;

quandoasconcepçõesmaisdemocráticasemenosautoritáriasdo

poder,fundadasnospostuladosdoconsentimento,dealgumas

doutrinascontratuais(nãotodas,porquantoHobbesconstituiaqui

exceçãodasmaisconhecidas)abalamtodooeixodoautoritarismo

estatal,contrapõemasupremaciaindividualàhegemoniado

Page 298: Ciência Política - Archive

ordenamentopolítico,fazemoEstadomeioenãofim,rebaixam-lhea

valorizaçãosocial,democratizamaconcepçãodopoder,nassuas

origens,noseuexercícioenosseustitulares,separamoEstadoda

pessoadosoberano.Graçasaessatranspersonalizaçãodoprincípio

político,oucommaispropriedade,medianteessaexteriorização

institucional—ouconstitucional,segundolinguagemcaraao

liberalismo—,acabaoEstadoporobjetivar-sesocialmentecomo

produtodoconsensodasvontadesindividuais.

DaísechegadepoisaoEstado-nação,danomenclaturados

publicistasfranceses.EcomesseEstado-naçãoacentralização,que

esteiaoucaracterizaoEstadounitário,entraaserapenasumarelação

deequilíbrio,umsistemadeacomodaçãosocial,umprincípiomóvel,

racionalmentemantido,porconsideraçõesmenosdeautoridadequede

conveniênciaouutilidade.

OsEstadosunitários,historicamenteconhecidos,tiveramsua

formaçãonamáximaparteresultante,segundoRanelletti,doconsórcio

políticodeváriosEstados,cujaprimitivaautonomiaseperdeuem

decorrênciadaexacerbaçãopolíticadosentimentonacionalunificador

dedistintospovos.1

Deu-se,segundoomesmoautor,aocorrênciadeváriasrazões

históricas,queconduziramigualmenteaoEstadounitário:a)

Page 299: Ciência Política - Archive

preponderânciapolíticadeumEstadosobreosdemais,daíresultando

incorporaçãoouabsorção;b)fusãodosEstados-membros,passandoo

EstadocompostoaEstadounitário,ec)dissoluçãodoEstado

composto,queseparteemváriosEstadosunitários.2

TemoEstadounitárioseutraçocapital,segundoCharles

Durand,nainteiraausênciadecoletividadesinferiores,providasde

órgãospróprios.

MasafiguradesseEstado,queconsumariaamaisperfeita

imagemdasaspiraçõescentralizadoras,jamaisexistiu,conformeo

mesmoDurand.

IgualordemdeidéiasdesenvolveojuristaPrélot,quandodizque

tantoanaturezadascoisascomoavontadedoslegisladorestemfeito

incompletaacentralização,introduzindonoEstadounitáriodois

“importantescorretivos”:adesconcentraçãoeadescentralização.

Tocanteàdesconcentração,deslembradoficouporémoautorfrancêsde

queestajáseincluinoâmbitodacentralização.3

2.OEstadounitáriocentralizadoeasformasdecentralização

ReferidaaoEstadounitário,acentralizaçãoabrangeasseguintes

formas:centralizaçãopolíticaecentralizaçãoadministrativa,segundo

Burdeau;centralizaçãoterritorialecentralizaçãomaterial,nodizerde

Dabin;centralizaçãoconcentradaecentralizaçãodesconcentrada,na

Page 300: Ciência Política - Archive

terminologiamaisusualdosmodernospublicistas.

2.1Centralizaçãopolítica

AcentralizaçãopolíticaemdeterminadoEstadoseexprimepela

unidadedosistemajurídico,comportandoopaísumsódireitoeumasó

lei.EmsetratandodeEstadounitário,essacentralizaçãosefaz

rigorosa,semcoexistênciadeordenamentosjuriferantesmenores.Aqui

nãohápoisoordenamentogeralsuperpondo-seaordenamentos

particulares,quecriemtambémoriginariamentesistemasjurídicos

próprios,comoseriapossívelnoEstadofederal.Unidadeeexclusividade

daordempolíticaejurídica,bemcomoexclusãoconseqüentedetodaa

normatividadepluralsãonotasdominantesdacentralizaçãopolítica,na

medidaemqueestacaracterizaoEstadounitário.

2.2Centralizaçãoadministrativa

Acentralizaçãoadministrativacompõeevidentementeumadas

característicasmaisfamiliaresaoEstadounitário:segundoPrélot,

constituiverdadeiracondiçãodereforçodessamodalidadedeEstado,

cujaunidadepolíticaficaassimvantajosamentecomplementada.4

Implicasemelhanteformadecentralizaçãooestabelecimento

coerentedamaisampla“unidadequantoàexecuçãodasleisequantoà

gestãodosserviços”(Burdeau).NoEstadounitário,acentralização

administrativaconduzviaderegraaumaaplicaçãodaleiouauma

Page 301: Ciência Política - Archive

gestãodosserviços,atravésdeagentesdopoder,detodo“independente

domeioqueasleisregemoudogrupoaqueminteressamosserviços”

(Burdeau).

2.3Centralizaçãoterritorialecentralizaçãomaterial

DistingueDabinhistoricamenteduasformasdecentralização:a

centralizaçãoterritorialeacentralizaçãomaterial.Comaprimeira,o

poderdoEstado,segundoele,seestendeaporçõescadavezmais

largasdoterritório;comasegunda,observa-sedilataçãoda

competênciadoEstadoaassuntosouinteressesquedantesgravitavam

naórbitadepoderesmenoreseparticulares,providosdecerta

autonomia.Ataisinteressesforaatéentãoalheiooordenamento

estatal.5

2.4Centralizaçãoconcentrada

Temoscentralizaçãoconcentradaquandoasordensemanadasde

cima,docentrodedecisãopolítica,circulamparabaixo,atravésdos

canaisadministrativos,atéascoletividadesinferiores,ondeosagentes

dopoderatuamcomomerosinstrumentosdeexecuçãoecontrole,em

obediênciaestritaàsordensrecebidas.

CabeaíaosservidoresdoEstadoopapeldecumpridoresde

decisões,quenãosãosuas,massefazemtão-somenteporseu

intermédio.

Page 302: Ciência Política - Archive

Comosevê,acentralizaçãoconcentradamantémintactoopoder

jurídiconormativodosgovernantes,bemcomotodooaparelhomaterial

decoerção(forçapública),queministraosmeiosindispensáveisà

aplicaçãodasmedidasadministrativasoulegislativas,tomadaspela

autoridadeestatalúnica.

Essamodalidadedecentralizaçãocombinaaumtempoumsó

centrodedecisãoeuminstrumentoigualmenteúnicodeexecução,que

éaburocraciahierarquicamenteorganizadaqualcorpodeservidores,

sobdependênciadiretaeimediatadaautoridadecentraldirigente.

2.5Centralizaçãodesconcentrada

Acentralizaçãodesconcentradaimportanoreconhecimentode

pequenaparceladecompetênciaaosagentesdoEstado,quese

investemdeumpoderdedecisãocujoexercíciolhespertence;poder,

todavia,parcial,delegadopelaautoridadesuperior,àqualcontinuam

presosportodososlaçosdedependênciahierárquica.

Comefeito,quandomedidasdeinteresselocaldacoletividade

centralizadaseimpõem,ditadasporconveniênciaadministrativa,

faculta-seàautoridadesecundáriaopoderdeempregarprerrogativas

degoverno,“tomandodecisõesefazendoexecutá-las”(Burdeau).

Cumpreporémobservarqueessaautoridadeexercetão-somente

umaparceladepoderpúblicodelegadoenãoautônomo;funcionacomo

Page 303: Ciência Política - Archive

órgãodopodercentralenãocomotitulardedireitopróprio.

Ficoucélebrealiásnacitaçãodostratadistasapalavrade

advertênciadeBarret,desfazendomaioresilusõesquantoàextensão

dessasprerrogativas,aoafirmarque“ésempreomesmomarteloque

bate,apenasencurtou-se-lheocabo”.

Não

se

deve

por

outra

parte

confundir

centralização

desconcentrada,comoinadvertidamentefazemalgunsautores,com

descentralização,havendoentreambasasformassignificativas

diferenças,comoaqueassinalaPrélot,quandoasseveraque“a

desconcentraçãonãocriaagentesadministrativosindependentes”.6

Razãoprincipaldesseequívoco,noentenderdeBurdeau,foi“a

existênciadeumquadrolocaldecompetência”.Contudo,dizomesmo

autor,talsemelhançaéaparenteesuperficial,porquanto“osagentes

desconcentradoscomandamemnomedoEstado”,aopassoque“os

Page 304: Ciência Política - Archive

órgãosdescentralizadosestatuememnomedacoletividadesecundária

daqualprocedem”.7

Urgetodaviaressaltarqueessacoletividadesecundária,emnome

daqualestatuemosórgãosdescentralizados,nãoseachaprovidade

nenhumpoderinicial,próprio,masdeprerrogativasdelegadas,

conferidaspelopodercentralúnico,aquelequedetémomonopólioda

titularidadepolítica,quefazsubordinada,econseqüentemente

administrativa,acompetênciaquereferidascoletividadescomunicam

ouexercematravésdeseusórgãos.

Comessaobservação,pertinenteaocaráterdelegadoda

competênciaenfeixadapelacoletividadesecundária,caiporterraoteor

ambíguoqueaindaperpassanocomentáriodeBurdeauencaminhado

justamenteasolverumerroequeacabariapraticandooutronãomenos

grave:odaconfusãonãomaisentrecentralizaçãodesconcentradae

descentralização,poreleoportunamentecorrigida,masentre

descentralização

administrativa

aquela

ali

implícita

Page 305: Ciência Política - Archive

e

descentralizaçãopolítica.

3.Vantagensedesvantagensdacentralização

Dacentralizaçãoresultamvantagens,queoEstadounitário

auferetantonocampopolíticocomoprincipalmentenocampo

administrativo.

Sãopartespositivasdacentralização:a)aextensãodeumasó

ordemjurídica,políticaeadministrativaatodoopaís;

b)oconsiderávelfortalecimentodaautoridade,quetantose

implantacomosemantémcommaisfacilidadeondeocorreaunidade

dopoder;

c)oreforçoquedaídecorreparaoprincípiodaunidadenacional;

d)asfacilidadesconducentesàorganizaçãodeumcorpo

burocráticoúnico,commenosdispêndioparaoscofrespúblicosemais

eficáciaeracionalizaçãoparaosserviçosprestados;

e)aimpessoalidadeeimparcialidadequeseobservam,tocanteao

exercíciodasprerrogativasdegoverno.

Acentralizaçãoreúneporémconhecidasdesvantagens.Dentre

estascumpreressaltaremprimeirolugaraameaçaquefazpesarsobre

aautonomiacriadoradascoletividadesparticulares,sufocadasou

Page 306: Ciência Política - Archive

suprimidas,consoanteograudapolíticacentralizadora.Ao

desapareceremosgruposintermediários,cava-seumfossoentreo

indivíduoeoEstado,queahistóriapolíticamaisrecenteconsignavia

deregraobstruídocomofreqüentesacrifíciodaliberdadehumana,com

adestruiçãodosanteparossociaisqueeramaquelascoletividades

intermediárias,nasquaisseabrigavacontraaonipotênciadoEstadoa

jácircunscritafaixadearbítrioindividual;coletividadesquedeixaram

deserdesdeaquedadofeudalismoaquelescírculosdamaisestreitae

intoleráveltirania,processadaàsombradeumEstadoaserviçodo

privilégioaristocrático,atéseconverterem,desdearevoluçãoburguesa

vitoriosa,emasilosparaasliberdadesindividuaisdesamparadase

inermescomodecorrênciadodesvirtuamentodosfinsqueoEstado

buscasocialmenteproverequematerialmenteovêmcompelindoàs

opçõesintervencionistas,cujoabuso,repetimos,constituievidente

ameaçaaohomemeàsualiberdade.

Aseguir,aexcessivacentralizaçãosobrecarregaopodercentral

deresponsabilidadesadministrativasdesomenosimportância,queos

agentesdopoderpúbliconumaesferalocaldecompetência,munidos

deumpoderdedecisão,oriundodoorganismosocialinteressado—do

qualproviessemtambémessesmesmosagentes—estariam

capacitadosalevaracabocommaisvantagensparaobemcomumda

Page 307: Ciência Política - Archive

coletividaderespectiva.

Acentralizaçãorigorosaconduzordinariamenteàparalisaçãodos

direitosdeself-government—dereconhecidoproveitoadministrativo,

políticoesocialparaosgruposenvolvidos,domesmopassoque

diminuinessesgruposointeresseportudoquantoconcerneàmatéria

pública,atrofiandoconseqüentementetodooesforçodeiniciativalocal.

Enfim,ofereceacentralizaçãoesteúltimolancenegativo:promove

aoplanodalegislaçãonacionalcopiosamatériadeinteressemeramente

localeretardaadecisãodeassuntosadministrativos,que,naesfera

dascomunidadesinteressadas,encontrariamrápidaouinstantânea

solução,porquantonãoficariamtaiscomunidadesàesperaqueos

agentessuperioresdopodersefamiliarizassemcomostemas

pendentes,paradar-lhemuitasvezesarespostamaisinconvenienteou

inadequadaàsexigênciasdecadacasoconcretoeparticular.

4.OEstadounitáriodescentralizado:adescentralização

administrativa

AdescentralizaçãoédetodocompatívelcomoEstadounitário.

Masunicamenteadescentralizaçãoadministrativa,vistoquea

descentralizaçãopolíticajásedeslocaconceitualmenteparaaesferado

Estadofederal.

Hádescentralizaçãoadministrativaquandoseadmitemórgãos

Page 308: Ciência Política - Archive

locaisdedecisãosujeitosaautoridadesqueaprópriacomuna,

departamento,circunscriçãoouprovíncia(poucoimportaquenome

tenhaadivisãoterritorialdoEstadounitário)venhamainstituir,como

propósitodesolverouordenarmatériadeseurespectivointeresse.

Essadescentralizaçãoécaracteristicamenteadministrativa,

porquantosetratadefaculdadesderivadas,delegadas,oriundasdo

podercentral,quefazsubsistirsemnenhumaquebraaunidadedo

sistemajurídico.Opodercentralapenastransmitedeterminadaparcela

depoderesàscoletividadesterritoriais,conservandoporémintactae

permanenteatutelasobreosquadroslocaisdecompetência.Traçopor

conseguintedefinidordadescentralizaçãoadministrativavemaseressa

ausênciaprecisadeautonomiaouindependência.

Nãoseinstituiaqui,comaautoridadequedecide,umpoder

origináriodearbítrio,uminstrumentosoberanodecomando,vistoque

assim,aoinvésdeadministrativa,seconverteriaempolíticatal

modalidadededescentralização.DoEstadounitárioteríamospassado

jáaoEstadofederal.Significa,comosevê,adescentralização

administrativatão-somenteoexercíciodeprerrogativasporpartede

gruposque,aoexercitá-las,nãocortamtodaviaoslaçosdedependência

queosprendemaopodercentral,quantoàatividadeexercida,nem

fraturamtampoucoaunidadedessemesmopoder.

Page 309: Ciência Política - Archive

Emverdade,nãoéovolumedasatividadesnemarigora

discriminaçãodamatéria,quandoesta,porsuanaturezapolíticaou

administrativa,decisóriaouinstrumental,seconverteemobjetode

ação

da

autoridade

descentralizada

aquilo

que

configura

incontrastavelmenteoteoradministrativodadescentralização.

Faz-semisterbuscaroprincípiodistintivomenosnarepartição

materialdascompetências,queseinseremnumcampocontroverso

quantoaocaráterdosatospromovidospelaautoridadelocalou

regional,nosquaisdificilmentesedeterminaarespectivafeiçãopolítica

ouadministrativa,doquenotítulojurídico,medianteoqualessa

mesmaautoridadesedesincumbedasaludidasprerrogativas.

Comefeito,édecisivoparaessefimaqualificaçãojurídicado

sujeitooudacomunidadequeoutorgouasregrasdebaixodasquaisele

oueladevereger-se,ouqueencetouatividadesdeinteressepróprio.Se

talcompetênciaéoriginária,seseprendeaumprincípiodelivre

Page 310: Ciência Política - Archive

determinação,deautogestãoprimáriadacomunidade,semquaisquer

laçosdehierarquiaaumaparelhocoercitivosuperior,providoportanto

deautonomiaouindependênciaotitular,estamosagoraempresença

não

de

funções

de

uma

coletividade

administrativamente

descentralizada,masemfacedeumpoderpolíticodevidamente

constituído.

CompostoenãosimplesouunitárioseriaoEstadoaque

semelhantepodersereferisse.Estabelecer-se-iaademaisporesse

caminhoapluralidadedasordensjurídicas,destafeitaconcomitantes,

concorrentes,paralelas.Suprimir-se-iadomesmopassoaexistênciano

Estadodaexclusividadeouunidadedaidéiadedireito,politicamente

positivadaatravésdeumpoderinicialúnicoeemancipado.Elevar-se-ia

enfimacomunidadeàcondiçãodepoderpolítico.

Masascoletividadesdescentralizadas,pormaisextensoqueseja

ocampomaterialdesuacompetêncianoexercíciodeatividadesquelhe

Page 311: Ciência Política - Archive

dizemrespeito,pormaisfecundaafontesociologicamentegeradorade

normasjurídicas,têmaprevalência,aafirmaçãoeaobservânciade

suasnormassobadependênciatodaviadaconsagraçãoquevenham

elasareceberdoordenamentopolíticoúnico,queéoEstadounitário.

Fazestesemprelimitada,revogável,condicionada,dependentee

derivadaaquelacapacidadejáreferidaquepossuemosorganismos

descentralizadosdeeditarnormasouexerceratividades.

Todoexercíciodeprerrogativas,sujeitopoisalaçosde

dependência,patenteia,nesseaspectodefiliação,subordinaçãoou

derivação,jáocaráteradministrativoenãopolíticodadescentralização.

ÉoqueocorreevidentementenoEstadounitário.

5.OEstadounitáriodescentralizadoeoEstadofederal

Deumaparte,adescentralizaçãocadavezmaisassinaladaem

determinadosEstadounitários,comonocasodaItália,comafigura

jurídicadasRegiões(criaçãoconstitucionaldepós-guerra),edoutra

parteosprogressivosmovimentoscentralizadoresqueseobservam

contemporaneamenteemtodasasformasconhecidasdeEstadofederal,

vêmacarretandoconsideráveisdificuldadesdoutrináriasàfixaçãodos

critériosdistintivosentreoEstadounitáriodescentralizadoeoEstado

federaldetendênciascentralizadoras.

Temosqueomelhorcritérioaindaéaquelereferido,quando

Page 312: Ciência Política - Archive

caracterizamos

a

descentralização

administrativa,

a

saber,

a

dependênciadosórgãosdescentralizadosquantoaoEstadounitário—

dependênciaqueemprestaporconseguintecaráteradministrativoa

essadescentralização—eaindependênciadessesmesmosórgãos,em

setratandodeEstadofederal.

Emordemaevitarqualquerequívoco,aosuscitar-seoproblema

dasRegiõesitalianas,dotadasdecompetêncialegislativa,tantoquanto

oEstado-membrodacomposiçãofederativa,bastarialembrarou

advertirquealiacompetênciaarigornãoequivaleaautonomiapolítica,

vistoqueasfaculdadeslegislativasdaRegiãoexprimemtão-somenteos

princípiosdeumamesmaordemjurídica,nãoocorrendonenhuma

lesão,quebraousecessãodoordenamentoestatal,quesubsisteassim

unitárioeconsagrasoberanamenteavalidadedasregraseditadaspelos

órgãosregionais,sujeitando-osademaisnessamesmacompetência

aparentementepolíticaàintervençãoeventualdeórgãosestatais

Page 313: Ciência Política - Archive

superiores.NoEstado-membrodaFederação,aocontrário,ocorre

dualidadeefetivadepoderespolíticos,desistemasjurídicosdistintos,

autônomosecorrelatos.

OpublicistafrancêsCharlesDurand,tãoabalizadoemmatéria

federativa,desprezaporfatoresdistintivosentreoEstadounitário

descentralizadoeoEstado-membrodoEstadofederalaextensãodas

autonomiasrespectivas,aorigemhistóricadascoletividadesem

questão,bemcomoocritérioqueelereputacorretoparaofederalismo

doséculoXIX,ejáhojeimprestável,daparticipaçãodosEstados-

membrosnaformaçãodavontadefederal,entendendomaisseguro

tomarporpontodeapoioaseguintebasediversificadora:“noEstado

unitáriodescentralizadoaleiordináriabastaparafixaremodificaro

regimejurídicodascoletividadesinternas”,aopassoque“noEstado

federal,cabeessepapelnãoàleiordinária,masaumaconstituição

rígida,aqual,postoquenãosejaintangível,étodaviamuitomaisdifícil

demodificarquealeiordinária”.8

Daquiseconclui,segundoapautadeidéiasexpostaspelomesmo

autor,queasgarantiasdaordempolíticaaostatusjurídicodos

organismosinternos—noEstadounitáriodescentralizadomenos

firmes,noEstadofederal,maisaprofundadaspelaproteçãoqueo

formalismoconstitucionalconfere—sãocomefeitoodadomenos

Page 314: Ciência Política - Archive

controversocomquedistinguiroEstadounitáriodoEstadofederal,em

presença

das

surpreendentes

variações

descentralizadoras

e

centralizadoras,respectivamenteobservadasdeúltimocomrelaçãoa

essasdistintasformasdeorganizaçãodoEstado.

1.OresteRanelletti,IstituzionidiDirittoPubblico,13ªed.,atualizada,p.147.

2.Idem,ibidem,p.147.

3.MarcelPrélot,IstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,pp.225-226.

4.MarcelPrélot,ob.cit.,p.224.

5.JeanDabin,DoctrineGénéraledel’État,p.304.

6.MarcelPrélot,ob.cit.,p.226.

7.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.II,pp.326-327.

8.CharlesDurand,“LatechniqueduFédéralisme”,in:LeFédéralisme,pp.180-181.

12

ASUNIÕESDEESTADOS

l.AsUniõesdeEstados:1.1UniõesparitáriaseUniõesdesiguais

Page 315: Ciência Política - Archive

—1.2UniõesdeDireitoInternacionaleUniõesdeDireito

Constitucional—1.3UniõessimpleseUniõesinstitucionais—2.A

Uniãopessoal—3.AUniãoReal:3.1TeoriajurídicadaUniãoReal

—3.2DoconceitodeUniãoReal—3.3Aspectosjurídicos,políticos

eadministrativosdeUniãoReal—3.4Exemploshistóricosde

UniãoReal—4.AConfederação—5.A“Commonwealth”—6.As

Uniõesdesiguais:oEstadoprotegidoeasmodalidadesde

Protetorados—7.OutrasformasdeUniõesdesiguais:7.1OEstado

Vassalo—7.2OEstadosobmandatoeadministraçãofiduciária—

8.DoProtetorado“imperialista”aoProtetorado“ideológico”(e

imperialista).

1.AsUniõesdeEstados

AsUniõesdeEstados(Staatenverbindungen)sãoobjetode

classificaçõesdiversas,queentremostramsobretudoasincertezase

dificuldadespresentesaosdiversoscritériosseguidos.Ocorrealiásno

campodoDireitoConstitucionaltendênciaparatomá-lassegundoa

maisamplaacepçãopossível.

QuandodoisoumaisEstadosseunem,asrelaçõesdaí

decorrentesseprocessamoraemtermosdedependênciae

desigualdade,oradeparidadeeindependência.Naevoluçãopolítica

maisrecente,asúltimas—relaçõesdeparidadeeindependência—são

Page 316: Ciência Política - Archive

asformasdominantes,aopassoqueasprimeiras—relaçõesde

dependênciaededesigualdade—sevãotornandorelativamenteraras;

tendematéatomarnaexistênciadosEstadoscaráterexcepcionalou

pelomenostransitório,constituindofaseintermediáriaquepreparaou

aincorporaçãototalouainteiraseparação(Nawiasky).

1.1UniõesparitáriaseUniõesdesiguais

SegundoaclassificaçãodoprofessorNawiasky,asUniões

paritáriasabrangemduasmodalidadesdistintas:asUniõesdesprovidas

deorganizaçãoeasUniõesorganizadas.

Asprimeiras—asUniõesdesprovidasdeorganização—que

Prélotinsisteemnãoconferir-lhessequerograudeUniãodeEstados,1

excluindo-asdetodaaclassificação,compreendemascomunidades

administrativas,queregulamentamassuntosestritamentetécnicosou

administrativos,quaisosdenavegaçãoeaduana,bemcomoas

alianças,comfinspolíticosoumilitares.

Assegundas—asaber,asUniõesorganizadas—dispõemde

órgãoscomunseabrangem,segundoaquelepublicistaalemão,as

comunidadesadministrativaspermanentesouorganizadas,comoas

queentendemcommatériasdepeso,moeda,tráfego,correio,etc,eas

ConfederaçõesouFederaçõesdeEstados(Staatenbund)easUniões

(UniãoPessoaleUniãoReal).

Page 317: Ciência Política - Archive

AdmiteaindaNawiaskyentreasUniõesorganizadasoEstado

Federal(Bundesstaat),que,segundoele,podeserconcebidocomouma

“Confederaçãoqualificada”,naqual,aoladodosEstados-membros

inicialmentepresentesseacrescentaoEstadocentral,comomembro

ulteriordacomunidadedeEstados.2

AsUniõesdesiguaisimplicamsemprelaçosdesujeição

hierárquicadapartedeumoumaisEstadospostosnumaesfera

inferiordeproteçãoevassalagememfacedoEstadoprotetorou

suserano,cujasuperioridademanifestacomunicaàrelaçãoestatal

notóriocaráterdedependência.

SãoformasdeUniãodesigual:oEstadovassalo,oEstado

protegidoouProtetoradoeoEstadosobmandatoouadministração

fiduciária.

1.2UniõesdeDireitoInternacionaleUniõesdeDireitoConstitucional

Aclassificaçãoquejáenunciamosevamosadotarparaefeito

didáticonodesenvolvimentodestecapítulodistingue,comovimos,as

UniõesiguaisouUniõesparitáriasdasUniõesdesiguais,istoé,na

linguagemdeDelVecchio,as“sociedadesentreiguais”das“sociedades

entredesiguais”.

Deve-seporémfazermençãodeoutrasclassificaçõesigualmente

lúcidascomasdeGieseeBiscarettidiRuffia,queserãoobjetoaseguir

Page 318: Ciência Política - Archive

deexposiçãosumária.

AsUniõesdeEstados,segundoGiese,sãodeDireitoInternacional

oudireitoexternoedeDireitoConstitucionaloudireitointerno.

Asprimeiras—UniõesdeDireitoInternacional—podemtomar

tantoaformacomunitária(comunidade)comoaformasocietária

(sociedade).Apresentam,consoanteaqueleautor,aformacomunitária

quandocriamórgãoscomunsdenaturezaadministrativaoujudiciária,

consistindoentãoaUniãonapresençadeummesmochefeparaos

Estados-membros.TalsedánocasodaUniãoReal,modelocomunitário

deuniãodeEstados.

Traduzem-sepelaformasocietária(sociedade)todavezqueo

pactoouacordoengendraorganizaçõesinterestatais.AConfederação

pertenceàformasocietária,apardecertasorganizaçõesinternacionais,

taiscomoaUniãoPostalInternacional,oFundoMonetário

Internacional,aOrganizaçãodasNaçõesUnidasesuasagências

especializadas,aexemplodaUNESCO(“UnitedNationsEducational

andScientificOrganization”),easuniõesaduaneiras,àsemelhançado

BENELUX(Bélgica,HolandaLuxemburgo),oMercadoComumEuropeu,

etc.

Asúltimas—UniõesdeDireitoConstitucional—sãoaquelasque

sefundamnoordenamentointernoestatal,ressaltandodentreas

Page 319: Ciência Política - Archive

mesmas,comoprincipal,nostemposemcurso,aFederação.

1.3UniõessimpleseUniõesinstitucionais

OconstitucionalistaitalianoBiscarettidiRuffiadistingueas

UniõessimplesdasUniõesinstitucionais.3

AsUniõessimplesnãodãoorigemaumacomunidadedeEstados,

masimplicamapenasaçãocoordenadadeváriosEstadosparaa

obtençãodefinscomuns.Abrangemasalianças,asUniõesde

Protetorado,easUniõesdetutela,estasúltimas,segundoaconcepção

doantigomandatoinstituídopelavelhaSociedadedasNações,e

renovadonostermosdamodernaadministraçãofiduciária,estabelecida

pelaCartadasNaçõesUnidas.

AsUniõesinstitucionaisjáproduzemverdadeirasUniõesde

Estadoemsuaacepçãoprópria.CompreendemasUniõesgerais,as

UniõesparticulareseasUniõesdoEstadocomplexooucomposto(os

chamados“EstadosdeEstados”).

AsUniõesgerais,nodizerdopublicistapeninsular,sãouniões

abertaseabrangemtodaacomunidadeinternacional,aOrganização

dasNaçõesUnidaseasUniõesadministrativasinternacionais.

AsUniõesparticulares,uniõesmaisfechadas,incluemformas

clássicaseformascontemporâneas.Entreasformasclássicasfigurama

ConfederaçãoouFederaçãodeEstados(Staatenbund),asUniões

Page 320: Ciência Política - Archive

monárquicas(UniãoRealeUniãoPessoal)eosProtetoradoscoloniais.

Quantoàsformascontemporâneas,temosasUniõesregionais(a

OrganizaçãodosEstadosAmericanos,aLigaÁrabe,porexemplo)eas

Uniõessupranacionais(aCommonwealtheaUniãoFrancesa).

AsUniõesdoEstadocomplexooucomposto(EstadosdeEstados)

sãoasUniõesdevassalagem,outroraconhecidastambémcomo

EstadosdeEstados(Staatenstaat)eoEstadoFederal(Bundesstaat).

Cumpreassinalar,concluindo,queaexpressãoUniõesde

Estadosnalinguagemmaisantigadospublicistasdesignavaemsentido

genéricoofenômenodofederalismoeemsentidorestritoasUniões

monárquicas(UniãoRealeUniãoPessoal).

Compreende-seassimarazãoporqueGeorgesScelleafirmaque

“adoutrinaclássicadistinguetrêsfenômenosdefederalismoentreos

Estados:asUniõesdeEstados,asConfederaçõesdeEstadoeos

Estadosfederais”.4

2.AUniãopessoal

Dá-seaUniãoPessoalquando,acidentaleinvoluntariamente,as

leisdesucessãodacoroafazemporcoincidênciaqueumsópríncipe

ocupedoistronos,tornando-seassimotitularcomumdopoderem

Estadosqueseconservamtodaviaindependentes.

SãoexemploshistóricosdeUniãoPessoal:InglaterraeHanover

Page 321: Ciência Política - Archive

(1714-1837),PrússiaeNeurenburg,(1707-1837),PaísesBaixose

Luxemburgo(1815-1890),DinamarcaeIslândia(1918-1941),Saxôniae

Polônia(1697-1763),aAlemanhaeEspanha,sobCarlosV(1519-1556),

etc.

Na

União

Pessoal

deparam-se-nos

os

seguintes

traços

dominantes:a)aUniãoécasualoufortuita,decorrentedemera

coincidêncianaordemsucessóriadinástica(Stier-Somlo);b)temcaráter

transitório,vistoquecessaovínculocomaextinçãodadinastiaoua

apariçãodeimpedimentosjurídicos,quaisosquepuseramtermoà

uniãopessoaldaInglaterracomHanover,aotempodaRainhaVitória,

poisnesteúltimoreino,comaleiSálica,asmulheresficavamexcluídas

dasucessãoaotrono;c)nãoseformanenhumfundamentojurídico

unitárioentreosEstadosparticipantes,quemantêmintactasua

soberania,sendoaUniãodestituídadepersonalidadejurídica

internacional,desortequeomonarcaatuacomochefedegovernos

Page 322: Ciência Política - Archive

separadosedistintos:d)inexistemrequisitosespeciaisparaa

dissoluçãodaUniãoPessoal,quesedesfazporsimesma,bastandopor

exemplosevenhaasubstituirapessoadomonarcaporumregente,

aindaqueesteexerçaopoderemnomedaquele(NawiaskyeSeidler);e)

oúnicotraçodeuniãoentreosEstadosficasendoapessoadomonarca

comum,quesimultaneamentepodepresidirainstituiçõesdistintase

atémesmoopostas,comonocasodaUniãopessoaldaBélgicacomo

EstadoLivredoCongo(1885-1908),quandoomesmoreinumEstado

eramonarcaconstitucional,noutromonarcaabsoluto(Prélot),conforme

sedeucomLeopoldoII,cujamorteocasionouofimdareferidaUnião,

volvendo-seoCongoemsimplescolôniadaBélgica.

AUniãoPessoaltorna-secadavezmaisrara,àmedidaquese

observaodeclíniouniversaldosistemamonárquico.

ContraessaformadeuniãodeEstados,dequesãotantosos

exemploshistóricos,semprehouvejustificadadesconfiança.Fez-se

objetodeabusoscomomeiopreparatóriodestinadoageraruniãomais

firmeouatémesmofusãodeEstadosoriginariamentedistintos.Tal

ocorreunocasodeCastelaeAragão,comIsabeleFerdinando,da

InglaterraedaEscóciacomosStuarts,edaÁustriaeHungria,

consoanteassinalamJellinekeMaxSeydel.

AlgunsEstadosmonárquicoschegamatomarmedidas

Page 323: Ciência Política - Archive

acauteladorascontraessaformadeUniãoque,juridicamente

irrelevanteouinexistente(SantiRomano),temtodaviaconsiderável

importânciapolítica.Sobesseúltimoaspecto,porexemplo—opolítico,

—aUniãoPessoalfazimpossível,oupelomenosabsurda,aguerrados

Estadosparticipantes,quelevariaummonarcaaencetaraguerra

contrasimesmo.Oparalelismodosdoisordenamentosjurídicos

distintosnãoexcluitodaviaacelebraçãodetratadosealiançasentreos

Estadosadmitindo-sepoliticamenteahipótesedeumestarempazeo

outroemguerracomterceiros.

Osautoresalemãeseitalianosordinariamentedãotodaaênfase

àUniãoPessoalcomoformaassociativadecunhoestritamente

monárquico.OpublicistafrancêsMarcelPrélot,todavia,emposição

contráriaadeJellinek,entendeaesterespeitoqueépossívelencontrar

tambémaUniãoPessoalnossistemasrepublicanos,comaeleiçãode

umsóPresidenteparaváriosEstados.Segundoele,assimaconteceu

comBolívar,PresidentesimultaneamentedetrêsRepúblicas:oPeru,

em1813;aColômbiaem1814,eaVenezuela,em1816.5

3.AUniãoReal

ComaUniãoRealverifica-seassociaçãodeEstadosemqueo

vínculoresultapropositaledeliberado,fundadonavontadeunânimee

convergentedosEstados-membros.Aocontrário,pois,daUnião

Page 324: Ciência Política - Archive

Pessoal,caracterizadapelaausênciadeintencionalidadeeocorrentepor

meroefeitodoacaso,conformevimos.

TraçoinseparáveldaUniãoRealéapresençadomesmomonarca,

emcujapessoaseresumeanoçãodessaformadepluralidadeestatal,

queadmitedemodoapenasacidentalenãobásicoaexistênciade

instituiçõescomunsaosEstadosparticipantes,comoparlamentose

ministérios.

RessaltaJellinekqueaUniãoRealéformadeassociaçãoum

tantoraranopassado,compoucosexemplosnopresenteede

reapariçãoproblemáticaedifícilnofuturo.Sendotípicadostempos

modernossurgeapenasquandoasmonarquias,alcançandograumais

altodedesenvolvimentooperamaconsolidaçãodaunidadeestatal,

medianteotriunfodarealezasobreavelhaordemdascorporações.Do

pontodevistapolítico,entendeaqueleautoralemão,nessamesma

seqüênciadereflexões,quenaUniãoRealestáareceitadequese

valeramasmonarquiasquandoimpotentesemalogradasseviramem

suasdiligênciasporfundarumEstadounitário.Comoasdiferenças

nacionaisimpediameventualmenteesseresultado,fez-seusode

referidaformadecompromisso.6

3.1ATeoriajurídicadaUniãoReal

VáriasteoriasbuscamexplicaranaturezajurídicadaUniãoReal.

Page 325: Ciência Política - Archive

SegundoSantiRomanoasprincipaissão:a)ateoriaqueconsideraa

UniãoRealcomoordenamentointernacional;b)aquereputareferida

modalidadedeUniãoverdadeiroordenamentoestatal,formadopelasleis

constitucionaiscomunsdosdoisEstados;c)ateoriadoparalelismo,

quenegaaoordenamentocaráterjurídico,masosupõeresultantedo

paralelismoestabelecidoentreosdoisEstadoscomponentesdaUnião,

quandoestes,mediantelegislaçãocorrespondenteourecíproca,

resolvem,porcontaprópria,instituiromesmomonarca,ensejando

assimaapariçãodeumconjuntodenormastão-somentesociais,

destituídasporémdecaráterjurídico.7

Oconspícuojuristaitalianoentendeaindaquereferidasteorias

sãoerrôneaseinsustentáveis,achandoqueaUniãoReal,embora

origináriadeumasituaçãodefato,podetodaviaadquirircaráter

“plenamentejurídico”.

Tomandoporincorretaasegundadaquelasteoriasmencionadas,

queassentaabasedaUniãoRealsobreleiconstitucional,afirma

JellinekcomofundamentojurídicoúnicodereferidaUniãooacordo,ou

seja,avontadecomumdosEstados.8

OinternacionalistafrancêsGeorgesScellenãofazgrandecabedal

darigorosacaracterizaçãojurídicadaUniãoRealqualaquesecontém

nasteoriasprecedentes.

Page 326: Ciência Política - Archive

Presomaisàobservaçãoeevidênciadosfatosdoqueàcerteza

doutrinária,asseveraele,umtantoeclético,que“ofederalismo

unionistapodeindiferentementeterporbaseumaConstituição(Suécia

eNoruega,AtodeCarlosXIII,1815)asaber,umatoregulamentar,na

aparênciaunilateral;umtratadoentregovernosinteressados,istoé,

umaregulamentaçãoconvencionalouatélegislaçõesparalelas,nos

Estados

interessados

(na

Áustria-Hungria,

por

exemplo,

pelo

compromisso

de

1867),

cuja

elaboração

haja

sido

porém

Page 327: Ciência Política - Archive

necessariamentenegociada”.9

3.2DoconceitodeUniãoReal

Amaiorpartedosautoresachaqueaintençãodeestabelecerde

mododuradouroesobquaisquercircunstânciasummonarcacomum

paradoisEstadosdefineessencialmenteaUniãoReal.Detodo

irrelevantequetalvontadesecontenhademodoexpressonumacordo

ouseexerçaimplicitamente(Anschuetz).Aesserespeito,oqueimporta

éoconteúdodevontade,ouseja,aintençãodeassentarsobredois

tronosdiferentesomesmomonarca.

JuristascomoAnschuetz,MaxvonSeydel,Jellinek,Mortatitae

BiscarettidiRuffiavêemaíapartefundamentaldoconceito.

Noentanto,orealquedánomeaessamodalidadedeUnião,não

derivaderex,rei,masderes,coisa,emcontraposiçãoàidéiadepessoa,

quequalificaaUniãoPessoal.Essacomunhãodecoisas,interessesou

negóciosserviudebatismoatalmodalidadedeUniãoeimpeliuos

Estadosaolaçoassociativo;nãochegaporémaserelemento

constitutivoessencial,mastão-somentepressupostodovínculo

estabelecido.OfundamentosobreoqualassentaoconceitodaUnião

Realéparaaquelacorrentedeautoresadeterminaçãovoluntáriade

estabeleceraUniãodemodoinstitucionalnapessoadomonarca

comum.

Page 328: Ciência Política - Archive

Osórgãosgeraisquepromovemagestãodosinteressescomuns

sãodadosapenasacessórios,deexistênciaocasional,nãotendo

ademais,segundoG.Meyer,ocaráterdeórgãosdeumacomunidade

maioresuperioraosEstados,senãoqueexistemtão-somentecomo

órgãosdecadaEstadoparticulareassociado.10

Demododistinto,todavia,parecempensarjuristasda

envergaduradeHauriou,PilottieRanelletti.Comefeito,escreveeste

últimoqueaUniãoReal“consistenauniãodedoisoumaisEstados

paraproveremcomumecomórgãoscomunsdeterminadas

matérias”.11

MaisexplícitoaesserespeitovemasersobretudoPilotti,quando

nosdáoseguinteconceitodeUniãoReal:“PoroposiçãoaosEstados

quenãoestãounidossenãonapessoadeseuchefe,aUniãoReal

associaosEstadosrelativamenteaoobjeto,resdesuaatividade

comum”.

Comosevê,taisjuristasfazemdacomunhãodosinteressesparte

necessáriadoconceitodeUniãoReal.

3.3Aspectosjurídicos,políticoseadministrativosdaUniãoReal

Dentreosaspectosjurídicos,políticoseadministrativosdaUnião

Realcumpreressaltarosseguintes:a)aUniãoReal,adespeitodeseu

carátermonárquicoseassemelhamaisàConfederaçãodoqueàUnião

Page 329: Ciência Política - Archive

Pessoal;b)entreosEstadosparticipantesnenhumaguerraépossível;c)

adefesacomumcoobrigaosEstados-membrosdaUniãoemfacedos

demaisEstados;d)aUniãoRealnãochegaaconstituirnovosujeitode

direito:cinge-seaumarelaçãojurídica,nãocriaportantonovoEstado

masapenasumauniãodeEstados;e)aUniãoReal,nãosendoEstado,

nãoengendranenhumpoderdotadodesoberania,acujavontadese

dobremosEstadosparticipantesdaUnião(Jellinek);f)aUniãoReal

abrangeviaderegraEstadosterritorialmentecontíguos(Georges

Scelle);g)asoberaniadosEstados-membrospermaneceintacta,

conservando-seelesindependentesentresi,adespeitodoacordoque

instituíaUniãoReal;h)aUniãoporsimesmanãoelaboraleis

(Jellinek);i)aUniãoRealexcluiadministraçãounitária,nacionalidade

própria,territóriounitárioeeconomiacorporativa,masadmite

administraçãocomumeeconomiasocietária(Jellinek);j)aUniãoReal,

quantoàsuaduração,sesupõepermanenteoutransitória,cingindo-se

nesteúltimocasoàexistênciadeumadinastiaouaoperíododepoder

deumgovernante(vonSeydel);k)dissolve-seaUniãoRealporacordo

dosEstadosmembrosoupelaextinçãodostratados,comoéfreqüente

apósotérminodeumaguerra(Ranelletti);1)comaUniãoRealos

Estadosusualmenteestabelecemexércitoemarinhacomuns,adotama

mesmapolíticaexternaetantoenviamcomorecebemdiplomatas

Page 330: Ciência Política - Archive

comuns(Ranelletti);m)osoberano,assimcomoosministroscomunse

osdiplomatasnãoatuamnacategoriaderepresentantesdeumsó

poder,umtodojurídicoúnico,orgânico,acimadosEstados,senãoque

representam

os

Estados-membros

na

unidade

da

comunhão

(Ranelletti);n)asrelaçõesentreosdoisEstadoscomponentesdaUnião

sãorelaçõesinternacionais(GeorgesScelle).

3.4ExemploshistóricosdeUniãoReal

OImpérioAustro-Húngaroofereceoexemplomaisidôneoe

significativodeUniãoReal.Ocompromissode1867,dequeresultou

essaformaçãopolítica,hásuscitadoalgumasdúvidasdejuristas,que

admitemhajaaUnião,até1907,gozadodepersonalidadeinternacional,

furtando-seassimdecertomodoàquelequadrojávistode

caracterizaçãodessaformadevinculaçãodeEstados.

Depoisde1907até1918,quandoaUniãosedissolveuapósa

PrimeiraGuerraMundial,essaaparênciadesujeitodaordem

Page 331: Ciência Política - Archive

internacionalconferidapormuitosaoimpérioAustro-Húngaro,como

queseextingue.

Nocasovertente,observa-seademaisqueamesmapersonalidade

eraaumtempoImperadordaÁustriaeReidaHungria:como

ImperadordaÁustria,chamava-seCarlosIecomoReidaHungria,

CarlosIV(Kuechenhoff),ali,portanto,coroaimperial,aqui,coroareal,

ficandoassimaUniãoestritamentereduzidaàpessoadomonarca.A

comunhãoporconseqüênciasefezapenasnapessoadosoberano,

permanecendotodaviadistintoseseparadososórgãosoutítulosda

direçãosuprema.

ExemplotambémdeUniãoRealnaEuropafoiaquese

estabeleceuentreaSuéciaeaNoruega,em1815,comduraçãoaté

Page 332: Ciência Política - Archive

1905.ADinamarcaeaIslândia,segundocertosautores,constituíram

porigualexemplodeUniãoReal,desde1918atéaSegundaGuerra

Mundial.

4.AConfederação

Semperdadasrespectivassoberanias,podemváriosEstados

associar-sedebaixodeformaestáveldeunião,quelhesconsenteseguir

políticacomumdedefesaexternaesegurançainterna,medianteórgãos

interestatais,cujospoderesvariamquantoàespécieeaonúmero,

conformedelegaçãocometida.Essaformatomouhistoricamentea

denominaçãodeConfederação.

Encontramo-lanosseguintesexemplos:aConfederaçãodos

PaísesBaixos(1579),aConfederaçãodosEstadosUnidos(1778-1787),

aConfederaçãoSuíça(1815-1848),aConfederaçãodoReno(1806-

1813)eaConfederaçãoAlemã(1815-1866).DasConfederações,

algumassedissolveram,outrasseconverteramemEstadosfederais,e

umaatépassouaEstadounitário,comofoiosingularcasodaHolanda,

referidoporPréloteLeFur.

Presentemente,hádiversosmovimentosinternacionaisque

poderãodemodoeventualconduziràreapariçãodessaespéciede

Page 333: Ciência Política - Archive

união,cujaforçaagregativapermanecevivaeinexausta.

Aobservaçãohistóricanosensinaqueosistemaconfederativo

oferecequasesempreumremédioparaaausênciadeunidadepolítica

ouestataldeumpovo,umasoluçãoprovisóriaouintermediáriapara

Estadosdistintos,masculturalmenteirmanadospelahomogeneidade

dasbasesnacionaiscomoosEstadosárabes,porexemplo;umprimeiro

passonapreparaçãodeuniãomaisíntima,comoaFederação,daqualo

sistemaconfederativosefazprecursor;ummeio,enfim,demelhor

salvaguardarinteressesquedestasorteficammaisseguramente

resguardadoscomauniãodoquecomaseparaçãodosEstados.

Da

Confederação

resultam

determinados

elementos

de

identificação,consoanteentramosaenumerar:

a)AConfederação,comosociedadedeEstadosjuridicamente

iguais,queseconservamautônomosesoberanos,repousanumtratado

enãonumaConstituição.

b)AConfederaçãonãocrianenhumpoderestatal,nenhum

Page 334: Ciência Política - Archive

ordenamentoprovidodeimperiumsobreosEstadosparticipantesda

comunhão(Jellinek),nenhumsujeitodedireito,nenhumcorpodotado

deórgãosefunçõespróprias,nenhumvínculodedireitopúblicointerno

entreosEstados;criou-setão-somentemedianteaConfederaçãouma

relaçãojurídicainternacional,umsistemadecoordenaçãodevontades

políticas,cujabasecontratualassentavisivelmentesobreumalimitação

consentidadasoberaniadecadaEstado-membroparaconsecuçãode

finscomuns.OslaçosconfederativossãoporconseqüênciadeDireito

InternacionaleasrelaçõesentreosEstadosdeordemdiplomática.

c)OpoderdaConfederaçãolidacomEstadosenãocomcidadãos.

Nenhumaatribuiçãoexercemsobreosindivíduososórgãosinstituídos,

vistoqueaConfederaçãonãoengendraumacidadania,nãopossui

territóriopróprio,nãoconstituisequerumpoderestatal,mas

simplesmente,comovimos,umaUnião,um“compostodeEstados”e

nãoum“Estadocomposto”(Prélot).

d)Reconhece-seàConfederaçãoodireitodesecessão.Comoos

poderesconsentidosoudelegadosparaproverfinscomunsdeordem

militarediplomáticasãoespecíficoselimitados,apresunçãoem

matériacontroversaéfavorávelaosEstadosconfederados.Conservando

intactaasoberania,podemestesdenunciarotratadoeretirar-seda

Confederação.

Page 335: Ciência Política - Archive

e)Ocorpodeliberantequeservedeinstrumentocomumaos

EstadosconfederadossechamaDieta.Compõe-sedeChefesdeEstados

ouembaixadores,quetomampormaioriadevotosasdecisões

enquadradasnacompetênciadaConfederação,cujospoderestodaviasó

sealargamporunanimidade.Viaderegraaquelasdecisõesseadotam

adreferendumdosgovernosdosEstadoscomponentes.

f)AaçãounitáriadaConfederaçãoseprojetaordinariamentepara

foraenãoparadentro,ditadaprincipalmentepelasrazõesimperiosas

quejustificamaexistênciadessaassociaçãodeEstados,aqual,em

temposdeguerra,porexemplo,demandaidentidadeabsolutade

comandoepolíticaexterna.

g)Comoaatividadeconfederativasefaznomeadamenteparafora,

noâmbitodasrelaçõesentreEstados,oDireitodasGentesreconheceà

Confederaçãopersonalidadeinternacional.Arigor,trata-sede

impropriedade,porquantoaConfederaçãonãoconstituiEstado,por

minguar-lhe,conformeasseveraJellinek,otraçoessencialdetodo

ordenamentoestatal,asaber,opoderdeimporumavontadequenão

fiquecondicionadapelavontadedequemquerqueseja.12

h)NaConfederação,aocontráriodoquesepassanasFederações,

atônicadopoderrecaisobreosEstadossingulares,formandoestesa

variedadedeassociação,que,segundoPrélot,maisatendeaoideal

Page 336: Ciência Política - Archive

proud-honiano.Esseidealseachacifradonaquelaformadefederalismo

preconizadapeloautordaobraDoPrincípioFederativo,equeconsiste

precisamentenumcontratoemqueoscontratantes“ressalvammais

direitos,liberdades,autoridadeebensdoqueaquelesdequese

despojamaoformaremopacto”.13

5.A“Commonwealth”

Ogêniopolíticodopovoinglês,decarátertãoacentuadamente

anti-federalista,

de

índole

tão

predominantemente

unitarista,

desenvolveu,nãoobstante,certaformatípicadeassociaçãodeEstados

—a“Commonwealth”oucomunidadedeEstados—quenãose

coadunacomossistemasconhecidosdeuniãoestatal.

A“Commonwealth”representademodoaparenteopontode

chegadadaevoluçãopolíticaeconceitualdoantigoImpérioBritânico,

emcujahistórialemos,segundoZimmern,trêsfasesdistintasde

compassado

desdobramento:

Page 337: Ciência Política - Archive

colonialismo,

autonomia

ou

self-

governmentesoberania.

OPrimeiroImpérioBritânicopertenceaoséculoXVIII.AGrã-

Bretanhasegueentãoumapolíticaqueemnadasedistinguedaquela

seguidapelasdemaispotênciascoloniais.Ametrópole,basedeum

podercentraleabsoluto,regesuascolôniascomamesmamão-de-ferro

detodasascoroasquedesfrutavamoantigosistemacolonial,fundado

nomonopóliodocomércioenaespoliaçãoeconômicadaspopulaçõesde

Ultramar.

Emalgumaspartesporémacolonizaçãopeloelementoanglo-

saxônico,qualocasodas13colôniasamericanas,trouxedesdeo

princípioacentuadosentimentoautonomista,concomitanteàprópria

fixaçãodapopulaçãocolonial,sentimentopostodesdelogoem

antagonismoecontradiçãocomosmaisempenhadosinteressesda

metrópole.

OSegundoImpérioBritânico,deZimmern,começaquandoa

consciênciadirigentedoImpériodescobrequeasuapolíticacolonialde

inteiraignorânciaesupressãobrutaldosentimentoautonomista

Page 338: Ciência Política - Archive

conduziriainevitavelmenteaocolapsodaunidadeimperial.Passaassim

aextrairdosacontecimentosqueculminaramcomaemancipação

americanaaliçãodequeviriaaresultararevisãodaantigapolítica

colonial.

Destafeita,comoséculoXIX,aGrã-Bretanhainaugura

plenamenteemseusdomíniosapráticadoself-governmentou

autogovernolocal,atribuindo,desde1791,aliás,representaçãoaoAlto

eBaixoCanadá.

ORelatóriodeLordDurham,em1849,firmademaneira

inequívocaoprincípiodogovernoresponsávelnaspossessõesde

Ultramar,queentramadispordeConstituiçõesverdadeirasepróprias.

OParlamentodeLondres,liberandocompetênciaconstitucionalaos

Domínios,concorreuparaqueestesgradativamenteinstaurassem

governosdotipoparlamentar,comoosdoCanadá,em1867,da

Austrália,em1900,edaNovaZelândia,de1852a1907edaÁfricado

Sulem1909(BiscarettidiRuffia).

OTerceiroImpérioBritânicotestemunhaoCoroamentodalenta

caminhadaquetrouxeasantigaspossessõesdostatuscolonialà

plenitudedopoderpolíticosoberano.Aessaplenitudesechegadepois

deprogressivatransiçãoautonomista,semquetodaviasedesatassema

estaalturaoslaçosdeuniãoimperial,agoraassentadossobreo

Page 339: Ciência Política - Archive

princípiobásicodacooperaçãoedasolidariedadedospovos

participantes.Asraízesdauniãomergulhamnatradiçãodaconvivência

política,culturalecivilizadoradametrópolebritânica.

É

a

fase

corrente,

que

resultou

na

instituição

da

“Commonwealth”,formasingulareprivilegiadadeuniãodeEstados,

quetodosvacilamemclassificardeUniãoRealouConfederação.

PrincipiouessafasedesdeaConferênciaImperialde1916,que

reconheceu,delogo,aindependênciadosDomíniosnotratode

assuntosinternoseexternoseconfirmouaexistênciadeuma

“sociedadedecomunidadesautônomas”,asquais,inspiradasjápelas

máximasdeliberdadedospovos,invocadasduranteaPrimeiraGuerra

Mundial,puderamfacilmentereivindicarparticipaçãoativanas

estipulaçõesdoTratadodeVersailles.

Page 340: Ciência Política - Archive

Estavaassimasseguradaapersonalidadeinternacionaldos

Domínios,quesetransformaramentãoemverdadeirosEstados.

Completara-sejáociclointernodediferenciaçãoeautonomiadostrês

ramosbásicosdopoder:olegislativo,oexecutivoeojudiciário.Daípor

diantealarga-seeconsolida-seemtermosdeconfirmaçãouniversala

presençasoberanadosDomíniosnasrelaçõesinternacionaiscomo

Estadosautênticos,cujaautonomiaoRelatórioBalfourde1926eo

EstatutodeWestminsterde1931tornaminequivocamenteexplícita.

Temosentãodetodoformadaedelineadaa“Comunidade

britânicadenaçõeslivreseindependentes”,a“BritishCommonwealth”,

providade“órgãospolíticosetécnicasdecooperação”,aqualchegaaos

nossosdiasfundadanumacomposiçãoheterogêneadeEstados,ondea

formamonárquicaconvivecomaformarepublicana,mediante“um

vínculoderecíprocacooperaçãoecolaboração”detodososEstados-

membros.

ComoingressodeEstadosdepopulaçõesestranhasàorigem

anglo-saxônica,aComunidadebritânica(“BritishCommonwealth”)

deixoudeserbritânicanaqualificaçãoepassouaternome

simplesmentede“Comunidade”(“Commonwealth”),emestreita

consonância

com

Page 341: Ciência Política - Archive

seu

caráter

“multirracial,

multicultural

a

multilingüístico”,formandouma“UniãolivreeparitáriadeEstados

soberanos”.

Faltamà“Commonwealth”órgãosprópriosedefinidosde

naturezaestatal.Tampouconosdeparamosalicomumordenamento

federativo,dotadodeConstituiçãocomum,providodepoderexecutivo

central,nemsequercomforçasmilitaresunidasparaproverfins

comunsdedefesaesegurançacoletivadaComunidade.Destasorteo

traçodeuniãosevaitornandoaparentementeomaisfrouxopossívelà

mínguadeinstituiçõesconcretas,quesirvamdeinstrumentoao

princípioda“Commonwealth”,asaber,aquelaidéiadecolaboração

voluntária,daqualsefezsímboloexterioreformalaCoroaBritânica,e

órgãodeconsecuçãoachamadaConferênciadePrimeiros-Ministros,

reunidaporémaintervalosirregulares,emLondres,comfins

meramenteconsultivos,adespeitodetodososesforçosempregadosno

sentidodeconvertê-laemGabineteda“Commonwealth”.

OchamadoTerceiroImpérioBritânicoestáporconseguinte

Page 342: Ciência Política - Archive

reduzidoànovaconcepçãoda“Commonwealth”,detodoinfielpara

traduzirsequerareminiscênciaimperial.

Muitosentendem—ecomrazão—queoImpérioBritânico

chegouaofim;a“Commonwealth”éapenasnomesaudosoe

sentimentalcomqueevocarouhistoriaracaminhadapaulatinade

povosque,semrompimentoformal,alcançaramnapazeno

consentimentocomumaplenasoberania,conservandodesuaunião

apenasafraternidadedasorigens,oapeloaosinteressescomuns,a

convergênciadesentimentos,osímbolodaboa-vontade,osmanifestos

propósitosdecooperação.

A“Commonwealth”mesma,deordenamentointraimperialse

converteu

definitivamente

em

ordenamento

da

comunidade

internacional,desdequesetêmobservadodissídiosdeseusEstados-

membros,levadosnãoraroaoplenáriodasNaçõesUnidas,comono

casodascontrovérsiasfronteiriçasentreaÍndiaeoPaquistão,sobreo

Cashemir,oudasdisputasraciaisdaÁfricadoSul(expulsada

Page 343: Ciência Política - Archive

Comunidade)comaÍndiaemaisEstadosda“Commonwealth”,

pertencentesàirmandadeafro-asiástica.

A“Commonwealth”,noscorrentesdias,abrangeduascamadas

distintasdeEstados.Aprimeira,maisconcêntrica,doscomponentes

antigosequeadotamdentrodaUnião,salvoadissidênciarepresentada

pelaÁfricadoSul,osímbolomonárquicounificador,queacoroada

rainhaexprime.SãoestesaGrã-BretanhaeIrlandadoNorte,oCanadá,

aAustráliaeaNovaZelândia.

Osegundogrupo,queficajánaperiferiadaOrganização,se

compõeprincipalmentedemembrosmaisrecentes,quasetodossoba

formarepublicana,àexceçãodoEstadoFederaldaMalásia(1957),com

suamonarquiaparlamentar.Compreendeestacamada,entreoutros,os

seguintesEstados:Índia,Paquistão,Ceilão(1947-1948)eGana(1957),

esteúltimooprimeiroEstadoderaçanegraqueentrounacomposição

da“Commonwealth”.OEire(IrlandadoSul),queseguetambéma

formarepublicana,afastou-sedaComunidadeem1949.

6.AsUniõesdesiguais:oEstadoprotegidoeasmodalidadesde

Protetorados

DesignandooProtetoradocomo“avassalagemmoderna”,

assinalandosuasbasescontratuais,referindoograuvariávelde

sujeiçãoquesemelhanteformadesociedadedesigualdeEstados

Page 344: Ciência Política - Archive

comporta,oconspícuointernacionalistafrancêsGeorgesScelleexprime

anaturezadessarelaçãodetutelasegundoamaneiracomofoi

concebida,justificadaepraticadanaordeminternacionalpelasgrandes

potênciascomprometidascomtalsistema.Afirmaaesserespeito:“O

fimdoProtetoradoéguiareprotegerumacoletividadeestatalmuitomal

organizadaoumuitofracaparadirigir-sepoliticamenteporsimesmaou

paraproversuasegurança.Estaproteçãodeveserentãoassegurada

pelogovernodeumEstadoaumtempoculturalmentemaisadiantadoe

materialmentemaisforte”.14

OProtetorado,fasejurídicatemporárianavidadealgumas

coletividadesterritoriaissujeitasaoextintoimperialismocolonialista,

quedissimulavaasrealidadesmaisbrutaisdatutelapolíticae

econômicaatravésdeumpaternalismoaparente,comosehouvera

semprecoincidênciaesolidariedadedeinteressesdoEstadoprotetor

comosdoEstadoprotegido,chegoupraticamenteaofimporefeitodos

movimentosdeemancipaçãoeautodeterminaçãodospovos,oriundos

dasduasguerrasmundiaisdesteséculo.

OslaçosdedependênciaaqueficasubmetidooEstadoprotegido

arrebatam-lhetodaaautonomiaemassuntosdeordempolíticae

econômica.ForadoconsentimentoearbítriodoEstadoprotetor,

nenhumaáreadeaçãoselheconcede.Suainiciativanaesfera

Page 345: Ciência Política - Archive

internacionalseachaigualmenteparalisada.Todaacapacidadeparaa

gestãodosnegóciosinternacionaiscabeaoEstadoprotetor.Este,no

desempenhodasobrigaçõesdetutor,comqueproverasegurançado

Estadoprotegido,vaiaoextremodaocupaçãomilitar,serazõesde

autoconveniênciaassimoditarem.

Distinguem

os

internacionalistas

três

modalidades

de

Protetorado:osProtetoradoscoloniais,osSemiprotetoradosamericanos

eosProteto-internacionais.

OsProtetoradoscoloniais,queScellereputao“tipoclássicode

Protetorado”,supõem,segundoomesmoautor,“nãosomenteuma

diferençadepoder,masumcontrastetotaldecultura,deraçaede

vocaçãointernacionalentreogovernoprotetoreogovernoprotegido”.15

Ocolonialismodessafaseintentalegitimar-sepelamissão

civilizadoraquedesempenharespeitanteàspopulaçõesdosterritórios

dominados.Aocontráriodosinteresseseconômicosunilaterais,jamais

dissimulados,dosperíodosanterioresàemancipaçãodascolônicas

Page 346: Ciência Política - Archive

inglesaseibéricasdocontinenteamericano,ocolonialismodoséculo

XIXedecomeçosdoséculoXXbuscavaapoiarsuapresençanasáreas

deexploraçãocolonialsobreabasedeinteressescomunsebilaterais,

contribuindo

as

potências

colonizadoras,

segundo

o

pretexto

imperialista,comoselementosdatécnicaedacivilizaçãoparao

gradualdesenvolvimentodaspopulaçõesdessesterritórios.Os

protetoradosinglesesefrancesesnaÁfricaenaÁsiaforamexemplos

vivosdessamodalidade.

OsSemiprotetoradosamericanostiveramapariçãohistóricacom

ossucessivosepisódiosdaintervençãoarmadadosfuzileirosnavaisdos

EstadosUnidos,cujosdesembarquesnasRepúblicasdoCaribese

fizeramsempreemnomedaproteçãodosinteressesamericanoseda

apregoadaconveniênciademanternosEstadosdaAméricaCentral

umasituaçãopolíticaestável.Conheceramocontatoeapresençadas

armasamericanasemseusolo,instituindoaliporalgumtempoformas

Page 347: Ciência Política - Archive

desemiprotetorado,osseguintesEstados:Cuba(1903),República

Dominicana(1907),HonduraseNicarágua(1911)eoHaiti(1915).

Porúltimo,comoProtetoradointernacionaloude“Direitodas

Gentes”sãopostosfaceafaceEstadosdomesmoníveldecivilizaçãoe

cultura,masconsideravelmentedesiguaispelosíndicesderiquezae

forçamaterial,servindoarelaçãodegarantiaàsegurançadoEstado

maisfraco,quepassaareceberaproteçãoessencialdoEstadomais

forte,oEstadotutor.Citamostratadistascomoexemplosde

ProtetoradointernacionalosestabelecidospelaFrançanoMônaco,pela

InglaterranasIlhasJônicas,de1815a1863,enoTransvaal,em1881,

bemcomoaquelequeoJapãoestendeusobreaCoréia,desde1905até

aúltimaGuerraMundial.

7.OutrasformasdeUniõesdesiguais

AschamadasUniõesdesiguaisabrangemumperíodopolíticojá

ultrapassadonaHistória.Seusrestosseachamemliquidação.

Modernamentecorrespondememlargaparteàfasequeseestendeda

ruínadoPactoColonialatéaexpansãonoséculoXIXdoimperialismo

europeueseusubseqüentedeclínioeextinçãoporefeitodasguerras

mundiaistravadasesteséculo.

Vãodesdeaantigarelaçãocolonial,difícildeenquadrar-seno

esquemavertente,porquantonãoestamosaindaempresençade

Page 348: Ciência Política - Archive

coletividadesterritoriaiscomníveispolíticosquelhesconfiramjá

caráterestatal,atéasformasintermediárias,queexprimemdistintas

relaçõesdesubordinação,diferentesgrausdeamadurecimentopolítico,

econstituemosmodelosmaisválidoseautênticosdessamodalidade

histórica,conhecidasobadesignaçãodesociedadesdesiguais.

AbrangemestasoEstadovassalo,oEstadoprotegidoouProtetorado(já

examinado),eoEstadosobmandatoeadministraçãofiduciária.

Page 349: Ciência Política - Archive

7.1OEstadovassaloAsrelaçõesdevassalagemnoEstadomodernoresultamaindada

IdadeMédia,quandotevegrandevogaosistemadosvínculospessoais

entreosenhorfeudaleascoletividadesruraisservas.

NavassalagemtemosoEstadovassaloemfacedeumEstado

soberano,dependendooprimeiroformalmentedosegundoporuma

relaçãodesubordinação.Aessênciadessacategoriajurídica,segundo

DelVecchio,consisteno“vínculodefidelidadeaoEstadosoberano,

deverdecooperaçãomilitar,obrigaçãodepagartributoeausênciade

capacidadeinternacional,semperdadospoderessobreossúditos”.16

Sãotraçosqueconfiguramavassalagempolítica:a)suaorigem

numatounilateral;b)osordenamentosestatais,postoquesujeitosao

vínculodesubordinação,corremparalelos,semnenhumaconexão

políticanecessáriaentreambos,queimpliquecomunhãoinstituída

atravésdeórgãoscomuns;c)sujeiçãoindiretadoterritórioedos

habitantesdoEstadovassaloaoEstadosuserano(Jellinek);d)ocaráter

protecionista,paternalistaefeudaldainstituição;e)historicamente,

oscilaentreaemancipaçãoeaabsorção(Prélot);f)nãogeravassalagem

asimpleshegemoniapolítica,econômicaereligiosa,porquantoa

vassalagemsósedeclaracomaexistênciadolaçojurídicode

Page 350: Ciência Política - Archive

dependência(Prélot);g)auniãodevassalagem(Staatstaatenou

Herrschaftsverband,segundoOttovonGierke)pertenceàesferado

direitopúblicointerno,postoquehajaautoresentendendosituá-lana

órbitadoDireitoInternacional;h)desprovidodecapacidadeou

personalidadeinternacional,oEstadovassalotemasoberaniainterna

consideravelmenteamputadapeloreconhecimentofeitoaoEstado

suseranoparaalargaraprópriacompetência.

OmovimentoanticolonialistaeantiimperialistadoséculoXX

arruinoutodoosistemadedependênciajurídicaquesancionavaa

supremaciadeunsEstadossobreoutros,ficandodefinitivamente

ultrapassadaavassalagem,doravanteumanacronismo,uma

instituiçãofóssil,quepertenceaopassado.

Osúltimosexemplosconhecidosdevassalagemforamos550

EstadosdaÍndia,atéaindependênciade1947,quandoquebraramos

derradeirosvínculoscomoImpérioBritânico.NoséculoXIX,osEstados

cristãosdosBalcãs—MoldáviaeValacchia(Romênia),aSérviaea

BulgáriaforamvassalosdoImpérioOtomano,bemcomooEgito

muçulmano.

7.2OEstadosobmandatoeadministraçãofiduciária

Aocabodeduasguerrasmundiais,reacendeu-secomtodaa

cruezaodebatecontraditórioacercadasoluçãodoproblemacolonialna

Page 351: Ciência Política - Archive

idadededecadênciadoimperialismo.

Oslemasliberdadeeautodeterminaçãodospovosnunca

estiverammaisvivosdoquenocursodasguerras,quandoaspotências

aliadasalimentavamnaquelesprincípiosasbasesmoraisejurídicasde

suacausa.Fizeram-seentãodramáticosapelosàsolidariedade

universaldasnaçõesesolenesdeclaraçõesdefénodireitodetodosos

povos.Cessadososdoisconflitos,criaram-seporémsituações

embaraçosaseirrevogáveisnocampodasreivindicaçõesautonomistas

daspopulaçõesmantidasatéentãosobstatuspolíticoinferiore

dispostasjáàssoluçõesdeforçaeviolência,paraabolirdevezo

sistemacolonial.

Suscitou-seentãoapósaPrimeiraGuerraMundialaquestãodo

destinoquesedariaàscolôniasdosEstadosvencidosnoconflito

armado.Transferi-laspuraesimplesmenteaindasobaformaclássica

deProtetoradoàspotênciasvitoriosas,equivaleriaaconfirmaras

suspeitasdequeoslargosegenerososprincípiosapregoadosnaguerra

ficariamdeslembradosnapaz.Concebeu-sepoisadestinaçãodas

colôniasaosEstadosvencedores,massoboregimede“mandatos”.A

organizaçãopolíticainternacional,nocasoaantigaSociedadedas

Nações,investiriadeterminadosgovernosnatuteladaspopulações

coloniaispararegê-lasnointeressedesuaprogressivaemancipação,

Page 352: Ciência Política - Archive

atéquealiascondiçõesmateriais,moraiseculturaisestivessem

suficientementeamadurecidas,emordemacapacitá-lasàplenafruição

daliberdadeesoberania.

Asgrandespotênciasrecebiamdestasorteoespóliocolonialcomo

um“ônus”eseprestavam“humanitariamente”aadministraraquelas

coletividadesterritoriais,comolembraGeorgesScelle,“nascondições

particularmentedifíceisdomundomoderno”(Art.22doPacto).

Estava,comodisseesseautor,instituídauma“formade

Protetorado”,

sob

regulamentação

e

controle

da

comunidade

internacional,“representadanaocorrênciapelaSociedadedas

Nações”.17

Pertinenteànaturezadomandatosãoaindainsubstituíveisas

palavrasdoinsigneinternacionalistafrancêsaoasseverar:“Oregime

comportavacertaflexibilidade.Seucarátervariavasegundoograude

desenvolvimentodopovo,asituaçãogeográficadoterritório,as

Page 353: Ciência Política - Archive

condiçõeseconômicas,ediversasoutrascircunstâncias”.18

Emsuma,enaessência,omandatosedistinguedoProtetorado

porserumaadministraçãocolonialvinculadaaoorganismojurídico

internacionaleestarplenamenteexplícitaeconfessadanosartigosdo

pactodasociedademundialaidéiadocarátertransitóriodainstituição.

ExercemosEstadosmandatáriosummagistériopolíticocolimandoa

subseqüenteemancipaçãodaspopulaçõescoloniais.

Cumpreenfimreferirastrêsespéciesdemandatos:A,BeC,

variandoosrespectivosgrausdedependência,detalsortequenasérie

estabelecidaomandatoCimplicavajá,segundoScelle,uma“anexação

colonialpuraesimples”.19

MandatosdotipoAforamosdeFrançasobreaSíriaeda

InglaterrasobreaPalestina,oIraqueeaTransjordânia.

OsmandatosBabrangeramvastasseçõesdaÁfricaCentral,

comooCamarõeseTogo,debaixodaautoridadefrancesaeinglesa,

Tanganica,sobgestãoinglesaeUrungi-Ruanda,empoderdaBélgica.

SãoexemplosdomandatoCaquelesqueseestenderama

algumaspossessõesdoPacífico,comoaNovaGuiné,entregueà

AustráliaeSamoa,àNovaZelândia.AÁfricadoSulexerceutambém

mandatoCsobrearegiãodosudoestedaÁfrica.

Asuniõesdetutelanãodesapareceramcomaextinçãooficialda

Page 354: Ciência Política - Archive

antigaSociedadedasNações,ocorridaem1946,esubstituídapela

OrganizaçãodasNaçõesUnidas,quecriouinstitutoanálogoaodos

mandatos:otrusteeshipouadministraçãofiduciária.

SegundoScelle,dopontodevistajurídico,amudançadenome

nãofoidasmaisafortunadaseproveitosasearigoromandatolevava

vantagemsobreonovoinstrumentocriadopelacomunidade

internacional.

Comosistemadeadministraçãofiduciária,“umadeterminada

potênciarecebepoderesparaadministrarumEstado,privadodo

exercício,masnãodatitularidadedasoberania,ouumterritórionão

autônomo(quaseumEstadoinfieri),parapromoveraíoprogresso

político,econômico,socialeeducativodorespectivopovo”.20

DeconformidadecomaCartadasNaçõesUnidas,de26dejulho

de1945,ainstituiçãodotrusteeship(administraçãofiduciária)sefezno

interessedapazedasegurançainternacionais,comopropósitode

preparareabreviaraindependênciadaspopulaçõesdosterritórios

administrados,desenvolvendoemtodososentimentodacooperação,

dasliberdadesessenciais,dosdireitoshumanosedasgarantiassociais.

AsantigascolôniasalemãsnaÁfricaforampostassob

administraçãofiduciáriacomainovaçãodaCarta,bemcomoaex-

Somáliaitaliana,atéquesedeurelativamenteaestaúltimaa

Page 355: Ciência Política - Archive

proclamaçãodesuaindependência.AOrganizaçãodasNaçõesUnidas

mantémemfuncionamentoumConselhodeAdministraçãoFiduciária,

órgãoinvestidonasresponsabilidadesjámencionadas.

8.DoProtetorado“Imperialista”aoProtetorado“Ideológico”(e

Imperialista)

ExtintanaaparênciaaformaclássicadeProtetorado,que

habitualmenteentravanoDireitoPúblicoInternacional,eaindaalise

conserva

—segundoalgunspublicistascomosimplesanacronismodas

relaçõesentreEstados,processadasnumacertafasedeexistência

políticadospovosocidentais—nemporissosehá-deconsideraraquela

figuradeúltimobanidadasindagaçõescientíficasedaslucubrações

doutrinárias.

Verdadeéqueaestaalturadoséculo,comosprogressoslogrados

peloprincípiodeautodeterminaçãodospovos,oProtetoradosignifica

indubitavelmenteformacujainstitucionalização“jurídica”seapresenta

emcriseoujádetodoandaproscrita.

MasoconceitonãodesapareceudasrelaçõesentreEstados.

Acha-sesubjacenteatodaexplicitaçãojurídica,rebuçadoemformas

políticasmaissutis.TransitoudoDireitoPúblicoInternacionalparaa

CiênciaPolítica.Cabeaocientistadasinstituições,dasrelaçõesedos

Page 356: Ciência Política - Archive

fatospolíticosdeterminarsuapresençanavidaecomunhãodos

Estadoscontemporâneos.

AqueleProtetorado,jádantesobjetodeestudo,exposiçãoe

análise,prendia-seviaderegraaumaexpressãodeteorpolíticoe

jurídicosópossível,comoaHistóriaestáacorroborar,noslineamentos

doimperialismo.Decaídoeste—apósdecompor-seosistemade

expansãocolonial—epostosemconflitonoséculoXXoOcidente

capitalistacomoOrientesocialista,foramasideologiasqueentrarama

dominarporinteiroacenadasrelaçõesinterestaduais,determinandoa

conseqüenteagrupaçãodosEstadosemduasórbitaspolíticase

militares,quepareciamditarocursodasrelaçõesinternacionais;os

EstadosUnidos,comsuarededeEstadostributários,dumaparte;

doutra,aUniãoSoviética,comoschamadossatélitesda“Cortinade

Ferro”.

Entreessastenazesmedeavaum“terceiromundo”,de

configuraçãoaindaindecisa,forcejandoporabrirumaportadeevasãoe

segurançaparaacolheremcamponeutroaquelesEstadosque

pudessemcombomêxito—aliás,improvável—sedesgarrarda

“satelitização”política,econômicaefinanceiraqueosprendiam,

dissimuladaouostensivamente,àquelasórbitasmaiores.

Comefeito,osEstadosUnidoseaUniãoSoviéticaestadeavam

Page 357: Ciência Política - Archive

duasposiçõesdeforçaasemedirememtermosabsolutosde

competiçãoideológica.Doiscentrospoisdeinfluxoepolarizaçãodavida

políticauniversalseerguiamcomoeixosaoredordosquaisgravitavam

Estadosdesoberania“juridicamente”irrepreensível.Noentantoa

repartição

ideológica

de

posições

agrupou

à

volta

daqueles

potentíssimosnúcleospequenosEstadoscujainteiraindependênciase

afiguravaduvidosa,estimadaemtermospolíticos,econômicose

militares.

ComoseumnovoTratadodasTordesilhasestivessedividindoo

mundoentreosdoismencionadosgigantes,eraàsombradosEstados

UnidosedaUniãoSoviéticaquemedravamEstadossujeitosaum

statuspolíticodefato,altamentecaracterísticodeumamodalidadenova

deProtetorado:oProtetorado“ideológico”.Hajavistaocasodevárias

RepúblicasdaAméricaCentralemrelaçãoaosEstadosUnidosoude

Page 358: Ciência Política - Archive

outrasdaEuropaOrientalcomrespeitoàantigaUniãoSoviética.

Comprovaçãoirretorquíveldessatese,aintervençãoamericanana

RepúblicaDominicanaeainvasãodaTcheco-Eslováquiapelosexércitos

doextintoPactodeVarsóvia.

Ondeacabaa“soberania”doEstadodeindependêncianominale

ondecomeçasuarespectivasujeiçãocomoEstadoprotegido,sóo

analistapolíticoalcançarátraçaraíacompetentelinhademarcatória,

aindaagorafluida.DizoDireitoInternacionalquesãolivrese

independentesaquelesEstados.Chegameles,comefeito,aintegrara

OrganizaçãodasNaçõesUnidaseaOrganizaçãodosEstados

Americanos(osdaórbitaocidental).Todaviaumaeventualinfraçãodos

princípiospolíticosqueamparavamosinteressesessenciaisdo

respectivoblocoaqueestavamacorrentadospoderiadesúbito

acarretar,comojáacarretounoscasossupramencionados(República

DominicanaeTcheco-Eslováquia),aquebradasoberania,patenteando-

seentãodemaneiradesabrida,rudeeinequívocaosliamesde

Protetorado.

EmergepoisanovacategoriadeEstadoprotegidoatadaaonovo

tipodeEstadoprotetor—asuperpotência,naqualseenfeudaaguarda

daideologiaeaconservaçãodesua“pureza”,conformedãoexemploa

esserespeito,eexemploclaríssimo,osEstadosUnidoseaantigaUnião

Page 359: Ciência Política - Archive

dasRepúblicasSocialistasSoviéticas.

OProtetorado“ideológico”encobreoudisfarçanarealidade

supremasmotivaçõesimperialistas.Adoçou-seaformacolonialistado

passado.Juridicamenteporémnãosefirmaramconceitoscomque

institucionalizaressaservidãopolítica,queoDireitoInternacionalaliás

ignora.Nadadenomesestigmatizadosesuspeitoscomoode

Protetorado.MaséaoProtetoradoqueasaliançasmilitarese

ideológicascontemporâneasconduzemdeordinárioosEstadosmais

fracos.DaOTAN(OrganizaçãodoTratadodoAtlânticoNorte)edoPacto

deVarsóvianãoseextraemdistintoscorolários.A“fidelidade

democrática”ea“solidariedadesocialista”sãofrasesfeitas,suscetíveis

deconversãoemaxiomasfáceisdeumapretendidaefalsacoerência

ideológica.

Aideologiasefez,porconseguinte,sustentáculodoProtetorado,

pretextocômodoesegurocomqueapoiarintervençõesarmadase

intoleráveis,contraasregrasclássicasdoDireitoInternacionaledo

princípiodeautodeterminaçãodospovos,tãopenosamentepropugnado

pelaconsciênciajurídicauniversal.

Engana-seademaisquemcuidarqueoProtetorado“ideológico”da

segundametadedoséculoXXassentasobremassadeinteresses

distintadaquelaquemoviaosegoísticosinteressesestatais,outrora

Page 360: Ciência Política - Archive

condicionantesdoProtetorado“imperialista”.Acercadestejánenhuma

conclusãosepodetirarsenãoadequeoProtetorado“imperialista”não

seextinguiu.Eleapenassetransformouecontinuaaindaimperialista.

Sucedeu-lheoProtetorado“ideológico”,eufemismoquedesonraaliáso

progressodasinstituiçõespolíticasedasidéiassociaisnesteséculo.

1.MarcelPrélot,InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,p.254.

2.HansNawiasky,AllgemeineStaatslehre,2/II,p.206.

3.PaoloBiscarettiDiRuffia,DirittoCostituzionale,5ªed.,p.517.

4.GeorgesScelle,ManueldeDroitInternationalPublic,p.261.

5.MarcelPrélot,ob.cit.,p.258.

6.G.Jellinek,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,pp.755-761.

7.SantiRomano,PrincipiidiDirittoCostituzionaleGenerale,2ªed.rev.,p.135.

8.G.Jellinek,ob.cit.,p.754.

9.GeorgesScelle,ob.cit.,p.263.

10.GeorgMeyer,LehrbuchdesDeutschenStaatsrechtes,3ªed.,p.28.

11.OresteRanelletti,IstituzionidiDirittoPublico,13ªed.ampliada,p.156.

12.G.Jellinek,ob.cit.,p.767.

13.P.J.Proudhon,DuPríncipeFédératif,apud,MarcelPrélot,InstitutionsPolitiqueset

DroitConstitutionnel,p.256.

14.GeorgesScelle.Ob.cit.,p.198.

Page 361: Ciência Política - Archive

15.Idem,ibidem,p.205.

16.GiorgioDelVecchio,TeoriadelEstado,pp.180-181.

17.GeorgesScelle.Ob.cit.,p.222.

18.Idem,ibidem,p.223.

19.Idem,ibidem,p.225.

20.BiscarettiDiRuffia,ob.cit.,p.520.

13

OESTADOFEDERAL

1.ConceitodeEstadofederal—2.OEstadofederalcomo

Federação:2.1DistinçãoentreFederaçãoeConfederação—2.2A

leidaparticipaçãoealeidaautonomia—3.OEstadofederalem

simesmofrenteaosEstados-membros:3.1Oladounitárioda

organizaçãofederal—3.2AsupremaciajurídicadoEstadofederal

sobreosEstadosfederados—4.OsEstados-membroscomo

unidadesconstitutivasdosistemafederativo—5.Acrisedo

federalismo:ocasooutransformaçãodaordemfederativaesua

repercussãonoBrasil

Page 362: Ciência Política - Archive

1.ConceitodeEstadofederalComreferênciaaoEstadofederal,disseJellinektratar-sede

“Estadosoberano,formadoporumapluralidadedeEstados,noqualo

poderdoEstadoemanadosEstados-membros,ligadosnumaunidade

estatal”.1

Dandocomeçoàenunciaçãodosprincipaistraçosjurídicosque

nospermitemconheceranaturezadoEstadofederal,tomaremospara

efeitodidáticoprimeirooEstadofederalcomoFederação,aseguiro

EstadofederalemsimesmofrenteaosEstados-membroseporúltimo

osEstados-membroscomounidadesconstitutivasdosistema

federativo.

2.OEstadofederalcomoFederação

Numacontribuiçãoqueficouinolvidável,ojuristaalemãoKarl

Struppdistinguiuauniãodedireitoconstitucionaldasuniõesdedireito

internacional.

OEstadofederalpertenceàprimeiracategoria.Alei

constitucionalenãootratadoéquenosforneceocritériodessa

modalidadedeuniãodeEstados.Nãoháporconseguintequetemeras

ambigüidadesdelinguagem,comonocasodaSuíça,quandoo

vocabuláriopolíticooficialmenteempregaaliaexpressãoConfederação,

Page 363: Ciência Política - Archive

emsetratandonarealidadedeFederaçãoouusaotermocantão,

significandoemverdadeomesmoqueEstado-membro.

Aantigüidadearigornãoconheceuofenômenofederativocomos

característicosusualmenteostentadosnoEstadomoderno.Oqueos

gregosporexemplodenominavamFederaçãoéaquiloqueosmodernos

chamamConfederação.AFederaçãopropriamenteditanãoa

conheceramnempraticaramosantigos,vistoqueamesma,tanto

quantoosistemarepresentativoouaseparaçãodepoderes,édas

poucasidéiasnovasqueamodernaciênciapolíticainseriuemsuas

páginasnostrêsúltimosséculosdedesenvolvimento.

2.1AdistinçãoentreFederaçãoeConfederação

Conformeanotouproficientementeoconstitucionalistaalemão

Nawiasky,váriosforamoscritériosdistintivosbuscadosparafixaros

conceitosdeFederaçãoeConfederação.

Propunhamunsafirmeza,solidezouprofundidadedarelação

entreosEstados,alcançandoessarelaçãoseugraumaisaltona

FederaçãoeseupontomaisbaixonaConfederação.

Outrossevolveriamparaaconsideraçãodaindissolubilidadedo

laçofederativo,faceapossibilidadejurídicadasecessãodosEstados,

admissívelemsetratandodeorganizaçãoconfederativa;emverdade

porémnadaobstaaqueumaFederaçãovenhaeventualmentea

Page 364: Ciência Política - Archive

dissolver-se,adespeitodaprofissãodeféconstitucionalemsua

perpetuidade,feitaporexemplonocasodo§4°doartigo60da

Constituiçãobrasileira,quenãoadmiteporobjetodedeliberação

projetostendentesaaboliraFederação.

Demais,houvequemvissecomoexpressãodistintivadasduas

formasdeuniãodeEstadosaausênciadeumpoderpolíticoúnicoda

Confederação,aocontráriodoquesedánaFederação,dentetorade

podersoberanonocírculodasrelaçõesinternacionais;ocorretodavia,

segundoaqueleeminenteconstitucionalista,queemcasodeguerra

nadaimpedeseformenasConfederaçõesumcentroúnicodecomando

eautoridade,aserviçodapolíticaexternauniformedosEstados

participantes.

Enfim,quis-setomarporcritériobásicoofatodeaatividade

unitáriadaConfederaçãoprojetar-seemsentidoexternoenãoem

sentidointerno,paraforaenãoparadentro;aindaaquiháexceções,

quandoemdeterminadasConfederaçõesseachamestatuídasgarantias

deordemesegurançapúblicaouregrasdestinadasaestrita

observânciadaigualdadedosdireitospolíticosdoscidadãos,sebem

queomecanismoreguladordocontroledessesprincípioscaiba

individualmenteaosEstados-membros.

Invalidadospoispelasobjeçõesjáreferidasosvárioscritérios

Page 365: Ciência Política - Archive

propostos,resta,segundoNawiasky,portraçoverdadeiramente

distintivoainexistêncianasConfederações,aorevésdoquesepassa

nas

Federações,

de

legislação

unitária

ou

comum,

criando

indiferentementedireitoseobrigaçõesimediatasparaoscidadãosdos

diversosEstados.

NoEstadofederaldeparam-seváriosEstadosqueseassociam

comvistasaumaintegraçãoharmônicadeseusdestinos.Nãopossuem

essesEstadossoberaniaexternaedopontodevistadasoberania

internaseachamempartesujeitosaumpoderúnico,queéopoder

federal,eemparteconservamsuaindependência,movendo-se

livrementenaesferadacompetênciaconstitucionalquelhesfor

atribuídaparaefeitodeauto-organização.

Comodispõemdessacapacidadedeauto-organização,que

implicaopoderdefundarumaordemconstitucionalprópria,os

Page 366: Ciência Política - Archive

Estado-membros,atuandoaíforadetodaasubmissãoaumpoder

superiorepodendonoquadrodasrelaçõesfederativasexigirdoEstado

Federalocumprimentodedeterminadasobrigações,seconvertemem

organizaçõespolíticasincontestavelmenteportadorasdecaráterestatal.

2.2Aleidaparticipaçãoealeidaautonomia

Há,segundoGeorgesScelle,doisprincípioscapitaisquesãoa

chavedetodoosistemafederativo:aleidaparticipaçãoealeida

autonomia.

Mediantealeideparticipação,tomamosEstados-membrosparte

noprocessodeelaboraçãodavontadepolíticaválidaparatodaa

organizaçãofederal,intervêmcomvozativanasdeliberaçõesde

conjunto,contribuemparaformaraspeçasdoaparelhoinstitucionalda

FederaçãoesãonodizerdeLeFurpartestantonacriaçãocomono

exercícioda“substânciamesmadasoberania”,traçosestesquebastam

jáparaconfigurá-losinteiramentedistintosdasprovínciasou

coletividadessimplesmentedescentralizadasquecompõemoEstado

unitário.

Atravésdaleidaautonomiamanifesta-secomtodaaclarezao

caráterestataldasunidadesfederadas.Podemestaslivrementeestatuir

umaordemconstitucionalprópria,estabeleceracompetênciadostrês

poderesquehabitualmenteintegramoEstado(executivo,legislativoe

Page 367: Ciência Política - Archive

judiciário)eexercerdesembaraçadamentetodosaquelespoderesque

decorremdanaturezamesmadosistemafederativo,desdequetudose

façanaestritaobservânciadosprincípiosbásicosdaConstituição

federal.

Aparticipaçãoeaautonomiasãoprocessosqueseinseremna

amplamolduradaFederação,envolvidospelasgarantiasepelacerteza

doordenamentoconstitucionalsuperior—aConstituiçãofederal,

cimentodetodoosistemafederativo.Tantoaparticipaçãocomoa

autonomiaexistememfunçãodasregrasconstitucionaissupremas,que

permitemvernaFederação,comoviuTocquevillenoséculoXIX,duas

sociedadesdistintas,“encaixadasumanaoutra”,asaber,oEstado

federaleosEstadosfederadosharmonicamentesuperpostoseconexos.

3.OEstadofederalemsimesmofrenteaosEstados-membros

Comovimos,asbasesdoEstadofederalassentamnodireito

constitucionalenãonodireitointernacional.

HáEstadofederalquandoumpoderconstituinte,plenamente

soberano,dispõenaConstituiçãofederaloslineamentosbásicosda

organizaçãofederal,traçaalioraiodecompetênciadoEstadofederal,

dáformaàssuasinstituiçõeseestatuiórgãoslegislativoscomampla

competênciaparaelaborarregrasjurídicasdeamplitudenacional,cujos

destinatáriosdiretoseimediatosnãosãoosEstados-membros,masas

Page 368: Ciência Política - Archive

pessoasquevivemnestes,cidadãossujeitosàobservânciatantodas

leisespecíficasdosEstados-membrosaquepertencem,comoda

legislaçãofederal.

ApresençadoEstadofederalemtodososEstados,segundoos

termosquelhefacultaaConstituiçãofederal,nãosefaztão-somente

porvialegislativa.AConstituiçãoconferetambémaoEstadofederal

competênciaparaoexercíciodeatribuiçõesadministrativasmediante

sistemasquevariamsegundoomodelodaorganizaçãofederal:no

BrasilenosEstadosUnidos,porviaexecutivadireta;naAlemanha,em

associaçãocomosEstados-membros,caindosobcontroleesupervisão

dopoderfederaloaparelhoadministrativodoEstado-membro,ena

Áustria,peloempregocombinadodosdoissistemas.

Porúltimo,dispõeoEstadofederaldeumterceiropoderpróprio

—opoderjudiciário,comseustribunaisesobretudocomumaCortede

justiçafederal,decarátersupremo,destinadaadirimiroslitígiosda

FederaçãocomosEstados-membrosedestesentresi,convertendo-se

numdosórgãosfundamentaisdosistemafederativo,aquelequeé

chamadoaoperaroequilíbriodetodaaordem,aestritaconformidade

dospoderesdaUniãoedosEstadoscomosprincípiosbásicosda

Constituição.

3.1Oladounitáriodaorganizaçãofederal

Page 369: Ciência Política - Archive

OEstadofederal,sededasummapotestas,asaber,dasoberania,

apareceporúnicosujeitodedireitonaordeminternacional,todaavez

quesetratedeatosqueimpliquemexteriorizaçãoorigináriadavontade

soberana.

Éessegraunaqualidadedeumpoderquesemoveexternamente

comabsolutaindependênciaotraçomaisvisívelcomquedistinguiro

Estadofederaldascoletividadesestataisassociadas.

Dotadosdeautonomia,poderquelhesconsenteorganização

própria,organizaçãoportantodeEstado,umavezqueopoderdeque

sãotitularesédamesmanatureza,damesmaespécieedamesma

substânciadaqueledequesecompõeopoderdoEstadofederal,os

Estados-membrosnãopossuemtodaviaaqueletraçodesuperioridade,

aquelegraumáximoquefazprivilegiadoopoderdoEstadofederal,que

oqualifica,pelarazãomesmadeserumpodersoberano.

OmonopóliodapersonalidadeinternacionalporpartedoEstado

federal—porquantosomenteele,segundoKunz,compareceperanteo

forumdoDireitodasGentes,tornandomediataedesegundoplanoa

açãointernacionaldosEstadosfederados,depresençaexternasempre

acobertadaouafiançadapelopodersoberanodaorganizaçãofederal—

induziuaKelsen,KunzealgunsinternacionalistasdachamadaEscola

deVienaatomaremoEstadofederalcomodotadodamesmanatureza

Page 370: Ciência Política - Archive

ouestruturadoEstadounitário,havendoentreambostão-somente

diferençadegrauenãodefundamento.

Verifica-setodaviaqueodireitoeosfatosnaordeminternacional

estãoporvezesarefutarorigordaquelemonopólio.Assimocorreno

casodaparticipaçãodeunidadesfederadasemórgãosinternacionais,

providastaisunidadesdepersonalidadejurídica.

HajavistaaUcrâniaeaRússiaBranca,comrepresentação

diplomáticaedireitodevotoemasNaçõesUnidas,quandosesabeque

aURSSentravahabitualmentenaclassificaçãojurídicadostratadistas

comoumdosexemploscontemporâneosdeFederação.

Apardaunidadedepoderexterno,ordinariamenteexclusivo,

possuioEstadofederaltambémunidaderelativaatodooespaço

geográficosobreoqualassentaseusistemadeorganizaçãojurídica.

Masdopontodevistainterno,há,paralelamentedistribuídaspela

maiorpartedaáreageográficadaFederaçãoouportodaessaárea(se

nãohouverterritóriosfederais),diversasunidadesdepoder,quesãoos

Estados-membros,servidosdeelementosconstitutivos,comoterritório

epovo,osquaistomadosconglobadamentevêmaformarumsó

território,eumsópovo:oterritórioeopovodoEstadofederal,sujeitos,

peloaspectonacional,àjurisdiçãoúnicadopodercentral.

Todos

Page 371: Ciência Política - Archive

esses

dados

acima

considerados

patenteiam

incontrastavelmenteoladounitáriodaorganizaçãofederal,resumido

porconseqüêncianadeterminaçãodanacionalidade,naexistênciade

órgãosfederaiscapazesdeatuarsobretodaacoletividadeestatal,eno

território,que,tomadodeconjuntosóconhece,emmatériade

competênciafederal,umúnicopoder:odaFederaçãoquesobreo

mesmoincidesoberanamente.

3.2AsupremaciajurídicadoEstadofederalsobreosEstadosfederados

AsuperioridadedoEstadofederalsobreosEstadosfederadosfica

patentenaquelespreceitosdaConstituiçãofederalqueordinariamente

impõemlimitesaosordenamentospolíticosdosEstados-membros,em

matériaconstitucional,pertinentesàformadegoverno,àsrelações

entreospoderes,àideologia,àcompetêncialegislativa,àsoluçãodos

litígiosnaesferajudiciária,etc.

ConsiderandooEstadofederalemfacedoEstadofederado,como

sucintamenteacabamosdefazê-lo,devesobretudoimpressionar-nosa

superioridademarcantedaorganizaçãodoEstadofederalsobrea

Page 372: Ciência Política - Archive

organizaçãodosEstadosfederados.

AConstituiçãoFederaléocimentojurídicodessasupremacia

impostaatravésdasregraslimitativasdoordenamentopolíticodas

unidadescomponentes.

Vejamosexemplosconcretosdetaisdisposiçõesrestritivas.

TomemosparalogoaConstituiçãobrasileiranasalíneasconstantesdo

incisoVIIdoartigo34,queestabeleceaobservânciadosseguintes

princípiosconstitucionais:

a)

forma

republicana,

sistema

representativo

e

regime

democrático;

b)direitosdapessoahumana;

c)autonomiamunicipal;

d)prestaçãodecontasdaadministraçãopública,diretaeindireta.

Qualquerviolaçãodessesprincípiosfazlícitooempregoda

técnicadesalvaguardadosistemafederativo:aintervençãofederal.

Page 373: Ciência Política - Archive

Aprevalênciadoordenamentoconstitucionalfederaltornaa

fazer-sesentiremmatériadecompetêncialegislativa,quandoa

ConstituiçãoFederal,discriminandoascompetênciasentreogoverno

federaleosgovernosdosEstados-membros,tendeacortaroudiminuir

aesferadecompetênciadasorganizaçõesfederais,mediantesistemas

quenasFederaçõesusualmentesereduzematrêsmodalidadesbásicas

dediscriminação:enumeraçãodascompetênciasrespectivasdoEstado

federaledosEstadosfederados;enumeraçãodascompetênciasfederais

eenumeraçãodascompetênciasdosEstados-membros.

Nosegundocaso,presume-sequeasmatériasnãodiscriminadas

sãodacompetênciadosEstadosfederadosaopassoquenoterceiro

casovaleapresunçãooposta.

Porúltimo,opredomíniodoordenamentoconstitucionaldo

Estadofederalsemanifestaquandodeterminadossistemasfederativos,

assentadossobreosistemadasConstituiçõesrígidas,erigememboa

lógicajurídicaumtribunalsupremo,cujosjuizessetornamguardiães

daConstituição,servindotalcortedejustiçaparadirimir,em

julgamentofinal,aspendênciasporventurasuscitadasentreoEstado

federaleosEstadosfederados.

NaConstituiçãobrasileirasemelhanteórgão—oSupremo

TribunalFederal—éinstituídonoincisoIdoartigo92,eexercitao

Page 374: Ciência Política - Archive

controledeconstitucionalidadenostermosdoartigo97.

Emsuma,asupremaciadoEstadofederalsobreoEstado

federado,

objeto

das

presentes

cogitações,

se

manifesta

indeclinavelmente,

conforme

vimos,

mediante

os

três

pontos

fundamentaisjáenumerados:observânciaobrigatóriadecertos

princípiosbásicosoumínimosdaorganizaçãofederalpelosEstados-

membros,adoçãodeumsistemadecompetênciapelaConstituição

Federal,queasrepartenoseiodaordemfederativae,porúltimo,

instituiçãodeumtribunalsupremo,guardiãodaConstituiçãoFederal.

Page 375: Ciência Política - Archive

4.OsEstados-membroscomounidadesconstitutivasdosistema

federativo

NaFederação,osEstadosfederados,dispondodopoder

constituinte,decorrentedesuacondiçãomesmadeEstado,podem

livrementeerigirumordenamentoconstitucionalautônomoealterá-loa

seutalante,desdequeacriaçãoorigináriadaordemconstitucionale

suaeventualreformasubseqüentesefaçamcominteiraobediênciaàs

disposiçõesdaConstituiçãoFederal.

EssacompetênciadoEstadofederadopresideàpluralidadee

variedadedeformasdeorganizaçãopolíticaqueseobservamemtodaa

Federação,asquais,porém,aoladodamáximadiversificaçãopossível,

ostentamporigualcertaconstância,visívelprecisamentenasua

adequaçãoàsmáximasfederativasfundamentais,dasquaisdecorrepor

inteiroaharmoniadosistema.

SãoasunidadesfederadasEstadosverdadeirosnamedidaem

queatuamcomosistemacompletodepoder,comlegislação,governoe

jurisdiçãoprópria,nadatolhendooexercíciodasfaculdadesde

organizaçãoecompetênciaatribuídaspelaConstituiçãoFederal.

Page 376: Ciência Política - Archive

MasaposiçãodosEstados-membrosnoquadrofederativonãose

cifraapenasnodesempenhodesuaautonomiaconstitucionalem

matérialegislativa,executivaoujudiciária,senãoquecumpreverao

ladodessaautonomia—essencial,diga-sedepassagem,àidentificação

detodauniãoestatalfederativa,cujosEstadosparticipantesvenhama

distinguir-sedoEstadounitário—aquelespontosdaorganização

federalemqueosEstadosfederadosaparecemporsuaveztomando

parteativaeindispensávelnaelaboraçãoenomecanismoda

ConstituiçãoFederal.

AquiosEstados-membrosestãomaisadardoqueareceber.

Fixa-secomesseaspectoaimportânciacapitaldaparticipaçãodo

EstadonaFederação,acentuando-seaíporexcelênciaoutroângulo

verdadeiramentefederativodosistema—oângulodaparticipação—o

qualseacrescentaaojáexaminadodalivrecompetênciadosEstados-

membrosdeestatuíremacercadematériaqueaConstituiçãoFederal

porventuralheshajareservado.

Temosentãoaorganizaçãofederalimplicandoadualidadedo

poderlegislativo,repartidoemduasCasas,umarepresentantivado

conjuntodoscidadãos,comparticipaçãovariáveldosEstados,segundo

índicespopulacionais,eoutra,queaoinvésderepresentaropovoda

Federaçãoemsuatotalidade,setomaporrepresentativadosEstados,a

Page 377: Ciência Política - Archive

chamadaCâmaraAltaouSenado,onde,segundoafirmaPrélot,os

Estados-membrosrecebemrepresentaçãocomotais,“naqualidadede

elementosconstitutivosenãoporconsideraçãoasuarespectiva

importância”.

TantoassimqueesseaspectodaFederaçãocomo“sociedade

entreiguais”,como“democraciadeEstados”,como“igualdadede

Estadosparticipantes”seachadetodopreservadopelosistema

federativobrasileiroenorte-americano,observando-seaesserespeito

quenosEstadosUnidos,EstadoscomoNevadaeAlasca,depopulação

inferiora200.000habitantes,elegemdoissenadorescadaum,número

igualaodoEstadodeNovaIorque,comseus24milhõesdehabitantes.

AlgoidênticosepassanoBrasilcomoEstadodoAcrede

populaçãorelativamenteínfimaequeelegeamesmaquantidadede

senadoresqueoEstadodeSãoPaulo,nãoobstanteamaiorextensão

territorial,omaiornívelderiqueza,amaisamplaconcentração

demográficadesteúltimo.Adespeitodeexemploscontrários,quaisos

quesedeparavamnoantigoReichalemão,comaPrússia

constitucionalmenteprivilegiadasobreasdemaisunidadesfederativas,

aboaregraouprincípiodeorganizaçãofederalmanda,segundoLeFur,

quecadaEstadoparticular“tenhaomesmonúmeroderepresentantes

dosdemaisEstados-membros,qualquerquesejaadiferençaentreeles

Page 378: Ciência Política - Archive

existente,tantodopontodevistadaextensãoterritorialcomodo

númerodehabitantes”.2

O“bicameralismo”oulegislativodualconfereaoEstado-membro

atravésdacâmararepresentativadosEstadosingerênciaativaem

matériaderevisãoconstitucional,tornando-sepontodosmais

característicosdosistemafederativo.

OsistemadeduasCâmaras,daessênciadaordemfederativa,

testemunhaprecisamenteumatécnicaverticaldeseparaçãode

poderes.Umramodopoderlegislativo—oSenado—exprimeavontade

dosEstados,masopoderpolíticosoberanosemanifestatambém

atravésdasegundacasalegislativa:aCâmaradeDeputadosouCasade

Representantesporondesefiltraavontadedoscidadãos,vontade

democrática,vontadepopular,queexpressa,naproduçãodaordem

jurídica,osentimentonacionalunificado.

Masé,conformevimos,medianteaCâmaraAlta,queopoder

constituintefederalparaexercer-seemmatériadereformaourevisão

constitucionalcainadependênciadaaprovaçãodosEstados,vistoque

asmodificaçõesconstitucionaisficamsujeitas,nofederalismo

autêntico,àaprovaçãodaCasaderepresentantesdosEstados

federados,pormaioriavariáveldeseuscomponentes:emalgumas

Constituiçõespormaioriaabsoluta;noutras—eéocasoda

Page 379: Ciência Política - Archive

Constituiçãobrasileira—pormaioriadetrêsquintos(§2ªdoartigo60).

Arigidezconstitucionalnorte-americanaacentuaesseaspecto

federativodaparticipaçãodosEstadoscomorequisitodeaprovaçãoda

revisãoouamendmentportrêsquartaspartespelomenosdosEstados

integrantesdaFederação.AvontadedosEstados-membrosé,por

conseqüência,básicaparaaformaçãodavontadefederaltocantea

qualquerreformadaConstituição.

5.Acrisedofederalismo:ocasooutransformaçãodaordem

federativaesuarepercussãonoBrasil

Nãosãorarososqueentendemqueofederalismoseacha

irremissivelmentecondenadoadesaparecernacrisedoEstado

contemporâneo,cujaconcentraçãodepodertendecadavezmaisa

anularoqueaindarestadeautonomianascoletividadespolíticas

participantesdacomposiçãofederativa,malpermitindodistingui-las

dasunidadesqueintegramoEstadounitáriodescentralizado.

Afigura-se-nostodaviaquenãoétantoofederalismocomo

fenômenopolíticoassociativoqueestáemcrisesenãoumaforma

doutrináriadofederalismo,aquelaaqueseprendedesdeasorigense

quegeroudeterminadamoldurajurídicaaparentementeintocável,

aindaagorasubsistenteenointeriordaqualporémsevãoprocessando

asinevitáveistransformaçõesdosistema,ditadaspelamudançados

Page 380: Ciência Política - Archive

temposeporimperativodasnecessidadespolíticasesociais,mais

poderosastalvezqueavontadedospropugnadoresdasteses

federalistasrigorosasdoséculoXIX.

Houveporconseqüência,comonãoseriadeestranhar,

considerávelalteraçãodeconteúdoeforma,obrigandoosistema

federativoadarasmáximasprovasdeseupoderadaptativo.

Dessastransformaçõesresultouumfederalismonovo,elástico,

quaseirreconhecívelàquelesqueaindasustentamcomentonoas

máximasdofederalismoclássico,eserecusamterminantementea

aceitaroqueocorreucomovariaçãonecessária,decorrentedo

desenvolvimentodaspráticasfederativas,segundonovostempose

novascircunstâncias.Bemaocontrário,cuidamessasvozesdefrontar-

seemdefinitivocomaruínadaidéiafederalista,talaextensãoe

profundidadedasmudançasjáverificadas.

Afigura-se-nostodavia,insistindoempontodevistaenunciado,

queacriseenvolvemenosofederalismoqueumaformadefederalismo:

aquetrazemcertamaneiraamarcadoEstadoliberalesuadecadente

ideologia.

Eranaturalquenosprimeirostemposdofederalismohouvesse

coincidênciaquaseperfeitaeharmônicaentreformaeconteúdo,entrea

moldurajurídicaeaidéiainternavivaepropulsoradetodoosistema.

Page 381: Ciência Política - Archive

Trêsépocasdistintasassinalampoisocaminhojápercorridopela

organizaçãodoEstadofederal.

Naprimeiraépoca,quecorrespondeàadoçãodesseoriginalíssimo

princípio,dasduasleisqueregemaFederação(autonomiae

participação),eraaleidaautonomiaaquelaquesemostravamais

dominadora,comosEstadosparticipantesentrincheiradosnuma

posiçãodeforça,imperantetantonosfatoscomonadoutrina.

FoioperíodoemqueTocqueville,inversamenteaoqueagora

sucede,escreviaseuspresságiossombriosacercadofuturodosistema

federativo,comaFederaçãopostadebaixodaameaçadeeventual

dispersãooudesaparição,decorrentedoexcessodecompetênciados

Estados-membros.

Osegundoperíodovemaseraqueleemquesealcançaoperfeito

equilíbrioentreaUniãoeosEstadosfederados,entreadoutrina

federalistaeasinstituiçõescriadasepraticadasemnomedessa

doutrina.

Nessafasehistóricahaviachegadojáaofimotormentosodebate

dosjuristasepolíticosqueinterrogavamcomalgumaperplexidade

doutrináriaseaConstituiçãoFederaleraleioucontrato;seeralei—lei

constitucionalrígida—davaaogovernocentral,comosujeitodedireito,

inteira,diretaeimediataautoridadepolíticasobretodoopovodaUnião;

Page 382: Ciência Política - Archive

seeraapenascontrato,haveriatão-somente,entreaUniãoeos

Estadosparticipantes,merarelaçãojurídicacomogovernocentral,

exercendoesteumajuredelegationis,delegaçãodepoderesdeEstados

livresesoberanos,providosdodireitodesecessão,facea

temporariedadeedissolubilidadedolaçofederativo.

Aépocahistoricamentemarcadapelodissídiodoutrináriodos

autonomistasCalhoun,daCarolinadoNorte(EstadosUnidos)eMax

vonSeydel,daBaviera(Alemanha)contraospublicistase

jurisconsultosdatradiçãodosautoresdoFederalista,comopretendiam

serWebster,Story,eoutros,vitoriososcomaguerradasecessão,tanto

nopleitodasarmascomodasidéias,ficaradefinitivamenteparatrás,

suplantadapelafasedeapogeunoequilíbriodosistemafederal,emque

osprincípiossustentadosporaquelesúltimossetornaramimperantes

tantonadoutrinacomonapraxe.Verificou-seConseguintementeo

equilíbriodastendênciasunionistascomastendênciasparticularistas,

dascorrentesunitaristascomascorrentesfederalistas,daschamadas

forçascentrípetascomasforçascentrífugas.

Aterceirafase,quepodemosnomearfasecontemporâneado

federalismo,assistiuàroturadoequilíbrioobservadonoperíodo

anteriorentreosdoisdadosfundamentaisdaautonomiaeda

participação,comamplopredomíniodestafeitadaparticipaçãoe

Page 383: Ciência Política - Archive

considerávelatenuaçãoedeclíniodaautonomia.

AquioinvestigadorpolíticodoséculoXXchegarádecertoa

conclusãodiametralmenteopostaàqueladeTocqueville;oexcessode

poderesfederaisenãodepoderesestaduais,conformeestavano

pensamentodoautorfrancês,seriaacausadodebilitamentoda

Federaçãoedeseuiminenteperigodevida.

Comoterceiroperíodosedesenrolaevidentecrisedofederalismo,

deproporçõescomparáveisàqueseobservounatransiçãodaprimeira

paraasegundafase,quandosedeuodebatecontraditórioacercada

extensãodacompetênciadosEstados,comopoderfederalaindaem

defensivateórica.

Tendohavidodesequilíbrio,agoraemdetrimentodosEstados-

membros,háquemdigaqueofederalismoestámorto.

Todaviasenospomosaobservaracuradamenteocursodos

sucessospolíticosinternacionais,vamosverificarqueoprincípio

federativonãoseachadetodoexausto,reaparecendonassoluções

propostasparaaunificaçãodocampoocidentaleuropeu,animandopor

exemploavelhaidéiadacriaçãodosEstadosUnidosdaEuropaetendo

amesmavogaemcontinentescomoaÁfricaeaÁsia,ondemuitos

Estadosvêemnolaçofederativoachavedeseusdestinos,eondeo

federalismoousurgecomoremédiojáaplicadoapopulaçõesquese

Page 384: Ciência Política - Archive

emancipampoliticamenteouestásendopreconizadoparaasalvação

futuradosEstadosdébeiserecém-formados,atravessandopenosas

condiçõesdeexistência.

MasnosEstadosfederaismaisantigosháefetivamentecrisedo

federalismo,eessacriseenchedeapreensõesovelhosentimento

federalista.Esteseachavoltadomaisparaaconservaçãodasbases

jurídicastradicionaisdosistema,cerrandopoissuasvistasaqualquer

exameinterpretativodosfatoresdeterminantesdamudançahavida,a

estaalturarealmenteirreversível.

AexpansãoindustrialdoséculoXX,oconsiderávelalargamento

dasviasdecomércioentreosEstados,oimensoprogressotecnológico

decaráterunificador,apropagaçãodasideologiasqueapagame

crestamasvariaçõesdoparticularismopolítico,erigindocamadas

maciçaseuniformesdeopinião,oconseqüenteincrementodalegislação

socialapaziguadoradoconflitoentreotrabalhoeocapitaleoexcesso

dedirigismoeconômicoseapresentamcomofatoresprincipaisda

transformação

operada.

Tal

transformação,

Page 385: Ciência Política - Archive

sacrificando

a

competênciaefetivadosEstados-membros,deixouquaserevogadaalei

daautonomia,fezdointervencionismoestatalnecessidadeindeclinável

àsubsistênciamesmadoEstadofederal,tornouopodercentralmais

sensívelesujeitoaoinfluxomaiordamassanacionaldoscidadãosque

aoinfluxodosEstados-membros,colocouosEstados,emfaceda

deficiênciadeseusrecursos,debaixodaservidãofinanceiradopoder

federal(desortequejánãopodemestessobreviverforadassubvenções

doeráriodaUnião)edesenvolveuemsumanoscidadãosmesmoscerto

sentimentodemenoscaboouderuinosaindiferençaàsprerrogativas

autonomistasdasunidadescomponentes,oque,emalgumas

Federações,comooBrasileosEstadosUnidos,veioavolumaras

correntesdeopiniãomaisfavoráveisaosinteressesdaUnião,

identificadosportantocomointeressenacional,contrapostoaodos

Estados,oqualseprincipiouacondenarporrepresentativodeformas

deegoísmoeparticularismo.

Todosessesagentesatuaramdecisivamente,valendodestacar

dentreosmesmossobretudoosdeordemfinanceiraeeconômica.

NoBrasil,ainflaçãogalopantehásidocausaatuantenoprocesso

dedesagregaçãodovelhofederalismo.OsEstadoscomorçamentos

Page 386: Ciência Política - Archive

sujeitosavertiginososdéficitscaíamsoba“intervenção”permanente

dasajudasfederais,que,politizadas,criavamdependênciaelhes

arrebatavam,perdidajáaautonomiafinanceiraeeconômica,oque

aindarestavaefetivamentedaantigaautonomiapolítica.Demais,esta

autonomianuncadesfrutouoprestígiodeumatradiçãohistórica,

nuncadeitouraízesnasorigensdacomunhãonacional:oImpério

unitárioareprimia,aRepública,federativa,sóveioaproduzi-la

artificialmente.

NosEstadosUnidos,segundorefereDurand,ocorreomesmo

desequilíbrioentreosrecursosfederaiseosrecursosestaduais,

estimando-sequedos55bilhõesdedólaresdedespesaspúblicas,em

1948,48bilhõesforamempregadospeloEstadofederal.3

Quandosetraçapoisesseinarredávelquadrodaesmagadora

superioridadeeconômicaefinanceiradoEstadofederalsobreas

unidadesfederadaseseobservaadependênciaefetivaaqueestas

ficamsujeitas,aprimeiraimpressãoquesetemédenegaraexistência

contemporâneadosistemafederal,oqualteriajátransitadoparauma

fórmulademeradescentralizaçãoadministrativa.Assiméquealguns

autoresachammaisprudenteeverídicofalardeEstadounitáriode

máximadescentralizaçãodoquepropriamentedeEstadofederal.

Ascorrentesfederalistasquedescendemdatradiçãoclássicado

Page 387: Ciência Política - Archive

federalismopensamdessemodoechegamaessaamargaconclusão,

porquantovêemmaisparticipaçãocomdependênciadoqueautonomia

comparticipaçãonosmoldesdoEstadofederalcontemporâneo.

Entendemosaocontrárioqueofederalismonãodesapareceu,mas

setransformou.Naterceirafase,ofinalismosocialdospoderespúblicos

setornoumaisagudodoquenunca.NãotantoporqueoEstadoo

quisesse,masporqueasnecessidadesereclamosdosgovernadosassim

oobrigaram.OndeoEstadoentendeupormerovoluntarismodepoder

abusardosmeiosmateriaisàsuadisposição,houveefetivo

desvirtuamentodeseuintervencionismo,vistoqueaíficavapolitizado

ouinstrumentalizadoemproveitopessoaldostitularesdopoderaquela

imperiosaeindeclinávelnecessidadedeempregarrecursosestatais

paraoconseguimentodefinsdeinteressepúblico.

Assimconsiderado,ointervencionismoémalsão.Arruína

qualquerestruturafederativa.Masquandoosproblemasdegovernose

situamemnívelelevado,quandoopodercentralnaorganização

federativaéchamadoaempregarrecursosquenãoestariamaoalcance

dosEstados-membrosparaaconsecuçãodeobraspúblicas,tantodo

interesseregionalcomonacional,quais,nosEstadosUnidos,oProjeto

doValedoTennesseeenoBrasilopetróleodaBahia,aaçudagemea

eletrificaçãodoNordeste,bemcomoosplanosregionaisde

Page 388: Ciência Política - Archive

desenvolvimento(SUDENE,SUDAMetc),seriarematadainsensatez

impugnarapresençadopoderfederaleseusauxíliosfinanceirosem

nomedepreconceitosfederalistasdetodosuplantados.

Serátrabalhodejuristasretocaravelhaeimobilizadaestrutura

jurídicadoantigofederalismo,acomodando-aàscondiçõesnovasdo

sistema,queirrevogavelmentesemoveráagoraedefuturonoâmbitode

umEstadoeudemoníistico,o“WelfareState”,realidadeprimeira,que

trouxejáparaoEstadopresenteapolíticadosalário-mínimo,da

previdência,dasreformassociaisprofundasnaidadedasmassaseda

socializaçãodopoderedariqueza.

Quemnãopudercompreenderouadmitirasrazõesporquealei

daparticipaçãojápreponderasobreovelhodogmadasautonomias

estaduaisintangíveisnãoterámaissaídasenãopôroepitáfiosobreo

federalismo,queeles,osfederalistascontemporâneosdescontentes,

jamaisvoltarãoaencontraràmodadoséculoXIX.

Setivermosporémavisãoabertaeasensibilidadebastante

apuradacomqueacompanharocursodavidanolaboratóriosocial,

nenhumadificuldadedefrontaremosentãoparaproclamaremfasede

florescentedesenvolvimentooneofederalismodoséculoXX.Mas

entendidoestequalofizemos,asaber,acrescidodaquelasemendasque

poêmodireitoemdiacomosfatos,previnemosdesvirtuamentosdo

Page 389: Ciência Política - Archive

intervencionismoestatal,cortamoselementosdefundodacrise

federativanaestruturadoEstadocontemporâneo,alhanamobstáculos

econduzemaumapossívelsoluçãodoproblemafederativo.

1.G.Jellinek,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,p.769.

2.LeFur,L.ÉtatFéderaletConfédérationD’États,p.621.

3.CharlesDurand,“L’ÉtatFéderal”,inLeFédéralisme,p.213.

14

ASFORMASDEGOVERNO

1.FormasdegovernoeformasdeEstado—2.Aclassificaçãode

Aristóteles:monarquia,aristocraciaedemocracia—3.Oacréscimo

romanoàclassificaçãodeAristóteles:ogovernomisto(Cícero)—4.

Asmodernasclassificaçõesdasformasdegoverno:deMaquiavela

Montesquieu—5.Formasfundamentaiseformassecundáriasde

governo(Bluntschli)—6.Asformasdegovernosegundoocritério

daseparação

depoderes:governoparlamentar,

governo

presidencialegovernoconvencional—7.Acrisedaconcepção

governativaeasduasmodalidadesbásicasdegoverno:governos

peloconsentimentoegovernospelacoação.

Page 390: Ciência Política - Archive

1.FormasdegovernoeformasdeEstadoEntreautoresestrangeirosreinaconfusãoquantoaoempregodas

expressõesformasdeGovernoeformasdeEstado.Ovocabulário

políticoalemãodenominaformasdeEstado(Staatsformen)aquiloque

osfrancesesconhecemsobadesignaçãodeformasdeGoverno,como,

porexemplo,nasclassificaçõesmaisantigasetradicionais,a

monarquia,aaristocraciaeademocracia.

Afigura-se-nosqueanomenclaturafrancesaémaisprecisa

porquantodeixaclaraadistinçãoentreformasdeEstadoeformasde

Governo.

ComoformasdeEstado,temosaunidadeoupluralidadedos

ordenamentosestatais,asaber,aformapluraleaformasingular;a

sociedadedeEstados(oEstadoFederal,aConfederação,etc.)eo

EstadosimplesouEstadounitário.

ComoformasdeGoverno,temosaorganizaçãoeofuncionamento

dopoderestatal,consoanteoscritériosadotadosparaadeterminação

desuanatureza.Oscritériosmaisemvogasãoprincipalmentetrês:a)o

donúmerodetitularesdopodersoberano;b)odaseparaçãode

poderes,comrigorosoestabelecimentooufixaçãodesuasrespectivas

relações;ec)odosprincípiosessenciaisqueanimamaspráticas

Page 391: Ciência Política - Archive

governativaseconseqüenteexercíciolimitadoouabsolutodopoder

estatal.

OprimeirocritériotemoprestígiodonomedeAristótelesede

quantosadotaramsubseqüentemente,comalgumasvariações,asua

afamadaclassificaçãodasformasdeGoverno.

Osdoisúltimossãomaisrecentes,traduzindomelhora

compreensão

contemporânea

do

fenômeno

gevernativo

e

sua

institucionalizaçãosocial.

Osegundo,relativoàseparaçãodepoderes,dominoudurante

todaaidadedoEstadoliberal,representandoumadasfacesdo

formalismoconstitucionaldoséculopassado,apoiadonateoriade

Montesquieu,semqueestedemodoalgumpressentisseessaeventual

aplicação,extraídaaliáscomoconseqüêncialógicadesuadoutrina.

Oterceiro,voltadoparaosprincípiosbásicosqueanimamavida

política,édetodocontemporâneo,representandoumareaçãocontraa

Page 392: Ciência Política - Archive

rigidezdocritérioanterior,oqualtinhamaisemvistaaformadoqueo

fundodasinstituições.

Asclassificaçõesmaiscélebressãoporémaquelasqueobedecem

aoprimeirocritériojáreferido.Abrangem,porexemplo,aclassificação

deAristóteles,deMaquiaveledeMontesquieu,levandoemconta,

principalmente,onúmerodepessoasqueexercemopodersoberano.

2.AclassificaçãodeAristóteles:monarquia,aristocraciae

democracia

Amonarquia,aprimeiradessasformas,representa,segundo

Aristóteles,ogovernodeumsó.Atendeosistemamonárquicoà

exigênciaunitárianaorganizaçãodopoderpolítico,exprimindouma

formadegovernonaqualsefazmisterorespeitodasleis.

Aaristocracia,comosegundaforma,naclassificaçãode

Aristóteles,significaogovernodealguns,ogovernodosmelhores.Na

etimologiadapalavra“aristocracia”deparamo-nosjácomaidéiade

força.Essaraizevolvenaturalmenteparaaacepçãodeforçadacultura,

forçadainteligência,forçaentendidademodoqualitativo,força,por

conseguinte,dosmelhores,dosquetomamasrédeasdogoverno.A

exigênciadetodogovernoaristocráticodeveser,segundoAristóteles,a

deselecionarosmaiscapazes,osmelhores.

Quantoaoterceirotipodegoverno,contidonessaclassificação,

Page 393: Ciência Política - Archive

Aristótelesfá-locorresponderàDemocracia,governoquedeveatender

nasociedadeaosreclamosdeconservaçãoeobservânciadosprincípios

deliberdadeedeigualdade.

OsquerepreendemAristótelesporhaverprocedidona

classificaçãodasformasdegovernocomcritérioquantitativo,estão

todaviadeslembradosdequeoinsignefilósofopolíticodaGrécia

distinguiraaschamadasformasdegovernopurodasformasdegoverno

impuro.

Governospurossão,nopensamentoaristotélico,aquelesemque

ostitularesdasoberania,quersetratedeum,dealgunsoudetodos,

exercemopodersoberanotendoinvariavelmenteemvistaointeresse

comum,aopassoqueosgovernosimpurossãoaquelesemque,ao

invésdobemcomum,prevaleceointeressepessoal,ointeresse

particulardosgovernantescontraointeressegeraldacoletividade.

Quandoessesinteressespessoaissesobrepõem,nagestãodos

negóciospúblicos,aosinteressesdasociedade,aquelasformasde

governojámencionadasdegeneramporcompleto.

Desvirtuadadeseusignificadoessencialdegovernoquerespeita

asleis,amonarquiaseconverteemtirania,asaber,governodeumsó,

quevotaodesprezodaordemjurídica.

Aaristocraciadepravadasetransmudaemoligarquia,plutocracia

Page 394: Ciência Política - Archive

oudespotismo,comogovernododinheiro,dariquezadesonesta,dos

interesseseconômicosanti-sociais.

Ademocraciadecaídasetransfazemdemagogia,governodas

multidõesrudes,ignarasedespóticas.

3.OacréscimoromanoàclassificaçãodeAristóteles:ogoverno

misto(Cícero)

Osescritorespolíticosdasociedaderomanaacolheramcom

reservasaclassificaçãodeAristóteles.Alguns,comoCícero,

acrescentaramàsformasjáconhecidasdaclassificaçãoaristotélicaum

quartotipo:aformamistadegoverno.

Essaforma,segundoCícero,existianoEstadoromanomesmoe

vinhaaseramelhordetodas.Ogovernomistoaparece,viaderegra,

pormeralimitaçãooureduçãodospoderesdamonarquia,da

aristocraciaedademocracia,mediantedeterminadasinstituições

políticas,taiscomoumSenadoaristocráticoouumaCâmara

democrática.

Autoresmodernosqueadmitemaexistênciadaformamistade

governo,entendemqueaInglaterraoferececontemporaneamenteo

maispersuasivoexemplodessamodalidadedeorganizaçãodogoverno.

Comefeito,hánaInglaterraumsistemamonárquiconoqualo

Rei,aCâmaraAlta(CâmaradosLordes)eaCâmaraBaixa(Câmarados

Page 395: Ciência Política - Archive

Comuns)formamconjuntamenteoParlamento.Comosevê,essepaís

apresentaumquadropolíticoondeopoderrealcombinatrêselementos

institucionais,quesãoaspeçasbásicasdosistema:aCoroa

monárquica,aCâmaraaristocráticaeaCâmarademocráticaou

popular.

Dospublicistasmodernos,quenãoaderemaosistemade

classificaçãodeAristótelesesustentamamodalidademistade

organizaçãodogoverno,destaca-seMirabeau,insigneoradorpolíticoda

RevoluçãoFrancesa,que,emdiscursoproferidoporvoltade1790,já

declaravaquenumcertosentidoasrepúblicassãomonarquias,enum

certosentidotambémasmonarquiassãorepúblicas.

Comrespeitoaogovernomisto,tãofervorosamentepreconizado

porCícero,cumpreadvertirnacensuraecríticaquelhefazTácitonos

Anais,aonegarvalor,atémesmoexistênciaasemelhantemodelode

Estado.DisseTácitonaquelaobra,quenenhumEstadomistohána

realidade,ousehouver,serásemprededuraçãoefêmera.

4.Asmodernasclassificaçõesdasformasdegoverno:de

MaquiavelaMontesquieu

DeAristóteleseCícero,passemosaMaquiavel,osecretário

florentino,quetantoseimortalizounaciênciapolítica,equeabreo

capítuloprimeirodeOPríncipe,suaobra-prima,comaquelaafirmativa

Page 396: Ciência Política - Archive

deque“todososEstados,todososdomíniosqueexercerameexercem

podersobreoshomens,foramesãoouRepúblicasouPrincipados”.1

Comessaafirmação,classificaMaquiavelasformasdegoverno

emtermosdualistas:deumaparte,amonarquia,opodersingular;e,

deoutraparte,aRepública,oupoderplural.Arepública,segundo

Maquiavel,abrangeaaristocraciaeademocracia.

DeMaquiavelvamosaMontesquieu,cujaclassificaçãoéamais

afamadadostemposmodernos.

EmtodaformadegovernodistingueMontesquieuanaturezaeo

princípiodessegoverno.Anaturezadogovernoseexprimenaquiloque

fazcomqueelesejaoqueé.Oprincípiodogoverno,porsuavez,vema

seraquiloqueofazatuar,queanimaeexcitaoexercíciodopoder:as

paixõeshumanas,porexemplo.2

Sãoformasdegoverno:arepública,amonarquiaeodespotismo,

conformeaenumeraçãoqueconstadoEspíritodasLeis.

Arepúblicacompreendeademocraciaeaaristocracia.Anatureza

detodogovernodemocráticoconsiste,segundoMontesquieu,ema

soberaniaresidirnasmãosdopovo.Quantoaoprincípiodademocracia,

temosavirtude,quesetraduznoamordapátria,naigualdade,na

compreensãodosdeverescívicos.Comrelaçãoàaristocracia,sua

naturezaéasoberaniapertenceraalgunseseuprincípioamoderação

Page 397: Ciência Política - Archive

dosgovernantes.3

Quantoàmonarquia,dizMontesquieuquesetratadoregimedas

distinções,dasseparações,dasvariaçõesedosequilíbriossociais.Sua

naturezadecorredeserogovernodeumsó.Cumpreaquiaosoberano

governarmedianteleisfixaseestabelecidas.Aorganizaçãopolíticada

monarquiatomaportraçocaracterísticoapresençadepoderesou

corposintermediáriosnasociedade.Essasorganizaçõesprivilegiadase

hereditáriassãooclero,ajustiçaeanobreza,queatuamempresença

dotronocomopoderessubordinadosedependentes.4

Oprincípiodamonarquiasecifranosentimentodahonra,no

amordasdistinções,nocultodasprerrogativas.Interpretandoo

pensamentodeMontesquieu,asseveraEmílioFaguetqueesseprincípio

monárquiconãoéosentimentoexaltadodadignidadepessoal,nem

tampoucooorgulhofeudal,masodesejodeserdistinguidonumacorte

brilhante,asatisfaçãodoamorpróprionumaposição,numgrau,num

título,numadignidade.Ahonra,comoprincípiomonárquico,desperta

nosservidoresdaCoroaapaixãodafidelidadepessoal,adedicação,o

altruísmo,aabnegação,odesapegoeosacrifício.5

Porfim,odespotismo.Suanaturezaseresumenaignorânciaou

transgressãodalei.Omonarcareinaforadaordemjurídica,sobo

impulsodavontadeedoscaprichospessoais.Oprincípiodetodoo

Page 398: Ciência Política - Archive

despotismoresidenomedo:ondehádesconfiança,ondehá

insegurança,ondeháincerteza,ondeasrelaçõesentregovernantese

governadossefazemàbasedotemorrecíproco,nãohá,segundo

Montesquieu,governolegítimo,masgovernodespótico,governoque

negaaliberdade,governoquetemeopovo.6

Segundoessemesmoclássicodademocracialiberalnãochega

sequerodespotismoaserumaformadegoverno,porquantodizo

filósofopolítico:“ogovernoéolavradorquesemeiaecolhe;o

despotismoéoselvagemquecortaaárvoreparacolherosfrutos”.7E,

demodomaisconclusivo:“odespotismonãoéoutracoisasenãouma

multidãodeiguaiseumchefe”.8

5.Formasfundamentaiseformassecundáriasdegoverno

(Bluntschli)

Das

classificações

de

formas

de

governo

aparecidas

modernamente,depoisdadeMontesquieu,éderessaltaradeautoria

Page 399: Ciência Política - Archive

dojuristaalemãoBluntschli,quedistinguiuasformasfundamentaisou

primáriasdegovernodasformassecundárias.9

Aodistinguirasformasfundamentais,afirmouoegrégio

publicistaqueaíoprincípiodesuaclassificaçãoatendiaàqualidadedo

regente,aopassoquenasformassecundáriasocritérioaqueobedeceu

eraodaparticipaçãoquetêmnogovernoosgovernados.

Sãoformasfundamentais:amonarquia,aaristocracia,a

democraciaeaideocraciaouteocracia.10

Comosevê,Bluntschlienumeraasformasjáconhecidasda

antigaclassificaçãoaristotélica,acrescentandoporémumaquarta

forma:aideocraciaouteocracia.

Comefeito,asseveraessepensadorquehásociedadespolíticas

organizadasondeaconcepçãodopodersoberanonãoresideem

nenhumaentidadetemporal,emnenhumserhumano,singularou

plural,senãoqueseafirmaterasoberaniaporsedeumadivindade.

Conseqüentemente,emdeterminadasformasdesociedadeimperauma

doutrinateológicadasoberania.Nãosedeveporconseguinte

menosprezarsemelhantesmodelosdesociedade,ondeateoriadopoder

político,debaixodainspiraçãosobrenatural,fundaumsistema

governativodeteorsacerdotal,quesenãoamoldarigorosamenteàstrês

formasjáconhecidasemencionadas.

Page 400: Ciência Política - Archive

Ateocracia,comoformadegoverno,segundoBluntschli,

degeneranaidolocracia:aveneraçãodosídolos,apráticadebaixos

princípiosreligiososextensivosàordempolítica,queconseqüentemente

seperverte.

Quantoàsformassecundárias,referidasaograudeparticipação

dosgovernadosnogoverno,tomam,conformeomesmoBluntschli,a

seguintediscriminação:governosdespóticosouservis,governos

semilivres,egovernoslivres,quesãooscompreendidosnaformados

chamadosEstadospopulares(Volksstaat)ouEstadosdemocráticos.11

6.Asformasdegovernosegundoocritériodaseparaçãode

poderes:governoparlamentar,governopresidencialegoverno

convencional

Quandoocritérioquesesegueéodaseparaçãodepoderes,que

hásidoaliásomaisfreqüentedesdeoséculopassado,faceaodeclínio

dasclassificaçõesdecunhoaristotélico,jáexaminadas,deparamo-nos

comasseguintesformasdegoverno:governoparlamentar,governo

presidencialegovernoconvencionalougovernodeassembléia.

Ogovernoparlamentar,sobalegítimainspiraçãodoprincípioda

separaçãodepoderes,éaquelaformaqueassentafundamentalmente

naigualdadeecolaboraçãoentreoexecutivoeolegislativo,ecomotal

foiconcebidoepraticadonafaseáureadocompromissoliberalentrea

Page 401: Ciência Política - Archive

monarquia,presaaosaudosismodaidadeabsolutista,eaaristocracia

burguesadarevoluçãoindustrial,ligadamaisteóricaqueefetivamente

àsnovasidéiasdemocráticas.

Ogovernopresidencial,segundoasregrastécnicasdorito

constitucionalresultanumsistemadeseparaçãorígidadostrês

poderes:oexecutivo,olegislativoeojudiciário,aopassoqueoregime

convencionalsetomacomoumsistemadepreponderânciada

assembléiarepresentativa,emmatériadegoverno.Daíadesignação

quetambémrecebeude“governodeassembléia”.

Quandoessastrêsformasapareceramemsubstituiçãousualdas

velhasclassificaçõespertinentesaonúmerodetitularesdopoder

soberano,fez-sejáconsiderávelprogressotocanteàsuperaçãohistórica

dessedualismomonarquia-república,queemséculosanteriorestanto

apaixonaraospublicistas.Masoformalismodasclassificações

perdurouomesmo,mostrando-sedetodoinalterável,comocritério

novodecaracterizaçãodosgovernos,medianteaadoçãodoprincípioda

separaçãodepoderes.

7.Acrisedaconcepçãogovernativaeasduasmodalidades

básicasdegoverno:governospeloconsentimentoegovernospela

coação

Amudançaverdadeirasóseoperaquandoentraemcriseo

Page 402: Ciência Política - Archive

conceitodegovernoempregadoporRousseau.Foramerecimento

indiscutíveldeRousseauohaverdistinguidocomclarezajamais

excedidasoberaniaegoverno.

DizRousseau:“Chamogovernoousupremaadministraçãoo

exercíciolegítimodopoderexecutivoepríncipeoumagistrado,o

homemoucorpoincumbidodessaadministração”,12depoisdehaver

afirmadoqueogovernoé“umcorpointermediárioestabelecidoentreos

súditoseosoberanoparasuamútuacorrespondência,encarregadoda

execuçãodasleisedamanutençãodaliberdade,tantocivilcomo

política”.13

Asoberania,comopodercriador,elaboraalei;ogovernoaaplica.

AvontadesoberanaéaquelepoderaquejásereferiaBodinnoséculo

XVI:“Opoderdefazerederevogarasleis”,aopassoqueogovernoéo

instrumentoeagentedaquelavontade,oórgãoporexcelênciade

aplicaçãodanorma.

Quandoapareceunalinguagemdosmodernospublicistasanova

classificaçãodasformasdegovernoemgovernoparlamentar,governo

presidencialegovernodeassembléia,aconcepçãodegoverno,ainda

imperante,eraamesmadeRousseau.

NãocausaporconseguinteestranhezaqueBagehothajadefinido

ogovernoparlamentarousejaogovernodegabinetecomoum“comitê

Page 403: Ciência Política - Archive

executivo”daAssembléia.

Quandoporémaquestãodefundoveioapreponderarsobrea

questãodeforma,quandosepassoudoEstadoliberalaoEstadosocial

ouaoEstadosocialistacontemporâneo,quandooantagonismo

ideológicosucedeuàcalmariadoséculoXIX,rompendoasestruturas

liberaisdasociedadeburguesa,quandoaoEstadoneutrosucedeuo

Estadointervencionista,quandoosfinsdaordemestatalcresceramese

multiplicaram,todooformalismoantecedenteentrouemcriseeo

conceitodegoverno,comosimplesbraçoexecutivo,comoumpoderà

parte,meramenteaplicadordeleis,ingressoudefinitivamentenomuseu

dasidéiaspolíticas,tangidoporumimperativohistóricoesocial

inelutável.

Comenta

Guetzévitch

o

declínio

da

velha

proposição

rousseauniana,quepertenceaoRousseaudoliberalismo,escrevendo:

“Aexpressãonãoéfeliz.Governarnãoésomenteexecutar.Aidéia

Page 404: Ciência Política - Archive

demasiadosimplistade“execução”nosvemdoséculoXVIII;Rousseau,

quenãopodeobservarnenhumademocraciaexistente,ensinava

solenementeque“opoderexecutivo...nãoconsistesenãoematos

particulares”.14AludeaomonumentalmalogrodaConstituição

Francesade1793,aConstituiçãogirondina,queficouinaplicada,e

cujoartigo65vertiafielmenteamáximadeRousseau:“OConselho

(executivo)nãopodeagirsenãopelaexecuçãodasleisedosdecretosdo

corpolegislativo”.

Comefeito,“governar...nãoésomente“executar”ouaplicaras

leis;governarédarimpulsoàvidapública,tomariniciativa,prepararas

leis,nomear,revogar,punir,atuar.Atuarsobretudo”.15

Quandoosfatosimpuseramessamodalidadenovade

compreensãodogovernovimosdomesmopassoogovernoparlamentar

caracterizar-se,porefeitodessatransformação,comogovernode

preponderânciadaassembléia;ogovernopresidencialtransformar-se

emgovernodehegemoniadoexecutivoeogovernoconvencionalse

converternumgovernodeconfusãodepoderes.

Vimosigualmenteogovernofortedasditadurassurgirnesse

sistemaderelaçõesdepoderescomoaformatípicadogovernode

concentraçãodepoderes.

Chegava-sedessamaneiraaoterceirocritérionaclassificaçãodas

Page 405: Ciência Política - Archive

formasdegoverno,emqueestas,ouabrangemosgovernosdomodo

acimaenunciado,ondeaquestãodefundosobrelevaaquestãode

forma,ditandoasalteraçõesvistasnasrelaçõesentreospoderes,ou,

atendendoaindaàinspiraçãodosprincípiosfundamentaisqueregema

organizaçãodopoderpolítico,reduziríamostodasasformasdegoverno

aduasmodalidadesbásicas:governospeloconsentimentoougovernos

pelacoação,governoslimitadosougovernosabsolutos,governoslivres

ougovernostotalitários,governosdaliberdadeougovernosdaditadura.

Aidéiadegovernoseentrelaçapoiscomaderegime,coma

ideologiadominante.

Aquestãodefundoenvolveidéiaseprincípios,queanimam

decisivamenteaaçãodosgovernos.Medianteasidéiasexplicar-se-iam

asformasdegoverno.

Aquestãodeforma,porsuavez,sefazdetodosecundária.As

técnicaseosmecanismosdeorganizaçãodogovernosóteriam

importâncianamedidaemqueefetivamentecontribuíssemà

observânciadasidéias.Estas,sim,forneceriamopadrãoválidoe

rigoroso,atravésdoqualseaquilatariamelhordanatureza,daessência

edoespíritodecadagovernoousistemadeautoridade.

1.NiccoloMachiavelli,IlPríncipe,p.37.

2.Montesquieu,“DeL’EspritdesLois”,in:OeuvresComplètes,pp.250-251.

Page 406: Ciência Política - Archive

3.Idem,ibidem,pp.244-247-254.

4.Idem,ibidem,pp.247-248-257.

5.Montesquieu,ob.cit.,p.257.

6.Idem,ibidem,pp.249-250-258.

7.Idem,ibidem,p.292.

8.Idem,ibidem,pp.292-297.

9.J.C.Bluntschli,AllgemeineStaatslehre,6ªed.,pp.384-385.

10.Bluntschli,ob.cit.,pp.385-387.

11.Idem,ibidem,pp.551-557.

12.J.J.Rousseau,DuContratSocial,p.116.

13.Rousseau,ob.cit.,liv.3,cap.1,p.115.

14.Rousseau,ob.cit.,pp.114-122.

15.BorisMirkine-Guetzévitch,LesConstitutionsEuropéennes,pp.19-20.

15

OSISTEMAREPRESENTATIVO

I.Osistemarepresentativoeasdoutrinaspolíticasda

representação—2.Adoutrinada“duplicidade”alicercedoantigo

sistemarepresentativonaépocadoliberalismo—3.ARevolução

Francesaconsolidaadoutrinada“duplicidade”—4.Apogeuna

aplicaçãoconstitucionaldadoutrinada“duplicidade”—5.Declínio

da“duplicidade”noséculoXX—6.AcríticadeRousseauao

Page 407: Ciência Política - Archive

sistemarepresentativo—7.Adoutrinada“identidade”:

governantesegovernados,umasóvontade—8.Adoutrinada

“identidade”supõeopluralismodasociedadedegrupos—9.O

princípiodemocráticoda“identidade”éumanovailusãodosistema

representativo—10.Nadinâmicadosgruposedascategorias

intermediáriasseachaanovarealidadedoprincípiorepresentativo

—11.Adecomposiçãodavontadepopulardeterminouacrisedo

sistemarepresentativo:doprincípiodarepresentaçãoprofissional

aosgruposdepressãonoEstadocontemporâneo—12.Umanova

teoriadarepresentaçãopolítica,defundamentomarxista:a

representaçãocomosimplesrelaçãoentregovernantes

e

governados(Sobolewsky).

1.Osistemarepresentativoeasdoutrinaspolíticasda

representação

Osistemarepresentativonamaisamplaacepçãorefere-sesempre

aumconjuntodeinstituiçõesquedefinemumacertamaneiradeserou

deorganizaçãodoEstado.1

Tocanteaotermorepresentação,ocorremreiteradasrixas

teóricas,emgeraldecorrentesdeposiçõesdoutrináriasouideológicas

quereduzemaquelaexpressãoaumjuízodevalor.Comopropósitode

Page 408: Ciência Política - Archive

alcançarmosaclarezapossívelnamatéria,partiremosdeumabreve

alusãoaoteorlingüísticodapalavrarepresentação.

Osdicionaristasepublicistasquandoseocupamdessevocábulo

coincidememindicarquemediantearepresentaçãosefazcomque

“algoquenãoestejapresenteseachedenovopresente”.2Asindagações

quedeordinárioconduzemadiscrepânciasresultamporémnamáxima

partedesabersehá“duplicidade”ou“identidade”comapresençae

açãodorepresentante,comainterveniênciadesuavontade.3

A“duplicidade”foiopontodepartidaparaaelaboraçãodetodoo

modernosistemarepresentativo,nassuasraízesconstitucionais,que

assinalamoadventodoEstadoliberaleasupremaciahistórica,por

largoperíodo,daclasseburguesanasociedadedoOcidente.Comefeito,

toma-seaíorepresentantepoliticamentepornovapessoa,portadorade

umavontadedistintadaqueladorepresentado,edomesmopasso,fértil

deiniciativaereflexãoepodercriador.Senhorabsolutodesua

capacidadedecisória,volvidodemaneirapermanente—naficçãodos

instituidoresdamodernaidéiarepresentativa—paraobemcomum,

faz-seeleórgãodeumcorpopolíticoespiritual—anação,cujoquerer

simbolizaeinterpreta,quandoexprimesuavontadepessoalde

representante.

Dessaconcepçãoseextraemcominvejávelperfeiçãológicatodos

Page 409: Ciência Política - Archive

oscoroláriosdosistemarepresentativoquetemacompanhadoas

formas

políticas

consagradas

ou

chanceladas

pelo

velho

constitucionalismoliberal:atotalindependênciadorepresentante,o

sufrágiorestrito,aíndolemanifestamenteadversadoliberalismoaos

partidospolíticos,aessênciadochamado“mandatorepresentativo”ou

“mandatolivre”,aseparaçãodepoderes,amoderaçãodosgovernos,o

consentimentodosgovernados.

Tudoissoemcontrastecomastendênciascontemporâneasda

sociedadedemassas,queseinclinaacercearasfaculdadesdo

representante,jungi-lasaorganizaçõespartidáriaseprofissionaisou

aosgruposdeinteressesefazeromandatocadavezmaisimperativo.

Essastendênciastêmapoioteóriconosfundamentosdarepresentação

concebidasegundoaregrada“identidade”,queemboalógicaretiraao

representantetodoopoderprópriodeintervençãopolíticaanimada

pelosestímulosdesuavontadeautônomaeoacorrentasemremédioà

Page 410: Ciência Política - Archive

vontadedosgovernados,escravizando-oporinteiroaumescrúpulode

“fidelidade”aomandante.Éavontadedestequeeleemprimeirolugar

seachanodeverde“reproduzir”,comoseforafitamagnéticaou

simplesfolhadepapelcarbono.

Aficçãodaidentidadeimpregnoutodoosistemarepresentativo

duranteoséculoXX.Essa“identidade”,postoqueimpossível,conforme

veremosemdigressõessubseqüentescomapoioteóriconaobrade

Rousseau,podetodaviasertomadacomoumsímbolooujuízodevalor,

jáparaexcluirosistemarepresentativo,consoantefazaquele

publicista,jáparaautorizareautenticarelegitimarasmudançasque

sevãooperandonoâmagodasinstituiçõesrepresentativas,desdesua

implantação.

2.Adoutrinada“duplicidade”,alicercedoantigosistema

representativonaépocadoliberalismo

Atítuloderecursoouexpedientedidáticonaexplanaçãotanto

dasorigenscomodoadventodosistemarepresentativo,qualelehásido

praticadodesdeoséculoXVIII,compendiaremos,debaixodadesignação

genéricadedoutrinada“duplicidade”,todasaquelasposiçõesteóricas

queemFrançaenaInglaterrativerampordesfechoaimplantaçãode

umaorganizaçãoliberaldasociedade.Nessaorganização,os

representantessefizeramdepositáriosdasoberania,exercidaemnome

Page 411: Ciência Política - Archive

danaçãooudopovoepuderam,livremente,comsólidorespaldonas

regiõesdadoutrina,exprimiridéiasouconvicções,fazendo-asvaler,

semapreocupaçãonecessáriadesaberseseusatoseprincípios

estavamounãoemproporçãoexatadecorrespondênciacomavontade

dosrepresentados.

Vejamosnaquelespaísesasreflexõesdealgunsescritores

políticos,dentreosmelhoresnomesportadoresdecontribuiçãoteórica

àedificaçãodomodernosistemarepresentativo.Atendendoaosmoldes

doutrináriosqueelesofereceram,essesistemaseapresentacomo

criaçãotipicamentemoderna,distintadetudoquantodantesconheceu

asociedadeclássicaedepoisasociedademedieva.

Insistepoistodaavelhadoutrinadosistemarepresentativonuma

idéiacapital:aindependênciadorepresentanteemfacedoeleitor.

Dentreosautorespolíticosdelínguainglesa,JohnMiltonédos

primeirosquebatalhamporsemelhanteposição,quandoentendeque,

depoisdaseleições,osdeputadosjánãosãoresponsáveisperanteos

eleitores.ExpôsMiltonatese,segundoFairlie,em1660,noseuprojeto

deinstituiçãodeumparlamentocontínuo.4

Em1698,AlgernonSidney,naobraDiscoursesonGovernment

desenvolveuigualpontodevista,afirmandoqueosmembrosdo

Parlamentonãosãosimplesemissáriosdestaoudaquelacircunscrição

Page 412: Ciência Política - Archive

eleitoral,masseachamdotadosdecompetênciaparaatuaremnomede

todooreino.

NoséculoXVIIIateseserobusteceu,conformeanotaFairlie,com

oreforçoquelhederampensadoresdaenvergadura,deBlackstonee

Burke.OsmembrosdoParlamento,segundoBlackstone,representamo

reinointeiroenãoumdistritoeleitoralparticular.AfirmouBurkeque

seriam“coisasextremamentedesconhecidasaodireitodonossopaís”,e

resultantesdeum“errofundamental”acercade“nossaConstituição”,

admitirquedoeleitorderivasseminstruções“imperativas”e

“mandatos”,bastantesparacompelirodeputadoasegui-loscegamente,

dando-lhesobediência,votoeargumento,aindaquecontráriosàsmais

clarasconvicçõesdeseujuízoeconsciência.5“Vósescolheisum

deputado,masaoescolherdes,deixaeledeserodeputadodo

parlamento.”6

Dosfranceses,foiMontesquieusemdúvidaoprimeiroque

apresentounaEuropaaversãocontinentaldosistemarepresentativo,

doutrinandoqueamaiorvantagemdosrepresentanteséqueeles,em

substituiçãodopovo,sãoaptosadiscutirosnegócios.Doseleitores,no

entenderdeMontesquieu,bastavaorepresentantetrazeruma

orientaçãogeral.Nadadeinstruçõesparticularesacercadecada

assunto,comosepraticavanasdietasdaAlemanha.

Page 413: Ciência Política - Archive

Aincapacidadedopovoparadebateracoisapúblicaougeriros

negócioscoletivos,atuandocomopoderexecutivo,foiressaltadade

modovigorosoporMontesquieuemvárioslugaresdesuaobracapital

—DoEspíritodasLeis.Nosistemarepresentativocabeaopovotão-

somenteescolherosrepresentantes,atribuiçãoparaaqualoreputa

sobejamentequalificado.7

3.ARevoluçãoFrancesaconsolidaadoutrinada“duplicidade”

ComaRevoluçãoFrancesaadoutrinadosistemarepresentativo

seaperfeiçooutocanteasuaessência,asaber,aabsoluta

independênciapolíticadorepresentante,capacitadoaquereremnome

danaçãoesemmaisvínculosoucompromissoscomoscolégios

eleitorais.Afunçãodessescolégiosseesvaziavadetodocomaoperação

eleitoral,simplesinstrumentodedesignação.

Pondoênfasenospoderesconstituintesdequesecuidavam

investidosenainteiraindependênciacomqueentrariamnodebateda

matériaconstitucional,osprimeirosnomesdafamosaassembléia

revolucionáriadeixaramclarostestemunhosdessadisposição,quese

lhesafiguravainabdicável.PalavrasdeMounier,segundoPrélot,uma

dasvozesmaisacatadasdoterceiroestado:“Osdeputadossão

convocadosaestabeleceraConstituiçãofrancesaemvirtudedos

poderesquelhesforamcometidospeloscidadãosdetodasasclasses”.8

Page 414: Ciência Política - Archive

Nasessãode10deagostode1791,Barnaveassimseexprimia:

“Naordemenoslimitesdasfunçõesconstitucionais,oquedistingueo

representantedaquelequenãoésenãoumfuncionáriopúblicoéserele

incumbido,emcertoscasos,dequereremnomedanação,aopassoque

omerofuncionáriotemapenasaincumbênciadeservi-la”.9

Igualseqüênciadeidéiasdepara-se-nosnesteexcertooratóriode

Sieyès,empresençadamesmaAssembléiaconstituinte:“Éparaa

utilidadecomumqueoscidadãosnomeiamrepresentantes,bemmais

aptosqueelesprópriosaconheceremointeressegeraleainterpretar

suaprópriavontade”.Tempoeinstrução,sãoasdeficiênciasqueo

abalizadotribunodoterceiroestadovênoscidadãos,inabilitando-osao

exercícioimediatodopoderejustificandoaadoçãodasformas

representativas.Falta-lhesportantosegundoSieyèsinstruçãopara

compreenderosprojetosdeleielazerparaestudá-los.

Depoisdeafirmarque“opovosótemqueganharmetendoem

representaçãotodososgênerosdepoderinerentesàinstituição

pública”,insurge-seSieyèscontraamáximarestritivadosque

entendemqueopovosomentedevedelegaraquelespoderesqueele

mesmonãoécapazdeexercê-los.Veemente,dizaesserespeito:

“Vincula-seaessepretensosistemaasalvaguardadaliberdade:é

comosesequisesse,porexemplo,provaraoscidadãosquetêm

Page 415: Ciência Política - Archive

necessidadedeescreverparaBordéus,queguardariammelhorsua

liberdade,sereservassemodireitodelevarelesmesmossuascartas,

vistoquepoderiamfazê-lo,aoinvésdecometê-lasàrepartiçãopública

competente”.10

EssemesmoSieyèsasseveravaademais,incisivo:“Seoscidadãos

ditassemsuavontade,jánãosetratariadeEstadorepresentativo,mas

deEstadodemocrático”.

Empalavrasdeigualenergia,amesmatesedespontanos

discursospolíticosdeMirabeau:“Sefôssemosvinculadospor

instruções,bastariaquedeixássemosnossoscadernossobreasmesase

volvêsssemosàsnossascasas”.Demodoidêntico,Condorcet,na

Convenção:“Mandatáriodopovo,fareioquecuidarmaisconsentâneo

comseusinteresses.Mandou-meeleexporminhasidéias,nãoassuas:

aabsolutaindependênciadasminhasopiniõeséoprimeirodemeus

deveresparacomopovo”.

Noséculoseguinte,passadaatormentarevolucionária,osistema

representativoseinstitucionaliza.BenjamimConstant,expoenteda

doutrinaliberal,escreve:“Osistemarepresentativooutracoisanãoé

senãoumaorganização,medianteaqualanaçãoincumbealguns

indivíduosdefazeremaquiloqueelanãopodeounãoquerfazerporsi

mesma”.Eprossegue,aclarandooconceitodessesistema:“Osistema

Page 416: Ciência Política - Archive

representativoéumaprocuraçãodadaacertonúmerodepessoaspela

massadopovo,quedesejaqueseusinteressessejamdefendidoseque

nemsempretêmtempodedefendê-losporsimesma”.11

Adoutrinafrancesaquepreconizouosistemarepresentativoda

idadeliberalteveenfimcomGuizotumdeseusmaisaltoseabalizados

corifeus.Apropósitoderepresentantes,escreveuGuizotqueeles

recebemdeseuseleitores“amissãodeexaminarededecidirconforme

asuarazão”.Acentuaqueoseleitores“devemconfiar-seàsluzes

daquelesqueforamescolhidos”.12

Deúltimo,adoutrinadeumsistemarepresentativosemlaços

comaimperatividadedomandato,nosmoldesdoEstadoliberal,

emborajáultrapassadapeladoutrinaepelosfatos,conformeveremos,

apareceaindacomtodaaclarezanaobradeCarlSchmittTeoriada

Constituição.Expondoesseconstitucionalistaalemãoseuentendimento

sobreamatéria,ponderou:

“Assiméque,deumacordotãouniversalesistemáticocomoa

representação,oqueenfimparecehaverficadonaconsciênciadaTeoria

doEstadoéqueorepresentantenãoseachasujeitoàsinstruçõese

diretrizesdeseuseleitores”.13

Afigura-seaSchmittqueorepresentanteéindependente,epor

conseguintenãosetratadefuncionário,agenteoucomissário.Ressalta,

Page 417: Ciência Política - Archive

aliás,aclarezadaConstituiçãofrancesade1791aesserespeito.E

assinalaemabonodessatese—amesmadasvelhasconcepções

representativasperfilhadaspeloliberalismo—que,seorepresentante

fossetratadoapenascomoagente,quecuidassedosinteressesdos

eleitoresporfundamentospráticos(impossível,dizSchmitt,todosos

eleitoressempreesimultaneamentesecongregaremnumdeterminado

lugar)nenhumarepresentaçãoaíexistiria.14

Page 418: Ciência Política - Archive

4.

Apogeu

na

aplicação

constitucional

da

doutrina

da

“duplicidade”

Estáclaroquepeladoutrinada“duplicidade”,conformea

expusemos,duasvontadeslegítimasedistintasatuavamnosistema

representativoelheemprestavamomatizcaracterístico.Eassim

aconteceudesdequeessesistemapôdenaidademodernaidentificar-se

porformadetodonovaegenuínadeorganizaçãodopoderpolítico:a

vontademenorefugazdoeleitor,restritaàoperaçãoeleitoral,ea

vontadeautônomaepoliticamentecriadoradoeleitoourepresentante,

oriundaaliásdaquelaoperação.

Aindependênciadorepresentanteéoconceito-chavedadoutrina

dualista,doutrinaaoredordaqualgravitamtesesqueoliberalismoao

Page 419: Ciência Política - Archive

estabelecer-se,doséculoXVIIIaoséculoXIX,forcejouportornar

válidas:apublicidade,olivredebatenoplenáriodasassembléias,o

bemcomumfortalecidopelasinspiraçõesdarazão,ocultodaverdade,

oprincípiodejustiça.

Dopontodevistadasclassessociais,essesistemarepresentativo

afina

admiravelmente

com

uma

ordem

política

aristocrática

(aristocraciadasluzesedarazão).Oteoraristocráticodarepresentação

ressaltadaquelasmáximasdesaborplatônicoeSocráticoquemandam

entregarogovernoaosmaiscapazesedotadosdemaisluzesno

discerniroverdadeirobemcomum.Omesmoafãseletivoseobservana

firmezaedeterminaçãocomqueosteoristasdessesistemase

empenhamemarredaropovodoexercícioimediatodopoder,mediante

justificaçõescopiosasacercadesuaincapacidadeparagovernar.

Osistemarepresentantivotraduziaaíndoledasinstituições

nascentes.Ainstitucionalizaçãorápidadaidéiarepresentativanos

Page 420: Ciência Política - Archive

moldesdadoutrinada“duplicidade”,quetãobematendiae

resguardavaaautonomiadorepresentante,sepropagouda

ConstituiçãoFrancesade1791aoutrasConstituições,naFrançacomo

nosdemaisEstadospostossoboinfluxorevolucionário.

Comefeito,oartigo2°daquelaConstituiçãodispunha:“A

ConstituiçãoFrancesaérepresentativaerepresentantessãoocorpo

legislativoeorei.”Aseguir:“Osrepresentantesdesignadosnos

departamentosnãoserãorepresentantesdeumdepartamento

particular,masdanaçãointeiraenenhummandatolhespoderáser

dado”(TítuloIII,Cap.I,SecçãoIIIdoart.7º).Ospublicistastêm

chamadoaatençãoparaomodocomooconstituintedisse:os

representantes

designados

nos

departamentos

e

não

pelos

departamentos,comoseaténessepormenorderedaçãoquisesse

assinalarolaçoqueprendeorepresentanteànaçãoenãoao

departamento.

Page 421: Ciência Política - Archive

AConstituiçãodoAnoIII(calendáriodaRevolução)semanteve

rigorosamentefielàqueleprincípio:“OsmembrosdaAssembléia

Nacionalsãorepresentantes,nãododepartamentoqueosescolhe,mas

detodaaFrança”(Lesmembresdel’Assembléenationalesontles

représentants,nondudépartementquilesnomme,maisdelaFrance

entière).

AmesmadistinçãonaConstituiçãobelga,artigo32:“Osmembros

dasduasCâmarasrepresentamanaçãoenãounicamenteaprovíncia

ouasubdivisãodaprovínciaqueosdesignou”(Lesmembresdesdeux

Chambresreprésententlanationetnonuniquementlaprovinceoule

subdivisiondeprovincequilesanommés).Aquiháumapequena

variação,conformeseinferedotexto:orepresentantenãooésóda

nação,segundooentendimentodadoutrinafrancesa,mastambémda

regiãoqueoescolheu.

Deidênticoteor,oEstatutoFundamentalItaliano,de1848,artigo

41:“Osdeputadosrepresentamanaçãoemgeral,enãoapenasas

provínciaspelasquaisforameleitos”e,aindaesteséculo,a

ConstituiçãodeWeimar,de1919,artigo21,quandoafirmavaque“os

deputadossãoosrepresentantesdetodoopovo”.

Essaautonomiadorepresentantesecompletavadopontodevista

jurídicocomasprovisõesconstitucionaiscontráriasaomandato

Page 422: Ciência Política - Archive

imperativo,havendocomohouveConstituiçõesque,deformataxativa,

vedaramessaformademandato,noqueandaramaliásemlouvável

harmoniacomosprincípiosliberais,inspiradoresdanovaorganização

políticadasociedade.

Jánãoeraadoutrinaunicamentequesevolviacontraomandato

imperativo,solapadordaautonomiadorepresentante,masostextos

jurídicosproduzidosdebaixodainspiraçãorevolucionária,No

regulamentodeconvocaçãodosEstadosGerais,emFrança,orei,

cedendotalvezaosreclamosdoterceiroestado,declaravaqueos

deputadoscujaeleiçãosepretendianãopoderiamrecebernenhum

mandatoouinstrução.

Emreforçodessasdisposiçõesregulamentares,emitiu-sea

declaraçãodotrono,de23dejunhode1789,quetinhapor

“inconstitucionais”ascláusulasimperativasdosCahiers,“simples

instruçõescometidasàconsciênciaeàlivreopiniãodosdeputados”.

NãotardoupoisqueaAssembléiamesmadeclarassenulostodosos

mandatos,oquefeza8dejulhodomesmoano.

Enumeramaindavárioshistoriadorespolíticosdaquelepaís

outrosatos,medianteosquaisaAssembléiaconstituintedaRevolução

patenteousuaaversãoaomandatoimperativo,vinculadonamemória

dosrepresentantesarecordaçõesatrozesdoperíodoabsolutista.Assim,

Page 423: Ciência Política - Archive

porexemplo,a8dejaneirode1790,nainstruçãoacercadaformação

dasassembléiaslegislativasea13dejunhode1791,naleida

organizaçãodopoderlegislativo.

Conformevimos,oartigo7°dotítuloterceiro,capítuloIeseção3ª

daConstituiçãode1791interditavaomandatoimperativo,omesmo

ocorrendotocanteàConstituiçãodoAnoIII,noseuartigo52(Les

membresducorpslégislatifnesontpasreprésentantsdudépartmentqui

lesanommés,maisdelanationentière,etilnepeutleurêtredonné

aucunmandat).Aproibiçãoserepetenoartigo35daConstituiçãode

1848,ondesedizqueosrepresentantesdaAssembléiaNacionalnão

podemrecebermandatoimperativo(“Ilsnepeuventrecevoirdemandat

impératif”).

SemembargodosilêncioguardadopelaConstituiçãode1875,

tivemosnoséculopassado,emconsonânciacomatradiçãopolíticade

França,aleiorgânicade20denovembrode1875,cujoartigo13

declarava:“Todomandatoimperativoénuloedenenhumefeito”(Tout

mandaiimpératifestnuletdenuleffet).AnotaLaferrièrequeessalei

recebeu582votoscontra41,tendoNaguetsignificativamente

declarado,nasessãode30denovembro,queoartigo13selhe

afiguravaanegaçãofundamentaldademocracia.

Nodireitoconstitucionaleuropeu,influenciadoaindapela

Page 424: Ciência Política - Archive

doutrinafrancesadosistemarepresentativo,aregradominanteéa

interdiçãodomandatoimperativo.Assim,aConstituiçãoFederalda

Suíça,de1874:“OsmembrosdosdoisConselhosvotamsem

instruções”(art.91).Demodomaiscategórico,aConstituiçãoAlemãde

1919:“Osdeputadossãoosrepresentantesdetodoopovo,não

obedecemsenãoasuaconsciênciaenãoseachampresosanenhum

mandato”(art.21).AmesmaênfasevamosdepararnaConstituição

Portuguesade1911,cujoartigo15asseveravaqueovotodos

deputadosélivreeindependentedetodainstruçãoouinjunção,não

importaqualseja.

5.Declínioda“duplicidade”noséculoXX

Observa-sequenoséculoXX,váriasConstituiçõescontinuam

aindaabraçadasàdoutrinada“duplicidade”,atravésdeadesãoformal

à

autonomia

plena

do

representante

ou

mediante

vedação

Page 425: Ciência Política - Archive

constitucionaldomandatoimperativo.

ÉdenotarcontudoquedesdeaConstituiçãodeWeimarjá

disposiçõescontraditóriaseconflitantescomeçamaabalaredebilitar

aqueladoutrina.AsConstituiçõessemostramcadavezmaishíbridas,

acolhendoprincípiosqueoferecemclarosindíciosdamudança

processadanoâmagodarepresentação.AConstituiçãoAlemãde1919,

queproibiraomandatoimperativo,eraamesmaquerelutantetraziaa

sensívelnovidadedosinstrumentosdademocraciasemidireta.Sabe-se

quãoaltaéadosedeimperatividadeinerenteaessaformade

organizaçãodopoderdemocrático.Domesmopasso,ademocracia

semidiretaseapartadeumsistemadegovernoautenticamente

representativo,pelomenossegundoosmoldeshabituaisdoliberalismo,

sementedoutrináriadasmodernasinstituiçõesrepresentativas.

Nãovamoslonge.Vejamosoexemplodecasa,queatestapor

igualodeclíniocontemporâneoda“duplicidade”nosistema

representativo.AConstituiçãoBrasileirade1967esuaemenda

constitucionalde1969golpearamfundoatradiçãorepresentativadas

Constituições

antecedentes,

todas

pautadas

Page 426: Ciência Política - Archive

na

doutrina

da

“duplicidade”.Comefeito,abriu-sealilargoespaçoàadoçãoeventual

doEstadopartidárioeseusanexosplebiscitários.

Hajavista,deumaparte,aintroduçãodoprincípiodadisciplina

partidária,munidodasançãodeperdademandatodorepresentante

trânsfuga,edoutra,oestreitamentodasimunidadesparlamentares,

queretirouaorepresentanteaquelatradicionalesferadeautonomiade

palavraeexpressãonousodasprerrogativasdeseumandato,

deixando-odaquiavanteàmercêdeumaimperatividade,menosdos

eleitorestalvezdoquedasorganizaçõespartidáriasedospoderes

oficiais(oEstado);estesúltimos,sim,foramefetivamentedotadosde

meiosconstitucionaiscomquemoldarouenfrear,segundoseus

interesses,ocomportamentodorepresentante.

Parafalarverdade,adoutrinadaplenaautonomiarepresentativa

parecehaverentradojánocemitériodasnoçõesconstitucionaisde

direitopositivo.UmararidadeportantoveraindanoséculoXX,

conformevimos,constitucionalistasdopesodeSchmittatadosao

dogmada“independência”dorepresentante.

6.AcríticadeRousseauaosistemarepresentativo

Page 427: Ciência Política - Archive

Nãoépossívelcompreenderadoutrinada“identidade”,quetão

profundasalteraçõesimprimiuaosistemarepresentativonaidade

contemporânea,senãofizermosmençãopormenorizadadasidéias

políticasexpostasporRousseau,tocantesàdemocraciaeà

representação.

Dessecelebradofilósofopolíticoderivatalvezajustificaçãoou,

pelomenos,ainspiraçãomaiscoerenteparaosprincípiosquedeúltimo

seimpuseram,e,conformejádissemos,resultaramemalteração

substancialdaordemrepresentativaqualsegerounoseiododemo-

liberalismo.

Quantoàdemocracia,Rousseaupartedoceticismo,numa

daquelasreflexõesparadoxais,quedeixamoleitordoContratoSocialde

todoperplexo.Comefeito,dizele:“Atomarotermoemsuaacepção

rigorosa,jamaishouve,jamaishaveráverdadeirademocracia”.Essa

passagemsecomplementanessefechodeextremopessimismo:“Se

houvesse

um

povo

de

deuses,

esse

Page 428: Ciência Política - Archive

povo

se

governaria

democraticamente.Umgovernotãoperfeitonãoconvémaseres

humanos”.15

Seademocracialheparecetãoremota,muitomaislongeselhe

afiguraaformarepresentativadegoverno.Comambas,porém,

Rousseautransigiráquando,deumpontodevistautilitário,busca

fazeraplicaçãodessesprincípios,emordemaalcançar-senasociedade

políticaomenorteorpossíveldeimperfeições,comogovernomais

convizinhodaobservânciada“vontadegeral”.

Asoluçãodemocráticanolimitedopossíveléafórmulacujo

segredoRousseauintentarádesvelarnoContratoSocial,semembargo

daquelaproposiçãotãoamargaecontraditória,dademocracia,governo

dedeuses.Escreveofilósofo:“Acharumaformadeassociaçãoque

defendaeprotejacomtodaaforçacoletivaapessoaeosbensdecada

membro,epelaqualcadaum,unindo-seatodos,nãoobedeçatodavia

senãoasimesmoepermaneçaademaistãolivrequantoantes—éo

problemafundamentalaqueoContratoSocialtrazsolução”.16

Essaformadeassociaçãoresultaránumcorpomoralecoletivo,

numapessoapública,numacidade,segundoalinguagemdosantigos,

Page 429: Ciência Política - Archive

numarepúblicaouEstado,oucorpopolítico,ousoberania,nodizerdos

modernos,comosseusmembrosformandocoletivamenteopovoe,

particularmente,namedidaemqueparticipamdaautoridadesoberana,

oscidadãos,enamedidaemquesesujeitamàsleisdoEstado,os

súditos.17

Aseguir,Rousseausereportaaumavontadegeral,únicacapaz

defazercomqueoEstadoatendaaofimparaoqualfoiinstituído,a

saber,obemcomum.Dandojáostraçosessenciaisdeumasoberania

queelereputainalienáveleindivisível,RousseaufaznoContratoSocial

suaprimeiraacometidacontraosistemarepresentativo:

“Osoberanopodecomefeitodizer:“Queroaopresenteoque

aquelehomemquer,oupelomenosoqueeledizquerer”,masnãopode

dizer:“Oqueaquelehomemquiseramanhã,eutambémheidequerer”,

porquantoéabsurdoqueavontadeseencarcereasimesmatocanteao

futuro.Nãodependedenenhumaoutravontadeconsentiremalgo

contrárioaobemdapessoaquequer.Seopovopoispromete

simplesmenteobedecer,elesedissolvemedianteesseato,perdendosua

qualidadedepovo;noinstantemesmoemquetomaumsenhor,deixa

desersoberano,edesdeentãoocorpopolíticosedestrói”.18

MasaveemênciacomqueRousseaufulminaosdeputadosou

representantese,emconseqüência,todoosistemarepresentativoem

Page 430: Ciência Política - Archive

seusfundamentos,aparecenoutrolugar,numcapítulocompleto

daquelaobra,ondeselêemexcertoscomoeste:“Tantoqueosserviços

públicosdeixamdeseroprincipalnegóciodoscidadãoseentramestes

aprezarmaisabolsaqueasimesmos,jáoEstadoseachaàbeirada

ruína.Faz-semistercombater?Ei-losquepagamtropaseficamem

casa;urgedeliberar?Ei-losquenomeiamdeputadosepermanecemem

casa.Apoderdepreguiçaedinheiro,têmenfimsoldadospara

escravizarapátriaerepresentantesparavendê-la”.19

Domesmopensador:

“Asoberanianãopodeserrepresentadapelamesmarazãoque

nãopodeseralienada;consisteelaessencialmentenavontadegeralea

vontadenãoserepresenta:ouéelamesmaoualgodiferente;nãohá

meiotermo.Osdeputadosdopovonãosãonempodemserseus

representantes,elesnãosãosenãocomissários;nadapodemconcluir

emdefinitivo.Todaleiqueopovonãohajapessoalmenteratificadoé

nula;nãoélei.Opovoinglêscuidaqueélivre,masseenganabastante,

poisunicamenteoéquandoelegeosmembrosdoparlamento:tanto

queoselege,éescravo,nãoénada.Nosbrevesmomentosdeliberdade,

oempregoquedelafazbemmerecequeaperca”.20

Prosseguindo,assinalaRousseauocaráterdenovidadequeo

modernosistemarepresentativosignifica:“Aidéiaderepresentantes,

Page 431: Ciência Política - Archive

afirmaele,émoderna;derivadogovernofeudal,desseiníquoeabsurdo

governonoqualaespéciehumanafoidegradadaequetantofezcairem

desonraonomedoserhumano.Nasantigasrepúblicas,eaténas

monarquias,jamaisteveopovorepresentantes;ignorava-setal

palavra”.21Comigualênfase:“Limito-meapenasadizerasrazõespor

queospovosmodernos,quesecrêemlivrestêmrepresentantesepor

queospovosantigosnãoostinham.Sejacomofor,naocasiãoemque

umpovoinstituirepresentantes,elejánãoélivre;deixadeexistir”.22

SenaregiãodadoutrinaRousseauétãoseverocontraoprincípio

darepresentação,veremosnoentantoqueoseupensamentoanti-

representativoseabrandaempresençadasnecessidadesdeauto-

organizaçãoqueoEstadomodernoproduziu,daquinascendo

transigênciasquedoutraformanãoseexplicariam.

Emprimeirolugar,estabeleceeleumadistinçãoentreopoder

legislativoeopoderexecutivo,tocanteàrepresentação.Dizqueno

primeiro,relativoàleieàdeclaraçãodavontadegeral,opovonãopode

serrepresentado,aopassoquenosegundo,queoutracoisanãoésenão

aforçaaplicadaàlei,opovonãosomentepodecomodeveser

representado.23

MasfoinasConsideraçõessobreoGovernodaPolônia

(ConsidérationssurleGouvernementdePologne)queRousseau,emface

Page 432: Ciência Política - Archive

deumaformapositivadeorganizaçãoconstitucional,exarouparecer,

comosremédiosconcretosapontadosàsoluçãoouatenuaçãodos

inconvenientesqueasinstituiçõesrepresentativasacarretamà

plenitudedeumpodersoberano,esteadonoprincípiodaquelavolonté

générale,indivisíveleinalienável.

Querendo,comosempre,guardarcoerênciacomsuasteses,não

obstanteoenormeteordecontradiçõesemqueseenredam,Rousseau

lastimaquenosgrandesEstados,umdeseuspioresinconvenientes

sejaopoderlegislativonãomanifestar-seporsimesmo.Daíresultariaa

corrupçãopresenteaoscorposrepresentativos.

Contra“essemalterríveldacorrupção”,quefazdoórgãoda

liberdadeum“instrumentodeservidão”,indicaRousseaudoismeios

eficazesdeatalhá-lo:arenovaçãofreqüentedasassembléias,

encurtando-seomandatodosrepresentanteseasubmissãodestesàs

instruçõesdeseusconstituintes,aquemdevemprestarestreitascontas

deseuprocedimentonasassembléias(mandatoimperativo).

Senão

vejamos

toda

essa

progressão

Page 433: Ciência Política - Archive

do

pensamento

rousseauniano,emqueastesesexpostasnoContratoSocialacercada

impossibilidadedosistemarepresentativoseapresentamagoramais

atenuadasoumenosrígidas:

“UmdosmaioresinconvenientesdosgrandesEstados,detodos

aquelesoquefazmaisdifícilconservaraliberdade,équeopoder

legislativonãopodemanifestar-seporsimesmoesomentepodeatuar

mediantedeputado.Issoencerravantagensedefeitos,maisdefeitosdo

quevantagens.Umaassembléiatodaéimpossíveldecorromper-se,

porémfácildeenganar-se.Seusrepresentantesdificilmentese

enganam,massecorrompemcomfacilidadeeéraroquesenão

corrompam.Tendesdebaixodevossasvistasoexemplodoparlamento

daInglaterraepeloliberumvetoodevossanaçãomesma”.24

Emseguida:

“Vejodoismeiosdeconjuraresseterrívelmaldacorrupção,que

fazdoórgãodaliberdadeoinstrumentodaservidão.

“Consisteoprimeiro,comojádisse,nafreqüênciadedietas,que

amiúdevariemderepresentantes,fazendomaisdifícilecustosasua

sedução.

“Osegundomeioéodesujeitarosrepresentantesaseguirem

Page 434: Ciência Política - Archive

exatamentesuasinstruçõeseaprestarcontasseverasaseus

constituintesdoprocedimentoquetiveramnadieta.Nãopossoaqui

deixardemanifestarmeuespantoanteanegligência,aincúriae,ouso

dizer,aestupidezdanaçãoinglesaque,apóshaverarmadoseus

deputadoscomosupremopoder,nãolhesacresceunenhumfreiocom

queregularousoquedelepoderãofazernosseteanostotaisde

duraçãodesuacomissão.”25

7.Adoutrinadaidentidade:governantesegovernados,umasó

vontade

Comodeclíniodadoutrinadasoberanianacional,como

amolecimentodopoderpolíticodaburguesia,comaquedadeprestígio

dasinstituiçõesparlamentaresorganizadasemmoldesaristocráticos,

comaascensãopolíticaesocialdaclasseobreira,acrisecadavezmais

intensadeflagradanasrelaçõesentreoCapitaleoTrabalho,a

propagaçãoparalelaenãomenosinfluentedastesesdoigualitarismo

democráticodaRevoluçãoFrancesa,oideárionovodaparticipação

abertadetodos—foradequaisquerrequisitosdeberço,fazenda,

capacidadeesexo—apressãoreivindicantedasmassasoperárias,ea

expansivacatequesedosideólogossocialistas,minou-selentae

irremediavelmenteosistemarepresentativodefeiçãoliberal.

Arrancadodeumimobilismocrônico,ondeintentouresistiràs

Page 435: Ciência Política - Archive

transformaçõesimpostas,veioeletodaviaaperecer.Masondeacolheu

asmudançasditadaspelanecessidade,sobreviveudebaixodenovo

semblantepolítico.

Todasasvariaçõesqueseprendemaosistemarepresentativoe

aosnovosmoldesqueeleostentaaopresentepodem,semgravefratura

deunidadeecongruência,resumir-senumfeixededoutrinas,cuja

aspiraçãobásicaconsisteessencialmenteemestabeleceraidentidadee

supremaharmoniadavontadedosgovernantescomavontadedos

governados.Consistetambémemfazer,commáximoacatamentodos

princípiosdemocráticos,queaquelasvontadescoincidentesvenhama

rigorapagartraçosdistintivosentreosujeitoeoobjetodopoder

político,entrepovoegoverno.Demodoqueasoberaniapopular,tanto

natitularidadecomonoexercício,sejapeçaúnicaemonolítica,sema

contradiçãoecontrastedosquenasociedademandamedosquenessa

mesmasociedadesãomandados.

Ootimismodessadoutrinaépatente.Comoadventodosufrágio

universalelateriaquesurgir,demaneirainevitável.Oestadopresente

darepresentaçãopolíticaéoseguinte:aduplicidadesobrevivede

maneiraformalnalinguagemdostextosconstitucionais,emalguns

países;noutrosasConstituiçõesvãoenxertandonocorpohíbridoos

instrumentos

Page 436: Ciência Política - Archive

plebiscitários

que

supostamente

acarretariam

a

identidadepelafiscalizaçãoseveraestendidasobreomandato

representativo,comquasetodosospolíticosprocedendodeformaum

tantohipócrita,abraçadosàficçãoimperantedaidentidade.A

identidade,todavia,antesdecolhersuainstitucionalizaçãonoidioma

constitucionaljáseachaultrapassadanosfatospelapulverização

daquela

suposta

vontade

popular,

canalizada

e

comunicada

oficialmenteàsociedadeatravésdegruposdepressão,eestes,porsua

vez,sealienandonafechadíssimaminoriatecnocrática,titularem

últimainstânciadevastospoderesderepresentação,dosquaisse

investedemaneiranãorarousurpatória.

Page 437: Ciência Política - Archive

8.Adoutrinadaidentidadesupõeopluralismodasociedadede

grupos

Onúmerodeesforçostendentesaacomodarosistema

representativoaoEstadosocialnaidadedasmassassefazmaisfácilde

conhecereexplicarmedianteadoutrinadaidentidade,termodeuma

aspiraçãoeumprocedimentodemocráticocompletos.

Aidentidadenãoseconciliaporexemplocomadoutrinafrancesa

dasoberanianacional(doutrinadosconstituintesde1791).Chegaaser

incompatívelatécomseuscorolários;umdosprincipais,comrespeitoà

representação,foraodeproclamaraessencialindependênciado

representante.

Masseharmonizademodoadmirávelcomadoutrina

rousseaunianadasoberaniapopular.QuandoRousseauafirmouquea

soberaniaestáparaocidadãoassimcomodezmilparaumeque

admitidaessaproporção(atítuloilustrativo),cadamembrodoEstado

nãopossui,porsuaparte,senãoadécimamilésimapartedaautoridade

soberana,suadoutrinadasoberaniapopularabririalogicamentea

portaaoadventodeumsufrágiouniversal,queoliberalismo,comnão

menoscongruência,iriatenazmenteopugnar.

Sufrágiouniversalemandatoimperativo,sementescolhidasno

ContratoSocialenasConsideraçõessobreoGovernodaPolônia,e

Page 438: Ciência Política - Archive

plantadasnascharnecasdoliberalismoiriamdarárvoresdefrutos

amargosparaavelhadoutrinadosistemarepresentativo.

Aadoçãoconstitucionaldessesinstitutoscedodesmascarouuma

dasescamoteaçõesteóricasdoliberalismo:oseuconsórciocoma

democracia,aliberal-democracia,comoverdadeúnicadeumgoverno

constitucionaledemocrático.Acríticadejuristasesociólogospolíticos

mostroucomclarezaquelongedeidênticosoupelomenosanálogos,o

liberalismoeademocracianaessênciaeramdistintos,senãoopostos,

oposiçãomaissentidaeidentificadanamedidaemqueosprincípios

liberaisbuscavamporobjetosupremoatenderàsustentaçãode

privilégiosdeclasse,numasociedadeclassista,ondeaburguesia

empalmaraopoderpolíticodesdeaRevoluçãoFrancesa.

Onovosistemarepresentativo,qualovemosnasuafisionomia

contemporânea,sósefazinteligível,porconseguinte,seconservarmos

asvistasvoltadasparaacrisequedeterminouapassagemdeuma

concepçãoaristocrática,vigentenoséculoXIXetocanteàsinstituições

representativas,paraumaconcepçãodemocrática.Alisepunhatodaa

ênfasenobemcomumcomsacrifíciofreqüente—eatéalgumasvezes

professado—doidealdefazercoincidirsempreavontadeeinteresse

dosrepresentantescomavontadeeinteressedeseuseleitores.

Avontadepopular,apardetodassuasconseqüências,começou

Page 439: Ciência Política - Archive

deservaloradaemtermosabsolutos,masocuriosoeirônicoéqueessa

vontadenãoseimpôsàrepresentaçãocomoumtodo,qualseriade

desejarecomoocorreriacomavontadedanação,peloseuórgão—o

representante,nosmelhorestemposdoliberalismo.Aimperatividadedo

mandatoentrounosseusefeitosemparadoxalcontradiçãocomo

sufrágiouniversal.Avontadeunaesoberanadopovo,quedeveria

resultardeumsistemarepresentativodeíndoleeinspiraçãototalmente

popular,sedecompôsemnossosdiasnavontadeantagônicae

disputantedepartidosegruposdepressão.Nasociedadedemassas

abala-sedemaneiraviolentaaacomodaçãodosinteresseseconômicos,

políticosesociais,cadavezmenosinteressesglobaisdopovoecadavez

maisinteressesparceladosdegruposeclassesconflitantes.Porisso

mesmotradutoresdeumantagonismoquesevaitornando

irremediável,sujeitosaumequilíbrioprecárioequejamaispoderáser

adequadamente

atendido

pelas

velhas

estruturas

do

sistema

Page 440: Ciência Política - Archive

representativo.

AtémesmoocidadãoqueRousseaufizerareinaordempolítica,

comotitulardeumpodersoberanoeinalienável,acabousealienando

nopartidoounogrupo,aquevinculouseusinteresses.

Dessaabdicaçãodevontade,impostapelascondiçõesdiferentes

dasociedadeindustrialdenossoséculo,resultouenormepredomínio

dascategoriasintermediárias,aquelasprecisamentequeRousseau

talvezcomgenialintuiçãoprecursoraseaporfiaraobstinadopor

eliminardetodainterferêncianaorganizaçãodeumpoderdemocrático.

Vendonelesavolontédetous,ogenebrêspercebiacomacuidadea

contradiçãobásicaemqueseachavamcomavolontégénérale.Mas,

comtodaaironiaqueacompanhaessatransformação,aflige-nosverde

umapartecomoosistemarepresentativosesocorredainspiração

democráticaeelevaademocraciaaoprimeirodeseusvalores,

buscando,dopontodevistateóricoetambémdastécnicasqueinstitui,

fazereficazaomáximoavontadepopularecomo,doutraparte,essa

vontadetodaviasefalseia,conformeépossívelaveriguarquandose

prestaatentoexameàaçãousurpatóriadosgruposdepressão.

Emalgunssistemassãoestesmaisimportantesqueospartidos

políticosesefazemportadoresverdadeiroseinevitáveisdaquela

vontade,convertida,atravésdeatoslegislativos,emsupostaexpressão

Page 441: Ciência Política - Archive

do“bemcomum”,da“vontadepopular”,do“interessegeral”.

9.Oprincípiodemocráticodaidentidadeéumanovailusãodo

sistemarepresentativo

Busca-seportantoa“identidade”,proclama-sesuaimportância

paraatestarolegítimocaráterdemocráticodasinstituições

representativas,masquandosepõeemmovimentoaoperaçãopolítica

quehádecaptá-la,oquesecolheéfrustrativodesseempenho.Nãofala

avontadepopular,nãofalamoscidadãossoberanosdeRousseau;fala,

sim,avontadedosgrupos,falamseusinteresses,falamsuas

reivindicações.

Comapresençainarredáveldosgrupos,oantigosistema

representativopadeceuseveroeprofundogolpe.Golpequeferede

mortetambémocoraçãodossentimentosdemocráticos,volvidosparao

anseiodeuma“vontadegeral”,cadavezmaisdistanteefugaz.Daqui

poderáresultarpoisocolapsototalefrustraçãoinevitáveldetodasas

instituiçõesrepresentativasdavelhatradiçãoocidental.

Osgruposnãopertencemaumasóclasse.Exprimem,sea

sociedadefordemocrática,umpluralismodeclasses.Emconseqüência

acarretamtambémumpluralismodeinteresses,perturbadordocaráter

representativodasinstituiçõesherdadasànossasociedadepelo

liberalismo

Page 442: Ciência Política - Archive

e

seus

órgãos

de

representação,

que

serviam

preponderantementeaumaclasseúnica.Oquerestada“identidade”,

concebidaemtermosmetafísicosecontempladadomesmopassocomo

expressãodeunidadedavontadepopular,étão-somenteocontínuo

esforçoquesevemoperandoparafazeravontadedos“representantes”

nosistemarepresentativocontemporâneodeequivalênciafielàvontade

dosgrupos,dequeessesrepresentantessãomerosagentes.

Emsuma,oprincípioda-“identidade”‘,tãocaroàdoutrina

democrática,foi“instrumentalizado”—aquicommáximaeficácia—

paracolhervivosesemdeformaçõesosinteressesprevalentesdos

gruposqueestãogovernandoachamadasociedadedemassaselhe

negamavocaçãodemocrática.Otermorepresentaçãopassoupoispor

aquela“depravaçãoideológica”aqueserefereHansJ.Wolff26eo

sistemarepresentativoculminalogicamentenumadepreciação

progressivadaindependênciadorepresentante,cadavezmais

Page 443: Ciência Política - Archive

“comissário”,cadavezmenos“representante”.

Hojetodaanálisedosistemarepresentativoafastadadosaspectos

históricosesociológicosqueacompanhamamudançadasinstituições

nosparlamentos,emseuslaçoscomoscolégioseleitoraisecomas

forçasdominantesnessescolégios,nuncachegaráaumcompletoe

satisfatórioreconhecimentodanaturezadaformadegoverno.

Arepresentaçãoeosgovernossãoapenasasuperfíciequeoculta

asforçasvivasecondicionantesdoprocessogovernativo,forçasque

jazemquasesempreinvisíveisaoobservadordesatento.Todarazãotem

CharlesE.Gilbertquandosustentaquedeúltimoosmaisimportantes

problemasdarepresentaçãoprovavelmenteseachamnointeriordos

gruposenãodosgovernos.Têmsedeportantonoschamados“grupos

depressão”.

10.Nadinâmicadosgruposedascategoriasintermediáriasse

achaanovarealidadedoprincípiorepresentativo

Adoutrinaconstitucionalpoucoprogressofezcomrelaçãoao

reconhecimentoconsumadoda“sociedadedegrupos”.Politicamenteé

essasociedadepluralistaaformaimpostapelasnecessidadese

problemasoriundosdacivilizaçãotecnológica,ondeestajáse

implantououpelejaporimplantar-se.

Essemanifestoatrasocomosfatosocasionaopoucocasoqueos

Page 444: Ciência Política - Archive

juristastêmfeitodessaexplosãonosfundamentosdosistema

representativo.Continuamelesavaler-sedecategoriastradicionaise

obsoletasderaciocínio,semnenhumadiligênciaapreciávelemprolda

criatividade,emordemaelaborarnovalinguagemquemelhorsirvaà

compreensãodoprocessodemudançaemcurso.

Comoreflexotalvezdalentidãodosjuristas,verifica-seigual

atrasotocanteàinstitucionalizaçãodarealidaderepresentativanos

termosdopluralismodegrupos,dentrodoquadroconstitucional.

Quandoospartidoscomeçamnascartaspolíticasarecebercertidãode

maioridadeeatersuaparticipaçãoexplicitadaematosjurídicos,jáeles

mesmosseachamemparteobsoletos,emvirtudedoavançoquefazem

osgruposdeinteresses,estesnaturalmenteaindamaisdistantesde

alcançaremoreconhecimentoformaldolegislador.

Arepresentaçãosóéconcebíveleexplicávelhojeseavincularmos

comadinâmicadaquelesgrupos,comosinteressespolíticos,

econômicosesociaisqueelesagitamtenazmente,buscando-lhea

prevalência,viaderegraemnomedeposiçõesideológicas,cuja

profundaanáliseoconstitucionalistajamaispoderáeximir-sedelevara

cabo.

Tendopassadojáaépocadeindiferençaconstitucionalaos

partidos,édeesperarquenofuturotodareformadaConstituiçãovolva

Page 445: Ciência Política - Archive

tambémsuasvistasparaadisciplinadosgruposdeinteresses.Aação

políticadessesgruposincidedemododecisivonafeiçãodosgovernose

nocomportamentodosgovernantes,sendoeles,soboaspectoda

importânciadeúltimogranjeada,umdadosemdúvidafundamentalao

bomentendimentodosistemarepresentativo.

Emváriospaíses,dopontodevistadasinstituições

representativas,alinguagemconstitucionalquasenãovariaquandose

refereaosórgãosrepresentativoseaoseufuncionamento.Deixa-nosa

falsaimpressãopelotextodequeosmecanismosparlamentaresatuam

damesmamaneiraqueatuaramnaeradoEstadoliberal.Averdadeé

queelesseencontrampresosaumarealidadepolíticaesocialdetodo

distinta,cujosefeitosmodificarambasicamenteaíndoledosórgãos

legislativos.Amesmamáquinafuncionaparafinsdiferentes,eisem

sumaoqueocorre.

AreformaconstitucionalquesefezhávinteanosnoBrasiltrouxe

àCartade1967umacréscimodamáximarelevânciaequenãodeve

passardespercebidopelasnecessáriasrepercussõesnaíndoledonosso

sistemarepresentativo.

Comefeito,aomodificar-seoartigo149,referenteaospartidos

políticos,estabeleceu-se,comoreforçoàfidelidadepartidária,que

perderiaomandatodedeputadoorepresentantequesedesviasseda

Page 446: Ciência Política - Archive

linhadessesdeveres,comamudançadelegenda,tãousualnas

práticasantecedentesdenossavidapolítica.Aliás,aConstituiçãode

1967,conformetemosacentuadoemoutrostrabalhos,foiaquemais

enérgicasedecidiu,demaneiraformal,pelainstituiçãodeumEstado

partidário,servindoseucapítulosobreospartidospolíticosdeexcelente

documentoàcomprovaçãodasmudançasjáentrenósoperadasno

caráterdosistemarepresentativo.

AquelaConstituição,estabelecendopelaEmendaConstitucional

deoutubrode1969aquiloque,salvomelhorqualificação,chamaríamos

recallpartidárioparaorepresentantequemudassedepartido,adotou

comtodaaclarezaumatécnicamaiscompatívelcomademocracia

semidiretaeplebiscitáriadoquecomademocraciarepresentativa

tradicional.Enfim,optouclaramenteporaquelasnovasformaspolíticas

derepresentação,cujoempenhomáximoéodeestabeleceraidentidade

devistasdoeleitocomoeleitor,propiciandoaesteosmeioseficazesde

aproximar-setantoquantopossíveldaquelealvo.27

ComaConstituiçãode1988,houveumretrocessoaesse

respeito:emmatériadesistemarepresentativo,a“duplicidade”voltoua

prevalecersobrea“identidade”.

Essasreflexõessobreasalteraçõeshavidasnosistema

representativocomoadventodasociedadedegrupospedemenfimque

Page 447: Ciência Política - Archive

sefaçamençãodotrabalhoteóricodeHegel,admiravelmenteprecursor

dastendênciasdeidéiasmaisemvogaesteséculoequecompeliramo

Estadoconstitucionalatransitardarepresentaçãodeindivíduosparaa

representaçãodegrupos.

Comefeito,jánoparágrafo311dosFundamentosdaFilosofiado

Direitooinsignepensadorasseveravaquearepresentaçãonãodeviaser

doindivíduocomseusinteresses,masantesdas“esferasessenciaisda

sociedade”eseus“grandesinteresses”.28

Nota-seademaisqueospontosdevistadosautorespolíticos

quandoentramnotemadarepresentaçãoemfacedarealidadedos

partidosedascategoriasintermediáriascomeçamaarredar-seda

tradiçãoortodoxadoliberalismodoséculoXIX.Forcejamentãopor

conciliaraautonomiadorepresentantecomaobediênciaàscausas

partidárias,àpolíticadasagremiaçõesqueaspiramaopoderounele

intentamconservar-se.Fazeravinculaçãodorepresentanteaoseu

partidoésemdúvidaoprimeiropassoquesedáparaassentara

imperatividadedefinitivadomandato.

Todaumaquestãofundamentalsereabredesdeesseponto:a

quemdeveorepresentantefidelidade?Aopovo,ànação,aopartido,à

circunscriçãoeleitoral?Atéondedeveirsuaindependênciae

conseqüentecapacidadededivergirdeseuseleitoresedesua

Page 448: Ciência Política - Archive

agremiaçãopartidária?29Aquidespontanohorizontepolíticoafórmula

dademocraciasemidireta,umnovograunaevoluçãodasinstituições

democráticaserepresentativas.Écomessamodalidadenovadas

técnicasdeorganizaçãodopoderpolíticopeloconsentimentoquese

intentacotejaroantigosistemarepresentativoeassinalar-lheas

profundastransformaçõesexperimentadasesteséculo.

Adialéticademocracia-representaçãoatravessaagoraafase

históricamaisaguda,emqueoscomponentesplebiscitáriosse

introduzemnoorganismodasinstituiçõesrepresentativasealteramo

equilíbrioeoquadrodasrelaçõesdepoderentreoeleitoeoeleitor(este

entendidomenoscomooeleitorindividualdoquecoletivo,asaber,o

eleitornopartidoounogrupodepressãofuncionandocomomáquina

eleitoral).Daquiresultamtodasasvariaçõesobservadasnomandato

quandoderepresentativopassaaimperativoenosufrágioquede

restritopassaauniversalizar-seirreprimivelmente.

11.Adecomposiçãodavontadepopulardeterminouacrisedo

sistemarepresentativo:doprincípiodarepresentaçãoprofissional

aosgruposdepressãonoEstadocontemporâneo

DisseopublicistaalemãoCarlJ.Friedrichquearepresentação

profissionalfoiaúnicaidéianovaesignificativaqueapareceuno

domíniodarepresentaçãopolíticadesdeaintrodução,hámaisdecem

Page 449: Ciência Política - Archive

anos,dosistemaderepresentaçãoproporcional.30

Assinalandoaimportânciadessamesmarepresentação,afirmou

Friedrichqueadespeitodoempregoabusivofeitopelosfascistascom

suascâmarascorporativas,subsisteinalterávelaverdadedequeas

organizaçõesprofissionaiseossindicatosconstituemamaisefetiva

formadecomunidadedequeohomemmodernoparticipa,mormente

nasgrandescidades.31

Arepresentaçãoprofissionalcomoidéiaecomotécnicatemsido

largamentepreconizadapormeioúnicodedebelaracrisedogoverno

representativoque,noentenderdeváriosautores,seriaemprimeiro

lugaracrisedarepresentaçãopolítica,fundadanarepartiçãoterritorial

ougeográficadoeleitorado,comevidentesacrifíciodacorrentede

interessessociaiseeconômicosmaisrelevantesnointeriorda

sociedade.

OutroscomoPrélotsãodeparecerqueoqueentrouemcrisenão

foiosistemarepresentativocomotal,masumamodalidadede

representação.Emvirtudedomalogrodarepresentaçãoprofissional,vê

Friedrichporúnicasaídaparaosesforçosempregadosnareformaou

renovaçãodosistemarepresentativodegovernoadescobertadenovase

satisfatóriasformasderepresentação.Mas,acrescentacommanifesto

pessimismo:“Atéagora,nemateorianemapráticatrouxeramna

Page 450: Ciência Política - Archive

Europaumasóidéianovaerelevanteouumadescobertanesse

importantedomínio”.32

Adecomposiçãodavontadepopularemvontadedegrupos,

frustrandoassimaimplantaçãoplenadeumavontadegeral(volonté

générale)soberana,eemestreitaharmoniacomosinteressescoletivos,

experimentoujádopontodevistahistóricotrêsfasesconsecutivas.

Aprimeirasereveloucomaadoçãodatécnicadosistemade

representaçãoproporcional,medianteaqualoEstadopartidárioda

sociedadedemassasseapresentoucomtodooseumosaicode

tendênciaspolíticasfielmenteretratadasnumespelhoverídico.

Nenhumatécnicaeleitoralpermiteidentificarmelhorasociedadede

classesemsuaexteriorizaçãopolíticadoquearepresentação

proporcional.

Reconhecidaapresençadeinteressesedegrupos,fazia-semister

apelarparasuaprevalência.Arepresentaçãoproporcionalatadaàbase

geográficanãolhesdavaplenasatisfação.Passou-seàsegundafase:a

darepresentaçãoprofissional.Teoristasardentesdessamodalidadede

representaçãologosurgiramcomlongasecopiosasjustificações

doutrinárias.AIdadeMédia,comseusistemadeorganização

corporativa,selhesnãoofereciasubsídiosdiretos,pelomenoslhes

ministravaumafontedeinspiração,ecomofontedeinspiraçãotrazia

Page 451: Ciência Política - Archive

todaaforçaqueastradiçõesressuscitadaspodemporventurainspirar

ouproporcionar.

Oargumentodoutrinárioponderava,porexemplo,queadivisão

geográficanãopodiajamaisidentificar-secomumaopiniãoouinteresse

particular(Coker)e,comodisseoúltimoautor,arepresentação

acabavasendodeumsóoudealgunsdosmaispoderososinteresses

dentrequantosentravamemcompetiçãoeconômicaesocial,arvorados

pelosdistintosgruposminoritários.33

Odescréditodarepresentaçãoprofissional,pondotermoaessa

segundafase,adveiosemdúvidadavinculaçãoideológicacoma

doutrinapolíticadofascismo.

MasoinfluxodarepresentaçãoprofissionalnasConstituiçõesdo

primeiropós-guerrasemanifestoucomintensidadeemalgunspaíses.

HajavistaoBrasilondenosmoldesdaConstituiçãorepublicanade

1934nossopaísconheceuemseuCongressoumarepresentação

profissional—abancadaclassista,recrutadanasorganizações

trabalhistasepatronais,foradocritériopolíticotradicionaldeseleção

pelosufrágiopopular.

Aintroduçãodessabancadaporémemnadaconcorreuparao

aperfeiçoamentodosistemarepresentativoemelhorfuncionamentodo

Congresso.Pelocontrário,debilitouarepresentaçãonacional,mercêde

Page 452: Ciência Política - Archive

seucaráterhíbridoedeenxertia,queaconsciênciapolíticadanação

repulsava.

Aterceirafase,enfim,éadaépocacontemporânea,emquea

representaçãoprofissionalnasuaantecedenteformulaçãofoidetodo

abandonadanaquelespaísescujosistemarepresentativonasceuno

berçodoliberalismo.

Esseabandonoemlargapartesedeveàmáculadesuspeição

ideológicaemrazãodaaliançadaquelamodalidadederepresentação

comomodelofascistaedesuaimpiedosaeradicalimpugnaçãodetodo

osistemarepresentativoclássico.Aconteceporémqueestenãopoderia

prescindirdeumalegitimaçãoeautenticaçãonasfontesprofissionais,

nascategoriasobreiraseempresariaisepadecendo,emconseqüência,a

fortíssimapressãodasordensintermediárias,cujaimportâncianãose

eliminoucomameraeliminaçãodaqueletipoderepresentação

(profissional),acaboucedendoaoinfluxocadavezmaisdecisivodos

distintosgruposdeinteresses.

Chega-seassimàpresentefase:adosgruposdepressão.

Acometemelesosistemarepresentativotradicionaleascasaseletivas,

buscandotalvezinstitucionalizar-seatravésdeviasqueaindanão

foramclaramentelocalizadaspelateoria,empatenteatrasocomesse

novotipodeorganizaçãopolíticadosinteressessociais.

Page 453: Ciência Política - Archive

12.Umanovateoriadarepresentaçãopolítica,defundamento

marxista:

a

representação

como

simples

relação

entre

governantesegovernados(Sobolewsky)

Sãoinumeráveisnocampoteóricoosesforçosquesefazempor

aclararoconceitoderepresentação,sobremaneiraabaladocomas

mudançasoperadasnaíndoledoEstadomoderno,desdequeas

ideologiaspropagaramofermentorevolucionárioderevisãoda

sociedadeeseusfundamentos.

Aassinaladaindigênciaderesultadosobtidos,conforme

patenteouFriedrich,atuaprecisamentenosentidodeintensificar

aquelasdiligências,dasquaisconstituirecenteeapreciávelamostra

essaquenoschegadeumpublicistapolonês,Sobolewsky.Semais

merecimentonãotiver,serveaomenosparaindicarnoquadropolêmico

queseesboçadoladodoOcidenteaposiçãodeumpensadorsocialista,

cujorealismonamatériatrazaodebateposiçõesinspiradaspelasraízes

Page 454: Ciência Política - Archive

marxistasdeseupensamento.

Demandandonovainterpretação,assinalaSobolewsky,antesde

maisnada,omalogrodosvelhosclássicosdoliberalismo,comoBurkee

Sieyèscujasteseselereputademanifestainsuficiência,nãoobstantese

conservarem

ainda

gravadas

nas

Constituições

e

na

teoria

constitucional.

Do

mesmo

modo

não

lhe

satisfazem

as

correntes

Page 455: Ciência Política - Archive

contemporâneas,cujacríticaereformadoconceitoderepresentaçãose

prendeàsinterpretaçõestradicionais,comoaquelaencabeçadana

AlemanhaporLeibholz,ouqueobstinadamenteseempenhamem

substituiroconceitoderepresentaçãopelodegovernoresponsável

(responsiblegovernment),consoantededuzdeautoresalemãese

cientistaspolíticosingleses,nemtampoucoaquelas,exemplificadasnas

obrasdeDuvergereBurdeau,depatentetendênciasociológica.

Emverdade,sãoestasúltimasasquemenosobjeçõespadecem,

porquantoseusautoreslouvavelmenteforcejamporlograralgonovo,a

saber,umconceitosociológicoderepresentação.34

ÉesseconceitoqueSobolewskydizhaverachadoemsuas

investigações,tomandoporprincípiodetodasasreflexõesatese

sociológicadequeanoçãoderepresentaçãotemporobjetobásico

determinarocaráterdasrelaçõesqueocorrementregovernantese

governados.

Rendeocientistapolonêstributoàquelespublicistasfranceses,

asseverandoqueparachegaraosobreditoconceitopartiudomodelode

DuvergereBurdeau.Entendemestes,segundoele,queàrepresentação

importaestabelecercorrelaçãoouconcordânciaentreasdecisões

políticasdaelitegovernanteeaopiniãopública,compreendidaesta

últimacomoasopiniõesmaisfortes,imperantesnacomunidade.

Page 456: Ciência Política - Archive

Apontam-seentãoformasmedianteasquaisseexprimeaopinião

degovernantesegovernados:eleições,referenda,petições,comícios,

notasoficiaisedeclaraçõesdegovernantes,etc,bemcomoos

instrumentostécnicoseorganizatóriosqueconsentemumaexpressão

sistemáticadaopinião:meiosdecomunicaçãodemassas(imprensa,

rádio,televisão,etc),partidospolíticosegruposdeinteresse.35

Professaoautorquesuanovaconcepçãosealicerçanos

fundamentosdateoriamarxistadoEstadoclassistaedocaráterde

classedetodopoderpolítico.AsseveraquecadaEstadoéuma

representaçãodosinteressesobjetivosdaclassedominanteeque

debaixodesseprincípiogeraléquesehádeinvestigarcomooscidadãos

easmassaspodemeventualmenteinfluiremdeterminadasdecisões

estatais.Mostraademaisqueaspossibilidadesdesseinfluxocontinuam

abertasàsmassas,cabendo-lhesvaler-sedecircunstânciasfavoráveis

comqueadiantar,ondeforpossível,atransiçãoparaosocialismo.

Afirmaporúltimoqueseupresentetrabalho,estudandodemodo

minudenteosproblemasdarepresentação,aspiraàquelefim.36

DasconclusõesaquechegaSobolewskyurgedestacarportanto

algumas,anossover,maisimportantes.Emprimeirolugar,afigura-se-

lheapenasadmissívelumarepresentaçãoqueseanalisecomo

processo,emseuaspectodinâmico.

Page 457: Ciência Política - Archive

Contraomodelosociológicodosautoresfrancesesjáreferidos,

declaraquearepresentaçãonãosedefinepeloestadodeharmoniaou

correspondênciadaopiniãocomapolíticagovernante,mascomo

processodeassimilaçãodapolíticaedasopiniões,comvistasamútua

aproximação.Vêoestadodecompletaharmoniaapenascomoideal

político,colocado,àmaneiradetodososideaispolíticos,noreinoda

utopia.Assinalaquearepresentação,consideradafenômenopolíticoe

traçocaracterísticodeumsistemadegoverno,deveantesserdefinida

comoprocessoqueadaptaaessênciadasdecisõespolíticasàsopiniões

entretidaspelosgovernantes.

Colhe-seassimoconceitodeSobolewskysobrerepresentação

política:“Arepresentaçãoéumprocesso,istoé,umaacomodação

contínuaqueseestabeleceentreasdecisõespolíticaseasopiniões”.

Acentuaporémoautorqueograudeintensidadeeeficáciadesse

processonãosóvarianotempocomoémodificável.Recusa-lhecaráter

automático,admitindo,porconseguinte,interferênciadosparticipantes,

complanificaçãosocial.Eesclarece:“arepresentaçãoéumprocesso

organizado”.

ProssegueSobolewskytornandoadizerquearepresentaçãoé

sobretudoprocesso,econsistenumaaçãorecíprocaentreasopiniões

dosgovernadosedosgovernantes.Demodoquecadaumadas

Page 458: Ciência Política - Archive

respectivasopiniões,igualmentejustificadas,é“legítima”enecessária.

Criticatodaviaoirrealismodepretender-seaquiloqueseriasemdúvida

ótimo:aacomodaçãodecadadecisãopolíticaàsopiniõesdos

governados.Masnãorecusaapossibilidadedelograr-seessa

adaptação,todavezqueasdecisõeshajamderecairsobre

determinadosassuntosdeelevadointeressegeral.37

ArelaçãoqueSobolewskyestabeleceentregovernantese

governadosparaqualificaroconceitoderepresentaçãopolíticanãohá

deserdenecessidadeumarelaçãodireta.Arepresentaçãopolítica,

observaele,sendoumarelaçãoentregovernantesegovernados,não

consisteapenasderelaçõesdiretasentreeles,mastambém,demaneira

concomitante,derelaçõesentreoscidadãoseasdistintasorganizações

intermediárias,queservemdeporta-vozesàopinião.38

Dizaindaopublicistapolonêsqueoprocessoderepresentaçãoé

meratécnicaaplicadaaoprocessodegoverno,comlimitesquesão

ditadospelaestruturadasrelaçõesdepoder.Oprincípiode

representação,emconseqüência,eapesarderegularrelaçõesentre

governantesegovernados—acentuaele—nenhumamodificaçãopode

trazeràsrelaçõesdepoder,nenhumasubstituiçãodaclasse

dominante.39

Aesserespeito,explica:oprocessoderepresentaçãoéportanto,

Page 459: Ciência Política - Archive

preliminarmente,processodeadaptaçãodasubstânciadasdecisões

políticasàsopiniõesepareceresdosgruposinteressadoseemlarga

escalaàsopiniõesepontosdevistaquepreponderamnaclasse

dominante.40

Tratandodarepresentaçãosemprecomoumprocesso,oteórico

marxistatransmiteassimoconceitoàsformasdiversasdegoverno

representativo:devemos,porisso,dizele,considerarrepresentativo

todosistemadegovernoemquefuncioneumsistemadecorrelaçõese

ondenasquestõesimportantesenodecursodelargoespaçodetempo

nãoseprocedacontraosdesejosdosinteressados.41

Acertaalturaesclarecequeadefiniçãoderepresentaçãocomo

fenômenosocialdeveservirdefundamentoàdefiniçãodaessênciado

princípiojurídicoeconstitucionaldarepresentação,equeosconceitos

jurídicosprecisamdecorresponderàsrelaçõessociaisefetivamente

existentes.42

Aconclusãoderradeiradoautor,coroandotodasassuas

investigações,cifra-seemproporaformulaçãodeumúnicoconceitode

representação,aplicáveltantoàspesquisasouindagaçõessociológicas

comoàteoriaconstitucional.43Eesseconceito,fundamentalmente

sociológico,seresumeemostentarostraçosessenciaisacimaexpostos.

1.NessaacepçãoéqueCarlSchmittpôdeescreverjudiciosamenteque“nãohá

Page 460: Ciência Política - Archive

Estado

semrepresentação”,porquanto,acrescentaele,nenhumEstadoexistesemforma

estatal.EmtodoEstado—afirmaoconstitucionalistaalemão—haverásempre

homensquePoderãodizer:“L’Étatc’estnous”(nóssomosoEstado).Éóbvioquenesse

capítulotrata-mossemprederepresentaçãopolítica,arepresentaçãodeumsistema.

Quantoàqualificaçãopolíticadarepresentação,faz-semisterlembraraessepropósito

quearepresentaçãodeixadeserdedireitoprivadoesepolitiza,segundoFriedrich

Glum,desdequeseusfinstranscendamosfinseinteressesindividuais.F.Glum,

BegriffundWesenderRepraesentativverfassung,p.108.

Aliás,umareferênciaexpressaàdistinçãoentrerepresentaçãonodireitoprivadoe

representaçãopolítica,dedireitopúblico,forafeitajánoséculopassadopor

BluntschlicomumaprecisãoquemereceulouvoresdeCarlSchmitt:“Arepresentação

dedireitopúblicoéinteiramentedistintadarepresentaçãodedireitoprivado.

Portanto,osprincípiosfundamentaisdestanãopodemseraplicadosàquela”.Veja-se

Bluntschli,AllgemeinenStaatsrecht,I,p.488,bemcomoCarlSchmitt,

Verfassungslehre,p.209.

Entreosautoresfrancesesháumaclarezadelouvaraesserespeito.Publicistascomo

Page 461: Ciência Política - Archive

Laferrière,BarthèlemyeDuezoucivilistascomoColineCapitantfixamoconceitode

representaçãonodireitoprivado,ondeelesegeroueofazemcomtalrigor,que

apagamtodasasdúvidasquandoaidéiarepresentativasetransladaparaodomínio

dodireitopúblico,ondeoutrassãosuascaracterísticas.Crescentesanalogiasforam

deúltimoassinaladas,desdeque,debaixodainspiraçãodatécnicaprivatistaeem

virtudedoadventodasociedadedemassas,omandatopolíticonossistemas

representativossetornoucadavezmaisimperativoecadavezmenosrepresentativo.

EscreveLaferrière:“Emdireitoprivado,ofenômenodarepresentaçãosevinculaà

existênciadeumarelaçãodedireitolegalouconvencionalentreorepresentanteeo

representado.Quandoarepresentaçãodeumindivíduoporoutronãoéorganizada

mediantelei,comoarepresentaçãodomenorpelotutor,temelasuafontenum

contrato,habitualmenteumcontratodemandato.Criaesteentreaspartesuma

relaçãojurídicaqueexplicaqueosatosdomandatárioproduzemosmesmosefeitos

comoseemanassemdiretamentedomandante”(JulienLaferrière,ManueldeDroit

Constitutionnel,2ªed.,p.400).

Quantoàidéiaderepresentaçãopropriamentedita,escreveraantesomesmo

Page 462: Ciência Política - Archive

autor:

“Parasatisfazeranecessidadespráticas,odireitoprivadoelaborouateoriada

representação,queconsisteessencialmentenisto:asmanifestaçõesdevontadede

umapessoa—orepresentante—serãoconsideradascomotendoomesmovalore

produzirãoosmesmosefeitosjurídicoscomoseemanassemdeoutrapessoa,o

representado.Comacondiçãodemanter-senoslimitesdeseuspoderes,o

representanteéconsideradocomoexprimindoavontademesmadorepresentado,eo

atoporelecumpridoproduzosmesmosefeitosjurídicoscomoseforafeitopelo

representado”(J.Laferrière,ob.cit.,p.396-397).

Aindaemtermosestritamentecivilistas,arepresentaçãoéconcebidaporColine

Capitant,comumaprecisãoadmirável,tendoLaferrièresevalidotambémdessa

citação:“Hárepresentaçãoquandoumatojurídicoécumpridoporumapessoa,por

contadeoutra,emcondiçõestaisqueosefeitosdesseatoseproduzamdiretae

imediatamentesobreacabeçadorepresentado,comoseelemesmoohouvera

cumprido”(Colin&Capitant,DroitCivil,7ªed.,t.I,p.91).

2.Veja-seaesserespeitoJohnA.Fairlie,quandoescrevequedopontodevista

etimológicoosignificadoliteralderepresentaré“apresentarnovamente”,daquise

chegandoaosentidode“apresentaremlugardeoutrem”.Commaisclareza,o

publicistaalemãoFriedrichGlum:“Aessênciadarepresentaçãoconsisteantes

Page 463: Ciência Política - Archive

nisto,

emfazerpresenteatravésdeumapessoavisíveloutrapessoaquenãosefaz

concretamentevisívelperanteasdemais”.F.Glum,“BegriffundWesender

Repraesentation”,in:ZurTheorieundGeschichtederRepraesentationund

Repraesentativverfassung,p.105.Éderecomendartambémaleituradotrabalhode

JohnA.Fairlie,acercadarepresentaçãopolítica,eintitulado“TheNatureofPolitical

Representation”,oqualapareceuestampadopelaprimeiravezemTheAmerican

PoliticalScienceReview.v.34,1940.

3.Aacepçãoemquevamosdesenvolver,comnossaterminologia,osconceitosde

duplicidadeeidentidadecomodoutrinaspolíticasdarepresentaçãonadatemquever

comosentidoemqueaempregouCarlSchmitt,emVerfassungslehre.Quandomuito

haveriaanalogiadepontodepartidaousimplesanalogiavocabular,porquantosãode

tododistintososefeitosextraídosdousodessaspalavrasnasreflexõesaquedaremos

seqüência.

4.JohnA.Fairlie,“DasWesenpolitischerRepraesentation.”Publicadooriginalmente

emlínguainglesaetraduzidoparaoalemãoporClausSprick.In:ZurTheorieund

Page 464: Ciência Política - Archive

GeschichtederRepraesentationundRepraesentativverfassung,p.29.

5.EdmundBurke,“SpeechtotheElectorsofBristol”,in:SpeechesandLetterson

AmericanAffairs,p.73.

6.Idem,ibidem,p.73.

7.Montesquieu,“DeL’EspritdesLois”,liv.11,cap.6,in:OeuvresComplètes,t.II,p.

Page 465: Ciência Política - Archive

400.8.MarcelPrélot,InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,p.286.

Clermont-Tonnerre,quandodaaberturadaAssembléiaNacional,hesitavadiantede

seusParesemvotarasnovasleispolíticas,manifestandooânimodevolverprimeiroa

suacircunscriçãoeleitoralparaauscultaraopiniãodeseuseleitores.Veja-seno

tocanteoqueescreveR.Redslob,DieStaatstheorienderFranzoesischen

Nationalversammlungvon1789,pp.109ess.

9.Barnave:“Dansl’ordreetleslimitesdesfonctionsconstitutionnelles,cequi

distinguelerepresentamdeceluiquin’estquesimplefonctionnairepublic,c’estqu’il

estchargédanscertainscasdevouloirparlanationtandisquelesimplefonctionnaire

n’estjamaischargéqued’agirpourelle”.

10.Barnave,in:A.SaintGirons,ManueldeDroitConstitutionnel,3ªed.,p.11;

Laboulay,QuestionsConstitutionnelles,p.173.

11.BenjaminConstant.“Delalibertédesancienscomparéeàcelledesmodernes”,in:

CoursdePolitiqueConstitutionnelle,t.II,pp.,557-558.

12.Veja-seGuizot,HistoiredesOriginesduGouvernmentReprésentatif,4ªed.,vols.Ie

Page 466: Ciência Política - Archive

II,particularmenteaslições1ªe9ªdosegundotomoe1ª,7ªe8ªdoprimeirotomo.

13.CarlSchmitt,Verfassungslehre,cit.,p.209.

14.Idem,ibidem,pp.212-213.

15.J.J.Rousseau,DuContratSocial,pp.280-281.

16.Idem,ibidem,p.243.

17.Idem,ibidem,pp.244-245.

18.Idem,ibidem,p.250.

19.Idem,ibidem,p.301.

20.Idem,ibidem,p.302.

21.Idem,ibidem,p.302.

22.Idem,ibidem,p.303.

23.Idem,ibidem,p.302.

24.Rousseau,ConsidérationssurleGouvernementdePologne,Cap.7.

25.Idem,ibidem.

26.HansJ.Wolff,“DieRepraesentation”,in:ZurTheorieundGeschichteder

RepraesentationundRepraesentativverfassung,p.123.

27.Admitindo-seporémqueorepresentanteélivrenoexercíciodomandatoeletivo,o

problemadesaberquemelerepresentasesimplifica.Representaanaçãooua

coletividadeeéquantobasta.Oproblemasecomplicacomaimperatividade,sendo

Page 467: Ciência Política - Archive

lícitaentãoaindagação:representaoeleitor,oEstadoouopartido?Tantomaislícita

quantonamodernasociedadedemassas,tãocaracterísticadonossoséculo,o

pluralismopolíticoocidentaldesintegrouporinteiroavontadepopularsoberana,mito

ouilusãojádesfeita,desdequeasociologiacombrutalrigorcientíficoapontouparao

caráterclassistadetodaaorganizaçãosocial,cujaestruturaedinâmica,se

preteridas,tornariamdetodoininteligívelofenômenodopoder.

28.Hegel,Rechtsphilosophie,§311.Emsentidooposto,Kant,filósofopolíticodo

liberalismoalemão,quenãotrepidouemfazeraconexãodosistemarepresentativo

comopovo.DisseeleemRechtslehre,§52.“Todarepúblicaverdadeiraé,eoutracoisa

nãopodesersenãoumsistemarepresentativodopovoparaemnomedopovo(grifo

nosso)cuidardeseusdireitos,atravésdauniãodetodososcidadãoseporintermédio

deseusdeputados”.

29.Veja-seconcernenteaessepontooestudodeCharlesE.Gilbertintitulado

“OperativeDoctrinesofRepresentation”,queapareceuprimeironaTheAmerican

PoliticalScienceReview,1963,v.57,pp.604-618efoidepoisreproduzidonuma

traduçãoalemãdeTonyWestermayrpeloorganizadordacoletâneaZurTheorie

Page 468: Ciência Política - Archive

und

GeschichtederRepraesentativverfassung.

30.Arepresentaçãopolítica,segundoBagehot,citadoporCarlJ.Friedrich,significa,

emúltimaanálise,apenasummeioparaalcançarumfim,nocasoparticularinglês

escolheropartidoqueformaráogoverno.Essateseconduzàimplantaçãodeum

governoresponsável,essênciacontemporâneadoprincípiorepresentativoparaalguns

autores,aliásexcessivamentepresos,peloângulopolíticoejurídico,àconcepçãode

governorepresentativo.Atese,antesdechegaraopresenteefeito,queésimples

desdobramentohistórico,podiatambémvalidamentecompadecer-secomtodosos

fundamentosdualistasdovelhosistemarepresentativodaideologialiberal.

Quantoàrepresentaçãoproporcional,esposadaporStuartMill,trouxeesta,em

verdade,algonovo,queabaloudialeticamenteaconcepçãoindividualistado

liberalismoeseusistemaderepresentaçãopolítica,porquantoumaconseqüência

imediatadanovatécnicafoiadesublinharaimportânciadosgruposeatribuir-lhesa

parceriaeficazdeinfluênciaaquefazemjusnadireçãopolíticadasociedade.Veja-se

CarlJ.Friedrich“RepresentationConstitucionalReforminEurope”,in:TheWestern

PoliticalQuarterly,1948,I,pp.124-130,bemcomoessemesmotrabalhona

Page 469: Ciência Política - Archive

versão

alemãaparecidaemZurTheorieundGeschichtederRepresentationund

Repraesentativverfassung,pp.209-221.

31.CarlJ.Friedrich,ob.cit.,versãoalemã,p.220.

32.Idem,ibidem,p.221.

33.F.W.Coker,in:TheAmericanPoliticalScienceReview,15:200,1915.

34.Sãoescassasasanálisessociológicasaoconceitoderepresentação.Amatériatem

sidolargamenteversadaporjuristas.Aliás,HansJ.Wolffdesdemuitochamoua

atençãoparaessefato,encarecendoanecessidadedeaprofundar-seainvestigaçãodo

pontodevistasociológico.Ascontribuiçõesdedireitopúblicofeitascomânimomais

científicodoquedoutrinário,foradelaçospolíticoseideológicos,sóháalgumtempo

foramincrementadas,salvoostrabalhosprecursoresestampadosnaAlemanha.

DentreestesédejustiçaressaltaraquelessurgidosemépocaanterioràSegunda

GuerraMundial.HajavistaporexemploascontribuiçõesclássicasdeCarlSchmitt(a

sériedereflexõescontidasemVerfassungslehre);Leibholz,comDasWesender

Repraesentation,obrahápoucoreeditada;EmilGerber,StaatstheoretischeBegriffder

RepraesentationinDeutschlandzwischenWienerCongressundMaerz-revolution;e

Page 470: Ciência Política - Archive

enfim,aindadomesmoano,RudolfSmend,cujoVerfassungundVerfassungsrechtfoi

tambémdeúltimoreeditadonaAlemanha.

35.MarekSobolewsky“PolitischeRepraesentationimmodernenStaatder

buergerlichen

Demokratie”,

in:

Zur

Theorie

und

Geschichte

der

Repraesentativverfassung,p.422.

36.Idem,ibidem,p.420.

37.Idem,ibidem,p.430.

38.Idem,ibidem,p.431.

39.Idem,ibidem,p.433.

40.Idem,ibidem,p.433.

41.Idem,ibidem,p.434.

42.Idem,ibidem,p.435.

43.Idem,ibidem,p.441.

Page 471: Ciência Política - Archive

16

OSUFRÁGIO

1.OSufrágio—2.Éosufrágiodireitooufunção?—3.Osufrágio

como“direitodefunção”(doutrinaitaliana)—4.Osufrágiorestrito

—5.Osufrágiouniversal—6.Restriçõesaosufrágiouniversal:6.1

Nacionalidade—6.2Residência—6.3Sexo—6.4Idade—6.5

Capacidadefísicaoumental—6.6Graudeinstrução—6.7A

indignidade—6.8Oserviçomilitar—6.9Oalistamento—7.A

propagaçãodosufrágiouniversal—8.Sufrágiopúblicoesufrágio

secreto—9.Sufrágioigualesufrágioplural—10.Modalidadesde

sufrágioplural:10.1Sufrágiomúltiplo—10.2Sufrágiofamiliar—

11.Sufrágiodiretoesufrágioindireto—12.Aparticipaçãodo

analfabeto.

1.Osufrágio

Osufrágioéopoderquesereconheceacertonúmerodepessoas

(ocorpodecidadãos)departicipardiretaouindiretamentena

soberania,istoé,nagerênciadavidapública.

Comaparticipaçãodireta,opovopoliticamenteorganizado

decide,atravésdosufrágio,determinadoassuntodegoverno;coma

participaçãoindireta,opovoelegerepresentantes.

Quandoopovoseservedosufrágioparadecidir,comonos

Page 472: Ciência Política - Archive

institutosdademocraciasemidireta,diz-sequehouvevotação;quando

opovoporémempregaosufrágioparadesignarrepresentantes,comona

democraciaindireta,diz-sequehouveeleição.Noprimeirocaso,opovo

podevotarsemeleger;nosegundocasoopovovotaparaeleger.

2.Éosufrágiodireitooufunção?

Naregiãodadoutrina,jáseferiramamplosdebatespara

determinarseosufrágioéfunçãooudireito.Asescolasquerespondem

aessequesitopodemrepartir-seemduascorrentesprincipais:ados

queseacolhemàdoutrinadasoberanianacional,esãoconduzidos

entãoavernosufrágioumafunção;eadosqueseabraçamàdoutrina

dasoberaniapopular,paradaíoinferiremcomoumdireito.

Conformeseaceiteaprimeiraouasegundadasposiçõesacima

enunciadas,chegaremosaoseguinteresultado:àadmissãodosufrágio

restrito,quandoseentendeque,medianteovoto,acoletividadepolítica

exerceumafunção(doutrinadasoberanianacional);ouao

reconhecimentodosufrágiouniversal,quando,pelocontrário,setomao

poderdeparticipaçãodoeleitorcomoexercíciodeumdireito(doutrina

dasoberanianacional).

Comefeito,peladoutrinadasoberanianacional,oeleitorétão-

somenteinstrumentoouórgãodequeseserveanaçãoparacriaro

órgãomaior—ocorporepresentativo—aquedelegaopodersoberano,

Page 473: Ciência Política - Archive

doqualtodaviaseconservasempretitular.

Comoacompetênciaconstitucionaldoeleitorparaexercero

sufrágioprocededanação,ondeasoberaniatemsempresuasede,

entende-sequeéanaçãoopoderqualificadoatraçarasregrase

condiçõesdosufrágio,cabendo-lheademaisafaculdadededeterminar

quemdevefazerpartedocorpoeleitoral.

Conseqüênciadessadoutrinatemsidoemprimeirolugar,do

pontodevistalógico,algumaslimitaçõespostasaoexercíciodo

sufrágio,medianteaexigênciadepreenchimentodeváriosrequisitosde

capacidadeàquelesaquemanaçãocometeu,comoinstrumentoseu,a

funçãoeletiva.

Comosufrágio,segundoamesmadoutrina,nãoéavontade

autônomadoeleitorqueintervémnaeleição,masavontadesoberana

danação.Podendopoisanaçãoinvestirnoexercíciodafunçãoeleitoral

tão-somenteaquelesquejulgarmaisaptosacumpriressedever,dessa

doutrinadecorrecommaisfreqüência,alémdosufrágiorestrito,o

princípiodaobrigatoriedadedovoto,bemcomoochamadomandato

representativo,comqueseconsagra,conformejápatenteamos,a

atuaçãoindependentedoeleitoemfacedoeleitor.

Ateoriajurídicadosufrágio-funçãofoihistoricamentesustentada

porBarnave,em1791,duranteaRevoluçãoFrancesa,nosseguintes

Page 474: Ciência Política - Archive

termos:“Aqualidadedeeleitornãoésenãoumafunçãopública,àqual

ninguémtemdireito,equeasociedadedispensa,tãocedoprescreva

seuinteresse”.1

Quantoaosufrágio-direito,resultadaconcepçãodeque,sendoo

povosoberano,cadaindivíduo,comomembrodacoletividadepolítica,é

titulardeparteoufraçãodasoberania.Toma-seopovonumaacepção

quantitativa;faz-sedosufrágioaexpressãodavontadeprópria,

autônoma,primária,decadaindivíduocomponentedocolégioeleitoral;

admite-seenfimqueovotosendoumdireito—seuexercícioserá

facultativoequeomaislógicoparaanaturezadomandatoseria

considerá-loimperativoenãorepresentativo.

Historicamente,foiRousseauomaiscelebradocorifeuda

doutrinadosufrágio-direito,queprocedeucoerentementedasua

doutrinadasoberaniapopular.

SãopalavrasincisivasdeRousseaunoContratoSocial:“Odireito

devotoéumdireitoqueninguémpodetiraraoscidadãos”.Seguiram-

no,emapoiodamesmatese,PétioneRobespierre,naConstituinte,

bemcomoCondorceteBoissyd’Anglass,naConvenção,todos

ardorosamentecomprometidoscomoigualitarismorevolucionário,

contraosufrágiodosprivilegiados,imperantenamonarquiadosreis

absolutos,duranteoancienrégime”.2

Page 475: Ciência Política - Archive

A4desetembrode1789,Robespierre,subindoàtribuna,

expunhaamesmadoutrina:“AConstituiçãoestabelecequeasoberania

residenopovo,emtodososindivíduosdopovo.Cadaindivíduotem

poisodireitodecontribuirparaaleiqueoobrigaeparaa

administraçãodacoisapública,queésua.Deoutromodo,nãoseria

certoquetodososhomenssejamiguaisemdireitoouquecadahomem

sejacidadão”.3

Contrapostasasduasdoutrinas—adosufrágio-funçãoeado

sufrágio-direito—vê-selimpidamentequenosistemarepresentativo

clássicodademocracialiberaldominouointelectualismo,oliberalismo

eoqualititavismodarepresentação,emcontrastecomoigualitarismo,

ovoluntarismoeoquantitativismodeorigemrousseauniana,ora

reestampadoscomotraçosvisíveisnademocraciacontemporâneado

homem-massa,homemalgébricoeanti-histórico,quesenhoreouas

instituiçõesdesteséculo.

3.Sufrágiocomo“direitodefunção”(doutrinaitaliana)

Quantoaopensamentocontemporâneo,verifica-sequeadoutrina

constitucionalitaliana(BiscarettidiRuffia,Romano,etc),partindo

provavelmentedadificuldadedeconciliarosufrágiouniversal,fundado

nasoberaniapopular,comaobrigatoriedadedovotoesanções

impostasaoeleitor,conformedispõealegislaçãodeváriosEstados,

Page 476: Ciência Política - Archive

buscaumasoluçãoecléticaparaanaturezajurídicadosufrágio.Diz

quesetratadeum“direitodefunção”.Conjugaassimnoconceitode

sufrágioigualmentea“funçãoeleitoral”(direito)eo“corretoexercício”

dessamesmafunção(deverouobrigação).

Como“funçãoeleitoral”,osufrágioédireitopúblicosubjetivo,

contendocertospoderesreconhecidosaoseutitular,entreosquais,

consoanteRuffia,odeexigiraprópriainscriçãonosregistroseleitorais,

odereclamarainscriçãodeoutroseleitoresemtaisregistros,ode

exigiroeventualcancelamentodaqueleseleitoresquehajamsido

indevidamenteinscritos;odeproporeventualmentecandidatos,ode

seradmitidoàsvotações.4

Como“corretoexercíciodafunçãoeleitoral”,entende-seporaía

facedosufrágioqueseapresentaemformadedever,deobrigaçãodo

eleitoroucidadão.Estenãopoderásermolestadonolivree

independenteexercíciodaqueledireito.Descumprindoporémocaráter

públicodafunção,abstendo-sedevotarouvalendo-sedovotopara

auferirvantagenspessoaisindevidas,ficaráentãooeleitorsujeitoàs

sançõesdaordemjurídica.Oexercíciodovoto,peloladopoisdesua

obrigatoriedade,apresenta-secomo“devercívico”,nostermosdoartigo

48daConstituiçãoitaliana,postoassimnumaesferaintermediária

entreo“merodevermoral”eo“deverjurídico”.5

Page 477: Ciência Política - Archive

Enfim,segundoamesmaordemdereflexõesdesenvolvidaspor

Ruffia,odireitoeleitoral,direitodesufrágiooudireitodefunção,entra

nacategoriadosdireitospúblicossubjetivos,davelhateoriadeJellinek.

Comofunção,osufrágioédenaturezaeminentementepúblicaenão

propriamenteestatal.Oeleitoroucidadãoexercereferidafunçãode

modocoletivoenãoindividual,comodireitocorporativoenãocomo

“direitosubjetivoindividual”emnomepróprio,comvistasaoselevados

finsesuperioresinteressessociaisenãoemnomedoEstado”.6

AConstituiçãodaVenezuelaaplicaemdisposiçãotextualo

mesmoprincípiodoutrinárioenunciadopelosconstitucionalistas

italianos.Rezaoartigo110dareferidaConstituição(1961)que“ovotoé

umdireitoeumafunçãopública”.

4.Osufrágiorestrito

Quandoarepresentaçãosurgehistoricamente,háumambicioso

princípiodeordemracionalparajustificá-la,tantoquantooda

limitaçãodopoder:oprincípioseletivo,quedeveconduziràsregiõesde

governoosmaisaptos,osmaiscapazes,osmaissábios,osmelhores.

Arazãoeoconsentimentoaparecemaíporcimentosdosistema

representativo.Aidéiabásicadademocracia,durantetodaaidadedo

liberalismo,éadequesedeveprepararaelitegovernante,emnomede

umconfiadoapoiodarazãohumana,comosmeiosqueestaoferece.

Page 478: Ciência Política - Archive

Essesmeiossereconhecemnasformasqueosufrágiotoma,e

quesocialmente,bemcomohistoricamente,traduzemumaformade

equilíbrionadisposiçãodeforçaseclassesdentrodasociedade,do

mesmopassoquetestificamahegemoniapolíticadoEstadoburguês.

Segundoosteóricos,osufrágioérestrito,nãoporquesequeira

assegurarodomíniosocialdeumaclasse,masporquesecompreende,

doutrinariamente,que,restringindo-seosufrágio,maisdepressaa

sociedadechegaráàqueleresultado:ogovernodosmelhores.

Eraassimquesepensavanoséculodademocracialiberal(século

XIX)comainstituiçãodosufrágiorestrito,quandonãohaviaaindanos

livrosounaexposiçãodoutrináriaumatomadadeconsciênciadeque,

seosufrágioracionalmentepretendiaaquilo,dopontodevistahistórico

eratão-somenteopoderosoeeficazinstrumentodeexclusãode

parcelasconsideráveisdopovodetodaparticipaçãopolítica.Opoderdo

terceiroestado—aburguesia—dominavaentãoporinteiroacena

governativa.

Osufrágioérestritoquandoopoderdeparticipaçãoseconfere

unicamenteàquelesquepreenchemdeterminadosrequisitosderiqueza

ouinstrução.Háautoresqueacrescentamtambémosrequisitosde

nascimentoouorigem.

Conformeasexigênciassejamfundadasemcadaumdaqueles

Page 479: Ciência Política - Archive

pontos,temosasseguintesmodalidadesdesufrágiorestrito:sufrágio

censitário(ariqueza),sufrágiocapacitário(ainstrução),sufrágio

aristocráticoouracial(aclassesocialouaraça).

Osdoisprimeirosforamosmaisfreqüentes,comlargaaplicação

naépocadoEstadoliberal.

Osufrágiocensitário,tambémconhecidopelonomedesufrágio

pecuniário,demandavageralmentedeseustitulares,conformea

legislaçãoqueoinstituísse,oatendimentodeumadasseguintes

exigências:a)opagamentodeumimpostodireto(sistemacensitário

francêsde1814a1848);b)oserdonodeumapropriedadefundiária(o

sistemainglês,gradativamenteabolido,equeseextinguiucoma

reformaeleitoralde1918),ec)ousufruircertarenda.

Quantoaosufrágiocapacitário,ocritériodelimitaçãoeradado

pelograudeinstrução.Ofimquesetinhaemvistaprimacialmenteera

afastaraspessoasmaisrudesdopontodevistaculturaleintelectualde

qualqueringerênciapolítica,porcrer-sequenãoseriamcapazesde

concorrerparaaboaqualidadedarepresentação,istoé,paraa

formaçãodaelitedirigente.

Enfim,nosufrágioracial,restringe-seodireitodevotopor

motivos,nãorarodissimulados,quetodaviaseprendemàorigemdos

indivíduos.QuandoalegislaçãodoMississipinosEstadosUnidos

Page 480: Ciência Política - Archive

obrigaaler,compreendereinterpretar“convenientemente”a

Constituição,seuslegisladores,comessaexigência,sãoprincipalmente

movidospeloânimodeexcluirdasurnasospretos,obedecendoassima

umcritériomaisracialdoqueemverdadecapacitário.

Algunspublicistastomamaindaaclassesocialeosexopara

caracterizaremformasdesufrágiorestrito.MormentenaquelesEstados

ondealegislaçãoeleitoralvenhaaexcluirdaparticipaçãopolítica

camadasdapopulação,porefeitodediscriminaçãosocial(sufrágio

aristocráticoouprivilegiado)oupormotivodesexo,comoocorrecomas

mulheresemalgunspaíses(sufrágiomasculino).

5.Osufrágiouniversal

Arigortodosufrágioérestrito.Nãohásufrágiocompletamente

universal.Relativapoiséadistinçãoqueseestabeleceentreosufrágio

universaleosufrágiorestrito.Amboscomportamrestrições:osufrágio

restritoemgraumaior;osufrágiouniversalemgraumenor.

Define-seosufrágiouniversalcomoaqueleemqueafaculdadede

participaçãonãoficaadstritaàscondiçõesderiqueza,instrução,

nascimento,raçaesexo.

Afirmaautoritalianodosmaisabalizadosdenossotempoqueo

sufrágiouniversalsecontentacomestabelecer“requisitosdeordem

geral”,aopassoqueosufrágiorestrito“exigiarequisitosespecíficos,

Page 481: Ciência Política - Archive

censitárioseculturais”.7

Emgeral,excluídasasrestriçõesderiquezaoucapacidade,

estamosjáempresençadosufrágiouniversal,que,todavia,nãose

estendendoindiferentementeatodasaspessoas,comportalimitações.

Essaslimitaçõesfeitasàcapacidadedoeleitor,emregimede

sufrágiouniversal,seprendemmaisàscondiçõesdenacionalidade,

residência,sexo,idade,capacidadefísicaoumental,graudeinstrução

(ovotodoanalfabeto),indignidade,serviçomilitarealistamento.

6.Restriçõesaosufrágiouniversal

Page 482: Ciência Política - Archive

6.1NacionalidadeÉdireitocomumdequasetodasasconstituições,comoprimeira

condiçãodecapacidadepolítica,orequisitodovínculopessoal.Sendoa

nacionalidade“condiçãomínimadevinculaçãoaopaíseàcoisa

pública”,8énaturalqueosestrangeirossejamexcluídosdeparticipação

navidapolíticadoEstadoondeporventuraseachem.

6.2Residência

EmdeterminadosEstados,cujalegislaçãoadotaosistemade

sufrágiouniversal,exige-senãoraroumprazomínimoderesidência

habitualouprolongadaemcertapartedoterritórionacional,afimde

evitarabusosepráticasviciosasdedeslocamentodeeleitoresdeumaa

outraregiãodomesmopaís,forçandoassimresultadosemque

ordinariamentesecomprometeaseriedadedaspugnaseleitorais.Tais

abusosdachamada“colonização”eleitoralforamusuaisemalguns

EstadosdaUniãoAmericana.

Page 483: Ciência Política - Archive

6.3SexoAslimitaçõesdesexorelativasàcapacidadeeleitoralexistiramem

geralatéaofimdaPrimeiraGrandeGuerraMundial.Daípordianteas

cruzadasfeministasacabaramimpondoovotodasmulheresemquase

todosospaíses,reformadasqueforamasrespectivaslegislações

eleitorais.

Oprimeiropaísondetriunfouosufrágiofemininofoiarepública

americana.Em1869,vimo-loadotadoalipeloEstadodeWyoming.A

seguir,váriosEstadosdocontinenteealgunspaísesnórdicoslegislaram

favoravelmenteaodireitodevotodasmulheres.Essedireito,desde

1920,coma19ªemendaàConstituiçãoamericana,jásefizeranos

EstadosUnidosregraconstitucional.

Semembargodetodasasresistênciashavidas,osufrágiochegou

àInglaterraem1928,aopassoqueaFrança,oBrasil,aArgentina,

Bélgica,PerueChilesomentedepoisdaSegundaGrandeGuerra

Mundial

introduziram

essa

conquista,

que

Page 484: Ciência Política - Archive

veio

ampliar

consideravelmenteosquadrosdeparticipaçãonossistemasdesufrágio

universal.

ASuíçatodaviaédosrarospaísesdemocráticosdomundoquesó

hápoucoadotouovotofeminino.Adiscriminaçãoeleitoralcontraas

mulheres,paramuitospublicistas,nãochegaadescaracterizaro

sistemadesufrágiouniversal,quepodeconsiderar-secomotal,bem

querestritoapenasaosufrágiomasculino.

Page 485: Ciência Política - Archive

6.4IdadeAleieleitoraladotageralmenteumaidademínimaparao

exercíciododireitodevoto,idadequefaçapresumirnoeleitora

capacidadedediscernimento,maturidadeetirocínioindispensáveisa

umaintervençãoesclarecidanosnegóciospúblicos.

Essaidademínimavaria,conformeossistemaspolíticos,havendo

Estados,comooBrasil,aArgentina(1853),GuatemalaeVenezuela,

ondeaexigênciasefixaem18anos,eoutros,comoaFrançaea

Inglaterra,ondeamaioridadesóseobtémaos21anosdeidade.No

Brasil,pelaConstituiçãode1988,ovotoéobrigatórioparaosmaiores

dedezoitoanos,efacultativoparaosmaioresdedezesseisemenoresde

dezoitoanosdeidade.

Observa-se

que

quanto

menos

democrática

a

ordem

constitucionaldeumEstado,maisforteatendênciaparaaelevaçãoda

Page 486: Ciência Política - Archive

idademínimaeleitoral.Assim,porexemplo,aCartafrancesade1814,

quesóconferiaodireitodevotoaos30anosdeidade.

Liga-seatendênciaemtelaaotemordosentimentoreformista,

latentenamocidade,quesemostrasempreabertaepermeávelàsidéias

maisavançadasdemudançasocial,tantoquantoadversaaos

princípiosconservadoresereacionáriosdaordempública.

Nota-seigualmenteemváriaslegislaçõesamanifestainclinação

defazercoincidiramaioridadecivilcomamaioridadepolíticaou

eleitoral,ouseja,acapacidadecivildedireitoprivadocomacapacidade

cívicadodireitopúblico.

6.5Capacidadefísicaoumental

Sãoexcluídosdafunçãoeleitoraltodosaquelesque,portadores

dedefeitosfísicos,comooscegosesurdos-mudos,oudestituídosde

aptidãointelectual,comoosidiotas,loucosoudementes,nãoseacham

emcondiçõesnormaisdeexercerosufrágio.

Essaformadeincapacidadeeleitoralemalgunssistemassóse

aplicaàquelescujainterdiçãofoideclaradajudicialmente,emordema

evitarquesecometamabusosouexcesso,aosabordaspaixões

políticas.

Aexclusãosetornaconseqüentementemínima,dandoporvezeso

resultadonegativodeindivíduoscujoestadomentalédosmaisdébeis

Page 487: Ciência Política - Archive

figuraremnosquadroseleitorais.

6.6Graudeinstrução

Rarosossistemasconstitucionaisqueemsualegislaçãoeleitoral

admitemovotoàspessoasquenãosejampossuidorasdeumgrau

mínimodeinstrução.Aexclusãodosquenãosabemaomenoslere

escrevertemporfundamentoapresunçãodequenãoseachamem

condiçõesdeemitirvoto,formularjuízooutomardecisões.

OmínimoeducacionalexigidovariadeacordocomosEstados,

quetendemaoperarlimitaçõesextremascomrespeitoaessaexigência.

Algunsvãoapontodeadmitirjáovotodoanalfabeto,comoaItália,por

exemplo,quesuprimiuassimqualquerrestriçãodeordemeducacional.

AConstituiçãobrasileirade1988fezfacultativoovotoparao

analfabeto(artigo14,II,“a”).

EmmuitosEstados,aquestãodovotodoanalfabetotem

provocadointensoseapaixonadosdebatesdeopinião,notando-seda

partedascorrentesdemocráticasmaisradicaistendênciafrancamente

acolhedoradadoutrinaquemandaconcederaosiletradosodireitode

sufrágio.

Comefeito,oproblemasetornamaisagudoporseusreflexos

políticosesociaisnaquelespaísesondemáximaéadensidadeda

populaçãoanalfabeta,atingindoaíelevadíssimosíndicespercentuais.

Page 488: Ciência Política - Archive

Semaparticipaçãopoisdoanalfabeto,osistemapolíticoeeleitoral

oferecenaquelesEstadosimagemquaseirreconhecíveldasociedade

democrática,taladesproporçãoentreoeleitoradoeamassahumana

excluídaporefeitodemencionadacausarestritiva.

Page 489: Ciência Política - Archive

6.7AindignidadeAprivaçãododireitodevotopormotivodeindignidadeérestrição

perfeitamentecabívelnosistemadesufrágiouniversal,representandoo

rompimentocomaordempolíticaestabelecidadaquelesque,pelasua

conduta,transgrediramalei,expressãodavontadegeral,esepuseram

“emoposiçãodeclaradaoumesmoviolentacomamassadaopiniãosãe

estimável”.Conseqüentemente,“elesprópriosseseparamdopovo”.9

Essalimitaçãoabrange:aindignidadepenal(incapacidademoral)

eaindignidadenacional(incapacidadepolítica).

Noprimeirocaso,temosaspessoasexcluídasdaparticipação

eleitoralemvirtudedesentençascondenatóriasdostribunais,pela

práticadedelitoscomuns;nosegundocaso,temosaquelescuja

exclusãoresultadepuniçãopolítica,porprofessaremestaouaquela

ideologia,ouseacharem,porsuasatitudesoucomportamento,em

discordânciabásicacomoregimepolíticoesocial.

Asdúvidasquecercamestaformadelimitação—aindignidade

—quasesempreseprendemàchamadaindignidadenacionalou

indignidadepolíticaenãoàindignidadepenal,emvistadosabusose

injustiçascomqueaprimeiraseapresenta,bemcomoemfaceda

extensãoquepodetomar,eliminandodaparticipaçãocamadas

Page 490: Ciência Política - Archive

consideráveisdecidadãos:umaclasseinteira,conformelembra

Duverger,foisacrificadanaUniãoSoviética,em1918e1922,quando

asprimeirasConstituiçõesrevolucionáriassuprimiramodireitode

sufrágiodaantigaburguesiarural(aclassedos“koulaks”)ede

funcionáriosepoliciaisdoregimedeposto.10

Alimitaçãoassimimposta,quandochegaaessaamplitude

extrema,desfiguraanaturezadosufrágiouniversal,fazendo-o

retrocederàsantigasformashistoricamenteultrapassadas,dosufrágio

restrito.

6.8Oserviçomilitar

Emalgunspaíses,alegislaçãoeleitoralprivadodireitode

sufrágioosmilitares.AssimaconteceuemFrançaduranteaTerceira

República.NoBrasil,aConstituiçãode1988excluidoalistamento

eleitoralosconscritos,duranteoperíododoserviçomilitar(art.14,§

2ª).

Alimitaçãoemapreçodecorre,segundoospublicistas,da

conveniênciadepreservarasolidezdoslaçosdedisciplinanasfileiras

militares,umavezqueevita:a)apressãodosoficiaissobreossoldados;

b)oingressodapolíticanosquartéis,comabaloouquebradoprincípio

deautoridadeedisciplina.

SegundoLaveleye,“asdiscussõespolíticasdestroemadisciplina,

Page 491: Ciência Política - Archive

queéaalmadosquartéis”.11Gambetta,porsuavez,qualificavaa

interdiçãodovotodosmilitaresde“disposiçãotutelardapazsocial”.12

Observa-secontudoquevãodesaparecendodaslegislaçõeseleitoraisas

restriçõesaovotodosmilitares,commanifestatendênciademocrática

paraequipará-los,aesserespeito,aosdemaiscidadãos.

Page 492: Ciência Política - Archive

6.9OalistamentoNãobastaaoeleitorreunirtodososrequisitosdecapacidade

exigidosporleiparaexercerodireitodesufrágio.Faz-semistertambém

oalistamento,demodoquelhesejaconferidootítulodeeleitoreseu

nomepossaassimconstarpreviamentenaslistasoficiaisde

participação,porensejodospleitoseleitorais.Diversossistemasde

inscriçãoouregistroeleitoralexistem,variáveisdeconformidadecoma

legislaçãodosrespectivospaíses.

7.Apropagaçãodosufrágiouniversal

DuranteoséculoXIXcombateu-seporfiadamenteafavorda

implantaçãodosufrágiouniversal.Emtodosossistemasaconsumação

lógicadoprincípiodemocráticosóseverificacomoadventodaquele

sufrágio,queconduzpoliticamenteademocraciaàsuaplenitude.O

sufrágiouniversalfez-seassiminseparáveldaordemdemocrática.

NoséculoXX,nãosomenteseaboliuosufrágiorestritocomose

lograramconsideráveisprogressosnoalargamentocadavezmaiorda

participaçãopolítica,depoisdeintroduzidoosufrágiouniversal.

Alegislaçãoeleitoralinglesachegouaosufrágiouniversalatravés

domesmocaminhopercorridosecularmentepelassuasinstituições

políticas,asaber,mediantelentaeprogressivaacomodaçãoàsidéiase

Page 493: Ciência Política - Archive

princípiosnovos,quenaInglaterranuncaentramtardedemais.

AmudançaparaosufrágiouniversalcomeçanoséculoXIX,com

asreformasde1832,1867e1884,coroadaspelanovaleieleitoralde

1919,que,admitindoovotofeminino,universalizouosufrágio.A

reformatrabalhistade1948,queaboliuarepresentaçãoespecialdos

graduadosuniversitários,eliminouosúltimosvestígiosdosufrágio

privilegiado.

EmFrança,osufrágiouniversalfoiobjetodedisposiçõesoficiais,

em1792,duranteoperíodorevolucionário,eadotadodepoispela

Constituiçãode1793,masnuncalevadoàprática.Suaaplicaçãosóse

dáa23deabrilde1848,dataque,segundotratadistasfranceses,ficou

inscritanahistóriaconstitucionalcomo“aquelaemquepelaprimeira

vezfuncionanaFrançaosufrágiouniversaledireto,oqualnuncamais

deveriadesaparecerdenossasinstituições”.13

NosEstadosUnidos,duasemendasconstitucionaisforam

decisivasparaaconsagraçãodefinitivadosufrágiouniversal.Aprimeira

—a15ª—adotadaem1870,apósaGuerradaSecessão,estabelece

que“odireitodesufrágio,quepertenceaoscidadãosdosEstados

Unidos,nãopoderárecusar-se,nemrestringir-senempelosEstados

Unidos,nempornenhumEstado,pormotivosdecorrentesdaraça,cor

oudeumprecedenteestadodeservidão”.Asegunda—19ª—de1920,

Page 494: Ciência Política - Archive

estendeàsmulheresodireitodesufrágio.

Comosevê,dominaemtodosospaísesummovimentoirresistível

paraaconsagraçãodosufrágiouniversal,quelevaademocraciapolítica

porconseguinteaosseusúltimoscorolários.

8.Sufrágiopúblicoesufrágiosecreto

Ovotosecreto,garantiaefetivadoprincípiodemocrático,constitui

umcomplementodosufrágiouniversal.Daítambémseucaráter

obrigatório.Ainobservânciadosegredoacarretapoisaanulaçãodo

voto,conformedispõeaesserespeitoalegislaçãoeleitoraldamaior

partedosEstadosqueadotamosufrágiouniversal.Masantesquese

obtivessenossistemasdemocráticossemelhantecompreensão,jáhoje

pacífica,gravou-seardentepolêmica,comargumentostantofavoráveis

comoadversosaovotosecreto.

Emdefesadomesmo,aduz-sequeéamáximagarantiade

independênciamoralematerialdoeleitor,contraopesodaspressões

políticasaqueficariaelesujeitoseseuvotoforadadoadescoberto.

Comefeito,essaspressõespodemvirdogovernomesmooudos

partidosquetêmopodernasmãos,bemcomodaIgreja,dossindicatos,

daclassepatronal,fazendopoisdelicadíssimaparaoeleitoraopção

entresuaconsciênciaeseusinteressesimediatos.

A

Page 495: Ciência Política - Archive

liberdade

individual

ficaria

com

o

sufrágio

público

consideravelmentediminuída,eoeleitorteriademover-senumcírculo

fechado,soboimpériodeintimidações,ameaçasdeperseguição,

promessas,enfim,numasópalavra:dacorrupção.

Transcorridasaseleições,aindaoeleitorquehouvesseobedecido

estritamenteàssuasconvicçõesmaisprofundas,estariaexpostoà

violênciaouàsretaliaçõesdoadversárioquegalgaraopoder.

Compulsandoestatísticaprussiana,autoresfrancesesmostram

que,em1903,umaeleiçãopeloescrutíniopúblico,naPrússia,resultou

emelevadíssimaabstenção,superiora70%doeleitorado.Econcluem

que,apertadoentresuasconvicçõeseseusinteresses,oeleitorresolve

esseproblemadeconsciêncianãosaindodecasaparavotar.14

Quemviucomtodaaclarezaerealismoanecessidade

indeclináveldeadotar-seovotosecretofoiEmileOlivier,emsuaobra

sobreoImpérioliberalfrancês,aoescrever:“Semdúvida,nateoria

Page 496: Ciência Política - Archive

abstrataseriadesejávelquecadaqualviesselivremente,empresença

detodos,exprimirsuaopiniãosobreosnegóciosdopaís:ovoto

ganhariaemmoralidadeporqueganhariaemresponsabilidadee

coragem.Masquandoseorganizamasinstituições,faz-semisternão

esquecerquesedestinamaumamultidãodehomensmedíocres,

covardes,dependentesporcaráteroutímidosporposição...Em

resumo,quemdizdemocraciadizvotosecreto.Ovotopúblicoéum

instrumentumregni,emproveitodosdespotismosedasaristocracias.

SallustoconsultadoporCésarsobreosmeiosdesalvaraRepública

romana,punhaemprimeirolugarovotosecreto,votumperlibellum”.15

Afavordovotopúblicomanifestaram-senadoutrinapensadores

eestadistasdaestirpedeCícero,Montesquieu,StuartMilleBismarck.

Montesquieuchegouaafirmarqueovotopúblico“deveserconsiderado

comoumaleifundamentaldademocracia”.16

Todosospropugnadoresdessesufrágioentendemqueaodeclarar

abertamentesuaopinião,exerceoeleitorumatodecoragemcívica,faz

umademonstraçãode“fidelidadeàsconvicções”de“firmezadecaráter”,

deseriedadeeresponsabilidade.Emsuma,crescemoralmente.

Vedeieoutrossãoporémdopontodevistadequeademocraciaé

ogovernodetodos,ogovernodasmassas,ogovernoatémesmodos

tímidosenãosomentedos“corajosos”.Comosufrágiopúblicoaquela

Page 497: Ciência Política - Archive

apregoada“coragemcívica”acabariasendoacoragemdaminoria

economicamentepoderosa,emcondiçõesdedar-seao“luxo”dovotoa

descoberto.Osufrágiopúblicoapareceportantocomoexpedientesocial

denaturezaconservadora,instrumentodecoaçãoeconômica,aparelho

dehegemoniadeclasse.17

9.Sufrágioigualesufrágioplural

Nosufrágioigual,temosaconsagraçãodaqueleprincípio

democráticoqueseexprimepelafórmula“umhomem,umvoto”.A

democraciadosufrágiouniversal,emtodasasConstituiçõesmodernas

erecentes,tendeirresistivelmenteparaessaformadeigualdadede

direitonaparticipaçãoeleitoral.

Emnomeporémdeumaigualdadedefato,verificaram-se

aplicaçõeshistóricasdochamadosufrágiopluraloureforçado,quena

verdadeseinspirouemtendênciasdetodoantidemocráticasejánão

ofereceaestaalturasenãointeressemeramentepassageiro,deâmbito

doutrinário.

Medianteosufrágiopluralpodeoeleitoracumularváriosvotos

numamesmacircunscriçãoouvotarmaisdeumavezemdistintas

circunscriçõesoucolégioseleitorais.

Osufrágiopluralresultadequalificaçõesvariáveis,conferidas

pelariqueza,idade,graudeinstrução,família,etc.

Page 498: Ciência Política - Archive

Asaplicaçõesmaiscélebresdesufrágiopluralocorreramna

BélgicaenaInglaterra.Aleieleitoraldefinsdoséculopassadoque

instituiunaBélgicaosufrágiouniversalfê-loemcombinaçãocomo

votoplural,numcompromissodesocialistaseconservadores.Cinco

votoserampossíveisemrazãodaidade,dafamília,dapropriedade

imobiliária,dapercepçãodeumapequenarendaestataledonívelde

capacidadeintelectual,atestadopelapossedetítulosuniversitários.

Dessesvotos,oeleitorsópodiaacumularnomáximotrês,demodoque

essalimitaçãoatenuava,segundoLaferrière,ocaráteranti-democrático

dainstituição,determinando,emdiversasáreaseleitorais,sensívele

paradoxalfavorecimentodossocialistas.

10.Modalidadesdesufrágioplural

10.1Sufrágiomúltiplo

Osufrágioquepermitiaaoeleitoracumularváriosvotos

exercendoodireitodeparticipaçãoemmaisdeumcolégioeleitoralteve

largaaplicaçãonaInglaterra.Tomouessamodalidadedevotopluralo

nomedesufrágiomúltiploefoiseveramentegolpeadanaquelepaíscom

areformaeleitoralde1918.

Donovoestatutoresultouaaboliçãodeinumeráveis“franquias

eleitorais”,queasreformasanterioreshaviamdeixadointactasouaté

mesmoampliadoequeconsentiamaoeleitoroexercíciododireitode

Page 499: Ciência Política - Archive

votoemmaisdeumacircunscrição.

Duaslimitaçõesseimpuseramentãoaosistema:umadedireito,

outradefato,conformeobservamBarthélemyeDuez.Pelaprimeira,

ninguémpodiavotarnumaeleiçãogeralparaaCâmaradosComunsem

maisdeduascircunscrições.Pelasegunda,aseleiçõesgeraisemtodoo

ReinoUnidoforamfixadasparaomesmodia,demodoqueoeleitorjá

nãopodiaexerceraduplafaculdadedesufrágioemcolégiosafastados.

Masfoiem1948,comareformaeleitoraltrabalhista,queo

colégio

múltiplo

se

extinguiu

definitivamente

na

Inglaterra,

desaparecendoasúltimasfranquiasrelativasaovotoadicionaldos

titularesdeumgrauacadêmicoconferidopordeterminadas

universidadesinglesas,queatéentãoconstituíamcolégioseleitorais

independentes.

10.2Sufrágiofamiliar

Outraformadesufrágiopluraléochamadosufrágiofamiliar,

Page 500: Ciência Política - Archive

praticadodurantealgumtemponaBélgica(1893-1920),equeaindaem

nossosdiascontacomfervorososadeptos.

Invoca-seafavordessesufrágioosseguintesargumentos:a)

“fortaleceopodereleitoraldasfamíliasnumerosas”;b)estimulao

crescimentopopulacional;c)servedeprêmioourecompensaaospais

defamília;d)proporcionaarepresentaçãodosfilhosmenores,

introduzindoassimaverdadeirafórmuladosufrágiouniversalintegral:

umavida,umvoto;e)concedeparticipaçãomaioràquelesqueseacham

investidosderesponsabilidadesocialmaisamplaequesão

conseqüentementeosmaisinteressadosnaboaconduçãodosnegócios

públicos,comoéocasodochefedefamília;f)atribuimerecida

importânciaàfamíliacomogruposocial,célulabásicadasociedade,em

consonânciaaliás,segundoBarthélemyeDuez,comopensamentodo

AbadeLemière,quandoafirmavaque“ovotodetodocidadãomaioréo

direitodafamília,ovotodetodopaiquetenhapelomenosquatrofilhos

éodireitodaraça”.18

Osmovimentospolíticosdecaráterdireitistaeconservador

sempresemostraramentusiastasdosufrágiofamiliar,quetodavia

esbarrounaoposiçãodefortesargumentosdascorrentesdemocráticas

maisradicais.

Essesargumentos,entreoutros,seresumemnaobservaçãode

Page 501: Ciência Política - Archive

quenãocabedarumvotosuplementaràfamília,semrecompensar

tambémoagricultor,oindustrial,ocomerciante,ohomemdasdemais

classes,namedidaemqueestesrepresentamigualmenteforçassociais

ponderáveis;ademaisosufrágioexistecomoopiniãoenãocomo

instrumentodeumaexistência,adofilhomenor,incapazdeemitir

vontadeprópria.

11.Sufrágiodiretoesufrágioindireto

Osufrágioédiretoquandooseleitores,semintermediáriosfazem,

demodopessoaleimediato,adesignaçãoderepresentantesou

governantes.

Éindiretoquandorecaiaescolhasobredelegadosou

intermediários,incumbidosdeprocederàeleiçãodefinitiva.Esses

delegadosrecebemtambémadenominaçãode“compromissários”,

eleitoresdesegundograu,eleitoressecundários,eleitorespresidenciais,

senatoriais,etc,conforme,nesteúltimocasoonomedosmagistradosa

seremprovidosnoexercíciodafunçãopública.Podeosufrágioeleitoral

todaviacomportarmaisdedoisgraus,deacordocomonúmerode

intervençõeseleitoraisquesejamnecessáriasàescolhadefinitiva.

Aeleiçãoindiretanãoédosmétodosquemaissecoadunamcom

oprincípiodemocráticodosufrágiouniversal.Estáemdeclíniona

legislaçãoeleitoraldetodosospaíses,ondeademocraciaseexpande

Page 502: Ciência Política - Archive

paraformasplenamenteigualitáriasdeparticipaçãopolítica.

Teveosufrágioindiretocorifeusilustres.TaineeTocqueville

recomendaram-nocomentusiasmo.Emproldessesufrágiocitam-seos

seguintesargumentos:a)osgrausinterpostosoperamcomofiltros,de

modoqueoseleitoressecundários—elesmesmosjáumaelite—ficam

emcondiçõesdesufragarouselecionarosmaiscapazesecompetentes;

b)atuaosufrágioindiretocomoforçamoderadora,enfreandoaspaixões

políticas,abrindoespaçoàreflexão,ensejandoaprudênciadas

designações.

Osqueexpõemtaisfundamentosderazãoparapreconizara

eleiçãoindiretanãorarosemostramdeslembradosdequeas

assembléias-parlamentaresmaisviolentasqueahistóriapolítica

conheceu—aAssembléiaLegislativaeaConvençãofrancesas—

procediamdosufrágioindireto.

Seasvantagenspoissãopoucas,osinconvenientessãomuitos,

quantoaessaformadesufrágio.Cumpreadvertir,entreoutros,os

seguintes:a)seucarátermanifestamentemenosdemocráticoqueo

sufrágiodireto,porquantoopoderdedecisãodamassasufragantese

transfereinteiroparaocorpoeleitoralintermediário,cujainfluência

tomaassimproporçãomáxima;b)osufrágioindiretonãoraroé

empregadocomomeioderesistênciaaosufrágiouniversal(Duverger);c)

Page 503: Ciência Política - Archive

ocolégioeleitoraldesegundograuemvirtudedoreduzidovolumede

suacomposição,ficamaisexpostoàspressõesdecimaeàcorrupção

pelosgovernantesoupelosgruposeconômicos;d)emsuma,osufrágio

indiretopodeconverter-seemfatordepesadasabstençõesentreo

eleitoradodeprimeirograu,desinteressadonaseleiçõesportera

impressãodequeseuvotopoucaounenhumainfluênciaterá

relativamenteàdesignaçãofinaldosrepresentantes.

Osufrágioindiretofoicorrentenoscomeçosdademocracia

liberal.AhistóriaconstitucionaldeFrançamostraessaverdade.Ali,o

regimeeleitoralindiretoprevaleceunoperíodoquevaidaConstituição

de1791atéaquedadasinstituiçõesdoPrimeiroImpério,semembargo

daexceçãorepresentadapelaConstituiçãomontanhesade24dejunho

de1793.OcorreporémqueessaConstituiçãojamaisseaplicou.Da

Restauraçãoaosnossosdias,istoé,desde1817,conheceuepraticoua

Françasomenteosufrágiodireto,malograndotodasastentativasque

sefizeramparareimplantarosistemadeeleiçãoindireta(Barthélemye

Duez).

Contemporaneamente,subsisteaindaoempregodosufrágio

indiretoemalgunsEstadosparaaconstituiçãodaCâmaraAlta,

nomeadamentenaquelespaísesorganizadossobaformafederativa.

Aplicação

Page 504: Ciência Política - Archive

do

sufrágio

indireto,

destituída

de

caráter

representativo,masemperfeitoacordocomoregimeprofundamente

democráticodosufrágiouniversal,éaquelaqueseverificanaeleiçãodo

Presidentenorte-americano,naqualeleitorespresidenciaisdesegundo

grauexercemapenasummandatoimperativo.Osufrágioindiretounido

assimaosufrágiouniversalconstituinocasoamericanoaquiloque

Duverger,comtodaprocedência,denominadeurna“complicação

inútil”.19

12.Aparticipaçãodoanalfabeto

Excluindooanalfabetodeintervençãonoatopolítico,nãofoi

sensívelaConstituiçãode1967,nemsuaEmenda,aalguns

movimentosdeopiniãoesboçadosdesdeosúltimosvinteanos,emfavor

dessaparticipação.MuitomenosoforaoProjetodaComissãode

Juristas.ComaConstituiçãode1988fez-se,porém,facultativoovoto

doanalfabeto(artigo14,§1ª,II,“a”).

Comefeito,tem-sealegado,emabonodaextensãodaquela

Page 505: Ciência Política - Archive

franquiapolíticaàscamadasiletradasdenossasociedadeentreoutros,

osseguintesargumentos:acoerênciadosistemademocráticocoma

naturezadosufrágiouniversal;atributaçãodoanalfabeto,quecumpre

deveresaquenãocorrespondemdireitos,ficandoassimprivadodevoz

nodebateenaaprovaçãodoônustributário,e,porfim,acontradição

observada,principalmentenospaísessubdesenvolvidos,ondegoverno

democráticodeixadeserlogicamenteoquesempredeveraser:governo

damaioria,vistoqueaminoriaparticipante,investidadetitularidade

política,queatransformaemsujeitoenãoapenasobjetodaordem

jurídicaestabelecida,contrastadeformaesmagadoracomamaioria

excluídadoexercíciodasoberania,maioriacompostaporlegiõesde

analfabetos,detodoopontomarginalizadosdavidapolítica.

Osanalfabetosdademocraciacontemporânea,noséculodas

massas,sãoparaospaísessubdesenvolvidosoqueforamparaacidade

gregaosescravosdoséculodePéricles.Ademocraciaateniense,

amparada,então,pelobraçoservil,chegavaaoapogeudeseu

desenvolvimento,tomandopordogmadaliberdadepolíticaoprincípio

maisaltoeparadoxaldaparticipação,enoentantoexcluíaapopulação

escrava.

Doladodosqueargumentamcontraovotodoanalfabeto,as

razõesordinariamenteinvocadasseprendemàquebradesigilodo

Page 506: Ciência Política - Archive

sufrágioqueaquelaparticipaçãoviriaacarretar,bemcomoà

sustentaçãodequeademocracia,emseuestritoteorpolítico,nãoé

apenasquantidade,masqualidade.Daíoimpedimentolegalse

transformar,vantajosamente,numfatordestinadoacontribuirde

maneiraindiretamaseficazaodesenvolvimentodainstruçãopopular,

peloestímuloquerepresentanocombateaoanalfabetismo.

DentreosquenoBrasiltêmesposadooprimeiroargumento,

contrárioàingerênciapolíticadosanalfabetosnavidadasinstituições,

figuraoMinistroEdgardCosta,cujoscomentáriosàlegislaçãovigente

sobreamatériaseachamenriquecidospelaexperiênciaeobservação

acumuladosnoexercíciodamaisaltamagistraturaeleitoral.Segundo

EdgardCosta,oanalfabetodesatendeaoprincipalrequisitodovotoque

éosigilo,sendoesteacondiçãodesualiberdade.Emconseqüência,o

sufrágiodoanalfabetoabreumabrechairreparávelnoprincípioda

liberdadedovoto.

Quantoaoargumentoquegiraaoredordadialéticaqualidade-

quantidadenãorestadúvidaqueoprincípiodemocráticoenvolveda

partedocolégioeleitoralumacompreensãopolíticamaisapurada,difícil

deformar-senoseiodamultidãoespessaeignara.Daípesarmaisem

favordobommecanismoinstitucionaldogovernodemocrático,como

governodelivremanifestaçãodavontadepopular,oprincípio

Page 507: Ciência Política - Archive

qualitativodoqueoprincípioquantitativo.

Nãotemosufrágiouniversalamesmasignificaçãoparadistintos

povosqueoempregamcomoexpressãodopoderdemocrático.

NaEuropa,oEstadomodernosomenteoconsagrouapósum

séculodeiniciaçãodemocrática.Sabe-sedalentidãoemaishesitações

comqueomaisrefinadosistemadedemocraciaocidental,oda

Inglaterra,veioaadotá-lo.Ali,suaimplantaçãosefezatravésde

progressãocautelosa,explicávelpelogênioperseverantedapopulação

insular,desafeiçoadaainovaçõessúbitas,quepudessemcomprometer

ouabalaraharmoniaeoequilíbriodeinstituiçõesalicerçadasno

tempo,natradiçãoenocostume.

Jáospaísescontinentaissemostravammaisarrojadosem

conduzirademocraciapolíticaaosufrágiouniversal,seucorolário

derradeiro.Masaí,ahistóriapolíticaregistramomentosoufasesde

instabilidade,decorrentesdacongestãoeantagonismodeinteresses

dasclassesrecém-chamadasàparticipação.Sepaísesdesenvolvidos

tiveramquearrostarosefeitosdecomoçõesdecorrentesdaampliação

dosquadrospolíticos,traduzidasnumaacomodaçãomaisdelicadae

penosadosinteressessociaisemjogo,reflita-senadificuldade

crescentedeaberturadaparticipaçãopelosufrágiouniversal,nos

paísessubdesenvolvidosondeavontadedoEstadohajadeformar-se,

Page 508: Ciência Política - Archive

legitimamente,menospelaimposiçãounilateraldegruposdominantese

usurpadores,comosóiacontecer,doquepelasomadevontades

manifestadascomliberdadeportodasascorrentessociaisedeopinião.

Convocadosàcenapolítica,osefetivossufragantesdapopulação

analfabeta,empercentuaiscaudalosos,acabariamimpondoa

quantidadeàqualidade.Nenhumagarantiaouanteparorealse

ofereceriacontraapossível“instrumentalização”deseuacessoà

soberania,porpartedosquejáseachassemnoPoder,oudosque,

acasteladosnaforçadosmeiosmateriaisdecorrupção,sedispusessem,

comoemgeralsedispõem,acontaminarpelasuainfluênciaoveredicto

dasurnas,corrompendomedularmenteocaráterrepresentativodas

instituiçõesdemocráticas.

Sãotantososriscosdessealargamentodocolégioeleitoral,

minadopelascontradiçõesevíciosdapráticapolíticanospovosdo

mundosubdesenvolvido,ondeademocraciademassasandaquase

sempredecapitadaouflageladapelasediçãodosquartéisepela

ditaduradosgruposeconômicosestrangeiros,quenenhumavantagem

trariaàfirmezaouaperfeiçoamentodasinstituiçõesaquelaparticipação

dasmassaseleitoraisanalfabetas.Eliminandocomsuapresençauma

contradiçãoteórica,gerariamelasporoutroladonavidados

organismospolíticosesociaiscontradiçõesmuitomaissériaseagudas.

Page 509: Ciência Política - Archive

Ademocracia,noentanto,nãodevepararnumaconcepção

estáticaeantidialéticadosufrágiouniversal.Dessesufrágio,as

mulheresjáforamoutroraexcluídasenadaobstaaquefiqueelesujeito

defuturoanovasampliações,diminuindo-sesensivelmenteaáreade

exclusões.Estasnãosãodeordemparticular,masdeordemgenérica.

Docontrário,nenhumtraçoreconhecíveldistinguiriaosufrágio

universaldosufrágiorestrito,feitoestesimdediscriminações

equivalentesaprivilégios.

Aprimeirainclusãogradativadoanalfabeto,promovida

vitoriosamenteaRevoluçãoIndustrial,seria,paraatendimentode

escrúpulosteóricos,oacessoaospleitosmunicipais.Estado

desenvolvidopressupõeumabaixaextraordinárianadensidadeda

populaçãoanalfabeta.Pesandomenospoliticamenteeparticipandode

maneiraativadoprocessoeleitoral,justamenteondeseusinteresses

têmmaisdensidadeepresença,sãomaispróximosouimediatos,como

naáreadopoderlocal,oanalfabeto,pelasuamilitâncianasurnas,

estariaremovendoopesadelodoutrináriodosquenãocondescendem

emconceberumademocraciaondeaparticipaçãodeixedecoincidir

comaquantidade.

Masentendemos,comKelsen,queademocraciaéprogressãoou

caminhadaparaaliberdadeequeaextensãodosufrágioaoanalfabeto,

Page 510: Ciência Política - Archive

játentadaumaveznoBrasil,em1964,poriniciativaoficialrejeitada

peloCongresso,longedecoadjuvarasoluçãodoproblemada

democraciademassasemPaíssubdesenvolvido,viria,aocontrário,

estorvararecuperaçãodemocráticaeprecipitartalvezodesenlacedas

estruturasconstitucionais.Seademocraciaé,comefeito,aquelaescola

deformaçãopolíticaaquealudimos,diríamosmelhor,de

aperfeiçoamentopolítico,urgemantê-lanostermosatuaisdosufrágio

universal,semambiçõesquearealidadenãoautorizanemcomporta,

poisnormalmentenãosecumpriusequeroestímuloàalfabetização,

quefiguravanaspromessasdaquelaexclusãolegal.

1.Barnave,apudMauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.

Page 511: Ciência Política - Archive

84.2.JosephBarthélemyePaulDuez,TraitédeDroitConstitutionnel,p.292.

3.A.Esmein,ÉlémentsdeDroitConstitutionnelFrançaisetComparé,7ªed.,t.1,p.

Page 512: Ciência Política - Archive

355.4.BiscarettidiRuffia,DirittoCostituzionale,5ªed.,p.253.

5.Idem,ibidem,p.254.

6.BiscarettidiRuffia,ob.cit.,pp.252-253.

7.BiscarettidiRuffia,ob.cit.,p.254.

8.JulienLaferrière,ManueldeDroitConstitutionnel,2ªed.,p.466.

9.MarcelPrélot,InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,p.591.

10.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,pp.88-89.

11.Laveleye,apudJorgeXifraHeras,CursodeDerechoConstitucional,2ªed.,t.I,p.

Page 513: Ciência Política - Archive

431.12.J.Laferrière,ob.cit.,p.511.

13.JosephBarthélemy&PaulDuez,ob.cit.,p.308.

14.JosephBarthélemy,&PaulDuez,ibidem,p.308.

15.EmileOlivier,EmpireLibéral,t.VII,p.631,apudBarthélemyeDuez,Traitéde

Constitutionnel,pp.416-417.

16.Montesquieu,ob.cit.,Liv.2,cap.2.

17.ConstantinoMortal,IstituzionidiDirittoPubblico,2ªed.,p.208eGeorgesVedel,

CoursdeDroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.675.

18.Lemière,apudBarthélemy&Duez,ob.cit.,p.336.

19.MauriceDuverger,ob.cit.,p.94.

17

OSSISTEMASELEITORAIS

1.Daimportânciadossistemaseleitorais—2.Osistema

majoritárioderepresentação—3.Asvantagensdosistema

majoritário—4.Osinconvenientesdosistemamajoritário—5.O

sistemaderepresentaçãoproporcional—6.Efeitospositivosda

representaçãoproporcional—7.Efeitosnegativosdarepresentação

proporcional—8.Problemasdarepresentaçãoproporcional:a

Page 514: Ciência Política - Archive

determinaçãodonúmerodecandidatoseleitos(sistemasadotados)

—9.Oproblemadas“sobras”eleitoraiseosmétodosempregados

pararesolvê-lo—10.Oproblemadaeleiçãodoscandidatosnas

listaspartidárias—11.As“cláusulasdebloqueio”(Sperrklauseln)

eaameaçarepressivaquepesasobreospequenospartidos—12.

Osistemaeleitoralbrasileiro:princípiomajoritárioeprincípioda

representaçãoproporcional.

1.Daimportânciadossistemaseleitorais

Osistemaeleitoraladotadonumpaíspodeexercer—eem

verdadeexerce—considerávelinfluxosobreaformadegoverno,a

organizaçãopartidáriaeaestruturaparlamentar,refletindoatécerto

pontoaíndoledasinstituiçõeseaorientaçãopolíticadoregime.A

sociologiateminvestigadocomdesvelooefeitodastécnicaseleitoraise

deduzidoaesserespeitoimportantesconclusões,conformesetratedo

emprego

da

representação

majoritária

ou

da

representação

Page 515: Ciência Política - Archive

proporcional.

Vejamosessasduasmodalidadesbásicasdesistemaseleitoraise

apeculiaridadedasconseqüênciasquesuautilizaçãotemproduzido

nasformasdemocráticasdoOcidente.

2.Osistemamajoritárioderepresentação

Éomaisantigo.Tecnicamenteconsistenarepartiçãodoterritório

eleitoralemtantascircunscriçõeseleitoraisquantossãooslugaresou

mandatosapreencher.Ofereceosistemaduasvariantesprincipais.

Pelaprimeira—aquelaadotadanaInglaterra—aeleição

majoritáriasefazmedianteescrutíniodeumsóturno,sendoeleitona

circunscriçãoocandidatoqueobtivermaiornúmerodevotos.Aquia

maioriasimplesourelativaésuficienteparaalguémeleger-se.

Pelasegunda,temosoescrutíniodedoisturnos.Casonenhum

candidatohajaobtidomaioriaabsoluta(maisdametadedossufrágios

expressos)apela-separaumsegundoturnooueleiçãodecisiva—a

ballotagedosfrancesesouStichwahldosalemães—eaídentreos

candidatosconcorrenteseleger-se-áaquelequeobtivermaiornúmero

devotos(maioriasimplesourelativa).Foiosistemapraticadono

ImpérioAlemãoaté1918,aindahojevigentenaFrança.

Osistemamajoritáriodemaioriasimples(típicodaInglaterrae

dosEstadosUnidos)conduzemgeralaobipartidarismoeàformação

Page 516: Ciência Política - Archive

fácildeumgoverno,emvirtudedamaioriabásicaalcançadapela

legendavitoriosa.“Aovencedor,asbatatas”podeserditodessesistema

ondeasminoriastêmremotíssimoouquasenenhumensejode

representação.

3.Asvantagensdosistemamajoritário

Asvantagensproporcionadaspeloescrutíniomajoritáriopuroe

simplesseresumemnosseguintespontos:

Produzgovernosestáveis.

Evitaapulverizaçãopartidária.

Criaentreosdoisgrandespartidosumeleitoradoflutuante,que

servede“fieldebalança”paraavitóriaeleitoralnecessáriaàformação

damaioriaparlamentar.

Favoreceafunçãodemocrática,quandofazcomnitidezemergir

daseleiçõesumpartidovitoriosoaptoagovernarpelamaioria

parlamentardequedispõe.

Permitedeterminarfacilmente,graçasàsimplicidadedosistema,

onúmerodecandidatoseleitos.

Aproximaoeleitordocandidato.Oprimeirovotamaisnapessoa

deste,emsuasqualidadespolíticas(apersonalidadeouacapacidadede

bemrepresentaroeleitorado)doquenopartidoounaideologia.

Colocaorepresentantenumadependênciamaiordoeleitordoque

Page 517: Ciência Política - Archive

dopartido.

AfastadoParlamentoosgruposdeinteresses,quenãotêm

oportunidadedeorganizar-seouinstitucionalizar-sesobaforma

partidáriaeacabamintegradosnoseiodasduasprincipais

agremiações.

Utiliza

as

eleições

esporádicas,

para

substituição

de

representantes,comoinstrumentoeficazdesondagemdastendências

doeleitorado.

Emprestaenfimàlutaeleitoralcarátercompetitivoedomesmo

passoeducacional.Oeleitornãovotanumaidéiaounumpartido,em

termosabstratos,masempessoascomrespostasousoluçõesobjetivas

aproblemasconcretosdegoverno.

4.Osinconvenientesdosistemamajoritário

Noentantoofereceosistemaseusinconvenientes.Apontamos

críticos,entreoutrasdesvantagens,asseguintes:

Page 518: Ciência Política - Archive

Podeconduziraogoverno,commaiorianoparlamento,um

partidoquesaiuvitoriosodaseleiçõessemcontudohaverobtidono

paísumaquantidadesuperiordevotos.Hajavistaoquesepassouem

1951naseleiçõesgeraisdaInglaterra,pararenovaçãodoParlamento,

quandoostrabalhistaslograram13milhõesenovecentosmilsufrágios

esóelegeram295deputadosàCâmaradasComuns,enquantoos

conservadorescom13milhõesesetecentosmilvotos—duzentosmila

menosemtodoopaís—elegeram320deputados,correspondentesàs

320circunscriçõesdeondeemergiramvitoriosos.1

Pesatambémcomodefeitogravedosistemamajoritárioa

influênciapositivaounegativaquepoderáterparaospartidosocritério

adotadonarepartiçãodopaísemcircunscriçõeseleitorais,emvirtude

dostatussocialeeconômicocorrespondenteaoeleitoradodessas

circunscrições.Arepartiçãopodeeventualmenteserinspirada,

manipuladaoupatrocinadaporgruposempenhadosnaobtençãode

determinadosresultadoseleitorais,favoráveisaosseusinteresses.Ea

chamada“geometriaeleitoral”queàsvezescaracterizaapráticado

sistemaenãorarodeformaarepresentaçãodavontadedoeleitorado.

Aeventualfaltaderepresentatividadedeumcandidatoeleito,em

relaçãoàtotalidadedoeleitorado.Suponhamostrêscandidatosnuma

circunscrição,ondeocandidatoAobteve17.500votos,ocandidatoB

Page 519: Ciência Política - Archive

17.000votoseocandidatoC15.500votos.Elegeu-seocandidatoA

compoucomaisdeumterçodosvotoseacircunscriçãode50.000

eleitoresserárepresentadaporumcandidatovitoriosocomapenas

17.500votosdaqueletotal.Veja-seportantooparadoxo:cercadedois

terçosdoeleitoradopostosàmargem,comseussufrágiosreduzidosà

impotência!

Adecepçãocausadaaconsideráveisparcelasdoeleitorado,cujos

sufrágiossãoatiradosà“cestadepapel”,semeficáciarepresentativa.

Produz-sedestartenoânimodoeleitorumsentimentodefrustração.

Apresençadecircunscriçõessegurasondeumpartidode

antemãocontajácomavitória“certa”.Odesânimoeoentorpecimento

cívicoamolecemoeleitorado.Amaioriasabequeganhaequenão

precisadelutar.Aminoria,porsuavez,ficaindiferenteeporigual

apática,vistoquenãotempossibilidadesdefazer-serepresentar.

Finalmente,coroandoasériedeargumentosquedesaconselham

osistema,aponta-separaausênciaou,namelhordashipóteses,paraa

consideráveldificuldadederepresentaçãodascorrentesminoritáriasde

opinião.Nessesistema,asminoriasemgeralnuncachegamaogoverno.

Quasenãohálugarparaospequenospartidos.Estes,salvoraríssimas

exceções,jamaislogramumafatiadeparticipaçãonopoder.

Quantoaosistemamajoritáriodedoisturnos(maioriaabsoluta

Page 520: Ciência Política - Archive

noprimeiroturnoemaioriasimplesnosegundo),ainvestigação

sociológicademonstraqueeleengendraamultiplicaçãodepartidos,

numquadro,segundoDuverger,“demultipartidismotemperadopor

alianças”.AdotadonaFrançaduranteextensoperíododaTerceira

República,tevealiconseqüênciasdeploráveis,debilitandoaoextremoo

funcionamentodogovernoepondoemrisco,pelaexcessiva

pulverizaçãopartidáriaeinstabilidadepolíticadaídecorrente,as

própriasinstituiçõesdemocráticas.

5.Osistemaderepresentaçãoproporcional

Igualmentechamadosistemaderepresentaçãodasopiniões,vem

sendoadotadoporváriospaísesdesdeaprimeirametadedesteséculo.

Arepresentaçãoproporcional,segundoPrélot,“temporobjeto

asseguraràsdiversasopiniões,entreasquaisserepartemoseleitores,

umnúmerodelugaresproporcionalàssuasrespectivasforças”2ouno

dizertambémclarodeJeanneaué“osistemaemqueoslugaresa

preenchersãorepartidosentreaslistasdisputantesproporcionalmente

aonúmerodevotosquehajamobtido”.3

Esseprincípio,cujaracionalidadetemsidocomtantafreqüência

louvada,traçacomefeitoumquadrológicoecoerentedasopiniões.

Servedeespelhoemapapolíticoaoreconhecimentodasforças

distribuídaspelocorpodanação.Nospaísesqueoaplicamemtodaa

Page 521: Ciência Política - Archive

plenitude,nãohácorrentedeopinião,porminoritáriaqueseja,quenão

tenhapossibilidadeeventualderepresentar-senolegislativoeassim

concorrer,namedidadesuasforçasedeseuprestígio,paraaformação

davontadeoficial.Emsuma,sobesseaspecto,trata-sedeumsistema

eleitoralquepermiteaoeleitorsentiraforçadovotoesaberdeantemão

desuaeficácia,porquantotodaavontadedoeleitoradosefaz

representarproporcionalmenteaonúmerodesufrágios.

FoiaBélgicaoprimeiropaísqueadotouoprincípioda

representaçãoproporcional.Daliseirradiouparaospaíses

escandinavos(Suécia,NoruegaeDinamarca),bemcomoparaa

Holanda,ItáliaeAlemanhaeváriosoutrospaíseseuropeuselatino-

americanos.

HátambémEstadosqueoempregamsobformamista,

combinando-oemseussistemaseleitoraiscomoprincípiomajoritário.

ÉocasocélebredaAlemanha.

6.Efeitospositivosdarepresentaçãoproporcional

Encarece-seemgeraloprincípiodejustiçaquepresideaosistema

derepresentaçãoproporcional.Alitodovotopossuiigualparcelade

eficáciaenenhumeleitorserárepresentadoporumdeputadoemque

nãohajavotado.Étambémosistemaqueconfereàsminoriasigual

ensejoderepresentaçãodeacordocomsuaforçaquantitativa.Constitui

Page 522: Ciência Política - Archive

esteúltimoaspectoaltopenhordeproteçãoedefesaqueosistema

proporciona

aos

grupos

minoritários,

cuja

representação

fica

desatendidapelosistemamajoritário.

Sendoporsuanatureza,cornosevê,sistemaabertoeflexível,ele

favorece,eatécertopontoestimula,afundaçãodenovospartidos,

acentuandodessemodoopluralismopolíticodademocraciapartidária.

Tornaporconseguinteavidapolíticamaisdinâmicaeabreàcirculação

dasidéiasedasopiniõesnovoscondutosqueimpedemumarápidae

eventualesclerosedosistemapartidário,talcomoaconteceondese

adotaosistemaeleitoralmajoritário,determinantedarigidez

bipartidária.

A

presença

política

de

Page 523: Ciência Política - Archive

correntes

ideológicas,

sua

institucionalizaçãonormalempartidoscomacessoaoparlamento

ocorrecommaisfacilidadepelarepresentaçãoproporcional.Através

delaserefleteaperfeitadiferenciaçãodosgruposideológicos,todos

absorvidospelaatividadepolíticaordinária.Evita-seassima

clandestinidadeouapressãoexteriornocivaquetaisgrupos,se

excluídos,comandariamcontraascasaslegislativas,nelasse

infiltrandoporoutrasvias.

Aumentatambémarepresentaçãoproporcionalainfluênciados

partidosnaescolhadoscandidatos,abrindoaslistaspartidárias,

quandonecessário,paraacolhereelegercertaspersonalidadesou

certostécnicos,destituídosdeclientelaeleitoral,mascujainvestiduraé

deinteressepartidário.

Enfim,osistemaproporcionalpermitedemodoadequadoa

representaçãodosgruposdeinteresseseofereceentãoumquadro

políticomaisautênticoemaiscompatíveltalvezcomarealidadecontida

nopluralismodemocráticodasociedadeocidentaldenossotempo.

7.Efeitosnegativosdarepresentaçãoproporcional

Aexperiênciahavidacomaaplicaçãodarepresentação

Page 524: Ciência Política - Archive

proporcionalemmaisdecinqüentaanoseemdiversospaísespatenteia,

porém,gravesinconvenientesouaspectosnegativosdessatécnica

representativa.

Umadasobjeçõesfeitasentendecomamultiplicidadedepartidos

queelaengendraedequeresultaafraquezaeinstabilidadedos

governos,sobretudonoparlamentarismo.Arepresentaçãoproporcional

ameaçadeesfacelamentoedesintegraçãoosistemapartidárioouenseja

uniõesesdrúxulasdepartidos—uniõesintrinsecamenteoportunistas

—quearrefecemnoeleitoradoosentimentodeconfiançana

legitimidadedarepresentação,burladapelasaliançasecoligaçõesde

partidos,cujosprogramasnãorarobrigamideologicamente.

Daocorrênciadessasaliançasdeduz-seoutrodefeitograveda

representaçãoproporcional:exageraemdemasiaaimportânciadas

pequenasagremiaçõespolíticas,concedendoagruposminoritários

excessivasomadeinfluênciaeminteirodesacordocomaforça

numéricadosseusefetivoseleitorais.Ofendeassimoprincípioda

justiçarepresentativa,quesealmejacomaadoçãodaquelatécnica,

fazendodepartidosinsignificantes“osdonosdopoder”,em

determinadascoligações.Équedeseuapoiodependeráacontinuidade

deumministérionoparlamentarismoouaconservaçãodamaioria

legislativanopresidencialismo.“Parlamentosingovernáveis”egovernos

Page 525: Ciência Política - Archive

instáveiscontam-sepoisentreosvíciosqueosistemaproduzequese

apontamemdesabonodesuaadoção.

Ademaisarepresentaçãoproporcionaltornacrepitantealuta

ideológicaemaisvisívelopenosocontrastedasociedadedeclasses.

Propiciaporconseqüênciaumdogmatismodeposiçõesquepoderápôr

emperigoaordemdemocrática,aocontráriodosistemamajoritário,

queensejaquasesempreaformaçãodedoispartidosapenas,eintegra

eabsorveasminoriasordinariamentepropensasacontestaçãoe

discrepância.

Atémesmoaquelasimplicidadequeseapregoanarepresentação

proporcional,pordefinircomclarezaasdistintascorrentesdeopinião,

parecesucumbiràcomplicaçãodastécnicasdecontagemeleitoral

destinadasàatribuiçãodascadeiras.Essacomplicaçãogera

retraimentoedesconfiançanoeleitoradoquandoseproclamamos

resultadosobtidos.

Osaspectosnegativosdarepresentaçãoproporcional,queé

simplesnaaparência,masobscuraecomplexanoâmago,foram

tambémjudiciosamenteassinaladosporVedei.Dizopublicistafrancês

comrespeitoaosgovernosoriundosdapráticadessesistemae

baseadosemcoligações,queseépossívelescolherproporcionalmente,

nãoépossívelporémdecidirsegundoanoçãodeproporcionalidade,

Page 526: Ciência Política - Archive

porquanto—acrescentaele—decide-sesempredeformamajoritária,

porissoouporaquilo,pelosimoupelonão.OucomodisseNaville:“a

maioriaéoprincípiodadecisão,aproporcionalidade,odaeleição”.

8.Problemasdarepresentaçãoproporcional:adeterminaçãodo

númerodecandidatoseleitos(sistemasadotados)

AfirmouMirabeauemfinsdoséculoXVIII:“Asassembléias

podemsercomparadasacartasgeográficas,quedevemreproduzir

todososelementosdopaís,comsuasproporções,semqueoselementos

maisconsideráveisfaçamdesaparecerosmenores”.Oescritortraçara

aíoprincípiodarepresentaçãoproporcional.Deaparênciatãosimples

elatodaviasecomplicaemsuaaplicação,porquantoabasesobrea

qualassentaéadefazerválidostodosossufrágios,nãodeixar“restos”

semeficácia,nãodartudoaovencedor,comonosistemamajoritário,

ondeoeleitoradovencido“perdeu”oseuvotoporquenãoelegeu

ninguém.

Arepresentaçãoproporcionalpodeporémapresentarum

problemade“sobras”quedificultaadeterminaçãoexatadonúmerode

candidatoseleitos.

Adeterminaçãodessenúmerosefazprimeiromedianteoemprego

dedoissistemas:odoquocienteeleitoraleodonúmerouniforme

(tambémchamadoquocientefixoounúmeroúnico).

Page 527: Ciência Política - Archive

Osistemadoquocienteeleitoralconsistenadivisãodonúmerode

votosválidosnacircunscrição(quocientelocal)ounopaís(quociente

nacional)pelodemandatosaseremconferidos.Ospartidoselegerão

tantosrepresentantesquantasvezesatotalidadedeseussufrágios

contenhaoquocienteeleitoral.

Osistemadonúmerouniforme,tambémconhecidopelonomede

sistemaautomático,doquocientefixooudonúmeroúnico,teveorigem

emBaden,naAlemanha,ebuscaantesdemaisnadaafiançarinteira

igualdadeentreoseleitos.Medianteessemétodo,aleieleitoral

estabelecedemaneirapréviaumquocientefixo(naAlemanha60.000

votosparaumalistapartidáriaelegerumdeputado)peloqualse

dividiráatotalidadedossufrágiosválidosrecebidosporumalegenda.

Determina-seentãoporesseprocessoonúmerodeeleitos

correspondentesacadarepresentaçãopartidária.Onúmerode

deputadosourepresentantesnãoéfixo.Variadecontínuoemfunção

daparticipaçãoeleitoraledoconstanteaumentodapopulação.O

sistemaautomáticotemsidoadotadonaAlemanha,verificando-se

duranteaRepúblicadeWeimaroseguinteaumentodonúmerode

deputados:em1920,259deputadoseem1933,647deputados.

9.Oproblemadas“sobras”eleitoraiseosmétodosempregados

pararesolvê-lo

Page 528: Ciência Política - Archive

Nãoimportaosistemaempregado,quersetratedoquociente

eleitoral,querdoquocientefixo,arepresentaçãoproporcionalpoderá

oferecersempreoproblemadas“sobras”,istoé,davotaçãopartidária

restante,quenãopôdeatingiroquocientenecessárioàeleiçãodeum

representante.Essesrestosnãosãodesprezadosvistoqueissoviria

contrariaroprincipalméritodaquelamodalidadederepresentação,a

saber,semprequepossível,nãodeixarvotosociososouperdidos.

Adotam-seemgeraldoismétodosprincipaisparaasoluçãodo

problema:odatransferênciadassobrasparaoplanonacionalouoda

repartiçãodassobrasnoplanodacircunscriçãoeleitoral.

Peloprimeirométodosomam-seassobrasquecadapartido

obteveemtodoopaís.Umpartidoelegerátantosrepresentantes

quantasvezesatotalidadedeseusrestoscontenhaonúmeroúnicoou

quocientefixo.Aobjeçãoquesefazaoempregodessecritérioéode

permitirquedeterminadopartido,somandoassuassobras,venhaa

elegerumrepresentantequehajaobtidovotaçõesinsignificantesem

cadacircunscrição.Noentanto,semelhantemétodoresguardao

princípiodejustiçadarepresentaçãoproporcional,atendendoaumade

suasvirtudesbásicas:aproteçãodosgrupospolíticosminoritários.

Osegundométodo—distribuiçãodassobrasnaesferadecada

circunscrição—seaplicaondehajaocorridooempregodosistemado

Page 529: Ciência Política - Archive

quocienteeleitoralecompreendetrêstécnicasmaisusuais:a)adas

maioressobras;b)adamaiormédia;ec)adodivisoreleitoral.

a)Atécnicadasmaioressobras.Consisteematribuiroslugares

nãopreenchidosàorganizaçãopartidáriaquehouverapresentadoa

maiorsobradevotosnãoutilizados.Suaadoçãofavorece

exageradamenteospequenospartidos.Umavezaplicadaessatécnica,

podeacontecerporexemploahipótesedeumpartido,comapenascem

ouduzentosvotosamaisdametadedototalobtidoporoutro,eleger

tantosrepresentantesquantoeste.Adeformaçãosetornaassim

manifesta,patenteandoainjustiçadatécnica,queétodaviadeemprego

fácilesimples.Seuentendimentopelopúbliconãoofereceproblemas.

b)Atécnicadamaiormédia.Aquiaoperaçãofavorávelsobretudo

aosgrandespartidosimplicaumadivisãosucessivadaquantidadede

votosquecadapartidoobtevepelonúmerodecadeirasporelejá

conseguida,maisuma(acadeirapendente),logrando-seassimuma

certamédia.Olugaraserpreenchidocaberáaopartidoquehajaobtido

amaiormédia.

c)Atécnicadodivisoreleitoral.Concebidapelomatemáticobelga

d’Hondt,em1882,estabeleceadivisãosucessivapor1,2,3,4,5,6,

etc,donúmerototaldesufrágiosquecadapartidorecebeu.Dessemodo

obtêm-sequocienteseleitorais,emordemdegrandezadecrescente,

Page 530: Ciência Política - Archive

atribuindo-secadamandatonãoconferidoaoquocientemaisalto

oriundodassucessivasoperaçõesdivisóriaslevadasacabo.

Avantagemdessesistemaconsisteemsolucionaraquestãodas

sobrasatravésdamesmaoperaçãomatemáticaempregadaparadara

conheceronúmeroexatodecandidatosquecadalegendaelegeu.

10.Oproblemadaeleiçãodoscandidatosnaslistaspartidárias

Osistemadarepresentaçãoproporcionalengendraoescrutíniode

lista,istoé,cadapartidoorganizaeregistraalistadeseuscandidatos,

queésubmetidaaosufrágiodoseleitores.Umainterrogaçãoporém

surgeaesserespeito:qualocandidatoeleito?Omaisvotadoouaquele

queencabeçaalista?

Quandosefranqueiaaoeleitorovotolivreemcandidatosdelistas

diferentes,declaram-seeleitosemcadalistaoscandidatosque

reuniremaoredordeseunomeamaisaltasomadevotos.

Quandoaslistasporémsão“bloqueadas”,obrigandooeleitora

votarporumalistacompleta,queelenãopodemodificar,elegem-se

sucessivamenteoscandidatosqueaencabeçam,segundoaordemde

apresentaçãofeitapelopartido.

Aindaocorrendoo“bloqueio”hácasosdealeieleitoral,em

determinadospaísesqueadotamosistemadarepresentação

proporcional,atenuarainflexibilidadedaordemdeapresentação,

Page 531: Ciência Política - Archive

instituindoochamadovotopreferencial,quedáaoeleitorliberdadede

alteraradisposiçãodoscandidatosnointeriordalista,demodoa

favoreceraquelesdesuapreferênciapessoal.Teruessatécnicaum

aspectopositivoqueafazrecomendável:dáaoeleitoroensejode

abrandarorigordovotopartidáriotãotípicodosistemade

representaçãoproporcionaleconciliá-locomovotonapersonalidadedo

candidato,semqueseverifiqueportantoquebradoslaçospartidários.

11.As“cláusulasdebloqueio”(Sperrklauseln)eaameaça

repressivaquepesasobreospequenospartidos

Umdostítulosmaisaltosqueosadeptosdosistemade

representaçãoproporcionalinvocavamparapreconizarseuempregoera

odaaberturadessesistemaàsminorias,cujapresençanascasas

legislativastimbravaemassegurar.

Deúltimo,porém,algunsEstadosjánãoadotamarepresentação

proporcionalpuraesimples,segundoseumodelofundamental,mas

tratamdecombiná-lacomosistemamajoritário,atravésdetécnicas

mistas.Ousimplesmenteintroduzem-lhecorretivosqueferemo

princípiodarepresentaçãominoritária,violandoaíndoleda

proporcionalidade.TalocorrenaAlemanhacomaschamadas

“cláusulasdebloqueio”(Sperrklauseln).

Essascláusulastêmvigêncianadistribuiçãodosmandatosentre

Page 532: Ciência Política - Archive

aslistasdasunidadesfederadas(Landeslisten),consistindonoseguinte:

opartidoquenãohajaobtidopelomenos5%dosvotosdoterritório

eleitoral(Prozentklausel)ouquenãotenhapodidoalcançarumacadeira

empelomenostrêscircunscriçõeseleitorais(Grundmandatklausel),não

lograrárepresentação.

Oempregodascláusulassefazsobopretextodetolhera

excessivafragmentaçãopartidáriaaqueseachamexpostosossistemas

departidosvinculadosaoprocessoeleitoraldarepresentação

proporcional.Noentanto—eéocasodaAlemanha—têmelas

funcionadosobretudocomoinstrumentodesalvaguardadoregime

democráticocontraaagressãopolítico-ideológicadasorganizações

extremistas.

Pesadascríticassãofeitasaoteordiscriminatóriodessas

medidas,acoimadasde“assassínioeleitoral”ougolpedeEstadopelas

urnas.Comefeito,elastêmservidoparacancelarapossibilidadede

representaçãoparlamentardospequenospartidosdefundoideológico,

frustrando-osnaoperaçãoeleitoralecortando-lhesaulteriorexpansão,

arredadosqueficamdetodaparticipaçãoparlamentar.

Recaienfimsobreasorganizaçõespartidáriascomainstituição

das“cláusulasdebloqueio”aameaçadeumempregoabusivodaqueles

percentuaismínimos,sujeitosamajoraçõespropositais,cujoúnico

Page 533: Ciência Política - Archive

objetivoseriaembargaraspossibilidadesrepresentativasdasminorias

políticas.Far-se-iaassimdarepresentaçãoproporcionaloprivilégio

irremediáveldasorganizaçõespartidáriasmaisforteseemmelhor

harmoniacomosinteressesdaordemestabelecida.

12.Osistemaeleitoralbrasileiro:princípiomajoritárioeprincípio

darepresentaçãoproporcional

Osistemaeleitoralbrasileirosobreoqualassentanossa

estruturapartidáriaconheceoempregodasduasmodalidades

fundamentaisderepresentação:sistemamajoritárionaeleiçãodos

senadoresetitularesdoExecutivoeosistemadarepresentação

proporcionalnaescolhadosdeputados.

Oprincípioderepresentaçãoproporcionalfoiumadasinovações

trazidaspeloprimeiroCódigoEleitoral(Decreton.21.076de24de

fevereirode1932),queoperouprofundareformaemnossosistemade

eleiçõesinstituindoparaapuraçãodospleitosaJustiçaEleitoral.

Dalegislaçãoordináriaoprincípiodarepresentaçãoproporcional

passouàsConstituições,quedesde1934oconsagraminvariavelmente.

Temrecebidoconstantesaperfeiçoamentosatravésdasleiseleitoraisaté

tomaraformaprevistanoCódigoEleitoralvigente(Lein.4.737de15

dejulhode1965).

Nosistemabrasileiroprevaleceoprincípiomajoritárionaeleição

Page 534: Ciência Política - Archive

indiretadepresidenteevice-presidentedaRepública,governadorese

vice-governadoresdosEstadosenaeleiçãodiretadesenadoresfederais

eseussuplentes,deputadofederalnosTerritórios,prefeitosmunicipais

evice-prefeitosejuizesdepaz.

Obedecemporémaoprincípiodarepresentaçãoproporcionalas

eleiçõesparaaCâmaradosDeputados,AssembléiasLegislativase

CâmarasMunicipais.

NaseleiçõesfederaiseestaduaisacircunscriçãoéoEstadoenas

municipaisorespectivomunicípio.

Naseleiçõespelosistemaproporcionaloquocienteeleitoralé

determinadodividindo-seonúmerodevotosválidosapuradospelode

lugaresapreencheremcadacircunscriçãoeleitoral.Osvotosem

brancosãocomputadosparaefeitodedeterminaçãodaquelequociente.

Tocanteaoquocientepartidário,esteéobtidoparacadapartido

atravésdeumaoperaçãoemquesedividepeloquocienteeleitoralo

númerodevotosválidosdadossobamesmalegenda.

Aleieleitoralemvigorconsideraeleitostantoscandidatos

registradosporumpartidoquantosorespectivoquocientepartidário

indicar.Aordemobservadaparaoscandidatosseráadavotação

nominalquecadaumhajarecebido.

Oproblemadassobrasemnossalegislaçãoéresolvidomediante

Page 535: Ciência Política - Archive

atécnicada“maiormédia”.Comefeito,dispõeoCódigoEleitoralqueos

lugaresnãopreenchidoscomaaplicaçãodosquocientespartidários

serãodistribuídosmedianteaobservaçãodasseguintesregras:

I—dividir-se-áonúmerodevotosválidosatribuídosacada

partidopelonúmerodelugaresporeleobtido,maisum,cabendoao

partidoqueapresentaramaiormédiaumdoslugaresapreencher;

II—repetir-se-áoperaçãoparaadistribuiçãodecadaumdos

lugares(Art.109).

Adeterminaçãodapessoadocandidatoparaefeitode

preenchimentodoslugarescomquecadapartidoforcontempladofar-

se-ásegundoaordemdevotaçãonominaldoscandidatos.

Ospartidosquenãohouveremobtidoquocienteeleitoralestarão

excluídosdadistribuiçãodoslugares,àqualnãopoderãoconcorrer.

Havendoempateeleger-se-áocandidatomaisidosoecasonenhum

partidoalcanceoquocienteeleitoral,serãoconsideradoseleitos,até

ficarempreenchidostodososlugares,oscandidatosmaisvotados.

Trata-sedematériadisciplinadanosartigos110e111doCódigo

Eleitoral.

1.Deformaçãoaproximadaocorreuem1959quandoosconservadorescom49%dos

sufrágiosfizeramjusa58%dascadeirasdoParlamento,aopassoqueostrabalhistas,

Page 536: Ciência Política - Archive

quaseempatandoquantoaonúmerodevotos—44%eapenas5%amenos—

obtiveramtão-somente41%dascadeiras(17%amenosqueosconservadores).

2.MarcelPrélot,InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,p.71.

3.BenoitJeanneau,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.17.

18

OMANDATO

1.Danaturezadomandato—2.Omandatorepresentativo—3.

Traços

característicos

do

mandato

representativo:

Page 537: Ciência Política - Archive

3.1

A

generalidade—3.2Aliberdade—3.3Airrevogabilidade—3.4A

independência—4.Omandatoimperativo:4.1Ascensão

contemporâneadomandatoimperativo.

Page 538: Ciência Política - Archive

1.DanaturezadomandatoAteoriapolíticaconheceduasformasprincipaisdemandato:o

mandatorepresentativoeomandatoimperativo.

Aboacompreensãodosistemarepresentativonãopodede

maneiraalgumaprescindirdoestudodasbasespolíticasejurídicasdo

mandatonasmodalidadesjáindicadas.Pertenceomandatoànatureza

doregimerepresentativo,demodoqueasacepçõesemqueahistóriao

tomaouvêpraticado,indicamjáalinhamesmadodesenvolvimentoda

democraciarepresentativa.

Aomandatoseprendeigualmente,desdequeseformulouateoria

jurídicadarepresentação,oacolhimentopolíticoouconstitucionaldas

duasdoutrinasbásicasdasoberania:adoutrinadasoberanianacional

eadoutrinadasoberaniapopular.

Anaturezadomandato—seucaráterrepresentativoouseu

caráterimperativo—varia,consoanteaordempolíticaassentea

democraciasobreospostuladosefundamentosdecadaumadaquelas

concepçõesdoutrináriasdopodersupremo.

Comademocracialiberal(doutrinadasoberanianacional)o

mandatofoirigorosamenterepresentativo.

Comademocraciasocial(doutrinadasoberaniapopular),

Page 539: Ciência Política - Archive

permaneceeleformalounominalmenterepresentativo,masofundo,a

matéria,asubstânciadomandatosealteraramconsideravelmente.De

modoquealgunspublicistasmenosembaraçadoscomorigorda

linguagempolíticanãotrepidamembatizá-lojádeimperativona

democraciasocialcontemporânea.

Asrazõesqueditaramessamudançadeacepçãodovelho

mandatorepresentativonapráticadasinstituiçõespolíticassãoas

mesmasquepresidiramàstransformaçõesdoEstadoliberal,à

passagemdademocraciaindividualistaparaademocraciasocial,

conformevamosterensejodeexaminaremseudevidolugar.

Page 540: Ciência Política - Archive

2.OmandatorepresentativoAteoriadomandatorepresentativoestánassuasorigens

francesaspolíticaejuridicamentevinculadaàadoçãodadoutrinada

soberanianacional,consoantejáassinalamos.

FoiessadoutrinaaquemedrounafasemoderadadaRevolução

de1789eaquelaquerealmentesetransmitiuaoshábitos

constitucionaisdoliberalismonoséculoXIX,quandoestesefez

conservador,comoédodestinodetodasassituaçõessociaisvitoriosas

porviarevolucionária.

Anação,titulardopodersoberano,oexercepormeiodeórgãos

representativos.

A

primeira

Constituição

revolucionária

reza

expressamentequesãorepresentantesocorpolegislativoeorei.Ambos

mandatáriosdanaçãosoberana.Omandatorepresentativotemaí

origemjurídicanaConstituiçãoquedesignouexpressamenteoreieo

legisladorcomoórgãosatravésdosquaisseexerceasoberania

Page 541: Ciência Política - Archive

nacional.

Transparecelogonessebinômiolegislador-reiadissociaçãoentre

oprincípioeletivoeoprincípiorepresentativo,deixandoaeleiçãopor

conseqüênciadeserabaseexclusivadetodaarepresentação.

NaFrançarevolucionáriade1791,comanovaordem

constitucional,onãoeleito,comoorei,erarepresentante,aopassoque

agentesdapúblicaadministraçãoinvestidosnafunçãoporsufrágio

popularnãologravamsequerobtertaltítulo.

QuandoBarnaveafirmouquearepresentaçãoconsiste

essencialmenteno“poderdequererparaanação”,externoudemaneira

lapidaropapeldosrepresentantes,quedaConstituiçãorecebempois

semelhantecompetência.

Aeleição,aestaalturadosistemarepresentativo,nãocoincide

obrigatóriaounecessariamentecomarepresentação.Éapenasum

entrediversosmeiosqueaConstituiçãocomportaparadesignar

aquelesqueterãoafaculdadedeexprimiravontadenacional.Anotado

sistemarepresentativorecaiporconseguintemenosnumapreocupação

democráticadoquenumacautelaseletiva.

Aidéiadeselecionarosmaisaptos,osmaiscapazesdominao

entendimentopolíticovitorioso.Oséculoracionalistaefilosóficofazda

representaçãopolíticaoCoroamentodesuastesessociais.Perpassaaí

Page 542: Ciência Política - Archive

ootimismoeaconfiançanostriunfosdarazão;arazãointelectual,

reformadoradasociedade,modificadoradasinstituições,afiançadora

daverdadeirapazsocial.Aeleiçãoésecundária;fundamental,como

notouojuristaitalianoOrlando,vemaserporémaseleção.

Ocorpoeleitoral,desimesmojárestritopelosufrágiolimitado,

nãodeleganenhumpoder,nãofuncionacomomandante,nãopossui

nenhumavontadesoberana.Atuacomomeroinstrumentode

designação,vistoquemandanteéanação,soberanaavontade

nacional,daqualorepresentantesefazintérprete,semnenhumlaçode

sujeiçãoaoeleitor.

Ocomportamentopolíticodorepresentante,seusatos,seus

votos,suavontadesãoimputáveisànaçãosoberana.Presume-se

rigorosaconformidadeoucoincidênciadavontaderepresentativacoma

vontadenacional,demodoqueopensamentodosrepresentantesseráo

legítimopensamentodanação.

Adoutrinadomandatorepresentativofaz-seemboalógica

coerentepoiscomadoutrinadasoberanianacional.Anaçãoseexprime

portantoatravésdosrepresentantes,invioláveisnoexercíciodesuas

prerrogativassoberanascomolegisladoresquesão;titularesdeum

mandatoquenãoficapresoàslimitaçõesoudependênciadenenhum

colégioeleitoralparticularoucircunscriçãoterritorial.

Page 543: Ciência Política - Archive

3.Traçoscaracterísticosdomandatorepresentativo

Page 544: Ciência Política - Archive

3.1AgeneralidadeSãotraçoscaracterísticosdomandatorepresentativo:a

generalidade,aliberdade,airrevogabilidade,aindependência.

Quantoaocarátergeraldomandato—ageneralidade—observa-

sequeomandatário,segundoadoutrinaimperante,nãorepresentavao

território,apopulação,oeleitoradoouopartidopolítico,cadaum

destestomadonotodooufracionariamente,senãoquerepresentavaa

naçãomesmaemseuconjunto,comoinstituiçãonaqualosreferidos

elementosentravamdeformaglobal.

Page 545: Ciência Política - Archive

3.2AliberdadeQuantoàliberdade,orepresentanteexerceomandatocominteira

autonomiadevontade,nãopodendosercoagidonemficarsujeitoa

qualquerpressãoexterna,capazdeturvaraaçãolivreedesimpedida

queselhereconheciacomotitulardavontadenacionalsoberana.

DoisexpoentesdaRevoluçãoFrancesa,inflamadosnoardorda

eloqüênciarevolucionária,exprimiramcomtodaalimpidezatese

constitucionaldavelhademocraciarepresentativa,asaber,ada

liberdadedomandatário,tradutoradadistinçãoentreomandato

representativoeomandatoimperativo.

OprimeirofoiMirabeauquedisse:“Sefôssemosvinculadospor

instruções,bastariaquedeixássemosnossoscadernossobreasmesase

volvêssemosàsnossascasas”.

Osegundo,Condorcet,querepetiuamesmaidéiaperantea

Convenção,aoproclamarfulgurante:“Mandatáriodopovo,fareioque

cuidarmaisconsentâneocomseusinteresses.Mandou-meeleexpor

minhasidéias,nãoassuas;aabsolutaindependênciadasminhas

opiniõeséoprimeirodemeusdeveresparacomopovo”.

TantoMirabeauquantoCondorcetnadamaisdiziamnessas

palavrasdeimpressionanteefeitoretóricodoquereproduziremoutros

Page 546: Ciência Política - Archive

termosaliçãodeBurke,oteoristaconservadoringlês,quandoeste,

dirigindo-seaoseleitoresdeBristol,naimortalpeçaoratóriade3de

novembrode1774,expendiajáconceitosigualmentecaracterísticosdo

mandatorepresentativo:

“Emitiropiniãoédireitodetodososhomens;adosconstituintesé

ponderosaerespeitávelopiniãoquetodorepresentantedeveregozijar-se

deouvirequelhecumpresempretomarmuiseriamente.Masemitir

instruçõesautoritárias,emitirmandatosqueorepresentantesejacegae

implicitamentecompelidoaobedecer,votaresustentar,aindaque

contráriosàmaisclaraconvicçãodeseujuízoeconsciência—coisas

sãoestasdetododesconhecidasdasleisdestepaís,eoriundasdeum

errofundamentalsobretodaordemeestruturadenossaConstituição”.1

“OParlamentonãoéumcongressodeembaixadoresdeinteresses

diferentesehostis;deinteressesquecadaqualtivessequemanter

comoagenteeadvogado,contraoutrosagenteseadvogados;maséo

parlamentoumaassembléiadeliberativadeumanação,comum

interesse,odotodo;quesenãodeveguiarporinteresseslocais,

preconceitoslocais,maspelobemcomum,oriundodarazãogeraldo

conjunto.Escolhe-seumrepresentanteefetivamente,masquandosefaz

aescolha,deixaeledeserorepresentantedeBristolparaserum

membrodoParlamento”2

Page 547: Ciência Política - Archive

3.3AirrevogabilidadeEssafaculdadequetemorepresentantedeexprimir-selivremente

nãoestariadetodoafiançadaseoseleitorespudessemdestituiro

mandatário,seomandatonarepresentaçãopolíticacoincidissecomo

mandatonaesferajusprivatista,nodireitocivil,ondeépossívelao

mandantenãorenovarospoderesdomandatárioinfiel.

Oprincípiodairrevogabilidadeéporconseguintedanaturezado

mandatorepresentativo,demodoquenosistemapolíticoqueoadota

nãohálugarparaaquelesinstrumentosdoregimerepresentativo

semidireto,comoorecalldosamericanosouoAbberufungsrechtdos

suíços.

Comorecallrevogar-se-iaomandatodorepresentante,antesde

expiraroprazolegaldeseuspoderes,desdequedeterminadaparcelade

eleitores

tomasse

iniciativa

a

esse

respeito,

daí

Page 548: Ciência Política - Archive

resultando

eventualmenteacessaçãoouarenovaçãodomandatoquese

questionou.

ComoAbberufungsrecht,queanaturezadomandato

representativoigualmenterepele,chegar-se-iaaomesmoresultado,

ocorrendodestafeitanãoarevogaçãoindividual,masarevogação

coletiva.Extintoourenovadoficariaomandatodeumaassembléiae

nãosomenteodeumrepresentantemedianteaaplicaçãodesse

institutodoregimerepresentativosemidireto.

3.4Aindependência

Enfim,comoconseqüênciaouCoroamentodessascaracterísticas

queseprendemànaturezadomandatorepresentativo,adoutrinapura

darepresentaçãoentendequeosatosdomandatárioseachamasalvo

dequalquerratificaçãoporpartedomandante,presumindo-sequea

vontaderepresentativasejaamesmavontadenacional(doutrina

jurídicadarepresentaçãopolíticadominanteemfinsdoséculoXVIII),a

vontadepopularouavontadedocolégioeleitoral,conformealinhade

desenvolvimentohistóricocomqueseveiogradativamenteatenuandoo

rigoreageneralidademesmadoprincípiorepresentativo.

Page 549: Ciência Política - Archive

4.OmandatoimperativoOmandatoimperativo,quesujeitaosatosdomandatárioà

vontadedomandante;quetransformaoeleitoemsimplesdepositário

daconfiançadoeleitoreque“juridicamente”equivaleaumacordode

vontadesouaumcontratoentreoeleitoeoeleitore“politicamente”ao

reconhecimentodasupremaciapermanentedocorpoeleitoral,émais

técnicadasformasabsolutasdopoder,quermonárquico,quer

democrático,doqueemverdadeinstrumentoautênticodoregime

representativo.

Osmaisardorosospropugnadoresdosistemaderepresentação

puradademocracialiberal,colunadopoderpolíticodaburguesia,

combateramfrontalmenteomandatoimperativo,conformevimosnos

lugaresjácitadosdopensamentopolíticodeMirabeau,Condorcete

Burke.

Desprestigiadoemalsinadopelosdefensoresdadoutrina

constitucionaldoterceiroestado,omandatoimperativoselhes

afiguravaumareminiscênciaincômodadoabsolutismo,umtraço—

quesefaziamisterabolir—daspraxespolíticasadotadasnos“Estados

Gerais”doancienrégime,quandoosprotestosdoshumildeseas

queixassociaissepunhamemformadeinstruçõesnoscélebres

Page 550: Ciência Política - Archive

Cahiers.Iamestesserrecebidosdepois,duranteasreuniõesdaquela

assembléia,dasmãosdosmandatários,convertidosassimemmeros

portadoresdeummandatoparticular,decertogrupodeeleitoresoude

determinadacircunscrição.

Àmedidaporémqueseobservaodeclíniodoregime

representativodetradiçãoliberal,maisseacentua,comademocracia

contemporânea,atendênciaareintroduzirnastécnicasdoexercíciodo

poderovelhomandatoimperativo,destafeitacomoinstrumentode

autenticaçãodavontadedemocrática.

Comefeito,conserva-seformalmenteonomedemandato

representativoemalgunssistemasconstitucionais,masestamosjá

consideravelmenteapartadosdaquelaproibiçãoconstitucionaldo

mandatoimperativo,queaindaapareciaporexemplonaConstituição

Francesade4denovembrode1948,aorepetirdispositivosda

ConstituiçãorevolucionáriadoanoIII.

Emverdade,observa-sesenãomanifestatendênciapara

consagraressamodalidadedemandato,aomenosapresençadesua

inspiraçãoemiodososatosderepresentaçãopolítica.Ealgumas

Constituiçõescontemporâneastêmdadopassosadiantadíssimosaesse

respeito—atémesmoparaacolheromandatoimperativo—comooque

selêdoartigo4ºdaConstituiçãodaTcheco-Eslováquia:“Opovo

Page 551: Ciência Política - Archive

soberanoexerceospoderesdoEstadopormeiodecorposde

representantes,eleitospelopovo,controladospelopovoeresponsáveis

peranteopovo”.

4.1Ascensãocontemporâneadomandatoimperativo

Tantonoregimerepresentativosemidiretocomoprincipalmente

emumadesuasvariantes—ademocraciasemidireta—tem-sevistoo

institutodomandatoimperativoprogressivamenteacolhidomedianteo

domínioqueoeleitorentraaexercersobreorepresentante.

Essedomíniooucontrole,postonãohajatomadoaindaforma

“jurídica”(oquedefinitivamentefariaimperativosemelhantemandato),

játomouindubitavelmentecunho“moral”,sobretudocunho“político”.

Comefeito,desdequeosprincípiosdasoberaniapopularedo

sufrágiouniversalentraramainfluirdemodopalpávelnaorganização

doPoderpolíticodademocraciadoséculoXX;desdequeasteses

legitimamentedemocráticasdesencadearamcomoEstadosocialreação

emcadeia,demudançaereformadosinstitutosclássicosdoEstado

liberal;desdequeospartidospolíticosseconstituíramem

arregimentaçõesnãosomentelícitassenãoessenciaisparaoexercício

dopoderdemocrático,omandato,noregimerepresentativo,estácada

vezmaissujeitoàfiscalizaçãodaopinião,aocontroledoeleitorado,à

observânciaatentadeseusinteresses,aoescrupulosoatendimentoda

Page 552: Ciência Política - Archive

vontadedoeleitor,àfielinterpretaçãodosentimentopopular,à

presençajápatentedeumacertaresponsabilidadepolíticado

mandatárioperanteoeleitoreopartido.

Nosgovernosdademocraciasemidireta,épossívelsustentarque

omandatosefazimperativo,nãosomenteporexigênciasmoraisou

políticas,quaisasqueatuampoderosamentesobreoânimodo

representanteemtodoregimedelegítimainspiraçãodemocrática,

obrigando-oateremcontasempreaposição,osinteresses,as

convicçõeseoscompromissoseleitoraispartidários,senãotambémpor

determinaçãojurídica,comoaquedecorredaregraconstitucionalque

prescrevearevogaçãodomandato,emcertoscasos,medianteorecall

ouoAbberufungsrecht.

Ondepoisodireitoderevogaçãoexiste,ademocracia

representativa,

volvida

em

democracia

semidireta,

admite

juridicamenteomandatoimperativo,quenosdemaissistemasde

Page 553: Ciência Política - Archive

influênciademocráticadominanteconfigura-seapenascomorealidade

defato,repousandoporémembasespolíticasemorais,aumpassojá

desuaulteriorepróximainstitucionalizaçãojurídica.

Peloaspectomeramenteformal,omandatoimperativo,aoter

ingressonumadeterminadaordemconstitucional,comoadecertos

regimessemi-representativos,seconverteemmaisumaspecto

ilustrativodaquelatendência,jánotadaporeminentesjuristas,

segundoaqualcertosinstitutosdodireitopúblicotêminversamente

caídosoboefeitodeuma“jusprivatização”,observadapelomenoscom

vistasaalgumascaracterísticasformais.

Édever-se,porconseguinte,asanalogiasqueomandato

imperativooferececomomandatocivil,apontodeafigurar-seuma

transposiçãodomesmoparaocampododireitopúblico,mormente

quandoseconsideraquepelomandatoimperativocontraiomandatário

tambémaobrigaçãodesempreatuaremconsonânciacomavontadedo

mandante,acujasinstruçõesficaadstritoedoqualrecebeuigualmente

umarevogáveldelegaçãodeconfiança.

Contudo,nãosedevelevarmuitolongeessaanalogiaentreo

mandatoimperativo,dedireitopúblico,eomandatocivil,dedireito

privado,vistoqueaaplicaçãodateoriaqueregeesteúltimosedepara

comsériasobjeções,quaisasqueassinalajudiciosamenteopublicista

Page 554: Ciência Política - Archive

francêsMarcelPrélot.

Emprimeirolugar—afirmaele—osco-contratantesnomandato

imperativosãodesconhecidos:identifica-seoeleito,masoseleitores

ficamacobertadospelovotosecreto,nãosendopossívelidentificá-los,e,

aseguir,nomandatoimperativo,nãoaparececlaronemdeterminado

comprecisãooobjetodocontrato,vistodificilmentepoder-sereputar

comotalumprogramapolítico.

1

1.EdmundBurke,“SpeechtotheElectorsofBristol”in:SpeechesandLetterson

AmericanAffairs,p.73.

2.Idem,ibidem,p.73.

1EstelivrofoidigitalizadoedistribuídoGRATUITAMENTEpelaequipeDigitalSourcecomaintençãode

facilitaroacessoaoconhecimentoaquemnãopodepagaretambémproporcionaraosDeficientes

Visuaisaoportunidadedeconheceremnovasobras.

Sequiseroutrostítulosnosprocurehttp://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros,seráumprazer

recebê-loemnossogrupo.

19

ADEMOCRACIA

1.Doconceitodedemocracia—2.Ademocraciadireta:suaprática

Page 555: Ciência Política - Archive

tradicionalnoEstado-cidadedaGrécia:2.1Asbasesda

democraciagrega:aisonomia,aisotimiaeaisagoria—2.2O

elogiohistóricodademocracianaantigüidadeclássica—3.A

democraciaindireta(representativa)eaimpossibilidadedoretorno

àdemocraciadireta:3.1Ostraçoscaracterísticosdademocracia

indireta—3.2Ademocraciasemidireta—4.Ademocracia

semidiretanoséculoXX.Apogeuedeclíniodeseusinstitutos—5.

Ademocraciaeospartidospolíticos:arealidadecontemporâneado

Estadopartidário.

Page 556: Ciência Política - Archive

1.Doconceitodedemocracia“Sehouvesseumpovodedeuses,essepovosegovernaria

democraticamente”.Comtaispalavras,repassadasdepessimismo,

mostraRousseau,noContratoSocial,ograudeperfeiçãoqueseprende

aessaformadegoverno,cujapráticaomaisabalizadofilósofoda

democraciamodernaduvidasejapossívelaoshomensparaservir-lheàs

conveniências.

Governotãoperfeitonãoquadraasereshumanos—acrescentao

pensador,depoisdehaverafirmado,namesmaordemdereflexões,que,

tomandootermocomtodoorigor,chegar-se-iaàconclusãodeque

jamaishouve,jamaishaveráverdadeirademocracia,1ouseja,aio

mesmoconceitonaspalavrasdeDuverger:“Nuncaseviuenuncase

veráumpovogovernar-seporsimesmo”.2

Opensamentopolítico,quecombateademocracia,maisdeuma

vezseescorounaquelelugardaobradofilósofo,comointuitodeabalar

osfundamentosdoregimeedesprestigiaradoutrinadopovosoberano.

Tomandoaaparênciaassustadoradeantagonistadasliberdades

democráticas,oRousseaudaquelasmáximastãomalcompreendidas

pelosseusintérpretesnuncapoderáfazersombraaoverdadeiro

otimismorousseauniano.Afaceamoráveldofilósofoseevidenciará

Page 557: Ciência Política - Archive

semprenadoutrinadasoberaniapopular,objetodeexposiçãoemquea

lógicapredominaimpecavelmente.

Dequalquermaneira,bemponderada,serve-nosjáaquela

advertência,porquanto,examinadoafundoodesenvolvimentoda

democracia,partindo-sedoconceitodequeeladeveserogovernodo

povo,paraopovo,verificar-se-áqueasformashistóricasreferentesà

práticadosistemademocráticotropeçamporvezesemdificuldades.E

essasdificuldadesprocedemexatamente—assimpensamosseus

panegiristas—denãolograrmosalcançaraperfeição,naobservância

desteregime,oque,deoutraparte,nãoinvalida,emabsoluto,segundo

dizem,adiligênciaquenosincumbiriafazerporpraticá-lo,vistotratar-

sedamelhoremaissábiaformadeorganizaçãodopoder,conhecidana

históriapolíticaesocialdetodasascivilizações.

Respondendoaquantosfazemobjeçõesaosistemademocrático

degoverno,oreformistadoliberalismoinglês,LordRussel,dessa

maneiraseexprimia:“Quandoouçofalarqueumpovonãoestá

bastantementepreparadoparaademocracia,perguntosehaveráalgum

homembastantementepreparadoparaserdéspota.”

ComamesmaironiafinaePercucientedoinglês,Churchill

exclamava:“Ademocraciaéapiordetodasasformasimagináveisde

governo,comexceçãodetodasasdemaisquejáseexperimentaram.”

Page 558: Ciência Política - Archive

OverbopolíticodeClemenceautomou,certafeita,comcalore

veemência,adefesadademocraciaesuasinstituições,conforme

rememoraAfonsoArinos:“DisseClemenceauque,emmatériade

desonestidade,adiferençaentreoregimedemocráticoeaditaduraéa

mesmaqueseparaachagaquecorróiascarnes,porfora,eoinvisível

tumorquedevastaosórgãospordentro.Aschagasdemocráticas

curam-seaosoldapublicidade,comocautériodaopiniãolivre;ao

passoqueoscânceresprofundosdasditadurasapodrecem

internamenteocorposocialesãoporistomesmomuitomaisgraves.”3

MarnocoeSousa,oafamadojurisconsultoportuguêsdecomeços

desteséculo,escreviaqueamelhorjustificaçãodoprincípio

democrático“resultadaimpossibilidadedeencontraroutroquelheseja

superior”.Convictamenteliberal,replicavaeleaNietzsche,quandoo

filósofo,numassomodeindignaçãoreacionária,eatravésdeargumento

quetraíaareminiscênciadosofistagrego,acusouademocraciadeser,

comogovernodamaioria,“umardildaespécieinferiorcontraaespécie

superior”,de“preferiraquantidadeàqualidade”,de“esterilizaranossa

civilização”.Marnoco,àimagemdetodosospensadoresdavelhaescola

liberaldoséculoXIX,acreditavapiamentequeonúmeroeacapacidade

constituíamafórmulamaisracionalesoberanadegovernodemocrático

paraasociedadehumana.4

Page 559: Ciência Política - Archive

Nosdiascorrentes,apalavrademocraciadominacomtalforçaa

linguagempolíticadesteséculo,queraroogoverno,asociedadeouo

Estadoquesenãoproclamemdemocráticos.Noentanto,sebuscarmos

debaixodessetermooseurealsignificado,arriscamo-nosàmesma

decepçãoangustiantequevarouocoraçãodeBruto,quandooromano

percebeu,nodesenganodaspaixõesrepublicanas,quantovaliaa

virtude.Masademocracia,quenãoémaisqueumnometambém

debaixodosabusosqueainfamaram,nemporissodeixoudesera

potenteforçacondutoradosdestinosdasociedadecontemporânea,não

importaasignificaçãoqueselheempreste.

Detalordemaindaoseuprestígio,queconstituipesadoinsulto,

verdadeiroagravo,injúriatalvez,dizeraumgovernoqueseu

procedimentoseapartadasregrasdemocráticasdopoder.Nadaimpede

porémomanifestodesesperoeperplexidadecomqueospublicistasse

interrogamacercadoquesejaademocracia.

Pareto,aopedirasignificaçãoexatadotermo“democracia”,acaba

porreconhecerque“éaindamaisindeterminadoqueotermo

completamenteindeterminado“religião”5enquantoBryce,dando-lhea

maislargaeindecisaamplitude,chegaadefini-la,demodoumtanto

vago,comoaformadegovernonaqual“opovoimpõesuavontadede

todasasquestõesimportantes”.6

Page 560: Ciência Política - Archive

Chegamos,porconseguinte,àconclusãodequerarostermosde

ciênciapolíticavêmsendoobjetodetãofreqüentesabusosedistorções

quantoademocracia.

FoiissooqueKelsenpôsdemanifestonumadesuasobras

fundamentais,emcujopreâmbulofezponderadaadvertênciasobreos

desacordospertinentesaesseconceito.ParaKelsen,ademocraciaé

sobretudoumcaminho:odaprogressãoparaaliberdade.7

Variampoisdemaneiraconsiderávelasposiçõesdoutrinárias

acercadoquelegitimamentesehádeentenderpordemocracia.Afigura-

se-nosporémquesubstancialpartedessasdúvidassedissipariam,se

atentássemosnaprofundaegenialdefiniçãolincolnianadedemocracia:

governodopovo,paraopovo,pelopovo;“governoquejamaisperecerá

sobreafacedaTerra”.Assimseescreveunaperoraçãodaquelaquefoi

amaiscurtaecomoventeoraçãoqueaeloqüênciapolíticadetodosos

temposjáproduziu.8

Deumpontodevistameramenteformal,distinguem-se,na

históriadasinstituiçõespolíticas,trêsmodalidadesbásicasde

democracia:ademocraciadireta,ademocraciaindiretaeademocracia

semidireta;ou,simplesmente,ademocracianãorepresentativaou

direta,eademocraciarepresentativa—indiretaousemidireta—,queé

ademocraciadostemposmodernos.

Page 561: Ciência Política - Archive

2.Ademocraciadireta:suapráticatradicionalnoEstado-cidade

daGrécia

AGréciafoioberçodademocraciadireta,mormenteAtenas,onde

opovo,reunidonoÁgora,paraoexercíciodiretoeimediatodopoder

político,transformavaapraçapública“nogranderecintodanação”.

Ademocraciaantigaeraademocraciadeumacidade,deumpovo

quedesconheciaavidacivil,quesedevotavaporinteiroàcoisapública,

quedeliberavacomardorsobreasquestõesdoEstado,quefaziadesua

assembléiaumpoderconcentradonoexercíciodaplenasoberania

legislativa,executivaejudicial.

Cadacidadequeseprezassedapráticadosistemademocrático

manteriacomorgulhoumÁgora,umapraça,ondeoscidadãosse

congregassemtodosparaoexercíciodopoderpolítico.OÁgora,na

cidadegrega,faziapoisopapeldoParlamentonostemposmodernos.9

Aescuramanchaqueacríticamodernaviunademocraciados

antigosveioporémdapresençadaescravidão.Ademocracia,como

direitodeparticipaçãonoatocriadordavontadepolítica,eraprivilegio

deintimaminoriasocialdehomenslivresapoiadossobreesmagadora

maioriadehomensescravos.

Demodoqueautoresmaisrigorososasseveramquenãohouvena

Gréciademocraciaverdadeira,masaristocraciademocráticaoque

Page 562: Ciência Política - Archive

evidentementetraduzumparadoxo.Oudemocraciaminoritária,como

querNitti,reproduzindoaquelepensamentocélebredeHegel,emqueo

filósofocompendiou,comluminosaclareza,oprogressoqualitativoe

quantitativodacivilizaçãoclássica,tocanteàconquistadaliberdade

humana.Comefeito,disseHegelqueoOrienteforaaliberdadedeum

só,aGréciaeRomaaliberdadedealguns,eomundogermânico,ou

seja,omundomoderno,aliberdadedetodos.10

QuaisascondiçõesqueconsentiramaoEstado-cidadedaGrécia

teremfuncionamentoaquelesistemadedemocraciadireta?

Emprimeirolugar,abasesocialescrava,quepermitiaaohomem

livreocupar-setão-somentedosnegóciospúblicos,numamilitância

rude,exaustiva,permanente,diuturna.Nenhumapreocupaçãode

ordemmaterialatormentavaocidadãonaantigaGrécia.Aohomem

econômicodosnossostemposcorrespondiaohomempolíticoda

antigüidade:aliberdadedocidadãosubstituíaaliberdadedohomem.

Emsegundolugar,depara-se-nosoutracondiçãosocialque

compeliaocidadãogregoaconservaracesoointeressepelacausada

suademocraciaeavaloraraquelapontadeparticipaçãosoberanacom

quesuavontadeentravaparamoldaravidapública,avidadacidade.

Decorriaestacondiçãosocialdatomadadeconsciênciaquantoà

necessidadedeohomemintegrar-senavidapolítica:doimperativode

Page 563: Ciência Política - Archive

participaçãosolidária,altruístaeresponsávelparapreservaçãodo

Estadoempresençadoinimigoestrangeiro,frenteaobárbaro—que

bárbaroeramparaosgregostodosospovosnão-helênicos—oufrente

aosEstadosrivaisouinimigos,postoquedebaseigualmentehelênica.

OvalorqueocidadãonoEstadogregoconferiaàsuademocracia

estavapreso,portanto,aobemqueelealmejavarecebereque

efetivamenterecebiadapartedoEstado.

TaiscondiçõesfaziamcomqueocidadãodaGréciavissesempre

noordenamentoestadualmaisdoqueacomplementaçãoou

prolongamentodesuavidaindividual:vissenoEstadoodadomesmo

condicionantedetodaaexistência.

Nãohavia,porconseguinte,nestaformadedemocraciadireta,

democraciaorgânica,atensãoquepreside,nostemposmodernos,às

relaçõesentreoindivíduoeoEstado.Determinadasposiçõesfilosóficas,

deteorpolítico,contemplammodernamenteoEstadocomodado

negativoeoindivíduocomodadopositivo,ouvice-versa.

Bastaapercepçãojurídicadestehiatodevalores,destaseparação

axiológicaentreoindivíduoeoEstado,entreohomemeacoletividade,

parademonstrarqueestamosdiantededoispólos,empresençadedois

antagonismos,emfacededuasforçasdistintas,quecorremmaisem

sentidocontráriodoqueemsentidoconvergenteousequerparalelo.

Page 564: Ciência Política - Archive

Ademocraciagregaeavidanapólisgreganãoconsentiam,

historicamente,semelhantesdissociaçõesdohomemedacoletividade.

Demaneiraque,recebendotudodoEstado,devendotudoaoEstado,o

homemgrego,aindaquandoentra,historicamente,atomarconsciência

dequeapólislheérealidadeexterior,aindaquandointentaafirmar

conscientementesuapersonalidade,essehomemvacilaeessavacilação

seescreve,porexemplo,nosacrifíciodeSócrates.Antesdebebera

cicuta,quandoresisteàsugestãodafugapreparadapelosdiscípulos,

fiéisatéoúltimomomento,Sócratesfoipostonapontadeumdilema.

Derradeira,masdesconsoladoraeamargareflexãofê-loporém

desistirdoplanodeevasão,queseriajustamentearenúnciaàpólis,a

renúnciaaoEstado.QuandoSócratesrecusouaquelecaminho,foiele

coerentecomasociedadegrega,comosideaispolíticosdomundo

helênico,comaalmadapólis.

Quismorrersemdesmembrarpelosatosoqueasuafilosofiajá

desmembrarapelasidéias:aseparaçãoporelafeitaentreoEstadoeo

homem.Inumeráveispensadoresmodernos,àfrentedosquais

Rousseau,reputamhaversidoessaseparaçãoomaiorcrimedaidade

moderna.Compreendendoeenaltecendoaliberdadeeademocraciados

gregos,filósofosdaenvergaduradeRousseau,HegeleNietzsche

entendemqueverdadeiramentelivrefoiohomemgregoenãoohomem

Page 565: Ciência Política - Archive

moderno;ohomemdaspraçasateniensesenãoohomemdasociedade

ocidentaldenossosdias.

Retratandoademocraciadosantigos,onossoAlencarescreveu

admiravelmente:“Ademocracianaantigüidadefoiexercidaimediatae

diretamentepelopovo.

“OEstadoentãoencerrava-senoslimitesdacidade;constavao

restodeconquistasoucolônias.Avidacivilaindanãoexistia:ohomem

eraexclusivamentecidadão;dava-setodoàcoisapública;nãotinha

domesticidadequeodistraísse.

“Apraçarepresentavaogranderecintodanação:diariamenteo

povoconcorriaaocomício;cadacidadãoeraorador,quandopreciso.Ali

discutiam-setodasasquestõesdoEstado,nomeavam-segenerais,

julgavam-secrimes.Funcionavaademosindistintamentecomo

assembléia,conselhooutribunal:concentravaemsiostrêspoderes

legislativo,executivoejudicial.”11

2.1Asbasesdademocraciagrega:aisonomia,aisotimiaeaisagoria

SegundoNitti,osgregosconsideravamdemocraciaaquelas

formasdegovernoquegarantissematodososcidadãosaisonomia,a

isotimiaeaisagoria,efizessemdaliberdadeedasuaobservânciaa

basesobreaqualrepousavatodaasociedadepolítica.

Comaisonomia—acrescentaomesmopensador—proclamavao

Page 566: Ciência Política - Archive

gêniopolíticodaGréciaaigualdadedetodosperantealei,sem

distinçãodegrau,classeouriqueza.Dispensavaaordemjurídicaaío

mesmotratamentoatodososcidadãos,conferindo-lhesiguaisdireitos,

punindo-ossemforoprivilegiado.Todadiscriminaçãodeordemjurídica

emproveitodeclassesougrupossociais,dizaindaNitti,equivaleriaà

quebradoprincípiodaisonomia.Empresençadosistemajurídico,

proclamava-seainexistênciadetodacategoriadehomensinvioláveis.12

Comaisotimia,aboliaaorganizaçãodemocráticadaGréciaos

títulosoufunçõeshereditárias,abrindoatodososcidadãosolivre

acessoaoexercíciodasfunçõespúblicas,semmaisdistinçãoou

requisitoqueomerecimentoahonradezeaconfiançadepositadano

administradorpeloscidadãos.13

AfirmaNittiaincompatibilidadedaaristocraciaprivilegiadacom

osprincípiosdemocráticosdaGrécia,sendoosprivilégiosdegruposou

classesanegaçãodaisotimia.14

Quantoàisagoria,trata-sedodireitodepalavra,daigualdade

reconhecidaatodosdefalarnasassembléiaspopulares,dedebater

publicamenteosnegóciosdogoverno.Correspondeuesseprincípio

essencialdademocraciaantiga,segundoojámencionadopensador,

àquiloaquenóschamamosliberdadedeimprensa.Comaisagoria,

exercíciodapalavralivrenolargorecintocívicoqueeraoÁgora,a

Page 567: Ciência Política - Archive

democraciaregiaasociedadegrega,inspiradajánasoberaniado

governodeopinião.15

Definindoocaráterdademocraciagrega,opersaOtanes,citado

porHeródoto,enumerava-lhecincotraçosfundamentais,segundorefere

Bluntschli:a)igualdadedetodosperantealei,asaber,o

princípiodaisonomia;b)acondenaçãodetodoopoderarbitrário,qual

aquelequedominavaasmonarquiasorientais;c)opreenchimentodas

funçõespúblicasmediantesorteio;d)aresponsabilidadedosservidores

públicos;e)asreuniõesedeliberaçõespopularesempraçapública.16

AcrescentaBluntschliquedessesprincípiostrêsseincorporaram

aomodernodireitopúblico,tantonamonarquiaconstitucionalquanto

narepúblicaaopassoquedoisoutros—osorteioeasassembléias

populares;paradeliberaçõesdiretaseimediatas—foramafastadosno

modernosistemademocrático,esubstituídos,noúltimocaso,pelas

formasrepresentativasdeorganizaçãodopoderpolítico.17

2.2Oelogiohistóricodademocracianaantigüidadeclássica

Comoexperiênciahistórica,ademocraciadiretadosgregosfoia

maisbelaliçãomoraldecivismoqueacivilizaçãoclássicalegouaos

povosocidentais.

ComunicandoaosheróisnaGuerradoPeloponesoocultoda

imortalidadeeosentimentopóstumodaPátriaagradecida,Péricles

Page 568: Ciência Política - Archive

talhouempalavrasdeimorredouraeloqüênciaoperfildademocracia

ateniense,suagrandeza,suaforça,seuexemplo,conformerefere

Tucidides,ohistoriador.

“Nossoregimepolítico—dissePéricles—éademocraciaeassim

sechamaporquebuscaautilidadedomaiornúmeroenãoavantagem

dealguns.Todossomosiguaisperantealei,equandoarepública

outorgahonrariasofazpararecompensarvirtudesenãopara

consagrarprivilégios.Nossacidadeseachaabertaatodososhomens.

Nenhumaleiproíbenelaaentradaaosestrangeiros,nemosprivade

nossasinstituições,nemdenossosespetáculos;nadaháemAtenas

ocultoepermite-seatodosquevejamaaprendamnelaoquebem

quiserem,semesconder-lhessequeraquelascoisas,cujoconhecimento

possaserdeproveitoparaosnossosinimigos,porquantoconfiamos

paravencer,nãoempreparativosmisteriosos,nememardise

estratagemas,senãoemnossovaloreemnossainteligência.”18

3.Ademocraciaindireta(representativa)eaimpossibilidadedo

retornoàdemocraciadireta

DaconcepçãodedemocraciadiretadaGrécia,naqualaliberdade

políticaexpiravaparaohomemgregodesdeomomentoemqueele,

cidadãolivredasociedade,criavaalei,comaintervençãodesua

vontade,eàmaneiraquasedeumescravosesujeitavaàregrajurídica

Page 569: Ciência Política - Archive

assimestabelecida,passamosàconcepçãodedemocraciaindireta,a

dostemposmodernos,caracterizadapelapresençadosistema

representativo.

DiziaMontesquieu,umdosprimeirosteoristasdademocracia

moderna,queopovoeraexcelenteparaescolher,maspéssimopara

governar.Precisavaopovo,portanto,derepresentantes,queiriam

decidirequereremnomedopovo.

Todavia,perguntamosnós:arepresentação,comotécnicade

organizaçãodoEstadodemocrático,sejustificaapenasporaquela

valoraçãoqueMontesquieuatribuiuàfaculdadeseletivadopovoea

suaincapacidadedegovernar-seporsimesmo?

Não.Razõesdeordempráticaháquefazemdosistema

representativocondiçãoessencialparaofuncionamentonoEstado

modernodecertaformadeorganizaçãodemocráticadopoder.OEstado

modernojánãoéoEstado-cidadedeoutrostempos,masoEstado-

nação,delargabaseterritorial,sobaégidedeumprincípiopolítico

severamenteunificador,queriscasobretodasasinstituiçõessociaiso

seutraçodevisívelsupremacia.

NãoseriapossívelaoEstadomodernoadotartécnicade

conhecimentoecaptaçãodavontadedoscidadãossemelhanteàquela

queseconsagravanoEstado-cidadedaGrécia.Atémesmoa

Page 570: Ciência Política - Archive

imaginaçãoseperturbaemsuporotumultoqueseriacongregarem

praçapúblicatodaamassadoeleitorado,todoocorpodecidadãos,

parafazerasleis,paraadministrar.

Demais,ohomemdademocraciadireta,quefoiademocracia

grega,eraintegralmentepolítico.OhomemdoEstadomodernoé

homemapenasacessoriamentepolítico,aindanasdemocraciamais

aprimoradas,ondetodoumsistemadegarantiasjurídicasesociais

fazemefetivaeválidaasuacondiçãode“sujeito”enãoapenas“objeto”

daorganizaçãopolítica.

Nossistemascompactosdaordemtotalitária,ohomem,perante

asesferaspolíticas,deixadeserpoliticamente“sujeito”ou“pessoa”,

paraanular-seporinteirocomo“objeto”,queficasendo,daorganização

social.Seohomemmodernotemapenasumabandapolíticadoseuser,

éporqueantesdemaisnadaapareceeletambémcomoHomo

oeconomicus.Quandodizemoshomemeconômicoepolítico,estamos

principalmentealudindoàpossibilidadequetemohomemdeconceder

oudeixardeconcedermaisatenção,maiszelo,maiscuidadoaotrato

dosassuntospolíticos.

Ohomemmoderno,viaderegra,“homemmassa”,precisade

prover,deimediato,àsnecessidadesmateriaisdesuaexistência.Ao

contráriodocidadãolivreateniense,nãosepodevolvereledetodopara

Page 571: Ciência Política - Archive

aanálisedosproblemasdegoverno,paraafainapenosadasquestões

administrativas,paraoexameeinterpretaçãodoscomplicadostemas

relativosàorganizaçãopolíticaejurídicaeeconômicadasociedade.

Evidentemente,sóhápoisumasaídapossível,soluçãoúnicapara

opoderconsentido,dentronoEstadomoderno:umgoverno

democráticodebasesrepresentativas.

Dizia

Rousseau,

criticando

a

democracia

indireta

ou

representativa,queohomemdademocraciamodernasóélivreno

momentoemquevaiàsurnasdepositaroseuvoto.Paraosopositores

dofilósofocontratualistaumaverdadeporémficapatente:nãoháfugir

aoimperativoderepresentação,porquanto,docontrário,nãohaveria

nenhumgovernoapoiadonoconsentimento,tomando-seemcontaa

complexidadesocial,aextensãoeadensidadedemográficadoEstado

moderno,fatoresestesqueembaraçamirremediavelmenteoexercício

dademocraciadireta.

Page 572: Ciência Política - Archive

Porconseqüência,dizem,oremédioparaademocracia,fundadae

legitimadanoconsentimentodoscidadãos,temqueser,denecessidade,

arepresentaçãoouoregimerepresentativo:quandomuitoas

instituiçõesdademocraciasemidireta,queestudaremosemseudevido

lugar,eque,todavia,nãopoderiamprescindirdoesteiorepresentativo,

acujoladoaparecemcomoinstrumentodopoderpopulardedecisão.

Enfimademocraciadiretafoi,nãorestadúvida,segundoos

publicistasdosistemarepresentativo,aintransferívelexperiênciade

umamodalidadeprecisadeorganizaçãoestatal:oEstado-cidade,

impossíveldeofereceràidademodernaecontemporânea—

conhecedoradeformaspolíticasnecessariamentedistintas—omodelo

jáultrapassadodesuasinstituições.Demodoqueaúnicaimagem

aindasobreviventedavelhaestruturadopoderpolíticoclássico,vema

ser,segundoeles,aquelarepresentadaporalgunsminúsculoscantões

daSuíça:Uri,Glaris,osdoisUnterwaldeosdoisAppenzells,onde

anualmenteseuscidadãossecongregamemlogradourospúblicospara

oexercíciodiretodasoberania.

3.1Ostraçoscaracterísticosdademocraciaindireta

Amodernademocraciaocidental,defeiçãotãodistintadaantiga

democracia,temporbasesprincipaisasoberaniapopular,comofonte

detodoopoderlegítimo,quesetraduzatravésdavontadegeral(a

Page 573: Ciência Política - Archive

volontégénéraledoContratoSocialdeRousseau);osufrágiouniversal,

compluralidadedecandidatosepartidos;aobservânciaconstitucional

doprincípiodadistinçãodepoderes,comseparaçãonítidanoregime

presidencialeaproximaçãooucolaboraçãomaisestreitanoregime

parlamentar;aigualdadedetodosperantealei;amanifestaadesãoao

princípiodafraternidadesocial;arepresentaçãocomobasedas

instituiçõespolíticas;alimitaçãodeprerrogativasdosgovernantes;o

Estadodedireito,comapráticaeproteçãodasliberdadespúblicaspor

partedoEstadoedaordemjurídica,abrangendotodasas

manifestaçõesdepensamentolivre:liberdadedeopinião,dereunião,de

associaçãoedeféreligiosa;atemporariedadedosmandatoseletivose,

porfim,aexistênciaplenamentegarantidadasminoriaspolíticas,com

direitosepossibilidadesderepresentação,bemcomodasminorias

nacionais,ondeestasporventuraexistirem.19

Page 574: Ciência Política - Archive

3.2AdemocraciasemidiretaQuantoàterceiraformadedemocracia,achamadademocracia

semidireta,trata-sedemodalidadeemquesealteramasformas

clássicasdademocraciarepresentativaparaaproximá-lacadavezmais

dademocraciadireta.

Verifica-secomoEstadomodernoaimpossibilidadeirremovível

dealcançar-seademocraciadiretacontidanoidealenapráticados

gregos.

Masdomesmopassopercebeu-seserpossívelfundarinstituições

quefizessemdogovernopopularummeio-termoentreademocracia

diretadosantigoseademocraciarepresentativatradicionaldos

modernos.Nademocraciarepresentativatudosepassacomoseopovo

realmentegovernasse;há,portanto,apresunçãoouficçãodequea

vontaderepresentativaéamesmavontadepopular,ouseja,aquiloque

osrepresentantesqueremvemaserlegitimamenteaquiloqueopovo

haveriadequerer,sepudessegovernarpessoalmente,materialmente,

comasprópriasmãos.

Opoderédopovo,masogovernoédosrepresentantes,emnome

dopovo:eisaítodaaverdadeeessênciadademocraciarepresentativa.

Comademocraciasemidireta,aalienaçãopolíticadavontade

Page 575: Ciência Política - Archive

popularfaz-seapenasparcialmente.Asoberaniaestácomopovo,eo

governo,medianteoqualessasoberaniasecomunicaouexerce,

pertenceporigualaoelementopopularnasmatériasmaisimportantes

davidapública.Determinadasinstituições,comooreferendum,a

iniciativa,ovetoeodireitoderevogação,fazemefetivaaintervençãodo

povo,garantem-lheumpoderdedecisãodeúltimainstância,supremo,

definitivo,incontrastável.

Opovonademocraciasemidiretanãosecingeapenasaeleger,

senãoquechegadomesmopassoaestatuir,comoponderaPrélot20ou

conformeBarthélemyeDuez:nãoéapenascolaboradorpolítico,

consoantesedánademocraciaindireta,mastambémcolaborador

jurídico.Opovonãosóelege,comolegisla.

Acrescenta-seportantoàparticipaçãopolíticacertaparticipação

jurídica,istoé,aopovosereconhece,paradeterminadasmatérias,

esferadecompetênciaemqueelediretamente,observandoformas

prescritaspelaordemnormativa,cumpreatoscujavalidezficaassim

sujeitaaoseuindispensávelconcurso.21

4.AdemocraciasemidiretanoséculoXX.Apogeuedeclíniode

seusinstitutos

Ademocraciasemidiretateveoperíododemaislargaproliferação

nocursodastrêsprimeirasdécadasdesteséculo,quandogozoude

Page 576: Ciência Política - Archive

indisputávelprestígio,mormenteapósaPrimeiraGrandeGuerra

Mundial,duranteafasesensivelmenteagudadecrisedasinstituições

democráticasdoocidente.

ForaaSuíçaoseuberçotradicional.Daliseirradiouparao

continenteeuropeu.Algumasinstituiçõesdademocraciasemidiretasão

conhecidasepraticadasnaAméricadoNortedesdefinsdoséculoXVIII.

NaSuíça,oreferendumeainiciativapermanecem.Suaaplicaçãosedá

tantonaórbitafederal,emmatériaconstitucional,comonoâmbitodos

cantões,ouseja,naórbitadasautonomias.AConstituiçãofederaldos

EstadosUnidosignoraaspráticasdessamodalidadedeorganizaçãodo

poderdemocrático.FicaramreservadasàesferadosEstados,cujas

Constituiçõesfazemlargousodasmesmas.

NaAlemanha,comaConstituiçãodeWeimarapareceram

modalidadesoriginaisdeempregodosinstitutosdademocracia

semidireta,particularmentecomrespeitoaochamadoreferendum

arbitrai.

NaFrança,odestinodessesinstrumentosdeparticipaçãopopular

nãofoidosmaisbrilhantes.ApesardequeaConstituiçãode1793

dispusesseacercadaaplicaçãodoreferendumamatérialegislativa

ordinária,aquelaConstituiçãonuncaentrouemvigor.

Demodoqueocontatofrancêscomademocraciasemidiretasóse

Page 577: Ciência Política - Archive

fezemépocasquenãoforamdemuitahonraparaasuahistória

constitucional:fez-se,porexemplo,quandonafacedasinstituições

maispálidaseapresentavaaidéiamesmadogovernopopular.

SalvoabreveintermissãodequeresultouaConstituiçãoda

QuartaRepública,oreferendumconstitucionalfrancêssedeusempre

nodeclivedademocraciaparaocesarismo.AssimnosanosIII,VIII,Xe

XIIdocalendáriodaRevolução,noAtoAdicionaldoImpério,em1815,

naConstituiçãode1852,e,porúltimo,noconstitucionalismo

degaullistacontemporâneo.

OsistemaparlamentardeváriosEstadoseuropeustem

testemunhadoemsuasmudançasconstitucionais,noperíododeentre-

guerras,acombinaçãodoparlamentarismocomalgumastécnicasdo

governosemidireto.Nãoresultoudasmaisafortunadasaexperiência.

Apósasegundaconflagraçãomundial,oconstitucionalismo

contemporâneofezempregomuitomaissóbriodastécnicasde

intervençãopopulardireta.Arrefeceuoentusiasmoquerodearaa

democraciasemidireta.Asesperançosaseinfatigáveisvistasdosistema

democráticosevolvemdepresenteparaumanovapanacéiaemque

vemosinflamar-seafantasiadecadapovo:apanacéiadospartidos

políticos.

Aconfiançaqueestesdeúltimotêmrecebidonoexercíciodeuma

Page 578: Ciência Política - Archive

missãoparaaqualtodosospovosdemocráticoshãodelegadoaparte

maisconsideráveldesuasforças,mostraclaramentequeoséculo

políticoparecepertencerhojeaospartidos.Deixoudepertenceraopovo

comomassanuméricanaanárquicaeduvidosaexpressãodeseuvoto

diretoeplebiscitárioparapertenceraopovo-organização,opovo-massa,

cujavontadeseenraízaecanalizapoisatravésdoscondutos

partidários.

Daquiodeclíniodademocraciasemidireta,quefoi,segundo

dizem,umgrauqualitativoapreciávelnoprocessodedinamizaçãoe

amadurecimentodosprincípiosdeorganizaçãodemocrática,volvidos

porémàimpotência,naformaaindahápoucoadotada,facea

prementesnecessidadescontemporâneas,impostaspelanovae

profundarevoluçãodaciênciaedatécnica,inspirandoamáxima

racionalizaçãodopoder,atémesmodopoderdemocrático.

Maisdoquenuncatalvez,dividiram-seospovosemduasgrandes

famíliasdistintas:adospovosopulentoseadospárias.Ambasessas

categorias,numamesmaânsiadesobrevivência,porfiamcom

problemasquesóopoderdisciplinado,organizadoeracionaldos

partidos,sejamosdaautoridadeouosdoconsentimento,poderãoum

diaresolversatisfatoriamente,tantonodomíniointernoquantono

domínioexterno.Doutramaneiranãoseexplicariaolugarquaseínfimo

Page 579: Ciência Política - Archive

quesevemconcedendonasConstituiçõesmaisrecentesaosinstitutos

outroratãolouvadosdademocraciasemidireta.

Deúltimo,porém,adescrençageneralizadanospartidostem

determinadoumareversãotocanteaofuturodosinstrumentosda

democraciasemidireta,comoseinferedapresençadealgunsdos

mesmosnaConstituiçãobrasileirade1988,conformeconstadoart.17,

incisosI,IIeIII(plebiscito,referendoainiciativapopular).

Page 580: Ciência Política - Archive

5.

A

democracia

e

os

partidos

políticos:

a

realidade

contemporâneadoEstadopartidário

Enfim,cabe-nosanalisaroaspectodaimportânciaque

contemporaneamenteseatribuiàconexãodospartidospolíticoscoma

democracia.Emverdade,oEstadodenossosdiasédominantemente

partidário.

Prende-senofundoessadimensãonovaàsexigênciasdasmassas

quenointeriordasociedadeburguesasesublevaramcontraoseu

destino.Airresistívelpressãooriundadascamadaseconomicamente

inferioresdasociedadeproduziupoisanecessidadedoempregodeum

instrumentoquedeprontoservisseàcomunicaçãodosanseios

Page 581: Ciência Política - Archive

popularesdeteorreivindicatório.TalinstrumentonoséculoXXnãoé

outrosenãoopartidopolítico.

Amedidaquecresceaparticipaçãopopularnoexercíciodopoder,

ouosfinsdaatividadeestatalsedirigemdepreferênciaparao

atendimentodosclamoresdemelhoriaereformasocial,erguidospelas

classesmaisimpacientesdasociedade,cresceconcomitantementeo

prestígiodopartido,esefirmanoconsensogeralaconvicçãodequeele

éimprescindívelàdemocraciaemseuestadoatual,ecomelase

identificaquantoatarefas,finsepropósitosalmejados.

OEstadosocialconsagrapoiscorajosamentearealidade

partidária.Tantonademocraciacomonaditadura,opartidopolíticoé

hojeopoderinstitucionalizadodasmassas.Forma,naimagem

belíssimadeSirErnestBarker,aquelaponteoucanal,atravésdaqual

ascorrentesdaopiniãoafluemdaáreadasociedade,ondenascem,

paraaáreadoEstadoesuasinstituições,ondeafetamoudirigemo

cursodaaçãopolítica.22

Essacoincidênciadopartidopolíticocomademocraciaemnossos

diasnãoobliteratodaviaalgumascontradições.Doutrinariamente,

haviamsidoentrevistasjápelogênioprecursoreproféticodeRousseau.

Emverdade,todooconsentimentodasmassas,manifestoou

presumido,consoanteaordempolíticasejalivreouautoritária,háde

Page 582: Ciência Política - Archive

circularsempreatravésdeumórgãooupoderintermediário,ondecorre

porémoriscodealienar-seporinteiro.Esseórgãovemaseropartido

político.

Aliçãodenossaépocademonstraquenãoraroospartidos,

considerados

instrumentos

fundamentais

da

democracia,

se

corrompem.Comacorrupçãopartidária,ocorpoeleitoral,queéopovo

politicamenteorganizado,saibastanteferido.

Noseiodospartidosforma-selogomaisumavontadeinfiele

contraditóriadosentimentodamassasufragante.Atraiçoadasporuma

liderançaportadoradessavontadenova,estranhaaopovo,alheiade

seusinteresses,testemunhamasmassasentãoamaiordastragédias

políticas:ocolossallogrodequecaíramvítimas.Indefesasficamea

democraciaqueelascuidavamestarseguraeincontrastavelmenteem

suasmãos,escapa-lhescomoumamiragem.

Aditadurainvisíveldospartidos,jádesvinculadadopovo,

estende-seporoutroladoàscasaslegislativas,cujarepresentação,

Page 583: Ciência Política - Archive

exercendodefatoummandatoimperativo,baqueiadetododominada

ouesmagadapeladireçãopartidária.

Opartidoonipotente,aestaaltura,jánãoéopovonemasua

vontadegeral.Masínfimaminoriaque,tendoospostosdemandoeos

cordõescomqueguiaraaçãopolítica,desnaturounesseprocessode

conduçãopartidáriatodaaverdadedemocrática.

Quandoafatalidadeoligárquicaassimsecumpre,segundoalei

sociológicadeMichels,dademocraciarestamapenasruínas.Uma

contradiçãoirônicaterádestruídooimensoedifíciodasesperanças

doutrináriasnogovernodopovopelopovo.Nenhumaameaçamais

sombriadoqueestapesasobreademocraciaemsuasnúpciascomo

partidopolíticonaidadedasmassas.FazlembrarRousseaueo

anátemaqueelearremessousobreademocraciarepresentativa.Faz

lembrarigualmenteasuperioridadedademocraciadiretanoexemplo

saudosodovelhopadrãoateniense.

Masnospõetambémamemóriapolíticaderetornoaocorretivo

constitucionaldademocraciasemidireta,cujaspráticas,judiciosamente

intensificadas,poderiamcontrabalançartalvezoabsolutismoda

burocraciapartidária,dosoligarcasquerecebemdademocraciaopoder

dedestruirademocraciamesma.

Nãoraroaoligarquiapartidáriaconservaopoder,conservandodo

Page 584: Ciência Política - Archive

mesmopassooemblemademocrático.Todavia,amortedoregimese

achapróxima,oujáseconsumou,porquenãovivemasinstituições

democráticasdeumnomeoudeumrótulo,senãodaquelaprática

efetiva,dondenãohajadesertadoaindaavontadepopular.Quandoa

chamada“leidebronze”dademocraciapartidáriadenossosdias

transfereopoderparaaliderançaoligárquicacristalizadanoseiodos

partidos,alguém,levandoacontradiçãoatéaofim,ergueráoclamor

contraospartidoseemnomedademocraciamesmapedirásejameles

suprimidos.

Comasupressãodospartidos,ademocraciavemaexpirar,mas

suaextinçãoaomenosnãoseteráfeitosobomantodahipocrisia

oligárquica,devoradoradosprincípiosdemocráticos,tantona

organizaçãointernadospartidoscomonaestruturaexternadopróprio

poder.

AdemocraciadoEstadosocialéademocraciadoEstado

partidário,quesenãoconfundecomademocraciaparlamentare

representativadoEstadoliberal.Nelasãoospartidosaexpressãomais

vivadopoder.Caracteriza-secomodemocraciacoletivista,social,onde

acompreensãodosvaloreshumanosterádefazer-sesemprecom

referênciaagruposenãoaindivíduos.

Masogrupoeoseupluralismonasociedadenãopodemser

Page 585: Ciência Política - Archive

consideradosnuncacomofimemsimesmossenãoalgoqueémeioe

instrumentoparaasafirmaçõesbásicasdapersonalidade.Ohomemse

conservarásemprepontodepartidaedestinatáriodetodaaaçãosocial.

Quantoaospartidos,estesseconverteramnaforçacondutorado

destino

da

coletividade

democrática.

Sua

ação

absorveu

a

independênciadorepresentante,fê-loumdelegadodaconfiança

partidária,mudou-lheporconseqüênciaanaturezadomandato.A

disciplinapolíticanointeriordospartidossobreocomportamento

externodosseusmembrosnascasaslegislativassevaitornandocada

vezmaisefetiva,combasenumalegislaçãoqueentregajuridicamenteo

Estadoaospartidos.

ComoEstadopartidário,todoosistemarepresentativo

tradicionalentraemcrise.Oeleitor,odeputado,oParlamentomesmo

tomamcaráterdistintodoquetinhamduranteoEstadoliberal.

Page 586: Ciência Política - Archive

Sobreo“eleitor”,GilbertoAmadojáescrevera:“Emtodosos

paísesoeleitornãovota“livre”,istoé,foradospartidos.Nãoéadmitido

avotarsenãoemnomedospartidos,nosistemauninominal,nas

pessoasquerepresentamessespartidos;nosistemaproporcional,nas

idéiasounoprogramadessespartidos”.23

Nãoétodaviaessadependênciatécnicadoeleitoraopartidoque

sehádedestacar,paradaípreconizarpordemocráticaaconveniência

duvidosadosufrágioavulso,masprincipalmenteafaculdademaiorou

menorreconhecidaaocidadãodeintervirativamente,comtodaa

freqüênciapossível,naformaçãodavontadepolítica,sebemquesó

alcancefazê-lodentrodosistemadeopçõesqueumquadropolítico-

partidáriopluralistalhepossaoferecer.

Odeputado,contemporaneamente,éohomemdepartido.

Remotososdiasemqueele,àmaneiradeSirWilliamYonge,na

Inglaterra,poderiaproclamar-sedetodolivreparaatuardomodoque

cuidassemaisconsentâneocomobemgeral.

Acoaçãopartidáriamodernamenterestringealiberdadedo

parlamentar.Aconsciênciaindividualcedelugaràconsciência

partidária,osinteressestomamopassoàsidéias,adiscussãosefaz

substituirpelatransação,apublicidadepelosilêncio,aconvicçãopela

conveniência,oplenáriopelasantecâmaras,aliberdadedodeputado

Page 587: Ciência Política - Archive

pelaobediênciasemi-cegaàsdeterminaçõesdospartidos,emsuma,as

casaslegislativas,dantesórgãosdeapuraçãodaverdade,setransfazem

emmerosinstrumentosdeoficializaçãovitoriosadeinteresses

previamentedeterminados.

NoEstadopartidário,adiscussãoparlamentaremseusmoldes

clássicosesolenesficaquaseproscrita,comospartidosesuas

representaçõesbuscandoantesimpor-seaoadversáriodoque

persuadi-lo.

Examinandocomacuidadeosignificadodessacrisenapassagem

dademocracialiberalparaademocraciasocial,GustavoRadbruch

excelentementeescrevia,aoabrir-seadécadade1930,queem

semelhanteestadodecoisasnãosetratadeconvencerocompetidor,

masdecoagi-loouesmagá-lo,poisalutapelopodersubstituiem

definitivoalutapelaverdade.24

1.J.J.Rousseau,DuContratSocial,p.128.

2.MauriceDuverger,LesPartisPolitiques,2ªed.,p.464.

3.AfonsoArinosdeMeloFranco,“Maturidade”,JornaldoBrasil,1.11.1964.

4.MarnocoeSousa,DireitoPolítico,p.113.

5.VilfredoPareto,SociologiaGeral,apudMenottiDelPicchia,ACrisedaDemocracia,

p.45.

Page 588: Ciência Política - Archive

6.EmílioBouthoux,MoraleDemocraciaapudMenottiDelPicchia,ob.cit.,p.68.

7.HansKelsen,VomWesenundWertderDemokratie,2ªed.,pp.3-13.

8.“Lincoln’sAddressatGettysburg”,in:RiversideLiteratureSeries,p.124.

9.“UmpovosemÁgoraeraumpovoescravo,comohojeoéumpovosemliberdadede

opiniãoesemdireitoaosufrágio”(FrancescoNitti,LaDémocratie,t.I,p.53).Veja-seo

mesmoautor:ob.cit.,p.52.

10.FrancescoNitti,LaDémocratie,t.I,p.11.

11.JosédeAlencar,SistemaRepresentativo,p.36.

12.FrancescoNitti,ob.cit.,p.41.

13.Idem,ibidem,p.42.

14.Idem,ibidem,p.43.

15.Idem,ibidem,p.43.

16.J.C.Bluntschli,AllgemeineStaatslehre,6ªed.,p.546.

17.Ob.cit.,p.546.

18.CarlosSanchezViamonte,ManualdeDerechoPolítico,p.186.

19.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.237.

20.MarcelPrélot,InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel,2ªed.,p.85.

21.JosephBarthélemyePaulDuez,TraitéÉlémentairedeDroitConstitutionnel,pp.

22.ErnestBaker,BritainandtheBritishPeople,2ªed.,p.41.

Page 589: Ciência Política - Archive

23.GilbertoAmado,EleiçãoeRepresentação,p.175.

24.GustavRadbruch,“DiepolitschenParteienimSystemdesdeutschen

Verfassungsrecht”,inHandbuchdesDeutschenStaatsrechts,v.I,pp.286-287.

20

OSINSTITUTOSDA

DEMOCRACIASEMIDIRETA

1.Osinstitutosdademocraciasemidireta—2.Oreferendum:2.1

Modalidadesdereferendum—2.2Ocritériodaclassificaçãodo

referendum—2.3Oreferendumconsultivo—2.4Oreferendum

arbitrai—2.5Asvantagensdoreferendum—2.6Os

inconvenientesdoreferendum—2.7Síntesedosresultadosdo

referendumnoconstitucionalismocontemporâneo:ocaráter

conservadorereacionáriodainstituição—3.Oplebiscito—4.A

iniciativa—5.Odireitoderevogação:5.1Orecall—5.2Orecall

dosjuizesedasdecisõesjudiciárias—5.5OAbberufungsrecht—

6.Oveto.

Page 590: Ciência Política - Archive

1.Osinstitutosdademocraciasemidireta

A

ingerência

direta

do

povo

na

obra

legislativa

fora

doutrinariamentepreconizadadesdeoséculoXVIII,quandoRousseau

escreveuque“osdeputadosnãosãonempodemserrepresentantesdo

povo;sãoapenasseuscomissários:nadapodemconcluiremmaneira

definitiva”.Eacrescentou:“Todaleiqueopovopessoalmentenãohaja

ratificadoénula:nãoélei”.1

Comodificilmentesepoderiavolveràsoluçãopolíticadogoverno

direto,exeqüívelnaquelesEstados-cidadedaGrécia,“ondedoaltode

umaacrópolesevislumbratodooterritório”2oconstitucionalismo

democráticodaidadecontemporânea,maisintimamenteligadoàs

Page 591: Ciência Política - Archive

inspiraçõesdadoutrinadasoberaniapopular,elegeualguns

instrumentosdeparticipação,quedãoaopovo,conservadasemboraem

parteasformasrepresentativas,apalavrafinalrelativaatodooato

governativo.Éoqueocorrecomademocraciasemidireta.

Essesinstrumentosdeparticipaçãosereduzem,segundo

Duverger,aduascategoriasbásicas:oreferendumeainiciativa.Coma

iniciativa,ocorpoeleitoralprovoca,aindadeacordocomopublicista

francês,adecisãodosgovernantes;comoreferendum,intervémele

diretamentenoatopúblico,viaderegranormativo,querpararatificá-

lo,querpararejeitá-lo.3

Usualmenteporémenumeramostratadistasdodireitopúblicoos

seguintesmecanismosdademocraciasemidireta,tomando-osnuma

acepçãomenosgenéricaemaisrestrita:oreferendum,oplebiscito,a

iniciativaeodireitoderevogação.Algunsacrescentamumquinto

elemento:oveto,asaber,ochamadoreferendumfacultativo,dando-lhe

Conseguintementeumlugaràparte,comoinstituição,noquadrodas

técnicasdogovernosemidireto(Prélot).

Page 592: Ciência Política - Archive

2.OreferendumComoreferendum,opovoadquireopoderdesancionarasleis.

Tudosepassa,segundoaponderaçãodaBarthélemyeDuez,comono

sistemadegovernorepresentativoordinário,emqueoParlamento

normalmenteelaboraalei,masesta“sósefazjuridicamenteperfeitae

obrigatória”,depoisdaaprovaçãopopular,istoé,depoisqueoprojeto

oriundodoParlamentoésubmetidoaosufrágiodoscidadãos,“que

votarãopelosimoupelonão,porsuaaceitaçãoouporsuarejeição”.4

Page 593: Ciência Política - Archive

2.1ModalidadesdereferendumApresentaoreferendumdistintasmodalidades,variáveissegundo

osEstadosqueadotamessainstituiçãodademocraciasemidireta.A

classificaçãomaisfreqüenteabrangeasseguintesformas:

a)Comrelaçãoàmatériaouaoobjeto,podeoreferendumser:

constituinteoulegislativo.Oreferendumconstituinteocorrequandose

tratadeleisconstitucionaiseoreferendumlegislativoquandoseaplica

aleisordinárias.5

b)Quantoaosefeitos,distingue-seoreferendumconstitutivodo

referendumab-rogativo.Comoreferendumconstitutivo,anorma

jurídicaentraaexistir;comoreferendumab-rogativo,anormavigente

expira.6

c)tocanteànaturezajurídica,temosoreferendumobrigatórioeo

referendumfacultativo.Éobrigatóriooreferendumquandoa

ConstituiçãodispõequeanormaelaboradapeloParlamentoseja

submetidaàaprovaçãodavontadepopular.Éfacultativoquandose

confereadeterminadoórgãoouaumaparceladocorpoeleitoral

competênciaparafazerourequererconsultaaoseleitores,consultaque

nãorepresentaporconseguinteobrigaçãoconstitucional.

d)Comrespeitoaotempo,distingue-seoreferendumantelegem

Page 594: Ciência Política - Archive

doreferendumpostlegem.Oreferendumantelegem,tambémconhecido

pelasdenominaçõesdereferendumanterior,consultivo,preventivoou

programático,éaqueleemqueamanifestaçãodavontadepopular

antecedealei,emquesebuscaconhecerdeantemãooparecerou

pensamentodamassaeleitoralacercadeatolegislativoordináriooude

determinadareformaconstitucionalqueseproponha.

Oreferendumpostlegem,igualmenteconhecidoporreferendum

sucessivooupós-legislativo,éaqueleque“seseguecronologicamenteao

atoestatalparaconferir-lheoutolher-lheexistênciaoueficácia”.7Éo

referendumemquealeivotadajápelopoderlegislativo,ordinárioou

constituinte,vaisersujeitaàvontadepopular,queentãosemanifesta

demodofavoráveloudesfavorávelàmesma.

Juridicamente,aleientraaexistirpoiscomoresultadoda

colaboraçãodiretadoramopopularcomopoderrepresentativodas

assembléias.Essepoderintervémnumaprimeirafasedeelaboração

legislativa,aopassoqueopovoparticipanasegundafase,quevema

seraqueladaconsultafeitaatravésdoreferendum,medianteoqual,de

formadecisiva,seaprovaourejeitaaproposiçãonormativapendente.

2.2Ocritériodeclassificaçãodoreferendum

Nasclassificaçõescujaexposiçãofizemos,segue-seocritériomais

empregado:odavinculaçãodoreferendumcomasleis.Existemporém

Page 595: Ciência Política - Archive

outroscritérios,menosestritos,maislargos,bastanteflexíveis,quese

inclinamaconsiderarporobjetodoreferendumnãosomenteosatos

normativos,asleis,senãotodasasquestõesimportantesdavida

pública.

Tratadistasprofundosdodireitopolíticocontemporâneoacolhem

nãoraroessaorientação,quesacrificaumtantoorigordoconceitode

referendum,emproveitodeumâmbitomaisvastoparaomesmo.

Àforçadessealargamento,cabemnoreferendummodalidadesde

consultapopulardifíceisdeclassificarquandoporessainstituiçãoda

democraciasemidiretaseentendemapenasosatoslegislativos

encaminhadosaosufrágiodocolégiopolítico.

XifraHeras,oeminenteconstitucionalistaespanholdistinguindo

oreferendumconsultivodoreferendumarbitrai,aquesedeutambémo

nomedereferendumplebiscitário,confirmaocritérioquejávinha

perfilhandodeclassificardemodomenosapertadopossívelasformas

dereferendumpraticadasnosEstadosdademocraciasemidireta.

Page 596: Ciência Política - Archive

2.3OreferendumconsultivoDificilmenteselograriaexplicaroreferendumconsultivoesua

variadaaplicaçãosemessaamplitudequefazoreferendumterpor

objetodistintasformasdeatopúblicoenãosomentealei

eventualmenteproposta.

Aquinãosetratadereferendumanterioradeterminada

proposiçãolegislativa,masaqualqueratopúblico,buscando-se

recolherformalmenteamanifestaçãodavontadepopular.O

referendum,assimconcebido,podeser,pelassuasconseqüências:

vinculante,deopçãoemeramenteconsultivo.

Vinculante,comoaquelequelevouaItáliaainstituir,apósovoto

popularde2dejunhode1946,aformarepublicanadegoverno;de

opção,àsemelhançadoquecolocouopovofrancêsempresençadetrês

soluçõespolíticasparaosseusdestinosnacionais,noanomesmoda

libertaçãodapátria:oretornoàsleisconstitucionaisdaTerceira

República,de1875,aeleiçãodeumaassembléiaconstituintemunida

deplenospoderesouaeleiçãodeumaassembléiacompoderes

limitados(soluçãoestaúltimaaceitapeloreferendumde21deoutubro

de1945),e,porfim,oreferendummeramenteconsultivo,semcaráter

vinculante,emqueavontadeexpressapelopovotemteortão-somente

Page 597: Ciência Política - Archive

opinativodeobservânciaportantofacultativa.8

Page 598: Ciência Política - Archive

2.4OreferendumarbitralOreferendumarbitraloudearbitragemfoiinstituídona

Alemanha,peloconstituintedeWeimar,parasolver,emdefinitivo,na

maisaltainstânciapolítica,queéopovosoberano,eventuaisconflitos

denaturezalegislativaentreotitulardoPoderExecutivo—oPresidente

daRepública—eosmembrosdoPoderLegislativo(Constituiçãode

Weimar,art.74).

Afórmulaarbitraidessereferendumseaplicavatambémà

soluçãodedesinteligênciasacercadematérialegislativaentreasduas

Casasdarepresentação,asaber,o“Reichstag”eo“Reichsrat”.

Comessatécnicareferendariaopovosetornavaárbitrode

pendênciasentreospoderespúblicos.Constavaeladosartigos43e73

daConstituiçãodeWeimar,bemcomodon.46daConstituiçãoda

antigaTchecoslováquia,de29defevereirode1920.

AsConstituiçõesdealgumasunidadesdaFederaçãoalemã,

promulgadasdepoisdaSegundaGrandeGuerraMundial,conservam

esseinstituto,nomeadamenteasdeBaden(art.94)edaRenânia(art.

109).

Haviaainda,nademocraciasemidiretadaAlemanhadeWeimar,

apossibilidadedessereferendumarbitraiocorrercasoseestabelecesse

Page 599: Ciência Política - Archive

umconflitosobreleisentreosmembrosdeumamesmaCâmara,no

casoo“Reichstag”(art.73).

Page 600: Ciência Política - Archive

2.5AsvantagensdoreferendumNoreferendum,tantoquantonademocraciasemidiretaemgeral,

depositaram-selargasesperanças,nomeadamenteduranteasprimeiras

décadasdesteséculo.OsEstadosUnidossaudaramcomentusiasmo

juvenilalegislaçãodireta,vendonasnovasinstituiçõesagrande

panacéiaparaasenfermidadesdopoderdemocrático.

AAlemanha,porsuavez,elevouogovernosemidireto,pela

palavradePreuss,naConstituiçãodeWeimar,àcategoriade

“postuladodademocracia”.9

EmváriasConstituiçõeseuropéiasulterioresàPrimeiraGrande

GuerraMundialfez-sequasepraxeabrirumlugaràsinstituiçõesda

democraciasemidireta.Oreferendum,principalmente,reúnedesde

entãomassasconsideráveisdeadeptosfervorososeimpugnadores

tenazes.Alutadosargumentosmostra,deumaparte,asvantagens,

doutraparte,osinconvenientesdessemecanismoessencialdogoverno

semidireto.

Afavordoreferendum,recomendandotantoquantopossívelsua

adoção,citam-seasseguintesrazões:“servedeanteparoàonipotência

eventualdasassembléiasparlamentares;tornaverdadeiramente

legítimapeloassensopopularaobralegislativadosparlamentos;dáao

Page 601: Ciência Política - Archive

eleitorumaarmacomquesacudiro“jugodospartidos”;fazdopovo,

menosaqueleespectador,nãoraroadormecidoouindiferenteàs

questõespúblicas,doqueumcolaboradorativoparaasoluçãode

problemasdelicadosedamaisaltasignificaçãosocial;promovea

educaçãodoscidadãos;banedascasaslegislativasainfluência

perniciosadascamarilhaspolíticas;retirados“bosses”odomínioque

exercitamsobreogoverno”.10

Aconfiançapostanainstituiçãotranspareceemafirmativascomo

esta:“Graçasaoreferendumrecobraoeleitorsuasoberania,ficandoo

governodetodosportodosrestauradonamedidadopossível”.11Ouem

expressõesdessevigor:“Semoreferendum,asoberaniadopovoé

apenasumailusão,escreviaÉmileOlivier,em1864.Elasóseexerce

umúnicominutocadaquatroouseisanos:ominutoemqueoeleitor

depositanaurnaoseuvoto.Atéàconsultaseguinte,porém,osoberano

ficaadormecido...Oreferendumomantémdespertoeemestadode

conterouretificarosdesviosdeseusrepresentantes”.12

Page 602: Ciência Política - Archive

2.6OsinconvenientesdoreferendumAessasvantagens,contrapõem-setodaviagravesinconvenientes:

odesprestígiodascâmaraslegislativas,conseqüenteàdiminuiçãode

seuspoderes;osíndicesespantososdeabstenção;ainvocaçãodo

argumentodeMontesquieuacercadaincompetênciafundamentaldo

povoeseudespreparoparagovernar;13acenamudaemquese

transformaoreferendumpelaausênciadedebates;osabusosdeuma

repetiçãofreqüenteaoredordequestõesmínimas,semnenhuma

importância,queacabariamprovocandooenfadopopular;o

afrouxamentodaresponsabilidadedosgovernantes(aomenorembaraço

comodamentetransfeririamparaopovoopesodasdecisões);o

escancarardeportasàmaisdesenfreadademagogia;emsuma,o

dissídioessencialdainstituiçãocomosistemarepresentativo.14

2.7Síntesedosresultadosdoreferendumnoconstitucionalismo

contemporâneo

Desfeitasasprimeirasilusões,esfriadooentusiasmodelirante

daslargassoluçõescomqueacenavaademocraciasemidireta,viu-se

queoreferendumdeixavaaindadesatendidosinumeráveispontoscuja

soluçãofácilpropugnadoresardenteshaviamjáentrevisto.

Tomandoaesserespeitoposiçãomoderadaereformadorados

Page 603: Ciência Política - Archive

juízosseverosdeváriosautores,bemcomododerramamento

encomiásticodealgunsmais,oconstitucionalistaitalianoBiscarettidi

Ruffia

subordina

a

admissão

do

referendum

“às

seguintes

circunstâncias:sersolicitadoporumaparceladeeleitoresnunca

inferioradezporcento,ofereceratodoselesplenainformaçãoacerca

daquestãodiscutida;seralheioaoinfluxodospartidos(nãodevendo

coincidircomaseleiçõesparlamentares),demodoquehajadeexcluir

determinadascategoriasdeleis(urgentes,financeiras,etc),devendo

cadavotaçãoconcretalimitar-seamuipoucasquestões.”15

Ojuízodopovonosassuntosgovernativosemite-secom

segurançaerecomendaaaplicaçãodoreferendumnasquestõesque

envolvemprincípiosgeraisefundamentaisdavidapolítica,nasgrandes

leisemqueseestampauminteressenacionalprofundo,naquelas

medidasamplasmassuscetíveisdeobterdoeleitorado“umaresposta

Page 604: Ciência Política - Archive

afirmativaounegativafácil”,escapandoporémàsuapercepçãoas

proposiçõesmaisdelicadasoutecnicamentecomplicadas,pelasquais

“opovo,oujánãoseinteressa,oujánãotemcompreensão”para

pronunciar-searespeitodasmesmas.16

Dopontodevistadoutrináriohouvemanifestotemordequeo

povo,depossedaqueleinstrumento,fosseutilizá-loparamudanças

sociaisintempestivas,abruptas,irrefletidas.Odescostumeemquese

achavaaindaaEuropadeumaintervençãopopularmaisassíduaou

enérgicaemquestõesdegovernofezlevantarasuspeitadeque,

conferindo-seaopovooamplíssimodireitodeparticipaçãocontidono

referendum,seuempregorevolucionárioabalariafundoasestruturas

sociaisdeaparênciamaisestável.Via-senainstituiçãoimpugnada“um

agentedeprofundatransformaçãoedesorganizaçãosocial”.17

Surpresaespantosaporémseteve,quandoosresultadosda

aplicaçãodomecanismopatentearamosentimentohostildopovoàs

inovações,aindaaquelasqueeramfrutosdesuainiciativa.Esse

comportamentopopularantiprogressistalevoudoisescritorespolíticos

aobservaremcomacuidadeque,“nofundo,amassadopovoé

conservadoraetemmedododesconhecido”.18

NaSuíça,opovovotavareacionariamentecontraasmedidasde

inspiraçãosocialista,chegandoapontoderejeitaroprojetoque

Page 605: Ciência Política - Archive

mandavainscrevernaConstituiçãoodireitoaotrabalho.19O

referendumconduziu,pois,nasmontanhasdaSuíça,comoaliásjá

ponderouDuverger,“àconservaçãodostatusquoeàrejeiçãodos

projetosdereforma”,20sendoaquelepaísoúnicoEstadodemocrático

domundo,cujopovo,exercitandodiretamenteopodersoberano,barrou

commanifestoobscurantismoaimplantaçãodosufrágiofeminino.21

NaAustrália,omesmoantiestatismopopularsefezvisível.,Na

Alemanha,franqueouoreferendumocaminhoàsinvestidassoezes

contraademocracia,feridademortepeloinstrumentoaquecometera,

nãotantoasobrevivênciaquantoapurezamesmadasinstituições

democráticas,sualegitimidade,suaautenticidade,seuaprimoramento.

Meneandooantigoaparelhodemocrático,ototalitarismofê-loassim

irreconhecível.Emsuma,osresultadosdoapeloaoreferendum

denotampoliticamenteocaráterconservadordainstituição.

Page 606: Ciência Política - Archive

3.OplebiscitoOplebiscitoeoreferendumsãotermosdovocabuláriopolíticoque

nãoraroseempregamindiferentementeparasignificartodamodalidade

dedecisãopopularoudeconsultadiretaaopovo.

Empaísesdedemocraciasemidireta,comoaSuíça,nãosehá

atentadocomrigornadistinçãoqueinumeráveispublicistasreclamam

parafazercientificamenteprecisasasduasnoções.Essadistinção,com

queseintentaoperaraautonomiaconceitualdoplebiscitoemfacedo

referendum,deuatéagoraosseguintesresultados:

a)Oplebiscito,aocontráriodoreferendum—circunscritosempre

aleis—seriaum“atoextraordinárioeexcepcional,tantonaordem

internacomoexterna”.Teriaporobjetomedidaspolíticas,matéria

constitucional,tudoquantosereferisse“àestruturaessencialdo

Estadooudeseugoverno”,àmodificaçãoouconservaçãodasformas

políticas,comoseexpressanadoutrinaitalianadominante(Santi

Romano,BiscarettidiRuffia,Mortati).

Asmudançasterritoriais,asvariaçõesnaformadegoverno,como

asqueem1860conservaramopoderdaCasadeSavóia,naItália,ou,

depoisdaSegundaGuerraMundial,aluíramamonarquiapeninsular

sãotodasresultadodeconsultaspopularesdenaturezatipicamente

Page 607: Ciência Política - Archive

plebiscitária.22

b)Determinadospublicistasopinamporémqueoplebiscitoseca-

racterizacomoum“pronunciamentopopularválidoporsimesmo”,in-

teiramenteunilateral,queindependedoconcursodequalqueroutroór-

gãodoEstado.

Medianteessepronunciamento,avontadedopovo,sozinha,em

todaaplenitude,semcolaboraçãoestranha,tomaadecisãooufazalei

(Battelli,Crosa,Laferrière).Nessaacepçãolata,oplebiscito,ao

contráriodoquesedánadoutrinaantecedente,seestendeàesferadas

decisõeslegislativas,compreendendotodasasleisquenãoresultemda

“obracomumdoParlamentoedopovo”.23

Frutodessaobracomumousolidáriadecolaboraçãoéocasode

todaalegislaçãosujeitaareferendum,aqual,paraexistir,necessita

imprescindivelmentedoconsentimentodedoisórgãosnoexercícioda

mesmafunção:oparlamentoeopovo.Paraoatoplebiscitário,basta

apenasavontadedopovo.

c)EmFrança,publicistaseminentescomoHaurioueDuverger

desenvolveramumadoutrinasobreoplebiscito,queconsente

caracterizá-loatravésdedoistraçosprincipais:emprimeirolugar,a

consultaplebiscitária,desdequenãopassedeumreferendum

“imperfeito”ou“deteriorado”,nenhumaalternativaofereceaocorpo

Page 608: Ciência Política - Archive

eleitoral(estranhoàelaboraçãodoato,oeleitorsecingetão-somentea

aprová-loourejeitá-lo)24e,emsegundolugar,oato,viaderegra,

implicaumaoutorgadepoderesouumamanifestaçãodeconfiançaao

ChefedeEstado,sendooplebiscitoporconseguinteainstituiçãoque

usualmenteprepara,esobreaqualseassentaemapelosfreqüentesao

povo,ademocraciacesariana.

HajavistaoquesepassouemFrança,comasucessãodos

plebiscitosnapoleônicos:osdeNapoleãoI,relativosaoConsulado

(1799),àvitaliciedadedoCônsul(1802)eàcoroahereditáriadoImpério

(1804),bemcomoosdeNapoleãoIII,primeiro,em1852,pararestaurar

oImpério,apósogolpedeEstado;e,aseguir,em1870paraaprovara

ConstituiçãooutorgadaafimdeevitaraquedadomesmoImpério.

EntendeDuvergerqueadistinçãoentreplebiscitoereferendum

deveserrigorosa.Aopassoqueoreferendumdemandaapenasa

“aprovaçãodeumareforma”,oplebiscito“consisteemdarconfiançaa

umhomem”,conceder-lhefaculdadesilimitadasdepoder,prestigiá-lo

com

ampla

base

de

sustentação

Page 609: Ciência Política - Archive

popular,

identificando

ou

harmonizandoacausadogovernantecomossentimentoseinteresses

dasclassespopulares;enfim,segundoomesmoautor,noreferendum

“vota-seporumtexto”;noplebiscito,“porumnome”.25

Page 610: Ciência Política - Archive

4.AiniciativaDetodososinstitutosdademocraciasemidiretaoquemais

atendeàsexigênciaspopularesdeparticipaçãopositivanosatos

legislativosétalvezainiciativa.

Ovetoeoreferendum,segundoLaferrière,apenas“asseguramao

povoqueelenãoserásubmetidoaumalegislaçãoquenãoqueira”,mas

nãoobrigamjuridicamenteoparlamentoalegislar.26Conferemtão-

somenteaopovoopoderdeembargaraquelasleisdaassembléia

parlamentarqueselheafiguremnocivas,aopassoqueainiciativa

popularproporcionaaocorpodecidadãosoexercíciode“uma

verdadeira

orientação

governamental”,27

consubstanciada

na

capacidadejurídicadeproporformalmentealegislaçãoquenoseu

parecermelhorconsulteointeressepúblico.

Fá-loaliásnoexercíciodedireitoquenãopodesertolhido,desde

que,paratanto,determinadafraçãodocorpoeleitoralreúnaonúmero

legaldeproponentes,indispensáveladaroimpulsolegislativo,doqual

Page 611: Ciência Política - Archive

resultará“oestabelecimentodenovasleisouaab-rogaçãodas

existentes”,28tantoemmatériadelegislaçãoordináriaquanto

constitucional.

Éfreqüenteademaisacombinaçãodainiciativacomo

referendum,emdeterminadossistemasdedemocraciasemidireta,toda

vezquehajaconflitoentreopovoeoórgãoparlamentaraoredordelei

queprocedadainiciativapopular.

Configuradaestaúltimahipótese,chega-seporvezesaum

resultadolegislativoforadascasasdoparlamento,mercêdoreferendum

popular.Comefeito,asassembléias,pelainiciativa,seobrigamtão-

somenteadiscutirevotarosprojetosdeorigempopular,masnãoa

aceitá-los.Surgindoassimapendência,busca-seasoluçãono

referendum.Aleiseráentãofrutodiretoeexclusivodasoberana

vontadedopovo,conseqüentementesemparticipaçãodasassembléias

representativas,atémesmocontraaresistênciapolíticaqueestas

porventuralhehajammovido.

Comainiciativa,conformeponderaXifraHeras,“oscidadãosnão

legislam,masfazemcomqueselegisle”.29

Conhecem-seduasformasprincipaisdeiniciativa:ainiciativanão

formuladaeainiciativaformuladaouarticulada.

Ainiciativanãoformulada,classificadaporalgunstambémcomo

Page 612: Ciência Política - Archive

nomedesimplesoupura,éamesmamoçãododireitopúblicosuíço.Os

promotoresdainiciativapopularconsignamapenasostraçosgerais,a

inspiraçãodepropósitos,oprincípiodalei,cabendoaoórgão

representativodeliberantedarformaecursoaoprojetodestinadoa

atenderosentimentoqueessamodalidadedeiniciativavenhaa

exprimir.

Nainiciativa,opovoexerceapenasumdireitodepetição

vinculanteou“reforçado”,graçasaoqualobrigaoparlamentoa

prepararumprojetodeleisobredeterminadoassunto,bemcomo

discuti-loevotá-lo.30Votadaalei,exaure-seoprocesso.Massea

assembléiaserecusaapôrempautaamatériaourejeitaoprojeto,a

questãovolveaopovo,que,porsuavez,poderádevolvê-loàassembléia,

ficandoestaobrigadaaelaboraralei,aqualeventualmenteseráainda

objetodereferendum.31

Quandosetratademodalidadeformulada,ainiciativalevao

projetopopularàassembléianumtextoemformadelei,nãoraro

redigidojáemartigos,aparelhadoparaserdiscutidoevotado.Mas,

segundoLaferrière,podeacontecerqueaassembléiaorecuse,faça-lhe

consideráveisalteraçõesoudeixeexpiraroprazoquelheéassinado,

semsequerexaminá-lo.Nessecaso,acrescentaaquelepublicista,“o

projetooriundodainiciativaésubmetidoàaceitaçãoourejeiçãodo

Page 613: Ciência Política - Archive

povo,podendoaassembléiarecomendararejeiçãodomesmoou

contrapor-lheumcontraprojeto,queseráigualmenteconduzidoà

votaçãopopular”.32

Emfinsdoséculopassado(1898),adotou-sepelaprimeiraveza

iniciativapopular,noEstadodeSouthDakota,nosEstadosUnidos,

sendoporémoOregon(1904)oprimeiroEstadodaUniãoamericana

quefezusodessatécnicadogovernosemidireto.

AmatériaapareceutambémreguladapelaConstituiçãode

Weimar,queadmitiaainiciativaquandotomadanomínimopela

décimapartedoeleitorado.Tendopadecidocertodeclíniono

constitucionalismocontemporâneo,éainiciativaprevistaaindano

artigo29daleifundamentaldeBonnparaefeitodemodificaçãodo

territóriodosEstados(Laender)integrantesdaRepúblicaFederalda

Alemanha,bemcomonasConstituiçõesdaVenezuelaedaItália.Nesta

última—aConstituiçãoitalianade1947—50.000eleitores,deacordo

comoartigo71,inciso2,podemobrigaroParlamentoadiscutirum

projetoarticulado,oriundodainiciativapopular.

5.Odireitoderevogação

Emcertossistemasconstitucionaisqueconsagramademocracia

semidiretainstitui-seoutromecanismoexcepcionaldeaçãoefetivado

povosobreasautoridades,permitindo-lhepôrtermoaomandatoeletivo

Page 614: Ciência Política - Archive

deumfuncionárioouparlamentar,antesdaexpiraçãodorespectivo

prazolegal.

Essemecanismovemconsubstanciadonochamadodireitode

revogação.Doispaísesprincipalmenteoadmitem:aSuíçaeosEstados

Unidos.Arevogaçãoassumeduasmodalidadescorrentes:orecalleo

Abberufungsrecht.

5.1O“recall”

Éaformaderevogaçãoindividual.Capacitaoeleitoradoa

destituirfuncionários,cujocomportamento,porqualquermotivo,não

lheestejaagradando.

Determinadonúmerodecidadãos,emgeraladécimapartedo

corpodeeleitores,formula,empetiçãoassinada,acusaçõescontrao

deputadooumagistradoquedecaiudaconfiançapopular,pedindosua

substituiçãonolugarqueocupa,ouintimando-oaquesedemitado

exercíciodeseumandato.

Decorridocertoprazo,semquehajaademissãorequerida,faz-se

votação,àqual,aliás,podeconcorrer,aoladodenovoscandidatos,a

mesmapessoaobjetodoprocedimentopopular.Aprovadaapetição,o

magistradooufuncionáriotemoseumandatorevogado.Rejeitada,

considera-seeleitoparanovoperíodo.

DozeEstados-membrosdaUniãoamericanaaplicamorecall,que

Page 615: Ciência Política - Archive

temmaisvoganaesferamunicipaldoquenaestadual.Cercademil

municípiosamericanooadotam.Ainstituiçãoinexistenoplanofederal.

Naórbitaestadual,conformeassinalaDuverger,sãomodestososseus

resultados:umúnicoGovernador,odeOregon,em1821,caiupelo

recall,justamentenaqueleEstadoqueLowellbatizoucomo“omaiordos

laboratóriosdaexperiência-popular”.33

AConstituiçãodeWeimaremseuartigo71dispunhasobrea

destituiçãodoPresidentedoReich,apedidodoReichstag,atravésde

votaçãopopular.Feitaaconsulta,orecallseconsumavacomaqueda

doPresidente,quandooresultadodavotaçãolheeradesfavorávelou

comsuamanutençãonopoder,quandoaconfiançapopularlhe

renovavaomandato,reelegendo-oedissolvendooReichstag.34

NaantigaUniãoSoviética,ospublicistasdoregimejactavam-se

dodireitoderevogação,previstonoartigo142daConstituição,que

instituíaumaespéciedemandatoimperativodoschamados

representantesdasclassestrabalhadoras.Osdeputadosficavam

obrigadosaprestarcontaaoseleitoresdeseutrabalho,epodiamtero

mandatorevogadoaqualquermomento.

5.2Orecalldosjuizesedassentençasjudiciárias

AsConstituiçõesdoOregonedaCalifórniacontêmdisposições

queestendematémesmoaosjuizesaaplicaçãodorecall.Emvários

Page 616: Ciência Política - Archive

EstadosdaUniãoamericanaemprega-seesseprincípioderevogação,

queédosmaiscontroversoscomrespeitoaosmembrosdopoder

judiciário.

Combate-seorecalljudicial,porquantosealegaque,envolvendoo

juiznocentrodosmaisbaixosinteressespolíticos,acabariapor

suprimir-lheaindependênciaouconspurcaramajestadedatoga.

Invoca-seovelhopronunciamentodeTaftquandodisseque“osjuizes

paracumpriremdevidamentesuasfunçõesemnossogovernopopular,

precisamdesermaisindependentesqueemqualqueroutraformade

governo”.35

Háquementendaporémqueaboalógicadademocracia

semidiretadeveconduzirdenecessidadeaesseresultado:aorecall

judicial.AfirmamJosephBarthélemyePaulDuez,reportando-sesem

dúvidaaoargumentodoscorifeusdessainstituiçãoque,sesedeuao

povocomoreferendumopoderdeevitarasleismás,ecomainiciativa

popularafaculdadedeobterboasleis,nãoestariaremovidooperigode

frustraçãodessasconquistaspolíticas,casoconservasseojuiz,na

mesmaformademocrática,opoderdeparalisar,peladeclaraçãode

inconstitucionalidade,asleisquemaisdepertoconsultassemo

sentimentodereformaeprogressosocial,negandoaplicaçãoà

legislaçãoobreira.36

Page 617: Ciência Política - Archive

Algunsforammaislonge.Advogarameobtiveramnãosomenteo

recalldosjuizessenãoodasprópriasdecisõesjudiciais.Sustentaramo

princípiodeinvestiropovonodireitodecassarasentençadosjuizes,

deconstituí-lo,sepossível,emúltimainstância,paraconheceredecidir

daconstitucionalidadedalei.OprimeiroRoosevelt,quegovernouos

EstadosUnidosaocomeçodesteséculo,foivigorosoadeptodorecall.

Preconizouabertamenteaadoçãodessesistema,queacabousendo

introduzidonoColorado.

Apropósitodorecalldasdecisõesjudiciais,escrevemaindaos

publicistasfrancesesBarthélemyeDuez:“Estaestranhainstituição,

quefazprevalecer,nasoluçãodeespéciesparticulares,adecisãodo

corpodecidadãos,subverteanoçãotradicionaldojuizqueestatui,não

segundoaopiniãoprováveldopovo,masconformealeiedeacordo

comasuaconsciência;nãopôdeexplicar-sesenãopelaquebrade

prestígiodamagistraturaemmuitosEstados-membros.Roosevelt,

ademais,emseuprojeto,excluíadorecallasdecisõesdaSuprema

CortedosEstados”.37

Page 618: Ciência Política - Archive

5.3OAbberufungsrechtOAbberufungsrechtéaformaderevogaçãocoletiva.Aquinãose

trata,comonorecall,decassaromandatodeumindivíduo,masode

todaumaassembléia.Requeridaadissolução,pordeterminadaparcela

docorpoeleitoral,aassembléiasóteráfindoseumandatoapósvotação

daqualresultepatentepelaparticipaçãodeapreciávelpercentagem

constitucionaldeeleitoresqueocorpolegislativodecaiurealmenteda

confiançapopular.38SetecantõesnaSuíçaeumsemicantãodesse

mesmopaísadmitememsuasinstituiçõesoAbberufungsrecht.

Page 619: Ciência Política - Archive

6.OvetoInstrumentodeparticipaçãopopularnoexercíciodopoder,oveto

éafaculdadequepermiteaopovomanifestar-secontrárioauma

medidaoulei,jádevidamenteelaboradapelosórgãoscompetentes,e

emviasdeserpostaemexecução.

Certonúmerodecidadãos,emdeterminadoprazo,exercendo

direitoconstitucional,podefazercomqueumaleijápublicadaseja

submetidaàaprovaçãoourejeiçãodocorpoeleitoral.

Quandoapósapublicaçãodaleiexpiraoprazonoquala

consultaaopovopoderiaserrequeridaouprovocada,admite-sequea

leiestáperfeita,“aplicando-seporsimesma”.

DizDuvergerque“osilênciodopovoequivalepoisaaceitação”.39

Seopovoporémpedeaconsulta,estasefaz;eseavotaçãopopular

produzentãoresultadodesfavorável,considera-sealeiinexistente,

comosenuncahouverasidofeita.Oveto,cassandoalei,temefeito

retroativo.Nãosetrataportantode“simplesab-rogação”.40

Oveto,segundoassinalaBurdeau,“éprocessodeintervenção

muitomaisenérgicodoqueoreferendum.”Acrescentaopublicista

francêsque“nahipótesedoreferendum,otextoadotadopela

assembléianãoésenãoumprojeto”,aopassoquenocasodovetoo

Page 620: Ciência Política - Archive

povoestádiantedeumaleiacabada,comtodaaforçajurídicapara

entraremvigor,cumprindo-lhetão-somenteaprová-laourejeitá-la,isto

é,exercer“opoderdeimpedir”,quelhefoiconferidopeloordenamento

democrático.41

Algunsautoresnãofazemdistinçãoentreoinstitutodovetoeo

referendumfacultativo:equiparam-nos.Duverger,porexemplo.Santi

Romanoconsidera-osafins.42

1.J.J.Rousseau,DuContratSocial,p.159.

2.JosephBarthélemyePaulDuez,TraitéElémentairedeDroitConstitutionnel,pp.

121-122.

3.MauriceDuverger,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.228.

4.JosephBarthélemy&PaulDuez,ob.cit.,p.125.

5.Quantoàextensãodaingerênciaquetemnopoderavontadepopular,medianteo

referendumconstituinte,JosephBarthélemyePaulDuezinterrogameescrevem:

“Qualograuexatodeintervençãodopovopeloreferendumconstituinte?As

disposiçõesdasdiversasConstituiçõespodemresumir-senasseguintesregras:1ª)se

setrataderevisãototaldaConstituição,opovointervémduasvezes:aprimeiravez,

quantoaoprincípiomesmodarevisão(elevotaconventionounoconvention),a

segundavez,paraaprovarourejeitarotrabalhoderevisãoefetuadopela

Page 621: Ciência Política - Archive

convenção

(votafortheconstitutionouagainsttheconstitution;2ª)sesetrataderevisãoparcial,o

povointervémumasóvez:olegislativodecideacercadarevisãoeéunicamenteo

trabalhoderevisãoqueésubmetidoaoassentimentodoscidadãos(elesvotamapenas

fortheconstitutionouagainsttheconstitution)”.(Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.131).

6.BiscarettidiRuffia,DirittoCostituzionale,5ªed.,p.356.

7.Idem,ibidem,p.355.

8.JorgeXifraHeras,CursodeDerechoConstitucional,2ªed.,t.I,pp.396-397.

9.JosephBarthélemy&PaulDuez,ob.cit.,p.133.

10.JorgeXifrasHeras,ob.cit.,p.394eEdwardW.Carter&CharlesC.Rohlfing,

AmericanGovernmentanditsWork,p.643.

11.JosephBarthélemy&PaulDuez.cit.,p.134.

12.Idem,ibidem,p.134.

13.NoséculoXVIII,esseargumentodeMontesquieuimpressionou.Foidosquemais

seinvocaramparajustificaroregimerepresentativoaocomeçodademocracialiberal.

Cuidamporémosadeptosdademocraciasemidiretaqueofilósofoseenganouaodizer

queopovoéaptoparaescolherrepresentantes,masincapazparadiscernirquais

Page 622: Ciência Política - Archive

os

seuslegítimosinteresses.SustentamcomDuguiteoutrosqueaverdadeseacha

precisamentenaproposiçãocontrária,consoanteoêxitodalegislaçãoreferendada

estariaaconfirmar:“Opovoéprovavelmentemaisaptoparavotarboasleisdoque

paraescolherbonsrepresentantes”.Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.136eGeorges

Burdeau,TraitédeSciencePolitiqueIV,p.200.

14.JorgeXifraHeras,ob.cit.,p.394-395;Carter-Rohlfing,ob.cit.,pp.643-644.

15.BiscarettiDiRuffia,apudJorgeXifraHeras,ob.cit.,pp.394-395.

16.Barthélemy&Duez,ob.cit.,pp.138-139.

17.Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.142.

18.Idem,ibidem,p.143.

19.Idem,ibidem,p.141.

20.MauriceDuverger,ob.cit.,p.230.

21.Acercadastendênciasconservadorasdoeleitoradonademocraciasemidireta,

veja-se,GeorgesVedei,ManuelÉlementairedeDroitConstitutionnel,p.139,bemcomo

AlfredoSilvaBascunan,TratadodeDerechoConstitucional,t.1,p.260.

22.BiscarettiDiRuffia,ob.cit.,p.358.

23.JulienLaferrière,ManueldeDroitConstitutionnel,2ªed.,p.436.

Page 623: Ciência Política - Archive

24.BiscarettiDiRuffia,ob.cit.,p.358.

25.MauriceDuverger,ob.cit.,p.228.

26.Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.126.

27.JulienLaferrière,ob.cit.,pp.435-436;MauriceDuverger,ob.cit.,p.229.

28.ManuelGarcía-Pelayo,DerechoConstitucionalComparado,2ªed.,p.514.

29.JorgeXifraHeras,ob.cit.,p.405.

30.JosephBarthélemy&PaulDuez,ob.cit.,p.126.

31.JulienLaferrière,ob.cit.,p.436.

32.Idem,ibidem,p.436.

33.MauriceDuverger,ob.cit.,p.316;JorgeXifrasHeras,ob.cit.,p.406.

34.JorgeXifraHeras,ob.cit.,pp.407-409.

35.WilliamH.Taft,apudEdwardW.Carter&CharlesC.Rohlfing,TheAmerican

GovernmentanditsWork,p.646.

36.JosephBarthélemy&PaulDuez,ob.cit.,pp.132-133.

37.Idem,ibidem.

38.MarcelPrélot,ob.cit.,p.86.

39.MauriceDuverger,ob.cit.,p.22.

40.JulienLaferrière,ob.cit.,p.431.

41.G.Burdeau,TraitédeSciencePolitique,IV,p.206.

42.SantiRomano,PrincipiidiDirittoCostituzionaleGenerale,2ªed.,p.250.

Page 624: Ciência Política - Archive

21

OPRESIDENCIALISMO

1.Asorigensamericanasdosistemapresidencialdegoverno—2.

Osprincípiosbásicosdopresidencialismo—3.Relaçõesentre

ExecutivoeLegislativonaformapresidencialdegoverno—4.Os

poderesdoPresidentedaRepública—5.Opoderpresidencialnos

EstadosUnidos—6.OpoderpresidencialnoBrasil(asatribuições

doPresidentedaRepública)—7.AmodernizaçãodoPoder

Executivoeoperigodas“ditadurasconstitucionais”—8.O

Ministério—9.OMinistérionopresidencialismobrasileiro—10.A

figuraconstitucionaldoVice-Presidente:10.1Ainutilidadedocargo

—10.2UmVice-Presidenteparaserouvidoenãoapenasvisto—

10.3OVice-Presidentenascrisesdasucessãopresidencial—10.4

AvaloraçãodeliberadadaVice-PresidêncianosEstadosUnidos—

10.5AsubstituiçãodoPresidenteemcasodeincapacidade—11.

AVice-Presidêncianopresidencialismobrasileiro—12.O

CongressoeacompetênciadasCâmarasnosistemapresidencial

—13.Opresidencialismo,técnicadademocraciarepresentativa—

14.Osvíciosdopresidencialismo—15.Oimpeachmentea

ausênciaderesponsabilidadepresidencial—16.Aeleiçãodo

PresidentedaRepúblicaeoimpeachmentnosistemapresidencial

Page 625: Ciência Política - Archive

brasileiro—17.Elogiodosistemapresidencialdegoverno—18.O

presidencialismonoBrasil:surpresaeintempestividadedesua

adoção—19.Omalogrodaexperiênciapresidencialeo

testemunhoidôneodeRuiBarbosa

1.Asorigensamericanasdosistemapresidencialdegoverno

OpresidencialismoteveorigemnosEstadoUnidossendofrutodo

trabalhopolíticoedaelaboraçãojurídicadosconstituintesdeFiladélfia,

quetraçaramaslinhasmestrasdosistemaaolavraremotextoda

Constituiçãode1787.

Usualmentecontrapostoaoparlamentarismo,faz-semister

todavianãodescurarqueessacriaçãodogêniopolíticoamericanose

situahistoricamentecomodesdobramentoalgoconscienteda

experiênciaconstitucionalbritânica,jáassentadasobreosmoldesdo

governoparlamentar,equerecebeuemterrasdonovomundoretoques

emodificaçõesbásicas,impostaspelaambiênciaamericanaaté

configurar-senumacategorianovaeautônomadeorganizaçãodopoder

político.

QuandoosjuristasdaConvençãodeFiladélfiatratavamde

assentarasbasesdeumaexistêncianacionalindependente,aslições

doquadropolíticodaInglaterra—amãe-pátria,cujasinstituições

medravamàsombradaliberdade—estiverampresentesnoespíritodos

Page 626: Ciência Política - Archive

PaisdaConstituição,indoestesbuscarnaquelesensinamentos

inspiraçãocomquelevaracabosuaobralegislativafundamental.

AfiguradoPresidente,munidodepoderesquedãoaforte

aparênciadosistemaenominalmenteoassinalam,éjáuma

reminiscênciarepublicanadoreidaInglaterraesuasprerrogativas,rei

queelestimidamentetraduziramnaimagempresidencial.Hesitaram

tão-somentequantoaomandatoquelhehaveriamdeconferir,detal

modoquenãofaltouquemaventasseatéaidéiadoPresidentevitalício,

oferecendoumacoroaaGeorgeWashington...

Apesardopapelcapitalqueassumenopresidencialismoapessoa

doPresidente,essaorganizaçãodegovernonãoseexplica,comoonome

estariadeprontoaindicar,pelameraexistênciadeumPresidente,do

mesmomodoqueoparlamentarismonãoéapenasosistemaonderege

oParlamento.TodososEstadospresidencialistasostentamum

ParlamentoqueemgeralsechamaCongresso,naterminologiado

regime,aopassoqueosEstadosparlamentaristas,semdeixaremdeo

ser,podemeventualmenteterumPresidentedaRepública,emboranão

possuamosistemapresidencial.Sãotípicosaesserespeitoosexemplos

dosEstadosUnidoscomoseuCongressoeodaFrançanodecorrerda

TerceiraedaQuartaRepública,comosseusPresidentesdevidamente

eleitos,paradesempenhodasfunçõesdechefedeEstado.

Page 627: Ciência Política - Archive

2.Osprincípiosbásicosdopresidencialismo

Cumpreporconseqüênciabuscarosverdadeirostraçosquenos

permitemdistinguirouseparar,semmaiorequívoco,osconceitosde

presidencialismoeparlamentarismo.Vejamospoisoquepertenceao

presidencialismo,emordemaemprestar-lheanotaconfigurativa.

Trêsaspectosprincipaissedestacamnafisionomiado

presidencialismo:

a)Historicamente,éosistemaqueperfilhoudeformaclássicao

princípiodaseparaçãodepoderes,quetantafamaeglóriagranjeou

paraonomedeMontesquieunaidadeáureadoEstadoliberal.O

princípiovaliacomoesteiomáximodasgarantiasconstitucionaisda

liberdade.AConstituiçãoamericanaorecolheu,tomando-o,porbasede

todooedifíciopolítico.Daseparaçãorígidapassou-secomotempopara

aseparaçãomenosrigorosa,branda,atenuada,àmedidaqueovelho

dogmaevolveu,conservando-sesempreeinvariavelmenteentreos

traçosdominantesdetodoosistemapresidencial.

b)Aseguir,vamosdepararnopresidencialismoaformade

governoondetodoopoderexecutivoseconcentraaoredordapessoado

Presidente,queoexerceinteiramenteforadequalquerresponsabilidade

políticaperanteopoderlegislativo.Viaderegra,essairresponsabilidade

políticatotaldoPresidenteseestendeaoseuministério,instrumentoda

Page 628: Ciência Política - Archive

imediataconfiançapresidencial,edemissíveladnutumdoPresidente,

semnenhumadependênciapolíticadoCongresso.

c)Enfim,terceiroeúltimoaspectonacaracterizaçãodo

presidencialismo:oPresidentedaRepúblicadevederivarseuspoderes

daprópriaNação;raramentedoCongresso,porviaindireta.

3.Relaçõesentreexecutivoelegislativonaformapresidencialde

governo

Seestesqueacabamosdeenunciarsãoospontosrelevantesda

formapresidencialdegoverno,seuestudopormenorizadonaprática

constitucionaldospaísesquemaisfielmentedesenvolveramsemelhante

técnicadeconstruçãodopoderrequestaoacuradointeressedaCiência

Política,porrevelaremocaráterculminantedasinstituiçõesquea

formapresidencialdegovernoabrange.

OPresidente,deordinário,consoantejáassinalamos,recebeda

Naçãosoberanaosseuspoderes,quasesempreporsufrágiouniversal

direto,oquedeumaparteaumenta-lheoprestígiodainvestidurapela

origemimediatamentedemocráticadopoderpúblicoquedesfrutae

doutrapartelheafiançaposiçãodeinteiraindependênciapolítica

peranteaesferadopoderlegislativo.

AresponsabilidadedoPresidentenopresidencialismoépenale

nãopolítica;respondeeleporcrimederesponsabilidadenoexercícioda

Page 629: Ciência Política - Archive

competênciaconstitucional,deordemadministrativa,quelheé

atribuída,nãopodendoserdestituído,aocontráriodoquesepassano

parlamentarismo

com

o

chefe

do

poder

executivo,

que

fundamentalmente

cai

por

razões

de

ordem

política.

No

presidencialismo,oafastamentodoPresidente,fixadoocrimede

responsabilidade,ocorreriamedianteprocessoquerecebeonomede

impeachment,equeasConstituiçõespresidencialistasprevêem.

Page 630: Ciência Política - Archive

Osistemapresidencialemseuscontornosbásicostendea

disciplinarnosseguintestermosaposiçãodoPresidenteemfacedo

Congresso:a)nenhumaingerênciadotitulardopoderexecutivonas

prerrogativasquetemoCongressodedeterminarporiniciativaprópria,

conformeasdisposiçõeseventualmenteestabelecidaspelaConstituição,

asdataseosperíodosdeconvocaçãoereuniãodopoderlegislativo;b)

ausênciadefaculdadequepermitaaoPresidenteporcompetência

própriaefetuaradissoluçãodoCongresso;c)inexistênciade

participaçãoouquandomuitoamenorparticipaçãopossíveldo

Presidente,nossistemasautenticamentepresidencialistas,emmatéria

deiniciativadeleis,que,porforçadoPrincípiodaseparaçãode

poderes,cabeprincipalmenteaopoderlegislativo;cumpreaeste,

sobretudotocanteàmatériaorçamentária,trabalharporémemestreita

conexãoeharmoniacomopoderexecutivo,afimdeafiançara

legislaçãomaisconvenienteaosinteressesessenciaisdaordem

administrativa;d)consagraçãododireitodevetocomomeiode

contrabalançaracompetêncialegislativadoCongresso,colocando

assimnasmãosdoPresidenteumatécnicafamiliaraBolingbrokeeao

próprioMontesquieu,quedistinguiunocapítuloVIdolivroIIdaobra

DoEspíritodasLeisentrea“faculdadedeimpedir”ea“faculdadede

estatuir”,incluindo-seovetonaprimeiraenãoemaúltima,estasim

Page 631: Ciência Política - Archive

privativadoórgãoelaborador—opoderlegislativo;d)caráterrelativo

daquelafaculdade,meramenteimpeditiva,semefeitoabsoluto,podendo

oCongresso,porseuturno,tolherosefeitosdoatoexecutivo,mediante

rejeiçãodovetopresidencial,oqueviaderegrasedáatravésdevotação

legislativa,pormaioriadedoisterços,ficandoassimaúltimapalavra

comoCongresso,queaceitaráourejeitaráovetodoPresidente;e)

nomeaçãopeloPresidentedosministrosdamaisaltacortedejustiça,

sujeitaporémàaprovaçãodoSenado;f)direçãodapolíticaexteriorpelo

PresidentedaRepública,cabendoporémaoSenadoexercerimportante

controlenessapolítica,medianteratificaçãodostratados,pormaioria

ordinariamentededoisterços.

4.OspoderesdoPresidentedaRepública

OspoderesdoPresidenteconhecemamaislargaextensão.São

consideradosassoberbanteseesmagadoresecontinuamemexpansão

nosdistintossistemaspresidenciais.Opresidencialismotemsidoaté

criticadocomooregimedeumhomemsó.Comefeito,osencargos

presidenciaisabrangemsumariamente:

a)achefiadaadministração,atravésdeministérioseserviços

públicosfederais,entreguesapessoasdaconfiançadoPresidente,

responsáveisperanteeste,quelivrementeosescolheedemite;

b)oexercíciodocomandosupremodasforçasarmadas;

Page 632: Ciência Política - Archive

c)adireçãoeorientaçãodapolíticaexteriorcomatribuiçõesde

celebrartratadoseconvenções,declararguerraefazerapaz,debaixo

dasressalvasdocontroleexercidopelopoderlegislativo,nostermos

estatuídospelaConstituição.

Page 633: Ciência Política - Archive

5.OpoderpresidencialnosEstadosUnidosComopresidencialismocontemporâneo,dadaacrescente

ampliaçãodasfunçõesestataisemvirtudedamultiplicidadedefins

cadavezmaisvolumosos,queoEstadodecontínuoéchamadoa

prover,asresponsabilidadesdoPresidentesehãotornadopenosas,

esmagadoras,opressivas.

Longeesaudososvãoporconseguinteostemposemqueum

PresidentedaRepública,comoJefferson,nosEstadosUnidos,podia

confortavelmentedizerque“oamericanosomentesenteaexistênciado

podercentral,quandoparteoselofederaldoseucigarrooudesembarca

suasmalasnaalfândega”,tendochegadoademaisaafirmarqueo

governodaUniãonãoerasenãooDepartamentodeRelaçõesExteriores

dosEstados.1

Hoje,umPresidentedosEstadosUnidosteriainvejadaqueles

seusantecessoresilustres,quando,semmaisalternativa,sevê

responsávelpelanomeaçãodiretademilhõesdefuncionáriosepela

execuçãodedespesasorçamentáriasqueseaproximamdemeiotrilhão

dedólares,concentrandosimultaneamenteemsuasmãosa

impressionantesomadepoderesdeumreideInglaterra,umprimeiro-

ministrodaItáliaeumsecretário-geraldoPartidoComunistadaUnião

Page 634: Ciência Política - Archive

Soviética.

Enfeixamaispoderesqueummonarcaabsoluto.LuísXIV,

redivivo,trocariatalvezsemtitubearomantorealdeseupoderpela

faixapresidencialdequalquerpresidentedosEstadosUnidos.

ArazãoestácomWilsonquandoafirmouenfaticamentequeos

autoresdaConstituiçãofizeramnafiguradopresidente“umreimais

poderosodoqueaquelequeimitaram”.

EolugardessePresidente,consoanteassinalouLaski,“éomais

poderososobreafacedaTerra”.Apatronagemamericanaseconcentra

numafiguracentral:oPresidente,commilharesdeempregosfederais,

paraosapaniguadosdalegendavitoriosa,quetomaachefiada

administraçãofederal.

Essamassadeempregos,aseremdistribuídospoliticamenteem

cadarenovaçãodopoder,fortalecedemaneiraconsiderável,pelolado

interno,aautoridadedoPresidente,oprestígiomaterialdesuafunção.

Ospoilssystemdaburocraciaamericana,aocontráriodomerit

System,contribuiparaumaextrema“politização”dafunçãopúblicanos

EstadosUnidos,dandoaoPresidentedaRepúblicanoplanofederal

umaascendênciadificilmentecontestávelnessedomínio.

Poroutraparte,aausênciadelegislaçãodelegada(delegaçãoao

executivo),cujainconstitucionalidadepoderiaservirdefreioeficazà

Page 635: Ciência Política - Archive

expansãodopoderpresidencialedetodaaórbitaexecutiva,é

compensada,comvantagem,pelopoderregulamentarqueoPresidente

pessoalmenteexerce,expedindoexecutiveorderseproclamations,num

certosentidoequivalentesdopontodevistapolíticoejurídicoaos

famososdecretos-leisdopresidencialismolatino-americano.

MasénaesferadasrelaçõesexterioresqueoPresidente

americanoPatenteiadeformaimpressionantesuaincontrastável

autoridade,seuextraordináriovolumedepoderes.

Conduzindo

a

política

externa,

entabulando

negociações

diplomáticascompotênciasestrangeiras,assinandotratados,traçando

oprogramadaexpansãonuclear,aprovandoouvetandoosplanosda

corridaespacial,deliberandosoberanamentesobreoempregodas

forçasarmadasemintervençõesmilitaresnestesounoutros

continentes(aindaqueofaçaemcasodedeclaraçãodeguerra,ad

referendumdoCongresso),enfeixandoemsumapoderesditatoriaisem

tempodeguerra,pelafaculdadeconstitucionalderequisitarpessoase

Page 636: Ciência Política - Archive

bens,oPresidentedosEstadosUnidosévirtualmenteo“ditador

constitucional”queopresidencialismodonossoséculoinstituiu,

conferindo-lheumamassadepoderescujaextensãoconduza

imaginaçãohumanaàsmaisantigaspáginasdobradasnahistóriado

absolutismooriental;poderes,pois,deumsóhomem,maspoderes—e

aquivaitodaadiferença—quesenãoconfundemcomaautocracia,

pelanaturezajurídicadeseuexercício,legitimadoporumainspiração

superioreefetiva,quesãoosartigosdavelhaConstituiçãodeFiladélfia,

extraordinariamenteamoldadaaessaimprevisíveleassombrosa

dilataçãodasprerrogativaspresidenciais.

6.OpoderpresidencialnoBrasil(asatribuiçõesdoPresidenteda

República)

AConstituiçãobrasileirade1988,emseuartigo84,estabeleceua

competênciaprivativadoPresidentedaRepública.Suasatribuiçõesse

dilatamdamatérialegislativaàordemadministrativa,daesferado

podermilitaraocampodapolíticaexterior,dosnegóciosdaordem

federativaaosdafunçãojudiciária.

CabeassimaoPresidente,naformaenoscasosprevistospela

Constituição,tomarainiciativadoprocessolegislativo.Desua

competênciaprivativaéigualmenteasanção,apromulgaçãoea

publicaçãodasleis,bemcomoaexpediçãodedecretoseregulamentos

Page 637: Ciência Política - Archive

indispensáveisàfielexecuçãodessesdiplomas.

PossuitambémoPresidenteopoderdevetototalouparcialdos

projetosdelei.Noentanto,ondeavultamaissuacompetência

normativaparalelaàdoCongressoNacional,énaediçãodemedidas

provisóriascomforçadalei.Estassefazemadmissíveisunicamenteem

casosderelevânciaeurgência,sendosubstitutivasdosvelhosdecretos-

leis,familiaresaoutrasépocasconstitucionaisdenossopassado

republicano.RepresentammecanismosdeaçãourgentedoPoder

Executivo.

Colocadodiantedeproblemasedesafiosqueimpetram

normatividadedeemergência,oPresidentedaRepúblicasesente

compelidoautilizaroremédioexcepcionaldaquelasmedidas

provisóriascomaobrigaçãoqueaConstituiçãolheimpõedesubmetê-

las,imediatamente,aoexamedoCongressoNacional.Se,porém,esse

órgãodasoberaniaestiveremrecesso,far-se-ásuaconvocação

extraordinária,parareunir-senoprazode5dias.

Dispõeoparágrafoúnicodoart.62daConstituiçãoqueas

medidasprovisórias,umavezeditadas,perderãoeficáciasenãoforem

convertidasemleinoprazodetrintadias.Esseprazosecontadadata

desuapublicação.AoCongressoNacionalincumbedisciplinaras

relaçõesjurídicasdecorrentesdetaismedidas.

Page 638: Ciência Política - Archive

SãoaindaatribuiçõesconstitucionaisdoPresidentedaRepública

naesferadesuacompetênciaprivativaedeseurelacionamentocomo

poderlegislativo:a)remetermensagemeplanodegovernoaoCongresso

Nacionalporocasiãodaaberturadasessãolegislativa,expondoa

situaçãodoPaísesolicitandoasprovidênciasquejulgarnecessárias

(art.84,XI);b)prestaranualmenteaoCongressoNacional,dentrode60

diasapósaaberturadasessãolegislativa,ascontasrelativasao

exercícioanterior(art.84,XXIV)ec)enviaraoCongressoNacionalo

planoplurianual,oprojetodeleidediretrizesorçamentáriaseas

propostasdeorçamentoprevistasnaConstituição(art.84,XXIII).

Denaturezaadministrativaéaatribuiçãoconstitucionaldo

PresidentedenomeareexonerarosMinistrosdeEstadoeexercer,com

seuauxílio,adireçãosuperiordaadministraçãofederal,nomearos

GovernadoresdosTerritórios,autorizarbrasileirosaaceitarpensão,

empregooucomissãodegovernoestrangeiro,disporsobrea

organizaçãoeofuncionamentodaadministraçãofederalnaformada

lei,nomearosdiretoresdoBancoCentraleoutrosservidores,provere

extinguiroscargospúblicosfederaiseexerceroutrasatribuiçõesdesse

teor,estatuídasnaConstituição.

Quantoaopodermilitar,temoChefedoPoderExecutivo,pelo

textoconstitucionalvigente,competênciaprivativapara:a)declarar

Page 639: Ciência Política - Archive

guerranocasodeagressãoestrangeira,autorizadopeloCongresso

Nacionaloureferendadoporelequandoocorridanointervalodas

sessõeslegislativas;b)decretaramobilizaçãonacional,totalouparcial;

c)celebrarapaz,comautorizaçãoouadreferendumdoCongresso

Nacional;d)permitir,noscasosprevistosemleicomplementar,que

forçasestrangeirastransitempeloterritórionacionalounele

permaneçamtemporariamente;e)exercerocomandosupremodas

ForçasArmadas;f)promoverosoficiais-generaisdasForçasArmadase

nomeá-losparaoscargosquelhesãoprivativos.

TocanteàpolíticaexterioréoPresidentequemdecide:a)manter

relaçõescomEstadosestrangeiros;b)acreditarseusrepresentantes

diplomáticos;c)celebrartratados,convençõeseatosinternacionaisad

referendumdoCongressoNacional.

Titulardopoderexecutivofederal,cabe-lheumadasmais

importantesatribuiçõesconstitucionais—adezelarpeloequilíbrioe

conservaçãodaordemfederativa,medianteapreservaçãoeopronto

restabelecimentodaordempúblicaedapazsocial,podendoparatanto,

senecessário,decretaroestadodedefesaeoestadodesítiobemcomo

decretareexecutaraintervençãofederal.

SãoatribuiçõesprivativasdoPresidentedaRepública,decunho

judiciário,constantesdedisposiçõesdaConstituição:a)conceder

Page 640: Ciência Política - Archive

indultoecomutarpenas,comanuência,senecessário,dosórgãos

instituídosemlei;b)nomear,apósaprovaçãopeloSenadoFederal,os

MinistrosdoSupremoTribunalFederaledosTribunaisSuperiores;c)

nomearmagistradosnoscasosprevistospelaConstituiçãoed)nomear

oAdvogado-GeraldaUnião.

Outraatribuiçãodegranderelevância,privativadoPresidenteda

República,é,finalmente,adenomearosmembrosdoConselhoda

República,assimcomoconvocarepresidiresseórgãosuperiorde

consulta,aoqualcompetepronunciar-sesobreaintervençãofederal,o

estadodedefesa,oestadodesítioeasquestõesrelevantesparaa

estabilidadedasinstituiçõesdemocráticas.

CabeigualmenteaoPresidentedaRepública,nostermosdos

artigos84e91daConstituição,convocarepresidiroConselhode

DefesaNacional,outroórgãodeconsultaaqueelepoderecorreremse

tratandodeassuntosrelacionadoscomasoberanianacionaleadefesa

doEstadodemocrático.

7.Amodernizaçãodopoderexecutivoeoperigodas“ditaduras

constitucionais”

Emsuma,aampliaçãodepoderesdoPresidentedaRepúblicaem

váriospaísesqueadotamaformapresidencialdegovernoeatéem

algunsregidospelosistemaparlamentar,comoaFrança,debaixoda

Page 641: Ciência Política - Archive

Constituiçãodegaullistade1958,refletedeumaparteatendênciade

“modernizar”oPoderExecutivo,dotando-odosinstrumentos

indispensáveisaoeficazexercíciodafunçãogovernativanuma

sociedadedemocráticademassas,cadavezmaisexigentedemedidas

deprofundidadesocialeeconômicae,doutraparte,oanseiodecertos

ordenamentosdemocráticosdoOcidentedesobreviverem,dearmasna

mão,àdolorosaimpugnaçãoquelhefazemdeterminadossistemas

ideológicos.

Restasaber,mormentenospaísespresidenciaisdeestrutura

subdesenvolvida,atéondesepoderáadmitiressaexpansãojurídicados

poderesdoPresidentedaRepública,semacoimarde“ditadura

constitucional”osEstados,ondeessefenômenoocorre.Naorla

atlânticapaísesqueaindaontem,peloproclamadoaperfeiçoamentode

suasinstituiçõespolíticasepeloaltograudeseuprogressoeconômico,

viviamsobaégidedapazedoreformismosocial,comoaFrançaeos

EstadosUnidos,padecemamesmacríticaaofortaleceremdemaneira

excessivaaautoridadepresidencial.Atravessampoisidênticacrise:os

francesesporfatoresinternoseexternos,osEstadosUnidospor

questõespreponderantementeexternas,queseprendemàconduçãode

suapolíticadesegurançanacional.

8.OMinistério

Page 642: Ciência Política - Archive

OMinistérionosistemapresidencial,consoantejáindicamos

levemente,éumcorpodeauxiliaresdaconfiançaimediatado

Presidente,responsávelperanteeste,semnenhumvínculodesujeição

políticaaoCongresso.

Nospaísesondeopresidencialismomaisdepertoseacercado

modeloamericanotradicional,osministrosousecretários(comose

designamnosEstadosUnidos)sãopessoasestranhasàscasas

legislativas,emcujasdependênciasoPresidentejamaisvairecrutá-los,

fazendoassimrealçaroprincípiodaseparaçãodepoderes.

Essapraxe,queéregraconstitucionalnosEstadosUnidos,há

sidoconsideravelmenteabaladaemalgunsEstadoscomoonosso,onde,

soboregimepresidencial,nadaimpedequeochefedoExecutivovenha

afazerescolhasministeriaisentremembrosdoCongresso.

Adissociaçãoentreacarreiraministerialeacarreira

parlamentar,tãoemvoganossistemasdopresidencialismopuro,tende

aapagar-se,caindoporconseqüênciaorigordaincomunicabilidadede

ministrosecongressistas,àproporçãoqueseacentuaapreponderância

docontroledestesúltimossobreosprimeiros,chamando-osàscasasdo

Congresso,medianterequerimentodeinformações,prestaçãode

depoimentosemcomissõeslegislativaseatémesmoaudiêncianas

comissõesparlamentaresdeinquérito,cadavezmaisnumerosase

Page 643: Ciência Política - Archive

importantesnomecanismodavidapolítico-administrativadoEstado.

Têm

os

ministros

no

governo

presidencial

definida

a

responsabilidadeadministrativaenãoaresponsabilidadepolítica,como

ocorrenoparlamentarismo.Administrativamente,respondemeles

peranteoPresidente,queosinvestiuemsuaconfiançaepoliticamente

ossustenta.Comofigurasgovernativas,sãomaisagentese

colaboradoresdavontadepresidencialdoqueautoresresponsáveisde

decisões.

AinfluênciadoMinistroocorrecomfracaintensidadequandose

tratadePresidentesfortes.Ministroshouve,consoanteassinalouLaski,

quenãopassaramde“meninosderecado”.4Wilson,porexemplo,

dispensou-lhesessetratamento,aoentenderdopublicistainglês.

Nãoraroa“livreescolhapresidencial”émeramenteilusória,visto

queoscompromissospolítico-partidáriosimpõemaoPresidente

Page 644: Ciência Política - Archive

indicaçõesministeriaisrepugnantesaoseugostoesimpatia.Demodo

que,paraapagarapresençadessesauxiliaresdenenhumainfluência,

omissosousilenciosamentehostis,oPresidenteàsvezesquandotemde

tomarumadecisãoprefereignorá-los,cercando-sedepessoas

estranhasàcomposiçãodoministériooficial,equeentrama

desempenharopapelpolíticodeconselheiros,comparticipaçãodamais

altarelevâncianosassuntosbásicosdaadministração.

Surgedaí,naintimidadepresidencial,àmargemdoSecretariado

subalterno,deaudiêncianula,um“ministério”paraleloemais

influente,comaseminênciaspardasdoregime,osdonosdoPresidente,

achamada“copaecozinha”dos“maravilhas”dePalácios,oschefesdas

antecâmarasonipotentes,comoforamnahistóriaconstitucionaldos

EstadosUnidos,segundorefereomesmoLaski,osmembrosdokitchen

CabinetdeJackson,eemépocamaisrecente,jáemplenoséculoXX,os

conselheirosHouse,HopkinseHarriman,queserviramrespectivamente

aWilson,RoosevelteTruman,comumasomadeprestígioeinfluência

difíceisdeavaliaremtodaaextensão.

9.OMinistérionopresidencialismobrasileiro

À

Constituição

brasileira,

Page 645: Ciência Política - Archive

como

todas

as

Constituições

presidencialistas,fazdosMinistrosdeEstadomerosauxiliaresdo

PresidentedaRepúblicanoexercíciodoPoderExecutivo.

Onossoordenamentoconstitucionalatribuiexpressamenteao

MinistrodeEstadooexercíciodaorientação,coordenaçãoesupervisão

dosórgãoseentidadesdaadministraçãofederalnaáreadesua

competência.SãotambématribuiçõesdessesauxiliaresdoPresidente:

a)referendarosatosedecretosassinadospeloPresidente;b)expedir

instruçõesparaaexecuçãodasleis,decretoseregulamentos;c)

apresentaraoPresidentedaRepúblicarelatórioanualdosserviços

prestadospeloMinistério;ed)praticarosatospertinentesàs

atribuiçõesquelheforemoutorgadasoudelegadaspeloPresidenteda

República.

OsMinistrosdeEstadosãoescolhidoslivrementepeloChefedo

PoderExecutivodentrebrasileirosmaioresdevinteeumanosequese

encontremnoexercíciodosdireitospolíticos.Sãotambémdemissíveis

adnutumdoPresidente.AlgunsMinistrosnaqualidadedemembros

natosfazempartedoConselhodeDefesaNacional,eoConselho,por

Page 646: Ciência Política - Archive

suavez,énostermosdaConstituiçãoomaisaltoórgãodeconsultada

PresidênciadaRepúblicaparaaformulaçãoeexecuçãodapolíticade

segurançanacionaledefesadoEstadodemocrático.

Semquebradoprincípiodaseparaçãodepoderes,osMinistrosde

EstadoseachamtodaviaobrigadosacomparecerperanteaCâmarados

Deputados,oSenadoFederalouqualquerdesuascomissões,sempre

queumaououtraCâmara,pordeliberaçãodamaioria,osconvocar

paraprestarem,pessoalmente,informaçõesacercadeassunto

previamentedeterminado(art.50,caput).Onãocomparecimento,sem

justificaçãoadequada,implicacrimederesponsabilidade.

NasrelaçõesconstitucionaisdoMinistériocomoPoderLegislativo

ocorretambémapossibilidadedeosMinistrosdeEstado,aseupedido,

compareceremperanteascomissõesouoplenáriodequalquerdas

CasasdoCongressoNacionaledebaterprojetosrelacionadoscomo

Ministériosobsuadireção(art.50,§1ª).

CertasatribuiçõesdacompetênciaprivativadoPresidenteda

RepúblicapoderãoserporesteoutorgadasoudelegadasaosMinistros

deEstado,comobservânciadoslimitestraçadosnarespectiva

delegação.Taisatribuiçõessereferemaopoderdedisporsobrea

organizaçãoeofuncionamentodosórgãosdaadministraçãofederal,

bemcomosobreoprovimentoeextinçãodoscargospúblicosfederais

Page 647: Ciência Política - Archive

(art.48,parágrafoúnico).

OsMinistrosdeEstadonoscrimesderesponsabilidadeconexos

comosdoPresidentedaRepúblicaserãojulgadospeloSenadoFederal,

funcionandocomoPresidenteoPresidentedoSupremoTribunal

Federal.Noscrimescomunsederesponsabilidade,ressalvadoneste

últimocasoaconexãocomosdoPresidentedaRepública,serão

processadosejulgadosoriginariamentepeloSupremoTribunalFederal

(art.102“c”,eart.52,I).

Page 648: Ciência Política - Archive

10.AfiguraconstitucionaldoVice-Presidente

Page 649: Ciência Política - Archive

10.1AinutilidadedocargoDetodasaspeçasquecompõemosistemapresidencialde

governo,aVice-Presidênciaforaatéentãoapartemenosestimadae

maisexpostaàindiferençadacrônicaedocomentárioconstitucional.

Odesapreçoàfunçãojásemanifestara,deformapatente,na

ConstituintedeFiladélfia,queestabeleceuaVice-Presidência,numa

ocasiãodefadiga,comrarosargumentosfavoráveiseescassosdebates

acercadesuarealnecessidadeparaasnovasinstituições.

AssinalaahistóriapolíticadosEstadosUnidos,desdeseuinício,

referênciascontráriasàVice-Presidênciaporpartedepolíticosde

nomeada,queaexerceramcomaparenteconstrangimentoeresignação.

Expressandobomhumoraesserespeito,oprimeiroViceda

históriaamericana,Adams,sugeriaquesedesseaotitulardocargoo

tratamentode“SuaExcelência,oSupérfluo”,depoisdeasseverarque

nuncaaimaginaçãodohomem“conceberafunçãomaisinsignificante”.

OutroVice,deigualporteeenvergadura,quefoiTheodore

Roosevelt,afirmava,aindaaocomeçodesteséculo,sernarealidadeo

Vice-Presidenteapenas“aquintarodadacarruagem”.

Comomesmosensodehumor,Marshall,ex-Vice-Presidente,

costumavarelatarahistóriadedoisirmãos,dosquaisumviajarapara

Page 650: Ciência Política - Archive

UltramareoutroseelegeraVice-PresidentedosEstadosUnidos.De

ambosporémnuncamaisseouvirafalar...FoiessemesmoMarshall

queentrou,segundoLaski,nopinturescofolk-loreamericano,aodizer

quenãoprecisavaaAméricadeVice-Presidente,masdeumbom

charutodecincocentavos(agoodfivecentcigar).

Cobertainicialmentederidículo,objetodealusõesjocosas,a

funçãodaVice-Presidênciafaziatambémdequemaexercessealititular

deuma“sinecura”,consoanteexpressãoempregadaporBagehot.

RepresentavaainvestiduradeVice-Presidentesimplesprêmioa

umpolíticonaantevésperadaaposentadoriapolíticaoudoostracismo.

Lugarpoisqueopartidopolíticoguardavaparanegociaroucontentar

certasambiçõesfrustradaseacomodar,atravésdabarganhapolítica,

eventuaiscandidatosàPresidência.

Comparava-seaVice-Presidênciaaumbilhetedeloteria,algumas

vezessorteadonahistóriaamericanacomograndeprêmiodasucessão

presidencial.

Airrelevânciadocargofoicontudodetalordemquedescaiuna

irresponsabilidadedeeleger-sedecertafeitaumVice-Presidentede87

anosdeidade!Houveaomesmopassoquemescrevessejá,

preconizandoaextinçãodocargo,porinútil.Semembargo,publicistas

dacategoriadeLaskideclinamalgunsnomesexcepcionais,comoosde

Page 651: Ciência Política - Archive

Tyler,AndrewJohnson,TheodoreRoosevelteCoolidge,que,honrandoo

posto,deixaramnoexercíciodaVice-Presidênciadeser“objetode

comiseração”paraseconverteremem“homensdecarátere

determinação”.

10.2UmVice-Presidenteparaserouvidoenãoapenasvisto

Quemprimeirocombomêxitoreagiutalvezcontraaapatiae

insignificânciapolíticadafunçãovice-presidencialfoiHenryWallace,

Vice-PresidentedeRoosevelt,noperíodoqueseestendeude1940a

1944.Deuelecausa,segundocomentáriodeumconstitucionalista,a

certasurpresaeressentimento,comsuaatitudealgoinéditade

pretenderqueoVice-Presidentenãofosse“apenasparaservisto,mas

tambémouvido”.

Atéentão,cingira-seoVice-Presidente,comvotodeMinerva,a

presidiraoSenado.Presidênciaumtantosimbólica,poisàquelacasa

raramentecompareceele,porsentir-seforadeambiente,qual

verdadeirointruso.Demais,nãochegaoViceafazerfalta;costumamos

senadoreselegerdentreosseusumpresidenteprotempore,mais

autênticoelegítimo.

Nosúltimosanostodaviaatentou-separaarealimportânciado

cargo.Tudoisso,emvirtudedoalargamentodaingerênciadoEstado

nosdomíniosdavidaeconômicaesocial,doaumentoassoberbantedo

Page 652: Ciência Política - Archive

poderfederaledeigualampliaçãoderesponsabilidadedoPresidenteda

República.

10.3OVice-Presidentenascrisesdasucessãopresidencial

Masfoi,principalmente,amortededoisPresidentesamericanos,

RoosevelteKennedy,apardasúbitaeestonteanterenúnciadeJânio

QuadrosnoBrasil,quepatenteouemdefinitivoa“conscientização”da

importânciaquetemaVice-Presidêncianosistemapresidencialde

governo.

QuandoRooseveltdesapareceu,osEstadosUnidosemergiam

vitoriososdaconflagraçãomundial,prestesafindar-se,esedeparavam

comairônicaameaçade“ganharaguerra,masperderapaz”.

Naqueleinstantedramático,ascendeàpresidênciaamericanaum

homemdesconhecidodaopiniãopúblicainternacionaledepassado

políticomedíocre.

Essehomem,denomeHarriTruman,causariaforteimpressãoa

Churchillpeloseudespreparoparaoexercíciodafunçãopresidencial.

RegistraacrônicapolíticadosEstadosUnidosocuriosofatodequea

mesma

criatura

que

tomaria

Page 653: Ciência Política - Archive

sobre

seus

ombros

a

grave

responsabilidadequejamaisrecaiunapessoadeumestadistado

Ocidente—adecisãopessoalquesomenteelepoderiatomarde

arremessarsobrecidadesinimigasabombaatômica—ignorou,atéa

ocasiãodeassumirocargodePresidente,naquelaspenosas

circunstâncias,aexistênciasequerdoassombrosoartefato,comquese

inaugurouaeranucleareosubseqüenteterrordaguerraatômica.

DuranteasucessãodeJânioQuadros,apósseuatoderenúncia,

vimosengolfadooBrasilnastorvasameaçasdaguerracivilpelovetode

ponderávelcorrentemilitaràposseconstitucionaldoVice-Presidente.

Acabouestechegandoaopoderemmeioaumacrisecujas

conseqüências

determinaram,

com

o

advento

da

Page 654: Ciência Política - Archive

emenda

parlamentarista,extraordinárioabalonasinstituiçõesdoPaís.Amesma

crisesereproduziu,comoutrasconseqüências,duranteoimpedimento

dofalecidoPresidenteCostaeSilva,quandoasoluçãoconstitucional

queseriaapossedoVice-PresidentePedroAleixotevequeserpreterida,

emvirtudedosacontecimentosquesedesenrolavamnoPaís.UmAto

Institucionalfoioinstrumentodequeseserviuopoderusurpadorpara

resolverentãoaquestãosucessória.

10.4AvaloraçãodeliberadadaVice-PresidêncianosEstadosUnidos

NosEstadosUnidososreflexosdacrisehavidaporensejoda

sucessãodeRooseveltsetraduziramnumavaloraçãodeliberadada

Vice-Presidência,mediantereconhecimentodeseutitularcomomembro

atuantedogabinetepolíticodevanguarda,semficarreduzidoapenas

àquelafiguratradicionaleneutrademeroespectadorouausente

esquecido.

PassouentãooVice-PresidenteamembronatodoConselho

NacionaldeSegurançaeadiplomataparamissõesextraordinárias,

graçasaumcostumeconstitucionalemformação.Nixon,naausência

deEisenhower,presidiuareuniõesdoSecretariado.

Tocanteaosistemaamericano,omaiscuriosoéobservarqueo

CongressodosEstadosUnidos,insensívelaindaaosanseiosdeopinião,

Page 655: Ciência Política - Archive

favoráveisaumavaloraçãomaiordafunçãovice-presidencial,nadafez

atravésdaEmendaConstitucionaln.XXV,jáaprovada,para

institucionalizarasatribuiçõesdaVice-Presidência,quepermaneceram

comodantesaosabordeumaconfiançaprecáriaqueoPresidente

poderáconcederouretiraraseutalante.

10.5AsubstituiçãodoPresidenteemcasodeincapacidade

AXXIVªEmendaàConstituiçãodosEstadosUnidos,pendente

atéagoradeaprovaçãoportrêsquartaspartesdaslegislaturas

estaduais,foitambémomissaemconferiratribuiçõesaoVice-

Presidente.Masdisciplinaamatériarelativaàsubstituiçãodo

Presidenteemcasodeincapacidade,bemcomoadoVice,determinando

que,configuradaaquelahipótese,eouvidooSecretariadoecoma

aprovaçãodeste,assumeaPresidênciaoVice-Presidente.

CriaraocasodaincapacidadedoPresidente,sobretudopor

doença,gravesperplexidadesaopresidencialismoamericano,em

conseqüênciadaomissãodotextoconstitucional.Duasvezes,este

século,ogovernodosEstadosUnidos,emvirtudedeenfermidadedo

Presidente,passaraamãosestranhas,noentenderdealguns

publicistasamericanos.

Aprimeira,duranteadoençadeWilson,quandoMadameWilson

virtualmentegovernouoPaíse,deúltimo,porensejodaenfermidadede

Page 656: Ciência Política - Archive

Eisenhower,quando,segundosedisse,seusecretárioparticularteria

tomadodeformapessoaldecisões“emnomedoPresidente”.

DeacordocomaemendaaprovadapeloCongresso,ficaráajuízo

doPresidentedecidirsedeveounãoreassumirsuasfunções.Seoseu

substitutocontestarporémacapacidadedoPresidenteparavolverao

cargo,caberáaoCongressodecidiraesserespeitopormaioriadedois

terços.

QuantoàsubstituiçãodoVice-Presidente,vagandoaVice-

Presidência,competiráaoPresidentedesignarseueventualsubstituto,

cujaindicaçãoficarátodaviasujeitaàpréviaaprovaçãodoCongresso.

11.AVice-Presidêncianopresidencialismobrasileiro

OVice-Presidenteemnossosistemapresidencialdegovernoé

pelaConstituiçãoosubstitutodoPresidente,emcasodeimpedimento,

eseusucessor,nocasodevaga.

SãorequisitosqueocandidatoaVice-Presidentedeverá

preencher:a)serbrasileiromaiordetrintaecincoanos;b)achar-seno

exercíciodosdireitospolíticos.Considerar-se-áeleitoemdecorrênciada

eleiçãodocandidatoaPresidentecomeleregistrado.Omandatodo

Vice-Presidenteédecincoanoseasuaposseobedeceaomesmoritual

observadonapossedoPresidente:emsessãodoCongressoNacionalou

peranteoSupremoTribunalFederalseaquelenãoestiverreunido.O

Page 657: Ciência Política - Archive

Vice-PresidentetantoquantooPresidenteprestaocompromisso

constitucionalde“manter,defenderecumpriraConstituição,observar

asleis,promoverobemgeraldopovobrasileiroesustentaraunião,a

integridadeeaindependênciadoBrasil”.

Fixadaadatadaposse,oVice-Presidentetemdezdiaspara

assumirocargo.Decorridoesseprazo,nãoocorrendoaposse,salvopor

motivodeforçamaior,ocargoserádeclaradovagopeloCongresso

Nacional.

OVice-PresidentepelaEmendaConstitucionaln.1,de17de

outubrode1969,auxiliavaoPresidente,semprequeesteoconvocasse

paramissõesespeciais.LeiComplementarpoderiaconferir-lheoutras

atribuições.Entretanto,oVice-Presidente,jánãopresideaoCongresso

Nacional,masconservaodeverconstitucionaldeauxiliaroPresidente,

todavezqueesteoconvocarparaasreferidasmissõesespeciais.

Nopresidencialismobrasileiro,ocargodeVice-Presidentefora

abolidopelaEmendan.4,ochamadoAtoAdicionalàConstituiçãode

1946,queinstituíraoparlamentarismo.AEmendan.6àConstituição

de1946,aorestabeleceraformapresidencialdegoverno,mantevea

supressão.Comomovimentodemarçode1964,restaurou-seporémo

cargodeVice-Presidente,cujaeleiçãosefaziaporviaindireta.

AConstituiçãobrasileirarefleteatendênciapolíticaobservadano

Page 658: Ciência Política - Archive

presidencialismocontemporâneo,queprocuraprestigiarasfunçõesdo

Vice-Presidente.NoentantoosencargosquerodeiamoVice-Presidente

edequevaisendopaulatinamenteinvestido,sãoainda,conformeurge

ressaltar,denaturezaalgoprecária.Acham-seemlargaextensão

sujeitosaumadelegaçãodeprestígioeconfiançapessoaldoPresidente,

quenemsempresemostradispostoatanto,podendoassimanular-se

oudesapareceremfacedeumPresidentehostiloudesafeto.Todavia,a

Cartade1988fazdoVice-PresidentemembrodoConselhodeDefesa

Nacional,propiciando-lheodesempenhodefunçãoconsultivado

PresidentedaRepúblicaemassuntospertinentesàmanutençãoestável

dosistemafederativoedasinstituiçõesdemocráticas,bemcomo

naquelesqueentendemcomasoberanianacionaleadefesadoEstado

(artigos89e91).

12.OCongressoeacompetênciadascâmarasnosistema

presidencial

Otroncodopoderlegislativonosistemapresidencialéo

Congresso,quesecompõededuascâmaras:acâmarabaixaouCâmara

dosDeputadoseacâmaraaltaouSenado.NosEstadosUnidosrecebea

câmarabaixaadesignaçãodeCâmaradosRepresentantes.

Aprimeiradessascasasrepresentaatotalidadedoscidadãos,dos

contribuintes,dopovocomofonteprimáriadopoderpolítico,composta

Page 659: Ciência Política - Archive

derepresentantespopularesemnúmeroproporcionalaoshabitantes

(critériodemográfico)oudeeleitores(critériopolítico).Éaassembléia

democráticaporexcelência.

JáoSenadotemnosistemapresidencialfeiçãomenospopular,

sendonasorganizaçõesfederativasepresidenciais,aassembléiados

Estados,quesefazemnelarepresentaremtermosdeparidadepolítica,

cabendoacadaEstadoigualnúmerodesenadores.

Acompetênciadasduascasasnopresidencialismoéestatuída

pelaConstituição.OprincípioqueinspirounaFederaçãoamericanaa

criaçãodoSenadofoiomesmoquenaConfederaçãoengendrouaDieta,

comocongressodeembaixadores:odarepresentaçãopolíticadas

unidadesparticipantes.

OSenado,delegaçãodeEstados,desempenhaporexemplono

presidencialismodosEstadosUnidosimportantíssimopapel,tocanteàs

atribuiçõesdecontroledapolíticaexterna,desfrutandodeprestígio

sensivelmentemaiorqueodaCâmaradosRepresentantes,cujo

primadoseexercesobretudoemmatériafinanceira.

ApolíticaexteriorserefletenoSenado,quedispõedefaculdades

decontrolesobreoPresidentequantoàratificaçãodetratados,

aprovaçãodeSecretáriosenomeaçãodejuizesdaSupremaCorte.Daía

considerávelautoridadeexercidapeloSenadosobreosdestinosdoPaís,

Page 660: Ciência Política - Archive

sendoaquelasfaculdadesarazãomaisnotóriadoprestígioquerodeiaa

funçãosenatorialnosEstadosUnidos.

Explica-seporigualesseprestígiopelonúmerodesenadores,bem

maisreduzidoqueoderepresentantenaCâmarabaixae,domesmo

passo,peladuraçãodomandato.Onúmeroderepresentanteséquatro

vezesmaiorqueodeSenadores.OmandatodeumSenadorseprolonga

porseisanos,aopassoqueorepresentanteseelegeapenaspordois

anos,havendoassimrenovaçãodenomescommaisfreqüênciana

câmarabaixaquenacâmaraalta.

13.Opresidencialismo,técnicadademocraciarepresentativa

Tantoopresidencialismocomooparlamentarismosãométodos,

processosoutécnicasdademocraciarepresentativa.Nãochegamaser

formasdeEstado,regimespolíticos,instituiçõesideológicas.Atécnica

degovernoconsisteemdeterminaratribuiçõesdepoderesefixarou

disciplinarasrelaçõesdospoderesentresi.

Nãosãotantoformasdeinvestiduradopoderquantoformasde

exercíciodopoder.SampaioDóriaressaltoucomtodaalucidezque,

tocanteàinvestiduradopoder,nenhumadistinçãoháqueestabelecer

entreopresidencialismoeoparlamentarismo,poisambosseguema

mesmatrilha,conhecemosmesmosinstitutos:“Asleiseleitoraissãoas

mesmasparaambos,iguaisasinscriçõesdoseleitores,semtirarnem

Page 661: Ciência Política - Archive

pôr,iguaisosescrutínios,intangívelovotosecreto,análogosos

sistemasderepresentaçãodasminorias,sagradasaapuraçãoea

proclamaçãodoseleitos,estremesdefraudes”.5

Adistinçãosóprincipiaverdadeiramentecomosistemaadotado

paraapuraroconsentimentonoexercíciodopoder,quandoseerigem

osinstrumentosencaminhadosatraduzirnavontadedosgovernantesa

vontadedosgovernadosmedianteaadequaçãomaissábiapossível,

conformeressaltadopensamentodomesmoautor.

Emsetratandodosistemapresidencial,atécnicaconstitucional

estatuiosprincípioscardiaisdessaformadegoverno:aseparação,

independência

e

harmonia

dos

poderes,

sua

limitação

pela

Constituição,tendoporguardaumsupremotribunaldejustiça,o

ministériodaconfiançaexclusivadoPresidentedaRepública,aeleição

doPresidentepelosufrágiouniversaldaNaçãoeapresençadeprazos

Page 662: Ciência Política - Archive

certosfixandoatemporariedadedosmandatosdarepresentação

popularemcâmarasindissolúveis.

14.Osvíciosdopresidencialismo

Apráticadopresidencialismoemváriospaísespermitiuàanálise

políticavislumbrarosprincipaisvíciosquepadecetalformadegoverno,

aosquaisvamosresumidamentereferir-nos.

Opresidencialismo,segundovozesdacrítica,conduznãoraroà

reprováveleabusivaconcentraçãodepoderesnasmãosdeumaúnica

pessoa—oPresidentedaRepública—,àhipertrofiadeseupoder

pessoal,aogovernanteonipotente,quealisonjacuidatambém

onisciente.

Opresidencialismotraznaaparênciaaestabilidadedosgovernos,

masumavezdesencadeadasascrisesenãopodendoosdirigentesser

removidosantesdeexpiradooprazoconstitucionaldomandatoque

exercem,asoluçãoordinariamenteconduzàsrevoluções,golpesde

Estado,tumultoseditaduras,fazendoinstáveisasinstituiçõesmesmas.

Oregimepresidencial,segundoGilbertoAmado,“escravizaos

parlamentos,estrangulaapalavra,implantaosilêncio,desanimae

crestaainteligência”,6correspondeao“predomíniodaincapacidade”

(Rui),

inaugura

Page 663: Ciência Política - Archive

a

escola

da

mediocridade,

canoniza

a

irresponsabilidade,sagraoPresidenteimpune,quecometegravesfaltas

esóvemasairdopoder,antesdotermodeseumandato,mortoou

deposto;enfim,éosistemaquesefurtaàfiscalizaçãodaopinião,que

acabaquasesemprenasintervençõesfunestasàordemfederativa,nos

estadosdesítio,noapelofreqüenteaosquartéis,noslevantesarmados,

natomadamilitardopoder,naimplantaçãodasditaduras,nogoverno

unipessoaldoscaudilhos.

Aessesvíciosoutrossevêmsomar:ainfluênciaperturbadorado

Presidentenaoperaçãosucessória,buscandoelegerseusucessorouaté

mesmo,seforocaso,reformaraConstituiçãoparareeleger-se;a

debilidadeesubserviênciadoCongressoàvontadepresidencial,

convertendo-seolegislativonumpoderausente,caracterizadopor

impotênciacrônica,sistemaondenãoháemverdadeacolaboraçãodos

poderes,senãoopredomíniodeumpodersobreoutroouadisputada

hegemoniaentreospoderes;ondeascrisesdegovernogeramacrise

Page 664: Ciência Política - Archive

dasinstituições;ondeoCongresso,entrandoemconflitocomo

Executivo,sódispõedeinstrumentosnegativosdecontrole:arecusade

dotaçõesorçamentárias,aobstruçãolegislativa,etc,eonde,porúltimo,

oPresidente,comoditadorlegal,demandatocerto,éaodizerdeRui

Barbosa,“opoderdospoderes,ograndeeleitor,ograndenomeador,o

grandecontratador,opoderdabolsa,opoderdosnegócios,opoderda

força”.7

15.O“impeachment”eaausênciaderesponsabilidade

presidencial

TendoaludidoaolugardaobradeRuiBarbosaondeselêque

“maisvale,nogoverno,ainstabilidadequeairresponsabilidade”8—

essanotadominantedopresidencialismo—umdosnossosbons

constitucionalistasretratoucomsumaclarezaesingelezaainoperância

doimpeachment,institutodeorigemanglo-saxônica,acolhidopelas

Constituiçõespresidencialistas,aoafirmarque“sendoumprocessode

“formas”criminais(aindaquenãosejaumprocedimentopenal

“estrito”),repressivo,aposteriori,seumanejoédifícil,lento,corruptore

condicionadoàpráticadeatospreviamentecapituladoscomocrimes”.9

Sobreoimpeachment,esse“canhãodecemtoneladas”(Lord

Bryce),quedorme“nomuseudasantigüidadesconstitucionais”

(Boutmy)éaindadecisivoojuízodeRuiBarbosa,quandoasseveraque

Page 665: Ciência Política - Archive

“aresponsabilidadecriadasobaformadoimpeachmentsefaz

absolutamentefictícia,irrealizável,mentirosa”,10resultandodaíno

presidencialismoumpoder“irresponsáveleporconseqüência,ilimitado,

imoral,absoluto”.

EssaafirmativasecompletanoutrapassagememqueRui

Barbosa,depoisdelembraroimpeachmentnasinstituiçõesamericanas

como“umaameaçadesprezadaepraticamenteinverificável”,escreve:

“Nairresponsabilidadevaidar,naturalmente,opresidencialismo.O

presidencialismo,senãoemteoria,comcertezapraticamente,vemaser

deordinário,umsistemadegovernoirresponsável”.11

Ondeopresidencialismosemostrapoisirremediavelmente

vulnerávelecomprometidoénaparterelativaàresponsabilidade

presidencial.

O

presidencialismo

conhece

tão-somente

a

responsabilidadedeordemjurídica,queapenaspermitearemoçãodo

governante,incursonosdelitosprevistospelaConstituição.Defronta-se

osistemaporémcomumprocessolentoecomplicado(oimpeachment,

Page 666: Ciência Política - Archive

conformevimos),queforadadoutrinaquasenenhumaaplicaçãoteve.

Muitodistintoaliásdaresponsabilidadepolíticaaqueéchamadoo

Executivonaformaparlamentar,responsabilidademedianteaqualse

deitafacilmenteporterratodooministériodecaídodaconfiançado

Parlamento.

16.AeleiçãodoPresidentedaRepúblicaeo“impeachment”no

sistemapresidencialbrasileiro

AescolhadoPresidentedaRepúblicanoregimeconstitucional

vigentesefazentrebrasileirosmaioresdetrintaecincoanoseno

exercíciodosdireitospolíticos.OPresidentedaRepúblicanosistema

políticobrasileiroanterioràConstituiçãode1988nãoderivavaosseus

poderesdiretamentedopovo,comoaconteciaatéaoadventoda

Revoluçãode1964.Aeleiçãoindiretaencontraratodaviaaplicação

antecedentenaConstituiçãodemocráticade1934,queteveexistência

efêmera.Écontudodaboaíndoledosistemapresidencialaeleição

diretadoprimeiromandatáriodaNação.

Umcolégioeleitoral,compostodosmembrosdoCongresso

NacionaledosdelegadosdasAssembléiasLegislativasdosEstados,

elegiaantesdaatualCarta,emsessãopúblicaemediantevotação

nominal,oPresidentebrasileiro.

EssesdelegadosdasAssembléiasestaduaiseramemnúmerode

Page 667: Ciência Política - Archive

trêsemaisumporquinhentosmileleitoresinscritosnoEstado.

Nenhumarepresentaçãoestadualpoderiaterumnúmerodedelegados

inferioraquatro.

Tocanteàcomposiçãoeaofuncionamentodocolégioeleitoral,um

dispositivoconstitucionalestabeleciaqueamatériaseriaregulada

atravésdeleicomplementar.

Areuniãodocolégioeleitoralparaprocederàescolhado

PresidenteocorrianasededoCongressoNacional,a15dejaneirodo

anoemquefindavaomandatopresidencial,oqualtinhaaduraçãode

cincoanos.

OpartidopolíticoregistravaonomedocandidatoaPresidente,

elegendo-seaquelequeobtivessenaoperaçãoeleitoralmaioriaabsoluta

devotos.

Atécnicaadotadaparaosufrágiopelocolégioeleitoralpreviaque

nahipótesedenenhumcandidatolograrmaioriaabsolutanaprimeira

votação,repetir-se-iamosescrutínioseaeleiçãosedarianoterceiro,

pormaioriasimples.OcompromissoqueoPresidenteeleitoprestavaà

NaçãoaotomarposseperanteoCongressoNacionalou,seessenão

estivessereunido,peranteoSupremoTribunalFederal,eraaquelejá

reproduzidonestecapítuloquandonosocupamosdoVice-Presidente,

ousejaomesmoprevistonaatualConstituiçãode1988.

Page 668: Ciência Política - Archive

Oinstitutodoimpeachment,semembargodaseveracríticaque

lhefazemospublicistas,nãodesapareceudasConstituições

presidencialistaseemalgumasostextosmaisrecentessãocopiososem

preceitossobreamatéria.Tem-seaimpressãodequeaquele

pessimismotãoduroeamargoaquejánosreportamosnãosereflete

noânimodosredatoresconstituintes,queaparentementelevamasério

oimpedimentopresidencial,comtodasaspossibilidades,seforocaso,

deprocessarumPresidentefaltoso,incursoemcrimesde

responsabilidade.

No

presidencialismo

brasileiro,

consideram-se

crimes

de

responsabilidadetodososatosdoPresidentequeatentaremcontraa

ConstituiçãoFederalousobretudoaquelesqueferirem:a)aexistência

daUnião;b)olivreexercíciodoPoderLegislativo,doPoderJudiciárioe

dosPoderesconstitucionaisdosEstados;c)oexercíciodosdireitos

políticos,individuaisesociais;d)asegurançainternadoPaís;e)a

probidadenaadministração;f)aleiorçamentária;eg)ocumprimento

Page 669: Ciência Política - Archive

dasleisedasdecisõesjudiciárias(art.85daConstituição).

Quantoàsnormasdeprocessoejulgamento,serãoestabelecidas

emleiespecial,quedefiniráoscrimesderesponsabilidadedo

PresidentedaRepública.

AConstituiçãoBrasileiraemvigordeterminaqueàCâmarados

DeputadoscompeteadmitiraacusaçãocontraoPresidenteda

República.Essadeclaraçãosefarápelovotodedoisterçosdeseus

membros.Aseguir,instauradooprocessopeloSenadoFederal,o

Presidenteficarásuspensodesuasfunções,aguardandojulgamento

poressamesmaCâmarasobapresidênciadoPresidentedoSupremo

TribunalFederal.

Ojulgamentoocorreránoprazode180dias,findooqual,senão

estiverconcluído,cessaráoafastamentodoPresidente,semprejuízodo

regularprosseguimentodoprocesso(art.86,§2ª).

Page 670: Ciência Política - Archive

17.ElogiodosistemapresidencialdegovernoComrespeitoaindaàavaliaçãodopresidencialismo,háosque

doutrinariamenteentendemestarempresençadosistemaquepermite

amaissólidadefesa,apardamaisamplagarantiadosdireitos

individuais;sistemaqueconverteemdogmaoprincípiodainequívoca

separaçãodepodereseproporciona,comogovernoderesponsabilidade

menospolíticadoquejurídica,segurasgarantias,contraosabusosda

autoridadeexecutiva,cujosatospodeminquinar-se,peranteos

tribunais,deinconstitucionalidadeeilegalidade.

Estafaculdade,segundoseusapologistas,éarmamaiseficazque

amerafaculdadeparlamentardederrubargovernos.Deixao

parlamentarismotodavia(sendoestetalvezoseudefeitomaisgrave)o

indivíduoeseusdireitosforadafaixadeproteçãolegalcontraatosdo

poderpolíticodosParlamentosonipotentes,expostosporconseguinte

aosexcessosdasoberanialegislativa,queostribunais,invocando

ordinariamentealógicadosistema,seeximemdecontra-arrestar.

Vêemosseusapologistas,aindanopresidencialismoaforma

governativaquemaisconsultaosanseiosdaordem,daautoridade,da

conservação;quemelhorsecoadunacomoprincípiofederativo;que

garanteaestabilidadeadministrativacomosmesmoshomensàtesta

Page 671: Ciência Política - Archive

dopoderporperíodoscertosedeterminados,traçandoaogovernoa

continuidadedeorientaçãoquesealegafaltarnoparlamentarismo.

18.OpresidencialismonoBrasil:surpresaeintempestividadede

suaadoção

ComaConstituiçãorepublicanade1891,estreou-senoBrasilo

sistemapresidencialdegoverno,aquiintroduzidoumtanto

inadvertidamente.Noprogramadasforçasquecombatiamopoder

pessoaldomonarca,eprecipitaramafinalaquedadoImpério,estavam

previstasinumeráveisreformaseprincípiosnovosdeorganização

política:nenhumporémqueimplicasseaadoçãodeliberadado

presidencialismo.

Veioesteinsinuadoouimplícitonamudançafederativaquese

operou.

ComotrasladoteóricodasbasesdaConstituiçãoamericana,

modelo

confessado

das

nossas

instituições

republicanas,

o

Page 672: Ciência Política - Archive

presidencialismoaquiseestréia.Nosfastosdacrônicapolíticaque

antecedeuomovimentosúbitode15denovembro,nãoseouve

nenhumavozecoardoaltodatribunaparlamentaroudascolunasdos

órgãosdeimprensa,preconizandoasvirtudesdosistemadebaixodo

qualiríamosviver,sobamaiscrassaignorânciadeseusmecanismos,

descuidoessequecustouaRuiBarbosaPenosoesforçodemagistério

constitucional,nemsempredevidamentecompreendidoouaproveitado

porquantostinhamnoexercíciodopoderamissãodeobservare

cumprirospreceitosdanovatécnicarecém-implantada.

OsabusosdeautoridadedoImperador,ounitarismodacoroa

comosexcessosdecentralizaçãodopoder,amonarquiamesma,foram

temas

prediletos

da

agitação

republicana.

Constitucionalistas

monárquicoscomoRuiBarbosa,queseabraçavamtenazmenteao

federalismo,nuncaporémesposaramopresidencialismo,cuja

ressonância,senãochegavaàselites,muitomenosalcançariaas

camadaspopulares,espessamenteignorantesarespeitodetalformade

Page 673: Ciência Política - Archive

governo.

Acercadessaquestão,escreveuMedeiroseAlbuquerque,emO

RegimePresidencial,comtodaaargúcia:“Oregimepresidencialistanão

foiinstituídonoBrasildepoisdeumapropagandaquetivessemostrado

suasvantagensedesvantagens.Eleapareceuumdia,numprojetode

ConstituiçãodecretadopeloGovernoProvisório.Ninguémodiscutiu.

Foiaceito,porassimdizer,emsilêncio”,ou,aseguir:“Averdadeéesta:

apropagandarepublicanasefezsemqueamaioriapensassenoregime

presidencial:nãosesabiaoqueera,nãosefalavanele,ouainda:

“Assim,ainstituiçãodopresidencialismoentrenóssefezporsurpresa.

Porsurpresaegraçasàignorânciageralemquetodosestavamaseu

respeito.NãofoiumaescolhaconscientedaNação”.12

Domesmomodo,AgamenonMagalhães:“noBrasiloregime

presidencialnasceudainfluêncianorte-americanaenãosobapressão

defatospolíticosoudecondiçõesexistentes.Jáanossaunidadetinha

sidorealizadapeloImpérioeasinstituiçõesparlamentaresestavamem

prática,operandoaevoluçãopolíticabrasileiraparaademocracia.A

república,portanto,nãodeviaterinterrompidoatradiçãoparlamentar.

Afederação,sim,erafenômenogeográficoehistórico,trabalhandopelas

forçasdescentralizadoras,atuantesduranteoImpério.Maso

presidencialismofoiimitaçãodasinstituiçõesnorte-americanas,criação

Page 674: Ciência Política - Archive

puramentedoutrinária.Anossaeducaçãodemocráticaeasnossas

tradiçõesliberaisnãooimpunham”.13

Emsuma,acordamosnopresidencialismodamesmamaneira

queamanhecemosnaRepública...Emambososcasos,asinstituições

doPaísforammarteladaspelasurpresa.

19.Omalogrodaexperiênciapresidencialeotestemunhoidôneo

deRuiBarbosa

DoquehásidonoBrasilapráticapresidencialista,nenhum

testemunhomaisaltoeeloqüentequeodeRuiBarbosa,autor

doutrinário

de

nossa

primeira

Constituição

republicana,

presidencialistaconvictonosprimeirosdiasdoregimequeaboliua

monarquiae,comotempo,críticopessimistaealgodesencantadodas

instituiçõesquetransitarampurasemsuasmãosedepoisse

contaminaramdosvíciosdaambiênciapolíticaesocial,da

caudilhagem,dainépcia,doditatorialismo.

Comefeito,énoslugaresquevamostranscreveronderealmente

Page 675: Ciência Política - Archive

sefazoprocessodopresidencialismobrasileiroenãonos

acontecimentosquelevaramàconsultaplebiscitáriade1963,quandoo

povofoiconvocadoàsurnasparaarrancarcomoseuvotooenxerto

parlamentaristafeitonaConstituiçãodopresidencialismo.

AsseveraRuiBarbosa:“Destefeito,opresidencialismobrasileiro

nãoésenãoaditaduraemestadocrônico,airresponsabilidadegeral,a

irresponsabilidadeconsolidada,airresponsabilidadesistemáticado

PoderExecutivo”.14Nãomenosenfáticoaindaquandoafirmaque“o

regimepresidencialcriouomaischinês,omaisrusso,omaisasiático,o

maisafricanodetodososregimes”15ouquandoponderaemtermos

sombriosque“anossarevoluçãoestabeleceuosilêncio”,que“asformas

donovoregimemataramapalavra”,quenogovernoparlamentar“as

câmaraslegislativasconstituemumaescola”,aopassoqueno

presidencialismo“nãohásenãoumpoderverdadeiro:odochefeda

nação,exclusivodepositáriodaautoridadeparaobemeparaomal”16

e,porúltimo,queemsemelhanteregime“atribunaparlamentaréuma

crateraextinta,eascâmaraslegislativasmerasombraderepresentação

nacional”.17

Quemsepõeademaisaajuizardasinstituiçõespolíticas

brasileirasporsuavinculaçãoaopresidencialismo,hádeextrairdos

fatosaconclusãodequeosúnicosperíodoscalmosdahistória

Page 676: Ciência Política - Archive

republicanaforamosquatriêniosdaPresidênciadeWenceslauBraze

daPresidênciadeDutra,estaúltima,nãoobstante,assinaladapor

tropeliaspoliciaisnoRiodeJaneiro,dissoluçãodecomícioseagitação

decorrentedamedidalegislativa,deinspiraçãooficial,quedeterminouo

fechamentodoPartidoComunistaBrasileiro.

Osdemaisperíodosdopresidencialismopátrioaparecemtodos

marcadosporviolentascomoçõespolíticas,abrangendolevantes

militares,revoluções,conspirações,intentonas,intervençõesfederais,

estadosdesítio,infraçõesdaConstituiçãoeoutrasmazelasque

emprestamaosistemapresidenciallatino-americanosuavelhae

mórbidafisionomia.

1.AssisChateaubriand,DiscursonoSenadoFederal,Sessãode27dejulhode1955.

*Nolivro(original)anumeraçãodasNotasdeRodapépulado1parao4.Nãohouve

erronadigitalização(Notadadigitalizadora).

4.HaroldJ.Laski,ElSistemaPresidencialNorteamericano,pp.61-62.

5.A.deSampaioDória,“ParlamentarismoversusFederação”,EstadodeSãoPaulo,

ediçãode12deoutubrode1961.

6.GilbertoAmadoapudJoséAugusto,PresidencialismoversusParlamentarismo,p.

Page 677: Ciência Política - Archive

79.7.RuiBarbosaapudHermesLima,LiçõesdaCrise,p.54.

8.RuiBarbosa,ExcursãoEleitoralaosEstadosdaBahiaeMinasGerais,p.26.

9.PauloBrossarddeSouzaPinto,PresidencialismoeParlamentarismonaIdeologiade

RuiBarbosa,p.17.

10.RuiBarbosa,AGênesedaCandidaturadoSr.WenceslauBraz,pp.36-37.

11.RuiBarbosa,AImprensaeoDeverdaVerdade,p.21.

12.MedeiroseAlbuquerque,ORegimePresidencial,apudJoséAugusto,ob.cit.,p.

Page 678: Ciência Política - Archive

113.13.AgamenonMagalhães,OEstadoeaRealidadeContemporânea,pp.153-154.

14.RuiBarbosa,NovosDiscursoseConferências,pp.350-353.

15.RuiBarbosa,AGênesedaCandidaturadoSr.WenceslauBraz,pp.36-37.

16.RuiBarbosa,CampanhaPresidencial,pp.118-119.

17.RuiBarbosa,OswaldoCruz,pp.3-4.

22

OPARLAMENTARISMO

1.Aformaçãohistóricadosistemaparlamentar:ogoverno

representativoeamonarquialimitadacomopontodepartida—2.

O

parlamentarismo

dualista

(monárquico-aristocrático)

ou

parlamentarismoclássico:2.1Aigualdadeentreoexecutivoeo

legislativo—2.2Acolaboraçãodosdoispoderesentresi—2.3A

existênciademeiosdeaçãorecíprocanofuncionamentodo

executivoedolegislativo—3.Oparlamentarismomonista

(democrático),característicodoséculoXX—4.Dogoverno

Page 679: Ciência Política - Archive

parlamentaraogovernodeassembléia(governoconvencional)—5.

Criseetransformaçãodoparlamentarismo:astendências

“racionalizadoras”

contemporâneas

Page 680: Ciência Política - Archive

6.

Do

pseudo-

parlamentarismodoImpério.(umparlamentarismobastardo)aoAto

Adicionalde1961,comomalogrodanovatentativadeimplantação

dosistemaparlamentarnoBrasil.

1.Aformaçãohistóricadosistemaparlamentar:ogoverno

representativoeamonarquialimitadacomopontodepartida

Tomadainadvertidamente,aexpressãoparlamentarismopareceà

primeiravistaindicarosistemadegovernoondeháumParlamento,do

mesmomodoqueopresidencialismo,nessamesmaordemde

equívocos,aquefacilmenteseprestaovocabuláriopolítico,conduziria

asuporquesetratadoregimeondeimperaaautoridadedoPresidente

daRepública.

Nemoparlamentarismoseexplicaatravésdameraexistênciado

Parlamento,nemopresidencialismosedefinepelapresençaapenasde

umPresidentedaRepública,poisregimeshácomParlamento,sem

parlamentarismo(odaInglaterra,atémeadosdoséculoXVIII)ecom

PresidentedaRepública,sempresidencialismo(odasrepúblicas

Page 681: Ciência Política - Archive

parlamentaristas,comoaTerceiraRepúblicafrancesa).

Consideradopeloângulohistórico,oparlamentarismorepresenta

opontodechegadadeumlongodesenvolvimentopolíticodas

instituiçõesinglesas,cujasnascentesmaisremotasteríamosdesituar

nosprimeirosséculosdamonarquiabritânicaecujasorigensmais

próximasvamosdepararnoscaminhosseguidospeloParlamentoda

Inglaterra,apósodesfechoda“GloriosaRevolução”(1688).Assinalou-se

então,emtermosdepermanênciaecontinuidade,oitineráriopacífico

doPaís,rumoàstransformaçõesdestinadasaimplantareconsolidar,

empresençadacoroahereditária,ahegemoniadoramoeletivoda

representaçãopolítica,comassentonaCâmaradosComuns.

Duasfasessedistinguemporconseguintenahistóriadosistema

parlamentar:adaslutasparaaformaçãodogovernorepresentativoem

facedeumamonarquiadetendênciasnãoraroabsolutistas,equevai

desdeoséculoXIIIaoséculoXVII,eadasocorrênciaspacíficas,mas

profundamentemodificadoras,quesedesenrolamnavidapolítica

inglesa,duranteoséculoXVIII,quandoaInglaterratestemunha,como

principalefeitodaRevoluçãoliberalde1688,apassagem,menosdeum

séculodepois,daqueleregimerepresentativo,aindatímidoemodesto,à

suavariantemaisaprimorada:aformaparlamentar,naqualfielmente

seespelhaainfluênciajápreponderanteeinabaláveldasduascasas

Page 682: Ciência Política - Archive

legislativas:aCâmaradosComunseaCâmaradosLordes.

Oregimeparlamentaréformaderegimerepresentativo.Nenhum

teoristacriouaformaparlamentardegoverno.Seháumsistemade

organizaçãodopoderpolíticoqueresultoudiretamentedahistóriaedo

contínuo

desdobramento

das

instituições,

este

sistema

é

o

parlamentarismo.

Suaorigeminglesasósefazdetodocompreensível,sealargarmos

oâmbitodaanálisehistórica,descendoàsinstituiçõesdamonarquia

feudal,ondeseachamplantadasassementesdopoderrepresentativo.

Este,antesdaexplosãorevolucionáriadoséculoXVII,jáconhecia

formasinstitucionaisembrionárias.AssiméqueocelebradoConselho

(PermanentorprivyCouncil),tambémconhecidopeladesignaçãode

Concilium,curiaregisouParliamentum,assistiaoreinassuas

deliberações,fazendo-seantecessorhistóricodomodernoParlamento

Page 683: Ciência Política - Archive

inglês.

AtéocomeçodoséculoXIV,oParlamentoinglêseraaindao

magnumCommuneconsiliumregni,oGrandeConselho,ondedominava

opoderfeudaldaaltaaristocracia,dosgrandesbarõesfeudaisemluta

comosoberano.OParlamentoverdadeiramentesóseformacoma

apariçãodaCâmaradosComuns,ramoresultantedaassociaçãoda

burguesiaascendentecomapequenaemédianobrezarural.Ocorre

poisafusãodosdeputadosdosburgoscomosdeputadosdos

condados;estesdeiníciomaisinfluentes,aquelesporémmais

numerosos.

Quandoanaçãofeudalsecindiuemduasnocursodoséculo

XIX,ficandodeumaparteosgrandesbarõesfeudaisagrupados,

gravitandoaoredordorei,edeoutraparte,amédiaaristocraciada

feudalidadedemãosdadascomaburguesia,emdefesadesuas

liberdades,estavaconsumado,segundoGuizot,umdosmomentos

supremosnahistóriadasinstituiçõespolíticasdaInglaterra:oadvento

deumaCâmaradosComuns,começoverdadeirodoParlamentocoma

implantação,jáaestaalturaincontestável,dosistemarepresentativo.1

Daípordiantedeclinaecorrói-seopoderdaaltaaristocracia,que

deixadeserotemíveladversárioquehaviasidodopoderabsoluto,

passandoentãoaescrever-seahistóriapolíticadoregime

Page 684: Ciência Política - Archive

representativoatravésdoscombatesqueopoderrealteráqueferircom

umParlamento,ondecresceeseavigorarápidaedominadoramentea

influênciadosComuns.

Poucoimportaapolêmicadoshistoriadorespolíticosbuscando

fixaroanoexatoemqueessatransformaçãoseoperou.Sabe-secom

certezaquejánasegundametadedoséculoXIVoParlamentoinglêsse

apresentavacomsuafisionomiaatual,repartidoemduascasas:a

CâmaradosPareseaCâmaradosComuns.

DoséculoXVaoséculoXVII,osistemarepresentativoporfiacom

osabusos,oarbítrioeavocaçãoabsolutistadaCoroa,como

despotismodosTudors,noséculoXVI,comaopressãodosStuarts,no

séculoXVII,comosensaiosferozesdaantigamonarquiafeudal,que

intentamalogradamente,naInglaterra,converter-se,empresençados

novostempos,numamonarquiaabsoluta.

Aolongodelargoperíodoqueseestendeporcercadetrezentos

anos,atéa“GloriosaRevolução”(1688),oParlamentoinglêsadquireo

sentimentodesuaforça,tomaconsciênciadeseuprestígio,apresenta-

seresolutamentecomoopodernacionaldiantedorei,discutecom

energiaosassuntosdegoverno,fazdoimpostoograndeinstrumentode

sujeiçãodopoder,sustentanasafamadaspetiçõesdoséculoXVIIos

princípiosbásicosdegarantiadasliberdades,direitosefranquiasjá

Page 685: Ciência Política - Archive

auferidaspelascamadaseconomicamentemaisponderáveisdopovo

inglês.

AtravessadaspoisasrevoluçõesdoséculoXVII,quedecapitaram

umreiebaniramumadinastia,aInglaterrasurgecomosistema

representativoinabalavelmenteconsolidado,detrilhaabertajáparaa

implantação

do

sistema

parlamentar,

segundo

momento

importantíssimonavidadasinstituiçõespolíticasdaquelepaís.

Essaimplantaçãoocorre,conformeosmelhoresautores,durante

oséculoXVIII,favorecidaporcircunstânciashistóricasdeterminadas,

comoasqueseprendemaocomportamentodosnovosreisdadinastia

deHannover.Comefeito,doconflitodoParlamentocomosStuarts,

resultaraclarooprincípionovododireitopúblicoinglêsdeque,em

casodependênciacomopoderrepresentativo,osministrosdecaídosda

confiançadoParlamentoficariamsujeitosaumprocessode

responsabilidade,emquecaberiaaacusaçãoàCâmaradosComunseo

julgamentoàCâmaradosLordes.

Page 686: Ciência Política - Archive

Aprimeiraprovaaquefoipostaessaregranovadodireito

constitucionalinglêsseverificaem1782,quandoLordNorth,no

exercíciodasfunçõesdeprimeiro-ministro,sedemitedachefiado

governo,emfacedaoposiçãoparlamentarquelheeramovida,sem

embargodecontarcomaplenaconfiançadoreiJorgeIII.

TemiaporémoPrimeiro-Ministroqueseconsumasseaameaça

pendentedoimpeachment,casonãoresignasseàsuafunção

ministerial,apósreceberduasmoçõesdecensuraedesconfiança.

Oshistoriadorespolíticosdatamdaíoadventodogoverno

parlamentarnaInglaterra,vistoqueeste,comoassinalaEsmein,“nãoé

outracoisasenãoaresponsabilidadeministerialarrastadaaosseus

derradeiroslimites”.2

Causashistóricasdeterminantesdessedesfecho,ondeclaramente

selêoextraordinárioacréscimodeforça,prestígioeinfluêncianopoder

doParlamento,fazendoqueestepreponderedefinitivamentesobreo

poderdaCoroa,abrangemosseguintesfatosdavidapolíticainglesa:a

deposiçãodoúltimoStuartpelasarmasdaaristocraciainsurreta,

assinalandoiniludivelmenteavitóriadacausadoParlamento;aorigem

danovadinastianoconsentimentoeconvocaçãodaautoridade

parlamentar;oprocedimentoirônicodos“reisalemães”dadinastiade

Hannover,achamadasériedos“reisimpossíveis”(1714-1837),que

Page 687: Ciência Política - Archive

foram:JorgeI,umestrangeiroquenãoesqueciaolugardeorigem,

jamaisaprendeuafalaringlês,etevesempredificuldadedecomunicar-

seemlatimcomosseusministros,emsuma,umreicompletamente

alheiodosnegóciospúblicos,propiciandoaogabinetereunir-sena

ausênciadomonarca;JorgeII,umreifraco,quenãoforcejapor

recuperarainfluênciaperdidapeloantecessor;JorgeIII,obstinado,

cego,demente,autoritárioeirresponsável,fazdesuaexistência“uma

espéciedemuseudedefeitosdeumreiconstitucional”;3JorgeIV,

monarcadesidiosoedepravado,umroifainéant,cujavidaconjugal

escandalizaasociedadeinglesaedesprestigiaaCoroa.OParlamento

fortaleceupoissuainfluênciaeascendêncianadireçãopolíticadopaís,

valendo-sedoesvaziamentoedesusodealgumasprerrogativasda

realeza.

Vê-seconseqüentementeoexagerodosquedatamde1688,da

“GloriosaRevolução”,oiníciodosistemaparlamentar,naInglaterra,o

qual,parainstaurar-sedemododefinitivocomaadoçãoepráticada

responsabilidadeministerial,percorreaindaquaseumséculode

vagarosodesenvolvimentodasinstituições.

Comefeito,atéchegar“àcriaçãodeumgabinetehomogêneo,

escolhidopelorei,masresponsávelpolíticaesolidariamenteperanteo

Parlamentoedirigidoporumprimeiro-ministro”,enumeraDuguitas

Page 688: Ciência Política - Archive

seguintescausas,queconcorremparasemelhanteresultado:a)a

vitóriade1688doParlamentosobrearealeza;b)ocontroleparlamentar

sobreogovernonavotaçãodapropostatributáriaanual;c)aformação

dedoisgrandespartidoshomogêneos,os“Whigs”eos“Tories”;d)aalta

culturadaaristocraciainglesa,e,porfim,e)ojámencionadoadvento

deumalinhagemestrangeiradereis,emqueoprimeirodasérie,por

ignorânciadalínguainglesa,semostrouincapazdeacompanharos

debatesedeliberaçõesdeseuministério.4

Adquiridodepoispelosministrosohábitodedemitir-sese

porventuralhesminguasseaconfiançadoParlamento,estavalançadaa

pedraangulardosistema,ficandoaoreiopapeldereferendarcomsua

aprovaçãoimperativaenãojáfacultativaaorganizaçãodogabinete,

quedoravantecainainteiradependênciadosvotosdamaioria

parlamentar.

Todosessesfatores,somadosaoutrosdecorrentesdo

temperamentoedaconsciênciapolíticadopovoinglês,contribuíram

sobremodoafavoreceraapariçãodeumsistemadepoderpolíticocomo

oparlamentarismo,querepresentainquestionavelmenteamaisperfeita

formadetransiçãoeequilíbrioquejamaisseconheceuentreaidadeda

prerrogativamonárquicaeaeradasoberaniapopular.5

Entraoparlamentarismodefinitivamentenahistóriadas

Page 689: Ciência Política - Archive

instituiçõespolíticascomoexpressãodalutadedoispoderesouforças

antagônicas:aCoroadosreiseoParlamentodopovo.Ambosse

defrontamnumadisputadeprerrogativas,donderesultaráodomínio

sobreaorganizaçãopolíticaesuamáquinadegoverno.

Comoparlamentosurge,porconseqüência,visíveldualidadede

poderes:aautoridadedomonarca,quedeclina,quandoamonarquiade

absolutasefazlimitadaerepresentativa;eopoderparlamentar,poder

democrático,oriundodarepresentaçãonacional,queemanadasfontes

popularesdoconsentimentoeseachaemplenaascensão,tantono

alargamentodassuasorigensdemocráticascomonopesodainfluência

queexercerá,caminhandoresolutamenteparaopredomínioe

subseqüenteapogeu.

EssemomentohistóricoexistiudetodonaInglaterraduranteo

séculoXVIII,explicando-nos,peloconcursodaquelascircunstâncias,

quenãosereproduzemartificialmente,eseprendemàsvicissitudes

políticasesociaisdopovoinglês,aconseqüenteimpossibilidadede

fabricarmosumparlamentarismo,quesejafielmenteaimagemdoque

nasceueselegitimounaspráticaspolíticasdosséculosXVIIIeXIX.

Nãofoiavontadedeumteorista,nãofoiumareflexão

doutrinária,nãofoiumdiagramadesábiosquecriouo

parlamentarismo,senãoqueestesegerou,conformejáressaltamos,por

Page 690: Ciência Política - Archive

motivaçõeshistóricasdifíceisouimpossíveisdereproduzir-seforada

ambiênciasocialdesuasorigens.

Daíodevaneioimpossíveldosquefizeram,conformenota

Esmein,dodireitoconstitucionalinglês,odireitocomumdospovos

europeus:quereremcriar,noséculoXIXeaindaemplenoséculoXX,

comtintaepapel,notextoartificialdasConstituições,essesprodutos

inimitáveisdogêniopolíticodeumpovo:oreidaInglaterraeo

Parlamentoinglês.

2.Oparlamentarismodualista(monárquico-aristocrático)ou

parlamentarismoclássico

Háduasformashistóricasdeparlamentarismo:ochamado

parlamentarismoclássico,legítimoouautêntico,tambémconhecidona

linguagemdostratadistascomoparlamentarismodualista,monárquico-

aristocrático

ou

aristocrático-burguês,

e

o

parlamentarismo

contemporâneo,conhecidoporparlamentarismomonista,democrático,

comumàsformasmonárquico-republicanasdenossosdias.

Page 691: Ciência Política - Archive

Com

o

parlamentarismo

dualista,

determinado

pelas

contingênciashistóricasjáreferidas—oencontrodasprerrogativas

monárquicasemdeclíniocomaautoridadepolíticadopovoem

ascensão—definem-sedemaneiraclaraosprincípiosessenciaise

distintivosdaformaparlamentardegoverno:a)aigualdadeentreo

executivoeolegislativo;b)acolaboraçãodosdoispoderesentresi;c)a

existênciademeiosdeaçãorecíprocanofuncionamentodoexecutivoe

dolegislativo.

Cumpre-nosexaminarcadaumdessesaspectosparatocarmos

assimaessênciadosistema,segundoadoutrinaparlamentardoséculo

XIX,expostaporDuguit,Esmein,Burdeauetantosoutrosteoristas

insignesdomodernodireitopolítico.

2.1Aigualdadeentreoexecutivoeolegislativo

Quantoàigualdadeentreoexecutivoeolegislativo,faz-semister

ressaltaranecessidadeparaoexecutivodeumachefiadistinta.

Desfrutaráessachefiamaioroumenorprestígiotambém,consoanteo

Page 692: Ciência Política - Archive

mododedesignaçãodochefedoEstado,queparticipanadireção

executivaequenosistemaparlamentarrepublicanopodeserum

PresidentedaRepública,elevadoaessepostoporeleiçãodiretaou

indireta.

Quandoessechefe,comalgumaparceladeresponsabilidade

executivanosistemaparlamentar,comodireitoquelhereconhecea

doutrinadeGuizotde“serparteativaerealdogoverno”comopessoa

moralmente

livre

e

responsável,

embora

constitucionalmente

irresponsável,segundoodizerdeEsmein,6seelegemediantesufrágio

direto,seuprestígioaumenta,suaautoridadesereforçaeostermosdo

equilíbrioeigualdadeentreosdoispoderesficammelhorresguardados.

ChefedeEstado,oreioupresidentedaRepúblicaépoliticamente

irresponsável.Chefedegoverno,suaresponsabilidadeseexerceatravés

dogabinete,quesetornapoliticamenteresponsávelperanteo

ParlamentoecobreassimaresponsabilidadedoChefedeEstado,

fazendo-o,porconseqüência,politicamenteirresponsável.Estaúltimaé

Page 693: Ciência Política - Archive

adoutrinaesposadaporThiersquandoresumiuafórmulada

monarquiaparlamentarnacélebremáximadeque“oreireina,masnão

governa”.7

Namonarquialimitadaourepresentativa,adecisãoeradoChefe

deEstadocomareferendadosministros;namonarquiaparlamentar,

decideoministério,comaassinaturadoChefedeEstado.Demodoque

oChefedeEstado,noparlamentarismoclássico,aparece,deforma

permanente,segundoEsmein,como“elementoreflexivoemoderador,

cujaimportânciaaumentaaindamaisnascrisesministeriais”,

transformando-seentãono“grandeeleitor”eárbitro,querestabelece“o

governomomentaneamenteinterrompido”.8

Pertenceaindaànaturezadosistemaparlamentar,paraa

conservaçãodaigualdadedoexecutivoedolegislativo,adualidadedo

poderexecutivo.Manifesta-seessadualidadepelapresençadeum

ChefedeEstado,querepresentatodooPaís,bemcomoa

independênciadoexecutivo,epelogabinete,queatuaemconexãocom

olegislativo,trazendoaoobservadorareminiscênciadofundamento

democráticodogoverno.

Servindodeinstrumentodeequilíbrioentreospoderes,aparece

enfimo“bicameralismo”.FreiodedebilitaçãodoParlamento,

mecanismoderesistênciaàabsorçãopelolegislativodosdemais

Page 694: Ciência Política - Archive

poderes,limitepostoaosexcessosdopoderparlamentar,eisosfinsa

queatendeo“bicameralismo”.Asduascâmarasnãosurgiramna

Inglaterracomocálculopolíticooufreiodeliberadoaopoderunoda

representaçãoparlamentar.Ainstituiçãodoregimeparlamentarcomo

exemploinglêsfezporémdadualidadeumatécnicaconscientemente

concebidaparamitigaraforçadolegislativo,dividindo-o.

2.2Acolaboraçãodosdoispoderesentresi

Quantoaosegundotraçodeidentificaçãoessencialdosistema,

consubstanciadonacolaboraçãodosdoispoderes,faz-semister

ressaltar:a)aexistênciadeumgabinete,quedesempenhapapel

intermediárioentreoChefedeEstadoeoParlamento;b)aunidadee

homogeneidadedogabinete.

TemogabinetesuaorigemmodernanoséculoXVII,quandoera

aindaoministériodoreiinstrumentodeseupoderpessoal.Converteu-

seaseguir,porefeitodavitóriacompletaalcançadapeloParlamento

sobrearealeza,noórgãodeconfiançadamaioriaparlamentar.Sai

portantodasujeiçãodomonarca,esetornaoaparelhodeligaçãodo

ParlamentocomaCoroa,enfeixandoemsuasmãostodaa

responsabilidadepeloexercíciodopoder.

Nosistemaparlamentarogabineteouministériorepresentaa

parteativaecambiantedaorganizaçãopolítica,oelementodiretorda

Page 695: Ciência Política - Archive

máquinaadministrativa,oórgãoqueverdadeiramentetraçaapolítica

doPaís,quegovernacomresponsabilidadenamaislídimaacepçãodo

termo.

Àfrentedogabinetesedestacacomotempoafiguradoprimeiro-

ministro,umprimusinterpares,cujafunçãoseapresentaainda

obscuraemmeadosdoséculoXVIII.Reclamaçãodirigidaaoreida

InglaterracontraWalpole,oministroquesegabavadeconhecer“a

tarifadasconsciênciasdeseupaís”9ejáentãochefedeumgabinetede

fato,fazia-lhejustamenteacensuradeomesmoirrogar-seacondição

deprimeiro-ministro,“ofíciodesconhecidopelodireitoinglês,

inconsistentecomaconstituiçãodoPaís,esolapadordaliberdade,em

qualquerformadegoverno”.10

Verifica-seporémquenocomeçodoséculopassado,afunção

estavadefinida.Pittaoformarogabinetede1803aparececomoo

primeiroaempregarnoseupostoaexpressãoprimeiro-ministro,a

despeitodesóconstardedocumentosoficiaisdesdeLordBeaconsfield,

quandoesteassina,em1878,naqualidadedePlenipotenciário,o

tratadodeBerlim.

Cabeaoprimeiro-ministroorganizarogabinete,dirigi-lo,presidir-

lheàssessões,chefiaropartidomajoritário,exerceraliderança

parlamentar,tratardiretamentecomorei,ouChefedeEstado,servirde

Page 696: Ciência Política - Archive

intermediárioentreoministérioeaCoroaouaPresidênciada

República,enfim,assumiradireçãodetodososnegóciosdegovernoe

obtersempreoapoiodamaioria,demonstrandoparatantoanecessária

habilidadeecompetênciacomolíderparlamentar.

Contemporaneamente,comogovernodegabinete,“oprimeiro-

ministroinglêsdoséculoXXéquaseonipotente;muitomaisforteque

todososministrosetodososfavoritosdoancienrégime,porquantoo

executivodoséculoXXémaisvastoqueodoséculoXVIIIoumesmoo

doséculoXIX.OsministrosdeLuísXVIIInãotinhamquepreocupar-se

senãocomapolícia,apolíticaexterioreumpoucodeorçamento”.11

Relativamenteàunidadeehomogeneidadedogabinete,trata-se

derequisitoimportantíssimo,queseprende,comoéóbvio,à

responsabilidadepolíticaesolidáriadosministros,objetoigualmentena

históriapolíticadaInglaterra,delongoprocessodeformação.Cumpre

aosministrosmantercompletaunidadedevistas,professandoas

mesmasopiniõeseadotandoamesmapolítica,emordemaassegurara

homogeneidadedessecorpodirigente,investidonointeiroexercícioda

funçãogovernativa.

2.3Aexistênciademeiosdeaçãorecíprocanofuncionamentodo

executivoedolegislativo

Quantoàexistênciademeiosdeaçãorecíprocanofuncionamento

Page 697: Ciência Política - Archive

doexecutivoedolegislativo,urgeressaltarprincipalmenteoprincípio

daresponsabilidadeministerialeafaculdadeoudireitodedissolução.

Aresponsabilidadeministerial,conformejáasseveramos,foi

criaçãolentaeprogressivadodireitopolíticodaInglaterra,queaindano

séculoXVIIIsustentavaalegitimidadedatesedalivreescolhae

demissãodeministériopelorei.

ACâmaradosComuns,impotenteemfacedessaprerrogativa

real,tomouporémumcaminhoqueacabouporconduzi-la

satisfatoriamenteaodomíniodogabinete,quandooimpeachment,

empregadoparaessefim,transitoudoseucaráterinicialde

responsabilidadepenal,concepçãovigentenoséculoXVIII,paraode

responsabilidadepolítica,responsabilidadeperanteaopiniãopública,

“queexpõeàperdadopoder”,eseimpõecoletivamenteatodoo

ministério,obrigando-oconseqüentementeàexoneraçãosolidária.

Aresponsabilidadepenal,brandidacomoameaçasobreLord

North,obrigou-oademitir-secomtodoogabinete.Daípordiante,

tornou-senapraxedosistemaumaarmafadadaa“enferrujar-se”,

substituídaquefoi,segundoEsmein,“poruminstrumentomaisflexível

emaisseguro”:aresponsabilidadepolíticaecoletivadogabinete.12

Comefeito,oimpeachmentofereciagravesinconvenientes,assim

enumeradosporBarthélemyeDuez:“1°—Oimpeachment,processo

Page 698: Ciência Política - Archive

penal,supõeumcrimeprevistoepunidopelaleipenal.Asfaltas

ministeriaisnãosãosuscetíveisdeimpeachment,amenosque

constituam,segundoaleipenal,infrações,2º—Podeoreiparalisara

açãopenalcontraoministroempronunciandoadissoluçãodo

Parlamentoouabstendo-sedeconvocá-lo(casodeBuckingham,

Danby),3º—Enfim,podeoreiindultaroministrocondenado(casode

Danby)ouanistiá-lo”.13

Emsuma,aresponsabilidadeministerialfoideinício

responsabilidadepuramentepenal,passoudepoisaresponsabilidade

político-penal,atéconverter-seemresponsabilidadepolíticapura.14

DefinindoaresponsabilidadeministerialperanteoParlamento,

Chateaubriand,nasuaobra-primadedoutrinaçãopolítica,escritahá

maisdeséculoeintituladaAMonarquiaconformeaCarta(Lamonarchie

selonlacharte),enunciavajáasregrasbásicasdessaformadegoverno

parlamentarqueaboadoutrinabatizoucomonomede

parlamentarismodualista:

“Seseadmiteestafrasesonoradequeosministrosnãoprestam

contasdesuaadministraçãosenãoaorei,compreender-se-ábrevepor

administraçãotudoquantosequeira;ministrosincapazesdeitarãoa

Françaaperder,eascâmaras,convertidasemseusescravos,cairãono

aviltamento...Ademais,ascâmarasnãoseimiscuirãonuncana

Page 699: Ciência Política - Archive

administração,nãofarãojamaisinterpelaçõesinquietantes...seos

ministrossãoaquiloquedevemser,asaber,senhoresdascâmaraspelo

fundoeseusservidorespelaforma,quemeioconduziráaessefeliz

resultado?Omeiomaissimplesdomundo:oministériodevedisporda

maioriaemarcharcomamesma;semissonadadegoverno”.15

Odireitodedissoluçãorepresentaacontrapartidada

responsabilidadeministerial,asaber,omeioinversoquepossuio

governodeatuarsobreoParlamento,evitandoassimqueas

assembléiasseconvertameminstrumentosonipotentesdasmaiorias

parlamentares.

Semessaimportantíssimafaculdadededissolveroramoeletivo

doParlamento,conferidapoisaoexecutivoeacompanhadada

obrigaçãoemqueesteficadeconvocarnovaseleiçõesnumdeterminado

prazoconstitucional,oregimeparlamentarsetransmudarianum

governodeassembléia,perdendoaqueleadmiráveltraçoquedistingue

precisamenteaflexibilidadedosistema,aodotá-lodovaliosocorretivo

democrático,queéoapeloàsurnas,peranteaNação,comoremédioàs

crisesdopoder.

Oinstitutodadissoluçãofoidosmaisincompreendidosnaprática

dosistemarepresentativo.AlgumasConstituiçõesdasmonarquias

limitadasoadotaram.Nãoofizeramtodavianoespíritodaforma

Page 700: Ciência Política - Archive

parlamentar.Usaram-noaoinvéscomo“armaofensivadadaaoChefe

deEstado,contraalegislatura,paradominá-laoureduzi-laà

sujeição”.16

Nãosomenteessapráticaviciosadesacreditousemelhante

instituto,comoorodeoudesuspeiçãoejustificadadesconfiança.Não

devemtodaviataistemoresprevalecercomrespeitoaogoverno

parlamentar,ondeadissoluçãoé“natural,legítimaequasenecessária”,

constituindo,segundoomesmoEsmein,“oderradeiromeioquerestaa

umgabineteparamanter-senopoder”,17depoisdehavercaídoem

minorianoParlamento.Neste,umapolíticacontráriaaointeresse

nacional,abraçadacontraavontadedoministério,nãovingaráseo

corpodeeleitores,chamadoapronunciar-sesoberanamente,em

conseqüênciadadissolução,elegernovoParlamento,destafeita

favorávelaogabinete,cujalinhadegovernoforaimpugnadapelo

Parlamentoanteriornamatériaquedeterminouacrisedeconfiança,da

qualduassaídasapenasrestavamaoministérioameaçado:arenúncia

ouadissolução.

Vê-seportantoevê-seclaramentequeadissoluçãoédosmais

idôneosedemocráticosinstrumentosinerentesaosistemaparlamentar.

TodarazãotinhaporconseguinteWaldeck-Rousseau,quando,em

1896,assinalavaesseaspectonovoemanifestodeumantigo

Page 701: Ciência Política - Archive

mecanismo,queemoutrasformasdegovernoconheceraaplicação

antidemocrática,servindodeprerrogativaabsolutistadopoderreal:“A

faculdadededissolução,inscritanaConstituição,nãoéparaosufrágio

universalameaça,massalvaguarda.Éocontrapesoessencialaos

excessosdoparlamentarismo,eégraçasàdissoluçãoqueseafirmao

caráterdemocráticodenossasinstituições”.18

3.Oparlamentarismomonista(democrático),característicodo

séculoXX

ComoséculoXXeoaprofundamentodasconvicções

democráticasdeestruturadopoder,comaigualdadepolíticalevadaàs

últimasconseqüênciasmedianteainstituiçãodosufrágiouniversal,

comaórbitadopoderconsideravelmentealargadapelosimperativosda

intervençãoestatal,comasfunçõesdaautoridadecadavezmais

dominadaspelasexigênciasdecontatocomaopinião,ondeopoder

consentidodescobreasbasessegurasdeseuprocessolegitimador,viu-

seoparlamentarismocompelidoatransformaçõessensíveisno

funcionamentodetodoosistema.

Conservandoosmesmostraçosanatômicos,suafisiologiaébem

distintadaquelaqueoséculopassadoconheceu,sobaformajáreferida

daqueladualidadedepoderesessenciais:ospoderesmonárquico-

aristocráticosemdecadênciaeospoderesdemocráticosemprogressão.

Page 702: Ciência Política - Archive

Transitou-sepoisparaumamodalidadedeparlamentarismona

qualentraaimperardecisivamenteopoderoriundodasfontes

democráticasdoconsentimento.Aoparlamentarismoaristocrático

sucede

o

parlamentarismo

popular;

ao

parlamentarismo

de

compromissoeequilíbriodepoderes,oparlamentarismodegabinete

cominteirafusãodepoderes;aoparlamentarismodualista,o

parlamentarismomonista,compreponderânciadoministério,no

chamadogovernodegabinete,oucomhegemoniadoParlamento,a

meiocaminhojádochamadogovernodeassembléia.

Éeste,abrevestraços,oquadrodasinstituiçõesnosistema

parlamentarcontemporâneo.ConcentrouoParlamentoopoder

democráticoeesteseexercecomtalmonopólio,queficoudetodo

impossibilitadaareconstituiçãodoparlamentarismoprimitivoe

dualista,tãodosaborideológicodaliberal-democracia,substituídojá

peloparlamentarismomonista.

Page 703: Ciência Política - Archive

Aqui,arealidadedopoderpolíticoestáemsuasorigensnopovoe

emseusmecanismosdefuncionamentonascasasdopoderlegislativo.

Anotaideológicadominantedoparlamentarismomonistaseprende

antesàsmáximasdademocraciasocialedosocialismodemocráticodo

queàsvelhaseultrapassadasconcepçõesdomonarquismoedaliberal-

democracia.

Relativamenteàsorigensmonárquico-aristocráticasdoantigo

parlamentarismodualista,tãoproficientementeempregadopela

burguesialiberaldoséculoXIX,parasustentaçãodeseusinteresses

políticosesociais,assimseexprimenasreflexõesdocárcereodecaído

estadistadaTerceiraRepúblicafrancesaLeónBlum:“Emnenhumpaís

daEuropa,quesejademeuconhecimento,asorigenshistóricasdo

parlamentarismoseprendemaummovimentooureivindicação

democrática;portodapartesuaascendênciaéaristocráticaou

oligárquica;nãotomoucaráterevalordemocráticosenãoàmedidaque

aeleseincorporaramduasnoçõesdeordemcompletamentedistintas:a

responsabilidade

dos

ministros

perante

as

Page 704: Ciência Política - Archive

assembléias

e

a

universalidadedosufrágio”.19

Doisaspectoscapitaisdefinemaformamaislógicado

parlamentarismomonistacontemporâneo,nasuavariantedemocrática

dochamadogovernodegabinete:a)oafastamentodochefetradicional

dopoderexecutivo,reiouPresidentedaRepública,dequalquer

participaçãoefetivadogoverno,ficandosuamissãoessencial

circunscritaapenasaopapeldeChefedeEstado;eb)aentregada

autoridadesoberanaaumúnicopoder:ogabinete,operando-se,

segundoBagehot,nãoaabsorçãodopoderexecutivopelopoder

legislativo,masafusãodeambosospoderes.20

Comrespeitoaoprimeirotraço—anãoingerênciadoreioudo

PresidentedaRepúblicanogoverno—jáduranteoséculoXIXThiers

antecipavaateoriaparlamentaroraimperantequeretiraaoChefede

Estadoqualquerparticipaçãopessoalnoexercíciodasfunções

governativas.Dizia,pois,em1830,ofuturoPresidentedaRepública

francesa:“oreireina,eoPaíssegoverna”paralogoconcluirque“orei

reina,osministrosgovernameascâmarasjulgam”.21

AformaparlamentardaTerceiraRepúblicafrancesa,aoprincípio

Page 705: Ciência Política - Archive

desteséculo,progrediurapidamenteparaoscontornosmonistas,

fazendoassimcomqueoPresidenteresignatário,Casemir-Périer,em

cartaaumdiáriofrancês,escrevesse:“Dentretodosospoderesquelhe

parecematribuídos,sóháumqueoPresidentedaRepúblicapode

exercerlivreepessoalmente:éapresidênciadassolenidades

nacionais”.22

DistinguindonaConstituiçãoinglesaa“parteeficaz”quegoverna,

comogabineteeospartidos,da“partedignificada”,decunhomístico,

religiosoousemi-religioso,quereina,comaCoroaeastradiçõesda

realeza,Bagehot,autordeobraclássicasobreochamadogovernode

gabinete,insistenopesodainfluênciamoralquetemsobreanação

políticaapresençadoreiedasinstituiçõesmonárquicas,adespeitode

todaaexclusãoaqueficouvotadoopríncipenapartepropriamente

governativa.

Ponderandoque“osbenefíciosdeumbommonarcasãoquase

inestimáveiseosmalefíciosdeummonarcaruimquaseirreparáveis”,23

Bagehotdátodaviaacertaalturadeseulivroamedidadequantose

esvaziouaautoridadereal,aoescreverque,destituídadoveto

legislativo,arainhateriaque“assinarsuaprópriasentençademorte”

seassimoquisessemunanimentementeasduascasasdo

Parlamento.24

Page 706: Ciência Política - Archive

Aessanotadepessimismo,segue-seporémnaobradaquele

clássicodaciênciaconstitucionalinglesaoelogiodamonarquia,bem

comooencarecimentodaimportânciaquetemarealezacomoparteda

Constituição,suasprofundasraízespopulares,osentimentoque

despertaaindanaalmadopovo.FazBagehotaquelaobservação

interessante,segundoaqualsepedíssemosaumchauffeurdetáxi,que

nosconduzissea“DowningStreet”,sededogoverno,talvezele

hesitasse,pornãohaverjamaisouvidofalarnessarua,aopassoquese

déssemosadireçãodoPaláciodeBuckingham,sededamonarquia,

residênciadarainha,essemesmochauffeurnãosedeparariacom

nenhumadificuldade.25

Emtodaaparteondesevenhaapraticaroparlamentarismo

monista,

onde

essa

forma

tenha

tido

andamento

lógico

e

Page 707: Ciência Política - Archive

conseqüentementeondequerqueoprincípiodemocráticosehaja

firmadoinarredavelmente,tomando-seomesmoporbasedas

instituiçõesparlamentares,aparecerãosempreclaramentedistinguidas

asfunçõesdeChefedoEstadoeasdeChefedoGoverno,ficandoaquela

comoreiouPresidentedaRepública,eestacomumgabineteou

ministério,dainteiraeimediataconfiançadoParlamento,atravésda

maioriaparlamentaroudopartidodominantequechegouaopoder.

Respectivamenteaosegundotraço,ochamado“governode

gabinete”,queéamodernaversãoinglesadoparlamentarismomonista,

cumpredefini-lo,segundoBalfour,comoogovernodeumgabinete,

escolhidopelolegislativo,sobapresidênciadoprimeiro-ministro,

ficandoreferidogabineteinteiramentesujeitoàCâmaradosComuns,

eleitapelopovo.26

Ogabinetenoparlamentarismoinglês,sendooórgãodecontrole

detodoogoverno,dirigeanação,graçasàconfiançaessencialque

recebedoParlamento.Trata-se,comonotaraBagehotemseuestudo

sobreaConstituiçãoinglesa,deumacomissãodopoderlegislativo,mas

comissãocompoderesquenenhumaassembléiajamaisconfioua

qualquercomitê,salvotransitoriamente,emocasiõeshistóricas

excepcionais.

Comefeito,essacomissãotemopoderdedissolveraassembléia

Page 708: Ciência Política - Archive

queadesignou,apelandodestaparaoutra,doParlamentoquese

dissolveuparaaquelequesevaieleger.Nessadissoluçãointerfere

decisivamente,detalmodoqueogovernodegabinetedeixadeseruma

absorçãodopoderexecutivopelopoderlegislativoparasetransfazer

fundamentalmentenumafusãodeambosospoderes.27

Comogovernodegabinete,firma-seoprincípiobásicodafusãoe

combinaçãodosdoispoderes,oexecutivoeolegislativo,aquelesegredo

daConstituiçãoinglesa,aquesereportaBagehot,28aocontráriopois

daseparaçãoeindependência,queconstituemoprincípiodominante

daformapresidencialdegoverno,emmatériaderelaçãodepoderes.

Contemporaneamente,ogovernodegabineteénamáximaparteo

governodeumpartidomajoritário,quenocasoinglêsseexplicapelo

twopartysystem,osistemadedoispartidosprincipais,alternando-se

nopoder,aosabordaconfiançaqueocorpoeleitoralvenhaporventura

avotar-lhe.

Aopiniãoéoutrapeçaimportantíssimadomecanismo

parlamentar.Daídizer-se,semnenhumexagero,quesóháum

sinônimoparaochamadogovernodegabinete:governodeopinião.

Oexemploinglêsatestaopoderdaopinião,queorganizae

derrubagovernos,fazedesfazmaioriasinvestidascomospoderes

subseqüentesdedireçãopolítica.Opartidoeaimprensa,órgãosda

Page 709: Ciência Política - Archive

Constituiçãoviva,governamanação.Nosistemaparlamentarista,

quantosministériosnãoresultaramdainfluênciadeumafolhacomoo

Timesouquantosgabinetesnãodevemàimprensasuaruínaequeda!29

4.Dogovernoparlamentaraogovernodeassembléia(governo

convencional)

Oparlamentarismomonista,quetemporbaseasoberania

popular,tomoucursodiferentenavidapolíticadealgunsEstados,onde

aexperiênciaparlamentaringlesanãopôdefielmenteaplicar-se.

Comefeito,aoinvésdochamadogovernodegabinete,enveredam

essesEstadosporumgovernoparlamentarcompreponderânciada

assembléia,comoefeitodoenfraquecimentoconstitucionalda

competênciadoPresidentedaRepública,cujaautoridadebastante

diminuída,saidaesferaexecutivaparaoexercíciodeumamagistratura

moralimplícitanasfunçõesdeChefiadeEstado.

AquiasatribuiçõespolíticasdoPresidentesereduzemanada,

justificandoasamargasrecriminaçõesantiparlamentaresdeum

Presidentefrancêsdemissionário,quesequeixavadevertodososseus

poderesoficiaislimitadosàfunçãodecorativadepresidirasolenidades

nacionais.MasoministérioougabinetenessesEstadosnãologrou

enfeixarainfluênciapolíticaperdidapeloPresidentedaRepública,

transformadoemmerasombraoufantasmadopoderexecutivo,

Page 710: Ciência Política - Archive

influênciatransferidadoravanteparaoParlamento,ondeasbancadas

majoritáriasassumem,emfacedoministériopostosobtutela,papel

nãosomentedecontrole,comodedireçãodogovernoedesuapolítica,

aocontráriodoquesepassanaInglaterra,ondeogabinete,como

primeiro-ministroàfrente,ficacomadireçãoeaCâmaradosComuns

comocontroledoaparelhogovernamental.

AFrançaduranteaTerceiraeQuartaRepúblicas,ofereceuo

quadropolíticomaisilustrativodeumaexperiênciaparlamentar

monista,queconduziuinequivocamenteaopredomíniodaassembléiae

avisívelinstabilidadeministerial,decorrente,emlargaparte,da

exagerada

fragmentação

partidária,

oriunda

do

sistema

de

representaçãoproporcional,queobrigavaàformaçãodecoligações

partidáriassemconsistêncianemforçapararesistiraosembatesdas

crisesedosacontecimentos.

AconseqüênciaobservadaeassinaladaporBurdeaueraadeque,

Page 711: Ciência Política - Archive

emsetornandoimpossívelasolidezministerial,tãopeculiarao

desenvolvimentodosistemainglês,ogoverno“jánãodominavao

Parlamento,algumasvezesodirigia,quasesempreporémoseguia”.30

AeleiçãoindiretadoPresidentedaRepública,quandoestederiva

seuspoderesdoParlamento,ocolocaemposiçãonadainvejávelperante

oramodarepresentaçãolegislativa,quefoihaurirsualegitimidadee

competêncianasfontesdoconsentimentopopular.Apareceassimo

Parlamentomaisfortalecidopeloprestígioquelheconferiuainvestidura

democráticadireta.

Noparlamentarismomonista,comprimadodaassembléia,temos

umaformadegovernoqueseacercaconsideravelmentedodenominado

governoconvencionalougovernodeassembléia.Caracteriza-seeste

pelaconfusãodepoderesoupeladesigualdadeentreoexecutivoeo

legislativo.Converte-seopoderexecutivonumpoderdelegado,coma

autoridadegovernativaatuandonaqualidadedeagenteoucomissário

deumaassembléiainvestidadepoderessoberanos.DoParlamento,

recebeuopoderexecutivosuacompetênciaparaoexercíciodeum

mandatoimperativo;revogávelpoisadnutumdamesmaassembléia.No

regimeconvencionaloministérioouconselhogovernantesetransforma

emmerobraçoexecutivodasdecisõesdaassembléia,carecendo

portantodeindependênciadeação.

Page 712: Ciência Política - Archive

Relator-GeraldaComissãodeConstituição,quelavrouoprojeto

daConstituiçãofrancesade1946,escreveuPierreCotacercado

chamadogovernoconvencionalougovernodeassembléia:“Estetipode

governoconvémaospequenospaísesouaosperíodosmuitoagitados...

Nesseregime,nãosomentetodoopoderseencontranasmãosda

Assembléia,senãoqueéexercidopelaAssembléiaeorganizadoporesta

damaneiraquecuidarmaisconveniente.Obtém-seporessemeiouma

concentraçãototaleabsolutadopoderdoEstado.Éoregime

particularmenteamoldadoàsnecessidadesdeaçãoimediataesem

comedimento.Maisquequalqueroutro,permitemobilizartodosos

recursosdaNação.Convémaosperíodosdeagitaçãofebrilede

desordem,ondequerque“asalvaçãodaPátriadevaseraleisuprema”,

ondequerquesetratedevenceroumorrer.Narealidadeogoverno

convencionalégovernodeditadura,queorganizanãoaditaduradeum

homem,masadeumamaioria”.31

Depoisdeassinalarquesetratadegovernofeitoparaatenderàs

exigênciasdaaçãorevolucionária,destinadopoisaosperíodosde

convulsão,afirmaoautordoafamadoRelatórioqueogoverno

convencionalignoraaquestãodeconfiança,típicadoregime

parlamentar.32

OgovernodeassembléiafoioregimequesurgiuemFrança,

Page 713: Ciência Política - Archive

introduzidopelaConstituiçãomontanhesade24dejunhode1793,

igualmenterenovadonasassembléiasconstituintesfrancesasde1848e

1871,eaindaagoraadotadopelaorganizaçãopolíticadaConfederação

suíça,cujoexecutivo,oConselhoFederal,deriva-sedaAssembléia

Federal,queoelegeeexercesobresuasmedidasumprimado

incontestável.

5.Criseetransformaçõesdoparlamentarismo:astendências

“racionalizadoras”contemporâneas

Dizemautoresfrancesesqueoregimeparlamentar“chegoua

constituirodireitocomumdaorganizaçãoconstitucionaleuropéia”.33

Apreferênciaporessaformaavultaemnossosdias,quando

deixouorecintoeuropeuesealastroupelomundointeiro,comnada

menosde17repúblicase26monarquiasadotandojáosistema

parlamentar,frentea26paísesapenasquetrilharamoscaminhosda

organizaçãopresidencial,dosquais19sãorepúblicasdestecontinente.

Publicistas

de

alta

categoria

atribuem

o

Page 714: Ciência Política - Archive

prestígio

do

parlamentarismo,entreoutras,àsseguintesrazões:evocaoapogeudas

liberdadesindividuais,trazareminiscênciadosgrandesduelosda

palavrapolíticanadefesadasinstituições,marcaotriunfodoregime

representativosobreopoderabsolutodascoroasreacionárias,

representavaliosofreioàonipotênciadavontadepopular,aparececomo

instrumentodeumademocraciamoderada,capazderesistirao

arrebatamentodasassembléias,mormentequandoestas,conforme

aconteceuem1793,emFrança,tomamopodereoexercemmediante

autênticaditaduralegislativa.

Inumeráveiscríticastodaviasefazemaosistemaparlamentarde

governo,entendendoprincipalmentecomainstabilidadeaqueestaria

sempresujeitaessamodalidadedeconformaçãodopoder.

Comoexemplosdeinstabilidadedosgovernosparlamentaristas,

tem-semencionadoocasohistóricodaFrança.Noparlamentarismo

francêsdaTerceiraRepública,queseprolongade1875a1940,houve

nadamenosde105ministérios.OparlamentarismodaQuarta

República,quevaide1946a1958,conheceu16ministérios.Amédia

deduraçãodecadaministérionãoultrapassou9meses.

AFrançamonárquicaadotou9Constituições,em84anos,desde

Page 715: Ciência Política - Archive

aRevoluçãoFrancesa.Achamtodaviaosadeptosdoparlamentarismo

queessainstabilidadedosistemaémaisaparentedoqueverdadeira.

AlegamcomefeitoqueseaFrançarepublicanatestemunhoutantas

quedasdeministérios,emcompensaçãoviu,noperíodode65anos,

apenasumaConstituiçãoenenhumarevolução.

Comesseforteargumentoafavordoparlamentarismo,asseveram

queosistemapodeademaisofereceroespetáculodainstabilidadedos

governos,massemelhanteespetáculoficalargamentecompensadopela

estabilidadedasinstituições.

ÉpatenteporémnoséculoXXacrisedoparlamentarismo.

Volveu-senumaformamonista,tendoporsubstratoasoberania

popular.Acrise,sobdeterminadoaspecto,sefazsentirprincipalmente

nasrepúblicas,carecidasdaquelaforçamoderadoraesimbólicaquea

realezarepresentacom“oprestígiosocialdomonarca”.

Comefeito,oreihaurianahereditariedadeenafidelidadedos

súditosoucidadãoselementosderespeitoeconsideração,úteisao

regime,investindo-sedeumprestígioquenãopossui,porexemplo,no

regimeparlamentaroPresidentedaRepública,aindaquetragada

eleiçãodiretaaforçaealegitimidadedeseumandato.34

AeleiçãodiretadoPresidentedaRepúblicanoparlamentarismo

paraodesempenhodamerafunçãodeChefedeEstadoenãodeChefe

Page 716: Ciência Política - Archive

deGovernoéantesmotivodegravereceioepreocupação,vistoquelhe

outorgaumprestígiodeinvestiduraeminteirodesacordocomoefetivo

papelquelhevemreservadonomecanismodosistema,ondeseacha

ordinariamenteanulado,tocanteaqualqueratribuiçãodeteor

executivo.

Observa-se,nacrisedoparlamentarismo,queodesesperodos

constitucionalistashálevadomuitasformasparlamentaresaomalogro,

precisamenteemconseqüênciadagrandeefalazdiligênciaempregada

pararestaurarodualismodoséculopassado.

Surgemcomcertasvariantesparlamentaristascriaçõespolíticas

assentadasnumdualismoartificial:odaseparaçãoeconcorrênciado

poderdoPresidentecomopoderdascasasdoParlamento,mormente

quandoseatentanaorigemcomumdeambosessespoderes:osufrágio

popularuniversal.

Omaisatentoestudiosoecompetenteavaliadordacrisedo

parlamentarismodenossoséculo,Mirkine-Guetzévitch,fazgiraras

transformaçõesporquehápassadoaformaparlamentaremtornode

determinadastendências“racionalizadoras”contemporâneas.

EntendeesseautorquedesdeaRepúblicadeWeimara

racionalizaçãodoparlamentarismoemdiversasConstituiçõeseuropéias

vemsendogradativamenteencetada.Verifica-seentãoquedepoisdeter

Page 717: Ciência Política - Archive

profusaaplicação,sugeridapelaspráticasdosmaiscelebrados

exemplosdaInglaterra,BélgicaeFrança,oparlamentarismoingressa

numafaseteórica,deconstruçãodoutrinária,formulaçãoderegras

propostasàobservânciaconstitucional,paraoexercíciodoregime

segundonovosmodelosdeexperiência,ousegundoapautadeuma

“doutrinahomogêneaerígida”.35ÉassimquePreussintervémno

parlamentarismodeWeimar,KelsenfazaConstituiçãodaÁustria,os

constituintes

europeus

do

primeiro

pós-guerra

elaboram

nas

Constituiçõesde1919-1922“umnovodireito:odoprocesso

parlamentar”36ondeasinspiraçõesprocedemprincipalmentedaciência

políticaedodireitopúblicocomparado.37

AfirmaGuetzévitchque“aessênciadoparlamentarismomoderno

residenaaplicaçãopolíticaegovernamentaldoprincípiomajoritário”.38

Assinala-seassimoaspectocapitaldopredomíniodemocrático

avassaladornodesenvolvimentodessaformadegoverno,cujasorigens

Page 718: Ciência Política - Archive

monárquico-aristocráticasdosséculosXVIIIeXIXjáficarambastante

Patenteadas.

Atesedomesmoescritorpolíticoseachaapoiada,conformeele

mesmocita,pelasreflexõesdeLéonBlum,quandoestepostulacoma

reformagovernamentalanecessidadedeumparlamentarismoà

maneirainglesa,onde“legislativoeexecutivovivamnumestadode

penetração,dedependênciarecíprocaequeestacolaboraçãocontínua

sejaaleimesmadaatividadegovernamental”.39Busca-seporessavia

alcançarum“governoquegoverne”,tendodefatooprimeiro-ministro

pordepositárioincontestáveldetodaaautoridade.40

Como

se

vê,

o

advento

do

parlamentarismo

monista,

substancialmentedemocrático,temlevadoumacorrentedeautoresa

propugnarasoluçãodofortalecimentodaautoridadeexecutivana

pessoadoprimeiro-ministro.

Page 719: Ciência Política - Archive

Governandocomoapoiodamaioriaparlamentar,gerada

legitimamentepelosufrágiopopular,atravésdomecanismopartidário,

seriaoChefedoGabineteouPresidentedoConselhodeMinistroso

titulardeumpoderaptoàmanutençãodaordemdemocrática.Fica

estaassimemcondiçõesjurídicasepolíticasexcepcionaisparaarrostar

comtodasasresponsabilidadesdecorrentesdascomplexastarefas

governativasdenossosdias,tãomúltiplasevariadasetãosujeitasa

gerarcrises,quandoesbarramcomobstáculosouartifíciosquese

tornaramanacrônicos,quaisporexemploosprovenientesdoprincípio

daseparaçãodepoderes.

Asformassonolentaseobsoletaspoisdovelhoparlamentarismo

dualistajánãoatendemàsexigênciasdomodernoEstadosocial.Ditou

este,comareformademocrática,aimperiosanecessidadedeacudir

comprestezaaimportantíssimaseimediatastarefasdegoverno.

Recaíramsobreopoderproblemasqueimplicamadestruiçãode

qualquerordemousistemadegoverno,obstinadoemrepresarou

preterir,porinépcia,soluçõessociaisurgentesedetodoinadiáveis.

Todademocraciaparlamentarondeopoderpopular,comopoder

dasmaioriasimpacientesdeumaordemgovernativamaiseficaz,for

eventualmentetolhidoporempecilhosartificiais,serásempreumpoder

fadadoàmorteouàdissolução,umpoderemcrise,umpodernoqualo

Page 720: Ciência Política - Archive

parlamentarismo

falseado

significará

nada

menos

que

a

institucionalizaçãomesmadadesordemedainstabilidade.

CriouoséculoXXportantoumnovoparlamentarismo:o

parlamentarismodemocráticooumonista,tendoportraçoessencialo

poderpolíticodamaioria,aopassoqueovelhoparlamentarismo

dualista,monárquico-aristocráticoouaristocrático-burguês,sedefinia

apenascomooregimedaresponsabilidadepolíticadogabinete.

Todaessavariaçãoseachaperfeitamentecompendiadae

esclarecida

nas

seguintes

observações

de

Guetzévitch:

“O

Page 721: Ciência Política - Archive

parlamentarismo—nãonoscansamosnuncadeafirmá-lo—éa

conseqüêncianatural,lógica,quaseautomáticadaaplicaçãosincerado

sistemarepresentativo.Quandosetomaoregimeparlamentarcomoum

sistemaqueéantesdemaisnadaodaresponsabilidadeministerial,

falseia-seaperspectivahistóricaepolíticaeanaturezamesmadesse

regime:aessênciadoparlamentarismoéaprerrogativadamaioria

parlamentardeteroseuministério.Éverdadequenodecursodo

séculoXIX,sobamonarquiaconstitucional,oparlamentarismose

exprimiunoprincípiodaresponsabilidadeministerial.Mashojesua

verdadeirasignificaçãoconsistenopoderdamaioriadeimporsua

vontadenaescolhadosministros”.41

Omesmoconceitoéexpressocomigualclarezamaisadiante:“O

regimeparlamentaréopoderpolíticodamaioria.Eéoprincípioda

vontademajoritáriaqueobrigaogabineteaser“responsável”,istoé,a

demitir-sequandoamaioriaoquer.

“Decerto,oregimeparlamentarsedesenvolveudeiníciona

Inglaterra,maselenãopodeexplicar-seporinteiropelapráticainglesa

oupelaimitaçãodestaprática.Oregimeparlamentarapareceláonde

existemcondiçõesnecessáriasaofuncionamentodogovernodamaioria.

Nãoésenãoumaconseqüêncialógicadoregimerepresentativo

democrático.Oparlamentarismo—nuncaserádemasiadodizê-lo—éa

Page 722: Ciência Política - Archive

conseqüêncianatural,lógica,quaseautomáticadaaplicaçãosincerado

sistemarepresentativo.

“NãorestadúvidaquenocursodoséculoXIX,sobamonarquia

constitucional,oparlamentarismoseexprimiuatravésdoprincípioda

responsabilidadeministerial.Mashojesuaverdadeirasignificação

consistenopoderdamaioriadeimporsuavontadenaescolhados

ministros.Époressepoderdamaioria,poderabsolutoeúnico

conformeosprincípiosgeraisdademocracia,queseexprimede

maneiraadequadaoparlamentarismomoderno.”42

AsConstituições,nasuatrajetóriadoutrinária,atestamatravés

dasfórmulasempregadas,osentidodessedesdobramento,quefezdo

princípiomajoritário,princípiodemocrático,anotadominantedo

parlamentarismocontemporâneo.

Comefeito,notaGuetzévitchquealeiconstitucionalfrancesade

25defevereirode1875continhaemseuartigo6ºoseguinteprincípio:

“OsministrossãosolidariamenteresponsáveisperanteasCâmaraspela

políticageraldogoverno”...

OparlamentarismodaTerceiraRepública,postoquemonista,

aindaseinclinava,porconseguinte,aumafórmulaessencialdovelho

parlamentarismo,aopassoqueasConstituiçõessubseqüentesà

PrimeiraGrandeGuerraMundial,comoaConstituiçãodeWeimar,já

Page 723: Ciência Política - Archive

inscrevememseustextosaregrafundamentalquedefineonovo

parlamentarismo.Consisteestebasicamente“nadependênciapolítica

dosministroscomrelaçãoàmaioria,naobrigaçãojurídicaquetemo

ministérioderetirar-setodaavezquesejaobjetodeumvotode

desconfiança”.43

Tomadooparlamentarismonasuaacepçãocorrentee

democráticadegovernodasmaiorias,temosabasesimplese

homogêneasobreaqualcadaEstadoergueráumasuperestrutura

jurídicacomaschamadastécnicasderacionalizaçãodopoder

parlamentar,tendoemvistasempreaeficáciacrescenteeprogressiva

dasinstituiçõespolíticas,demodoquepossamestasatender

desembaraçadamenteaoscuidadoseanseiosmateriaiscadavezmais

largosdasociedade,nointeressedapaz,dajustiçaedaprosperidade

detodasasclasses,animadascomoseachamporimpaciente

consciênciareivindicatóriademelhoriasocial.

Daípordianteoparlamentarismo,emsuasvariaçõestécnicas,

respeitadoopostuladoessencialdocontroleedadireçãodemocrática

porpartedoelementopopular,seráemcadaPaísefeitodaarte

constitucionaledogêniooutemperamentopolíticodecadapovo.Seus

fracassosouseustriunfosserãofracassosoutriunfosdosprincípiosde

racionalizaçãoeventualmenteaplicadoseintroduzidosnocorpodas

Page 724: Ciência Política - Archive

Constituiçõesrespectivas,bemcomopostosemcirculaçãopelamãodos

governantesnaambiênciapolítica,ondecadapovohádepraticá-losou

postergá-los,conformeomaioroumenoríndicedeadequaçãoe

acolhimentoquevenhamelesater.

6.Dopseudo-parlamentarismodoImpério(umparlamentarismo

bastardo)aoAtoAdicionalde1961,comomalogrodanova

tentativadeimplantaçãodosistemaparlamentarnoBrasil

DesenvolveuoImpérionoBrasilumensaiodeparlamentarismo,

quesedilatade1847a1889,daMaioridadeàProclamaçãoda

República.

PesadascríticassefizeramaoparlamentarismodoImpério,que

muitosescritorespolíticosdenossahistóriareputamumpseudo-

parlamentarismo,formabastardadoautênticomodeloeuropeu.

Omaisgravevícioquecomprometeutodoosistemaparlamentar

pátriofoiindubitavelmenteaconcentraçãodepoderesnasmãosdo

Imperador,queseconverteu,atravésdoPoderModerador,emsupremo

juizdasquestõespolíticas.

ComoPoderModerador,poderconstitucional,vimosnaprática

doregimeoImperadordispondododireitodeconvocareleições.

Nenhumfreiooucontrapesoessencialexistiucomquediminuira

irresponsabilidadepolíticadomonarca.

Page 725: Ciência Política - Archive

DuranteaexperiênciaparlamentardoImpério,oPaísconheceu

nadamenosque35ministérios.NolongoreinadodeD.PedroII,22

ministériossucumbiramaoslitígiospolíticosdosdoispartidos,liberais

econservadores,quedisputavamcombaixezaáulicaeservilismoa

simpatiadecisivadoImperador,indispensávelàconservaçãoe

sobrevivênciadosgabinetes.

Defato,ambos,conservadoreseliberais,sealternaram

monotonamentenoministério,sendo,conformejáreferimos,aqueda

dosgabinetesdecididasemprepelopoderpessoaldomonarca,sem

cujasgraçasnenhumpartidoalcançamanter-senopoder.

DissolveuD.PedroIIonzevezesaCâmarae,noparecerdeRui

Barbosa,foiademasiadeprerrogativaspolíticaspessoaisque

envenenoueatrofiouemlargaparteodesenvolvimentonormalque

poderiaterlogradooparlamentarismodoImpério.

ComoadventodaRepública,fechou-senahistóriapolíticado

Brasilolongocapítulodaexperiênciaparlamentar,quefora,aoladoda

própriaorganizaçãoimperial,umadasnotascaracterísticasquenos

distinguiramdosnossosvizinhosrepublicanosdocontinente,doponto

devistadasinstituiçõespolíticas.Mas,encerradooperíododaprática

parlamentardegovernoemnossoPaís,nemporissosearruinouem

definitivoosentimentoparlamentarista,queacordoucedonocoração

Page 726: Ciência Política - Archive

dasnovasgeraçõesrepublicanas.

BastaqueseatenteparaoprogramadosfederalistasdoRio

GrandedoSul,que,em1901,semanifestavameloqüentementeafavor

doretornoaoparlamentarismo,sustentando,comardorebravuraos

altosprincípiosditadospelainfluênciapolíticadeSilveiraMartins,o

grandelíderrepublicano,desdesuapregaçãocívicaem1892.

DoisanosdepoisdareconstitucionalizaçãodoPaís,RaulPilla,em

1948,apresentounoCongressoaemendaparlamentarista.Soba

influênciadessebravoparlamentar,tem-sefeitoemtodooPaísvasta

cruzadadeopiniãoemproldaimplantaçãodomencionadosistema.

Emsetembrode1961,oPresidencialismoagonizavaemumade

suaspiorescrisesdopoder,comgravíssimaameaçaparaa

continuidadedaordemdemocrática.

PôstermooAtoAdicionalaessacrise,instituindoosistema

parlamentardegoverno,queteveduraçãoefêmera,estendendo-sede

setembrode1961a17dejaneirode1963,quandovimosentãooPaís

restituído,pelovotoplebiscitário,aopresidencialismodaConstituição

de1946.

TeveoparlamentarismofimcomoatodoSenadoaprovandoo

substitutivoGilbertoMarinho,querevogavaoAtoAdicionaleoregime

parlamentarista.

Page 727: Ciência Política - Archive

Aconsultaàsurnas,dequeresultouaunânimemanifestação

legislativadodia17dejaneirode1963,sefezmedianteoplebiscitodo

dia6domesmomêseano,noqualapesardeabstençãoqueseelevoua

25%doeleitoradodoPaís,aprovou-seoretornoàformapresidencial,

medianteresposta“sim”,dadapor90%doseleitores.

Avidadogovernoparlamentar,instituídopeloAtoAdicional,foi

caracterizadapormanifestainstabilidade,verificando-seempoucomais

deumanoaexistênciadetrêsgabinetes(TancredoNeves,Brochadoda

RochaeHermesdeLima).

OfracassodosistemaparlamentaradotadopeloAtoAdicionalse

deveamúltiplasrazões,entreasquaisressaltaaimperfeiçãodaprópria

emendaparlamentarista,ainoportunidadedaintroduçãodoregime

parlamentarnummomentodegravíssimacrisepolíticanacional,o

despreparocomqueaopiniãopúblicarecebeuaquelaformadegoverno,

aignorânciadaspráticasdosistema,porparlamentaressubitamente

convertidosàconveniênciaenecessidadedesuaadoçãoeporfimas

queforamenunciadaspeloconstitucionalistaAfonsoArinosdeMelo

Franco,abrangendo,emprimeirolugar,odesprezoqueoPresidenteda

Repúblicavotouaoexercíciodesuamissãonaquelaencruzilhada

histórica,omitindo-seoucombatendoosistema,e,aseguir,o

desinteressedospartidosempraticareobservarsinceramenteasregras

Page 728: Ciência Política - Archive

dosistema,raramentesedispondoadefendê-lonoCongresso.44

Demais,quematentamenteexaminaoAtoAdicionaleavida

políticadoBrasilnaquelesdias,àluzdastransformaçõesdoutrinárias

porquehápassadoapráticadoparlamentarismoemnossoséculo,

conformetemosexpostocomrespeitoàformamonistadopoder

parlamentar,hádeconcluirpelainteirainviabilidadedosistemaquese

propôs,comoremédioconstitucionalparaacrisedenossasinstituições

políticasabaladas.Senão,vejamos.

Emprimeirolugar,oAtoAdicionalfoiumafórmulaimprovisada

desalvaçãopública,quenãoteveconvenientementepreparadopara

recebê-laosolodaopiniãopública.

Emseguida,nota-sequeospoderesdoPresidentedaRepública

avultamdemaneiraaindaconsiderável,poisoquehouvefoiapenaso

compromissodeumaabdicaçãoparcialdeprerrogativasparaevitaro

pior,queseriaoaspirantelegítimoàsucessãolegal—oentãoVice-

PresidentedaRepública—investidocomoChefedeEstadoedo

GovernonaplenitudedasatribuiçõesgovernativasqueaConstituição

presidencialistalheassegurava.

Essabivalênciadepoderes—oPresidentechefiandooEstadoe

domesmopassorepartindocomoPrimeiro-Ministrocompetênciade

governo—faziahíbridoosistemaeoobrigavaaretrogradaràidadedo

Page 729: Ciência Política - Archive

parlamentarismomonárquicodaConstituiçãoorleanistafrancesada

primeirametadedoséculopassado.

Ofundofalsodeapoioaessedualismodecompetênciaera

manifesto.Opoderquederivassesualegitimidadedavontadepopular

expressanostermosusualmenteplebiscitáriosdaeleiçãopresidencial

acabariaporimpor-se.Eesteeraprecisamenteopoderdonosso

PresidentedaRepública,constrangidopelacriseaocompromisso

instávelcomque,emfacedaConstituiçãoalterada,sedesfezdeuma

parcelaapenasdacompetênciapresidencial,conservandoporémem

contradiçãoedesarmoniacomoespíritodaformaparlamentarde

governogrossofeixedeatribuiçõesfundamentais.Essasatribuiçõesde

carátergovernativo,emconcorrênciacomasdoPrimeiro-Ministro,cuja

autoridadesedebilitava,menospelaorigemindiretadesuainvestidura

parlamentardoquepeladesconfiançaesuspeiçãocomqueoPaís

políticoesuaopiniãolivrereprovavamaemendausurpadora,

acabariamporconverter-senogermeoupontodepartidaparaa

própriadesforrainutilizadoradosistemaimposto.

Visívelporconseguinteoartifíciodaquelasoluçãoinsustentável,

logomaispunidapelosacontecimentosdacrise,que,longederemover-

se,ameaçouinstitucionalizar-se,atéqueoplebiscitoveiorestituiro

PaísaomecanismodaConstituiçãopresidencialista,abandonadano

Page 730: Ciência Política - Archive

augedatormentadeagostoesetembro.Acrisevoltouassimàssuas

origenslegítimas,aopresidencialismoqueamotivara.

Oparlamentarismomonista,democrático,demonstroucoma

eloqüenteexperiênciabrasileiraqueninguémdivideimpunementea

vontadedopovo,medianteinstituiçõestomadasaumpassadojá

irrecuperável.

OerrodecisivodoAtoAdicionalfoiimplantarasuperestrutura

institucionaldoparlamentarismodualista,emflagrantecontradição

comamodernaessênciademocráticadopoder,quesósepodeexercer

parlamentarmenteatravésdecanaisunitários,mormentequandoa

fontedessepoderéopovopoliticamentelivreegovernante.

Parlamentarismoesvaziadoecontraditório,deorigensobscurase

comprometidas,aquelequeaparecesoboAtoAdicional,tinhapois

defeitoscongênitos,quecedoocondenavamaotristefimdamortepela

restauraçãoplebiscitáriadopresidencialismo.Nãohaviavocaçãode

estadistaquepudessesalvá-lo,enquantooPresidentedaRepública,

comoressentimentodesuapossefrustradanoquadrodoregime

presidencialetrazidoaopoderporummovimentodeopiniãoemnome

dalegalidadeconstitucional,persistisseemfazersombrapolíticae

administrativaaoschefesdegabinete,quetinhamcontrasuas

prerrogativasodesfavordaopiniãopública,aindatraumatizadapelas

Page 731: Ciência Política - Archive

incompreensõeseperplexidadesdecorrentesdatrégua,queapenas

suspendeuacrise,semtodaviaeliminá-la.

Nenhuma

circunstância

favorecia,

por

conseguinte,

a

consolidaçãodaqueleparlamentarismocondenadopeloberçoespúrio,

pelocaráterdeenxertiadequeserevestiu,peloatentadoque

representouaoprincípiomonistadopoderdemocrático,fazendoo

governodualista,tantonasuaformaçãocomonoseuexercício.

1.Guizot,HistoiredesOriginesduGouvernementReprésentatif,4ªed.,p.276.

2.Esmein,ÉlementsdeDroitConstitutionnel,5ªed.,p.132.

3.Bagehot,TheEnglishConstitution,p.211.

4.LeonDuguit,TraitédeDroitConstitutionnel,2ªed.,t.1.,p.648.

5.GeorgesBurdeau,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,p.122.

6.Esmein,ob.cit.,p.184.

7.Idem,ibidem,p.183.

8.Idem,ibidem,p.138.

9.JosephBarthélemy&PaulDuez,TraitéÉlémentairedeDroitConstitutionnel,

Page 732: Ciência Política - Archive

p.173.

10.Esmein,ob.cit.,p.144.

11.BorisMirkine-Guetzévitch,LesConstitutionsEuropéenes,p.26.

12.Esmein,ob.cit.,p.147.

13.Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.172.

14.Idem,ibidem,pp.172-173.

15.Chateaubriand,Primeirapartedocapítulo15,dasOeuvrescomplètes,XXV,pp.

37-38,apudDuguit,ob.cit.,pp.652-653.

16.Esmein,ob.cit.,p.138.

17.Idem,ibidem,pp.138-139.

18.Duguit,ob.cit.,p.645.

19.LéonBlum,LaRéformeGovernamentale,pp.51-56.

20.Bagehot,ob.cit.,p.13.

21.Esmein,ob.cit.,p.654.

22.Duguit,ob.cit.,p.660.

23.Bagehot,ob.cit.,p.78.

24.Idem,ibidem,p.51.

25.Idem,ibidem,p.XIX.

26.Balfour,apudBagehot,ob.cit.,p.XIII.

27.Bagehot,ob.cit.,p.13.

Page 733: Ciência Política - Archive

28.Idem,ibidem,p.9.

29.Bagehot,ob.cit.,p.20.

30.GeorgesBurdeau,ob.cit.,p.126.

31.PierreCot,apudGuetzévitch,ob.cit.,p.18.

32.Idem,Ibidem,pp.58-59.

33.BarthélemyeDuez,ob.cit.,pp.183-184.

34.Barthélemy&Duez,ob.cit.,p.184.

35.Guetzévitch,ob.cit.,p.29.

36.Idem,ibidem,p.17.

37.Idem,ibidem,p.17.

38.Idem,ibidem,p.19.

39.LéonBlum,ob.cit.,pp.150-151.

40.Idem,ibidem,p.24.

41.Guetzévitch,ob.cit.,p.25.

42.Idem,ibidem,p.69.

43.Idem,ibidem,pp.29-30.

44.AfonsoArinosdeMeloFranco,“NovosArgumentos”,JornaldoBrasil,7.6.64.

23

OSPARTIDOSPOLÍTICOS

1.Dadefiniçãodopartidopolítico—2.Oconceitodepartidodo

Page 734: Ciência Política - Archive

séculoXX—3.Aimpugnaçãodoutrináriadospartidospolíticos—

Partidosefacções—5.Oelogiodopartidopolíticoeacompreensão

desuaimportânciaessencialparaoEstadomoderno—6.A

missãoepresençadospartidosnaliteraturapolíticaejurídica—7.

Ospartidospolíticoscomorealidadesociológica:suaausênciados

textosconstitucionais—8.Ospartidospolíticoscomorealidade

jurídica:tendênciacontemporâneaparainseri-losnasConstituições

—9.Asmodalidadesdepartidos;partidospessoaisepartidos

reais(Hume),partidosdepatronagemepartidosideológicos(Max

Weber),partidosdeopiniãoepartidosdemassas(Burdeau),

partidosdomovimentoepartidosdaconservação(Nawiasky).

1.Dadefiniçãodepartidopolítico

Quem,naânsiadeencontrarumaboadefiniçãodepartido

político,sedispuseraler,daprimeiraàúltimapágina,astrêsobras

máximasqueoséculoXXjáproduziuacercadospartidospolíticos—os

livrosclássicosdeOstrogorsky(LaDémocratieetl’organizationdes

PartisPolitiques),Michels(Lespartispolitiques:essaisurlestendances

oligarchiquesdeDémocraties)eDuverger(Lespartispolitiques),háde

concluiraleituraprofundamentedecepcionado:teráempregadoemvão

todaasuadiligência,poisainstituiçãoemapreçonãoéobjetoalide

nenhumadefinição.

Page 735: Ciência Política - Archive

E,noentanto,comOstrogorskyestudou-se,comamplitude

sociológicaeadmirávelcunhocientífico,naorganizaçãodospartidos

americanos,amáquinaeleitoral,ocaucuseobosspolítico.

ComMichelsformulou-seateoriadadestinaçãooligárquicados

partidos,a“leidebronze”daburocratizaçãopartidária,comojádisse

umtratadista,tomandodeempréstimootermomarxista;enfim,

investigou-seaquelaleiqueconduzopoderàsmãosdeumaelite

satisfeita,rotineiraesuperpostaàmassaeleitoralequeemabsoluto

nãoabdicaomonopóliodesuainfluênciaoupoderdedecisão.

Deúltimo,comDuverger,aciênciapolíticacancelou,segundo

algunspublicistas,todasasantecedentesclassificaçõesdeformasde

governo,quevinhamdesdeaimortaldivisãofeitaporAristóteles

(monarquia,aristocraciaedemocracia)atéchegaradeMontesquieu,

paraabraçar-seunicamenteàqueladoautorfrancês,ouseja,aquefaz

apenasinteligívelalgumsistemagovernantequandosedistinguemos

governosemmono-partidários,bipartidáriosemultipartidários.

Como

aqueles

abalizados

publicistas

modernos

Page 736: Ciência Política - Archive

não

se

sobressaemporumaconceituaçãodopartidopolíticoomitindoemsuas

rigorosasanálisesesseaspectodoproblema,vamosvolverpor

conseguinteaalgunstextosclássicosdaliteraturapolítica,embuscade

determinadasdefiniçõesquedêemamaisprecisanoçãodaquiloque

vemaserumaorganizaçãopartidária.

OprimeiroautorquesenosdeparaéBurke.Em1770,definiuele

opartidocomo“umcorpodepessoasunidasparapromover,mediante

esforçoconjunto,ointeressenacional,combaseemalgumprincípio

especial,aoredordoqualtodosseachamdeacordo”.1

Emseguida,aocomeçodoséculopassado(1816),Benjamin

Constant,umteoristadoEstadoliberal,apareceucomoutradefinição,

queauferenaciênciapolíticaprestígioigualousuperioraodadefinição

deBurke.DizConstantqueopartidopolítico“éumareuniãode

homensqueprofessamamesmadoutrinapolítica”.

Essadefinição,segundoLevyBruhl,reúnevantajosamenteos

elementosessenciaisdetodopartido:oprincípiodeorganização

coletiva,adoutrinacomumeaqualificaçãopolíticadessamesma

doutrina.Nãoinsereporémumdadoque,nosentirdaquelesociólogo,

fezlacunosoopensamentodeConstantcomrespeitoaospartidos

Page 737: Ciência Política - Archive

políticos:aconquistadopoder,aquiloqueosinclinaàação.2

Daíportantoasuperioridadequeédenotarnoconceitode

partidopolíticooferecidoporBluntschli,em1862,quandodissequese

tratavade“gruposlivresnasociedade,osquais,medianteesforçose

idéiasbásicasdeteorpolítico,damesmanaturezaouintimamente

aparentados,seachamdentrodoEstado,ligadosparaumaação

comum”.3

2.OconceitodepartidonoséculoXX

Noséculocorrente,asmaisexpressivasdefiniçõesdepartido

políticosão,aonossover,asdeJellinek,MaxWeber,Nawiasky,Kelsen,

Hasbach,Field,Schattschneider,Sait,GogueleBurdeau.

SegundoJellinek,ospartidospolíticos,“emsuaessência,são

gruposque,unidosporconvicçõescomuns,dirigidasadeterminados

finsestatais,buscamrealizaressesfins”.4

Estudandocomadmirávelproficiênciaospartidospolíticosdo

pontodevistasociológico,assimseexprimiuMaxWebersobrea

naturezadosmesmos:“Ospartidos,disseWeber,nãoimportaosmeios

queempreguemparaafiliaçãodesuaclientela,sãonaessênciamais

íntima,organizaçõescriadasdemaneiravoluntária,quepartemdeuma

propagandalivreequenecessariamenteserenova,emcontrastecom

todasasentidadesfirmementedelimitadasporleioucontrato”.5

Page 738: Ciência Política - Archive

Tomandoospartidosdebaixodeângulopreponderantemente

formal,Nawiasky,em1924,definiu-osemtermosreproduzidosdepois

porRadbruchnumensaioclássicoacercadospartidospolíticosno

direitoconstitucionaldaAlemanha.6Deconformidadecomo

pensamentodeNawiasky,ospartidospolíticos“nadamaissãodoqueo

princípiodeorganizaçãodasociedadehumanaemrelaçãoaum

determinadodomíniodavidaespiritual”.7

Omesmojurista,emobramaisrecente—oseuprimoroso

tratadodeTeoriaGeraldoEstado—deixou-nosporémumasegunda

definiçãodoverdadeirocaráterdopartidopolítico:“Uniõesdegrupos

populacionaiscombaseemobjetivospolíticoscomuns”.8

Pertencendoàcamadadeescritorespolíticosmodernose

contemporâneosquemaiscedocompreenderamaimportânciados

partidospolíticos,comrespeitoàdemocracia,Kelsenescreve:“Os

partidospolíticossãoorganizaçõesquecongregamhomensdamesma

opiniãoparaafiançar-lhesverdadeirainfluêncianarealizaçãodos

negóciospúblicos”.9

DasmaiscompletasadefiniçãodeHasbach,autordeafamada

obracríticasobreademocracia,publicadaemcomeçosdesteséculo,na

qualdizqueopartidopolíticoé“umareuniãodepessoas,comas

mesmasconvicçõeseosmesmospropósitospolíticos,equeintentam

Page 739: Ciência Política - Archive

apoderar-sedopoderestatalparafinsdeatendimentodesuas

reivindicações.10

ComField,opartidopolíticosedefinecomo“associação

voluntáriadepessoascomaintençãodegalgaropoderpolítico”.Eo

publicista

acrescenta:

através,

possivelmente,

de

“meios

constitucionais”.11

Dosautoresamericanosquemaisseguramenteversaramotema

relativo

ao

conceito

de

partido

político

cumpre

distinguir

SchattschneidereSait.

Page 740: Ciência Política - Archive

Oprimeirodizquesetratade“umaorganizaçãoparaganhar

eleiçõeseobterocontroleedireçãodopessoalgovernante”,12aopasso

queosegundo,commaisexação,asseveraqueopartidopolítico

representa“umgrupoorganizadoquebuscadominartantoopessoal

comoapolíticadogoverno”.13

Enfim,temosapalavradospublicistasfrancesesGoguele

Burdeau.EntendeGoguelqueopartidopolítico“éumgrupoorganizado

paraparticiparnavidapolítica,comoobjetivodaconquistatotalou

parcialdopoder,afimdefazerprevalecerasidéiaseosinteressesde

seusmembros”.14

NodizersucintodeBurdeau,opartidorepresentauma

“associaçãopolíticaorganizadaparadarformaeeficáciaaumpoderde

fato”.15

Opartidopolítico,anossover,éumaorganizaçãodepessoasque

inspiradasporidéiasoumovidasporinteresses,buscamtomaropoder,

normalmentepeloempregodemeioslegais,eneleconservar-separa

realizaçãodosfinspropugnados.

Dasdefiniçõesexpostas,deduz-sesumariamentequevários

dadosentramdemaneiraindispensávelnacomposiçãodos

ordenamentospartidários:a)umgruposocial;b)umprincípiode

organização;c)umacervodeidéiaseprincípios,queinspiramaaçãodo

Page 741: Ciência Política - Archive

partido;d)uminteressebásicoemvista:atomadadopoder;ee)um

sentimentodeconservaçãodessemesmopoderoudedomíniodo

aparelhogovernativoquandoestelheschegaàsmãos.

3.Aimpugnaçãodoutrináriadospartidospolíticos

Arruinadooabsolutismoeinauguradoosistemarepresentativo,

asforçassociaisquehistoricamentetomamonomedepartidos

políticosentramadesempenharumafunçãodeconsiderável

importâncianodestinodetodasascomunidadesestatais.

Ocrescimentodopartidopolítico,bemcomosuaimportância

públicaacompanhamocrescimentodademocraciamesmaesuas

instituições.

NadoutrinadoEstadoliberal,mormenteentreosteoristasda

monarquiaconstitucional,patenteou-sesemprecegaaversãoaos

partidospolíticos.Epormaisestranhoquepareça,atémesmoum

doutrináriointegraldademocracia,daestirpedeRousseau,semostra

desafeiçoadoaosistemapartidário.Demodoqueospartidospolíticos,

emmatériadedoutrinaeinstitucionalização,sedeparamatéaos

nossosdiascomduplafrentederesistência:adoliberalismo,emmais

largaescala,emboradissimulada,eadecertaformadedemocracia,a

saber,ademocraciaindividualistadeRousseau.

Houvecontudofilósofosliberaisquedeformaprecursora

Page 742: Ciência Política - Archive

tomaramadefesadopartidopolítico.Burke,noséculoXVIII,foidessas

exceçõesraras,bracejandoafoitocontraacorrentedeidéias

antipartidistasdesuaépoca.

Vejamosportantocomoopartidopolíticoseviuoutroraalvode

gravesinvenctivasoucomoaliteraturapolíticaejurídicaoflagelou

impiedosamente.

Apósdizerqueaignorânciaabreaoshomensaportadospartidos

eavergonhadepoisosimpededesair,Halifaxafirmouque“omelhor

partidoéapenasumaespéciedeconspiraçãocontraorestodopaís”.16

AindanaprimeirametadedoséculoXVIII,Bolingbroke,umdos

pensadoresmaisinfluentesdeseutempo,investiupanfletariamente

contraospartidospolíticos,estampando,em1738,acatilináriado“Rei

Patriota”(ThePatriotKing).Entreoutrasassertivas,sustentaeleque“a

piordetodasasdivisõesvemasercomcertezaaquelaqueresultadas

divisõespartidárias”.17

Commanifestopessimismo,ofilósofoescocêsDavidHume

afirma,porseuturno,que“domesmomodoqueoslegisladorese

fundadoresdeEstadosdevemserhonradoserespeitadospelogênero

humano,osfundadoresdepartidospolíticosefacçõesdevemser

odiadosedetestados”,acrescentadoaseguirqueessaatitudeseháde

tomarporquantoospartidosexercemumainfluênciadiretamente

Page 743: Ciência Política - Archive

contráriaàdasleis.18

IgualdesdémdemonstrarajáHobbesquandoasseverouqueos

partidos,divididosentresi,geramassediçõeseaguerracivil,fazem

triunfaroódioeaviolência.19

Condorcet,criticandoosistemapolíticoinglês,declara,segundo

refereCotta,queospartidospolíticos“conservamcuidadosamenteo

fanatismocomouminstrumentoquecadaqualaguardaavezde

utilizar”,20domesmopassoqueTocqueville,umclássicodavelha

democracialiberal,achaque“ospartidossãoummalinerenteaos

governoslivres”.21EporfimBalzacafirma:“Ospartidospolíticos

cometememmassaaçõesinfames,quecobririamdeopróbrioum

homem”.

MasédesteladodoAtlânticoqueosentimentoantipartidistase

levantaàsmaisaltasregiõesdaconsciênciapolítica.George

Washington,no“FarewellAddress”,despedindo-sedopovoedapátria,

decujaemancipaçãoforaoprincipalartífice,aconselhasolenementeos

herdeirosdesuasidéiasaseprecataremdos“ruinososefeitos”queem

geraladvêmdochamado“espíritopartidário”.Declaraospartidos

políticos“ospioresinimigos”dademocraciaeadmitequetenhameles

algoquedesempenharnumgovernomonárquico,sendoporémdetodo

inadmissíveisnumgovernopopular.22

Page 744: Ciência Política - Archive

OVice-PresidenteJohnAdamsnãopensavademododiferente.

Exprimindosuaantipatiapelosistemadepartidos,escrevia:“Nadame

atemorizatantoquantoadivisãodaRepúblicaemdoisgrandes

partidos,cadaqualcomoseulíder”.23

Porsuavez,MadisonnaspáginasdoFederalistanãopoupava

tampoucoospartidospolíticos,enquantoJohnTaylordaCarolina

(1753-1824)advertiaanaçãocontra“ahorrendatiraniapartidária”,que

“transformavaopovoemautordesuaprópriaruína”.24

NãomenosseverofoiojulgamentodeJohnMarshall,quando

afirmouque“nadarebaixaoupoluimaisocaráterhumanodoqueum

partidopolítico”.25

Enfim,nessamesmagaleriadepensadoresamericanos,temos

HenryJonesFord,aoasseverarqueopartidopolíticoé“umagangrena,

umcâncer,queoscidadãospatriotasdeviamunir-separaerradicar”.26

Aindaesteséculo,ospartidostêmsidoalvodediatribes

igualmentecruéis,postoqueesporádicas.Oséculodasmassasviuo

partidopolíticotransformar-se,segundoAlain,numa“máquinade

pensaremcomum”.Eacrescentaomesmopensadorqueopartidoé“a

mortedopensamento”.27

4.Partidosefacções

Deinício,osescritorespolíticosdaliteraturaantipartidárianão

Page 745: Ciência Política - Archive

estabeleciamdistinçãoentrepartidopolíticoefacção(séculosXVIIe

XVIII).Madison,noFederalistaempregaindiferentementeasduas

expressões.Demodoqueéumprogressoparaoreconhecimentoda

importânciadospartidospolíticosapareceremelesseparadosdas

facções.Quandoosdoisconceitosseempregamdamaneiradistinta,o

partidoéoladopositivo,afacçãooladonegativodaparticipação

políticaorganizada.

“Afacçãoéacaricaturadopartido”—escreveBluntschli,que

seguidamenteafirmaseremasfacçõessempredesnecessáriase

prejudiciais.Galgamopoderquandoasociedadeestáenferma.Etoda

vezquenoEstadohásintomasdedegeneraçãoeruínasemostramelas

prodigiosamenteativas.28

Afacçãonãosomentedesserveasociedade,comoosseusfinssão

egoísticosenãopolíticos;ointeresseprivadoocupaaliolugardo

interessepúblico.29Dasfacções,disseLieber,queelasexistemdebaixo

detodasasformasdegoverno,aopassoqueospartidossão

característicosdosgovernoslivres.

OmesmopensadorassinalavanoséculoXIXqueumpartido

políticosebateapenaspelamudançadegoverno,aopassoqueafacção

ameaçaaestruturageraldopoder,abalaoregimemesmoesuaordem

constitucional,atuaemsegredoouabertamente,masemqualquer

Page 746: Ciência Política - Archive

hipótesesempreparaobtençãodefinssórdidoseinconfessáveis.30

EntendeCottaqueadiferençaquevaidopartidopolíticoàfacção

“ésimplesmentedegrau,enãodeprincípio”,sendoafacçãoapenas

“umpartidomaisviolentoemaisparticularista”.31

CoincideessaobservaçãocomaquefizeraBluntschliaonotar

queemtodopartidopolíticoháumpoucodefacção,evice-versa,sendo

manifestoesseconteúdonamedidaemqueopartidosegovernapelo

interessepúblico(espíritoestatal)eafacçãopelointeresseprivado

(espíritoparticularista).Tantoépossível,postoqueraro,afacção

converter-seempartidopolíticocomoopartidopolíticotransformar-se

emfacção,mudançaestaúltima,aliás,maisfreqüenteeprovável.32

BastantecedomostrarajáBolingbrokequeospartidosseregem

por“princípios”easfacçõespor“sentimentoseinteressespessoais”,33

nãohavendoporémdistinçãoabsolutaourigorosaentreasduas

formas.Disseopublicista:“AfacçãoéparaoPartidoomesmoqueo

superlativoparaopositivo:opartidoummalpolítico;afacção:opiorde

todosospartidos”.34

Nojuízodealgunsautorescontemporâneosafacçãocontinuaa

existirnointeriordasorganizaçõespartidárias.Buscaopartidoa

tomadadopoderparaocontroledogoverno.Afacçãobuscaodomínio

damáquinapartidária,tendoemvistasubmetê-laàsuapolíticaeaos

Page 747: Ciência Política - Archive

seusinteresses.35

5.Oelogiodopartidopolíticoeacompreensãodesua

importânciaessencialparaoEstadomoderno

Conformevimos,ahistóriadospartidospolíticosnosrevelacomo

aprincípioforamelesreprimidos,hostilizadosedesprezados,tantona

doutrinacomonapráticadasinstituições.

Nãohavialugarparaopartidopolíticonademocracia,segundo

deduziamdadoutrinadeRousseauosseusintérpretesmaisreputados.

Hoje,entende-seprecisamenteocontrário:ademocraciaéimpossível

semospartidospolíticos.

FoiBurkeogênioprecursordessamudança.Emseusescritosse

estampoupelavezprimeiraacompreensãodobrilhantedestinopolítico

queofuturoreservavaaospartidosnoseiodaordemdemocrática.

Furtando-seaorigorquaseimplacávelcomquetantasvezesos

causticara,JohnAdamsacabouporreconhecerque“todosospaíses

sobaluzdosoldevemterpartidos”equeomagnosegredoconsisteem

saber“dominá-los”.36

DaíàperemptóriadeclaraçãodeBagehotdequeaorganização

partidária“éoprincípiovitaldogovernorepresentativo”vaiapenasum

passo.37

Amesmatesedoconstitucionalistainglêsvemsustentadapor

Page 748: Ciência Política - Archive

BrycenasDemocraciasModernas(ModernDemocracies),umlivrode

cabeceiradosestudiososdaciênciapolítica,duranteváriasdécadas.

Segundoessepublicista,semospartidospolíticosnãopoderia

funcionarogovernorepresentativo,nemaordemdespontardocaos

eleitoral.Sãoospartidosportantoinevitáveis,principalmentenos

grandespaísesondealiberdadeimpera.38

EmpregaomesmoBryceimagemmuitocitadaconsoanteaqual

“oespíritoeaforçadospartidossãotãonecessáriosaofuncionamento

dogovernoquantoovaporoéàlocomotiva”.

NãopassouaHenryMainedespercebidaanecessidade

imperativadeaprofundaroestudodospartidospolíticos,osquais,

segundoumpublicistaamericano,têmsido“osórfãosdafilosofia

política”.39Comefeito,ressaltaMaine:“Dasforçasqueatuamsobrea

humanidadenenhumahásidotãopoucoestudadaquantoopartido,

quetodaviamerecemelhorexame”.40

Estudandocomproficiênciaotemadospartidospolíticos,Sait

ponderaque“soboregimedosufrágiouniversal,ospartidossãotão

inevitáveisquantoasondasdooceano”.41

6.Omissãoepresençadospartidospolíticosnaliteraturapolítica

ejurídica

Nãoédasmaiscopiosasaliteraturaespecializadarelativaaos

Page 749: Ciência Política - Archive

partidospolíticos.Nemtampoucoatraiuotemaconsiderávelatençãono

meiopolítico-filosófico.LembraJenningsqueoinsignepensadoringlês

JohnStuartMill,detantainfluêncianadoutrinadoEstadoliberal,

podeescrever,aindanoséculoXIX,todaasuaobraclássicasobreo

governorepresentativosemsedarsequeraoincômododenomearos

partidospolíticos.42

Omesmosepassa,segundorefereMacIver,comBluntschli,na

segundametadedoséculoXIX(1875),quandopublicousua

monumentalTeoriadoEstadosemnenhumaalusãoaogoverno

partidário.43

OmissãoidênticaserepetenaobradeLaband,sobreodireito

públicoalemão(DasStaatsrechtdesDeutschenReiches),publicadaao

começodesteséculo.Nenhumapalavraconstaaliacercadospartidos,

comoseelesnãoexistissem.44

Daípoisnãoserdeestranharqueumtratadistadaenvergadura

deJellinekhajaescritoestaspalavrasvisivelmentepessimistas:“No

ordenamentoestataloconceitodepartidocomotalnenhumafunção

desempenha”.45OuqueTriepelhajasidoacrementecensuradopor

Kelsenporhaverescritoque“ospartidossãoumfenômeno

extraconstitucional”.46

Noentanto,postofossemferrenhosadversáriosdospartidos

Page 750: Ciência Política - Archive

políticos,BolingbrokeeHume,háduzentosanos,járeconheciama

importânciaextraordináriadospartidospolíticosesetornavamautores

dosestudosmaisacuradosqueoséculoXVIIIconsagrouaoassunto.47

AssinalaSergioCottaqueoexamecientíficodospartidostem

iníciocomosensaiospolíticosdeHume.Confereofilósofoescocês

autonomiacientíficaàmatériapartidária.48

ComBryce,teriasidoexposta,pelaprimeiravez,deforma

orgânica,segundoLiñaresQuintana,ateoriadospartidospolíticos.49E

em1901,RichardSchmidt,dandoàestampaoprimeirovolumedesua

TeoriaGeraldoEstado,teve,consoanteponderaGustavoRadbruch,o

merecimentodehaversidooprimeirotratadistaalemãododireito

públicoquereconheceuexpressamenteospartidospolíticoscomo

“forçasformadorasdoEstado”.50

Aseguir,aparecemasobrasdeOstrogorsky,MaxWeber,Michels

eDuverger,queresumemacontribuiçãodonossoséculo,imprimindoà

investigaçãodospartidospolíticosmétodosnovosoureconhecendoa

significação

capital

que

eles

assumem

Page 751: Ciência Política - Archive

para

a

democracia

contemporânea,convertidanumademocraciadepartidos.

NãomenosincisivoopublicistainglêsMacIverquandoassevera

que,semosistemapartidário,osúnicosmétodosparachegar-seauma

mudançadegovernovêmaserogolpedeEstado,oputschea

revolução.51

Enfim,encarecendoaimportânciaassumidapelospartidos

políticos,assinalouBurdeauque“unicamentedelesdependehojea

qualificaçãodeumregimepolítico”.52

Justifica-seportantoarecenteobservaçãodeumescritorpolítico

dosEstadosUnidosquandofrisouqueoestudodospartidospolíticosé

tãoimportantehojeparaaciênciapolíticaquantoodamecânicaparaa

física.Maisemelhorninguémsaberiaescrever.53

7.Ospartidospolíticoscomorealidadesociológica:suaausência

dostextosconstitucionais

Arealidadesociológicadospartidospolíticospassoudurante

largoperíododetempodesconhecidapeloordenamentojurídico.Os

partidosvingavamàmargemdostextoslegislativos,quefingiamignorá-

los.

Page 752: Ciência Política - Archive

Duranteaerabismarckianaodireitopúblicoalemãoconsiderava

ospartidoscomouniõeseleitorais,conformeobservaLeibholz,do

mesmopassoquealiteraturapolíticadaquelesdias,parafazê-losmais

inofensivos,costumavadenominá-losde“ligaseleitorais”ou“uniõesde

eleitores”.54Odireitopúblicopareciaassimenvergonhar-seda

existênciadospartidospolíticos.

Óbvio,portanto,queasConstituiçõesviaderegranãose

referissemaessasorganizações.Aoredordelas,aindarecentemente,se

produziaum“vácuoconstitucional”.Formava-seaquela“conspiraçãodo

silêncio”,aqueserefereumautoralemão.Perduravaporconseguinte

nofundodetodasessasomissõesoressentimentorousseaunianoa

respeitodospartidospolíticos.Rousseauosapelidaracategorias

intermediáriasdetodoincompatíveiscomodogmadasoberania

popular,istoé,davolontégénerale.55

Resumindoaposiçãododireitopositivonoséculopassado,

Bluntschliescreviaque“odireitopúblicocomseusistemade

competênciaseobrigaçõesnadasabearespeitodepartidos”.56

Comefeito,queraConstituiçãoamericana,querasConstituições

francesasdoséculoXIX,nenhumadisposiçãocontinhamrelativamente

aoexercíciodavidapartidária.Constituiçõesnovascomoapenúltima

ConstituiçãoFrancesa(1946)guardamaindasilêncioapropósitoda

Page 753: Ciência Política - Archive

existênciadospartidospolíticos,semembargodapoderosacorrente

contemporâneaqueosinstitucionalizoujuridicamente.

Antesqueseoperasseatransiçãodenossosdias(acrescente

valorizaçãodospartidoscomoomaissignificativoeventonafunçãodos

mecanismosdemocráticoscontemporâneos),ospartidospolíticos

constituíamapenasumfenômenosociológico,desprovidodeconteúdo

ousignificaçãojurídica.Naprimeirametadedesteséculo,razãode

sobratinhaRadbruchparaafirmarqueodireitopúblicodas

democraciasnãoseamoldaraaindaàrealidadesociológicados

partidos.

Estranhavaofilósofoigualmentequeasleiseconstituiçõesnão

mencionassemcomumaúnicasílabasequerasforçaspolíticas,nas

quaisestavamospressupostosdarealidadejurídicamesma.57

EscrevendodepoisdaPrimeiraGrandeGuerraMundialarespeito

dospartidospolíticos,oinsignejuristaalemãoTriepelaferrava-seem

suaobraaumaposiçãonãosomentedecombateàsorganizações

partidáriascomodeafirmaçãodeseucarátermeramentesocial,

estranhoaodireitoeaoorganismoestatal.

Comefeito,nãofoifácilaoEstadomodernoacomodar-seem

termosjurídicosaessarealidadenova,essencialepoderosaqueéo

partidopolítico.Rejeitou-oquandopôde.

Page 754: Ciência Política - Archive

Os

partidos,

como

instituições

extralegais

ou

extraconstitucionais,como“partedaConstituiçãoviva”,mas“semum

lugarnaConstituiçãoescrita”,58pertencemaindaaumaconcepçãode

democraciacontraaqualelesbracejamouinvestemequevemasera

democracialiberal.Olugardospartidos,porém,conformeveremos,é

noEstadosocial,nademocraciademassas,ondechegamàplenitude

deseupoderereconhecimentojurídico.

Todavia,proscritos,ignoradosoudesprezados,suapresença

submersaemtodosistemade“iniciaçãodemocrática”,comoodo

Estadoliberal,acabaporabalarnasuperfíciedavidapolítica,cedoou

tarde,asvelhasinstituiçõesjurídicas,querdoparlamentarismo,quer

dopresidencialismo.Nesseabaloéatingidoprincipalmenteocaráter

parlamentardereferidasinstituições.Realidadesociológica,ondequer

quevinguem,ospartidospolíticosrepresentamjáumacontradição

frontalcomosprincípiosdoEstadoliberal.

Nosistemarepresentativodaliberal-democraciaentende-sequeo

Page 755: Ciência Política - Archive

representante,umavezeleito,sótemcompromissocomasua

consciência.Supõe-selivreedesembaraçadodosvínculosdesujeiçãoa

grupos,

organizações

ou

forças

sociais,

que

possam

atuar

constrangedoraerestritivamentesobreseuprocedimentopolítico,e

assimditar-lheatitudes,diminuir-lheaesferadeautonomianaqualse

moveopoderdedecisãodeumavontadepresumidamentelivrecomoé

asua.Ora,essaindependência,quecaracterizaochamadomandato

livreourepresentativoefazdodeputadoprimeiroorepresentanteda

vontadegeralouvontadenacional,semsubordinaçãoàsfontes

eleitorais,ondesegeramopoderpolíticoeoprópriomandato,aparece

sociologicamentedesmentidaemtodaformadeEstadocujospartidos

políticoshajamlogradomaiordesenvolvimento,assentandobases

sólidasdeparticipaçãoeinfluêncianosdestinospolíticosda

coletividade.

Page 756: Ciência Política - Archive

OEstado,ondeistoaconteça,nominalmenteliberalnaaparência

deseuordenamentopolítico,nosdogmasquedemaneiraoficiallhe

amparamasinstituições,jáseachatodaviaemadiantadafasede

transiçãoparaoEstadosocial,senãoemplenoEstadosocial,queéum

Estadosolidamentepartidário.

Quandosedáainstitucionalizaçãojurídicadarealidade

partidária,eojurídicocoincidecomosociológico,chega-setambém

oficialmenteaoEstadosocial.Nessaocasião,ostextosconstitucionais,

semmaisreservas,entramaindicarolugarquecabeàsorganizações

partidáriasnoseiodaordemestabelecida.

DeixamentãoospartidosdeseraquiloqueforamnoEstado

liberal,apartiehonteusedosistema,conformedisseGustavoRadbruch,

emcríticaaodireitopúblicoalemão.59Eseconvertempoisembase—

constitucionalmenteproclamadaereconhecida—detodoosistema

democrático,comoslaçosdedependênciadarepresentação

parlamentartransformados,agorasim,emlaçosjurídicos,comtodaa

forçaegarantiaqueodireitopodeemprestaraumarealidade

sociológica,dehámuitoimperanteeinelutável.

Comoessa“constitucionalização”ou“legalização”dopartido

políticoseoperou,eisotemaquesubseqüentementeentraremosa

examinar.

Page 757: Ciência Política - Archive

8.Ospartidospolíticoscomorealidadejurídica:tendência

contemporâneaparainseri-losnasconstituições

Negaracolhimentoconstitucionalaospartidospolíticosnos

sistemas

democráticos

contemporâneos

significa

simplesmente,

segundoKelsen,“fecharosolhosàrealidade”.

Quandosetratadecombater,reprimirousabotarademocracia,

aquelaomissãoécompreensível,comoaotempodamonarquia

constitucional.Masporinteirodestituídadesentidonahoraque

passa,60horasabidamentedeirreprimívelvocaçãodemocrática.

ConsideraLeibholz“detodoperdida”abatalhaqueoséculoXIXe

partedoséculoXXtravaramcontraospartidospolíticos.61Domesmo

passo,umcientistapolíticodoquilatedeFiner,perfeitamentecônscio

daprofundamudançaoperada,assinalaquenapresenteordem

democráticaospartidosdeixaramdeser“ogovernoinvisível”parase

trans-fazeremno“governovisívelereconhecidodasdemocracias”.62

Comefeito,osurtoconstitucionaldoprimeiropós-guerra

quebrou,conformenotaLoewenstein,otabusegundooqualas

Page 758: Ciência Política - Archive

Constituiçõesnãodeveriamreferir-seaospartidospolíticos.63

Doravante,oquetemosvistoéolegisladorconstituintevariar

daquelaposiçãodeindiferençaaospartidosparasancionar

corajosamenteanovarealidadepolítico-partidáriacomorealidade

constitucional.Introduziu-seopartidopolíticonocorpodas

constituições.Ospartidossetornamcadavezmaisinstituiçõesoficiais,

querecebemsubsídiosdeagênciasgovernamentaiseseconvertempois

emórgãosdopoderestatal,“verdadeirosinstitutosdedireitopúblico”64

ou“partedoprópriogoverno”.65

NaInglaterra,segundoJennings,quemquiserconhecera

Constituiçãobritânica,emtodaaextensãoeprofundidade,comoela

verdadeiramenteopera,hádecomeçareterminarpeloestudodos

partidospolíticos.66Epormaisparadoxalqueissopareça,aInglaterra,

pioneiradaorganizaçãopartidária,édasdemocraciasquemais

retardadasseapresentamaindanoreconhecimentolegaldaquelas

organizações,vistoqueali,conformeassinalaField,nenhumatodo

Parlamentooudecisãojudicialmencionoujamaisonomedospartidos

políticos,entidadesporconseqüência“destituídasdedireitose

obrigaçõeslegais”.67

NosEstadosUnidos,aconsagraçãolegaldopartidopolítico

ocorreaindacomalgumalentidão.OsilênciodasConstituições

Page 759: Ciência Política - Archive

estaduaisedaConstituiçãofederalsobreessasentidadesacarretou

durantecercadecemanosaindiferençadaordemjurídicaaospartidos

políticos.

Comefeito,dasConstituiçõesestaduaissomente17empregam

fortuitamenteotermopartidopolítico.68Semembargo,ostribunais

americanostêmmanifestadoreconhecimentoaodireitoquepossuemos

partidospolíticosdeexerceremlivrementesuaação,tomandoporbase

asgarantiasconstitucionaisrelativasàliberdadedereunião,de

imprensa,deopiniãoedesufrágio.

AlgunsEstadosjálegislamacercadofuncionamentodospartidos,

tendoprincipalmenteemvistacoibirfraudeseabusosnasconvençõese

eleiçõesprimárias,bemcomotolheraperversãodosufrágiopelo

subornoeleitoral.

Conseguintemente,édeadmitirqueopartidopolíticonos

EstadosUnidosjádeixoudeser,conformeassinalamBinkleyeMoos,

aquelaorganização“tãolivredeinterferênciaoficialquantouma

sociedadeliterária”,parasetransformarem“órgãosdegoverno,

legalmentereconhecidos”.69

Nocontinenteeuropeu,foiaConstituiçãoitalianade1947queem

primeirolugardeuopassomaislargoparaaconfirmaçãojurídicado

partidopolíticoecompreensãodosseusfinsdecaráterinstitucional.

Page 760: Ciência Política - Archive

Declaraoartigo49daConstituiçãoitalianaque“todosos

cidadãostêmodireitodeorganizar-seempartidospolíticos,afimde

cooperar,demaneirademocrática,nadeterminaçãodapolítica

nacional”.

Inspiradosemdúvida,nessetexto,ondeumatendênciase

apresentapalpavelmentevitoriosa,qualsejaaquelaqueconduziuo

partidopolíticodarealidadesociológicaparaarealidadejurídica,pôde

Ferridesigná-lacomosendoa“síntesedosórgãosestataisdestinados

aoexercíciodasfunçõesdegoverno”.70

Ainstitucionalizaçãojurídicadospartidosfezprogresso

assombroso,quaserevolucionário,noartigo21daLeiFundamentalde

Bonn,queLeibholzinterpretacomooreconhecimentooficialpelaordem

jurídicadomodernoEstadodemocráticodebasespartidárias.71

Comefeito,rezaesseartigo:“Ospartidosparticipamnaformação

davontadepolíticadopovo”,etc.Adisposiçãoconstitucionalconstante

domesmotextoprotegeaseguirosfundamentosdemocráticosda

organizaçãopartidária.

Prevê-sealiamedidasupressivadospartidoscujaaçãocontrarie

aessênciademocráticadoregime.Nãorepresentaessaúltima

determinaçãocontributoinovadordosconstituintesalemães,como

escrevemalgunstratadistasestrangeiros,porquantojáseachavano

Page 761: Ciência Política - Archive

textodaConstituiçãoBrasileirade1946,trêsanosanteriorà

ConstituiçãoalemãdeBonn.

VáriasConstituiçõesdosEstadosalemães(Laender)seguem

tambémomodelofederal,adotandopreceitospertinentesaoregime

jurídicodasorganizaçõespartidárias.

DasConstituiçõeslatino-americanas,amaisadiantadaaesse

respeitovemaserinquestionavelmenteadoUruguai,de1952,queleva

acaboaincorporaçãodiretadopartidopolíticonosistemadegoverno,

fixandoumaparticipaçãoproporcionaldospartidosnocolegiadoque

regeoPaís.

Aesseprocessoqueháredundadonaconstitucionalizaçãodos

partidosnãosemostramalheiasasConstituiçõesdocamposocialista,

onde,emprimeirolugar,apareceaConstituiçãosoviéticade1936,cujo

artigo126proclamaolugardevanguardadoPartidoComunistana

liderançadaclasseoperária,“emsualutapelofortalecimentoe

implantaçãodosistemasocialista”.

Assinalandosobretudoaparticipaçãodospartidosnoprocesso

governamental,aConstituiçãodaRepúblicaDemocráticaAlemã(arts.

91e92)acolhiadiversospreceitosquepatenteavamosuperiorgraude

institucionalizaçãojurídicajáalcançadoalipelasforçaspartidárias.

Ainstitucionalizaçãolegaldospartidospolíticosnospaíses

Page 762: Ciência Política - Archive

democráticoscompreendeimportantesaspectosqueForsthoffassim

compendiou:a)eleiçãoautênticaeverdadeira;b)relaçãodoeleitorcom

oeleito;ec)relaçãodoseleitoscomoseupartido.72

9.Asmodalidadesdepartidos:partidospessoaisepartidosreais

(Hume),partidosdepatronagemepartidosideológicos(Weber),

partidosdeopiniãoepartidosdemassas(Burdeau),partidosdo

movimentoepartidosdaconservação(Nawiasky)

DoséculoXVIIIaosnossosdias,surgiramváriasclassificaçõesde

partidos.AmaisantigaéprovavelmenteadeHume,quedistinguiu

duascategoriasprincipais:partidosdepessoasepartidosreais.

Ospartidospessoaisteriamporbasesentimentosdeamizadeou

aversão,quantoapessoas.Essessentimentosimpelemosadeptosao

combatepolítico.Aíselhesofereceensejodedarprovasdelealdadee

dedicação.Ospartidosreaisporsuavezfundam-se“emalguma

diferençarealdesentimentosouinteresse”(Hume).

Aclassificaçãoseguinte,quetevemaisvoganaciênciapolítica,foi

adeFriedrichRohmer,expostaem1844,nolivrodeTheodoreRohmer,

TeoriadosPartidosPolíticos(LehrevondenpolitischenParteien).

InspiradonosprincípiosdadoutrinaorgânicadaSociedadeedo

Estado,sobretudonaqueleorganicismoespiritualista,defundoético,

queanimouaobradeinumeráveisjuristasefilósofosdaprimeira

Page 763: Ciência Política - Archive

metadedoséculoXIX,Rohmer,empregandoatémesmolinguagem

organicista—quandoporexemploserefereao“corpoestatal”—

distinguequatrotiposfundamentaisdepartidos,cujanatureza,para

ele,correparalelaàsfasesdedesenvolvimentodoorganismohumano:o

partidoradical,comaalmadascrianças;oliberalcomapsicologiados

adolescentes;oconservador,comoespíritodoshomensfeitos,maduros

eadultos,e,enfim,oabsolutista,comocaráterdavelhice.

DasmaisafamadaséindubitavelmenteaclassificaçãodeMax

Weberquecifraarealidadepartidáriaemduasformasbásicas:os

partidosdepatronagemeospartidosideológicos,consoanteoprincípio

internoàforçadoqualseconstituem.

Asorganizaçõespolíticasdepatronagemsãoaquelas,segundoo

sociólogo,quetêmprincipalmenteemmiragalgaropoder,mediante

eleições,afimdelograrposiçõesdemandoparaosseusdirigentese

vantagensmateriais,sobretudoempregospúblicos,parasuaclientela.73

Ospartidosideológicos(Weltanschauungsparteieri)buscama

realizaçãodeideaisdeconteúdopolítico,74esepropõemporvezesa

reformaretransformartodaaordemexistente,inspiradospor

princípiosfilosóficos,queimplicamumaconcepçãonovadasociedadee

doEstado.Nãoraro,suaaçãopolítica,sobreenvolvermatériadeteor

constitucional,refletedomesmopassodissidênciacomaestrutura

Page 764: Ciência Política - Archive

políticaesocialestabelecida.

Todavia,atradiçãopartidáriaeuropéiamostrapartidos

ideológicos,comoosliberaiseconservadores,católicoseprotestantes,

queatuamnaórbitapolíticaeminteiroacordocomoespíritodas

instituições,semsuscitaremquestõesdefundo,pertinentesànatureza

doregime,comosãoasquestõesfilosóficasoudeterminadasespécies

dequestõeseconômicasbásicas.

Essasagremiações,portanto,nãoobstantesuanatureza

ideológica,emnadadiferemdospartidosnorte-americanos—

republicanosedemocratas,salvonocaráterdepatronagemdeque

estesúltimosessencialmenteserevestem.

Reduzem-seospartidosaduasmodalidadesfundamentais,

segundoBurdeau:partidosdeopiniãoepartidosdemassas.

Deconformidadecomaqueledoutrinador,ospartidospolíticos

sãopartidosdeopiniãoquandoadmitememseusquadrosa

participaçãodepessoasdamaisvariadaorigemsocial,quando,pelo

programaepelaação,aderemàordemsocialexistente,ouquando

dispõemdeumfracopoderdepressãosobreosrespectivos

componentes,ouainda,quandopatenteiamsuaíndoleindividualista

atravésdolugarconcedidoàspersonalidadespolíticas.75

Essespartidos,quenoentenderdomesmopublicistafrancêsse

Page 765: Ciência Política - Archive

achamagoradecadentes,caracterizaramoantigoEstadoliberal.As

reformasqueelespreconizamjamaisatingiamasbasesdasociedade.

Suasexigências,comapeloàlivreparticipaçãodetodos,nãolevavam

emcontaaorigemsocialdosadeptos.Volviam-sesempreparaoEstado

queexisteenãoparaoEstadoquedeveriaexistir.

AospartidosdeopiniãocontrapõeBurdeauospartidosde

massas.MarcamestesoséculoXXeassinalamomomentode

intervençãopolíticadeconsideráveisparcelasdopovo,dantesexcluídas

dequalqueringerêncianavidapública.

Viaderegra,opartidodemassasassinaàordempolíticauma

feição

autoritária,

introduz-se

perturbadoramente

no

sistema

democráticoatravésdosufrágiouniversal,eapresentageralmenteteses

desaborreivindicatório,representativasdeinteressesenãodeopiniões,

degruposouclassesenãodeindivíduosoupersonalidades,dehomens

impulsionadospeloinconformismocomaordemexistenteenãode

pessoasportadorasdevontademeramentediscrepantes.

Page 766: Ciência Política - Archive

Esses

partidos

fazem

da

ideologia

o

instrumento

da

transformaçãosocial,agrupamosfiliadospelaidentidadedeseuestado

econômico,pelaorigemmaterialepeladestinaçãotambémmaterialdas

aspiraçõesigualitáriasdohomem-massa,aqueleque,segundo

Burdeau,“abdicasuaautonomiaemproveitodogrupo”esesubmeteao

rigordadisciplinaeàhomogeneidadedoutrináriaqueopartidolhe

impõe,foradequalquerdiscussão.76

Escreveaindaomesmopublicistaqueospartidosdeopinião

queremopodernumregimedeconcorrência,aopassoqueospartidos

demassasaspiramomonopóliodopoder,aoregimedepartidoúnico,

comoqual“esmagamaoposição”eimpõemotriunfodeuma“ortodoxia

governamentalúnicaeexclusiva”.77

SegundoNawiasky,nãohásomentepartidosfundadosna

ideologia,nosinteressesounapatronagem,maspartidosqueexprimem

Page 767: Ciência Política - Archive

odescontentamentoouoconformismocomaordemestabelecida.Faz-

semisterporconseguintetomá-lostambémsobesseúltimoângulo—o

descontentamentoouoconformismo,distinguindoaíduasmodalidades

principais:ospartidosdemovimentoquebuscamalteraçõesbásicasno

sistemainstitucionalvigenteeospartidosdaconservação,cujo

programaviaderegraseconcentranaresistênciaàsmudanças

propostas,comreferênciaàsinstituições.78Sãoestesúltimostambém

ospartidosdaordemedatradição.

1.EdmundBurke,“ThoughtsonthecauseofthePresentdiscontents”,in:TheWorks

ofEdmundBurke,I,p.189.

2.HenryLevy-Bruhl,AspectsSociologiquesduDroit,pp.164-165.

3.Bluntschli,in:DeutschesStaats-Woerterbuch,v.7,p.718.4.G.Jellinek,Allgemeine

Staatslehre,3ªed.,p.114.

5.MaxWeber,Staatssoziologie,p.50.

6.GustavRadbruch,“DiepolitischenPartejenimSystemdesdeutschen

Verfassungsrecht”,in:G.Anschuetz,&R.Thoma,(ed.),HandbuchdesDeutschen

Staatsrecht,v.1,p.287.

7.HansNawiasky,DieZukunftderpolitischenParteien,p.22.

8.HansNawiasky,AllgemeineStaatslehre,v.1,parte2,p.92.

Page 768: Ciência Política - Archive

9.HansKelsen,VomWesenundWertderDemokratie,1929,p.19.

10.W.Hasbach,DiemoderneDemokratie,p.471.

11.G.C.Field,PoliticalTheory,p.168.

12.E.E.Schattschneider,PartyGovernment,p.187.

13.E.M.Sait,AmericanPartiesandElections,p.141.

14.F.Goguel,p.685.

15.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.1.,p.426.

16.Halifax,“PoliticalthoughtsandReflections”,in:Works,p.227e225

respectivamente.

17.HenrySt.John&ViscountBolingbroke,LettersontheSpiritofPatriotism,onthe

IdeaofaPatriotKing,andontheStateofPartiesattheAcessionofKingGeorgethe

First,pp.150-151.

18.DavidHume,Essays,Moral,Political,andLiterary,v.1,pp.127-128.

19.T.Hobbes,Decive,Cap.10,§§12-13.

20.Condorcet,apudSergioCotta,“Lespartisetlepouvoirdanslesthéoriespolitiques

duDébutdeXVIIISiècle”,in:LePouvoir,p.91.

21.AlexisdeTocqueville,DelaDémocratieenAmérique,t.I,p.277.

22.GeorgeWashington,in:J.D.Richardson,MessagesandPapersofthePresidents,

v.1,p.218.

Page 769: Ciência Política - Archive

23.JohnAdams,apudE.BinkleyWilfred&MalcolmC.A.Moos,Grammarof

AmericanPolitics,p.179.

24.JohnTaylor,AnInquiryintothePrincipiesandPolicyoftheGovernmentofthe

UnitedStates,p.196.

25.JohnMarshall.CitadoemTheLifeofJohnMarshall,v.2,p.410.

26.HenryJonesFord,TheRiseandGrowthofAmericanPolitics,p.90.

27.Alain,apudGeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.1.

28.Bluntschli,in:DeutchesStaats-Woerterbuch,v.7,p.720.

29.Idem,ibidem,pp.720-721.

30.FrancisLieber,ManualofPoliticalEthics,2ªed.,v.II,p.253.

31.SergioCotta,“LesPartisetlepouvoirdanslesthéoriespolitiquesduDébutde

XVIIISiècle”,in:LePouvoir,t.1,pp.102-103.

32.Bluntschli,ob.cit.,p.721.

33.SergioCotta,ob.cit.,p.102.

34.Bolingbroke,apudSergioCotta,ob.cit.,p.102.

35.AustinRannay,&WillmooreKendall,DemocracyandtheAmericanPartySystem,

p.126.

36.JohnAdams,apudCorreaM.Walsh,ThePoliticalScienceofJohnAdams,p.152.

37.WalterBagehot,TheEnglishConstitution,p.126.

Page 770: Ciência Política - Archive

38.JamesBryce,ModernDemocracies,I,p.119.

39.E.E.Schattschneider,in:“DefenseofPoliticalParties”,inPartyGovernment,apud

PoliticalThoughtinAmerica,AndrewM.Scott,p.520.

40.HenrySirMaine,apudSchattschneider,apudScott,PoliticalThougtinAmerica,P.

Page 771: Ciência Política - Archive

518.41.EdwardMcChesneySait,PoliticalInstitutions.APreface,p.519.

42.W.IvoJennings,TheBritishConstitution,3ªed.,p.31.

43.R.M.MacIver,TheModernState,p.397-398.

44.Veja-seoquedizaesserespeitoGerhardLeibholzem“DerParteienstaatdes

BonnerGrundgesetzes”,Recht,Staat,Wirtschaft,p.108.

45.G.Jelinek,AllgemeineStaatslehre,p.114.

46.Triepel,StaatsverfassungundPolitischeParteien,p.24ess.

47.SergioCotta,“LesPartisetlePouvoirdanslesthéoriespolitiquesdudébutdu

XVIIesiècle”,in:LePouvoir,t.I,p.100.

48.Idem,ibidem,p.117.

49.S.V.LiñaresQuintana,LosPartidosPolíticos,p.31.

50.RichardSchmidt,AllgemeineStaatslehre,I.p.253ess.GustavRadbruch,ob.cit.,

p.288.

51.R.M.MacIver,TheModernState,p.399.

52.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.1.pp.473-474.

53.EarlLatham,“Editor’sForeword”,in:AustinRanney&WillmoreKendall,

DemocracyandtheAmericanPartySystem,p.XI.

54.G.Leibholz,“DerParteienstaat”,ob.cit.p.108.

Page 772: Ciência Política - Archive

55.KarlLoewenstein,PoliticalPowerandtheGovernmentalProcess,pp.363-364.

56.Bluntschli,in:DeutschesStaats-Woerterbuch,v.7,p.718.

57.GustavRadbruch,ob.cit,p.288.

58.JesseMacy,&JohnGannaway,ComparativeFreeGovernment,pp.177-178.

59.GustavRadbruch,ob.cit.,p.288.

60.HansKelsen,VomWesenundWertderDemokratie,2ªed.,p.23.

61.G.Leibholz,DasWesenderRepraesentationundderGestaltwandelder

Demokratie,in20Jahrhundert,p.91.

62.H.Finer,TheoryandPracticeofModernGovernment,I,p.620.

63.KarlLowenstein,“WeberunddieparlamentarischeParteidisziplinimAusland”in:

DiepolitischenParteienimVerfassungsrecht,p.364.

64.JoséAmnchástegui,apudS.V.LiñaresQuintana,LosPartidosPolíticos,p.36.

65.CharlesE.Merrian,&HaroldFooteGosnell,TheAmericanPartySystem,pp-415-

Page 773: Ciência Política - Archive

416.66.W.IvoJennings,TheBritishConstitution,3ªed.,p.31.

67.G.C.Field,PoliticalTheory,p.165.

68.SãoasconstituiçõesdoAlabama,Califórnia,Georgia,Louisiana,Maryland,

Mississipi,Nebraska.NovoMéxico,NovaIorque,Nevada,Ohio,Oklahoma,Oregon,

Pennsylvannia,CarolinadoSul,VirginiaeUtah.

69.Binkley-Moos,AGrammarofAmericanPolitics,p.197.

70.Ferri,Studi’suiPartitiPolitici,p.170.

71.G.Leibholz,“DerParteienstaatdesBonnerGrundgesetzes”,inRecht,Staat,

Wirtschaft,v.III.

72.ErnstForsthoff,“ZurverfassungsrechtlichenStellungundinnerenOrdnungder

Parteien”,inDiePolitischenParteienimVerfassungsrecht,pp.6-7.

73.MaxWebber,Staatssoziologie,p.50.

74.Idem,ibidem,p.53.

75.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.1,pp.435-437.

76.GeorgesBurdeau,LaDemocratie,p.57.

77.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitiquet.I,p.434.

78.HansNawiaksy,AllgemeineStaatslehre,p.97.

24

Page 774: Ciência Política - Archive

OSSISTEMASDEPARTIDOS

1.Osistemabipartidário—2.Osistemamultipartidário—3.O

partidoúnico.—4.Ateoriamarxistadopartidopolítico—5.A

representaçãoprofissionaleospartidospolíticos—6.Opartido

políticonaInglaterra—7.OpartidopolíticonosEstadosUnidos

1.Osistemabipartidário

AdotaoEstadopartidáriocontemporâneotrêssistemasprincipais

departidos:obipartidário,omultipartidárioeopartidoúnico.Este

últimomaisfreqüentenosregimestotalitários.

Osistemabipartidário,queteveemLaskiumdeseusardentes

propugnadores,éconsideradoporalgunsescritorespolíticoscomoo

sistemademocráticoporexcelênciaemmatériadeorganização

partidária.EntendeFieldquenenhumoutrosistemahámaisabertoà

participaçãodireta,imediata,efetivaeinfluentedoeleitornaescolha

dosgovernantesquantoeste,arraigado,quernogosto,querna

preferência

dos

cidadãos

em

todos

aqueles

Page 775: Ciência Política - Archive

países

onde

tradicionalmenteoperfilhamasinstituições.1

Osistemabipartidáriotemalgoquecorrespondeaumtraço

naturaldedivisãopolíticadasociedade,conformeassinalaDuverger,o

qualobservaquesenemsempreháumdualismodepartidos,“quase

sempreháumdualismodetendências”.2

NodizerdeNawiasky,sãopressupostosdosistemabipartidário,

emprimeirolugar,queambosospartidosseponhamdeacordoquanto

aosfundamentosdeorganizaçãoedireçãodoEstado,asaber,quanto

aoregime,easeguir,queambossereconheçamemtermosdemútuo

respeitoelealdade.3

Àoposiçãocabe,porconseqüência,lugartodoespecialno

sistema,vistoqueelaépotencialmenteogovernoemrecesso,aforça

invisível,foradopoder,masprontajáparaassumi-loaqualquer

instantedesempenhandoassimfunçãonecessáriaeindispensávelà

caracterizaçãodemocráticadosistema.

DetamanhaimportânciaessafunçãoquenaInglaterraseacha

eladetodoinstitucionalizadapelo“Minister’softheCrownAct”,de

1937,oqual,nãosomentemandaestipendiaraOposição,comolhe

confereotítulooficialde“LíderdaOposiçãodeSuaMajestade”.A

Page 776: Ciência Política - Archive

Oposiçãotemportantonominalmenteumasituaçãojurídicaprivilegiada

nosistemainglêsqueospartidoscomotaisnuncalograramali

alcançar.

Seriadeplorávelequívocosuporqueosistemabipartidário

significaliteralmenteaexistênciaapenasdedoispartidos.Não.É

possívelqueváriospartidosconcorramàsurnas,masosistema

tecnicamenteseachadetalformaestruturado,quesódoispartidos

reúnemdemaneirapermanenteapossibilidadedechegaraopoder.

NocasodosEstadosUnidos,arigidezbipartidáriaédetalordem

quenenhumpequenopartidoveiojamaisaseconverternumgrande

partidoevice-versa:nãohánotíciadenenhumgrandepartidoquehaja

passadoàcondiçãodepequenopartido.

Talpeculiaridadelevouumdosmaisafamadospublicistas

daquelepaísadizerqueo“sistemabipartidárioéafortalezade

Gibraltardapolíticaamericana”,ondeospequenospartidosnão

constituemsenão“movimentoseducacionais”.4

Formamosdoispartidos,conservadoreserepublicanos,a

espinhadorsaldapolíticaamericanaeostentamadmirávelflexibilidade,

bemcomoinvulgarpoderdeacomodação,apontodehaveremsido

comparadosporumjornalistaamericanoaduasgarrafasvaziasque

podiamrecebertodoequalquerconteúdo,contantoquesenão

Page 777: Ciência Política - Archive

mudassemosrótulos...

Osistemabipartidárioamericanonãofez,todavia,desprezívelou

nulaaparticipaçãodospequenospartidos,adespeitodaimpotência

políticaemquecontinuamenteficamparaaescaladadopoder.

Comefeito,seusprincípiosesuasidéias,sustentadosnãoraro

comtodoosrigoresdesúbitaradicalização,acabamdepois

incorporadosouapropriadospelosdoisgrandespartidos,osquais

sabemacomodá-loslentamenteaogêniopolíticodasociedade

americana.Háquemqueiravislumbraraíacausaprofundada

inexistênciadeumpartidosocialistanosEstadosUnidosoupelomenos

omalogropolíticodaspequenasagremiaçõesdecaráterideológico.

Osistemabipartidáriooferecehistoricamentenoexemplodo

PartidoTrabalhistainglêsocasodaascensãodeumaterceiraforçaà

posiçãodegrandepartido,bemcomoaquedacorrespondenteda

organizaçãopartidáriaqueatéentãofiguravanessaqualidade,asaber,

ovelhoPartidoLiberal.

HouveépocadecrisenosistemapartidáriodaInglaterraemqueo

bipartidismocedeulugaraumtripartidismotemporário.Esse

tripartidismoaliásnãoseachaexcluídodereapariçãonavidapolítica

daquelepaís,tradicionalmentebipartidário,ondeobipartidismoémais

ideológicodoquepatronal,aocontráriodoquesucedenosEstados

Page 778: Ciência Política - Archive

Unidos,ondenãoraroopoderdasidéiassecurvaàforçados

interesses.

Causasvariáveistêmsidoinvocadasparaexplicaraexistênciado

sistemabipartidáriotantonaInglaterracomonosEstadosUnidos.

Unssereferemaogênioanglo-saxônico,outrosàambiência

histórica.Jáhouveatéquemsereportasseaogênioesportivodopovo

inglês(SalvadordeMadariaga).

Duverger,criticandoerejeitandotodasessascausasindigitadas,

sefixana“influênciadeumfatorgeraldeordemtécnica:osistema

eleitoral”,queatuaaesserespeitocomaforçadeumaleisociológica

quandosetratadaaplicaçãodoescrutíniomajoritáriodeumúnico

turno.Essaformadeescrutínioconduz,comraríssimasexceçõesao

dualismopartidário,segundoobservaaqueleautor.”5

2.Osistemamultipartidário

Principiaarigorosistemamultipartidáriocomapresençadetrês

oumaispartidospolíticosemdisputadopodernumdeterminado

sistemaestatal.

Osadeptosdopluralismopartidárioamplolouvam-nocomoa

melhorformadecolherefazerrepresentaropensamentodevariadas

correntesdeopinião,emprestandoàsminoriaspolíticasopesodeuma

influênciaquelhesfaleceria,tantonosistemabipartidáriocomo

Page 779: Ciência Política - Archive

unipartidário.

Afirma-seademaisqueosistemamultipardiárioédecunho

profundamentedemocrático,poisconfereautenticidadeaogoverno,tido

porcentrodecoordenaçãooucompromissodosdistintosinteressesque

semovemnomosaicodasváriasclassesdasociedade,classescujavoz

departicipação,atravésdopartidopolítico,sealçaassimàesferado

poder.

NosistemaparlamentardomodernoEstadopartidário,o

multipartidismoconduzinevitavelmenteaosgovernosdecoligação,com

gabinetesdecomposiçãoheterogênea,semrumospolíticoscoerentes,

sujeitosPortantopelavariaçãodepropósitosaumainstabilidade

manifesta.Nãoobstante,essesgovernosporsuanaturezamesmasão

dosmaissensíveisaosreclamosdaopiniãopública.

Nosistemapresidencial,indica-seordinariamenteapulverização

partidáriacomofatordeenfraquecimentodoregime,determinando-lhe,

nãoraro,ocolapso.

Emprimeirolugar,pelafacilidadequetemumexecutivofortede

dominarpartidosfracos,numericamenteexcessivos,semcoesão

interna,cobiçososdevantagens,prestesasacrificaremahonracívica

emacordosfáceisouacomodaçõesdesairosas,contantoqueos

interessesimediatosdapatronagem,nosentindosociológicoweberiano,

Page 780: Ciência Política - Archive

saiamdelogosatisfeitos.OParlamentoapaga-seentãonoanonimatode

seudestinopolíticoeumexecutivoonipotente,caudilhistadevocação,

ameiopassojádaditadura,éaúnicaexpressãovisíveldopoder.

Emsegundolugar,oparlamentosepodeconverternumacasade

resistênciaaoexecutivo,quecaiprisioneirodeumCongressohostil,

dominadopormaioriasfacciosasepassionais,cujaaçãotolheospassos

àadministraçãoefrustra-lheoprogramagovernativo.

Aguerracivildosdoispoderes,paralisandoomecanismo

constitucional,éentãooprenúnciodassoluçõesditatoriaisiminentes.

Demais,osistemamultipartidário,precisamenteportornarmaisnítido,

ostensivo,agudoeinevitáveloquadrodalutadeclassesnasociedade,

vemsendoincriminadodeembaraçaracaptaçãodeumavontadegeral,

institucionalizandoconseqüentementeadivisãodasopiniões,tornando-

ascadavezmaisestanques,irredutíveis,incomunicáveis.

Enfim,éosistemamultipartidárioacoimadodeemprestaraos

pequenospartidosinfluênciapolíticadesproporcionadaeincompatível

comamodestíssimaforçaeleitoraldequedispõem,mormentequando

surgemelesporfieldebalançanascompetiçõespelopoder.

AssimcomoDuvergerligouosistemabipartidárioaosistemade

escrutíniomajoritáriodeturnoúnico,outrosautores,pondoigual

ênfasenoempregodatécnicaeleitoraleseusefeitossobrea

Page 781: Ciência Política - Archive

organizaçãodospartidos,assinalamosestreitosvínculosexistentes

entreosistemaderepresentaçãoproporcionaleamultiplicidadede

partidos.

StuartMill,segundorefereLowell,saudaraométododa

proporcionalidadepartidáriacomo“asalvaçãodasociedade”,6

afirmativaestranhanapalavradeumpensadorliberal,quandoa

verdadebemsabidaeconfirmadaéadequesemelhantetécnica

acompanhahistoricamenteodeclíniodoEstadoliberalesuavirtual

substituiçãoporumademocraciadepartidos,deíndoleplebiscitária.

Comefeito,ademocraciaparlamentarerepresentativado

liberalismosucumbe,conformesededuzdasobservaçõesdeHeller,

todavezque,medianteoempregodanovatécnicaeleitoral,opartido

políticotomaolugardoindivíduonaqualidadedetitulardodireitode

representaçãoproporcional.7

Nomesmosentido,sãotambémasobservaçõesdeLeibholz

acercadarepresentaçãoproporcional,queservedeinstrumentoà

democraciademassasnapassagemdoEstadoparlamentar-

representativoaoEstadopartidáriodenossosdias.8

Emsuma,essamodalidadederepresentaçãonãosomenteenseja

aproliferaçãodospartidospolíticosdecaráterrígidoecentralizador,

comsólidosmecanismosburocráticos,como“enfreiaaevoluçãoparao

Page 782: Ciência Política - Archive

sistemabipartidário”.9

3.Opartidoúnico

Otermomesmopartidoéjáumprotestodalógicaedobomsenso

contraaexpressãopartidoúnicooupartidototalitário,dois

contrassensosqueemrigornadasignificam.

Comefeito,pensadoresdacategoriadeBluntschli,Levy-Bruhle

Nawiaskytêmchamadoaatençãoparaaincompatibilidadeentrea

noçãodeparteoupartidoeadetodo,porconseqüência,paraa

indeclinávelobrigaçãode“nãoidentificar-seopartidocomoconjunto,o

povoeoEstado”.10

AsditadurasdoséculoXX,comrarasexceções,fizeramporémdo

partidoúnicooinstrumentomáximodeconservaçãodopoder,

sufocando,pelainterdiçãoideológica,opluralismopolítico,semoqual

aliberdadeseextingue.

Domesmopasso,identificaramopartidocomoEstadooua

nação,precisamenteaquiloquemaisrepugnaàíndoledotermo,

conformeacabamosdeleremBluntschli.Comoandamlongepoisos

temposemqueosfilósofospolíticosdoliberalismocombatiamaindaos

partidosporentenderemerroneamentequeasuapresençaequivaliaà

partilhadopoderestatal,ouseja,àquebradoprincípiounitárioda

soberania!

Page 783: Ciência Política - Archive

Entendemalgunsautoresqueopartidoúnicoéamáxima

inovaçãopolíticadoséculoXX,masoutros,comoDuverger,sãode

parecerqueaoriginalidadeconsistenoapoioqueproporcionaà

ditadura,daqualseconverteemsustentáculo.11

Exprimeopartidoúniconasociedadedemassasaconclusãode

umdesdobramentoinevitáveldosistemapolítico,noinstanteemquea

crisesocialfazimpossívelamanutençãodademocracia.Perdidaspor

estaascondiçõesdesobrevivênciaembasesindividualistas,entraela

numaagudacrisedegestaçãodequeresultaaformanovada

democraciademassas.Nãoraroacrisedemocráticatomasaídadetodo

imprevistadesembocandonaditaduradopartidoúnico.

Arevoluçãoeacontra-revoluçãosocialnoséculoXXgerarampois

politicamenteemalgunsEstadosopartidoúnico.Masondenosúltimos

anossuaapariçãosefezmaisfreqüentefoinaquelespaísesrecém-

egressosdoregimecolonial.Aíopartidoúnicoaparececomoforça

políticacoroadapeloprestígiohauridonaparticipaçãoquetevedurante

omovimentocriadordaindependêncianacional.

Váriospaísesafro-asiáticosinstituíramopartidoúnicodesdea

emancipação,obrigandoassimospublicistasareexaminar-lheocaráter

democrático.Comosesabe,aconcepçãodemocráticadoOcidente,

entreoutrosprincípios,vemvazadanaregradopluralismopartidário.

Page 784: Ciência Política - Archive

Opartidoúnicoatentariacontraaessênciadosistemademocrático.

Noentanto,algunspublicistas,fazendoexceçãoaessepostulado

rígido,admitemocaráterpotencialmentedemocráticodedeterminadas

ordenspolíticas,nasquaisopartidoúnicotemcarátermeramente

provisório,atéqueseconsolideumsistemadeinstituiçõesnovas

produzidaspelarevolução,cujospostuladosounitarismopartidário

esposa.

Opartidoúnicosurgeademaiscomoremédionasocasiõesde

crisesmaisgravesedolorosas.Masseucunhoantidemocráticosomente

sedescobreouficanuquandoentraeledefinitivamentea

institucionalizar-se.Estadosdearraigadatradiçãodemocrática,comoa

InglaterraeaFrança,emperíododeguerraouàsvésperasdeuma

guerra,seserviramjá,temporariamente,da“uniãosagrada”,da“frente

única”ecompactadesuasforçaspolíticasparaconjuraremoperigo

oriundodacomoçãoexterna.

O“gabinetedeguerra”deChurchillduranteasegunda

conflagraçãomundialexprimiuaunidadenacional,constituiu

modalidadedepartidoúnico,opartidodapátria,quefezdoarmistício

políticointernoorequisitoindispensávelàconcentraçãodetodosos

esforçosparaasalvaçãonacional.

Indulgentecomopartidoúnicoprovisório,Durvergerapontao

Page 785: Ciência Política - Archive

exemplodaTurquia,que,de1923a1946,suprimiuopluralismo

partidárioeconservou,todavia,nosquadrosdoregime,uma

organizaçãopartidáriaúnica,sobainspiraçãoda“ideologia

democrática”.Cumpridaamissãorenovadora,opartidoúnico,fielà

suaíndoledemocrática,consentiuali,em1950,segundoomesmo

pensador,o“triunfopacífico”daoposição.12

Afigura-se-nosporéminsustentáveloparecerdojuristafrancês.

Umavezadmitido,teriaqueabrangerigualmenteospartidosúnicos

dosEstadossocialistas,cujocaráterdemocráticoDuvergerlhesnega,

apósconcedê-loaoantigopartidoúnicodaditaduraturca.Nãohá

razão,emmatériadepartidoúnico,paradar-sebuladedemocraciaa

Ataturkerecusá-laaKruschov.

Doutrinariamente,opartidoúnicodosocialismomarxistasupõe-

setãotransitórioquantooEstado,nalógicamesmadosistema,seele,

comefeito,pudesse,empresençadarealidadesocialepolítica,ultimar

umdiatrajetóriaimplicitamentetraçadanospostuladosdateoria

marxistadoDireitoedoEstado.

Nosistemadepartidoúniconãoháalternativaparaoeleitorem

facedopoder.Ficaeleassimprivadodefazerescolhagenuína,

conformeFieldjudiciosamenteassinala.13Ademais,nessesistema,“o

partidoseconfundecomopoder”esuadoutrinasetorna“aidéiado

Page 786: Ciência Política - Archive

direitooficial”.14

Afunçãodopartidoéportantodiferentedaquelaqueeletemno

pluralismodemocrático.Aeleiçãoconfigura-sesecundária,destituídajá

docarátercompetitivo,semodiálogodasopiniõescontraditórias.Toma

portantooaspectoplebiscitáriodemeradesignaçãoouratificaçãode

escolhaantecedentementefeita.Masnemporissodeixaopartidode

desempenharpapeldesumaimportância,vistoquelhecabe,segundo

LevyBruhl,manterocontatoentreogovernoeasmassaspopulares,

constituiraselitesdopoderesustentarapropagandaoficialdo

regime.15

Acrescentaaindaaquelepensadorqueafunçãoideológica,sendo

umafunçãopolíticaglobal,setornaincontrastáveledominante.

Substituiemrelevânciatantoafunçãoeleitoralcomoafunção

representativadospartidosnopluralismo.Adverteporémomesmo

sociólogoquesãogravesosriscosqueosistemaacarreta:emprimeiro

lugar,aestagnação,seguidalogomaisdaburocratização,do

“unanimismo”ou“conformismointegral”,entibiandoassimainiciativa,

gelandooentusiasmocriador,paralisandoavontadelivre.16

Malessãoestespoisquenasditadurascontemporâneas

emprestamaopartidoúnicosuafeiçãorealeverdadeiraenos

autorizamarepetircomCroce,citadoporAfonsoArinos,que“osonho

Page 787: Ciência Política - Archive

dopartidopolíticoúnico,pormaisbemintencionadoehonesto,temo

inconvenientedesereferiraalgoquenãoénempartidonempolítico”.17

4.Ateoriamarxistadopartidopolítico

Osclássicosdomarxismo,desdeMarxeEngelsaMaoTseTung,

nãoseocuparamminudentementecomumateoriadospartidos.Nãose

nosdeparanelesnenhumaexposiçãoespecialemetódicaconsagrada

aoassunto,oqual,versadosempredeleve,continuaaindaimplícitoem

largapartenadoutrinageraldomarxismo,emsuaconcepçãoacercada

Sociedade,doEstadoedoDireito.

Épossíveltodaviacolheralgumasproposiçõesbásicasemlugares

esparsosdacopiosaliteraturamarxista,nasquaissepatenteiaa

naturezadopartidopolítico,peloângulodaideologiaproletária.

Aconcepçãomaterialistadahistóriaaplicadaatodasas

manifestaçõesdavidasocialigualmenteexplicaopoderpolíticoeseus

instrumentosdeação.

Distingueomarxismoocaráterdopartidonasociedadeburguesa

enasociedadesocialista.Noseiodaburguesia,segundoaquela

doutrina,apluralidadedepartidosexprimeantesdemaisnadaa

existênciadapróprialutadeclasses.

Stalin,em1936,comentandoanovaConstituiçãosoviéticae

criticandoospostuladosbásicosdademocraciaocidental,assim

Page 788: Ciência Política - Archive

resumiaaposiçãomarxista:“Noquetangeàliberdadedediferentes

partidospolíticos,sustentamosdecertomodoopiniõesdistintas.O

partidoépartedaclasse,suapartemaisprogressista.Osistema

pluripartidáriosomentepodeexistirnumasociedadeondehaja

antagonismosdeclasses,cujosinteressesseapresentammutuamente

hostiseinconciliáveis”.18

Muitomaisprecisaporémvemaseracaracterizaçãodospartidos

políticospelosociólogomarxistaOppenheimeremsuaobraclássica

sobreoEstado:“Opartidoénasuaorigemecontinuidadetão-somente

arepresentaçãoorganizadadeumaclasse...Ointeresseespecialdo

grupodirigenteconsisteemmanterpormeiospolíticosodireitoem

vigorporelemesmoimposto;épois“conservador”.Ointeressedogrupo

dominado,aocontrário,consisteemrevogaressedireitoesubstituí-lo

porumnovodireitodeigualdadedetodososhabitantesdoEstado:é

“liberal”e“revolucionário”.19

NoManifestoComunista(1848),afirmouMarxqueeradeverde

todos

os

proletários

se

organizarem

Page 789: Ciência Política - Archive

“numa

classe

e

correspondentementenumpartidopolítico”.Foidasraríssimasalusões

queelefezaopartido,convertidodepoisnoprincipalinstrumentode

destruiçãodasociedadecapitalistaesuasinstituições.

QuantoaLênin,háemsuaobraaforismosraros,mas

extremamenteprecisosemfixarosentidomarxistadopartidopolítico.

DizLêninqueopartidoéavanguardaorganizadaedisciplinadado

proletariadorevolucionário,pois“nelevemosarazão,ahonraea

consciênciadenossaépoca”.20

Stalin,porsuavez,escreveque“opartidolevaacaboaditadura

doproletariado”,emboranegueaidentidadeentreeleeoEstado.21

ArevistaPartijnajazizn,poucodepoisdoXXCongressodoPartido

ComunistadaURSSestampavaumartigodefundo,noqualselia:

“Liberdadedediscussãoeunidadedeação—eisoqueLêninexigiado

partido.Nossopartidonãoénenhumclubededebates,masuma

organizaçãodeluta”.22

AprofeciademortequeomarxismofazcomrespeitoaoEstado,

reconhecendo-lheocaráterfundamentalmentehistórico,suacondição

decomitêexecutivodaclassedominante(Michels)ou“sindicato

Page 790: Ciência Política - Archive

formadoparadefenderosinteressesdopoderexistente”,fadadoporém

adesaparecer,“extinguir-se”,ouacabarnomuseuderaridadesantigas

aoladodarodadefiaredomachadodebronze,segundoodizerirônico

deEngels,éigualmenteválidaapropósitodospartidospolíticos.

Opartidosocialistamesmoéopartidodeumaclasse:o

proletariadoesuaditadura.Partidoúnico,“quenãopoderepartira

liderançacomoutrospartidos”,conformeassinalavaZdanov,em1938,

citandoLênin,essepartido,comodesaparecimentodasociedadede

classes,acompanharátambémoEstadoemsuacaminhadaparao

túmulo.Talsedará,segundoaprevisãomarxista,napassagemdo

socialismoaocomunismo.

Comefeito,MaoTseTung,numareminiscênciadasvelhasidéias

deRohmer,noséculoXIX,sobreavidaorgânicadospartidos,vestidas

porémcomalinguagemeosconceitosdadoutrinamarxista,escreveu:

“Umpartidopolíticopercorretantoquantoumserhumanoosestádios

dainfância,juventude,idadeadultaevelhice.OPartidoComunistada

Chinajánãoénenhumacriançaouadolescente.Chegouàmaioridade.

Quandoumhomemsetornavelho,morredepressa;omesmoacontece

tambémcomospartidospolíticos.Comaaboliçãodasclasses,todosos

instrumentosdalutadeclasses—ospartidospolíticoseoaparelho

estatalperdemtambémsuasfunções,fazem-sesupérfluosese

Page 791: Ciência Política - Archive

extinguemlentamente,apóshaverempreenchidosuafunçãohistórica.

Asociedadehumanateráalcançadoentãoumgraumaisadiantado”.23

Opontíficemáximodomarxismocontemporâneo,seuúnico

teoristatalvez,resumiupoislapidarmenteateoriadospartidos

políticos,dopontodevistadadoutrinaqueoraexaminamos.

Semdúvida,asociedadedeclassesengendraospartidosde

classes(pluripartidismoburguês);estes,comachamadaditadurado

proletariado,sereduzemporémaumpartidoúnico.Essepartido

correspondeaindaàfaseintermediáriadosocialismoesuaimplantação

pelaviolência.

Enfim,consumadaatransiçãoparaocomunismo,nasuposta

sociedadesemclasses,cessariamdeexistirtantoopartidoúnico

dirigentecomotambémoEstado,antigamáquinadecoerção.

5.Arepresentaçãoprofissionaleospartidospolíticos

Nãosãoempequenonúmeroosteoristaspolíticosquevêempor

únicoremédioaosefeitosperniciososdosgruposdepressãooudos

lobbyistsainstituiçãodopoderpolíticocombasenarepresentação

profissionalenaconseqüenteextinçãodospartidospolíticos.

Preconizandoessasolução,supõemseracrisedospartidosem

largapartedeterminadapelaincapacidadeemqueseachamelesde

reduziraointeressegeralcertosanseiosdeclasse,queficamportanto

Page 792: Ciência Política - Archive

desatendidosoupostosàmargem,quandonãochegamaser—omais

comum,aliás—indevidamenteapropriadosporgrupos,cuja

legitimidadepararepresentá-losémaisduvidosaqueadospróprios

partidos.

Arepresentaçãoprofissional,comosucedâneodospartidos

políticos,

tem

sido

fortemente

sustentada

por

pensadores

antidemocráticos,deideologiafascistaoucorporativista.

Noentanto,juristas-filósofosdoestofodeKelseneGustavo

Radbruchrepulsaram-naimpiedosamente.Combatendoasidéiasde

Triepelaesserespeito,Kelsenmostrouqueasformaçõesprofissionais

sãocomunidadesouorganizaçõesdeinteressestão“egoísticos”quanto

ospartidospolíticos.24

Asubstituiçãodospartidospolíticosporentidadesprofissionais

ousindicaisnãoacarretaria,porconseqüência,asvantagens

apregoadas.Afirmaofilósofoqueapolíticanessecasoficariaentregue

Page 793: Ciência Política - Archive

aosinteressesmaiscrusdasclassesprofissionais;estas,aocontrário

dospartidospolíticos,nãosedariamsequeraotrabalhodedissimulá-

losemtermosdeidéias,domesmopassoqueosinteressesculturais,

vistonãoseprenderemanenhumaprofissão,acabariam,desprovidos

dopatrocínioderepresentação.Enfim,talmudançasignificarianada

mais,nadamenosqueamaterializaçãoesindicalizaçãodetodaavida

política,reduzidaaummerosistemaderepresentaçãodasprofissões.25

Ascâmarascorporativas,afirmandoarepresentaçãodaqueles

interesses,nãopuderamvingarsenãonosEstadosfascistasou

parafascistas.EmEstadosdemocráticos,apesardoecoprojetadopor

semelhantesidéiasdereformulaçãodosistemarepresentativo,seus

triunfosforambastanteminguados.

AConstituiçãoBrasileirade1934,numaconcessãodeveras

amplaaoprincípioemtela,instituiuarepresentaçãoclassistanoseio

doCongressodemocrático.Constitui-seporessavia,democraticamente

ilegítima,aquelabancadaque,tendoorigemforadoconsentimento

popular,fezhíbridoosistema.

Deúltimo,osEstadosdemocráticosinstituíramconselhos

técnicosoueconômicos,dando-lhescarátermeramenteconsultivo.A

audiênciadasassessoriastécnicasnoParlamentomodernoporsuavez

corrigeouatenuaacrisedeespecializaçãoqueembaraçavaos

Page 794: Ciência Política - Archive

representantespolíticosnotratodedeterminadosproblemasdeordem

técnicaouprofissional,oquedavalugaraseverasqueixasporparte

dosquesempreargumentaramcontraademocracia.

6.OpartidopolíticonaInglaterra

AInglaterraéapátriadospartidospolíticos.Hácercade300

anosexistealiumarealidadepartidária.Variável,naturalmente,

conformeoshomens,otempoeasidéias.Desdequeadistinçãoentre

“Whigs”e“Tories”,nofimdoreinadodeCarlosII,setornoupatente,é

possívelfalardeumahistóriadospartidospolíticosingleses,assinalada

porumbipartidismotradicional,fonteprincipaldeinspiraçãodetodoo

processoparlamentarnaquelepaís.

Desdecedoseviuporémosistemainglêsmarcadoporuma

divisãodefundoideológico,que,segundoBolingbroke,começacomos

“tories”,representandoolandedinteresteos“whigs”representandoo

moneyinterest;osprimeirosadotandoumapolíticaconservadora,os

segundossemostrandomaissensíveisàsreformassociais.

Dequalquermodoaexistênciadeambosveioexprimiroconflito

aristocrático-burguêsentreaterraeocapital,ocampoeacidade,o

feudoeoburgo,aidademédiaremanescenteeostemposmodernos

supervenientes.

Doladodos“tories”aigrejaeotrono,asgrandesprerrogativas

Page 795: Ciência Política - Archive

régias,oprincípiodaautoridadeeolegitimismo;doladodos“whigs”o

parlamentoeocontratosocialdeLocke,adoutrinadoconsentimentoe

osprincípiosde1688,eiscomoGreavesresumesubstancialmenteas

posiçõesdefinidasemcadaumdessesgrêmiospolíticos.26

Conformeassinalaomesmoconstitucionalista,essequadrofoi

válidoatéagrandereformade1832.Desdeentão,alargostraços,a

históriadospartidosinglesesassinalapoliticamenteotriunfoda

burguesiaindustrialnaquelepaís,quedoravantesereparteem

posiçõesconservadoraseliberais,semmaiorescrisessenãoaquelas

quelheestavamsendoaparelhadaspeloséculoXX,quandoarotura

espetaculardobipartidismoclássicotrouxeàcenapolítica,emtermos

inarredáveis,opoderdoquartoestado,asaber,damassaobreira,

politizadaideologicamentepelatomadadeconsciênciadeumsocialismo

brando,democrático,generosamentecristão,pacifistaereformista.

Seaideologiaserveaindadetraçoecaracterizaçãodopartido

inglês,emnenhumpaísaopiniãodemocráticaseachaelevadaaníveis

tãoaltosdeeducaçãopolíticaquantoali,onde,sematritosbásicos,

convivemduasorganizaçõescomooPartidoConservadoreoPartido

Trabalhista,separadasporumfossoideológicoprofundo,mas

congraçadaspelosmesmospropósitosdefielmanutençãodas

instituições

Page 796: Ciência Política - Archive

fundamentais

a

que

tradicionalmente

adere

o

temperamentopolíticodanaçãoinglesaequeseconsubstanciamna

coroaenoParlamento,nademocraciaenaliberdade.

Observamagistralmenteumautoramericanoqueopartido

políticonaInglaterraparecehaversidofeitoparadividiroshomens

segundoassuasidéias,aopassoquenosEstadosUnidosoutraforaa

suafunção,asaber,adeunirhomensdivididosjápororigem,raças,

religião,crençaspolíticas,situaçõessociais,etc.

Comefeito,emnaçãoalgumadoOcidente,votaoeleitortantonas

idéias,nasplataformas,nosprogramaspolíticosenamoraldosseus

representantesquantonaInglaterra.Alealdadepartidária,afidelidade

aosprogramas,aobediênciaideológicanointeriordosquadrospolíticos

éaliconvicçãoantesdeserimposição.Poucovalemaspromessas,os

interesses,aspersonalidades,o“carisma”,tudoistoque,referidoa

pessoasédepraxenaspugnaseleitoraisdosEstadosUnidos,equefaz

assimosistemaamericanotãodiferentedosistemainglês.

Page 797: Ciência Política - Archive

Forte,naInglaterra,emprimeirolugar,éopartido;depoiso

candidato.Dissoresultouumadasvirtudesmaispatentesdosistema,

assinalando-lheasuperioridade,emcontrastecomoquesepassanos

EstadosUnidoseempaísesdaAméricaLatina:aconsiderável

resistênciaqueopartidoestáemcondiçõesdeofereceraosgruposde

pressão.

Rígida,coerente,disciplinada,aorganizaçãopartidáriaquebraa

forçapolíticadiretaeimediatadessesgrupos.Podemeles

eventualmentedominaraopiniãopública,sujeitando-a,masraramente

dominamospartidos,oupelomenosnãoofazemcomaquela

prodigiosafacilidadecomqueseassenhoreiamdosdeputadose

senadoresdasduascasasdoCongressoamericano.

NosEstadosUnidos,oassaltoexternoaoCongressopelosgrupos

depressãoétãofreqüentequeficamospartidosreduzidosàquela

massainorgânicaedisforme,àqueleconglomeradodeinteresses

passageiros,àquelaorganizaçãodetodoirreconhecível,sequiséssemos

invocá-lapelasidéiasouidentificá-lapelosprincípiosdequedeveraser

portadora,masdequeseachacompletamentedesamparada.

7.OPartidopolíticonosEstadosUnidos

OstentamosEstadosUnidosemsuaorganizaçãopartidáriaa

formamaisacabadadochamadopartidodepatronagem,queMax

Page 798: Ciência Política - Archive

Weberemseusestudosdesociologiapolíticaelevouaumadas

categoriasbásicasdepartidos.

Apatronagemnosistemaamericanofezdedemocratase

republicanosduasgigantescasagênciasdeempregos,duasmáquinas

deelegercandidatoseganhareleições,comumapolíticafundadamais

no“compromisso”doqueno“dogma”.27

Opartidoideológicodotipoeuropeuéalidesconhecido.Nenhum

sistemadepartidos,talvez,tantoquantooamericano,sebaseounos

chamadosprincípiospositivosdeBolingbroke,relativosàdiferença

interpartidária,consoanteosmétodosdeaçãoeassoluções

particularesparacasosconcretosenãoconformeaconcepção

pertinenteaosfundamentosdoEstadoedaConstituição(princípios

negativos).

Asquestõesdefundonãoentramsenãomuiraramentenas

plataformasenapolíticadosdoispartidos,demodoqueadistinção

entreamboséquasenenhumaesetornainvisíveltomadaporesse

últimoângulo.Aopiniãoteráconseqüentementequerepartir-seao

redordenomesoupessoasenãodeidéiasouprogramas.

Comrespeitoàorganizaçãopartidária,osEstadosUnidossãoa

imagemopostadaInglaterra.Osdoissistemaspartemtodaviadebases

comuns:omesmoquadrobipartidário,omesmopressupostode

Page 799: Ciência Política - Archive

fidelidadeaopluralismodemocrático,amesmaconfiançanaOposição,

que,emborainimigadogoverno,nãoétodaviainimigadoregime.28

Daípordianteporémasvariaçõesseacentuamprogressivamente,

demaneiraquecadaestruturaguardafisionomiaprópria.

NaInglaterra,ospartidossealimentamdeumafilosofiapolítica,

querefletearepresentaçãodasclasses;nosEstadosUnidos,ospartidos

sãosimplesmentemáquinasderegistrarvotos,conquistaropoder,

selecionarcandidatos,elegercongressistaseobterempregos.Sua

clientelademilhões,recrutadosemtodasasclasses,lhesconfereo

caráterdepatronagem,segundoaterminologiapartidáriadeMax

Weber.

Adisciplinaeahomogeneidadesãotraçosmarcantesdosistema

inglês;nosEstadosUnidos,aocontrário,quasenãosedistingue

ninguémporsuafiliaçãopartidária.Aindahoje,comoaotempode

Jefferson,éválidaaafirmativadaqueleex-Presidentee“Paida

Constituição”,segundoaqualosdemocratassãorepublicanoseos

republicanos,democratas.

Aindaqueospartidosquisessemmanterarigorosaobservância

dasidéiasesposadasnaocasiãodosmovimentoseleitorais,dificilmente

cumpririamapromessa,porquantolhesfaleceriaonecessárioesteiode

coesãointernaeobediênciaparlamentar.

Page 800: Ciência Política - Archive

Ofeudalismoquepulverizaospartidosamericanos,entrevisto

comtantaagudezaporOstrogorski,nãoconsenteàsorganizações

partidáriasurnaseqüênciaderumoscertos,umadefiniçãocategóricae

permanentedeobjetivospolíticos,quevariamportantoaosaborda

ocasião,conformeacorrentedeinteresses.

Opartidopolíticoamericanonãoéemabsolutoaexpressão

homogêneadeforçaspolíticascoerentes.Antes,aorevés,nãopassa,

depoisdecadaeleição,deumafederaçãodegruposeseçõesregionais

comosmaisvariadosempenhos,unindoelementosopostose

heterogêneos.

Édecomparar-seopartidopolíticonosEstadosUnidosaosrios

dasáreassecas:somentecorremnasestaçõeschuvosas,nascopiosas

invernadas.Assimopartidoamericanosódeixaimpressãosegurade

vidaeunidadeporensejodascampanhaseleitorais,quandoasua

funçãoaparecemaisnítidadoquenunca:ade“mobilizar”asmassas,

jamaisporémade“integrá-las”.29

Essacontradiçãocomosentidoideológicodospartidosdemassas

noEstadocontemporâneo,bemcomoaconservaçãodocaráterde

patronagem,temmovidoalgunsdosmaisinsignespublicistasdos

EstadosUnidosamanifestaremoseudescontentamentocomos

partidos.

Page 801: Ciência Política - Archive

Diz

Schattschneider

que

os

partidos

americanos

são

provavelmenteasinstituiçõesmaisarcaicasdosEstadosUnidos30eque

ahistóriapolíticadessepaíséahistóriadeumcasamentoinfelizentre

ospartidoseaConstituição.31

Querparecer-nostodaviaqueaprimeiraproposiçãoencerragrave

equívoco,exagero,injustiçatalvez.Obomêxitodopartidoamericanono

sentidodapermanênciadesuaestrutura,tãoduramentecriticada,se

devealiásemlargaparteaessaplasticidadepolíticaadmirável,aessa

faltaderigidez,aessapermeabilidadeconstantedeseusquadros,

abertosemapelossemprefreqüenteserenovadosàparticipação

indistintadetodososelementossociais.

Essamodalidadedepartidos,guiadosporinteressese

sustentadosporpessoasinteressadas,detodaespécieouprocedência,

servedeanteparocontraopartidoideológico,queoficializaadivisãode

classeseseconverteeminstrumentopolíticodasociedadedemassas.

Page 802: Ciência Política - Archive

OpartidopolíticonosEstadosUnidos,conservandoapresente

organização,encobredefatooufazmenosflagrantesascontradições

sociais,queresumemosconflitosprofundosdasociedadeamericana.

Édetodaconveniênciaparaoregime—enissoeles,ospartidos,

sãoperfeitamentemodernosedeformaalgumaarcaicos—queo

cidadãoamericanocontinueprocurandoopartido,conformeobserva

Sulzbach,32assimcomoquemprocuradeterminadobancoou

companhiadetransporteparaliquidarumaconta,fazerumdepósitoou

iniciarumaviagem.

AfirmaBurns,referindo-seaospartidosamericanos,que,como

“instituiçõesnacionais”,elesestão“decrépitos”.33

Quandoporémopartidoamericanocomo“governoinvisível”dos

seusbosses,opodersecretodoslobbyistseaaçãoocultamasdecisiva

docaucus,peçastodasdeummesmosistemaqueabrangetambémos

gruposdepressão,estiverdecrépito,comocuidaaquelepublicista,

“decrépita”estariaigualmentetodaasociedadeamericanacomassuas

atuaisinstituições,reclamandourgenteeradicalmudançade

estrutura,reclamounicamentecompatívelcomaadoçãodospartidos

ideológicos,partidosdemassas,aquelesquedificilmenteseacomodam

aopluralismodemocráticodonossoséculo.

AassertivadeBurns,portanto,apenaspoderáserválidapara

Page 803: Ciência Política - Archive

distinguirocaráterregionalouegoísticodosinteressesqueopartido

agitaemfacedocaráternacionaldaquelesinteressesquedeveriam

prevalecer,enoentantonãoprevalecem,vistoqueopartidoosdescura,

omite,oudesserve.

Comojáseassinalou,opartidoamericano,àmínguade

centralizaçãoedisciplina,temumaorganizaçãointernafeudal,

pluralista,fragmentária,quelheconsente,emfacedasquestões

legislativas,contemporizarcomaliberdadedemovimentoeopiniãodos

seusmembros,cujovotonasduascasasdoCongressoélivrede

qualquercoaçãopartidária.

1.G.C.Field,PoliticalTheory,p.97.

2.Duverger,LesPartissPolitiques,p.245.

3.HansNawiasky,AllgemeineStaatslehre,2,p.103.

4.E.E.Schattschneider,“Wyatwo-partysystem”,apudBishopeHendel,Basic

IssuesofAmericanDemocracy,p.249.

5.Duverger,LesPartisPolitiques,2ªed.,pp.247-248.

6.A.LawrenceLowell,TheGovernmentofEngland,v.1,p.450.

7.H.Heller,DieGleichheitinderVerhaeltniswahl,p.22.

8.G.Leibholz,“DerParteienstaatdesBonnerGrundgesetzes”;In:RechtStaat,

Wirtschaft.v.3,p.107eDasWesenderRepraesentationundderGestaltwandelder

Page 804: Ciência Política - Archive

Demokratieim20.Jahrhundert,p.111.

9.Duverger,ob.cit.,p.279.

10.Bluntschli,in:DeutschesStaatswoerterbuch,v.7,p.163.

11.Duverger,ob.cit.,p.286.

12.Duverger,ob.cit.,pp.307-312.

13.G.C.Field,ob.cit.,p.182.

14.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.1,pp.431-469.

15.HenryLevy-Bruhl,AspectsSociologiquesduDroit,p.169.

16.HenryLevy-Bruhl,ob.cit.,pp.169-172.

17.BenedettoCroce,PoliticsandMorais,apudAfonsoArinosdeMeloFranco,História

eTeoriadoPartidoPolíticonoDireitoConstitucionalBrasileiro,p.144.

18.J.Stalin,ProblemedesLeninismus,p.625ess.

19.FranzOppenheimer,DerStaat.

20.V.S.Lênin,Politiceskijasantaz,Socinenija,25,p.239,apudHandbuch,p.118.

21.J.Stalin,FragendesLeninismus,p.154.

22.“Neuklonnesobijudat’leninskenormypartijnojzini”,Partijnajazizn,abril,1956,(7):

8,apudBoshenscky,ob.cit.,p.126.

23.MaoTse-Tung,OnPeoplesDemocratieDictatorship,p.3.

24.HansKelsen,VomWesenundWertderDemokratie,2ªed.,p.110

Page 805: Ciência Política - Archive

25.GustavoRadbruch,“DiepolitischenParteienimSystemdesdeutschen

Verfassungsrecht”,in:HandbuchdesDeutschenStaatsrechts,v.1,p.288.

26.H.R.G.Greaves,TheBritishConstitution,3ªed.,p.113.

27.JohnFischer,“Governmentbyconcurrentmajority”,in:UnwrittenRulesof

AmericanPolitics,apudBishop&Hendel,BasicIssuesofAmericanDemocracy,p.273.

28.EscreveAfonsoArinosaesserespeito:“Foiapartirdestaépoca,esclareceMunro,

quesefirmouadoutrinadeaceitaçãodaoposiçãopolítica,istoé,adoutrinabásicada

democraciadequeosinimigosdoGovernonãosãoinimigosdoEstadoequeum

oposicionistanãoéporistoumrebelde”.WilliamBennetMunro,TheGovernmentsof

Europe,p.50,apudAfonsoArinosdeMeloFranco,ob.cit.,p.9.

29.Flechtheim,ob.cit.,p.261.

30.E.E.Schattschneider,“Towardamoreresponsabletwo-partysystem”.Suplement

zurAmericanPoliticalScienceReview,44(3)september1950,apudSheuner,ob.cit.,p.

Page 806: Ciência Política - Archive

253.31.E.E.Schattschneider,“Indefenseofpoliticalparties”,in:PartyGovernment,Apud

PoliticalThoughtinAmerica,byAndrewM.Scott,p.519.

32.WalterSulzbach,“PolitischeParteien”,in:HandwoerterbuchderSoziologie,p.425.

33.JamesB.Burns,“TheNeedforDisciplinedParties”,in:CongressonTrial,p.261.

25

OPARTIDOPOLÍTICONOBRASIL

1.AescassezdeestudossobreopartidopolíticonoBrasil—2.

Conservadoreseliberais,noImpério,reduzidoaumsópartido:o

dopoder—3.Mentalidadeantipartidáriaeestadualismodos

partidosnaRepúblicaVelha—4.Are-formaeleitoraleopartido

políticodepoisdaRevoluçãode1930—5.OretrocessodoEstado

Novo:extinçãodospartidospolíticosemalogrodopartidoúnico—

6.AinstitucionalizaçãojurídicadospartidospolíticosnoBrasil(o

avançodaConstituiçãode1946)eacrisedopartidonacional—7.

Requisitosparaaformaçãodospartidoseevoluçãodosistema

partidárionasConstituiçõesbrasileiras—8.OnovoEstado

partidáriodoConstitucionalismobrasileiro:—8.1Oregime

Page 807: Ciência Política - Archive

representativoedemocrático—8.2Apersonalidadejurídica—8.3

Aatuaçãopermanente—8.4Afiscalizaçãofinanceira—8.5A

disciplinapartidária—8.6Âmbitonacional-8.7Avedaçãode

coligaçõespartidárias—9.Adimensãosociológicadopartido

políticobrasileiro.

1.AescassezdeestudossobreopartidopolíticonoBrasil

ComexceçãodasanálisesprecursorasdeOliveiraViana,sob

inspiraçãodominantementesociológica,dosesplêndidosestudosdo

professorAfonsoArinosdeMeloFranco,dealgumaspáginasbrilhantes

deThemístoclesCavalcantiedozelodemonstradonapesquisapor

OrlandoM.Carvalho,aciênciapolíticanoBrasilquasecontinua

ignorandooestudosistemáticoeinterpretativodaformaçãoe

comportamentodospartidospolíticosdesdesuasorigensatéosnossos

dias.

Comefeito,aescassezdeensaiosmonográficosdessanatureza

denotasimplesmentequeosnossospublicistasnuncareconheceramàs

agremiaçõespartidárias,nahistóriapolíticadopaís,aimportância

capitaldequeelassevãorevestindocontemporaneamente.Tinham

razãodeprocederassimesseshistoriadoreseintérpretestantodenossa

antigaformaçãoimperialcomodafaserepublicanasubseqüente.

Emverdade,avidaconstitucionaldoBrasilsefezsempreno

Page 808: Ciência Política - Archive

ImpérioenaRepúblicaàbasedepersonalidades,delíderespolíticose

caudilhos,homensquedirigiamcorrentesdeopiniãoouinteresses,

valendo-seapenasdopartidocomosímbolodeaspiraçõespolíticas,

nuncacomoorganizaçõesdecombateeação,quejamaischegarama

ser.

NãoandariaexageradopoisquemdatassedaConstituiçãode

1946aexistênciaverdadeiradopartidopolíticoemnossopaís,

existênciaquecomeçacomoadventodospartidosnacionais.

Oscemanosantecedentesviramapenasagremiaçõesque,àluz

dosconceitoscontemporâneos,relativosàorganizaçãoefuncionamento

dospartidos,dificilmentepoderiamreceberonomepartidário.

VejamosporémoqueforamessasorganizaçõesnoBrasilImperial

enaprimeirafasedoBrasilRepublicano.

2.Conservadoreseliberais,noImpério,reduzidosaumsó

partido:odopoder

OsdoisgrandespartidosdoImpério—oConservadoreoLiberal

—têmcontrovertidasatémesmoassuasorigens,queunsdãocomo

sendode1837(SoaresdeSousa),outrosde1838(Nabuco).Forcejando

pordirimiradúvida,escreveuoeminenteprofessorAfonsoArinos:“Se

tivéssemosdesugerirpornossoladoumasoluçãoparaoproblema,

diríamosqueaformaçãodopartidoliberalcoincidecomaelaboraçãodo

Page 809: Ciência Política - Archive

AtoAdicionaleadoConservadorcomafeituradaleideinterpretação”.1

OsliberaisdoImpérioexprimiamnasociedadedotempoos

interessesurbanosdaburguesiacomercial,oidealismodosbacharéis,o

reformismoprogressistadasclassessemcompromissosdiretoscoma

escravidãoeofeudo.

Osconservadores,pelocontrário,formavamopartidodaordem,o

núcleodaselitessatisfeitasereacionárias,afortalezadosgrupos

econômicosmaispoderososdaépoca,osdalavouraepecuária,

compreendendoplantadoresdecana-de-açúcar,cafeicultorese

criadoresdegado.

Noentanto,essalinhadivisóriaeimaginária,traçadapelo

historiadorpolítico,nemsemprerefleteacoerênciadasposiçõesque

assumiramasduasforçaspartidáriasdoImpério,poisemfacedopoder

quecobiçavam,abandeiradosprincípioseranãorarodepostapara

prevaleceremosinteressesáulicos,asconveniênciasdeocasião,as

abdicações,asacomodações.

Daí,napráticadoregime,serquasenenhumaadiferençaentre

umliberaleumconservador,comoquevínhamosatertambémno

Brasilimperial,conformelembraArinos,areproduçãodaquiloque

Jeffersoncontemplarajánosistemadospartidosamericanos,ao

assinalarque“todoopaíserarepublicano,masquetodoopaísera

Page 810: Ciência Política - Archive

igualmentedemocrático”.2

Descrentedasreformasedaspromessasdospartidos,quandoo

ostracismoosdistanciavadamunificênciareal,RuiBarbosaescreveu

que“osdoispartidosnormaisnoBrasilsereduzemaumsó:odo

poder”.3AocondenaroPartidoConservador,Ruiafirmouqueasfacções

doImpériosão“sindicatosdeespeculaçãoorganizadaquedestroema

moralpúblicaecorrompemasinstituições”.4

Acrescentouaindaoautorizadointérpretedasinstituições

imperiaisque“emúltimaanálise,oquetodosqueriameraopoderpara

oqualaescadaéabenevolênciadopaço”,5eque“opartidoliberal

exulta,porqueestánopoder;opartidoconservadorrevolta-seporqueo

privaramdogoverno”,6que“ambosseacomodamàcangaeàpeaça,

contantoqueselhesdêaervafrescadopoder”,7eque,emsuma,“a

naçãonãocrêemnenhumdosdoispartidos”.8

DaGuerradoParaguaiàProclamaçãodaRepública,os

problemaspolíticosesociaisdoImpérioseavolumamdetalmaneira

queosdoispartidostradicionaisentramemcrisesemmeiosdefazer

faceàgravidadedasituação.

Opartidodomovimento—eaquiaplicamosrigorosamentea

linguagempartidáriadeNawiasky—quedeveriatersidoogrêmio

liberal,cedecadavezmais,nocoraçãodoreformismo,olugaraos

Page 811: Ciência Política - Archive

radicais,queabraçaramoprogramarepublicanoelançaram,desde

1870,emARepúblicaoManifestoRepublicano.

Estavaabertaaestradaparaodesfechoincruentode15de

novembro:osdescontentamentosacumuladosnoshorizontesda

questãomilitar,osimprevistosdaquestãoreligiosa,ostranstornosda

questãoservil,assimcomoacrisedaidéiafederativa,dequeRui

Barbosasefizerapaladinoeexpoente,batalhando,comrarafidelidade

partidária,atéàsvésperasdocolapsoimperial;todosaquelesfatos,

enfim,fizeramirremediávelacrisedasinstituiçõeseporiamtermoà

existênciadosdoisgrandespartidosdoImpério:oConservadoreo

Republicano.

3.Mentalidadeantipartidáriaeestadualismodospartidosna

Repúblicavelha

ComoadventodaRepública,oprincípiodeorganização

partidárianoBrasil,longedemelhorarouaperfeiçoar-se,padeceu,ao

contrário,durorevés.HouverelativamenteaoImpérioconsiderável

retrocesso,porquantoduaspragasflagelaramlogodeinícioo

sentimentopolítico:amentalidadeantipartidária,tãoadmiravelmente

proclamadaporAfonsoArinos,eocaráterregionaldasorganizações

partidárias,quenãotranspunhamoapertadocírculodosinteresses

estaduaiseserviamtão-somentedeinstrumentopolíticoapoderosas

Page 812: Ciência Política - Archive

combinaçõesoligárquicas.

Oprópriofederalismoembaraçouaformaçãodesólidas

agremiaçõespartidárias.NaspreocupaçõesreformistasqueaRepública

trouxeparaopaísfigurava,emprimeirolugartalvez,deacordocomas

aspiraçõesconstitucionaisde1891—pelomenoscomoRuias

formulara—aconsolidaçãodaordemfederativa,aqualtinha

precisamenteporobstáculoasantecedênciasdatradiçãounitáriado

Império.

Todososempenhosconvergiamparacriarnasantigasprovíncias

o

sentimento

da

máxima

descentralização

possível.

O

país,

complacente,parecia,deolhosvendados,estimularosurtooligárquico

estadual.Emseusnovosmoldesrepublicanos,opartidopolíticoera

primeirooagentedoantipartidismonacional,asaber,aferramenta

daquelasoligarquiasqueempolgaramopoderegovernaramopaís

Page 813: Ciência Política - Archive

durantequasemeioséculodaRepúblicavelha.

Massemprenofundodosgrandesrecuospolíticosqueahistória

aparentementeregistra—eoantipartidismodaRepúblicafoium

dessesrecuos—atuamjáasforçasquehãodedevolverahistóriaao

porvir,efazerqueasidéiaseasinstituiçõesretomemoseucurso,

refluamaoleitodacorrentezahistórica,reabramoscaminhos

interrompidos,reconciliem,nocasobrasileiro,opartidocomasua

tendênciairreprimívelenecessária,queéadamarchaparaa

amplitudedemocráticadopoder,aparticipaçãopopularcadavezmais

ampla,oalargamentoindispensáveldocírculodeaçãopartidária,que

nãopoderiajamaisconfinar-se,senãotransitoriamente,aoâmbito

provincial.

Aquelasforças,porconseguinte,queinstintivamenteacolheramo

germedofuturopartidodequadrosnacionaissereconhecemcativas

aosvastosmovimentosdeopiniãoquetrouxeram,desordenada,mas

precursoramente,aintervençãodeponderáveismassaspolíticasno

processoeleitoral,prenunciandojáofimdaquelelongociclo

republicano

antipartidário

ou

apartidário,

Page 814: Ciência Política - Archive

que

compusera

a

mentalidadepolíticanacionalaté1930,explicávelpelasrazõesjá

expostas.

ACampanhaCivilista(RuiversusHermes),aReaçãoRepublicana

(NiloPeçanhaversusBernardes)eaAliançaLiberal(VargasversusJúlio

Prestes)dãotestemunhodequeademocraciademassas,queseria

depoisemsuainstitucionalizaçãopolíticaademocraciadepartidos,fiel

assimàstransformaçõesdoséculo,tinhatodaviaocultaemsuasmãos

odestinodasinstituições,quehaveriamaistardedemoldarcoma

forçaeintensidadedopensamentonovo.

Comefeito,doImpérioaosnossosdias,opartidopolíticosegue

umatrajetóriadetransformaçãoquantitativaequalitativa:doantigo

partidoaristocráticodoImpériosechegaaopartidopopularou

democráticodaRepúblicadehoje.

Antesqueseoperassenafasemaisrecentedenossahistória

republicanaessamudança,houveporémolongointerregnoda

pulverizaçãopartidárianostermosjáreferidosdospartidosdeâmbito

estadual,fasequecorrespondeaoextensoperíododepaciente

implantaçãodasinstituiçõesrepublicanas.

Page 815: Ciência Política - Archive

4.AreformaeleitoraleopartidopolíticodepoisdaRevoluçãode

1930

DepoisdaRevoluçãode1930,principiaoBrasilavariarem

matériadepartidos.Aprimeiramanifestaçãoconcretadaobra

reformistadessemovimentoseoferece,noâmbitopolítico,comoCódigo

EleitoralqueoGovernoProvisórioexpediua24defevereirode1932.

Deuessaleiimportantepassonosentidodeprepararascondições

básicasindispensáveisàautenticidadedemocráticadopartidopolítico.

Assimfoiqueinstituiuarepresentaçãoproporcional,ovotosecretoea

JustiçaEleitoral.

Deixouporémdedaropassodecisivo,queseriaacriaçãodo

partidopolíticonacional.Estesomentesurgegraçasaoreformismoda

segundaditadura,comoEstadoNovo(1937-1945),noanodoseu

colapso.ForaomissaaConstituiçãode1934tocanteaesseaspectoda

organizaçãopartidária,demodoqueaseleiçõesimplícitasnosistema

seriamdisputadasaindaporpartidosestaduaisenãoporagremiações

nacionais.

OvelhoquadrodoregionalismopartidáriodaPrimeiraRepública

(1891-1930)sobreviviajuridicamente,emfacedaConstituiçãode1934,

nãoobstantealetraconstitucionaladotaraproporcionalidadeda

representaçãoeosufrágiouniversal,igualedireto(Art.23),bemcomo

Page 816: Ciência Política - Archive

manteraconquistadoCódigode1932,cifradanoestabelecimentoda

JustiçaEleitoral.

Contribuíramessasgarantiasatornardefinitivoofimdasantigas

influênciasoligárquicasnosquadrospolíticosregionais,influênciasque

aRevoluçãovieraprecisamentebanir.

Oestadualismopartidárioremanescentetinhaporémosseusdias

contadosefindariaemtermosdesagraçãojurídico-eleitoralepresença

navidapolíticadopaíscomamortedaprópriaConstituiçãode1934.

SeessaConstituiçãofezlargosprogressoscomvistasao

aperfeiçoamentodosistemademocrático,incorporandoaotextoas

inovaçõesdoCódigoEleitoralde1932,suaposiçãoempresençado

partidopolíticoéaindadeinegávelreservaetimidez.

Umaúnicavez,emseuartigo170,n.9,empregaaConstituiçãoo

termopartidopolítico,parafazê-loaliásnumsentidomeramente

negativo,quandovedacompenalidadeaofuncionáriosevalerdesua

autoridade“emfavordepartidopolíticoouexercerpressãopartidária

sobreosseussubordinados”.

Nomais,areferênciaaospartidos,queaindaconsta,éadoartigo

26,noqualasorganizaçõespartidáriassãodesignadascomonomede

“correntesdeopinião”.Mandaaliotextoconstitucionalqueselhes

assegurenoRegimentoInternodaCâmara,“tantoquantopossível,em

Page 817: Ciência Política - Archive

todasasComissões,arepresentaçãoproporcional”.

Aalusãoaopartidopolítico,partidoaindaentãodecaracterísticas

estaduais,representava,apesardedefeituosa,umacertaadmissão

indiretadanecessidadequeaconsciênciapolíticadopaíssentiaem

trazê-lomaiscedooumaistardeparaaórbitaconstitucional.

Poresselado,aefêmeraConstituiçãode1934foiumprogresso.

Masninguémcontestaráque,aoinstituirarepresentaçãoprofissional,

ladoaladocomarepresentaçãopolíticanolegislativo,odocumentode

1934,emseuartigo23,deuumpassoatrás,comaquelamedida

híbrida,asaber,recuoudosentidodedemocratização,quevemfazendo

dopartidopolítico,duranteoséculoXX,oinstrumentoporexcelência

doEstadosocialnademocraciademassas.

5.OretrocessodoEstadoNovo:extinçãodospartidos

políticosemalogrodopartidoúnico

DaConstituiçãode1934àConstituiçãode1946,comoadvento

doEstadoNovoeaimplantaçãodesuaditadura,em1937,ocorreum

hiatodetodaavidapartidáriaemnossopaís.

Apluralidadepartidáriaseextingue.Pairasobreospartidoso

silênciodaCartafascista.Nemsequeropartidoúnicovinga,partido

queemtodaaparteéosustentáculodasditaduras,obraçopolíticoda

opressãoorganizada.Houvecomefeitotentativamalogradadecriá-lo,

Page 818: Ciência Política - Archive

aoanunciar-seafundaçãodeummovimentodebasesoficiais,como

nomedeLegiãoCívicaBrasileira(DiscursodeAmaralPeixoto,a27de

maiode1938,proferidocomaautoridadedegenrodoSr.Getúlio

VargaseInterventorFederaldaditadura,noEstadodoRio).Não

chegouessemovimentoafloresceremvirtudedaresistênciaoposta

peloExército.

Eraele,todavia,aréplicaqueoditadorprocuravadaràdeserção

doapoiointegralista,umavezqueomovimentodoscamisasverdes

(AçãoIntegralistaBrasileira)apelaraparaarebeliãoarmada,apósver

frustradososseuspropósitospolíticos,frustraçãopatenteadacomos

efeitosdoDecreto-Lein.37,de2dedezembrode1937,quedissolvera

ospartidosexistentesnopaíseinterditaradaípordiantetodaação

políticaorganizadaembasespartidárias.

ComaderrotadaItáliafascistaedaAlemanhanazista,oEstado

Novo,jáagonizante,deu,sobintensapressãodaclassemédia,uma

guinadaparaademocracia,preparandoedecretandoa28demaiode

1945aLeinúmero7.586donovoCódigoEleitoral.

Trouxealegislaçãodofimdaquadraditatorialimportantes

novidadesparaoprocessoeleitoralnopaís:instituiu,pelavezprimeira

emnossahistória,opartidodeâmbitonacional,fezobrigatóriaa

candidaturapartidária,adotouarepresentaçãoproporcionaledefiniu,

Page 819: Ciência Política - Archive

paraefeitoderegistro,opartidopolíticodecaráternacional.

Veioaseguiraredemocratizaçãodopaísecomestaa

Constituiçãode1946,queconservounaessênciaasconquistasde

nossosegundoCódigoEleitoral,baixadoaindapeladitadura.

6.AinstitucionalizaçãojurídicadospartidospolíticosnoBrasil

(oavançodaConstituiçãode1946)eacrisedoPartidonacional

AConstituiçãode1946sepôsrealmentenalinhado

constitucionalismocontemporâneoaoreconheceraexistênciados

partidospolíticos,detalmaneiraquejánãodeixalugaradúvidas.

Empregaaesserespeitolinguagembastanteprecisa,seacotejarmos

comotextolacunosoedefeituosodaConstituiçãode1934.

Sãoquatroasreferênciasaospartidos,constantesda

Constituição,comasemendasquelheforamfeitas.

Aprimeiraéadoartigo40eseuparágrafoúnico,quedispõe

sobrearepresentaçãoproporcionaldospartidosnacionais,na

constituiçãodasComissões.

Reaparecedepoisopartidopolíticocitadonoparágrafoúnicodo

artigo48,quandoselhereconhececonstitucionalmenteafaculdadede

oferecerrepresentaçãodocumentadaparaefeitodeperdadomandato

dedeputadoousenador,porinfraçãodequalquerdospontos

enunciadosnomencionadoartigo.

Page 820: Ciência Política - Archive

Noartigo119,n.I,aConstituiçãoconfereàJustiçaEleitoral,

entreoutrasatribuições,adoregistroecassaçãodospartidospolíticos.

Enfim,no§13,doartigo141,declaraque“évedadaa

organização,oregistroouofuncionamentodequalquerpartidopolítico

ouassociação,cujoprogramaouaçãocontrarieoregimedemocrático,

baseadonapluralidadedospartidosenagarantiadosdireitos

fundamentaisdohomem”.

Poder-se-iaescreverbastanteacercadacrisequeaopresente

atravessamospartidospolíticosnoBrasil.Temaexperiênciadopartido

nacionalapenascercadetrintaanos.Hásidonassuaslinhasgerais

umpartidodepatronagem,salvoaexceçãorepresentadapelacorrente

ideológicadeextrema-direita—oextintoPartidodeRepresentação

Popular,constituídoporremanescentesdointegralismo,primeiro

movimentopartidárioqueseorganizouembasesnacionais,epelo

PartidoComunista,postonailegalidadepoucodepoisdoadventoda

Constituiçãoeemvirtudeprecisamentedojámencionado§13,do

artigo141dotextoconstitucional.

Agremiaçõesmenores,deesquerda,aindahápoucoatuantes,

comooPartidoSocialistaBrasileiro,conservavamumcaráterideológico

definido,mastantoquantooPartidodeRepresentaçãoPopularnão

logravamparticiparnavidapolíticacomaforçaeoprestígioeleitoral

Page 821: Ciência Política - Archive

dostrêsgrandespartidos:oPartidoSocialDemocrático,oPartido

TrabalhistaBrasileiroeaUniãoDemocráticaNacional.

Essestrêsúltimosgrêmiosrepartiamentresi,deformaoscilante,

ainfluênciapolíticanoPaís,constituindooraogoverno,oraaoposição.

Arepresentaçãoproporcionaleosistemapresidencialfiguravamentre

asprincipaisdeterminantesformaisdacrisedopartidopolítico

brasileiro,debilitadoademaispelacorrupçãoepelainfluênciaestranha

doschamadosgruposdepressão.

NenhumestudoacercadopartidopolíticonoBrasilestariaporém

completo,seomitisseaimportânciaquedesempenhamasForças

Armadas,comofatordedecisãopolítica,mormentenasocasiõesde

crisemaisagudadasinstituições.

ÉoExércitopartedaquelaConstituiçãovivaaquesereferemos

publicistas.Entranoquadropolítico-constitucionalcomouma

realidadesociológica.Háquemafirmequeéopartidomaisfortetoda

vezqueademagogiaeacorrupçãodesagregamasestruturas

partidáriastradicionais.

QuandooGeneralCostaeSilva,entãoMinistrodaGuerra,em

oraçãoproferidanotranscursodoprimeiroaniversáriodomovimento

militarde31demarçode1964,aludiuaoExércitocomo“oPartido

fortequeoGovernocontaparaquejamaisvoltemafrutificarnosolo

Page 822: Ciência Política - Archive

pátrioasubversãoeacorrupção”,10nãoestavaemitindoconceitonovo.

Éconhecidadesdeaépocaimperialessamodalidadede

participação,conformeelucidaAfonsoArinosdeMeloFrancono

seguintelugardesuaobraclássicasobreospartidospolíticos:

“Finalmente,ecomofatordecisivo,oExércitofoisetornando,nofimdo

Império,umaespéciedepartidopolíticosuigeneris,partidoque

funcionavaforadojogoconstitucional,masquenemporissodispunha

demenorprestígio”.11

Emsuma,seopartidopolíticobrasileirochegouatomar

constitucionalmenteaformadepartidonacional,oqueseobservaà

margemdarealidadejurídicaéqueosseusinteressesmaisfortesnão

tomaramaindadimensãonacional,continuandoagravitarde

preferêncianaórbitaestadual.Masaconsciênciapartidária,emtermos

deinteressegeraldopaís,ultrapassandoaprevalênciados

regionalismospolíticos,éalgoquesóotempoeapráticaleale

desembaraçadadosistemademocráticopoderásatisfatoriamente

implantar.

Astaras,vícioseimperfeiçõesdenossaorigemcolonial,um

complexoderetardamentospolíticosesociais,marcamfundoafacedas

instituiçõesbrasileiras.

País

Page 823: Ciência Política - Archive

singularmente

desenvolvido,

subdesenvolvido

e

semidesenvolvidoaomesmotempo,oBrasilreúneassimtodasas

idadeseconômicas,queexercemsobreoprocessopolítico,mormente

sobreaestruturaeocomportamentodospartidos,influênciadeveras

perturbadora,explicativa,emlargaparte,dapenosaeturbulentacrise

porquepassamconstantementeasnossasagremiaçõespartidárias.

7.Requisitosparaaformaçãodospartidoseevoluçãodosistema

partidárionasconstituiçõesbrasileiras

Remontaaintervençãojurídicanodomíniopolítico-partidárioem

nossoPaísaoCódigoEleitoralde1932(Decreton.21.075),quefeza

primeiramençãolegislativaaopartidopolíticonoBrasil.

Consideravam-separtidospolíticospeloCódigode1932:

a)osqueadquirissempersonalidadejurídica,medianteinscrição,

noregistroaquesereferiaoartigo18doCódigoCivil;

b)osquenãotendologradopersonalidadejurídicase

apresentassemparaigualfinalidade,emcaráterprovisório,comum

mínimode500eleitores;

c)asassociaçõesdeclasselegitimamenteconstituídas.

Page 824: Ciência Política - Archive

VeiodepoisaConstituiçãode1934,queignorouaindaospartidos

políticos,salvonoartigo170,inciso9º,ondeimpunhaperdadecargo

aofuncionáriopúblicoqueexercessepressãopartidáriasobreseus

subordinadosoufavorecessepartidocominfluênciadeautoridade.

DeuopassoseguintenalegislaçãopartidáriaaLein.48,de4de

maiode1935,quemodificouoCódigoEleitoral,assimdispondoacerca

dospartidos:

a)considerar-se-iampartidospolíticososquetivessemadquirido

personalidadejurídicanostermosdalei;b)admitir-se-iamcomo

partidosProvisórios,paraafasedaeleiçãorespectiva,gruposmínimos

de200eleitoresque,emcadaeleição,registrassemcandidatos.

FezdesceraConstituiçãode1937sobreospartidospolíticos

espessacortinadesilêncio.Noentanto,coubeàditaduradoEstado

Novo,aoanodesuadesintegração,caracterizarnovamente,dopontode

vistajurídico,ospartidospolíticos,considerandocomotaistoda

associaçãodepelomenosdezmileleitores,decincooumais

circunscriçõeseleitorais,quetivessemadquiridopersonalidadejurídica

nostermosdoCódigoCivil(art.109doDecreto-lein.7.586,de28de

maiode1945).

Operadaaredemocratização,tornoualegislaçãoordináriaa

ocupar-sedoassunto,definindodestafeitaopartidopolíticocomo“toda

Page 825: Ciência Política - Archive

associaçãode,pelomenos,50.000eleitores,distribuídosporcincoou

maiscircunscriçõeseleitoraiseanenhumapodendopertencermenos

demil,equetiveradquiridopersonalidadejurídicanostermosdo

CódigoCivil”(art.21doDecreto-lein.9.528,de14demaiode1946).

Foramestabelecidaspelolegislador,noartigo132e§1ªdo

CódigoEleitoralde24dejunhode1952,asmesmasexigênciasacima

expostas.

Alegislaçãosubseqüenteaomovimentomilitarde1964,inspirada

emseuspostulados,inclinou-se,emprimeirolugar,porumatendência

deabertaracionalizaçãodopluralismopartidárionoBrasil.Aessa

inferênciachega-sefacilmentepelaleituradaLeiOrgânicadosPartidos

Políticos(Lein.4.740,de15dejulhode1965),cujoartigo7ºdispõe:

“Opartidopolíticoconstituir-se-á,originariamente,depelomenos

3%(trêsporcento)doeleitoradoquevotounaúltimaeleiçãogeralpara

aCâmaradosDeputados,distribuídosem11(onze)oumaisEstados,

comomínimode2%(doisporcento),emcadaum”.

Antes,porém,quealeiemquestãoproduzissenavidapartidária

brasileiraosseusefeitospolíticos,baixou-seoAtoInstitucionaln.2,de

27deoutubrode1965,cujoartigo18extinguiaos“atuaispartidos

políticos”,cancelando-lhesosrespectivosregistros.

ComoAtoComplementarn.4,de20denovembrode1965,

Page 826: Ciência Política - Archive

instituiualeibrasileiraasorganizaçõessucedâneasdosantigos

partidospolíticos.Dispunhaoartigo1°.daqueleAto:

“AosmembrosefetivosdoCongressoNacional,emnúmeronão

inferiora120deputadose20senadores,caberáainiciativade

promoveracriação,dentrodoprazode45DIAS,deorganizaçõesque

terão,nostermosdopresenteato,atribuiçõesdepartidospolíticos,

enquantoestesnãoseconstituírem”.

Enfim,estabeleceuaConstituiçãode1967,noincisoVIIdoartigo

149,a“exigênciadedezporcentodoeleitoradoquehajavotadona

últimaeleiçãogeralparaaCâmaradosDeputadosdistribuídosemdois

terçosdosEstados,comomínimodeseteporcentoemcadaumdeles,

bemcomodezporcentodedeputados,em,pelomenos,umterçodos

Estados,edezporcentodesenadores”.

Atécnicaconstitucionaldospercentuaiseleitoraismínimosfora

evidentementeconcebidacomopropósitodecriardemodoartificialum

sistemabipartidáriorígido.

AEmendaConstitucionaln.1,de1969,veioporématenuar

bastanteorigordaquelespercentuais,comaberturaaumaflexibilidade

maiordosistemapartidárioque,semvolveraopluralismocom

multiplicidade,poderiarazoavelmenteensejaraformaçãodeum

terceiropartido.Acriaçãodesteresultariaemdesafogopolíticoparaa

Page 827: Ciência Política - Archive

crisedeconfiançanoantigosistemapartidário,emqueaARENAera

tidacomoopartidodaRevoluçãoeoMDBcomoopartidosuspeitode

abrigarsentimentosretaliativosdeinspiraçãocontra-revolucionária.

Aquelasexigênciasparaorganizaçãoefuncionamentodeum

partidopolíticoficaramreduzidascomaEmendade1969a5%do

eleitoradoquehouvessevotadonaúltimaeleiçãogeralparaaCâmara

dosDeputados,distribuídospelomenosemseteEstados,comum

mínimode7%emcadaumdeles.

8.OnovoEstadopartidáriodoconstitucionalismobrasileiro

Nodireitoconstitucionalmodernoalegislaçãobrasileira,tocante

aospartidospolíticos,ocupaposiçãomanifestantementeprecursora.

A“constitucionalização”dopartidopolítico,semasvacilaçõesque

sepoderiamaindaassinalarnasConstituiçõesantecedentes(em1934,

umaúnicareferênciaaopartidopolítico,constantedoinciso9ºdo

artigo169;em1946,cincoalusõesesparsas),sefazagoradefinitiva,

incontestável:Tomaperfildesistematizaçãoquecolocajuridicamente

nossoPaísentreosEstadosquemaiscedoprogrediramno

reconhecimentodessarealidade,daqualsomenteumatodecegueira

jurídicapoderiatransviarolegisladorconstituinte.

Oséculodademocraciasocialimpôsaoconstitucionalismode

nossaépocaaevidênciadofenômenopartidário,quejánãopoderáser

Page 828: Ciência Política - Archive

tratadocomindiferençapelostextos,mashádedominá-los,se

efetivamentequisermosdesceraofundodaquestãopolítica,paramedi-

laemtermosessencialmentejurídicos,segundoasidéiaseinteresses

queasagremiaçõespartidáriasconduzemeexprimem,comoórgãospor

excelênciaquesãodavontadesocial.Comaconstitucionalizaçãodos

partidospolíticoslevadaacabopelasCartasde1967e1988,certos

traçoseprincípiosfundamentaispassaramarefletiraideologiade

nossosistemapartidárioeaomesmopassoestamparadimensão

jurídicadesuaestruturação,rigorosamentedeacordocomospreceitos

constitucionaisestabelecidos.Comisso,atestou-seoelevadograude

interessedolegisladorconstituinteporumtemaqueodireito

constitucional,durantelargoespaçodetempo,fingiudetodoignorar.

Adiretrizatualizadoradoregimepartidáriojáforaparcialmente

expressapelaantigaLeiOrgânicadosPartidosPolíticos(Lein.4.740,de

15dejulhode1965),sobinspiraçãodoSenadorMiltonCampos.

8.1Oregimerepresentativoedemocrático

Jásedisse,comassazderazão,queoregimepartidárioéamais

formosacriaçãopolíticadonossoséculo,aúnicatalvezoriginalna

ciênciapolíticadesdeAristóteles.

Semopartidopolítico,nemasditadurasnemospoderes

democráticosdesociedadealgumadonossotempolograriamsubsistir,

Page 829: Ciência Política - Archive

anãosertransitoriamente.

Aimportânciacapitaldaorganizaçãopartidáriafazcomquetanto

asditadurascomoasdemocraciascuidemdeinstitucionalizaropartido

político,porinstrumentomesmooupressupostodarealizaçãodosfins

dequeoEstadocontemporaneamenteseinveste.

Determinouessaascensãodoelementopartidárionavidadas

instituiçõesmudançassubstanciaisdeatitudeeprocedimentodas

forçaspolíticas,quetêmnopartidoocaminhonaturalparagalgare

conservaropoder.Desemelhanteascensãoresultaram,igualmente,

variaçõesconsideráveis,tantonocarátercomonaformadas

instituiçõesmedianteasquaisaditaduraouoregimedemocráticose

traduzem.

AntesqueviesseofenômenopartidárioasemanifestarnoEstado

modernocomaagudezacorrenteaautocraciaeraapenasopoderde

umhomemsóeademocracia,opoderdehomens“individualizados”.

Hojepertenceaditaduraaindaaumchefe,masesteexprime

invariavelmenteavontadedogrupodominanteemonopolizador,ao

passoqueademocracia,deixandodeserarepresentaçãodeindivíduos,

setransformou,pelopluralismosocial,emgovernodegrupos,comuma

açãotradutoradetendênciascoletivas,afazeremdecadaparlamento

aqueleestuáriooupraçadeinteresses,cujaexistênciaRuiBarbosa

Page 830: Ciência Política - Archive

tantorecriminavaaoproclamarsuaíndoledepolíticointrinsecamente

liberal.

OconstitucionalismocontemporâneoemalgunsEstados

subdesenvolvidossearmadeinstrumentosnovos,tendentesa

preservarocaminhodemocráticoeconservarintactasasbasesdo

regime.

Poressaviareconhecidamentedifícil,transitamtambémastrês

Constituiçõesbrasileirasdepós-guerra,conformeveremos.

AntesdaLeiFundamentaldeBonn,em1949,jáoconstituinte

brasileiroinscreveranaConstituiçãode1946oprincípio,orarenovado,

queveda“aorganização,oregistroouofuncionamentodequalquer

partidopolíticoouassociação,cujoprogramaouaçãocontrarieo

regimedemocrático,baseadonapluralidadedospartidosenagarantia

dosdireitosfundamentaisdohomem”(art.141,§13daConstituiçãode

1946).

Essaregra,tendoservidodebaseaocancelamentodoregistrodo

PartidoComunistaBrasileiro,em1948,nãofoicriaçãooriginaldopoder

constituintedaredemocratização.

ForamosautoresdaConstituiçãode1946buscá-lodecertona

legislaçãoordináriavigente,aqual,jánaquelemesmoano,dispunha

sobrereferidamatéria.

Page 831: Ciência Política - Archive

Haviaaesserespeitodoisdecretos-leis:

a)oDecreto-lein.9.528,de14demaiode1946,quedeterminava

fossecanceladooregistrodopartidopolítico,umavezcomprovadoque,

contrariandoseuprograma,“praticavaatosoudesenvolviaatividades

quecolidissemcomosprincípiosdemocráticosouosdireitos

fundamentaisdohomem,definidosnaConstituição”;b)oDecreto-lein.

7.586,de28demaiode1945,cujoartigo114dispunhaqueseria

negadoregistroaopartidocujoprogramacontrariasseosprincípios

democráticos,ouosdireitosfundamentaisdohomem,definidosna

Constituição.

DaConstituiçãode1946,passouoprincípioaconstartambémdo

CódigoEleitoralde1950(Lein.1.164,de24dejulho),artigo132,§3ª.

Aseguir,reproduziuaLeiOrgânicadosPartidosPolíticos(Lein.

4.740,de15dejulhode1965),noseuartigo5º,odispositivo

constitucionalde1946,aomesmotempoqueprecisoucommaisênfase

ocarátereamissãodemocráticadasorganizaçõespartidárias.

Aoconsolidarosprincípiosdavidapartidária,definiualegislação

revolucionárianaLeiOrgânicaafinalidadedospartidospolíticoscomo

sendoade“assegurar,nointeressedoregimedemocráticoa

autenticidadedosistemarepresentativo”(artigo2°daLein.4.740).

Elogoadianteestabeleceunoartigo18que“oprogramados

Page 832: Ciência Política - Archive

partidosdeveráexpressarocompromissodedefesaeaperfeiçoamento

doregimedemocráticodefinidonaConstituição”.

Veio,subseqüentemente,aConstituiçãode1967dispondoquese

guardassefidelidadeemmatériapartidáriaao“regimerepresentativoe

democrático,baseadonapluralidadedepartidosenagarantiados

direitosfundamentaisdohomem”.

Apresentava-se

o

texto

novo

tecnicamente

superior

ao

antecedente,menospassívelportantodeimpugnação.

Pecavaoart.141,§13,daConstituiçãode1946,pela

ambigüidadeoupeloexclusivismo,chegandoaumaopçãodoutrinária

emproveitodaacepçãolataerigorosaderegimedemocrático.

Essaimprecisãoseatenua,semrenegar-seaquelaopção,quando

oconstituintede1967aludeao“regimerepresentativoedemocrático”.

Melhorforasehouvesseescritoregimedemocráticoouregime

democrático-representativo.

Page 833: Ciência Política - Archive

Ademocraciarepresentativaéapenasumamodalidadederegime

democrático.Representaçãoedemocracia,conceitosdistintos,andam

porvezesdesacompanhados.Hajavistaademocraciagrega.Tampouco

defineapluralidadepartidáriaoregimedemocrático,masumaformade

regimedemocrático.Éelementocontingenteehistórico.Ademocracia

diretadosantigosnãoconheceupartidos,muitomenosapluralidade.

Quediriamcontemporaneamentedessapretensiosaegenéricaacepção

osteóricosmarxistasouospensadorespolíticosdaÁfricatribal,

vocacionalmentemonopartidária?

8.2Apersonalidadejurídica

Pelaprimeiravezemnossalegislaçãofaz-sematériadedireito

constitucionalapersonalidadejurídicadospartidos.Entrouoprincípio

noincisoIIdoartigo149,daConstituiçãode1967,eno§2°,doart.17,

daConstituiçãovigente.Segundoesta,ospartidospolíticosadquirem

personalidadejurídicanaformadaleicivileregistramseusestatutos

noTribunalSuperiorEleitoral.

Estavajáinscritonalegislaçãoordináriaoprincípioda

personalidadejurídica,desdeoCódigoEleitoralde24defevereirode

1932.Dispunhaessaleiqueaaquisiçãodapersonalidadejurídicase

faziamedianteinscriçãonoregistroaquesereportavaoart.18do

CódigoCivil.

Page 834: Ciência Política - Archive

ALein.48,de4demaiode1935(ModificaçõesdoCódigo

Eleitoral),postoquemenosexplícita,nãoalteroutaldisposição,pois

consideravapartidospolíticososquetivessemadquiridopersonalidade

jurídicanostermosdalei.

Avinculaçãodapersonalidadejurídicacomoregistropelo

TribunalEleitoral,começasomentedesdeoCódigoEleitoralde24de

julhode1950,cujoartigo132definiaospartidospolíticoscomo

pessoasjurídicasdedireitointerno,dispondoaseguir,noparágrafo2º,

queelesadquiriamapersonalidadejurídicacomoseuregistropelo

TribunalSuperiorEleitoral.

Nomesmosentido,atuoualegislaçãorevolucionária.Comefeito,

dispõeaLeiOrgânicadosPartidosPolíticosqueadquireopartido

personalidadejurídicacomseuregistropeloTribunalSuperiorEleitoral

(art.3°)equesãopessoasjurídicasdedireitopúblicointernoos

partidospolíticos(art.2°).

8.3Aatuaçãopermanente

Representaaatuaçãopermanentedospartidos,erigidaem

princípioconstitucional,umadasmelhoresconquistasdonossodireito

constitucional,nessamatéria,vistoquecapacitaasorganizações

partidáriasadesempenharemfunçãodamaisaltaresponsabilidade

política,cívicaeeducacionalnoquadrodasociedadesubdesenvolvida,

Page 835: Ciência Política - Archive

estabelecendoentreopovoeogovernoumelodeconfiança,bemcomo

deassíduodebatedasgrandestesesnacionais.

Aausênciadefixaçãodesseobjetivoemtermosdeleifazia

antecedentementedospartidosagrupaçõesdeaçãopassageira,somente

sentidaàsvésperasdospleitoseleitorais.Findosestes,desfaleciatodaa

atividadepartidária,demodoquetantoopovocomoosrepresentantes

caminhavamindiferentesàexistênciadospartidos.

Internamente“despolitizados”,ospartidosbrasileiros,salvoas

exceçõesideológicas,eramsimplesmáquinasdeindicarcandidatos,

recrutareleitores,captarvotos,justificandoassimemparteodesprezo

dolíderextremistaqueaelessereferiucomo“meradançaoufestivalde

letras”.

Comefeito,raramentedesciamaofundodostemasmedianteos

quaissedefinemdramaticamente—nahoraqueflui—osrumose

destinosdasociedadebrasileira.

Reage-sepoiscontraooportunismoeleitoraldospartidos.Atéao

presente,cessadaacampanhadecaptaçãodevotos,costumavameles

cairnoesquecimentoeanonimato,perdendodetodoocontatocoma

massadeeleitores.Nenhumamissão,nenhumtrabalhoorientadordo

eleitoradochegavamapromover.Enoentantosabe-secomoopartido

podeedevesernoEstadocontemporâneoumórgãoútilevaliosode

Page 836: Ciência Política - Archive

aperfeiçoamentodasinstituições,comopodeedevepropagarnopovoos

maisaltosprincípiosdaideologiademocrática.

EmpaísessubdesenvolvidosqualoBrasil,aindanãoseatentou

demodosuficienteparaopotencialdeajudaespiritualematerialque

osgrêmiospolíticosrepresentam,seforpautadasuaaçãoemproveito

dacoletividade,demaneiraconstanteesistemática.

Aassistênciapartidáriadesafogariatalvezgrandementefunções

aindacometidasaopaternalismoestatal,demaneiraqueessas

gigantescas“cooperativas”constituiriamumaexcelenteeenérgicalinha

auxiliardoEstadodemocrático,emseureforçoderomperasalgemas

dosubdesenvolvimento.

Demoslargopassonessadireçãocomoincisoconstitucionaln.III

doartigo149,daCartade1967queestabeleceuoseguinteprincípio:

“atuaçãopermanente,dentrodoprogramaaprovadopeloTribunal

SuperiorEleitoral,esemvinculaçãodequalquernatureza,comaação

degoverno,entidadesoupartidosestrangeiros”.

NãoconstavaessedispositivodoProjetoOficialnemdoProjetoda

ComissãodeJuristas.Masalegislaçãoordinária,desdeaLeiOrgânica

dosPartidos(art.75)jáoconsagrava,quandoatribuíaaospartidos

funçãopermanente,assegurada:

a)pelacontinuidadedosserviçosdesecretaria;b)pelarealização

Page 837: Ciência Política - Archive

deconferências;c)pelapromoçãodecongressosousessõespúblicas,ao

menosduasvezesporano,paradifusãodeseuprograma;d)pela

manutençãodecursodedifusãodoutrinária,educaçãocívicae

alfabetização;e)Pelamanutençãodeuminstitutodeinstruçãopolítica,

paraformaçãoerenovaçãodequadroselíderespolíticos;f)pela

manutençãodebibliotecasdeobraspolíticas,sociaiseeconômicas;g)

pelaediçãodeboletinseoutraspublicações.

Ocumprimentodessasregrashádecontribuirparamodificaro

presenteestadodeentorpecimentodavidapartidária,dinamizandoa

clientelapolíticaeimplantandodemaneiracontínuaacomunicaçãoora

pálidaequaseinexistenteentreasbaseseacúpula.

Deixarádeseropartido,pois,aquele“transporte”queo

aventureiropolíticoembuscadelegendasehabituaraatomar,para

poderdesceràportadasassembléiaslegislativas,emcujorecinto

logravaingresso.

8.4Afiscalizaçãofinanceira*

*ALein.8.713,de30.9.93,que“estabelecenormasparaaseleiçõesde3.10.1994”,

dispôsarespeito“daarrecadaçãoedaaplicaçãoderecursosnascampanhas

eleitorais”,permitindo(art.38)asdoaçõesecontribuições“emdinheiroouestimáveis

emdinheiro,paracampanhaseleitorais”,porpessoasfísicasoujurídicas,comos

Page 838: Ciência Política - Archive

limitesconstantesdosparágrafosdoart.38edasexceçõesdoart.45.

Graçasàfiscalizaçãofinanceira,exerceoEstadoumpoderde

controlesobreospartidos,evitandodesgarremelesparaacorrupçãoe

seconvertamemcentrosoufocosdeperversãodavontadepopular,

comvisíveisdanosmoraisemateriaisàsociedadeeaoregime

democrático.

Éapurezadosistemapartidáriosemdúvidaaprimeiracondição

defuncionamentonormaldessascorrentesqueconduzemaopiniãoe

concorrematransformaremleinascasaslegislativasavontadedos

cidadãos.

Dada,

pois,

a

importância

de

que

se

revestem

contemporaneamenteospartidos,semosquaisjásenãoidentifica

nenhumsistemademocráticodeinspiraçãoocidentalurgeestabelecer

mecanismoslegaisdecontrolesobresuasfinanças,tocanteàorigemde

Page 839: Ciência Política - Archive

recursoserespectivacontabilidade.

Apreocupaçãodepôrcobroaoabusodopodereconômiconavida

dospartidoscresceuconsideravelmentenoperíodoinicialda

reconstitucionalizaçãodoPaís,apósaditaduradoEstadoNovo,

determinandoassimasprimeirasmedidaslegislativasdesaneamento

daatividadepartidária.

AntesjádaConstituiçãode1946,olegisladorordinário,tendoem

vistapreservaraíndolepátriadospartidospolíticosemantê-los

afastadosdetodocompromissoouligaçãocomforçasestranhasao

país,cominavasançõesaopartidopolítico(cancelamentodoregistro)

“quandoseprovassequerecebiadeprocedênciaestrangeiraorientação

político-partidária,contribuiçãoemdinheiroouqualqueroutroauxílio”

(art.26doDecreto-lein.8.566,de7dejaneirode1946).AConstituição

de5deoutubrode1988manteveexpressamenteessaproibiçãoaos

partidospolíticosdereceberemrecursosfinanceirosdeentidadeou

governosestrangeiros,nãoadmitindolaçosdesubordinaçãoaestes

(art.17,II).

OCódigoEleitoralde1950,baixadoapósaexperiênciadeum

qüinqüênioaproximadamentederedemocratizaçãoeressurgimentoda

vidapartidária,destafeitaemâmbitonacional,regulouamplamente

nosartigos143e146acontabilidadeeasfinançasdospartidos

Page 840: Ciência Política - Archive

políticos.

DispunhaoCódigo,numaprescriçãodealtoespíritomoralizador,

reproduzidotambémnalegislaçãosubseqüente(parágrafo1°doartigo

54,daLeiOrgânica)queospartidosdeveriammanterrigorosa

escrituraçãodesuasreceitasedespesas,indicando-lhesaorigeme

aplicação(art.148,parágrafo1°,doCódigoEleitoralde1950).

ALeiOrgânicadosPartidosPolíticos(1965)aperfeiçoouasregras

jáesboçadasnoCódigoEleitoralde1950comrespeitoàsfinanças

partidárias.Estabeleceuasseguintesvedações:

a)receber,diretaouindiretamente,contribuiçãoouauxílio

pecuniárioouestimávelemdinheiroprocedentedepessoaouentidade

estrangeira;

b)receberrecursosdeautoridadesouórgãospúblicos,

ressalvadasporémasdotaçõesoriundasdasmultasepenalidades

aplicadasnostermosdoCódigoEleitoraledosrecursosfinanceiros

destinadosporleiaofundopartidário,emcaráterpermanenteou

eventual;

c)receber,diretaouindiretamente,qualquerespéciedeauxílioou

contribuiçãodassociedadesdeeconomiamistaedasempresasde

serviçopúblico;

d)receber,diretaouindiretamente,sobqualquerformaou

Page 841: Ciência Política - Archive

pretexto,contribuição,auxílioourecursoprocedentedeempresa

privada,definalidadelucrativa.

Amáximainovaçãodoregimede1964acercadospartidos

políticosfoiindubitavelmenteacriaçãodofundopartidário,quepôso

Brasil,nesseterrenolegislativo,emdiacomasnaçõesmaisadiantadas

domundo,cujossistemaslegais,comoodaAlemanha,reconhecendojá

afunçãopúblicadospartidos,associam-noaoEstado,queentraassim

aestipendiartaisorganizações,demodoalivrá-laseventualmenteda

interferência

ruinosa

e

suspeita

de

fontes

clandestinas

e

antidemocráticasdeapoiofinanceiro.

Apareceofundopartidárioinstituídonoart.60daLeiOrgânica

dosPartidos(Lein.4.440,de15dejulhode1965).

Constituir-se-áesseFundo:

a)dasmultasepenalidadesaplicadasnostermosdoCódigo

Page 842: Ciência Política - Archive

Eleitoralaleisconexas;

b)dosrecursosfinanceirosquelheforemdestinadosporlei,em

caráterpermanenteoueventual;

c)dedoaçõesparticulares,inclusivecomafinalidadedemantero

institutoaqueserefereoartigo75,incisoV(institutodeinstrução

política).

Emsuma,alegislaçãoeleitoral,reforçadapordispositivo

constitucional,acolheudoisaspectosnovosemmatériafinanceira:a

vedaçãoaopartidopolíticodereceber,diretaouindiretamente,sob

qualquerformaoupretexto,contribuição,auxílioourecursoprocedente

deempresaprivadadefinalidadelucrativa,eainstituiçãodofundo

partidário.

Nãoatinamostodaviacomaextensãomoralizadoradaquela

vedação,umavezqueomesmolegisladornoartigo66,daLeiOrgânica,

abriudepoisaportadofundopartidárioa“doaçõesparticulares”,que

milionáriosgenerosospoderãofazer,emproveitodomencionadofundo.

8.5Adisciplinapartidária

AsConstituiçõesdemocráticasdoséculoXX,mormenteasdos

Estadossubdesenvolvidos,queapregoamfiliaçãopolíticaàsmatrizesdo

pensamentoocidental,nãopodemconheceroutraformadedemocracia

senãoademocraciapartidária,democraciadegruposenãode

Page 843: Ciência Política - Archive

indivíduos,democraciaquereclamadoindivíduopoliticamenteatuante

umafidelidaderigorosaàscorrentesdeopiniãoeinteressequeo

investiramnoexercíciodomandato.

Aimperatividadedesteénotóriaemnossosdias.Temosaíuma

conseqüêncialógicadaépocapolíticafundamentadanodebateena

participação,comtodososhomensexprimindo“socialmente”suas

aspirações.Superou-seassimapulverizaçãoindividualdoséculoXIX,

dademocracialiberal,maisatentaaumaliberdadeabstratae,porisso

mesmo,menosrealista,doqueaumainfluênciaefetivaeorganizada

doscidadãosnadireçãodosinteressescoletivos,osquais,emúltima

análise,acabamsendoosdopróprioindivíduo,quandoeste,

corretamente,fazcoincidirseusfinspessoaiscomobempúblico.

AEmendan.1àConstituiçãode1967,dandoumpassoque

reputamosfundamentalparaaimplantaçãodoEstadopartidário,

instituiunoparágrafoúnicodoartigo152omandatoimperativode

índolepartidária,conferindoaopartidopolíticoumcompletodomínio

sobreorepresentanteemmatériadeobediênciaàsdiretrizes

partidárias.SegundoaquelaEmenda,perderiaomandatonoSenado

Federal,naCâmaradosDeputados,bemcomonosórgãoslegislativos

estaduaisemunicipaisaquelecujaatitudeouvotocontrariasse

“diretrizeslegitimamenteestabelecidaspelosórgãosdedireção

Page 844: Ciência Política - Archive

partidária”oudeixasseopartidosobcujalegendaforaeleito.Dispunha

otextoconstitucionalqueaperdadomandatoseriadecretadapela

JustiçaEleitoral,medianterepresentaçãodopartidoasseguradoo

direitodeampladefesa.

EssereforçoàdisciplinapartidáriaforapropostojánoProjetoda

ComissãodeJuristas,masdesatendidonoProjetoOficialdeque

resultouaConstituiçãode1967.

Aviolaçãodosdeverespartidáriosconstituiuatéentãoobjetode

umainócuadisciplinainterna,disciplinanopartido.Comefeito,

medidasdecunhopreponderantementemoraledesprestigiador

(advertência,suspensãoportrêsadozemeses,cassaçãodafunçãoem

órgãopartidárioeexpulsão)seachamprevistasnascominaçõesdo

artigo51daLeiOrgânicadosPartidosPolíticos,aplicáveisaosfiliados

quefaltarem:a)aseusdeveresdedisciplina;b)aorespeitoaprincípios

programáticos;ec)àprobidadenoexercíciodemandatosoufunções

partidárias.

AutorizaaindaaLeiOrgânicadissoluçãododiretórioquando

houver:violaçãodoestatuto,doprogramaoudaéticapartidária;

desrespeitoaqualquerdeliberaçãoregularmentetomadapelosórgãos

superioresdopartido;impossibilidadederesolver-segravedivergência

entremembrosdodiretórioemágestãofinanceira(art.52).

Page 845: Ciência Política - Archive

8.6Âmbitonacional

GraçasàConstituiçãode1967,ganhouoâmbitonacionaldos

partidospolíticosumarigidezesegurançaquenãopossuíapela

legislaçãoantecedente.VerdadeéqueaConstituiçãode1946jáse

reportavatrêsvezesaocaráternacionaldospartidos,semelevá-losno

entanto,explicitamente,àcategoriadeprincípioconstitucional.

Fizeram-seessasreferências:

a)noparágrafoúnicodoartigo40,aotratarda“representação

proporcionaldospartidosnacionais”naconstituiçãodascomissõesdo

poderlegislativo;

b)noartigo70,aoassegurar“arepresentaçãoproporcionaldos

partidospolíticosnacionais”;

c)e,enfim,noartigo160,aodeclarar“excetuadosospartidos

políticosnacionais”davedaçãoconstantedoartigo160referenteà

propriedadedeempresasjornalísticas.

Masalegislaçãoordinária,desdeaLein.7.586,de28demaiode

1945,criarajáopartidopolíticodeâmbitonacional.Puseratermo

assimàsagremiaçõesdecunhomeramentelocal,queembaraçavama

unidadedeaçãopolíticadasrepresentaçõesparlamentares,presasa

umregionalismonãoraroestériledeplorável.

Comefeito,oartigo110,eparágrafo1°daquelalei,elaboradana

Page 846: Ciência Política - Archive

agoniadoEstadoNovo,dispunhaquesópodiamseradmitidosa

registroospartidospolíticosdeâmbitonacional.

Aseguir,continhaoDecreto-lein.9.528,de14demaiode1946,

noartigo22eparágrafo1°idênticadisposição.

Nãofoirevogadaessalegislação,masantesfortalecidapela

mençãoconstitucionalaos“partidospolíticosnacionais”,formando-se

assimaconvicçãodequeopoderconstituinteconfirmouaexistência

dosmesmosnaqueladimensãojátraçadapelolegisladorordinário.

VeiodepoisoCódigoEleitoralde1950,dispondoqueospartidos

políticos“adotarãoprogramaeestatutodesentidoealcancenacional”

(Art.132,§1ª).Namesmadireçãoosartigos1°,7°e8°daLeiOrgânica

dosPartidosPolíticos,de1965,bemcomooprojetodaComissãode

Juristas,cujoart.57assimrezava:“ospartidospolíticosterãoâmbito

nacional”.

Nãoéopartidopolíticodeâmbitonacionalcriaçãojurídica

artificial,conformepoderiasupor-seàprimeiravista.Artificial,eaté

certopontodesagregador,foioestímuloquesedeunaRepúblicavelha

aosregionalismospolíticos,àscombinaçõesoligárquicas,aopartido

local.Anaçãovivaepensante,pelassuaselites,reagiaporémcontra

essadeformação,estendendoalgumasvezesatodooPaísas

campanhasdeopinião,autênticascruzadaspessoaisdecivismo,como

Page 847: Ciência Política - Archive

aquelasempreendidasporRuiBarbosa,NiloPeçanhaeGetúlioVargas,

respectivamenteemnomedopodercivil,daregeneraçãorepublicanae

daverdadeeleitoral.

Ounitarismopartidário,quedesembocounopartidonacional,

contraoregionalismodeinspiraçãofederalistaouautonomista,éofato

maisdignodenotanoquadrodasmudançaspolíticasprocessadas

desdeaorganizaçãodospartidosnavidapolíticabrasileiradosúltimos

trintaanos.

Cabe

destacar

aqui

igualmente

ação

vanguardeira

dos

movimentosideológicos,queabalaramoPaísapósarevoluçãode1930,

responsáveis,nãorestadúvida,porumacristalizaçãomaisrápidado

sentimentonacionalaoredordeidéiaseprogramas.

AAçãoIntegralistaBrasileiraeaAliançaNacionalLibertadora

foramnosidosdadécadade30expressõesvivaseconscientesdo

radicalismosdedireitaeesquerda,respectivamente.Precursores

Page 848: Ciência Política - Archive

verdadeirosdopartidodeâmbitonacional,deixaramumsulcoprofundo

nodomíniodaopinião,poisaosedissolveremcomputadosestavamos

diasdoregionalismopartidárioemnossaPátria.

Enfim,aConstituiçãode1988mantevetaxativamenteocaráter

nacionaldospartidospolíticosconformeconstadoartigo17,incisoI.

8.7Avedaçãodecoligaçõespartidárias

OprincípioconstitucionaldoincisoVIIIdoartigo152,daEmenda

1àConstituiçãode1967quevedavaascoligaçõespartidárias,perdeu

substancialrazãodeser,emdecorrênciadasrestriçõesimpostasà

pluralidadedosistemapartidárioeàpoucaênfasequelogicamentese

atribuiuaoprincípiodarepresentaçãoproporcional.

Comefeito,naConstituiçãode1946,arepresentação

proporcionaleraprevistaemquatroartigos(56,134,40e53),

estendendo-seoprincípioàcomposiçãodaCâmara,aospartidos

políticosnacionais,àconstituiçãodascomissõesdopoderlegislativo

federaleàscomissõesparlamentaresdeinquérito.

Dadaamultiplicidadepartidária,asaliançasoucoligaçõesde

partidos,freqüentesàsvésperasdospleitos,desvirtuavamocritérioda

proporcionalidadeeminavamasbasesdessesistemaderepresentação.

Chegavamassimaconsentirquecertasreuniõesdelegendas

ostentassemumaforçapolíticaemdesacordocomoapoioeventualque

Page 849: Ciência Política - Archive

oeleitoradodariaaoprogramadecadapartido,tomadoinsuladamente.

Máquina

eleitoreira,

que

ensejava

as

mais

esdrúxulas

combinações,como,emcertosEstados,adaex-UDNcomoextinto

PTB,determinavamascoligaçõesestremecimentoscomrespeitoàs

idéiaseaosprincípios,aluindoassimaconfiançapopularnospartidos,

provocando

a

desmoralização

dos

programas,

precipitando

a

decomposiçãodaslideranças.

Constituíampois,segundoHermesLima,“umadasperversões

maisaudaciosasdosistemaproporcional,pelasconseqüênciasque

Page 850: Ciência Política - Archive

produzem,pelaconfusãoqueestabelecem,pelocinismodas

combinaçõesquepossibilitam”.

Adisposiçãoconstitucionalporémemfacedarigidezdaestrutura

partidáriajánãoteveaprofundidadedosefeitosquealcançariaquando

arepresentaçãoproporcionalseapresentavaemtodasuaextensão,

comoumdosfundamentosdenossavidapolítica,tendo,então,por

objetogerarorganizaçõespartidáriasqueexpressassemasdistintase

variáveiscorrentesdeopiniãooucamadasdesentimentopopular,

produzidasnoPaís.

9.Adimensãosociológicadopartidopolíticobrasileiro

EmProblemasdePolíticaObjetiva,oterceiroproblemaqueserve

detemaaOliveiraViannaeaqueesteconsagratrêsbrevescapítulos,é

odaorganizaçãodopartidopolíticonoBrasil.

ConcedendoaRuiBarbosaomerecimentoinestimáveldehaver

acordadoopaísparaaparticipaçãocívicanascampanhaseleitoraise

mostrandoquantojásefizeraaesserespeitoatéaCampanhadeNilo

Peçanha,em1922,OliveiraViannaassinala,deumaparte,a

inutilidadeimediatadaquelesmovimentosfeitossobeacrostaletárgica

dasociedaderuralbrasileira,imobilizadanosvínculosdopersonalismo

epresaaocerradoegoísmodosclãseseuschefes—sociedade

insensível,porconseguinte,àpalavrapolítica,àsplataformasde

Page 851: Ciência Política - Archive

governo,àsformulaçõesadministrativas,aoapelodosprogramas,à

exposiçãodasidéiasedosprincípios—mas,doutraparte,ressalva,um

tantocontraditório,opessimismoqueexala,agudo,desuasreflexões

iniciais.

Essepessimismoassimseexprime:“Campanhasepropagandas

comintuitoseleitoraissósejustificamentrepovoscujaorganização

partidárianãoéoclãpessoal,ouemqueoinstintogregárioestá

ausentedocaráterdasmaioriaspopulares”.12

Concluiporémqueaquelascaravanas,compaciênciaelentidão,

fazemtrabalhoingente,constroemofuturo,plantamocarvalhoquehá

decrescereatravessardecênios,transporgerações.Omeiorural

conhecerápoisosseusproblemasouvindoooradordoscomícios

democráticos.Virádepoisotempoalforriá-lodadependênciadochefe.

Aesteseprendemaspopulaçõesruraispor“instintodefidelidade”por

“preconceitodelealdade”,portodosesseselementosdesujeiçãopessoal

quetolhemsedeixemelas“arrastarpelaforçaabstrataeinvisíveldas

idéias”.13

Domesmosociólogo:“Osnossoshomensdeinteriorcostumam

apoiarhomens—enãoprogramas;pessoas—enãoidéias”.14

Nãotemosdemocraciadepartidosearazão,segundoOliveira

Vianna,residenisso:“Ora,emnossademocracia,oquevemosé

Page 852: Ciência Política - Archive

justamenteocontráriodisto:elasebaseiaemindivíduos—enãoem

classes;emindivíduosdissociados—enãoemclassesorganizadas,e

todomalestánisto”.15

Crêademaisomesmopensadorque“todasastentativasde

organizaçãopartidáriaemnossoPaís,desdeoPrimeiroImpério”foram

vítimasdeumlogro:ode“julgarpossívelaorganizaçãodeumpartido

—partidoquenãosejaumbando,agitando-seemtornodeumhomem,

deumcaudilho—semapreliminarorganizaçãodasclasses

econômicas,dasclassesqueproduzemecontribuem”.16

TodoopensamentodeOliveiraViannacomoanálisesociológica

dopartidopolíticonoBrasiléemlargapartecorretoouválidoatéas

vésperasdaRevoluçãode1930.Masdesdequeeleescreveuaquelas

considerações,omeioeleitoralsubjacenteàsestruturaspartidárias

padeceuemnossoPaísalgumasrelevantestransformações.Houvepois

mudança,houveprogresso,houvepassagensqualitativasemtermosde

apreciaçãosocialdasnossasbasespolíticas.

Comefeito,daRevoluçãode1930aosnossosdias,observam-se

osseguintespontosdemudança:asmassasruraisjánãocompõem

sozinhasastrêsquartaspartesdocorpoeleitoral;osufrágiourbanose

fortaleceuquantitativamentepordecorrênciadarevoluçãoindustrialem

marcha,eessaelevaçãoaritméticatendearobustecer-secomotempo;

Page 853: Ciência Política - Archive

oeleitor,emlargaszonasrurais,continuapresoaochefepolítico,por

laçosdeadesãopessoal,masessaadesãojánãoépassivaou

incondicional:resultaagoradaexpectativadeumaprestaçãoe

contraprestação,basedamantençadoprestígiodaslideranças

políticas;enfim,oeleitorvotaainda,emgrandeparte,foradeum

quadrodeidéias,masconscientedoimediatismopertinenteao

atendimentodecertosinteressesdeordempessoaloudenatureza

pública.Dantesapenasaobediênciacega,ovotomanipuladonas

fraudeseleitorais,ofalseamentodaverdadepolítica.Agora,ovotodado

porumeleitorexigentedecompensaçõesdeordempessoal:oemprego,

porexemplo.

OerrodeOliveiraViannaésuporquenademocraciadoséculo,

necessariamenteumademocraciademassas,sejapossívelo

comportamentoideológicodocorpoeleitoralclassificadoempartidos

políticos.Essecomportamentoserádeexceção,esóreconhecível

àquelasagremiaçõesemdesacordocomosistemapolíticoestabelecidoe

assimdeterminadasnopropósitodereformarouabaterasinstituições

desdeosseusfundamentos.

Temos,porconseguinte,noBrasil,oquenãopoderíamosdeixar

deter:essequadropartidáriodepatronagem,destinodetodasas

situaçõesdemocráticasdafaixaocidental,coerentescomassuas

Page 854: Ciência Política - Archive

origens.Jáchegamos,pois,asemelhantegraudedesenvolvimento.O

quetemosdistintodaInglaterra,dosEstadosUnidosemaispaíses

ocidentaiséapenasabasedapirâmideeleitoral,ouseja,acompacta

massaruraleurbanadeeleitores,cujatomadadeconsciênciapolítica,

quandoefetivamenteocorrer,sedaráprincipalmenteemtermossociais,

emsentidoopostoàpolíticahabitualdospartidos.Dar-se-ácomnotas

deagressividadeeimpaciência,quesenãoobservam,comamesma

intensidade,nospaísesdesenvolvidos.

“Desrevolucionar”essasmassasconsisteportantoemacomodá-

lasaoprocessopartidárioclássico.Ademocraciapartidáriaserásempre

noBrasilpoliticamentepersonalistaemmatériadecolheitaoucaptação

desufrágios:democraciadeconfiançanohomempúblicoparaatender

clientelas,democraciadeempregosoudemocraciaparadarsoluções

administrativas,práticas,concretas,positivas,aproblemasque,senão

dizemrespeitoapessoasdeterminadas,dizemrespeitoagruposou

classes.

Nissosecifraomáximodedespersonalizaçãoaquesepode

chegarnumprocessopartidárioondenãosevenhaaconfundirovoto

nasidéiascomovotonasideologias.

Seentendermosporvotonasidéiasovotoemplanoseprogramas

degoverno,tomandoportácitasasbasesinstitucionais,queserão

Page 855: Ciência Política - Archive

feitasinstrumentosouórgãosdessesplanos,entãojátemosemverdade

uma

pequena

parcela

do

eleitorado

brasileiro

resolutamente

caminhandoparaesseresultado.

Masnãotenhamosilusõesmaioresaesserespeito.Àproporção

quecamadassociaismaisnumerosassevãopolitizando,egressasda

marginalizaçãoqueasexcluíradetodaingerêncianoprocessopolítico,

observa-sequeseucomportamentodificilmentesepoderáconternos

moldestradicionaisdopluripartidismoocidental.

Ademocraciademassasnospaísesdesenvolvidosabrangeuma

sóforçasufragante,comindiferençaàteseideológica,comonocaso

norte-americano;comsustentaçãomanifestadaideologiadominante,

decunhodemocrático-parlamentar,comonocasodaInglaterra.

Ali,eleitoreeleitobuscamsoluçãoparaproblemasoualimentam

idéiasdeteorpolítico-administrativo,semjamaisquestionaremas

basesdosistema.

Page 856: Ciência Política - Archive

Dopontodevistaqualitativo,éistoomáximoaqueseháde

chegarempaíses,ondeadissidênciaideológicanaestruturapartidária

raramentealcançaabalaroquadrodasinstituições.

Numpaísporémsemosníveisdeumdesenvolvimentoindustrial

consumado,queéocasodoBrasil,essequadrosemodifica,complica-

se,enreda-seemcontradiçõesflagrantesedesesperadoras.

Convocadoàparticipação,oeleitoradopoderáouvirdas

liderançaspolíticasosedutorapeloàsatitudesideológicas.Os

problemas

mais

importantes

em

nosso

país

se

vinculam

invariavelmenteaquestõesestruturais.Debatê-lospartidariamentetraz

sempreo“inconveniente”desuscitarquestõesdefundo.Nãosuscitá-

los,significamanterpartidoseopiniãoboiandosemrumoemsuperfície

demarrevolto,batidopelastempestadessociais,quepoderãomais

cedooumaistardefazersubmergirasinstituiçõesdemocráticas.

Page 857: Ciência Política - Archive

Adimensãosocialepolíticaqueseabreaopartidopolítico

brasileiroemtermosdeconservaçãodemocráticaimplicaportantoalgo

maisqueaquiloquesepassanaInglaterra,ItáliaeEstadosUnidos.

Implicatomadadeconsciênciaquantoàsresponsabilidadesdeuma

missãoparaaqualeleseafiguradetododespreparado.

Nãobastasituá-lo,peloaperfeiçoamentodemocrático,comoum

partidodeidéias,esvaziadodeideologia,conformeomodelodas

organizaçõespartidáriasnorte-americanas,oufazê-lomilitantemente

ideológicocomonaInglaterra(aideologiademocrática).Urgedar-lheum

programadegoverno,comidéiasprofundasdereformaeconômicae

social,quetragamnaadesãoaoprincípiodemocráticoumaconfissão

tambémdosrumosaseremperlustradosquantoàtransformação

históricadasociedadesubdesenvolvidaousemidesenvolvidaem

sociedadeplenamenteemancipadatocanteàquestãodoséculo,queé,

comotodossabem,paranós,aquestãododesenvolvimento.

Asoluçãonorte-americanagerariacrisesincoercíveis,crônicas,

inarredáveis.Asoluçãoinglesaparece-nosmelhor.Restaporémsaber

seseriaformalmentepossível.Demandaomáximode“politização”dos

partidosnoquadrodaideologiademocrática.Precisariamelesde

transformar-seacadapassoemescolasdereverênciaàlei,decultoàs

instituições,deconsolidaçãodaconfiançapúblicanoshomensque

Page 858: Ciência Política - Archive

governamenoregimeaqueservemparaformarentãoliderançasde

escol,ouhomensquetivessemoperfildeestadistas.Partiríamosa

seguir,democraticamente,paraintentarasoluçãodeproblemas,que

muitosdescrêemsejapossívelnosmoldescompetitivosdarecente

estruturaquetinhamospartidosbrasileiros,equecontinuarãoater,

semdúvida.

Ora,essadesconfiançainicial,feitadepessimismoesuspeição,

constituijáumagentenegativo,fatorqueminaasesperançasda

opiniãonasubjugaçãodascrises,pormeiosouinstrumentosnormais

decomportamentodemocrático.Eavidadeumpaíssubou

semidesenvolvidoéavidaemcriseinstitucionalizada.

Quandochegamosaestaalturadareflexão,temosqueparar.

Domina-nosdelongeaseduçãoparlamentarista.Porsermosumtanto

“ingleses”nasoluçãobrasileiraqueconvémàsnossasinstituições

políticaséquepreconizamosoinstrumentoparlamentardegoverno.

Oparlamentarismoeducariaospartidoseospartidoseducariam

opovo.Daquipordianteaestradaaindaseriadifícildeseguir,cortada

deespinhos,ameaçadadedesvios,marcadadelongasesinuosas

curvas,queladeariamasgrandescrisesdopoder.Masseo

parlamentarismodesseporventuraaopaísalgumatranqüilidade

institucional,adequemaisprecisamosdesdeaquedadaPrimeira

Page 859: Ciência Política - Archive

República,em1930,decertoqueosistemacobrariameiossegurosde

entrarafundonaordemadministrativa,financeiraeeconômica,para

entãolograr,combomêxitoesemabalodoregimedemocrático,otermo

damudançaindustrial,promotoradenossaelevaçãoàcategoriadas

naçõesdesenvolvidasdoOcidente.

1.AfonsoArinosdeMeloFranco,HistóriaeTeoriadoPartidoPolítico,p.33.

2.ArthurHolcombe,“EncyclopaediaofSocialSciences”,ApudAfonsoArinosdeMelo

Franco,HistóriaeTeoriadoPartidoPolítico,p.42.

3.RuiBarbosa,AQuedadoImpério,p.399.

4.RuiBarbosa,ibidem,v.16,t.3,p.224.

5.Idem,ibidem,p.166.

6.Idem,ibidem,p.434.

7.Idem,ibidem,p.344.

8.Idem,ibidem,p.231.

*Nolivro(original)anumeraçãodasNotasdeRodapépulado8parao10.Nãohouve

erronadigitalização(Notadadigitalizadora).

10.JornaldoBrasil,2.4.1965,1°Cad.,p.3.

11.AfonsoArinosdeMeloFranco,ob.cit.,p.62.

12.OliveiraVianna,ProblemasdePolíticaObjetiva,p.132.

13.Idem,ibidem,pp.137-138.

Page 860: Ciência Política - Archive

14.Idem,ibidem,p.131.

15.Idem,ibidem,p.120.

16.Idem,ibidem,p.121.

26

REVOLUÇÃOEGOLPEDEESTADO

1.Controvérsiaemtornodoconceitoderevolução—2.Conceito

histórico-cultural—3.Conceitosociológico—4.Conceitojurídico—

5.Conceitopolítico—6.Origemecausadasrevoluções—7.As

distintasfasesdaaçãorevolucionária—8,Acríticadarevolução

—9.Areforma—10.Acontra-revolução—11.OgolpedeEstado

—12.AtécnicadogolpedeEstado—13.GolpedeEstadoe

revolução.

1.Controvérsiaemtornodoconceitoderevolução

Dostemaspolíticosdenossotempo,aRevoluçãoentrana

categoriamaissugestivadaquelesquemerecemestudoprofundoe

sistemático.Nãosomentepelaimportânciadequeserevestesenãoem

virtudedosabusosaquevemsendoexpostoedaanarquiaobservada

aoredordesseconceito,dapartedequantosousamsemrefletiremnos

limitesdeseuemprego,emfacededeterminadasrealidadespolíticase

sociaisdenossaépoca.1

Ateoriadarevoluçãonaesferadosestudospolíticostemseguido

Page 861: Ciência Política - Archive

amplatrajetória:primeiro,objetoapenasdaatençãodoshistoriadores

políticos,aseguirdosfilósofosdaculturae,finalmente,dossociólogose

cientistaspolíticosepsicólogossociais.

Jánadécadade20vonWiese,respondendoaGustavoLandauer,

queafirmaranãoserpossíveldaràrevoluçãoumtratamentocientífico,

sustentouteseoposta,proclamandoquenenhumprocessodavida

socialpodiaeximir-seaumainvestigaçãodeteorcientífico.

Contudoessemesmosociólogoqueixava-sedapobrezada

literaturasociológicaeamargamenterecriminavaaausênciade

investigaçõespormenorizadasacercadaqueletema.Citavaaobrade

Ratzenhofer,emtrêsvolumes,intituladaEssênciaeObjetivodaPolítica

eaPolíticadeHoltzendorff,ambosdoisvelhoscientistaspolíticosda

Alemanha,emcujostrabalhosapalavra“revolução”nemsequer

figurava.2

QuantoaTocqueville,Taine,Carlyle,Sybel,RankeeTreitschke,

diziaocriadordasociologiadasrelaçõesqueeleseram,comseustextos

apaixonados,verdadeirosmodelosdecomoossociólogosemnenhuma

circunstânciadeveriamocupar-sedotemarevolução.3Mascometeua

graveinjustiça—assinaladaaliásporMaxAdler—dehaveromitidoem

suacríticaonomedeMarx,deixandoassimdeabrir-lhecomolhe

cumpriaadevidaexceção,poisMarxteriasidooverdadeiropaida

Page 862: Ciência Política - Archive

sociologiadasrevoluções.SemMarx,conformeponderaaindaoMestre

vienense,quandomuitosechegariaaumasociologiadoconhecimento

darevolução,nuncaporémaumasociologiadarevolução.

Oprestígiodovocábulorevolução,depalpitaçãomágicacomoos

acontecimentosbrasileirosdemonstraram,nãoéestranhoàSociologia

Políticacontemporânea.Heberledeúltimoexplicou-lheaorigem.

Mostrouqueaidéiaderevoluçãopolíticaforaalheiadopensamento

medievoequeestesóconheceumovimentosretroativosou

conservadores,pararestabelecerprivilégiostradicionaisouconcretizar

formasdedireitodivino,ligando-seaoconceitodofatorevolucionário

todooacervodeidéiastradicionalistaserestauradoras.4

Assinalamossociólogosquearevoluçãoconcebidacomo

edificaçãodeumanovaordemsocialéidéiadostemposmodernos,ou

commaisprecisãodoséculoXVIII,tendosidoVoltaireoprimeiroaunir

oconceitoderevoluçãoàidéiadeprogresso.5

DeAristótelesaoséculoXVII,asrevoluçõesdeEstadoeram

consideradascomo“fasesdeumacirculaçãoeternadasformasde

governo”,emconsonânciacomasteoriasdoestagirita.

Teriahavidoassim,segundoHeberle,extraordinárioprogresso

quando,pelacaracterizaçãomoderna,arevoluçãodeixoudeserum

fenômeno“cíclico”ouumafasenamudançadeformasconstitucionais

Page 863: Ciência Política - Archive

sempresujeitasaumretorno(o“eternoretorno”nietzschiano)para

significar“novocomeço”oumudançapara“umaformadesociedade

melhor”,paraoaperfeiçoamentodasociedadehumana.6

Essaconotaçãodeotimismo,emqueopensamentorevolucionário

épostoemcontrastecomopensamentoconservador,seachaporigual

implícitanasteoriasmarxistasdarevolução.Dissofazemlargocabedal

quantosseempenhamempromoveraaçãoeoproselitismo

revolucionário.Eaconcepçãodosquevêemnarevoluçãoodestinoda

história:alteraçãoinevitávelnasrelaçõessociaisdepoderentreas

classes,conduzindoaburguesiaaotúmulo.Masessailaçãode

otimismovinculadoaoconceitoderevoluçãoéantimarxista,utópicae

anti-sociológica,namedidaemqueomarxismofor,comosabidamente

oétambém,umasociologiadarevolução.

Sendoarevolução,segundoMarx,“abuscaretroativadeum

desenvolvimentoobstaculizado”(dieRevolutionistdieruckartige

NachholungverhinderterEntwicklung)nãovaiaínenhumjuízodevalor,

podendoesseconceitoseracolhidocomoautenticamentesociológico,

tantoquantoodeLênin,aoafirmarque“umarevoluçãoocorrequando

aclassesuperiornãopodeeaclasseinferiornãoquerprosseguirno

velhosistema”.

Seriafastidiosomostrarporémqueoconceitolisonjeiroda

Page 864: Ciência Política - Archive

palavrarevoluçãonemsemprefoipartilhadocomofervorfácilde

determinadasposiçõescontemporâneas.Sobreotermorecaiuo

anátemadeBurkeeTaine,emreflexõesdecunhofilosóficoeideológico

queesvaziamporinteiroasubstânciasociológicadoconceitovertente.

Metadedosquefazemumarevoluçãonãofazemsenãocavarum

túmulo,diziaChateaubriand,quenãoobstanteconfessavapreferiras

maisterríveisrevoluçõesaumgovernodespótico.

Dasorigensesquerdistasdoelogioedorespeitocomquese

proferiaaquelapalavratransitou-separaoódioconservadore

reacionáriodospublicistasepensadoresdedireita.Estes,emalgumas

regiõesdopensamentolatino-americano,raramenteserevelamnosdias

correntes,sendotambémsociológicoobservarqueaconotaçãootimista

jánãotemaclarezacomquedantesseidentificava,sendohoje

disputadaporcorrentespolíticasdosmaisdistintoseopostosmatizes

ideológicos,valendo-setodasdaautoridadeedasesperançasque

aquelenomesuscitanoseiodapresentesociedadedemassas.Tal

ocorrenomeadamentenasáreasdodescontentamentoeinconformismo

social

mais

agudo,

como

Page 865: Ciência Política - Archive

são

as

áreas

intranqüilas

do

subdesenvolvimento.Emverdade,ousoaídapalavrarevoluçãoem

nadaalteradopontodevistasociológicooteorrestaurador,reacionário

oucontra-revolucionárioqueporventurapresidaàsrelaçõesdopoder

políticoesocialnosordenamentosvigentes.

Apossívelpreferênciaindiscriminadapelotermorevoluçãonos

paísessubdesenvolvidosdecorreanossoveremlargapartedo

descréditoemquecaiuaexpressão“golpedeEstado”,tomadacom

freqüênciaporsinônimodeinstabilidadepolíticaouindicaçãodefins

egoísticosepessoais,contráriosaobemcomum.Conformedisse

Hartman,aRevoluçãocaminhacomahistória,ogolpedeEstadocontra

ahistória.Ocorretodaviaquenospaísesaltamentedesenvolvidos,

ligadosaoquadrodaideologiaocidental,háumadeterminadamassade

opinião,entreascamadasmaisilustradas,inteiramentedesfavorávelao

conceitoderevolução.

OpublicistaamericanoGeorgePetteeassinalouquedas

principaisrevoluçõesdoséculoXVIII—aFrancesaeaAmericana,até

Page 866: Ciência Política - Archive

osnossosdias,perduraranoOcidenteumaespéciedeatitude

indulgentetocanteàrevolução,pondo-seênfasenosseusaspectos

construtivos.Esseestadodeespíritoter-se-iaprolongadoaté1940.7

Afigura-se-noshaveraíporémgeneralizaçãoprecipitada,pois

existiusemprefortíssimacorrentedoutrináriaedeopiniãoquejamais

deixoudeapontarduranteoséculoXIXparaosaspectosnegativosda

revolução.Observa-secontudonospaísesdesenvolvidosqueo

sentimento

anti-revolucionário

em

níveis

da

chamada

crítica

“esclarecida”serobusteceunoséculoXXeadatacronológicanãoépois

1940,comofazvererroneamenteaquelecientistapolítico,mas1917,

anodarevoluçãobolchevistanaRússia.

Desdeentão,atemorizado,oOcidenteseergueunumsentimento

crítico,derevisãooureexamedoconceitoderevolução,entrandoa

assinalarsobretudoosseusaspectosnocivos.Àproporçãoqueo

conceitotomouraízesideológicasprofundas,deitandosobretodosos

Page 867: Ciência Política - Archive

continentesasombradaconflagraçãosocial,aísim,maisfortesefezo

acentosobrea“revoluçãodesnecessária”.

Reprova-seentãonarevoluçãoamaneiraviolentacomque

interrompeuma“evoluçãosensata”,questiona-seopreçooutributoque

asociedadepagaporessesmovimentos,seusefeitossãopostosem

dúvida,enfim,vaiaopiniãobuscarnarazãohumanaoasiloondese

abrigarcontraumconceitoreimersonaincerteza,nosangue,na

injustiça,nadesordemeatémesmonosacrifíciocompletodegerações

inteiras.Oresultadofoieste:oaprimoramentoemtodosospaísesdos

órgãosnacionaisdesegurançaparasalvaguardadostatusquopolíticoe

social.

2.Conceitohistórico-cultural

Arevoluçãoétemaabertoàinvestigaçãodehistoriadores,

cientistaspolíticos,filósofosdacultura,psicólogossociais,juristase

sociólogos.

Odogmatismodeposiçõesrelativasaoestudodessefenômeno

socialencobreefazobscurooconhecimentodarealidaderevolucionária

quandoelasemanifestanaexistênciadeumasociedade,deumpovo

ouaindadetodoogênerohumano.Essarealidadeoraseacentuapelo

aspecto

histórico-cultural,

Page 868: Ciência Política - Archive

ora

pelos

dados

sociológicos;

em

determinadoscasos,pelaênfasenatransformaçãojurídica,noutros

pelarelevânciaquantoàprofundidadedamudançapolíticaoperada.

Casonãoatenteparaessesaspectosqueaquelefenômenoourealidade

podeapresentarequelheconferemarespectivanotadecaracterização,

ocientistadarevoluçãoproduziráomissõeseexclusões,emdanode

todaaelaboraçãoconceitual.Edaílherestaráunicamenteumconceito

detodounilateral,expostoaobjeçõespolêmicas,oquealiáshásido

freqüentequandosetratadepropor,porexemplo,osconceitos

sociológicoepolíticoderevolução,semdúvidaosdemaisdifícile

controvertidafixação.

Comoocorrecomrespeitoatodososfenômenossociais(ea

contribuiçãoidealistaaesserespeitofoidesumaimportânciaparaque

sechegasseatalconclusão)narevoluçãoohomemédemodo

concomitantesujeitoeobjeto.

Arevoluçãonãoéacontecimentonatural,masefeitotambémde

idéias,trabalhadasnamentesolitáriadospensadores,antespoisde

Page 869: Ciência Política - Archive

desceremàsmassasearrebatá-lasparaaação.Arevolução,comodisse

OrtegayGasset,“nãoéabarricadamasumestadodeespírito”.8Seu

estudopelospensadoresrequeramáximaamplitudedevistas.

Desvinculá-lodasubjetividadeinerenteàobradetodocientistasocial

afigura-se-nosdifícilsenãoimpossível.Apretensãodeneutralidadeou

exterioridadeabsolutaéduvidosa.AssinalouGeorgePetteequeo

raciocínioestánoindivíduoenãonamassaousóaohomemcabe

observareanalisarasociedadeenãoocontrário.9Esteobservadoréem

simesmotábuadevalores,serideológico,comtodoocondicionamento

desuaépoca,tantoelequantoosatoresdofatorevolucionário.

Quererreduzircadafenômenorevolucionárioaumasociologiada

revoluçãoedentrodessasociologiaàformadeumaescolaoucorrente

deinvestigaçãoseriaevidentementeabdicarapossibilidadedeconhecê-

loatravésdetodososângulosidôneosemordemaconsentiruma

análisemaisvertical,extensaefecunda,deincomparávelproveitopara

compreenderasdistintasmodalidadesdeprocessorevolucionário.

Daíporque,dopontodevistadidático,examinando-seo

problemadarevoluçãoedeseuconhecimentopelaciênciapolítica,

inclinamo-nos,feitaessaadvertênciapreliminar,poradmitirvários

conceitos,apropriadostodosaumacessomenospenosoàtemática

revolucionária.

Page 870: Ciência Política - Archive

Distinguimosassimoconceitohistórico-cultural,oconceito

sociológico,oconceitojurídicoeoconceitopolíticoderevolução.

O

conceito

histórico-cultural

exprime

essencialmente

a

interrupçãodeumperíodocultural.Dessaquebraresultaa

descontinuidadeeconseqüenteinauguraçãodenovodesenvolvimento

histórico.AdescobertadeCopérnico,ainvençãodamáquinaavapor,a

equaçãodeEinstein,comadesintegraçãoposteriordoátomo,foram

acontecimentosqueintroduziramdemaneirarevolucionáriaumanova

idadehistóricanaexistênciadasociedadehumana,operando

verdadeiratransformaçãocultural.Asocialchange,aquesereportam

osescritoressociaisanglo-americanos,prende-seaesseconceito.

Oconceitohistórico-culturalpoderevestir-sedecertocunho

filosóficoouintelectualista.Assimaconteceuporexemploquando

AugustoComtedistinguiunahistóriadasrepresentaçõesculturaisdo

gênerohumanotrêsestadosouperíodosautônomos:oteológico,o

metafísicoeopositivo.Cadapassagemdeumaoutroestadosignificou

Page 871: Ciência Política - Archive

aconsumaçãodeumprocessorevolucionáriodenaturezacultural.

Aliásoconceitohistórico-culturalnãoseachadetodoapartado

deimplicaçõessociológicas.Emrigortantoseinserenafilosofiada

históriaedaculturacomocabetambémnoâmbitodasociologiageral.

TheodorGeigertomou-oaliásnessaúltimaacepçãopartindo,com

apoioemSombart,dequeérevolucionáriatodatransformação

fundamentaldeumasituaçãoexistente,nãoimportaemquedomínio.

Dissotivemosexemplocomarevoluçãonatécnicadeprodução

determinadapeloadventodamáquinaavaporecomarevolução

filosóficaoperadapelocriticismodeKant.

Nãosãoconceitosestanquesestesqueestamosexaminandocom

certoconfortodidático.Seoconceitosociológicoderevoluçãojáseacha

precedidodevínculoscomoconceitohistórico-cultural,maisapertados

serãoaindaosseuslaçoscomoconceitopolíticodoqualparamuitosse

afigurajáinseparável.

3.Conceitosociológico

Todarevoluçãosocialestánoâmagodoconceitosociológicode

revoluçãoenãopodevirdesacompanhadadarevoluçãopolítica,quea

executaeprecede.Asduasrevoluçõessãoaspectosdeumamesma

realidade.Semembargodesuaconexão,épossívelacentuarorao

primeiro,oraosegundodessesaspectosqueenvolvemaobra

Page 872: Ciência Política - Archive

revolucionárianasociedademoderna.Autoresháqueassinalama

extensãohistóricadasociologiadarevoluçãoeaamplitudedeseus

temas,proclamando-osinexauríveis,vistoabrangeremtodaaHistória

Universal(Hartman).

Abraçar-seporémaessaposiçãoseriaadmitircomoparalelasa

históriadasociedadeeasociologiadarevolução,dandoaestaúltima

aqueladimensãoquesóficariabemnoconceitohistórico-culturaljá

examinado.Ahistóriadacivilizaçãonãopodesertomadacomopalcoda

sociologiadarevolução.Estasósefezpossívelousódescobriuoobjeto

desuasindagaçõesemépocarecente,comamodernasociedadede

classes,quandoumaclasseseimpôssocialepoliticamente,atravésda

tomadadopoder,paraimplantarnovaordemsocial,ouestabeleceros

instrumentosinstitucionaisdeconservaçãoepermanênciadesua

hegemonia,qualaconteceunaRevoluçãoFrancesa.Aburguesiaaboliu

aliaordemcorporativaedestruiuasbasesdasociedadefeudal.Algo

semelhanteocorreuesteséculocomaRevoluçãoSoviéticaquandoa

classeproletáriaempregouosinstrumentosdopoderpararemovera

dominaçãosocialdaburguesiaeproclamar,segundoosmarxistas,o

novoprincípiodeumasociedadedetrabalhadores,intelectuaise

camponeses,tendoemvista“umasociedadesemclasses”ede

convivênciatranqüila.

Page 873: Ciência Política - Archive

EssasRevoluçõesofereceramtemárioriquíssimo,manancial

copiosoainvestigaçõeslegitimamentesociológicas.Semestasnãoseria

possívelfalaremsociologiadarevolução,comovedadopermaneceouso

dessaexpressãoparaconheceroslevanteserebeliõesque

acompanharamotranscursodavidasocialnaidademédia.

AquitemaplicaçãooconceitodeOrtegayGassetquandoafirmou

queorevolucionárionãoserebelacontraosabusosdasociedade,

conformefaziaohomemmedieval,mascontraosusos,querdizer

contraasinstituições,comofazohomemmoderno.

Afigura-se-nosporinteiroidônea,dopontodevistametodológico,

aaplicaçãodeumapergunta-critério,qualfezlucidamenteHeberle,

paradistinguirasmodalidadesderevoluçãoedeterminarsobaforma

sociológicaofenômenorevolucionário.Apergunta-chave,segundoo

autoralemão,éesta:Quefoiquemudou?10

Entendemosqueseamudançaserefereaopessoaldegoverno,

nãohouverevolução,masgolpedeEstado;seamudançaporématingiu

aConstituiçãopolíticaeaformadegovernojáépossívelfalarem

revolução,asaber,revoluçãopolítica;se,porém,astransformaçõesse

verticalizaremmais,descendoagrandesprofundidadessociais,com

“ascensãodeumanovaclasseaopoder”ou“apariçãodeumnovo

sistemadecamadassociais,redistribuiçãodapropriedadeouaté

Page 874: Ciência Política - Archive

mesmosuaabolição”,comoadventodenovasformasdevida

econômica,aíocientistapolíticoreconheceráentãoarevoluçãosocial,

objetodatemáticasociológicaeconstitutivodaverdadeirasociologiada

revolução.

OsociólogoHeberlepensadiferentementeaodemonstraroque

nãoé“revolução”naacepçãomoderna.Nãotemosobjeçãoalgumapara

fazer-lhequandoeleafirma,textual,queadestituiçãoviolentadeum

governanteoudeváriosgovernantesesuasubstituiçãoporoutras

pessoas,semmudançasdaformadegoverno,comoacontecenas

chamadasrevoluçõesdaAméricaLatina,nãoconstitui“revolução”.11

Tãopoucoquandoelesustentaquenãohárevolução,mas

simplesmente“mudançasocial”(socialchange),desdequesetransitade

umaaoutraformadesociedade,talcomoaconteceunaInglaterraenos

EstadosUnidos,emconseqüênciada“revoluçãoindustrial”,mediante

mudançalenta,pacíficaenãoproposital,emboraessamudançavenha

revestirasociedadedenovosaspectos,alterando-lhebasicamente,pelo

progressomaterial,avelhaecostumeirafisionomia.

Masaoasseverarenfaticamentequeamudançaviolentadaforma

degovernosemvariaçãobásicadaestruturasocial,comoocorre

quandosepassadamonarquiaàrepública,nãoconstituiaindauma

“revolução”,temosquesemelhanteassertivaéinválida,porquanto

Page 875: Ciência Política - Archive

equivaleriaareduzirtodooconceitoderevoluçãoaumacaracterização

sociológica,eliminandoaquelesconceitosautônomosderevolução

jurídicaepolítica,amenosqueestastivessemporapêndicenecessário

amodificaçãonoprincípiodasrelaçõessociaisounaestruturadas

classesesuahabitualhierarquia.

Acabariaoautorconfinadosociologicamenteaoconceitomarxista

derevolução,queéumconceitosociológico.Aconteceporémquenãoé

oúnico,emborasejaeliminatóriodetodosaquelesconceitosde

revoluçãopolítica,indulgentescomainalterabilidadedasbasessociais.

Revoluçãopolíticaquenãoconduzaaesseresultadoenãosejado

mesmopassorevoluçãosocialnãoseráreconhecidanacategoriade

revolução.

Acríticamarxistadarevolução,aqueHeberlepareceaderir,não

seconciliaporémcomesseesquema.Seriaocasodelembrara

propósitodasociologiamarxistadarevoluçãooqueafirmouosociólogo

alemãovonWiese,quandodissequeapretensãodeexplicaruma

revoluçãopelocontrastedeclassesequivaleriaaummédicodesejosode

explicaratuberculosepelascavernasetecidosdestruídos.12

Achamosquecircunscreveroconceitoderevoluçãounicamentea

alteraçõesprofundasnoregimedasclassessociaisseriaantes

empobrecer,atravésdoexclusivismodessareduçãosociológica,alarga

Page 876: Ciência Política - Archive

temáticapolíticadarevolução,quesempredeixalugarparadistintos

círculosdeindagaçãoquaisosdecunhoestritamentejurídicoenem

porissomenosautônomos.

4.Conceitojurídico

Dopontodevistajurídicoarevoluçãoéessencialmenteaquebra

doprincípiodalegalidade,aquedadeumordenamentojurídicode

direitopúblico,suasubstituiçãopelanormatividadenovaqueadvémda

tomadadopoderedaimplantaçãoeexercíciodeumpoderconstituinte

originário.

Compreendidadebaixodesseaspecto,arevoluçãocontémdois

dadosessenciais:orompimento,semcompromissosesemlimitações

legaisprévias,daordemjurídicaantecedenteeacriaçãodeumnovo

direito,queseexprimirápeloadventodenovasinstituições.

Mediantearevolução,cainãosomenteodireitoconstitucional

positivomasaformavigentedepoderconstituinte,abasemesmaque

aindaprevaleciaparaefeitodealteraçõesnamolduradospoderes

constituídos.Arevoluçãoemseusubstratojurídicoécriseeadventode

umnovopoderconstituinte.

Comadinâmicarevolucionária,relaçõesdiferentesdepodersão

impostasàsclassessociaiseaordemjurídicaqueseestabelecesobo

influxodarevoluçãosancionaonovoquadroderelaçõesdeclasses.

Page 877: Ciência Política - Archive

Consoanteaprofundidadedamudança,altera-seoprincípiomesmoou

critériodaestratificaçãosocial(Geiger).

Nasrevoluçõesháquedistinguir“fato”revolucionáriode“valor”

revolucionário.O“fato”produzamudançadodireitoecomamudança

arevoluçãoinstitucionalizaosseus“valores”.Nãohárevoluções

“legítimas”,segundoqueremalgunsjuristas(contradictioinadjecto,

diriaHartman),masrevoluções“legitimadas”equeselegitimampela

constituinte,pelamudançaoperadanaordemjurídica,pelaproposição

denovosvalores(“cadarevoluçãoéumaderribadaerenovaçãode

valores”,asseveraVierkandt).

Vejamosaseguiroconceitoderevolução,dadoporCartellieri,sob

ainspiraçãodaperspectivajurídica:“Amudançaviolentaecomefeitos

prolongadosdeumaConstituição,mudançamedianteaqualopoder

atéentãopertencenteaumouváriosgovernantessetransferepara

muitosgovernados”.

Seaoinvésdetransferênciadepoderdosgovernantesparaos

governados,houvesseaquelejuristapostoporsujeitoedestinatário

dessatransmissãoaclassesocial,seuconceitojurídicoderevoluçãose

tornariaimpecável.

AConstituiçãorevolucionária,provenientedeumpoder

constituinterevolucionário,tocanecessariamentenasrelaçõesde

Page 878: Ciência Política - Archive

classesparamodificá-laseparacriarumdireitoqueseamoldeaessas

relações.

Odireitoeopodertransferidospeloatorevolucionáriodeumaa

outraclassevemcoroaraafirmativadeLassalledequequandouma

revoluçãoocorre,todasasleisdodireitopúblicocaemporterraoutêm

apenassignificaçãoprovisória,devendoserfeitasdenovo.13

Comaressalvadequenãoésimplesmudançadegovernantes

paragovernadosnapossedopoder,masumavariaçãoprofundanas

relaçõesdeclassesaquiloqueaConstituiçãorefleteporefeitodaobra

revolucionária,concordamosplenamentecomvonWiesequando

assinalaqueoconceitojurídicodeCartellieripermitedistinguircom

clarezaoconceitoderevoluçãodosconceitosdereação,contra-

revolução,restauraçãoegolpedeEstado.14

5.Conceitopolítico

Oconceitopolíticoeoconceitojurídicoderevoluçãose

interpenetramdetalformaquesóporabstraçãoeartifíciodemétodo

podemosdestacá-los,semcontudoperderdevistaaprofunda

conexidadequeentreambosseproduzpelanaturezamesmado

fenômenorevolucionário.

AdimensãopolíticaémanifestaquandoPaulSchrecker

excelentementeafirmaque“nodomíniopolíticopodemosdefinira

Page 879: Ciência Política - Archive

revoluçãocomoamudançailegaldaconstituição”oudesdequea

Constituiçãoéumsistemadenormasqueestabelecemascondiçõesde

legalidade,como“umamudançailegaldascondiçõesdelegalidade”.15

AtentaoAutormenosnoconteúdoéticoounasinstituiçõesgeradas

pelarevoluçãoparacaracterizá-lapoliticamentedoquenoaspecto

formal,noprocessomedianteoqualsefazemalteraçõesdavida

política.Asaber,éverdadeirarevolução,paraele,todamudança

constitucionalfeitapormeiosdistintosdaquelesqueaConstituição

prevê.

Contudooaspectopolíticodarevoluçãovistotão-somentecomo

“mudançailegaldascondiçõesdelegalidade”nãoseconfinaànegação

dopoderconstituinteconstituídoouderivado(poderdereforma

constitucional)nemaoapeloaoutrasviaspolíticasqueconduzamde

mododiretoàinstauraçãoviolentadeumpoderconstituintepleno,

meiosapenasinstrumentaisdaaçãopolíticarevolucionária.

Ascausasformaisdeterminantesda“mudançailegal”devemser

tomadasemconta.Ocupando-sedaRevoluçãoFrancesa,Tocquevillese

reportouàperdadecrençadaclassedominantenajustiçadesua

causaenacapacidadedeopordiquesàondainovadoraecríticaquese

levantaraparacontestaraordemestabelecida.Todoosistemase

apresentaentorpecidoeimpotenteparareagircontraaerosãodeseus

Page 880: Ciência Política - Archive

valorestradicionais.Adúvidadavelhacamadadirigentenosdireitosde

suaposição,comodissevonWiese,fazvacilanteoedifíciopolítico.16

Suainsegurançaemdeclararoquedevesersustentadoeoqueseacha

aptoparamudaroucair,suaincapacidadeemacomodar-seauma

novasituação,oriundadereformasacauteladorasapressama

catástrofedeEstado,pelocolapsorevolucionário.

Comefeito,antesdedestruirasestruturaspolíticasemudaro

regime,arevoluçãovinhaabalandojátodoosistemaepredispondoa

consciênciasocialparaaceitaramudançaeacatarasnovas

instituições.

AquicabelembrarapassagemdaobraondeMontesquieudizque

osacontecimentosamadurecemeeisasrevoluções.17Querdizera

situaçãorevolucionáriaouoamadurecimentodoespíritorevolucionário

constituemaparteimportantíssimaquesepoderiachamarde

“revoluçãoinvisível”,quandoestaprecedeoatocríticodatomadado

poderesetravanaconsciênciadasociedade,ondeagonizamosvelhos

valores.

Arevoluçãopolítica,noentenderdeCarlJ.Friedrich,resulta

invariavelmentedefalhasnosistemadegoverno.18Nenhumarevolução

sefezquenãoexprimisseumamodalidadededescontentamentocoma

autoridade,umacrisedeconfiançanacamadadirigente,deumaparte,

Page 881: Ciência Política - Archive

edoutraparteumavontaderesolutademudareimporamudançapela

violência.

Acrisepolíticaqueproduzasrevoluçõeslevaporconseguinteao

paroxismoacontradiçãoentre“opoderdecima”,minoritário,eo“poder

debaixo”,majoritário.Adireçãodamáquinagovernativaésúbitae

violentamentedeposta,arrastandonaquedahomens,idéiase

princípiosdegoverno.Anovaordempolíticaengendraoutras

lideranças,outrosquadros,outrosprogramas,outraclassedominante

embuscadeconsolidação,outrodireitoconstitucional.

Emsuma,éaceitáveloconceitopolíticoderevoluçãocomo

“modificaçãoviolentadosfundamentosjurídicosdeumEstado”,

segundoHerrfahrdt,ousegundooDicionáriodaRealAcademia

Espanholacomotoda“mudançaviolentanasinstituiçõespolíticasde

umanação”,porquantoemambosficapatenteadoopapeldaviolência

queSoreltãobemassinalou,edomesmopassosepõeforteconotação

nosignificadodamudançainstitucional.

6.Origemecausadasrevoluções

FoiMarxsemdúvidaopensadorquemaisacentuouaorigemdas

revoluçõesnaesferaeconômica.“Quandoasforçasmateriaisde

produçãonaSociedadecaememcontradiçãocomasrelaçõesde

produçãoexistentes”,aquitemos,segundoomarxismo,ofatogerador

Page 882: Ciência Política - Archive

dos

movimentos

de

força

e

violência,

que

fazem

aluir

revolucionariamenteosistemapolítico,econômicoesocial.

Nemtodoscompartemporémdessepontodevistaunilaterial,

indobuscarnoutrasesferassociaisoutrascausasquenãoasdeestrito

teoreconômicoparaaíexplicaraaçãorevolucionárianasociedade

humana.

Asguerrasreligiosasquemarcaramumperíodorevolucionário

importantíssimodaHistóriadificilmentesecompadeceriam,segundo

algunsescritorespolíticos,comainterpretaçãoeconômicaquepartedo

exclusivismomarxista.

Aorigemecausadasrevoluçõesseprenderiaaumalenta

acumulaçãodedescontentamentoseimpugnaçõesdaordemdevalores

implantadosouimpostosatéachegadadeummomentocríticode

Page 883: Ciência Política - Archive

deterioraçãofinal.OsgolpesdeEstadopodemserimprovisados,as

revoluçõesjamais.19

Dopontodevistahistórico,ainvestigaçãosociológicatem

averiguadocertasmotivações“externas”que,senãooperam

propriamentecomocausas,têmtodaviaumefeitoimediatono

desencadeardasrevoluções:asguerrasperdidas(oscasosda

Alemanha,ItáliaeRússia,apósaPrimeiraGrandeGuerraMundial),a

impopularidadedemedidaseconômicas(apolíticafinanceira

desastradaqueprecedeuaRevoluçãoFrancesa),asreformassociais

malogradas(odecretoqueinstituiuaSUPRA—Superintendênciada

ReformaAgrária—equesepropunhaafulminarolatifúndionoBrasil

àsvésperasde31demarçode1964),apolíticatributáriainjusta(a

opressão

fiscal

que

precipitou

na

Inglaterra

as

revoluções

parlamentaresdoséculoXVII)eassimpordiante.20

Page 884: Ciência Política - Archive

Determinadoscientistassociaisquedespolitizamaorigemdas

revoluçõestêmdeúltimoatentadomaisparaapericulosidadedas

épocasdeprosperidade,quandoaeconomiadeumEstado,progredindo

rapidamente,preparaumsaltoqualitativonasfasesdoseu

desenvolvimento,dequepossaresultarascensãoporexemplodenova

camadaempresarial.

AindanocasodaRevoluçãoFrancesaamisérianãoforacausa

dossucessosrevolucionáriossegundooentendimentodecertacorrente

desociólogosepensadores.Emverdade,o“terceiroestado”,ouseja,a

burguesia,nãopostulavaoutracoisasenãoopoderpolítico,poiscomo

classeprósperaeeconomicamentedominanteselhedeparavaa

contradiçãoexasperadoradeveramáquinadoEstadonasmãosdorei

edasordensaristocráticaseprivilegiadas.

7.Asdistintasfasesdaaçãorevolucionária

Oprocessorevolucionário,segundoassinalaHeberle,compreende

váriasfasesenuncaseexaurenumúnicolevante.Comefeito,uma

situaçãorevolucionária,pelomenosemnossotempo,nãoseassemelha

àsguerrascivisclássicas.Nãoépossívelafirmarcomprecisãoadata

emqueumarevoluçãocomeça,muitomenosprever-lheotermo.

Podeperfeitamenteacamadadirigentenemsequerter

consciênciadequeestátravandoumabatalharevolucionária,ainda

Page 885: Ciência Política - Archive

quandoempregameiosrepressivosquenaaparênciaservemde

sustentaçãorotineiraaumpoderestabelecidoepresumidamente

consolidado.Noentanto,arevoluçãojáestáacesa,minando-lheas

basesdeapoioepreparandocomlentidãoumcolapsoirremediável(“as

revoluçõessefazemantesderebentar”ousejalesrevolutionssontfaites

avantd’éclater,segundoMaurras).

Asrevoluções,conformeasseveraHeberle,sãoprecedidasde

longoperíododedistúrbiossociaisetentativaslocaiselimitadasde

empregodaviolência,pequenasguerrilhas,motins,apardelevantes

revolucionáriosfrustrados.Ocientistasocialenumeraosexemplosda

Rússiaem1905edeváriospaíseseuropeusem1830e1848,quando

efetivamentesituaçõesrevolucionáriasseconfiguraramcomtoda

clareza,atéculminaremnopontocríticoqueésempreatomadado

poder.21Omesmoquadrosedesenhanospaísessubdesenvolvidos,

ondearevoluçãoéfomentada“defora”e“dedentro”eaindaquandolhe

nãofaltaaautenticidadenacional,étrágicovê-laafogadapoliticamente

nosmitosedogmasdaideologia,quedecertosãoumestorvoà

emancipaçãoeconômicaeàeliminaçãodosubdesenvolvimento.

“Despolitizar”arevolução,tãorecheadanospaísessubdesenvolvidosde

radicalismoideológico,sóserápossívelatravésdasviasdoconsensoe

dareconciliação,eestasunicamenteasofereceopluralismopartidário.

Page 886: Ciência Política - Archive

Ondehouverumaditaduraimplantadaurgevolvertãodepressaquanto

possívelàredemocratizaçãoeàreconstituiçãodopoder.

Tocanteàsfasesquearevolução,umavezdesencadeada,segue

necessariamente,ossociólogosdarevoluçãoemnossoséculo,comopor

exemploGeigereHeberle,continuamestimandoporválidaadistinção

emdoisperíodosessenciais:umdenegaçãoedestruição,quandoos

revolucionáriosseempenhamobstinadamenteecomafincoemeliminar

tudoquandoprocededopassadoeoutroaseguir,maisreflexivo,em

queprocuramretomarumapartedaquiloquecuidavamhaver

derrotado.22

ComefeitoentendeTh.Geigerqueháduasfasessucessivasdo

desdobramentorevolucionário,aprimeiradeaspectonegativo,emque

tudoexplodesubitamente,acarretandodestruiçãoemorteeasegunda,

deaspectopositivo,emquearevoluçãoconstróiesepositivano

conceitodeLederer,aquemtodarevoluçãoseafigura“arealizaçãode

umaidéia”.23

Odebatecientíficodarevolução,acentuaTh.Geiger,deve

considerararelaçãocorrelativadoquefoidestruídoedoquese

construiu.Prossegueafirmandotaxativoquenenhumarevoluçãose

exaureemdestruiçãoequeadestruiçãonãoaniquilatotalmenteo

patrimôniocultural,masferedemorteasinstituiçõessociaise

Page 887: Ciência Política - Archive

sobretudo,acrescentamosnós,asinstituiçõespolíticasqueàquelasse

vinculam.

Asfasesdeumarevoluçãonãosãototalmentedominadasporum

radicalismointransigente,queleianumcatecismodeabsoluta

fidelidadeaoprogramarevolucionário.Háocasiõesdeaparentes

contradiçõeseoportunismo,detransaçõesemaleabilidade,fasesaté

dóceiseflexíveisquealentamasforçascontra-revolucionárias.Mas

quandoafirmezadepropósitostemocimentoideológicoeasinceridade

inabaláveldaliderançarevolucionária,taisfasesnãooferecemmaiores

riscosdeimpugnaçãoeficazesãoaténecessáriasàconsolidaçãoda

obrarevolucionária.

Daquiresultaentão,nodizerdeHeberle,queonovoregimesevê

compelidoaconcessões,aretrocessospassageiros,diantedecorrentes

adversasecircunstânciasdesfavoráveis,chegandoarestaurações

daquiloquedeiníciodestruíraouremovera.Noentanto,asseverao

sociólogo,taisprocessosdeacomodação,tomadosemgeralcomo

desvios,emnadaalteramadireção,osrumosparaosquaissemove

implacavelmenteemseuspropósitosobstinados.24

Umaclassificaçãocorrentenamodernaliteraturasociológicadas

revoluçõesdistinguequatrofasessucessivasnosmovimentos

revolucionáriosquandointervémofatorideológico:a)avitóriados

Page 888: Ciência Política - Archive

extremistas,b)oterrorideológico,c)otermidor,emquearevolução

entranafase“conservadora”,ultrapassadooradicalismodos

fanáticos25ed)aditaduradohomemforte.Assim,aRevolução

Francesa,daBastilhaaNapoleão,eaRevoluçãoRussa,dainsurreição

dePetrogradoaStalin.Nesseesquema,RobespierreeLêninforam

líderesdafaseemqueafogueiraaindacrepitavanosdestinosincertos

darevolução.

8.AcríticadaRevolução

Ahistóriacríticadasrevoluçõestemconduzidoaconclusões

discrepantesquandosefazaavaliaçãodeseusresultadosouquandoo

processorevolucionáriomesmo,comofenômenodasociedadehumana,

entraemjulgamento.

Oelogiodarevoluçãoéfeitonaturalmenteporquantosseacham

comprometidosafundocomumesquemadeidéiaseprincípiospara

alterarasbasesdosistemasocialepolítico,comeventualempregoda

violência.Esseempregodachamada“violênciarevolucionária”émais

característicodasrevoluçõespolíticaseideológicas.Sociologicamente

porémnemtodosentendemsejaaviolênciatraçoessencialàíndoledas

revoluções.Sendoassimtãocensurada,nãoestariaelasequernabase

dasmaisimportantesrevoluçõesquebeneficiaramogênerohumano,

comoachamadarevoluçãotecnológicaearevoluçãoindustrial,

Page 889: Ciência Política - Archive

revoluçõestácitasesilenciosas,masnemporissomenosfecundas,as

únicasemverdademerecedorasdeencômiospelapartedesacrifício

quepouparam.

Novocabuláriopolíticoahistóriadasrevoluçõesproduziuentrea

opiniãoocidentalumaconotaçãodegrauvariável,conformeaépocaeo

paísouconsoanteospensadoresideológicosdarespectivacrítica.

Resvalaportantodoelogioedaconfiançanasvirtudesdoprocesso

revolucionárioparaadescrença,quetemfulminadoporinútilo

instrumentodasrevoluçõespelasquaispagariaogênerohumanopreço

demasiadoalto,exorbitanteemvidasesangue,oquenãojustificariaas

supostasvantagens.Aquiacríticaétidaporreacionária,alipor

progressista.Oscorifeusdarevolução,homensdofuturo;osinimigos,

pessoasretrógradas,reacionárias,contra-revolucionárias.

Enquantoacríticasemanteveaestenívelnãoprovocava

dificuldadesdeidentificaçãonemlevavaaconfusões.Th.Geiger,por

exemplo,apontavaparaoshistoriadorespolíticoseteóricoslegitimistas

doEstado,queassinalavamnasrevoluçõessobretudooaspecto

negativo,adestruiçãoouinterrupçãodeuma“evoluçãosensata”,a

negaçãodeumaordemválida,comênfase,segundoele,noempregoda

violênciaenoprocessodedemoliçãodasinstituições.26Eramestesos

reacionários,ostradicionalistas,osamigosdopassado,oscronistasda

Page 890: Ciência Política - Archive

contra-revolução,osfautoresdaimobilidadeinstitucional.Doutraparte

oscríticosliberais,queviamnoinstrumentorevolucionárioomeiopor

excelênciadecriaraliberdade(deinspiraçãoindividualista)eimplantar

amodalidadedegovernolimitado;faziamoelogiocalorosodarevolução,

principalmentedasrevoluçõesburguesas,quaisporexemploa

RevoluçãoFrancesaeaRevoluçãoAmericanadoséculoXVIII.

DepoisdaRevoluçãoSoviética,quereeditouemsangueatragédia

daRevoluçãoFrancesaetrouxeaopodereaodomíniodamáquina

estatalaclasseobreira,arevoluçãoentrouaservistanovamentecom

desconfiança.AdireitaescreviacomOrtegayGassetsobreo“ocasodas

revoluções”eocentro-liberal,descrentenapossibilidadedereavera

liderançadahistória,concorriatambémparaadesvalorizaçãodotermo.

Emsocorrodessasposições,asociologiapolíticaeacríticade

cátedradosteóricosmaisimpressionadoscomademocraciasocialeas

conquistastecnológicasimpunhamoconceitonovoda“desnecessidade

darevolução”edas“revoluçõesdesnecessárias”,comoesforçoglobalde

despolitização.Oreflexodaondadecontestaçãovalorativadarevolução

serefletenaliteraturapolítica,nomeadamentenospsicólogossociaise

historiógrafosfranceses,quedesdeMicheleteDanielGuérinaTardee

LeBonseafastaramdoconceitoda“revoluçãogenerosa”,ainda

imperantenahistoriografiarevolucionáriadeThiers,segundoobservou

Page 891: Ciência Política - Archive

Decouflé,paraaimagemdarevoluçãopervertida,dasilusões

revolucionáriasdesfeitas,dasmassasdementesecruéis,revolução

enfimcomoumalesãocerebralnocorpodasociedadehumana.Olivro

deSorokin,aSociologiadasRevoluçõesde1925,trazaindaoecodessa

posição.

Nassociedadessubdesenvolvidas,porém,ondeamudança

revolucionáriapeloconsentimento(reformasocial)oupelaviolênciase

fezimperativodeprogressoeatédesobrevivência,apalavra“revolução”

nãosedeteriorou,nemsedesvalorizou.

Conservaoprestígiodomitoqueviriacriarumahumanidade

nova,valendocomo“atodeemancipaçãohumanaesocial”.Aocontrário

portantodoquesucedeunospaísesmaisadiantadosdomundolivre.

Aqui,nageografiadosubdesenvolvimento,nenhumacorrente

ideológica,dosextremismosoudocentropôdeeficazmentemonopolizá-

laetodosaconsagramnocorounânimedequeelabemexprimee

traduzanseiosesentimentospolíticosesociaisdominantes.Não

empregá-laserianocivo,quaseexpor-seaumaconotaçãonegativa.

Tornou-sedestarteapalavrarevoluçãoalgosagrado,expressão“tabu”

nodicionáriopolíticodosfatosedasidéiasdossubdesenvolvidos,com

empregoindistintoportodasasfiliaçõesideológicas;palavrafelizque

peloseuusoambicionatudoexprimireacabapornadaexprimir.

Page 892: Ciência Política - Archive

Enfim,amaisdominadapelo“terrorsemântico”quecaracterizaa

terminologiapolíticadenossotempo.

Quantoaosefeitospropriamenteditosdarevolução,acrítica

negativainsistenasuaimprevisibilidade.Sabe-secomoasrevoluções

começam,masnuncaquandoecomoacabam,conformeaparece

sobejamenterepetidoporseuscríticos.Estes,alémdisso,eéocasode

Heberle,demonstramquenãoraroasrevoluçõesexcedememextensão

eprofundidadetudoquantoestavanaestimativadosrevolucionários,

tudoquantoestesaguardavamecomodesdobramentodoprocessojá

nãopuderamsujeitaraonecessáriofreio,expondo-seelesmesmoscom

freqüênciaaoholocaustopessoalnasarasdarevolução.

Umdos“paradoxostrágicos”darevolução,dizaquelesociólogo,é

queomovimentoquepartiradepromessasdeliberdadenãosóparaa

classerevolucionáriamasparatodoopovo,sevêsúbitae

inevitavelmenteconduzidoaumgovernodeterrorouaumaditadura,

ondeatémesmoseusfilhosmaisdiletos,osguiasdaprimeirahora

acabamdevoradospelasprópriaschamasdoincêndiorevolucionário,

pordissentiremdosrumostomadospelonovoregime.27Esteter-se-ia

apartadodesuasfontesiniciais,resvalandonatraiçãodaspromessas

deliberdadefeitasàsmassasouperdendoaespontaneidadecriadora

daprimeirahoraatéingressarnumafaseautocráticadeditadura

Page 893: Ciência Política - Archive

imprevista,aquelaqueRobespierre,procurandosalvaroconceitoda

revoluçãoimersanoterror,proclamavaparadoxalmenteser“o

despotismodaliberdade”.

Page 894: Ciência Política - Archive

9.AreformaQuandoestalaumasituaçãodecrisesocialduasúnicasopções

seoferecem:areformaouarevolução,osmeiospacíficosouosmeios

violentos.Contudonemtodasassociedades,nemtodososguiastêma

necessáriaserenidadeecompreensãoparaenxergarodilemapostoem

taistermos.

Consisteareformanumconjuntodeprovidênciasdealcance

socialepolíticoeeconômico,medianteasquais,dentroduma“moldura

defundamentosinalteráveis”,sefazaredistruiçãodasparcelasde

participaçãodasdistintasclassessociais.Comareforma,corrigem-se

distorçõesdosistemaederegime,atende-seaobemcomum,propicia-

seapazsocial,distribui-semaisjustiçaentreasclassesressentidase

carentes.

Sãoasreformasosinstrumentosporexcelênciaqueservempara

evitarasrevoluções,poissendoareforma,segundoTh.Geiger,jáuma

“revoluçãoemminiatura”,ouquantitativamenteumasériedesaltos,a

verdadeéque“váriaspequenasrevoluçõesimpedemumagrande

revolução”.28Fazendooelogioextremodoreformismo,E.deGirardin

diziaaindanoséculoXIXqueamelhorrevoluçãonãovaliauma

reforma.

Page 895: Ciência Política - Archive

Exemplodefelizêxitodoproselitismoreformistafoinodizerde

AlfredMeuserodasocial-democraciaalemãaotermodaPrimeira

GuerraMundial.Contribuiuparasalvarocapitalismoeparaimpedira

totaldesintegraçãodasinstituições,nãoobstanteainspiraçãosocialista

deseuprograma.

Errosuportambémqueareformanãosejainstrumentode

conservaçãoenãopossaserbrandidacoerentementepormãos

conservadoras.OmodelobismarckianonaAlemanha,comsua

legislaçãoprecursoradaprevidênciasocial,édeverasilustrativode

opçãoconservadoranapraxisdareformasocial.

Dopontodevistapolítico,oreformismonaInglaterra,durantea

primeirametadedoséculopassado,pôdeevitarqueaagitaçãocartista

setransformassenumarevolução.Perduraaindaoespíritoreformista

comofilosofiadeaçãodasociedadeinglesadenossaépoca.Ali,

conservadoresetrabalhistastêmsobejamentedemonstradoquea

imaginaçãopolíticadopovoinglêsdispõesempredemeioscomque

obstaratempoassurpresasdaviolênciarevolucionária.

EssemesmoreformismopreservouhistoricamenteosEstados

Unidos,comoNewDealrooseveltiano,apósadepressãode1929,de

umatempestadesocial,cujasconseqüênciasseriamimprevisíveispara

asociedadeamericana.

Page 896: Ciência Política - Archive

Ofalsoreformismopodetodaviaconstituir-senomaisperigoso

combustíveldeexplosãorevolucionária.Aoinvésdetolherarevolução,

apropagaefacilita,multiplicandoasfontesdedescontentamento

social.Abatetambémporinteiroaconfiançadosgovernadosnas

liderançasenfraquecidasedesmoralizadas.

A“boavontade”eas“boasintenções”nãobastam;urgeacimade

tudoacapacidadeparaempreenderreformas,odescortinopolíticocom

quefazê-lasaceitáveiseplausíveis.Entrearevoluçãoeareforma

passamaquelas“fronteirasflutuantes”,deSzende,etodootatodo

estadistaseráportantopouco,quandooptapeloreformismointeligente.

Areformaouevoluçãoébasicamente,decertopontodevista,um

conceitojurídico,constitucional,queempregatodososmecanismos

legaispossíveis,paralograr,atravésdoconsentimentoedaconfiança

dasclassesangustiadas,achavedosproblemasmaisdelicados,cuja

soluçãoosfanáticosdaideologiasóestimampossívelatravésdoapeloà

violênciarevolucionária.

Aevolução,comodisseHartmann,semovepelocaminhodo

direitoearevoluçãopelocaminhodaforçaou,nessaslindesapertadas,

arevolução,segundoele,“ésimplesmenteoprosseguimentoda

evoluçãoporoutrosmeios”.29Essesmeiosredundamdemodoinevitável

numdesenlaceimprevisívelenaquedadasinstituições,aquiloqueo

Page 897: Ciência Política - Archive

reformismoprudenteintentaprevenir.

Arevoluçãosempretransitapelaesferadoimprevisível.A

reforma,aocontrário.Deantemãoquasechegaoreformadoracalcular,

asabereamensurarosefeitosdasmedidasimpostas.Tudoéposto

debaixodecontrole,paraosrecuosoportunoseosavançosdevidos.A

revolução,aorevés,desencadeiareações,queescapamaumfreio

racional.Oslíderesnadapodemcomosrumosqueaação

revolucionáriaeventualmentetomaenãorarosãovítimasdas

tempestadestrazidaspelosprópriosventosquesemearam.

10.Acontra-revolução

Todarevoluçãosuscitaforçascontra-revolucionárias,constituídas

namaiorpartederemanescentesdosistemadeposto,sempreatentos

àsdebilidadesdofatorevolucionário,paraempreender,sepossível,a

restauraçãodaantigaordem.

Acontra-revoluçãorecrutatambémnovosadeptosnamassados

descontentescujonúmerocresceàmedidaqueomovimento

revolucionáriodesatendeesperançasouexigênciasdegrupos,aferrados

ainteressessupostamentelegítimosquearevoluçãocontrariou.

Oelementocontra-revolucionárioseconservapoisativono

decursodoprocessoeseusapelosàviolênciapodemocorrertambém

comfreqüência,volvidosinvariavelmenteparafrustrarosfinsquea

Page 898: Ciência Política - Archive

revoluçãohajaprogramado.Cultivandoemtodasasclasseso

ressentimentoeaoposiçãoogrupocontra-revolucionárioexploracoma

máximahabilidadeasfendasabertasnaliderançarevolucionária,

atraindoparaosseusquadrososdissidentesevalendo-sedetodosos

meiosocultoseabertos,lícitoseilícitosdesemearapropaganda,que

minaráoprestígiodaidéianovaedesmoralizaráacúpuladirigente,

cujaascensãoaopodersedeunacristadarevolução.Sepossível,

intentarádesalojá-la,consumandoarestauração.

Seriaabsurdoporémaspiraraumarevoluçãopermanente,esse

contrassensoqueequivaleriaapretenderinstitucionalizaroquepela

suanaturezamesmaéestadodeexceção.Docontrárionãoseriaa

revoluçãoaquele“esquemaabreviadododesenvolvimentodasgerações

seguintes”,nemhaverianecessidadederevoluções,porquantonão

abreviariamcoisaalguma,nãosetendoabreviadoasimesma.

Asrevoluçõesengendramsualegalidadeeselegitimamna

confiançadosgovernados.Esta,umavezconservada(ecomoédifícil

conservá-la!)constituiaprincipalforçaqueparalisaasinvestidas

contra-revolucionárias.Ogranitodaopiniãopúblicaéquefazforte

aquelaconfiança,sendoassimaopiniãopública,segundoHartman,a

plataformanecessáriadecooperaçãoconjuntadosdistintosgruposda

população.

Page 899: Ciência Política - Archive

LembraesseautoraafirmativadeKropotkinquandodeclarava

que“umapitadadeidealésemprenecessáriaparaqueasgrandes

revoluçõestenhamêxito”.30Comefeito,aperdadesseidealouélan

amorteceoânimorevolucionárioeespargeadescrençanasmassas,

ficandoospoderesoficiaissustentadospelaforçanuadasarmas,base

precáriaàconservaçãoeestabilidadedetodaordempolítica.

Quandosechegaafalaremesgotamentodoespírito

revolucionário,acrescentaHartman,acurvadarevoluçãoacabana

contra-revolução.Entramemcenaosrestauradores.Talocorreuem

França,acentuaaquelepublicista,depoisde1793eKropotkincitaa

cartadeumdeputadoquedizia:“Portodaapartejáseestácansadode

revolução”.31

Umaobservaçãoindispensávelarespeitodosmovimentoscontra-

revolucionários:quandobemsucedidos,arestauraçãoqueelesoperam

nuncasefazcompleta.Umarevoluçãoconsumadatemaspectose

traçosirrevogáveis.Aborrachadenenhumareaçãoapagaráastintasde

umpassadorevolucionárioqueseconsumou.Ahistórianunca

retrocedeaospontosdepartida,nuncareconstituiinstituições

peremptas,nuncafazaressurreiçãodassociedadesmortas.LuísXVIII

ascendeuaotronodosBourbonsnarestauraçãocontra-revolucionária,

masofeudalismoeacorporaçãojamaispuderamserrestabelecidos.

Page 900: Ciência Política - Archive

Nissoasrevoluçõesagredidaseesmagadasficamvingadaspela

história,queéirreversível.

Acontra-revoluçãomanifestadoutrinariamentesuaíndole

restauradoraesepropõeadestruira“destruição”earestabelecera

ordemalteradarevolucionariamente,conformeestánopensamentode

JosephdeMaistre,umclássicodessaposição.EmConsidérationssurla

France,obradecabeceiradosrestauradores,citadaporDecouflé,lê-se:

“orestabelecimentodamonarquia,quesechamacontra-revolução,não

seráumarevoluçãocontrária,masocontráriodeumarevolução”.32

DizDecoufléqueocontra-revolucionárioéadeptodarepressão

totaleabrangeemsuacategoriatodosaquelesquevêemnarevolução

unicamenteacessosdeloucuraecrimescoletivos,sendoarevolução

paraeles,segundoessemesmoautor,umatodedemênciageralea

contra-revolução“umaoperaçãoderetornoàrazãoeànaturezadas

coisas”.33

Page 901: Ciência Política - Archive

11.OgolpedeEstadoNãoobstanteasafinidadesquetemcomosconceitosde

revolução,guerracivil,conjuraçãoeputsch,ogolpedeEstadonãose

confundecomnenhumadessasformasesignificasimplesmentea

tomadadopoderpormeiosilegais.

Seusprotagonistastantopodemserumgovernocomouma

assembléia,bemassimautoridadesjáalojadasnopoder.

SãocaracterísticasdogolpedeEstado:asurpresa,a

subitaneidade,aviolência,afriezadocálculo,apremeditação,a

ilegitimidade.

Faz-assempreaexpensasdaConstituiçãoeseapresentaqual

umatécnicaespecíficadeapoderar-sedogoverno,independentedas

causasedosfinspolíticosqueamotivam.

DiziavonJehringqueummovimentobemsucedidochamava-se

revolução,

mal

sucedido

se

denominaria

porém

Page 902: Ciência Política - Archive

rebelião

ou

insurreição.34

Lêninsistematizoudemododiferenteadistinçãoentrerevolução

einsurreição,“reduzindoainsurreiçãoaumatécnicaparticularde

tomadadopoder,paraopor-lheadensidadecientíficadarevolução”.35

OgolpedeEstadobemsucedidonãorarosevestetambémda

roupagemdarevolução,aquesereportaironicamentevonJehring;

malogradosereduznoentantoaumcrimepolíticodealtatraição.A

históriamostraquenosgolpesfrustradosadistânciaquevaiao

cadafalsoouàproscriçãoéamesmaquelevaàcurulpresidencial,

vitoriosaaintentona.

Acríticademodousuallouvaasrevoluções,vendo-astão

somentepeloângulopositivo,masemgeraldeploraosgolpesde

Estado,emprestando-lhesconotaçãoirremediavelmentepejorativa,de

queosautoresdogolpecomfreqüênciaseenvergonham.

Detestadosdopovo,quedelesnãoparticipa,poissãosemprede

inspiraçãoeexecuçãoextremamenteminoritáriaefechada,osgolpesde

Estadoconstituem,segundoDupin,“assediçõesdopoder”.Um

publicistadeconvicçãoconstitucionalistaprofunda,qualfoiGuizot,

diziasarcásticoquemuitosgolpesdeEstadoocorriamnomundoeo

Page 903: Ciência Política - Archive

queeramaisgravealgunsatébemsucedidos!

Típicodos“sistemasmonocráticosinstáveis”,ondesãomais

usuaisconformeatestamosexemplosextraídosdaAméricaLatina,

ÁfricaeOrienteMédio,ogolpedeEstadonoséculoXXéatécnica

políticaprediletadetomadadopoderquemaisseempreganospaíses

subdesenvolvidosouemfasededesenvolvimento.Atraiçãoeomedose

aliamnogolpedeEstado.Desseflageloasconseqüênciassãoduras

paraassociedadesqueopadecem.AssimodizRapoport,cientista

políticoamericano:

“Tudoquantoaleiimpessoalfazfloresceréameaçadopor

contínuosgolpesdeEstado.Afibramoralsedesintegra;ainjustiça

campeiaemtodososEstadoscomtradiçãodegolpesdeEstado.O

mundomaterialétambémgrandementeafetado.Osricos,nosantigos

despotismosdevastadosporgolpesdeEstado,enterravamoseuouro;

nospaísessubdesenvolvidos,ondeéquaseimpossívelencontrartrês

sucessõeslegítimaseconsecutivas,elesoenviamparaosbancos

suíços.Emambososcasos,otemordeatosadministrativosarbitrários

tolheoempregosocialbenéficodocapital”.36

Masnemtodosossociólogossãounânimesemexprobraros

efeitosruinososdogolpedeEstado.HajavistaSamuelHuntington,da

UniversidadedaCalifórnia,citadoporRapoport.Aprovaosgolpes“bem

Page 904: Ciência Política - Archive

intencionados”,quevisamareformasocial.OgolpedeEstadonem

sempreselheafigurasintomapatológicosenãoqueemdadasocasiões

constituiummecanismosadiodemudançagradual,asaber(dizele)o

equivalentenãoconstitucionaldasmudançasperiódicasdecontrolede

partidomedianteprocessoeleitoral.

Nessemododeentender,ogolpedeEstadoseriapreconizado

paraaquelespaísesondeainstabilidadedasinstituiçõespolíticase

sociaisnãopermiteoempregonormaldosmecanismosconstitucionais

desucessãodopoder.

12.AtécnicadogolpedeEstado

OgolpedeEstadopossuiumatécnicaquelheéprópriaelhedáa

notapeculiaretípica.Conhecidodesdeaantigüidade,ofereceexemplos

históricoscélebres.DestescumpredestacarodeCésar,49anosantes

daeracristã,ferindodemortearepúblicaromana;odeCromwell,em

1653,usurpandoasprerrogativasdegovernodamonarquiainglesae

instaurandoumaditadurarepublicanadefachadaparlamentar;ode

NapoleãoBonaparte,em1799—famosogolpedeEstadode18do

Brumário—queabriucaminhoàascensãodefinitivadeBonaparteao

poderabsoluto;odeNapoleãoIII,em1851,sepultandoasinstituições

republicanaseaconstituiçãode1848;odeMussolini,em1922,que

preparouaeradofascismonaItália;odeGetúlioVargasem1937,ao

Page 905: Ciência Política - Archive

instituirnoBrasilochamadoEstadoNovoeogolpecomunistade

Praga,desferidoem1948,contraarepúblicaparlamentare

democráticadoPresidenteBenes.

AtécnicadelevaracaboogolpedeEstadotemsido

cuidadosamenteestudadaeinvestigadadeúltimoporcientistas,

sociólogoseescritorespolíticos,sendodasmaisnotáveisacontribuição

deCurzioMalapartecomseulivroclássico,ATécnicadoGolpede

Estado,queestáparaogolpedeEstadoassimcomooPríncipede

Maquiavelemrelaçãoatodamodalidadefriaeinescrupulosade

conservaçãodopoder.

Malaparteeoutrosqueversaramigualtemadescrevema

possibilidadedeumgrupodepessoasextremamentereduzidoparalisar

os“centrosnervosos”técnicosdeumanação.Atravésdaocupaçãode

pontoschaves,comoosmeiosdetransporte(estaçõesrodoviárias,

estradasdeferroeaeroportos),usinashidrelétricasedeabastecimento

d’água,estaçõesdecorreiosetelégrafos,centraistelefônicas,redações

dejornaiseestaçõesdetelevisão,osautoresdogolpedeEstado

imobilizamareaçãodogoverno,cujaquedaacarretamnumaação

rápidaefulminante.

Nodecursodogolpe,quandomuito,aopúblicoédadoperceber

indícios,ouvirrumores,pressentirquealgodeanormalseestá

Page 906: Ciência Política - Archive

desenrolando.Casosháemqueaboatariasealastraabafadaou

ostensiva,decorrentedeindícioscomoumamovimentaçãosuspeitade

tropasnacidadeoutiroteionasadjacênciasdopaláciopresidencial.Em

geral,noespaçode24horasumgolpesedefine.Desbaratadooubem

sucedido,opúblicoquenãoparticipou,masesteveatentoesilencioso,

testemunhaaexpediçãode“comunicados”ou“proclamações”,dando-

lhecontadodesfecho.Seforocaso,recebeofatoconsumadoedobraa

cervizaosnovosdonosdopoder.

Osautoresdeumgolpequasesempresãoemnúmerolimitado.

Viaderegra,políticosdenomeada,altosdirigenteseoficiaisdeelevada

patentedasforçasarmadas,investidosjáemfunçõesestataiseem

condiçõesdemovimentarouneutralizarcontraogovernoque

pretendemderribarpartedosmecanismosdopoder,comopolícia,

exércitoeburocracia,ondepreviamenterecrutarambasesdeapoioou

simpatia.

Demáximaimportânciaparaoeventualbomêxitodaoperaçãoé

apersonalidadedolíder,suacapacidadeconjuntadeplanificare

improvisar,bemcomosuacoragempessoalnoatocríticodeexecução

dogolpe.Todadeficiênciapessoalnesseaspectopodedeitarporterraa

tentativadeapoderar-sedogoverno.

13.GolpedeEstadoerevolução

Page 907: Ciência Política - Archive

EmalgunspaísessubdesenvolvidosogolpedeEstadotemsido

confundidocomarevolução.Osmovimentosarmadosdequeresulta

quebradalegalidadenãoraroenganamosseusautores,bemcomo

quantososobservam.Casosháemquesupõemestarfazendouma

revoluçãoouempresençademudançarevolucionáriaenoentanto

outracoisanãofazemoutestemunhamsenãoumgolpedeEstado,

desferidoemboracomintençãorevolucionária.Eoutrasocasiõesháem

quecuidamestarreprimindomotinsoupequenasinsurreiçõeseem

verdadeestãoenvolvidosjánumarevoluçãoouguerracivil.

Daquianecessidadedeindicarosprincipaispontosque

permitemdistinguircomaclarezapossívelessasduascategorias:o

golpedeEstadoearevolução,emordemaevitaromenoríndice

possíveldeequívocos.

Umcritériomeramentequantitativoqualoqueempregou

Nawiasky37nãosatisfaz,pormanifestainsuficiência.OgolpedeEstado

partiria,segundoele,daextremidadeoucúpuladapirâmidesocial,ao

passoquearevoluçãoviriadopovooudeamplasmassas.Melhor

critérioseriatalvezfixar-senaprofundidadedamudançaintroduzida,

emboraconservandoanoçãodequeefetivamentearevoluçãoseorigina

“embaixo”aopassoqueogolpevem“decima”.

Comefeito,sehámudançadosistemapolítico,remoçãodavelha

Page 908: Ciência Política - Archive

ordemsocial,adventodenovaideologiaquesirvadeinspiraçãoebase

aoregimerecém-instituído,alteraçãoessencialnaformaousistemade

participaçãopolítica,éclaroquehouverevoluçãoenãogolpedeEstado,

porquantoestenuncatocanasraízesdaorganizaçãosocial,nemcria

umnovodireito,massimplesmente,nascircunstânciasmais

favoráveis,secontentacompequenasreformas.

OgolpedeEstadodemodousualécontraumgovernanteeseu

mododegovernar,aopassoquearevoluçãosefazcontraumsistema

degovernooufeixedeinstituições;contraaclassedominanteesua

liderança;contraumprincípiodeorganizaçãopolíticaesocialenão

contraumhomemapenas.

OutrostraçosqueajudamadistinguirogolpedeEstadoda

revolução:aquele—escreveGiuseppeLoVerde—éobradepessoas

queemgeraljáparticipamdogovernooudoordenamentoexistentedo

Estado,aopassoqueestaéiniciativadepessoasquenãotêmounão

devemteressaparticipação;narevoluçãoviaja-separaodesconhecido,

paraumaaventuradeidéiascombatismonumasériedemotins,

desordensedistúrbiosmarcadospelaespontaneidadedaação

revolucionária;nogolpedeEstadoosfinssãopreestabelecidose

buscadoscomrigor,disciplinaeobstinação;narevolução,deinício,a

responsabilidadesediluinumaliderançacoletivaeanônimaesóno

Page 909: Ciência Política - Archive

decursooudesfechodoprocessorevolucionárioéqueemergeolíder

definitivo,feitofreqüentementepelarevoluçãomesma;nogolpede

Estado,aocontrário,olíderjáexiste,aresponsabilidadeseconcentra

todasobresuacabeça,edesuasaptidõeseenergiadependeráemlarga

parteodestinodomovimento;emsuma,umlíderapenaspoderádar

umgolpedeEstado,masnenhumhomemsozinho,pormaisforteque

seja,serásuficientementepoderosoparafazerumarevolução,semo

concursodasmassas.OsgolpesdeEstadoemgeralsãodeíndole

autocrática,reacionáriaeditatorial;jáasrevoluçõesresultamdeum

colóquiocomasmultidõesesãodenaturezafundamentalmente

democrática.

Ogolpeéaprevalênciadointeresseegoísticodeumgrupooua

satisfaçãodeumasedepessoaldepoder,arevolução,oatendimento

dosanseioscoletivos,movendo-sedeconformidadecomnovos

princípioseidéias;arevoluçãoéalegitimidade,ogolpeéausurpaçãoe

comotodasasusurpaçõesconcomitantementeilegaleilegítimo.

Asrevoluçõesquasesempresepropagamportodaanaçãoe

representamumlevantedevastíssimasproporções;jáogolpese

circunscrevegeograficamente,atingindoapenasospontosurbanos

vitais,quandonãoseconcentraunicamentenascapitais,nocoração

políticodopaís,ondeOgovernotemasededetodososórgãos

Page 910: Ciência Política - Archive

essenciaisdaadministraçãoedopoder.

1.Amostrarecentedessequadrodevacilaçõesepolêmicas,ondeselêdemodoclaroa

superstiçãoaquiapontada,ocorrenaposiçãodosquesustentamoucombatemo

movimentode1964nestePaís.Osautoresdamudançafalamemrevolução,seu

opositoresemgolpedeEstado;osprimeirosfixamno31demarçoadata

comemorativadofeitorevolucionário;ossegundoscontestamaqueladatae

maliciosamenteatransferempara1°deabril;aliconotaçãootimista,aquialusão

pejorativadeinconformismo,emambososcasosporémhádisputaredobradaao

redordeumnomeprestigioso:arevolução.

2.L.VonWiese,“DieProblematikeinerSoziologiederRevolution”,in:DasWesender

Revólution,p.7.

3.L.VonWiese,ibidem,p.7.

4.R.Heberle,HauptproblemederPolitischenSoziologie,p.275.

5.KarlGriewank,DerneuzeitlicheRevolutionsbergriff—EntstehungundEntwicklung,

p.81eAlfredVonMartin,OrdnungundFreiheit,p.158.Veja-seigualmenteRudolf

Heberle,ob.cit.,p.275.

6.R.Heberle,ob.cit.,pp.275-276.

7.GeorgePettee,“Revolution—TypologyandProcess”,inFriedrich,CarlJ.,

Revolution,VIII,p.29.

Page 911: Ciência Política - Archive

8.Ortega&Gasset,“Elocasodelasrevoluciones”(ApéndicesdeElTemadeNuestro

Tiempo)12ªed.,pp.127-161.

9.GeorgePettee,“Revolution—TypologyandProcess”,in:Revolution,p.27.

10.R.Heberle,ob.cit.,p.276.

11.R.Heberle,ibidem,p.277.

12.L.VonWiese,“Schlusswort”,in:DasWesenderRevolution,p.52.

13.Lassalle,UeberVerfassungswesenI,p.491.

14.L.vonWiese,DieProblematikeinerSoziologiederRevolution,pp.7-8.

15.PaulSchrecker,“RevolutionasaprobleminthephilosophyofHistory”,in:

Revolution,pp.37-38.

16.L.vonWiese,ob.cit.,p.21.

17.Montesquieu,Del’EspiritdesLois,XXVIII,p.39.

18.CarlJ.Friedrich,“Anintroductorynoteonrevolution”,in:Revolution,p.7.

19.Contraessepontodevista,Ledereré,aliás,umdosmelhoressociólogosda

revolução.Afirmaele:“Nãosepodeexplicarumarevoluçãoporerroseinconvenientes,

acrescentandologoquenenhumgoverno,pormaisjustoepontualqueseja,poderá

transporosfundamentossociaiscondicionantesdesuaposiçãodeforça.Daqui

resulta,emdeterminadascircunstâncias,umaposiçãosemprehostilaosnovos

princípiosqueseguidamentevãoemergindo.E.Lederer,EinigeGedankenzur

Page 912: Ciência Política - Archive

SoziologiederRevolution.

20.Dopontodevistadomarxismo,arevoluçãopolíticaseprecipitaquandoalutade

classesatingeníveisinsuportáveisesedesenrola“rápidaeapaixonadamente”,com

umasucessãodepartidosserevesandonopoderatéqueanação,empresençadesses

violentosabalos,vêconsumar-se“em5anosoqueemcircunstânciasnormaislevaria

umséculo”(KarlMarx,RevolutionundKontrerevolution,p.41).

21.R.Heberle,ob.cit.,p.283.

22.A.deTocqueville,L’AncienRégimeetlaRevolution,2ªed.,pp.10-11.

23.Th.Geiger,“Revolution”,in:AlfredVierkandt,HandwoerterbuchderSoziologie,p.

Page 913: Ciência Política - Archive

513.24.R.Heberle,ob.cit.,p.291.

25.Notermidoraalmarevolucionáriadopovoseentorpece,comainiciativa

transferidaparaogovernorevolucionáriojáinstalado.Notermidor,observaDecouflé,

arevoluçãosaidaordemdodia,caracterizando-seessafase“pelaexclusão

permanentedopovodetodaparticipaçãonoprocessorevolucionário,doravante

partilhadopelossobreviventesdosgrandesterroresepelosdirigentesdesencantadose

resolutosdasegundageração”.AndréDecouflé,SociologiedesRevolutions,p.111.

26.Th.Geiger,ob.cit.,p.513.

27.R.Heberle,ob.cit.,p.286.

28.Th.Geiger,obcit.,p.512;CarlJ.Friedrich,ob.cit.,p.4.

29.L.M.Hartmann,“ZurSoziologiederRevolution”,inWiese,DasWesender

Revolution,ob.cit.,pp.25-26.

30.L.M.Hartmann,ibidem,p.31.

31.L.M.Hartmann,ibidem,p.31.

32.AndréDecouflé,ob.cit.,p.115.

33.AndréDecouflé,ibidem,pp.115-121.

34.R.vonJehring,DerZweckimRecht,4ªed.,v.1.

Page 914: Ciência Política - Archive

35.A.Decouflé,ob.cit.,pp.13-14.

36.DavidC.Rapoport,“Coupd’État:Theviewofthemenfiringpistols”,in:Friedrich,

Revolucion,p.74.

37.HansNawiasky,AllgemeineStaatslehre,2/II,p.41.

27

OSGRUPOSDEPRESSÃOEATECNOCRACIA

1.Conceitoeimportânciadosgruposdepressão—2.Osgruposde

pressãoeospartidospolíticos—3.Modalidadesdosgruposesua

organização—4.ATécnicadeaçãoecombatedosgruposde

pressão—5.Ainstitucionalizaçãodosgruposdepressão—6.O

aspectonegativo—7.Oaspectopositivo—8.Corretivosàação

dosgrupos—9.Natecnocracia,aterceiraameaça?

1.Conceitoeimportânciadosgruposdepressão

OséculoXXconhecesociedades,grupos,classesepartidoscomo

substratodavidapolíticaemsubstituiçãodosantigosmitosdocidadão

soberanoedavontadegeral,tãousuaisnaabstratateoriadoEstado

quenosveiodaherançaliberal.Sãomitosquesósobrevivemna

linguagemjurídicadasConstituiçõesedospublicistas;demodoalgum

encontramhojeconfirmaçãonosfatos.

Ademocraciasocialnãoexprimeavontadedohomem

Page 915: Ciência Política - Archive

empiricamenteinsulado,masreferidosempreaumaagregação

humana,acujosinteressessevinculou.Essesinteresses,parcialmente

coletivoseembuscaderepresentação,servem-senademocracia

pluralistadoOcidentededoiscanaisparachegarematéaoEstado:os

partidospolíticoseosgruposdepressão.

Osgruposdepressão,segundoJ.H.Kaiser,sãoorganizaçõesda

esferaintermediáriaentreoindivíduoeoEstado,nasquaisum

interesseseincorporouesetornoupoliticamenterelevante.Ousão

gruposqueprocuramfazercomqueasdecisõesdospoderespúblicos

sejamconformescomosinteresseseasidéiasdeumadeterminada

categoriasocial.1

SanchezAgestaeM.AndréMathiotquasecoincidemnaspalavras

comquecaracterizamosgruposdepressão.Escreveoprimeiroem

1967:“Osgruposdepressãonãosãooutracoisasenãoasforças

sociais,profissionais,econômicaseespirituaisdeumanação,enquanto

aparecemorganizadaseativas”.2Quinzeanosantesdocatedráticoda

UniversidadedeMadrid,jáopublicistafrancêsM.AndréMathiot

afirmaratambém:“Eles(osgruposdepressão)nãosãooutracoisa

senãoasforçassociais,econômicaseespirituaisdanação,organizadas

eatuantes”.3

Aconteceporémqueambosseequivocamdandoumconceitoque

Page 916: Ciência Política - Archive

antesseaplicaaoschamadosgruposdeinteressesenão

especificamenteaosgruposdepressão,quealiásderivamdaqueles.Os

gruposdeinteressespodemexistirorganizadoseativossemcontudo

exerceremapressãopolítica.Sãopotencialmentegruposdepressãoe

constituemogênerodoqualosgruposvêmaseraespécie.Ogrupode

pressãosedefineemverdadepeloexercíciodeinfluênciasobreopoder

políticoparaobtençãoeventualdeumadeterminadamedidadegoverno

quelhefavoreçaosinteresses.

AancianidadedosgruposdepressãoéproclamadaporBurdeau

quenãotrepidaemafirmarquesempreexistiramesempre

pressionaramosgovernos,comadiferençadequeontemeram

exterioresaopoder,“parasitas”ou“clientes”e“hojesãoopróprio

poder”ou“omodonaturaldeexpressãodavontadedopovoreal”.De

último,“osgruposnãoexploramopoder,masoexercem”,são“poderes

defato”.4Tocanteàexistênciaanteriordegruposdepressão,

duvidamosdaimportânciaqueBurdeaulhesatribuiuporquantoa

nossoverasformaçõesprofissionaisoudeinteressessósepolitizaram

comoadventodaindustrialização,comanovasociedadeindustrial,

quandosefizerammaiscopiososesobretudomaisconscientesdoteor

reivindicatórioedaposiçãoquetinhamdeassumirempresençadeum

Estadoconfessadamenteintervencionista.

Page 917: Ciência Política - Archive

Osautoresmaismodernosfalamem“descoberta”dosgruposde

pressãoenasuaascensão,antevendoodeclínioeamortedospartidos

políticos.Munrohácercademeioséculojáosbatizarade“governo

invisível”.Trumanentendequesãoelesos“verdadeiros”sujeitosda

açãopolítica.Outrospublicistas,exprimindoasmesmasapreensões,

vêemnosgruposaimagemde“EstadosdentrodoEstado”ouchegam

aopontodeasseverar,conformeressaltaKrueger,queoEstadoeseus

órgãosjásucumbiramaoassaltodessasformações.

Aliás,aCiênciaPolíticaamericanafoiaquemaiscedodespertou

parareconheceremtodaaplenitudeaimportânciadosgrupose

assentarnoseuestudoosfundamentosdaqueladisciplinarenovada.

Comefeito,quemprimeiroabriuosolhosàvisãodanovarealidadefoio

escritorpolíticonorte-americanoA.F.Bentley,seguidovinteanos

depoisporE.P.Herring,ambosautoresdeobraspioneiras.5

Hojeaimportânciadosgrupostomoutaldimensãoquenãoviu

nenhumexageroemafirmarquesãopartedaConstituiçãovivaouda

Constituiçãomaterialtantoquantoospartidospolíticoseindependente

detodainstitucionalizaçãooureconhecimentoformalnostextos

jurídicos.

Friedmannacercou-sebastantedaverdadeaoponderarqueo

“governomediantegruposprivadoséhojeumfatoirreversível”.6A

Page 918: Ciência Política - Archive

opressãodoEstadotodavianemporissosefezmenor.Aohomem

sozinho,colhidonaredeimplacáveldosgrupos,poucoselhedáquea

coaçãovenhadoEstadoindividualmenteoudoEstadomanobradopelo

grupo;elavirásempre“decima”eaperdade“independência”do

Estadoemfacedogruponãoofarásentir-semaislivrenemmenos

oprimido.Odesconfortopsicológicotalvezsejaatémaisintenso,nesta

derradeirahipótese,porquantolhefaltaocontrolequesempreresulta

dailusãodeumEstadoimpessoalmenteregidopelossuperiores

ditamesdobemcomum.

Contemporaneamente,éenormeoacervodeestudose

investigaçõesemonografiasacercadosgruposdepressão,estudados

emtodasassuasmodalidadesetécnicasdeação.Aanálisedosgrupos

abrangeporigualainfluênciaquepodemexercersobreasorganizações

partidáriaseocorpodecidadãosduranteaseleições,bemcomosobre

osramosdopoderestatal—executivo,legislativoejudiciário—cujas

decisõestrazemcomfreqüênciaamarcadessaparticipaçãoinvisível.

HávinteanoseraumtemaquasevirgemnaCiênciaPolíticaede

escassabibliografia.Umabrilhantecientistabrasileiraobservouque

aindaem1950umvolumedaUNESCOconsagradoaostemas

contemporâneosdaqueladisciplinacontinhaapenasumartigosobrea

matériaeassimmesmocircunscritoaosEstadosUnidos.7

Page 919: Ciência Política - Archive

Aocomeçodadécadade60,porém,jáDuvergerescreviaquea

evoluçãodaFrançaedetodasasnaçõesocidentaissecaracterizava

pelodesenvolvimentodosgruposdepressão.Vinhamestescomefeito

ofuscarosistemapartidárioeomovimentosindical,conduzidosao

segundoplano,“desatualizados”oureduzidosjáasimplesfachadasque

meramenteimpediamavisãodolocalondeasverdadeirasforças

políticas—osgruposdepressão—travavamdemaneiracompetitivaa

batalhadas“decisões”políticasegovernavamdefatoospaísesmais

expostosàaçãodetaisforças.

2.Osgruposdepressãoeospartidospolíticos

Tantoospartidospolíticoscomoosgruposdepressãotêmde

comumanotacaracterísticadeconstituíremcategoriasinterpostas

entreocidadãoeoEstado,servindodelaçodeuniãoeponteoucanal

entreambos.Opartidopolíticodomesmomodoqueogrupodepressão

conduzinteressesdeseusmembrosatéasregiõesdopoderaondevão

embuscadeumadecisãopolíticafavorável.Sãoinstrumentos

representativosamboseosmaismodernosqueentramnoquadroda

democraciasocialdenossoséculo.Foramemlargapartedesconhecidos

oucombatidospelasantigasinstituiçõesdoEstadoliberal.

Noentanto,ressaltamlogoasdiferençasentreumpartidopolítico

eumgrupodepressão.Vejamosospossíveistraçosdedistinção,

Page 920: Ciência Política - Archive

assinaladosjáporautoresqueseocuparamdamatériaemtrabalhos

especializados:a)opartidoprocuraconquistaropodereseusobjetivos

políticossãopermanentesaopassoqueogrupodepressão,conforme

ressaltouDuverger,8atuaapenastransitoriamentesobreopodercom

umainterferênciapolíticaqueseexaurenaadoçãodaleioudamedida

dopoderpúblicopleiteada,paraatendimentodeuminteresseou

pretensão;ali,tomadadopoder,aqui,merainfluênciasobreopoder;b)

nopartidoaperspectivapolíticaéglobal,implicaumaconcepçãototal,

segundoSanchezAgestaeVedei,aopassoquenogrupoessa

perspectivaoufunçãoéunicamenteparcial;c)opartido,depreferência,

estariavolvidoparaointeressegeral,osgruposparainteresses

particularesdeseusmembrosnemsemprecoincidentescomaquele;d)

opartidopelasuanaturezamesmaseapresentaaptoageneralizaros

particularismosaopassoqueosgrupospelasuaíndoletendemaimpor

uminteresseparticularouapotencializaraunilateralidadedeuma

representaçãodeinteresses(Krueger);opartido,segundoWoessner,

constitui“aformadeorganizaçãonoâmbitodoEstado”,aopassoqueo

grupo(Verband),aformadeorganizaçãonocamposocial,sendoque“o

partidorepresentaopovo,istoé,oscidadãosnoEstado”,enquanto“o

gruporepresentaasociedadenosseusinteressesdiferenciados”;9f)os

partidostêmumaresponsabilidadepolíticadefinidaenormalmenteum

Page 921: Ciência Política - Archive

programaexpostoàpublicidade,aocontráriodosgruposdepressão

queexerceminfluênciapolíticasemacorrespondenteresponsabilidade

ecompropósitosnemsempreclarosàsvistasdaopiniãopública;eg)

enfim,segundoKrueger,éderessaltarqueospartidosconstituemum

temadaTeoriadoEstadoaopassoqueosgru-posdepressãoentram

aliunicamentequandoporsuaaçãoespecíficalogramumasignificação

positivaounegativaparaacoletividade.10

Tocanteaesseúltimotraçodedistinçãodiscordamosdo

constitucionalistaalemão,porquantonaCiênciaPolíticanorte-

americanaosgruposdepressãojáconstituemtalvezoeixodetodaa

investigaçãodarealidadepolíticavistaforadasilusõesaquea

perspectivameramenteinstitucionaltemconduzidooreconhecimento

dosfatoresqueformamemverdadeadecisãopolítica.

Seessessãoosaspectosmaisimportantesquepermitem

distinguirasduascategorias—opartidopolíticoeogrupodepressão

—nadaimpedequenoprocessopolíticoasduasformaçõesapareçam

nãorarounidasoucomoémaishabitualosgruposdepressãoestejam

enxertadosnocorpodospartidos.Suaatividadeintroduznaordem

constitucionalumelementonovodepoder,quenãoseachanostextos,

esemoqualosistemapartidáriopelomenosficariaininteligível.

SãonoEstadocontemporâneooqueasfacçõesforamemépocas

Page 922: Ciência Política - Archive

maisoumenosrecentes:poderosascondensaçõesdeinteresses

particulareseegoísticos,emporfiacomointeressesgeral.

Dasfacçõessedistinguemprincipalmentepelaespontaneidade

comquesurgemesedesfazem,àmedidaquevencemasquestões

propostasouadiantamosinteressesemcausa,emborahajaexemplos

váriosnosentidocontrário,ouseja,degruposdepressãoquetendem

cadavezmaisainstitucionalizar-seàsombradoEstado,emcompetição

comopoderoficial,navegandoemáguasprofundas,quasesempre

submersoseinvisíveis.

Pedeenfimocotejoentrepartidospolíticosegruposdepressão

quesereproduzaaexcelenteobservaçãofeitaporHerbertKrueger,

quandochamouaatençãoparaofatodequenãocontravémaessência

dosgruposdepressãopertenceromesmocidadãoadistintosgrupos,

numaplu-rifiliaçãoincompatível,aliás,comaíndoledospartidos

políticos,cujosfinsreclamamfidelidadeedisciplinaeobediência.11

DadoscolhidosporA.Pottermostramquea“ImperialChemical

IndustriesLtd”—auniãodascompanhiasquímicasinglesas—seacha

vinculadaanadamenosde80associaçõesougrupos!12

3.Modalidadesdosgruposesuaorganização

Nãoresultafácilestabelecerumatipologiadosgruposdepressão.

Dificilmenteseenquadramnumaclassificaçãorígida.Algunsautores

Page 923: Ciência Política - Archive

dãopreferênciaàidentificaçãodosgrupossegundoaordemdos

interessesqueesposam,demodoquedistinguembasicamenteaqueles

queseocupamapenasdevantagensmateriaiseosqueseconsagrama

propugnarfinsmenosegoísticosemaisaltruístas,deâmbitomoralou

decunhoideológico.

Osprimeirossãovirtualmenteasorganizaçõespatronaise

obreiras,asentidadesrurais,bemcomoasassociaçõesprofissionais

daschamadasclassesliberais(associaçõesmédicas,ordemdos

advogados,clubesdeengenharia,etc);jáossegundosabrangem

organizaçõesfilantrópicasaparentementedesinteressadas,aparde

associaçõesbastantepolitizadasoucomelevadadosagemideológica,

funcionandoexterioresaospartidospolíticosounãorarovinculadosa

estes.Formam-setambémdentroouforadosparlamentos,servindode

linhaauxiliaràsagremiaçõespartidárias,dasquaispodemconstituir

todaviaemdeterminadoscasosverdadeirasdissidências.

Masnemtodosentendemqueessereconhecimentodosgrupos

segundoanaturezadosinteressesrepresentadossejaomaisidôneoe

preciso,procurandoentãovaler-sedeoutroscritérios,entreosquais,o

datécnicadeação,dosmétodosempregadospelosgrupospara

alcançarosresultadosaquesepropõemedaíentãoobteruma

classificaçãomenosimpugnável.

Page 924: Ciência Política - Archive

Demáximaimportânciaparaofelizêxitodeumgrupodepressão

ésemdúvidaoprincípiodeorganizaçãosobreoqualrepousa.O

poderiodeumgruposemedequerpelograudeeficiênciaeorganização

comqueempregaosseusinstrumentosdeação,querpelaqualidadee

quantidadedeseusmembros.AssinalaKruegerqueacapacidade

combativadogruposerátantomaisaltaquantomaisperfeitasesólidas

asbasesdesuaorganização.Tantoqueacrescentaaqueleautor—um

pequenogrupodegrandesempresáriospodedispordemuitomais

poderdoqueumaassociaçãodemassascompostadehomensfracose

irresolutos.13Masnemsempreéfácilcongregarnumafrenteúnicade

pressãoumcertonúmerodepotentadosoudeassociaçõesindustriais

emvirtudedadificuldadedecomposiçãodosinteressesrepresentados,

quasesemprecontraditórios.Nestasúltimas—asassociações

industriais—conformeevidenciouvonderGablentz14onúmerode

membroséreduzido,formamanatadopoderioeconômico,masnão

rarosuaaçãosobreopoderseenfraquecemutuamentepela

impossibilidade

de

harmonizar

interesses

ou

Page 925: Ciência Política - Archive

de

manter

a

homogeneidadedogrupoparaexercerumapressãoeficazedecisiva

(unssãoprodutores,afirmaoautor,outrosfabricantes;estes,

importadores,aqueles,exportadores).

Aimportânciadacúpulaqueencabeçaogrupodepressão

assomacomnitidezquandosetratadeorganizaçõesdemassas

(sindicatosoperários),vistoquenessasentidades,conformepondera

aquelepublicista,osinteresses,aocontráriodoquesepassacomas

organizaçõespatronais,sereduzemcommaisfacilidadeaum

denominadorcomum.Aquantidadepede,emnomedaeficáciada

pressão,disciplinaeliderança.Semtaisrequisitososgrupos

numerosossãoosmaisvulneráveis,expostosacaíremsubitamentena

impotênciaefrustração.

Osinteressesorganizados,nãoimportasuanatureza,se

apresentamportantocomoosmaisaptosaexercerempressãovitoriosa.

Váriasautoridadesemmatériadegruposdepressão(D.Truman,C.K.

Allen,Fain-sod,W.W.Rostow,KaisereKrueger),assinalamaextrema

importânciadequeserevesteograudeorganização,mostrandocomo

interessesvastoserelevantes—osdamassadeconsumidorespor

Page 926: Ciência Política - Archive

exemplo—têmsempreesbarradonaimpotência,àmínguade

representaçãoadequada.

Funcionando

à

semelhança

de

verdadeiras

empresas

especializadas,osgruposdepressãonosEstadosUnidosse

cristalizaramemorganizaçõesestáveis:oschamadoslobbies,autênticos

escritóriosinstaladoscomtodoorigortécnicoecomsuaatividadejá

regulamentadaemlei.

Osgruposdepressãonãorepresentamporémtodososinteresses,

nemocupamtampoucotodasasfaixasdasociedadequedemandam

representação.Doisescritorespolíticosamericanos,atentandopara

essefato,lembravamobomhumordoPresidenteTrumanque

jocosamenteseproclamavalobbyistdetodoopovo,porquantoeste,

marginalizadoemseusmaiscarosinteressespelosgruposdepressão,

estavasozinhoenãodispunhadenenhumlobby.15

4.Atécnicadeaçãoecombatedosgruposdepressão

Osgruposquerema“decisãofavorável”enãotrepidamem

Page 927: Ciência Política - Archive

empregarosmeiosmaisvariadosparaalcançaressefim.Aperfeiçoaram

umatécnicadeaçãoquecompreendedesdeasimplespersuasãoatéa

corrupçãoe,senecessário,aintimidação.Otrabalhodosgrupostanto

sefazdemaneiradiretaeostensivacomoindiretaeoculta.Apressão

delesrecaiprincipalmentesobreaopiniãopública,ospartidos,os

órgãoslegislativos,ogovernoeaimprensa.

Aopiniãopúblicaé“preparada”eseforocaso“criada”paradar

respaldodelegitimidadeàpretensãodogrupo,queesperavaver

facilitadasuatarefaeporessaviaindireta(apoiodaopinião)lograro

deferimentodosfavoresimpetradosjuntodospoderesoficiais

competentes.

Dobraraopiniãoeemcasosmaisagudosdarnopúblicouma

lavagemcerebralseconseguemedianteoempregodosinstrumentosde

comunicaçãodemassas.Ogrupomobilizarádio,imprensaetelevisãoe

pormeiosdeclaradosousutisexteriorizaapropagandadeseus

objetivos,querpelapublicidaderemunerada,querpelaobtençãoda

condescendênciaesimpatiadosquedominamaquelesmeios.Produzido

oclimadeapoio,aogruposelhedeparaaautoridadepúblicajá

favoravelmentepredispostaaosseusinteresses.

Apressãosobreospartidosvisadepreferênciaaosparlamentares

demodoindividual.Olobbyistouagenteparlamentardogrupoprocura

Page 928: Ciência Política - Archive

convencerodeputadodasboasrazõesdeumprojetodelei,oferece-lhe

fartomaterialdemonstrativodequesetratadematériadesuperior

interessepúblico,ministra-lheosargumentosparaodebateoua

justificaçãodevotoetornaclarasasimplicaçõesqueaposiçãoporele

adotadapoderáternofuturodesuacarreiraparlamentar.

Seessesrecursosporémfalhameorepresentantenãosemostra

dócilàtécnicadepersuasãodogrupo,poderáesteempregarmeios

extremosquevãodosubornoàintimidação.Umacampanhade

incompatibilizaçãododeputadocomsuasbaseseleitoraiséarmade

queosgrupossevalememalgunspaísescontraparlamentares

recalcitrantes.Chegamautilizarmeiosdecorrupção,ameaçandoassim

acarreirapolíticadodeputadoquenãotemnuncasegurasua

reconduçãoaopostoeletivo.Expostocomocandidatoaumapressão

porvezesirresistível,acabaelecapitulandoparagarantiraprópria

sobrevivênciapolítica.

Masondeosistemapartidárioéforteeospartidosdispõemde

umatécnicadecontrolesobreoprocedimentodeseusdeputados(haja

vistaomandatoimperativopartidárioinstituídopelaEmendan.1à

Constituiçãode1967),orepresentanteencontraráumescudode

proteçãoeabrigocontraaaçãodaquelesgrupos,poissabequenuma

opçãoentreopartidoeogrupo,seficasse,comesteúltimo,

Page 929: Ciência Política - Archive

transgredindodiretrizespartidárias,perderiaomandato.Éclaro

todaviaqueovalorpráticodessagarantiaélimitadoerelativo,

dependendonãosódascircunstânciascomodoambientepolíticode

umpaís.

Quandoosgrupossevolvempropriamenteparaospartidos,a

técnicadedominaçãoconsisteemproporcionarfinanciamentocopioso

às

campanhas

eleitorais.

No

parlamentarismo

com

sistema

multipartidário,ondeumpequenopartidopodedecidirdasortede

ministérioemocasiõesdecrise,osgruposdepressãotêmaíoterreno

idealparasuamanobras.

Quantoaopoderlegislativo,osmétodosdepressãoseexercem

sobreeletalvezcommaisfacilidade,sobretudonascomissões

parlamentares.Comefeitosãoascomissõesórgãosporexcelênciaque

têmmerecidoapreferênciadosgrupos.Alipodemelesconcentrartodo

opesodesuainfluênciasobredeputadosemnúmerobastante

Page 930: Ciência Política - Archive

reduzido,poisascomissõessempresãopouconumerosasecoma

vantagemdequeafunçãodaquelesdeputadosconstituiachavedo

processolegislativo.Asortedasleis,ondeoparlamentoaindalegisla,se

decidemenosnoplenáriodoquenascomissõestécnicasdecada

câmara.

Quandoosgruposacometemogovernopodemfazê-loemalguns

casosabertamente.Acontestaçãoemtalhipóteseseservede

manifestaçõesdemassasquevariamdagrevecomdistúrbiose

violênciasapasseatasdeprotesto,desfilenasruas,obstruçãoe

paralisaçãodotráfego,fechamentodecasascomerciais,formasde

boicote,etc.

Tocanteàimprensa,osgruposdepressãooudispõemjáde

poderosasorganizaçõesjornalísticasouinfluenciamosmeiosde

comunicaçãodemassasatravésdapublicidade.Apressãomais

refinadaéaquelaquesefazmediantenotaseeditoriais,queopúblico

supõeinspiradasnointeressedacoletividade.Formaopúblicoportanto

suaopiniãosegundoaquelapautasutilmenteimpostapelogrupo.Este

acabaextraindoenfimdopoderexecutivoumadecisãoacomodadana

aparênciaaointeressegeralesematritoscomaopiniãopúblicajá

domesticada.

5.Ainstitucionalizaçãodosgruposdepressão

Page 931: Ciência Política - Archive

Comosgruposdepressãoacontecealgosemelhanteaoquese

passoucomospartidospolíticos:objetodedesconfiançageraltantodos

juristascomodosestadistasquerelutamaindaemadmitiranova

realidadeoureconhecerapresençairreversíveldessasformações.

Descurá-lasequivaleaumfingimentofarisaico.Seriaanticientíficaa

posiçãodopublicistaouconstitucionalistaqueseaferrasseaum

preconceitocômododeignorânciaindolente.Maiscedooumaistardeos

fatossereproduzirãoealegislaçãoordináriaouodireitoconstitucional

abriráasportastambémàinstitucionalizaçãodosgrupos,descobrindo

ummeiodealojá-losnoorganismopolíticolegalmentedisciplinado.

Ospartidosconheceramnadoutrinaosseusinimigoscapitais,

atémesmoentreosquemaisseidentificavamcomoprincípio

democráticocomoGeorgeWashington.Deigualforma,osgrupos

intermediários,nosquaisumpensadordotomodeRousseau,abalizado

teoristadademocraciamoderna,viaumacontradiçãomortalcomo

princípiodavontadegeral,queumavezexcluídaarruinariatoda

concepçãodemocráticadepoder.Asociologiaeaciênciapolíticaporém

jásecapacitaramdaextremaimportânciadaquelasagregações,onde

comefeitocorreonervocentraldetodoosistemapolíticoda

democraciapluralistadoOcidente.

Umsópaísintroduziuemsuasleisanovamatéria,dandoo

Page 932: Ciência Política - Archive

primeiropassonosentidodeinstitucionalizarosgruposdepressão.

Comefeito,em1946,o“FederalRegulationofLobbyingAct”,aprovado

peloCongressodosEstadosUnidos,disciplinoupelavezprimeiraa

atividadedosgruposdepressãoquedesdemuitoatuavamjuntodo

poderlegislativo,debaixodasseguintesdenominações:lobby,ouseja,o

grupoorganizado(apalavrasignificaliteralmente“antecâmara”,

“corredor”,evocandoolocaldacasalegislativaondeosagentesdos

gruposdepressãobuscavamdepreferênciaestabelecercontatoou

audiênciacomoscongressistas),lobbying,ométododeaçãoqueeles

empregamelobbyistenaspessoasqueseentregamaessegênerode

atuaçãopolítica.Aleireconheceulegítimootrabalhodosgruposde

interessesedomesmopassotrouxeumasériededisposições

restritivas,obrigandotodososlobbyistenaseregistraremnaCâmara

dosRepresentantesenaSecretariadoSenado,arevelaremaorigem

dassomasempregadasnoexercíciodeinfluência,bemcomoadar

contadapublicidadedospropósitosdogrupoedasquantiasgastas

comaadvocacialegislativanoCongresso.

Todasastentativasantecedentesdelegislaracercadolobbyoude

reprimi-losnostribunaishaviaesbarradonaPrimeiraEmendaà

Constituição,quegarantiaaliberdadedepalavraeodireitodepetição.

Noentanto,foramdecepcionantesosfrutoscolhidospelalei,que

Page 933: Ciência Política - Archive

produziumaisumefeitopublicitáriodoquepropriamenteumresultado

eficazdeembargoàaçãodosgrupos.

Emprimeirolugar,aleitidapormuitoscomovagaeabstratafôra

pessimamenteredigidaeaseguirseuspropósitosnãoficaramtãobem

definidosquantoseesperavaomitindo-seemimporqualquerrestrição

deordemgeralaoexercíciodasatividadesdolobby.Suapreocupação

maiorpareciaserameraidentificaçãopúblicadaspessoasvotadasao

lobbyingeoregistrocontábildasdespesasempregadasnolobby.A

contestaçãocomeçoucedocomosgruposalegandocomosemprea

inconstitucionalidadedaleique,segundoeles,feriadireitosdaPrimeira

Emenda.Buscavamevasivasdeinterpretaçãoafimdefrustrar-lheos

efeitos.

Em1954,aSupremaCortenocasoUSv.Harriss,reconheceu

porémaconstitucionalidadedalei.Emdecorrênciadoatodo

Congresso,milharesdepessoasecentenasdegruposseinscreveram

respectivamentecomolobbystenecomolobbiesnosregistroscriados

pelaleide1946.

EstimaFinerem40onúmerodegruposcomrepresentaçãoou

escritóriosemWashington,masafirmaqueapenasaquintaparte

desseslobbiessefazdignadeaudiênciaerespeitoporser

autenticamenterepresentativadeinteressesdominantes.16Informa

Page 934: Ciência Política - Archive

LêdaBoechatRodriguesque“dadatadaLeiaté1957registraram-se

4.806lobbyisten”.17

Olobbyamericanofuncionacomoumescritórioperfeitamente

aparelhado,comequipestécnicasaltamenteselecionadas,umcorpode

pesquisadoresespecializadosemcondiçõesdeofereceraimediata

informação,quepermitaesclarecereorientarorepresentante,objetode

pressãoparlamentarpelogrupo.

DeclaraFinerqueoníveldecompetênciadolobbyistèexcelentee

emmédiaultrapassaodocongressistaaquemprestainformação.O

quadrodeagentesdeumgrupopodeabrangerdesdeoex-congressista

(estepelaleiemvigordepoisdeumcertotempodeafastamentoda

funçãolegislativa)aoadvogadoejornalistadentreosmaisinfluentesna

capitalenopaís.

Detalformaogrupodepressãofoiprimeiramenteumfenômeno

políticoamericanoquetodarazãoteveHutchinsquandoescreveuque

osEstadosUnidossão“opaísdogrupodepressão,ecomotalcuidado

bem-estardaquelesqueestãosuficientementeorganizadosparafazera

pressão”.18

Ocupando-sedosgruposdepressãonaquelepaís,Bernsdorf,

apóstomá-lossegundoaacepçãolatadegruposdeinteresses,mostra

queexistemnosEstadosUnidos1.500associaçõesempresariais

Page 935: Ciência Política - Archive

atuandonaesferafederal,4.000câmarasdecomércio,70.0000

entidadessindicaise100.000associaçõesfemininas.19

NaAlemanhaOcidental,segundoomesmoautor,asassociações

deinteressesseelevama3.600eaforçadosgrupossemede

quantitativamentenessecotejo:menosde5%doeleitoradoseacham

filiadosapartidospolíticosaopassoque39%daspessoasque

trabalhamestãoorganizadasemgruposdeinteresses.20

Odestinodasinstituiçõesdemocráticaspareceestardemodo

indissolúvelvinculadoàsorganizaçõesdeinteressequeformamo

grandemosaicodopluralismopolíticoesocialdosEstadosocidentais.

Otratamentocientíficoeracionaldosgrupos,suainstitucionalização

inevitávelpoderáocasionarnovasformasdeequilíbrio,quepreservem

todaviaosfundamentosdemocráticosdosistemaeretiremtodoopeso

depessimismoquerecaiteoricamentesobreaaçãodessesgrupos,

personificaçãodaunilateralidadedeinteressescontraaprevalênciado

interessegeraledavontadepopular.

AleieaConstituiçãohãodechegartambémaosgruposde

pressãocomoempassadorecentíssimochegaramaospartidospolíticos

econtinuamachegaremoutrospaíses,ondesefezpatenteopropósito

deinstitucionalizá-los.

Page 936: Ciência Política - Archive

6.OaspectonegativoProduziu-seaoredordosgruposumaatmosferadedesconfiança

esuspeitaquevênessesorganismosintermediáriospermanente

ameaçaaoEstado,aogoverno,àdemocracia,àordemrepresentativa.

Foiessepelomenosoaspectodominantenasprimeiras

contribuiçõesquealiteraturapolíticaofereceusobreotema,

focalizandonasconclusõesoladoaltamentenegativodosgruposde

pressão.Suapresençapatológicaseriaindíciojádegravesperturbações

naexistênciadascoletividadespolíticas.Acríticadecombatetomou

posiçõesextremasetransformouogrupodepressãonumaespéciede

fantasmacujasapariçõesso-bressaltavamademocracia,impedindo-lhe

onormalfuncionamento.

Vejamostodaasériedosargumentosqueproliferaramparafazer

dogrupoaimagemsombriaquenãofoidetodoretificadaemseus

ângulosmaisinjustosecontinuaaindapredominantenostrabalhos

usualmenteapresentadossobreoassunto.FalaVedeldeummoralismo

farisaicodecombateaogrupodepressão.Essemoralismonão

desapareceu.

Antesdemaisnada,recaisobreogrupoaacusaçãodesacrificar

sempreointeressegeral.Masnuncaseapresentacomclarezaoque

Page 937: Ciência Política - Archive

sejaesseinteressegeral,envolvidoordinariamentenumalinguagem

vaga,obscura,abstrataenãoraropedanteedoutrinária,quepoucoou

nadasignifica.

Depoisdelevaraodescréditoaquelesgrupospelodespudorcom

queequiparamtodasortedeinteresseaochamadobemcomum,a

críticaacusaogrupodepressãodepatrocinarprivilégiosedeempregar

aintimidação,osubornoeacorrupçãoemtodassuaspossíveis

variantes.

Diz-seademaisqueogrupodepressãonãofaztriunfararazãoe

obomsenso,porémointeressedosmaisfortes,apoiadosnopoderdo

dinheiro,daorganizaçãoeeventualmentedonúmero.

Afirma-sedomesmopassoqueogrupoexerceumaação

contumazdemistificaçãodaopinião,servindo-seprincipalmentedos

instrumentosdecomunicaçãodemassasmediantepropagandadirigida

queentorpeceopúblicoeparalisa-lheacapacidadederesistênciae

discernimento.

Háquementendaqueatémesmolargaseprestigiosas

associaçõesdeinteressespodemaparecerexpostasàaçãodeumgrupo

depressãoformadonacúpulaedetodoopontodistanciadodasmais

legítimasaspiraçõesdaorganização,cujoprincípiorepresentativo

usurpou,desviando-oemseuempregoparafinseobjetivosque

Page 938: Ciência Política - Archive

estariamemdesacordocomoverdadeirosentirdosassociados.21A

cúpuladirigenteseapropriarianessecasoda“políticadogrupo”de

conformidadecoma“leidebronze”dasoligarquias,enunciadapor

Michels.

DizKrueger,cientistapolíticoalemão,queosgrupos,atuando

desembaraçada

e

soberanamente

na

estrutura

do

Estado

contemporâneo,acabarãopor“dissolverademocraciarepresentativa”e

substituí-lapor“umsistemadegruposfederados”.Reputa-osassim

incompatíveiscomoprincípiodemocrático,escrevendo:“UmEstado

nãopodeassentar-sesobregrupos,poisasomadosgruposnão

correspondeaoconjuntodoscidadãosnemàtotalidadedeseus

interesses:talEstadoseriasempreumaoligarquia,emcujotopo

apareceriaminevitavelmenteaquelesinteressesquedispusessemde

maisforçaparaprevalecer”.22

Acoligaçãodegrupospoderiaresultarnumagrupocracia,de

Page 939: Ciência Política - Archive

conseqüênciasfataisparaumEstadofundadonainspiraçãodo

sentimentodemocrático.Acompetiçãodosgrupos,poroutraparte,

segundoacríticadecontestação,nãoseriavantajosanemafastariaos

víciosinerentesàpresençadaquelasagregaçõesdepressão,vistoque

doconfrontosairiatriunfantenãoomelhorinteresse,nemomais

legítimooumaisrazoável,senãooquechegasseprimeiro,dispusessede

maisforçaeatuassecomímpetomaisagressivo.Crêemquantosassim

pensamqueapresençadegruposextramamenteatuantesnuma

sociedadeconstituiriajáfortesintomadecriseouinsuficiênciado

sufrágio,dospartidosedosmecanismosconstitucionais,comsobejas

provasdequeademocraciaestariaàsvésperasdocolapsoedamorte.

Comefeito,relatórioseinvestigaçõesdasautoridadesfederais

americanasem1913foramprovocadassegundoFinerdepoisquecertos

“escândalos

desgostaram

e

alarmaram

o

público”.23

Vários

congressistasíntegrosnosEstadosUnidostiveramsuareeleição

Page 940: Ciência Política - Archive

impedidaexclusivamentepelotrabalhodegruposdepressão,segundo

alegamospublicistasempenhadosemmostrartodaaseqüênciade

vícioseinconvenientesquerodeiamaexistênciadosgrupos.

Enfim,tem-seafirmadoqueogrupodepressãonãosódebilitaas

instituiçõesrepresentativascomopodesignificarporsuapresença

mesmaumvotodedesconfiançanaordemrepresentativaexistente.

Page 941: Ciência Política - Archive

7.OaspectopositivoNãoobstanteasdurascríticasquetêmsidofeitasaosgruposde

pressão,nenhumargumentopôdesatisfatoriamentedemonstrara

ilegitimidadedoprincípioqueconduznasociedadeàapariçãodesses

grupos,asaber,àrepresentaçãodeinteresses,levadaacaboondeas

formastradicionaisdosistemarepresentativoapareceminadequadas

ouinsuficientesparaexprimirasnovaseparticularizadasformasde

comunicaçãocomopoder,queelesestabelecemàsuamaneira.

Debaixodesseaspectoosgrupossaíramilesosepoupadosde

todasasinvestigaçõesquesefizeramnosEstadosUnidos,“opaísdos

gruposdepressão”,ondeuminquéritoem1913concluíajápelo

reconhecimentodasatividadesdolobby,tidascomolícitas,desdeque

nãoincidissemnaesferadeabusoscondenáveis.

Deúltimo,tem-seobservadodapartedealgunsestudiososuma

posiçãomaisindulgenteecompreensivaqueemboraanotandotodosos

malesacarretadospelaaçãodosgruposnãocerraasvistasa

determinadosaspectospositivos,visíveisnaparticipaçãopolíticadessas

formaçõesintermediárias.

Comefeito,alega-seemfavordosgruposacomplexidadeda

tarefagovernativa.Sendoporextremodelicadanãoseachariaao

Page 942: Ciência Política - Archive

alcancedetodososcidadãos,justificandoassimseorganizassemeles

emgruposdestinadosamelhorconhecerepleitearasmedidasoficiais

deatendimentodeseusinteresses.Nãosepoderiaportantoimpugnaro

fimlegítimoqueosgruposbuscamnumademocraciapluralista.

Hátambémosqueasseveramquenemsempreosgruposatuam

demáféquandodeclaramestaràdisposiçãodogovernoparaoferecer-

lheumconselhosensatoouumcabedaldeexperiência.Ainformação

oriundadegruposaltamentecompetentespodeconstituirvalioso

subsídioàelaboraçãolegislativaouàtomadadeumadecisão

administrativa,naqualemverdadenãoseriamrarasasvezesemque

ocorreriacoincidênciaouidentificaçãodointeressegeralcomos

interessesabertamentepropugnadospelogrupo.

diversos

autores

norte-americanos,

segundo

assinala

Duverger,inclinadosavernoEstadoocamponormaldecompetição

dosgruposrivais,tantopúblicoscomoprivados.Demodoquejánão

cabeadotarempresençadosorganismosdepressãoaquelaatitudede

Page 943: Ciência Política - Archive

adolescenteperplexotãohabitualnosprimeirospublicistasquese

ocuparamdoassuntoaoestalaresseimensoescândalo:a“descoberta”

dosgruposesuainfiltraçãonascúpulasdopoder.

Nãofaltamdeúltimocientistaspolíticosquejáenxergamnos

gruposafunçãolouvável,dopontodevistadasociedadecapitalista,de

“despolitizar”oconflitodeclasses,reduzindo-oaummeroconflitode

interesses.Demaneiraquenopropósitomesmodeconservaçãoda

ordemcapitalistanãocumprereprimirosgruposnemeliminá-los,mas

tão-somentedisciplinar-lhetantoquantopossívelaação,afimde

minorarosaspectosnegativosporventuraassumidosperanteaopinião

pública.Outros,longedechegaratéesseponto,nãohesitamtodavia

emassinalaraimportânciadafunçãoinformativadosgrupos,abrindo

paraopúblicoodebateemtornodequestõescujosdadosmanipulam

comfamiliaridade.Sãotrazidosàluz,portodososângulospossíveis,

semprequeosgru-posseachamemlutaeaposiçãodeumé

combatidaporoutro,informaçõesquedeixamaopiniãopúblicabem

inteiradaacercadequestõescujasparticularidadeslheeram

desconhecidas.

Demaisestariamsendoúteisàcoletividadedandovazãoa

sentimentoseaspirações,queemconseqüênciatomamumcurso

normaldeafluxoàsesferassuperioresdadecisãopolítica.Foradessa

Page 944: Ciência Política - Archive

alternativa,osmovimentosdeinteressespoderiamcorrersocialmente

noleitodasviolências,sujeitando-seaumarepressãoquasesempre

penosaedesaconselhável.

Todapolíticadecontençãodosgrupos,quelhevenhainterditar

porcompletoaação,constituisegundocertoscríticos,graveameaçaao

equilíbriosobreoqualassentaumasociedadedemocrática,pluralistae

difen-renciada.Nãohesitampoisessescientistaspolíticosem

proclamarosgrupos“canaisnecessáriosdecomunicaçãoauma

sociedadecomplexa”.24Nãohaveriaporconseguintemaisalternativa

senãoesta:intentaraeliminaçãodosgrupos—oqueseriaimperdoável

miopia—oudisciplinar-lheaatividadeatravésdainstitucionalização,

fórmuladecertomaisrazoáveleúnicacompatívelcomasobrevivência

dopluralismo.ÉestesemdúvidaocaminhoprocuradopelosEstados

democráticos,quesepoupamaumasoluçãototalitária.

NoBrasilmesmo,vozesdeapoioseergueramemsustentaçãoda

legitimidadedosgruposdepressão.Hajavistaoteordadeclaraçãodo

professoreadvogadoNehemiasGueirosaorelatarotemadaadvocacia

legislativa,propostopelaPrimeiraConferênciaNacionaldaOrdemdos

AdvogadosdoBrasil,em1958(“AAdvocaciaeoPoderLegislativo.

AssessoriaaParlamentareseàsComissõesdoCongresso.Lobbying”).

Gueirosafirmouentãocomaaprovaçãodoplenárioqueolobbyingera

Page 945: Ciência Política - Archive

“umaatividadecorretaecorregedora,espéciedehigienedalei”.25

8.Corretivosàaçãodosgrupos

Partindodopressupostodeque“seosgruposdepressão

apresentamperigos,tambémprestamserviços”(Meynaud),faz-semister

atentaremprimeirolugarnoscorretivosàaçãonegativadessas

organizações,semcontudopretendersuprimi-lascomoqueremalguns

observadoresingênuosevidentementeafastadosdetodaconsideração

realista,queéaprimeiradasvirtudesdeumbomcientistasocial.

Dafórmulasuperficialdasupressão,quesufocariaosistema

plura-lisacujaextinçãosetemjáporiminentenaatividadedesenfreada

dosgrupos,deve-seantespassaraoexamedecorretivosdestinadosa

cortar-lheainfluênciaperniciosa,ondeelesseapresentammais

rebeldesemacatarosinteressessociaisouabalamcomsuaação

indisciplinadaeegoísticaosfundamentosdaordemdemocrática,

forçandoaexclusãodoscidadãosedascorrentespartidáriasdeuma

legítimaparticipaçãopolítica,quesedevepreservaratodocusto.

Comefeito,ummeiodeatenuar-seapressãodosgrupossociais

naquiloqueelesostentamdemaiscontrárioaoprincípiodemocrático

denossoséculoésemdúvidaofortalecimentodosistemapartidário,

mediantedeterminadasmedidaslegaisqueredundemsobretudono

reforçodadisciplinapartidária.

Page 946: Ciência Política - Archive

Essas

medidas

são

um

tanto

inócuas

nos

países

subdesenvolvidosondeogrupodepressãodesenvolveumaaçãomais

dramáticanaqualtransparecetodaaagudezadalutadeclasses.A

presençadegruposextremamenteatuantesacabanarápida

implantaçãodaditadurasocialdogrupomaisforte,comrespaldo

militarcomoéocasodoPeru.Aliásnessepaísoprópriopodermilitar,

comogrupodepressãotriunfante,destruiuasinstituiçõesliberais,

oferecendoummodelonovoemnomedasupostapromoçãodo

desenvolvimentonacional.

Quandosetememvistacorrigirosexcessosdosgruposde

pressão,oraciocínioválidoparaumasociedadedesenvolvidapode

todaviaconfigurar-seinaplicávelaumpaísdeelevadosníveisdeatraso

econômicoesocial.Masemcircunstânciasnormais,omelhorremédioé

aprimorar

Page 947: Ciência Política - Archive

as

instituições

livres,

estabelecidas

na

base

do

consentimentoedaparticipaçãoeleitoral,medianteumasevera

fiscalizaçãodaatividadedosgrupos,porpartedogoverno,porquanto,

conformeponderoujudiciosamenteopublicistaMeynaud,“sóo

executivo,apoiadonaadministração,seachaaptoaimporlimitações

inspiradaspelointeressegeral”.26

OEstadodeveporigualmanterumavigilânciarigorosanas

épocasdecampanhaseleitorais,emordemaasseguraralisurados

pleitoseolivreempregodetodasastribunasdecomunicaçãocomo

povo,desdeapraçadoscomíciosaoscanaisdetelevisão,ondasde

rádioeprelosdejornais.Aliberdadeparaoexercíciodacríticaéo

melhorinstrumentodedesmistificaçãodopúblicoondequerqueelese

possatornarpresafácildosgruposdepressãoesuapropaganda

orientada.

Aimprevidênciafataltocanteaosgruposconsistiriadapartedo

Page 948: Ciência Política - Archive

Estadonasimplesindiferençaaoproblema,naignorânciafingidada

novarealidade,cujoaparecimentoveioapenaspatentearainsuficiência

dosquadrosrepresentativosaqueestamoshabitualmentevinculados

desdeoséculoXVIIIcomrelaçãoaossistemaspolíticosdoocidente.

NosEstadosUnidos,oslobbiesreconhecidosporleieexercendo

atividaderegularseconverteramnumaespéciede“terceiracasa”do

poderlegislativo,conformetemsidoobservadoporinumeráveis

publicistas.Desdequeaaçãodosgrupostambémrecaisobreo

executivo,tomaramalitodaaaparênciadeumamodalidadede

“governoauxiliar”,segundoaexpressãodeFiner,eaexemplotalvezdo

queocorrejánaInglaterracomaOposição,ondeestadesempenha

tarefadegovernoemrecessocomseu“gabineteinvisível”sempre

prestesaservireampararasinstituições.

Noutrospaíses,principalmentenosdaEuropa,tornou-secorrente

orecursoaoutrafórmulaquetemconsistidoemestabelecerconselhos

consultivos,ondeosdistintosinteressessedefrontam,coma

participaçãodoEstado,fazendo-osobjetodeuma“arbitragem”ou

conciliação.

Todosessescorretivosalimentamopropósitoderacionalizare

conteraaçãodosgrupos,evitandopressõesexorbitantese

ameaçadorasdoequilíbriopolíticoesocial,daquelasquepõemem

Page 949: Ciência Política - Archive

perigoademocraciaeseusfundamentos.

9.Natecnocracia,aterceiraameaça?

Arecapitulaçãopessimistadetudoquantosepassouna

democraciaocidentalcomospartidospolíticoseosgruposdepressão

podesuscitarjustasapreensõesrelativasàsortequeaindaaguardaa

democraciadenossoséculo.

Malserefazeladeumperigo,potencialmentereprimido,ejáse

achaabraçoscomoutrodesignificaçãonãomenosgrave.Efetivamente,

emprimeirolugar,lutouemvãocontraospartidosantesdeadmitir-lhe

aexistêncianecessáriaeirreversível.Foidemocracialiberalantesdeser

democraciapartidária.

Depoisporémqueospartidosseincorporaramàexistência

ordináriadasinstituiçõesdemocráticas,tomandonosquadrosdo

sistemaumadimensãojurídicanormal,eisqueademocraciasurge

perseguidaporforçasconsideradasdeiníciorepugnantestambémà

suaíndole:osgruposdepressão.Quandoestes,apóstantas

relutânciasecontrovérsias,seaproximamjádeumreconhecimento

pelospoderesformaisdoEstadodemocrático,despontanohorizonte

políticoasombradeumanovaameaça:acastafechadíssimados

tecnocratas.

EmtodooséculoXXaevoluçãonãotemsidooutrasenãoesta:o

Page 950: Ciência Política - Archive

estreitamentogradualdaspossibilidadesdeparticipaçãoefetivadopovo

noprocessodecisório.Osufrágiouniversaldera-lheaalentadorailusão

dogoverno.Comessaformadesufrágiovieramporémospartidos

políticosearrebataramaocidadãoumaparteconsideráveldaquela

soberaniaeleitoraldequeeleconcretamentesejulgavatitular.

Asegundacriseousegundaameaçasepassoucomoadventodos

gruposdepressão,cujapresençafezmaisapertadoogargalopolíticoda

participação,debilitandoospartidosoualienando-osemgraubastante

alto,

de

modo

que

em

alguns

sistemas

onde

os

grupos

desenfreadamentemilitam,arealidadepartidária,dopontodevistada

eficáciapolítica,poucorepresentaousignifica.

EafinaladistânciadocidadãoaoEstadosealargoudemaneira

Page 951: Ciência Política - Archive

estonteantecomaformaçãodoclubetecnocrático,quefechouainda

maisocírculojáestreitodaintervençãodemocráticaelevantou

questõesdeagudaatualidaderelativasàsobrevivênciadademocracia,

ondeopovosesentefrustradoeausentedoprocessodecisório,feitoem

seunomemassemasuarealparticipação.27

Atecnicidadedadecisãonasociedadeindustrialabalouaordem

democráticanosseusmoldeshabituais,demandandonovasformasde

equilíbrio.

Comrespeitoàssociedadessubdesenvolvidasasexigênciasde

tecnicidadesefazemtantomaisimperiosasquantomaiselevadaa

complexidadedosproblemaseconômicosesociaisdasáreasdo

subdesenvolvimento.Aapreensãoprontaeseguradessesproblemas

escapaaliàclassepolíticaemgeral,aospartidoseaocorpoeleitoral.

Adecisãocomescolhadeopçõesfundamentaissetransferiuem

largapartedosgovernantestradicionaisparaocírculomenorerestrito

detécnicos,cujaparticipaçãoprivilegiadaacabamonopolizandoo

processodecisóriodomesmopassoquelhesconfereotítuloadequado

detecnocratas.

Atemáticadaplanificaçãoeconômicaeeducacional,achamada

políticanuclear,asrelaçõesexteriores,asegurançanacional,osistema

tributário,ocombateàinflação,avalorizaçãoeadesvalorizaçãoda

Page 952: Ciência Política - Archive

moedaconstituemproblemascapitaisdoEstadonasegundametade

desteséculo,exigindodacúpulagovernanteumapreparaçãopréviae

rigorosa,paraaqualnãoseachamqualificadososparlamentos

tradicionaisnemtampoucoaptososexecutivosherdadosàsociedadede

nossotempopeloEstadoliberal.Daquiacriserecentíssimaque

resultounaformaçãodanovaelitedostecnocracia.Suaintervenção

silenciosaouostensivaserásempreperturbadoradoprincípio

democrático,quepareceimpelidoaumretrocessoinsuportáveleaos

olhosdemuitosjáirremediável.Atecnocraciadescambanomonopólio

dadecisãopolíticasonegadaaopovoeseusrepresentantes.Namelhor

dashipóteseslheconcedetão-somenteapossibilidadedeuma

participaçãoplebiscitária,ilustrativadonovocesarismo—otecnológico

—quepolitizouasociedadeenoqualelaseprecipitavertiginosamente,

governadapelos“novospríncipes”dovocabuláriopolíticodeDebré.

Aterceiraameaçaexiste,pois.Empartejádesatualizouosgrupos

depressão,concentrandohojeasatençõesmaisurgentesdoscientistas

políticos.Trouxeumadimensãoinéditadosperigosqueademocracia

enfrenta.

Otecnocrataseidentificaemseucomportamentoporumacerta

insensibilidadeaosaspectosmaishumanosdaquestãosocial.Fica-se

comaimpressãodequeoseuraciocínioseencarceraemfórmulas

Page 953: Ciência Política - Archive

matemáticaseomundoqueviveestámortoparaosseuscálculos.A

economiapuraeabstrataéoreinoondetraçaesquemasfriosde

planificação,quenãorarovãodespedaçar-seaoencontrodarealidade

irônicaondeasreaçõessociaisnãosãotomadasnadevidacontaeem

conseqüênciaacabamporoferecerumquadrodevingançaespelhado

emfracassosretumbantes.

Otecnocratasenãoéinimigoprofessodasociologiaou

menospre-zadorcontumazdasidéiaspolíticasqueopovoalimenta(vá

láquesejamestasapenasummito!)étodavianassuasaparições

freqüentes,nasentrevistaserelatórios,umignorantedasverdades

sociaismaisprofundas.

Ocaráterfechadodoclubetecnocrático,onúmerolimitadíssimo

danovaoligarquia,apresunçãoeoautoritarismoqueosrodeia,bem

comoaaparênciadeclandestinidadequesuasdecisõesrevestemparao

público(semprecercadasdemistério!)sãoaspectossuspeitosnosquais

seentre-mostracomtodaaclarezaaameaçaalicontidaaoprincípioda

participaçãodemocrática.

Omaistrágicoparaademocracianapresençaaparentemente

insubstituíveldotecnocrataéemalgunscasos(umareformacambial,

porexemplo)anecessidadeimpostergáveldadecisãosigilosa.Dessa

exigênciaimperativasaifortalecidaacastatecnocrática,queemborase

Page 954: Ciência Política - Archive

julgueimprescindível,demodoalguméinfalível.

Osgruposdepressãoquandoatraídosaumafaixacompetitiva

abremàsvezesojogodeseusinteresseseopúblicopodeentão

vislumbrarosprósecontrasnabatalhadeargumentosqueusualmente

setrava,ocorrendoatéhipótesesdeparticipaçãoativaenãoraro

decisivadaopiniãopúblicaacercadointeresseunilateralqueirá

prevalecer.

Comoregimetecnocráticoporémtalnãoacontece.Atecnocracia

podeseroúltimograunadeterioraçãodoprópriosistemadegrupose

significarapenasoalojamentopermanentedogruponoprópriopoder,

ondeseusinteressesdominantesaparecemservidosporespecialistas

convertidosemtecnocratas.

Avantagemdatecnocraciaparaosgruposresultariana

possibilidadedeatuaremconfortávelsegredo,instaladosnopoder,

tomandodecisõessemaudiênciadarepresentaçãodemocrática

tradicionaleembasesconfidenciais,foradanecessidadededivulgar

debatesoudeempenhar-senodiálogoabertoqueademocracia

legitimamenteimpõe.Adominaçãotecnocráticapoderáenfimsignificar

emalgunscasosomonopóliodasfaculdadesdecisóriasporumgrupo

depressãovitorioso(partidário,econômico,militar,etc).

Quemsãoostecnocratas?J.MeynaudrepondequenaFrança

Page 955: Ciência Política - Archive

sãoaaltaburocracia,osestadosmaioresmilitareseaselites

científicas.

1.Vejam-seessesconceitosemWilhelmBernsdorf,“PressureGroups”,in:Staatund

Politik,pp.270-283.

2.LuísSanchezAgesta,PrincípiosdeTeoriaPolítica,p.204.

3.M.AndréMathiot,“LespressuregroupsauxÉtats-Unis”,RevueFrançaisede

SciencePolitique,setembro,1952.

4.GeorgesBurdeau,DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques,7ªed.pp.141-147.

5.A.F.Bentley,TheProcessofGovernmenteE.P.Herring,GroupRepresentation

beforeCongress.

6.W.Friedman,LawinaChangingSociety,p.310.

7.LedaBoechatRodrigues,GruposdePressãoeGovernoRepresentativonosEstados

Unidos,Grã-BretanhaeFrança,BeloHorizonte,11,junhode1961,pp.85-108.

8.M.Duverger,LaVieRépubliqueetleRégimePrésidentiel,p.22.

9.J.Woessner,DieordnungspolitischeBedeutungdesVerbandswesens,apud,Pier

LuigiZampetti,DalleStateLiberalealleStatedelPartiti,p.121.

10.HerbertKrueger,AllgemeineStaatslehre,2ªed.,p.380.

11H.Krueger,ibidem,p.382.

Page 956: Ciência Política - Archive

12.A.Potter,OrganizedGroupsinBritishNationalPolitics,p.17.

13.H.Krueger,ob.cit.,p.382.

14.O.H.vonderGablentz,“EinfuehrungindiePolitischeWissensschaft”,

WestdeutscherVerlag-KoelnundOpladen,1965,p.161.

15.Veja-seE.S.CorwineL.W.Koening,ThePresidencyToday,p.64.

16.HermanFiner,TheoryandPracticeofModernGovernment,p.459.

17.LêdaBoechatRodrigues,ob.cit.,p.90.

18.R.M.Hutchins,apudV.A.Mund,GovernmentandBusiness,3ªed.,p.525.

19.W.Bernsdorf,ob.cit.,p.280.

20.W.Bernsdorf,ibidem,p.280.

21.O.H.VonDerGablentz,ob.dl.,p.161.

22.H.Krueger,ob.cit.,p.383.

23.HermanFiner,ob.cit.,p.460.

24.Jean-YvesCalvez,IntroductionalaViePolitique,p.198.

25.LêdaBoechatRodrigues,ob.cit.,p.101.

26.J.Meynaud,LesGroupesdePression,p.103.

27.OconceitodetecnocraciadadoporCalvez,queoreproduziudoDicionárioda

línguafilosóficaéoseguinte:“Condiçãopolíticanaqualopoderefetivopertencea

técnicosdenominadostecnocratas”.Jean-YvesCalvez,DictionnairedelaLangue

Page 957: Ciência Política - Archive

Philosophique,p.206.

28

AOPINIÃOPUBLICA

1.Aopiniãopública,umdostemasdemaisdifícilcaracterizaçãona

CiênciaPolítica—2.Doconceitodeopiniãopública—3.Aopinião

públicaesuaapariçãonopensamentopolítico—4.Pensadores

políticoseestadistasproclamamopoderdaopiniãopública—5.O

Estadoliberaleodogmadaopiniãopública—6.OEstado

autoritárioeaopiniãopública—7.Asociedadedemassasea

naturezairracionaldaopiniãopública—8.Possívelrestauraçãodo

prestígiodaopiniãopúblicanoEstadodemocráticodemassas—9.

Aopiniãopúblicaeosmeiosdepropaganda.

1.Aopiniãopública,umdostemasdemaisdifícilcaracterização

naCiênciaPolítica

Aopiniãopública,comotemadaCiênciaPolítica,remontaao

séculoXVIII,quandosefezobjetodereflexõesqueavincularamà

existênciadoEstadoe,emparticular,dedeterminadosistemapolítico

naorganizaçãodasociedademoderna:oEstadoliberal-burguês.

A“despolitização”daopiniãopúblicanoséculoXXpelapsicologia

esociologiaabaloualegitimidadequeesseprincípioconferiraauma

específicaformadedemocracia(ademocraciadeclassedoterceiro

Page 958: Ciência Política - Archive

estado,asaber,daburguesia),semlograrcontudoretirá-lodocentro

daCiênciaPolítica,ondeseuestudosefazaindacomamesmapaixãoe

interessedaépocadospublicistasliberais.Agora,noentanto,aconexão

políticaocorrecomademocraciademassaseasformastotalitáriasdo

novoEstadoLeviathan(odoséculoXX).

Antesporémdetraçarmosoitinerárioteóricodaopiniãopública

noEstadomoderno,corre-nosaobrigaçãodelembrarquesociólogose

cientistaspolíticosdenossotempoaindavacilamquantoàprecisa

significaçãodotermo.

Umacélebremesa-redondadepublicistasdelínguainglesa,

reunidaháalgunsanos,veio,depoisdepenososdebates,ase

dispersas,tendoprimeiroosseusmembrossustentadoasseguintes

posiçõescuriosamentediscrepantes:nãoexisteaquiloquedemaneira

usualsedenominaopiniãopública;podeaopiniãopúblicaexistir,mas

éimpossíveldefini-la;definida,hão-devariarasdefiniçõesconsoanteos

autores.1DaquitalvezodesalentodeH.L.Childquandoescreveuque

“anaturezadaopiniãopúblicanãoéalgoparaserdefinido,senãopara

serestudado”.2

Rodeadadeambigüidade,aexpressãomesma“pública”

etimologicamentevemdepovoehistoricamentenascenoDireito

Romano(statusreipublicae),segundoassinalaJuanBeneyto.3

Page 959: Ciência Política - Archive

Algunsautoresafirmamaexistênciadediferentestiposde

“público”,outrosentendemque“pública”éaopiniãodopovoouda

comunidade,eesta,emextensão,tantopodeabrangerumacidade

comoumaprovíncia,umEstadocomoumcontinente.4

Naliteraturapolítica,écomumdeparar-se-noscomaopinião

públicaapresentadaoracomoaopiniãodeumaclasse,oradetodaa

nação(opiniãodetodos),orasimplesmentedamaioriadominanteou

aindadasclassesinstruídas,emcontrastecomasmassasanalfabetas.

EntendeJellinekqueaopiniãopúblicapodeserconcebidade

formaunitáriaouapenascomoresultantedecertoconflitodeopiniões

decamadassociaisdistintas,hipóteseemqueouhá-derepousarnum

compromissoouexprimiramanifestaçãodogrupomaispoderoso.5

UmdosbonsestudiososdaCiênciaPolíticaemnossoséculo,o

professorLaski,asseveraocaráterderaridadedeurnaopiniãopública

geral,surpreendendoaopiniãosemprenumestadoordináriode

fragmentaçãoouseriação.6Como“público”querCarlJ.Friedrichum

grupoativo,real,obstinado,capazdetraduziravontadepopularenão

um“fantasma”,“umdessestermosqueescapamaumadefinição

precisa”(Carroll).

Dizendoqueaopiniãoéparaopúblicocomoaalmaparaocorpo,

Tardepatenteoucomtodaaclarezaonexoqueprendeessesdois

Page 960: Ciência Política - Archive

termos.JáPrélotdistinguiratrêsmodalidadesdeopinião:aopinião

pública,aopiniãoestataleaopiniãoprivada.Aopiniãopúblicase

destacaemsuapeculiaridadepolítica,comoopiniãoexteriorizadapor

grupos,noâmbitodopluralismodemocrático,quandoaconfrontamos

comaopiniãoprivada,opiniãoapenasdeumindivíduo(portanto

interna,abrigada“nofundodaconsciência”).Tãopoucoseconfundea

opiniãopública,conformeopensamentodaqueleautor,comaopinião

estatal,queviveinstitucionalizadanoEstadoounaclassequeexerceo

monopóliodavontadepolítica.Éporconseguinteaopiniãooficial,

imposta,semaespontaneidadecaracterísticadalegítimaopinião

pública.Opinião,enfim,organizadaequetraduz,aoexprimir-se,a

ideologiadopartidoúnico,instrumentodaditaduratotalitária.

2.Doconceitodeopiniãopública

Têminumeráveisescritorespolíticosmostradoadificuldadede

conceituaraopiniãopública.Nãorestadúvidaqueaposiçãomais

cômodaéadosquesecingemadescrevê-la,furtando-seaadotaruma

definição.HajavistaBauer,autordelivroclássiconavastabibliografia

doassunto.Lê-sesuaobradaprimeiraàúltimapáginaenãoforaesta

ouaqueladefiniçãodeautoresqueeleexaminanahistóriadessetemae

acabaríamosaleiturasemsaberalgoprecisoacercadessaexpressão.

Houve,semembargo,excelentespublicistasque,emnãose

Page 961: Ciência Política - Archive

embaraçandocomaquelesóbices,empartejámencionados,deram

definições,cujaclarezanemsempreédelouvar.Dequalquermodo,são

porémúteispontosdepartidaoureferênciaparaumainvestigaçãomais

profundaemetódica.

DefineSchaefflenoséculoXIXaopiniãopúblicacomo“areação

juridicamenteinformedasmassasoudecamadasindividuaisdocorpo

socialcontraaautoridade”.7

Schmoller,commaisagudeza,vislumbranaopiniãopública“a

respostaqueapartemaispassivadasociedadedáaomododeaçãoda

partemaisativa”.8

DeinspiraçãojurídicaéaproposiçãodosociólogoToenniesaover

naopiniãopública“umaformadevontadesocialquepostulaaemissão

denormasdevalidezgeral”.9E,inversamente,defeiçãosociológica,a

definiçãodojuristaalemãoJellinekquandodiz,comadmirável

concisão,quenaopiniãopúblicatemossimplesmente“opontodevista

dasociedadesobreassuntosdenaturezapolíticaesocial”.10

3.Aopiniãopúblicaesuaapariçãonopensamentopolítico

NoséculoXVIII,aopiniãopúblicaentraaconstituirumcapítulo

daCiênciaPolítica.Quemoabre,comaenergiaaforismáticadeseu

pensamento,éRousseau.

Tiverajáprecursoresilustres:Maquiavel,Locke,Montaignee

Page 962: Ciência Política - Archive

Pascal.Masnenhumconcederaàopiniãoolugarquelhedetermina

Rousseaunasociedadepolítica,de“leigravadamenosnomármoreou

nobronzedoquenocoraçãodoscidadãos”,nemporoutraparte

empregaraotermocomorigoreacuidadequeseobservanasreflexões

dofilósofodoContratoSocial.

Sendoaquartaleinadivisãodasleispolíticasfundamentais,a

opiniãofaz,segundoRousseau,a“verdadeiraconstituiçãodoEstado”,11

colocadaaoladodoscostumesemaispoderosaqueestes.Opensador,

aoenaltecercostumeseopinião,queixava-sejá,comassombroso

realismoesensoprofético,dequeessasforçasconstituíssemainda

“umapartedesconhecidaaosnossospolíticos”.12

Deve-seàescolafisiocrática,segundoBauer,aprimeira

formulaçãodeumateoriadaopiniãopública.Segundoesseautor,

MercierdelaRivièreexpunhanoséculoXVIIIasurpreendentetesede

queoabsolutismonãoseregiapelotrono,maspelopovo,atravésda

opiniãopública.13Abrira-seassimumafendanosalicercesdarealeza

dedireitodivinoeoabsolutismoiluminista,abraçando-seàmajestade

dopoderpopular,fazia-lheasprimeirasconcessõesdeordem

doutrinária.

Príncipesefidalgostremiampoisdiantedessepodernovo,

impalpável,misterioso:aopiniãopública.Dela,dizia-nosNeckerem

Page 963: Ciência Política - Archive

páginasescritasdepoisdaRevoluçãoFrancesa,proveioagrande

revoluçãosocialdoséculo,abalandootrono,solapandoosvalores

espirituaisdatradição,minandoopoderdaautoridade.Revolução

enfimcoroadadoprestígioinvisívelqueaselitesilustradaseinstruídas,

intervindo,subversivamente,pelavezprimeiranacenapolíticado

Ocidente,lheconferiram.

A“politização”daopiniãopúblicaéfatonotórioeNecker,

estadista,foioprimeirotalvezareconhecê-la.Háduzentosanos,

quandoosEstadosGeraissereunirampeladerradeiravezantesda

Revolução,ine-xistiaessaautoridadenova,segundooministrodeLuís

XVI.

MasostemposmudarameomesmoNecker,jánaantevésperada

GrandeRevoluçãopodiaobservar,comoassinalaBaumert,que“os

Cortesãoseministrospreferiamcorreroriscodedesgostarosoberanoa

comprometersuaposiçãonossalões,queeramoslugaresondese

desenrolavaafunçãomaisimportantenoprocessodeformaçãoda

opiniãopública”.14

DepoisdeRousseaueNeckerascontribuiçõesaoestudoda

opiniãopúblicaserenovamcomostrabalhosquepartemdaAlemanha

ederramamaluzdaciênciasobreesseapaixonantetema.Wieland

discuteaessênciadaopiniãopública,Bluntschli,nasobservaçõespara

Page 964: Ciência Política - Archive

odicionáriopolítico(oStaatswoerterbuch),revela-seoprimeirocientista

daopiniãopública,aopassoqueKarlvonGersdorffeFranzvon

Holtzendorfffazemjusaotítulodeprecursoresmodernosda

investigaçãosociológicadaquelamatériaeHegel,acimadetodoseles,

dedica-lhealgumasvaliosíssi-masreflexõesdesuaFilosofiadoDireito.

Acolaboraçãoalemãaesserespeitotrazainda,maispropínqua

aonossotempo,osprimorososestudosdeToennieseBauer,anulando,

assim,anossover,aafirmativainfundadaepessimistadeF.Lenz,

segundoaqualapesquisaeateoriadaopiniãopúblicapoucose

desenvolveramnaAlemanha,emvirtude—diziaessesociólogo—da

“costumeirafragilidadedaopiniãopúblicaalemãempresençado

aparelhoestatal”.15

NaInglaterraeEstadosUnidos,aobradeDicey,LordeBryce,

LowelleWalterLipmanelevaoestudodaopiniãopúblicaaomaisalto

nívelcientífico,omesmosepodendodizerdaexcelentemonografia

francesadeStoetzel,omelhortrabalhosobreopiniãopúblicaquejá

saiudosprelosdaFrança.

4.Pensadorespolíticoseestadistasproclamamopoderda

opiniãopública

Sendoaopiniãopúblicaamaiseficazformadepresençaindireta

docorposocialnaformaçãodavontadepolítica,nãoédeadmirarque

Page 965: Ciência Política - Archive

suaexcepcionalforçahajasidojáproclamadaereconhecidapor

governantes,filósofosecientistaspolíticos,doséculoXVIIIaosnossos

dias.

QuandoMarxsejactavade“nuncahaverfeitoconcessõesaos

preconceitosdachamadaopiniãopública”,16oqueele,emverdade,

emitiaeraumjuízodevalorsobreossentimentosdeumaopiniãode

classe—queMarxaliásrepulsava—asaber,adaburguesialiberalde

suaépoca,ejamaisodesconhecimentodessepodernovoquese

levantarasobreoOcidente,fazendorevoluçõesedobrandoàsua

majestadeotronodosreis,aindaquefosse,comoeraentão,

simplesmente,opoderdaclassemédiamaisilustradaeemparticular

daburguesiatriunfante.

Compreendendocomfinaargúciaepercepçãodarealidade

histórica,queaopiniãopúblicanemsempreseriaaexpressãodeuma

vontadeburguesa,alargandooconceitodamesmaatétomá-laporforça

homogêneaeindistintamenterepresentativadetodaasociedade,

quandoestajánãoserepartisseemclasses,Bakunin,oanarquista,

veioareconhecernaopiniãopúblicaomaiorpodersocial,“oúnicoque

podemosrespeitar”,superioraoEstado,àIgreja,aocódigopenal,a

carcereiroseverdugos.17

EstariaBakuninenganadoacercadanaturezadaopiniãopública

Page 966: Ciência Política - Archive

tantoquantooutrosseenganaramcomoconceitoburguêsdaliberdade

políticanoséculoXVIII?Porventuraosidealistasdasociedadelivree

iguali-táriaquedeclamavampoemasàliberdade,nãoderamà

metafísicadoliberalismoumcréditodeconfiançadoutrináriaque

somenteaserôdiaeamargadesilusãodefinsdoséculopassadoveio

abalar,eistounicamentequandoamisériasocialeasprerrogativasdo

sufrágioprivilegiadoqueaburguesiaintroduziranocorpodesua

legislaçãopolítica,jánãopodiampermanecerrebuçadosaosolhosde

umacríticaatentaefiscalizadora?NãoestariapoisarazãocomMarx,

queapenasnãopuderapreverqueamanhãaopiniãopúblicapoderia

novamenteser“criada”contraouafavordedeterminadasituação

social?Nãoesteveeleassimmaispróximodaverdadesobreaopinião

pública,desprezando-a,doqueBakunin,louvando-a?

Tornemosporémàquelalinhadepensamento,daqualfoiMarx

exceção.Dospensadoresdoséculopassadoquerenderamcultoà

opiniãopública,destaca-seHegelquandoassinalouque“emtodosos

temposelaforaumgrandepoder,nomeadamenteemnossaépoca”.18

Domesmofilósofo:“Aopiniãopúblicacontémemsiosprincípios

substanciaiseternosdajustiça,overdadeiroconteúdoeoresultadode

todaaconstituição,dalegislaçãoedavidacoletivaemgeral,etc”.19

Temessatradiçãodelouvoràopiniãopúblicacercadetrezentos

Page 967: Ciência Política - Archive

anos.RemontaaPascal,quandoeste,aotempodeLuísXIV,

proclamavaaopiniãopública“rainhadomundo”.20Descartes,no

DiálogodosMortos,deD’Alembert,aparececitadocomoautordafrase

“aopiniãogovernaomundo”.21

NoséculoXVIII,Necker,ofinancistapopulareministroda

decadênciadoancienrégimechegavaaoaugedoservilismoperantea

opiniãopública,escrevendoqueelaera“maisforteeilustradadoquea

lei”,instituindoaopoderumacensuraemnomedo“interessegeral”.22

Desseescritorjásedissetambémquecadapáginadesuavasta

obraé,abertaouimplicitamente,umvotodelouvoràopiniãopública.23

Continuaopensamentopolíticofrancêsexprimindoaindano

séculoXIXigualreverênciaàopiniãopública.DeComtetemosa

afirmativasegundoaqualnaopiniãopúblicareside“aúnicagarantia

danormalidade”.Napoleãoporsuavezconvémemqueaopinião

públicaé“umpoderquecriaoumataossoberanos”,eaoinstituira

censuraàimprensafoieledosprimeirosasecapacitaremdopapel

políticoqueessaforçaestavafadadaadesempenhar.24

Idênticoapreçotributa-lheAlainaoponderarquesomentedois

poderesgovernamomundo:aforçaeaopinião,eaestaúltimase

curvamospoderesmaisarrogantescomoachamaaovento.25

Aopinião,segundoapalavrapontifícia,étambémum“econa

Page 968: Ciência Política - Archive

consciênciadasociedade”.OVaticano,conformereferePerezBeneyto,

viunaausênciadeopiniãopúblicaumadoençasocial,cuja

conseqüênciamaisdeplorávelnosúltimostemposteriasidoaGrande

Guerra.26

Comefeito,semopiniãopública,dizopublicistapeninsular,

citandomaisautores,abre-seumabrechaentreahierarquiaeopovo,

comosgovernantespulandonumacordabambaeconduzidosnãoraro

atomaratitudesdesupremairreflexão.27

Sendoaopiniãopúblicaumpoderimpalpável,massempre

presente,comparou-aBryceaoéter,quepassaatravésdetodasas

coisas.ChegapoisaconstituirnoEstadomodernonumaespéciede

Constituiçãoviva,umaConstituiçãoemestadoinorgânico.Ounodizer

deAlfredSauvytransforma-senaquela“forçaquenenhuma

Constituiçãoprevê”.

AfirmaomesmoSauvyqueaopiniãopública“constituioforo

íntimodeumanação”,um“árbitro”,uma“consciência”,um

“tribunal”.28

Houvetambémquemtomasseaopiniãopúblicapeloseuaspecto

negativo.RobertPeel,porexemplo,aencaravacomdesconfiança,

pessimismo,desgosto,dizendo,porvoltade1820,queelasecompunha

de“leviandade,tibieza,preconceitos,erros,obstinaçãoetópicosde

Page 969: Ciência Política - Archive

imprensa”,enquantoRanke,umpontíficiedoEstadoautoritárioe

conservador,seescandalizavacomobaixovalorintelectualdaopinião

pública,exprimindopoisomesmodesprezodeBismarckque,embora

reconhecessenareferidaopiniãoumpoderquasesoberano,lhefaziano

entantoseverosdescontos.29

5.Oestadoliberaleodogmadaopiniãopública

AdoutrinadoEstadoliberalproduziuváriosdogmas.Umdesses

foiodaopiniãopública,oqual,apoiadonaconfiançadasociedade

burguesatraduziuaqueleestadogeraldeotimismoeesperançanas

faculdadesdarazãolibertadora.

Avoxpopulivoxdei,adágiodemanifestoteormístico,comquese

afirmacoroadaaopiniãopública,eratão-somenteoverbode

comunicaçãodasociedadeliberalcomasclassesquearigornãofaziam

aopinião,mastinhamodeverdeaceitá-la,passivamente.

Comefeito,aopiniãopública,conceitoprestigiadoporuma

profundaconvicçãosocialnaidadedoliberalismo,era,paradoxalmente,

comotantosoutrosconceitosdoEstadoliberal,umapanágiodeclasse.

Opiniãodaclasseinstruídaoueducada,juízodevalorqueapenas

surgecomoadventodaburguesia,aopiniãopública,comobemnotou

HermanHeller,serviriadefreiooudisciplinacontraoseventuais

abusosdaautoridade.Funcionou,pois,qualesteiodaordempolítica

Page 970: Ciência Política - Archive

fomentadapelosideaisdeinspiraçãoburguesa.Substituiu,comodisse

aquelemesmopensador,acoaçãodaigrejadaidademédia,consistindo

nissosuamáximautilidade,seuprincipalemprego.30

Instrumentoportantodeumaformaindividualistadeorganização

social,cresceueladeimportânciaeprosperoupoliticamentenaépoca

doEstadoliberal,sendodetalordemseuvalorcomoforçadereação

aosantigospoderesdoabsolutismoqueBluntschli,definindoatese

dialéticadoséculoXIX,demanifestoantagonismoaosmecanismos

estataisedeplenoeúnicoreconhecimentodaliberdadenosdomínios

dasociedade(oconceitodeSociedadecontrapostoaquiaodeEstado,

segundoeradaessênciadoutrináriadoliberalismo),sentenciou,numa

linguagemdecátedra,queaopiniãopúblicasomentemedrariaentre

povoslivres.31

Tantonãoforaessaopiniãoosentimentodetodasascamadas

sociaisquejánoséculoXVIIINecker,cautelosaeavisadamente,

distinguiraentre“opiniãopública”e“opiniãodopovo”,distinçãode

aparênciairrelevanteesutil,masarigor,necessária,verídica,

imprescindível,seatentarmosnumexameprofundoparaoteor

classistaquetevenoséculopassadoavoxpopulivoxdei.

Comaopiniãopública,aburguesiaminouasinstituiçõesfeudais

eseassenhoroudeumaforçasocialirresistível,quenãofaziasomente

Page 971: Ciência Política - Archive

acríticadopassado,masserviadoravantedeexcelenteguardaaostatu

quopolíticoesocial,ouseja,aodomínioburguêsdoEstado,àlimitação

daautoridade.

Supunha-seaopinãopúblicarigorosamenteidônea,pelassuas

origensilustradaseseletas,porseraltamenterepresentativadarazão,

porrefletiremprimeirolugarumjuízodequalidadeenãode

quantidade,diferentepoisdaquiloquehojetemosnasociedadede

massasdoséculoXX.

Eaelasecometiaoencargodezelarporumgovernolivree

impessoal,chavedetodaaorganizaçãodopoder.

Dospublicistasdoséculopassado,foiBluntschlioquemaiscedo

identificouaopiniãopúblicacomaclassemédia,atribuindo-lhea

titularidadeexclusivadaopiniãoemanifestandoque“nuncaa

influênciadaclassemédiasobreoEstadopesoutantoquantoagora”.

Esteveessejuristaeescritoresplendidamentecônscioda“politização”

queseoperavacomaopiniãopública,aoafirmarqueestaerauma

forçapública,semseraindaumpoderpúblico.32

Nãocaiuporémnodescompassadoideallíbero-anarquista,de

umasociedadegovernadaexclusivamentepelaopiniãopública,capaz

deprescindirdospoderesconstituídos,dasassembléiaslegislativase

dosmecanismoseleitorais.

Page 972: Ciência Política - Archive

Comefeito,traçandoapassagemdaopiniãopúblicadafase

passivaàfaseativa,distinguiuBrycetrêsestádiosnessaevolução:a

vontadeúnicadochefe,alutadeinfluênciaentregovernantese

governadoseaascendênciadosgovernadossobreosgovernantes,e

ousoupreverumquartoestádio,emquedesapareciaogoverno

representativoeademocraciachegariaassimaoseumáximograude

aperfeiçoamento,comaopiniãopúblicaaumtemporeinandoe

governando.33

Naregiãodoutrinária,etão-somenteempontosdedoutrina,fora

daaçãopolítica,liberalismo,anarquismoemarxismonãoraro

acabavam,pelapregaçãodeseusteoristas,desembocandonomesmo

estuário:umasociedadesemEstado,autopiadaautoridadediluídano

consensodeumaopiniãopública,queseriaa“consciênciasocial”,a

vontadegeralviva,destituídadosórgãoshabituaisdegoverno,

doravantesupérfluos.

Conspícuospensadoresliberaisdoséculopassadoabrigavampois

essafémessiânicanaopiniãopública,quesegundoelesdeclaravam,

estavaentãonopoder,depoisestarianogoverno,atéfazerumdiada

ordempolíticaalegítimarepresentaçãodavontadepopular.

6.OEstadoautoritárioeaopiniãopública

Vimosqueasociedadeliberal-burguesadescobriuoconceitode

Page 973: Ciência Política - Archive

opiniãopública,irmãogêmeodasoberaniapopular,enumcerto

sentidomaiseficazqueesta,poissendocomotécnicademocráticaa

mesma

coisa,

e

não

estando,

qual

a

soberania

popular,

necessariamentevinculadaaumórgãoderepresentação—apoderes

instituídos,assembléiaslegislativas,etc.—poderiamover-se,dadasua

naturezaintrinsecamenteinorgânicaedifusa,commaisliberdadee

presença,epassaratravésdasinstituiçõescomoumsoproquenteda

vida,quetantoservedeanimá-lascomodedesfalecê-las.

Vimostambémqueaointroduzi-lanacenapolíticacomoum

podertantodedireçãocomodecontrole,34oEstadoliberalproclamara

aracionalidadedaopiniãopública.

Osabsolutistasdetodososmatizesentraramporémnodebate

embuscadeumarevisãocríticadoconceitodeopiniãopública,oqual

Page 974: Ciência Política - Archive

nãosendoporelesestimado,eratodaviarespeitado,poisnãopodiam,

aocombatê-lo,deixaraindadereconhecer-lheoelevadograude

influêncianosassuntospúblicos.

Transferiramocampodeexameeinvestigaçãodasalturas

metafísicasparaoplanodasociologiaedapsicologia,e,demonografia

emmonografia,acabaramdemonstrandoqueasuaproveniêncianão

eratãoracionalquantosesupunha.

Asrevelações,detodoimpressionantesesupreendentes,

patentearamoirracionalismodaopinião,ocunhoemotivoque

dominavaasmanifestaçõesdeteorpúblico,mostrando-sequeavozdo

povonemsempreeraavozdeDeus.Buscou-sedomesmopasso

patentearqueaqueleconceitodoracionalismoedailustraçãoforaa

intervençãomaisirracionalqueasociedadevirarecairsobreopoder.

Menosumabênçãopoisdoqueummalasertolhido.

Masessacríticacorrespondeaumaprimeirafase,aquelaemque

oEstadoliberaldominahistoricamenteopoder,tendodesuasmãoso

aparelhogovernativodequasetodaasociedadeocidental.Comoséculo

XX,entra-seporémnasegundafase,variandoatécnicaabsolutista

relativamenteàopinião.Toma-seoutraposição,impostaagorapelos

fatosepelascircunstânciasrecém-criadasnoquadropolítico-social.

Aopiniãopúblicadeixaraporconseguintedepertencerauma

Page 975: Ciência Política - Archive

classeprivilegiada:aburguesia.Aclassemédiadebilitada,ao

reconstituir-senospaísesdesenvolvidos,cairiadebaixodainfluência

dasnovastécnicasdecomunicaçãodemassas.Nospaíses

subdesenvolvidosousemidesenvolvidossuainexistênciaouliquidação

subseqüentedesembaraçavaporinteiroocaminhoaoingresssodanova

opiniãopública,comoforçadasmassas.

Nasegunda,cumpriaadotarainovaçãorevolucionáriaetípica

queatemassinaladoduranteoséculoXX:atécnicasurpreendentee

fácilecômodadequedispõemosdetentoresdosmeiosdedifusãopara

“criar”aopiniãopúblicaedirigi-laafinsantecedentemente

estabelecidos.

Os

governos

fortes

na

sociedade

de

massas

fizeram

requintadamente

“científica”

Page 976: Ciência Política - Archive

a

manufatura

dessa

drágea

de

irracionalismo,ministradaemdosesmaciças,consoanteimpõemas

necessidadespolíticas.

AopiniãopúblicadasditadurastotalitáriasdoséculoXXchegou

aesseespantosoresultado:transformou-seempoderosíssimalinha

auxiliardarazãodeEstado.Nasociedadedemocrática,aopinião

públicaéporigualsuspeita,poissemembargodopluralismoaí

patente,oselementosdeelaboraçãoetransmissãodejuízosque

formamaopiniãopública,nãoseconcentrandoemumpoderúnico,

comonoEstadototalitário,têmcontudosuasedenasmãosdeuma

minoria,quesãoos“lordes”dopodereconômicoefinanceiro,acujo

controleseachamsujeitosviaderegraosmeiosdepublicidade.

Perdeuaopiniãopúblicaaaparênciade“pessoajurídicade

direitopúblico”,deixoudeserasombradoEstadogovernante,para

algunsoEstadomesmoemsuamaisaltainstânciademocrática,oua

forçaocultaquegarantiaasinstituiçõesdemocráticas,segundoavelha

crençaliberal-burguesa,paraseconverternum“objeto”,numacoisa

Page 977: Ciência Política - Archive

algodegradadavalorativamente,rebaixadadeposto,diminuídade

crédito,decaídadeconfiança,desprestigiadadevaloraçãopolítica,até

mesmodesmoralizadanacompetiçãoinstitucional!

Nãodevemoscontudoprosseguirlongenessaanálise,sem

darmoscontadequepublicistasexistem,invocandofortesargumentos

parapatentearnãoterhavidoquebranaforçadaopiniãopública,ante

astransformaçõesoperadas,pois,supostoreputemsuasorigens

moralmenteminadas,nãosubestimamopapelinfluenteedecisivoque

elaaindadesempenhanosatospolíticos.

Atéaínãoháoquecontestar,senãoquandoessesmesmos

publicistasentendemmanter-sedetodopreservadaaindependênciada

opiniãopública.Talnãosedá.Quandomuitoexistemparcelaslivrese

autônomasdeopinião,quenosregimesdiscricionáriosseapresentam

sufocadasouinterditadas,masatuandoaindalatenteepoderosamente

comoforçadecontestaçãoeresistência.Nasgrandesmassaspassivas,

queapropagandadoregimeentorpeceu,vãoossistemasfortesde

ideologiasdesteséculocobrarpontosdelegitimaçãoparaaordem

estabelecida.

Aditadura,depoisdeassenhorear-sedaopiniãopúblicapela

alicia-çãoideológica,dáopassoseguinte,queéodeconservá-la,

instituciona-lizando-aatravésdopartidoúnico.

Page 978: Ciência Política - Archive

Masaopiniãopúblicainstitucionalizadasevolve,aoentenderdos

publicistasliberais,numaopiniãofalseadaoudesnaturada.Talvezse

tenhaaí—noatoinstitucionalizador—arazãododesprestígio

contemporâneoquerodeiaaopiniãopública.

Averdadeiraopiniãopúblicaparaalgunsédialética.Noâmagode

umacontradição,elarepresentasempreacontestaçãodealgo,uma

forçademudançaedecrítica,umdesafioaodogma,comodisse

Schmitt,umaimpugnaçãodejuízoscorrentes,umaliberdadesocial

ativaeespontânea,umcomentáriocriador.

Demodoqueoabsolutismo,emsuasvariantesortodoxasde

exteriorização,nãodeixariaespaçolivreàopiniãopública,35sendocom

elaincompatível.

Alémdeque,essaopiniãopública,livreedinâmica,estariapor

suanaturezamesmasuprimidanosgovernosdeopressão.Quando

muito,omedoàsuairrupçãointerditadaconduziriaoabsolutismoa

mover-secommaisprudência,asermaiscauto,amostrar-semais

comedido.Unicamenteporesseânguloédeadmitir-sesejaaopinião

públicaumlimiteaopoderabsoluto.Foradaíseriadetodoininteligível

aafirmaçãodealgunsjuristasefilósofospolíticos,quandodizemquea

opiniãopúblicasubstituiascâmarasnoEstadoautocráticoounele

representaopapeldeumaconstituição.36

Page 979: Ciência Política - Archive

Emsuma,aopiniãopública,qualaconceberameconceituaram

osliberais,qualexistiueatuouempassadasépocas,frescasainda

peranteamemóriadenossotempo,sempremereceuocombateeo

desprezodasliderançasautoritárias,porafigurar-se-lhesumobstáculo,

quecumpriaarredarportodososmeiospossíveis.Assimfoinatradição

damonarquiaabsoluta.Assimcontinuasendo,comoobservouPrélot,

natecnocraciadoséculoXX,principalmentenospaísesondeesta

tomouaversãototalitáriacontemporânea.

Masa“outra”,aopiniãodasmassas,écuidadosamentecultivada

ealimentadapelospoderesoficiais,queaimpõematravésdo

proselitismoideológico.Ecomissofazemdeseuapoiouminstrumento

desustentaçãopolítica,omaiseficazpossível,vistoque,consultadas

plebis-citariamente,asmassassancionamoregimecomvotações

transbordanteseruidosas,aumpassojádaunanimidade.Époisa

formadominantementeempregadadeconsagrarereferendarnas

democraciascesarianaoutotalitáriasopoderdohomemforte,do“guia

predestinado”.

7.Asociedadedemassaseanaturezairracionaldaopinião

pública

Astransformaçõeseconômicas,políticasesociaisocorridasem

menosdeumséculoabalaramsobremodoalgunsconceitosdaCiência

Page 980: Ciência Política - Archive

Política,sendoodeopiniãopúblicadosmaisafetados.

Filhadoracionalismo,essaidéianovaseapresentapolitizada

desdeoséculoXVIIIeforaumaidéia-forçadadoutrinaliberal.Operou

alaicizaçãodapalavradivinanosassuntospolítico-sociais,mediantea

máximavoxpopulivoxdei.

ComasociedadedemassasdoséculoXXtomaaopiniãopública

noentantoconfiguraçãointeiramentedistinta.

PublicistasdaenvergaduradeBurdeau,semjulgarcorretamente

amudançahavida,seaçodamemsentenciardecadenteopoderda

opiniãopública,confundindoaforçamaterialdaopinião,intataou

aumentada,comaforçamoral,abaladaedesprestigiada.Oabalo

acontecenaocasiãoemqueseprovousobejamenteseucaráter

irracionaleserevelou,desdeostrabalhosdeLipman,aartede“criar”a

opiniãopública,de“manufaturá-la”comoumprodutoqualquerda

técnicaindustrial,ministrando-adepoisàsinstituições,para

encaminhá-lasnesteounaquelesentido,aosabordasrazõesde

Estado,

das

conveniências

públicas,

das

Page 981: Ciência Política - Archive

idiossincrasias

dos

governantes.

Aopiniãopública,deixandodeserespontânea(oulivre)e

racional,paraserartificialeirracional,assinalaassimemseucurso

históricoduasdistintasfasesde“politização”intensiva:adoEstado

liberaleadoEstadosocial(democrático-ocidentalouautocrático-

oriental,decunhomarxista;numenoutrosempreoEstadoda

sociedadedemassas).

Noprimeiro,aopiniãopúblicapertenciaàclassemédia,no

segundopertenceàsmassas.Alielasepropunhaasubstituiratéo

Estado;aqui,eladecaiameroinstrumentosubalterno,queoEstado

empregaparacimentarouconcentraropoderdesuasinstituições.

Ontem,noliberalismo,umaopiniãodeaparênciaautônoma;hoje,no

Estadodemassas,umaopiniãosobreaqualrestamrarasilusões

quantoasuaorigemlivreeatuaçãoindependente.

Opessimismoquerodeouoconceitodeopiniãoduranteoséculo

XIXtransitadacríticaabsolutista,militantenaépocadoliberalismo

paraainvestigaçãoidôneadecertospublicistasdemocráticos,quais

Lippman,Lowell,eDeewey,queserendemaoreconhecimentoda

irracionalidadedaopiniãoevêemtemerosossuaintervençãona

Page 982: Ciência Política - Archive

sociedadedemassas,intervenção“sobmedida”,“controlada”,nãoraro

destinadaalograrfinscuidadosamenteprogramadospeloEstado.

PoucodepoisdaprimeiraconflagraçãomundialLippmancobria

desarcasmosavelhaopiniãodoliberalismo,destronadapelacrítica

científicaquelheerafeita,epostainteiramenteanu.Asseverouo

insigneperiodistaeescritorpolíticoqueagranderevoluçãodostempos

modernosconsistianaartedecriarconsentimentoentreosgovernados

equeoconhecimentodessaartehaveriade“alterartodasaspremissas

políticas”.37

Asociedadedemassaseraodadonovo,agentedevariações

institucionaisprofundastantonafacedosEstadosdetradiçãoliberal

quantonosdetradiçãoautocrática.

Aclassemédiachegaraaocrepúsculopolíticonassociedades

desenvolvidas,ondeseapresentavaemviasdeextinção,porefeito

contraditóriodaexcessivaconcentraçãodocapital,aopassoquenos

Estadossubdesenvolvidos,comoosdaAméricaLatina,teimava,porvia

deelitesromânticas,emmanterumacrostainstitucionaldeinspiração

democrática.Masaclassemédiaaíquasenãochegaaseconstituir.No

conjuntodapopulação,eraparcelahumanamínima.

Aopiniãopúblicapassaaserdoravantea“opiniãodopovo”

(opiniondupeuple),convertendo-sevalidamentenaquele“poderde

Page 983: Ciência Política - Archive

conservação”aquesereportavaStahl.A“opiniãodopovo”,amesma

queNeckerdiligentementeenomelhorespíritodadoutrinaburguesa,

distinguiradaopiniãopublique,substituiavelhaopiniãodeclassedo

liberalismo(aclasseburguesa,instruídaeeducada).Constituioque

contemporaneamentesechamaopiniãopública,eretrataanova

sociedadedemassas.

Algunspublicistasavêemenfraquecida.Nósavemos

materialmenteforte,abaladaapenasdopontodevistaético,poisas

esperançasneladepositadascomoguardiãdapurezaedalegitimidade

dosgovernosdemocráticosseesvaneceram.Tãofortematerialmente

queaCiênciaPolíticanãopodeignorá-la,depoisdehaverentradonos

segredosdesuamanipulação.EaquiconcordamoscomBurdeauem

assinalarasmesmascausasqueadesprestigiarameticamente,sem

contudodesfalcá-ladoimensopoderquecontinuaenfeixando.

Talvezocernedamudançaresidanisso:aopiniãopública

“despersonalizou-se”:decriadoraeafiançadoradeinstituiçõesse

transfezelamesmanumainstituição“criada”e“afiançada”peloEstado

paramanteroutrasinstituições.

Nasociedadedemassas,oindivíduo,asidéias,osjuízoscríticos,

aautonomiadoraciocíniocontampouco,cedendolugaràaçãocoletiva,

aosjuízosdegrupo,aosinteressesdeclasseeprofissão,àsideologias.

Page 984: Ciência Política - Archive

Abre-seassimcaminhoàquelaopiniãopública,marcadadafunesta

imperfeiçãodehaverabdicadonosórgãosestataisenasminorias

tecnocrá-ticasapalavradecomandopolítico,queasmassas

passivamenteacatam.

Demais,tem-seditoqueaopiniãopúblicafoiinstitucionalizadae

conseqüentementefalseadaoudesnaturada.Masaindaassimhá

publicistasquereconhecemainstantaneidadenuncadesprezíveldesua

ação,quandoatuacomoumraio,derrubandoouerguendogovernos,ao

sabordeseusímpetosideológicos.Daíaquelesulcoaqueserefere

Burdeau,separandooestadopassivodasmassas,emrepouso,quando

sesujeitamàsmedidasdegoverno,dasmassasemmovimento,quando

criamosgovernos,deconformidadecomaideologiaabraçada,acujas

linhasfundamentaisopoderinstituídovotaobediência,sujeição,

fidelidade.38

NuncaseenganaraNeckerquantoà“opiniãodopovo”,queviriaa

sera“opiniãodasmassas”noséculoXX.Admitiuafacilidadede

“subjugá-la”,bastandoparatantoqueseconhecessemassuas“paixões

dominantes”ehouvesseboamãonoencadeá-laatravésdeilusões.39

Amassaseregeporsentimentos,emoções,preconceitos,comoa

psicologiasocialjádemonstrouexaustivamente.Aopiniãodasmassas

formandoaopiniãopúblicaseráporconseqüênciairracional.Nãose

Page 985: Ciência Política - Archive

iludiaopublicistademocráticoaesserespeito,cunhandoaexpressão

agoradeusocorrentenovocabuláriopolíticodapropaganda:o

“estereótipo”,ousejao“cliché”,a“frasefeita”,amoda,o“slogan”,a

idéiapré-fabricada,queseapoderadasmassaseelas,numa“economia

deesforçomental”,comodizPrélot,aceitameincorporamaoseu

“pensamento”,entrandoassimaconstituirachamadaopiniãopública.

DefiniraStoezelo“estereótipo”,jádescobertoporLippman,como

umaespéciede“pensamentoassimiladoparaprontaentrega”.Que

valorsedevepoisatribuiràopiniãopública,noséculodasmassas,se

suaindependênciaémanifestamentetãoprecáriaquantoadaopinião

“ilustrada”,“culta”e“inteligente”doséculoXIX,queoutracoisanão

representavasenãoavontadedeumaclasse,ouopodergovernanteda

burguesiapolítica?

Adecomposição,segundoLippmann,dojuízocoletivo,quealguns

supõemdetodoinexistente,emplacasdeidéiasfeitas,mostrouquese

nãodeveconfiar,aindanossistemasdegovernodemocrático,nessa

tradicionalopiniãopública,porquantoinvestigadaafundoresultaria

apenasnumamassaalgoinformedeconhecimentosparciais,

unilaterais,inadequados,falhos,imperfeitosemarginaisacercado

mundoedosfatos,numarepresentaçãomeramentesimbólicaeerrônea

arespeitodehomenseacontecimentos;enfimnumaopiniãodeteor

Page 986: Ciência Política - Archive

desvirtuado,emvirtudedalassidãoouimpossibilidadepessoalde

alguémobterinformaçõesprecisas,emrazãotambémdeobstáculos

naturaisouartificiaisdeacessoàsfontesinformativas,eatéporefeito

decensura,indiferençaouescassezdetempo.Daquipoishaver

assinaladoLippmanncomamarguraacontradiçãoobservadaentreas

idéiasrecebidaseosfatos,vistoque‘‘nósnãovemosprimeiropara

entãodefinir,senãoquedefinimosparasomentedepoisvermos”.

AessasrazõesapresentadasporLippmann,queabalamsobo

aspectoaxiológicoaopiniãopúblicadospaísesdemocráticosna

sociedade

de

massas,

vêm

ademais

acrescentar-se

aquelas

percucientementeenunciadasporBurdeauemseuTratadodeCiência

Política,asaber:a)oaumentodastarefasdoEstado,sobretudoasde

ordemtécnica,exigindoumvolumedeconhecimentosespecializados,

queopúblicoouasmassasnãoestãoemcondiçõesdeadquirirou

possuir:b)adimensãointernacionaldosproblemas,deordempolítica,

Page 987: Ciência Política - Archive

socialefinanceira,quedizBurdeau,escapamaocontroledeuma

opiniãonacional,porquantooEstadonãodominasuasnascentesnem

dispõedemeiosprópriosdesolucioná-losec)enfim,ogovernodas

ideologias,emsubstituiçãodogovernodeopinião,fazendodasmassaso

receptáculopassivodeidéiaspré-formadas.

Acrescentaríamosaindaumaquartarazão,aqueBauerserefere,

ouseja:oencurtamentopelatécnica(meiosdecomunicaçãodemassas:

imprensa,rádioetelevisão)dadistânciaentreoindivíduoeoscentros

formadoresdaopiniãopública,aquelesqueemitem“opensamento

feito”eoimpõemàsmassasdóceis,cujafunçãosubseqüentesserá

apenasadereproduzi-lo.40Comojáhouvetambémquemdissesse:não

confundiropiniãopúblicacomopiniãopublicada,nãotomaranuvem

porJuno,consoantetemacontecidotantasvezes!

8.PossívelrestauraçãodoprestígiodaopiniãopúblicanoEstado

democráticodemassas

Conformevimos,escritoresesociólogospolíticosemgeraltêm

apresentadoumquadrosombrioedesalentadordaopiniãopúblicana

socie-dadedemassasdoséculoXX.

Nãopadecedúvidaqueessacríticaprocedeemlargaparte,tanto

comrespeitoaoEstadoautoritáriosenãotambémrelativamenteao

Estadodemocráticoocidental,semexcluirtodaviaquealgunsraiosde

Page 988: Ciência Política - Archive

otimismovolvemaclarearapaisagemdaopiniãonaschamadas

sociedadesdemocráticasdoOcidente.

Certosanalistaspolíticosestãoassinalandoumretornoà

confiançanaopiniãopública.Jálhenãodesmerecemaautoridadecom

alusõesàabsolutasujeiçãoaqueficouvotadoohomempolíticode

nossaépoca,essencialmenteumhomem“despolitizado”dopontode

vistaindividual,pelasconhecidasabdicaçõesànaturezasocialqueo

fenômenomassalheimpôs.Evislumbramcomesperançaarestauração

deumaopinião“independente”nospaísesdemocráticos,onde,graças

aopluralismo,nãoseabafouopoderdecríticaàsinstituições,aos

governos,aoshomenseaosfatos.

Entranessacorrentedepensadoresumdosmelhorespublicistas

dacátedraamericana,HermanFiner,quandoconcluiqueohomem

continuarásendooprincipalinstrumentodecomunicaçãodemassas,

enquanto“tiverpernasparacompareceraoscomíciosevisitaros

amigos,coraçãoparasentir,cérebroparapensarelínguaparafalar”.41

Argumentaaquelecientistapolíticocomobomêxitodedeterminados

movimentosdeteorprogressista,adespeitodapropagandacontrária

ministradapelosproprietáriosdosmeiosdecomunicaçãodemassas.

Comefeito,nahistóriadosEstadosUnidos,duranteosúltimos

quarentaanos,temosvistocandidaturaspresidenciaissustentadaspelo

Page 989: Ciência Política - Archive

apoiomaciçodos“lordes”ecaciquesdaimprensanorte-americanae

suaspoderosascadeiasdejornaiseradiodifusãosereminapelavelmente

batidasnasurnas.TalocorreuquandoRooseveltemmaisdeumpleito

eleitoralteverenovadoaliseumandatocontraavontadealiciadorados

donosdosmaisinfluentesmeiosdecomunicaçãodemassas.

Urgeportantonãosubestimarasreaçõesindividuais,nemaforça

deumaopiniãopúblicaconstituídaàmargemdosentimentopolítico

governante,contratodosospoderesoficiaiseextra-oficiaisdepressãoe

propaganda,osquaissemostramnãoraroimpotentesparadirigir-lheo

curso.

Amostrasdemanifestaçãodessaopinião,querestituiaconfiança

noperdidovalordaqueleinstrumentodogovernopopular,estãosendo

dadasatécomrespeitoaoconflitovietnamita,determinandoaformação

emtodoopaísdeumsentimentoaqueaCasaBranca,oPentágonoeo

Senado,emWashington,jásenãopodemconservarindiferentes.

Retomandoumpoderlivredecontrole,nossistemasondea

democraciaéautenticamenteaexpressãoformaldoconsentimentodos

governados,aopiniãopúblicaestariaassim,emúltimaanálise,

corroborandoessaverdade,segundoaqual,ohomem,comasua

personalidade,aindapossui—indestrutíveltecidodesuaconsciência!

—umadimensãoquenenhumdespotismo,nenhumalavagemcerebral,

Page 990: Ciência Política - Archive

nenhumaopressãomaliciosamentemeigaoubrutalmenteostensiva

lograránuncasuprimir.Sobreessehomemnãotemjurisdiçãoopoder

imensoesufocantedastécnicasmaisrefinadasdeinterdiçãodo

pensamentoedaliberdadedeopinião.

9.Aopiniãopúblicaeosmeiosdepropaganda

Nasociedadeliberaleindividualista,aopiniãopúblicasegerava

comrelativaespontaneidade,havendofortecrençanoseuconteúdode

racionalidade.

Nasociedadedemassas,deíndolecoletivista,aopiniãoaparece

“racionalizada”emsuasfontesformadoras,medianteoempregoda

técnica,comtodososrecursoscientíficosdecomunicaçãodemassas—

aimprensa,orádioeatelevisão—deliberadamenteconjugados,a

comporumextensolaboratóriode“criação”daopinião,paraatendera

interessesmaciçosdegruposoupoderesgovernantes,acreditando-se

noentantocadavezmenosnoteorracionaldessaopinião,quetodos

reconhecemouproclamamumaforçafeitairretorquivelmentede

sentimentoseemoções.

Seumlugardevecaberaindaàrazão,seráesteodosquese

dispuseremaoemprego“racional”deumobjeto“irracional”.

Comefeito,jáninguémquestionaaquelaafirmativadeLippman,

segundoaqualhouveumarevoluçãoquealterouaspremissas

Page 991: Ciência Política - Archive

políticas:ada“arte”decriaraopiniãoatravésdapropaganda.Cuidam

certosautoresimpossívelquenoséculoXXaindasepossa

corretamentefalardaexistênciadeopiniãopública,tantonoEstado

autoritáriodonossotempocomonoEstadodemocráticodemassas.

Distinguemaopiniãopúblicapelaeducação,daopiniãopúblicaobtida

atravésdapropaganda,admitindoapenasporválidaelegítimaa

primeira.Asegundaseriaperversão,opiniãodeformada,opiniãoem

ruínas.

Apropaganda,disseFiner,cerraamentehumanaatodosos

caminhos,excetoaquelequeelaindicacomooúnicopossível.

Encarceraavontadehumanaindividualoucoletivanumapolítica,que

proclamaamelhor,semconcederalternativas,privandoocorposocial

dolivreexercíciodasfaculdadescríticas.42

Aopiniãoéa“matéria-prima”dapropaganda,conformeassinalou

Burdeau,43masessapropagandaprimeirotemqueserexplicadana

suanaturezatécnicaedepoisnosseuscompromissosideológicos.

Quandoalguémchegaasustentarnãoimportaoqueaopiniãopública

“é”,massimoqueaopiniãopública“faz”(ElisabethNoelle),aaceitação

puraesimplesdessapremissapoderiaafastaroinvestigadorpolíticoe

socialdoexamedascausasdapropagandaparafixá-lotão-somentena

apreciaçãodosseusefeitos.Ora,estudando-seascausas,chegaríamos

Page 992: Ciência Política - Archive

aestimativasdevalorsobreaopiniãopública,queseriam

incomparavelmentemaiscorretasdoqueaquelasextraídastão-somente

daconclusãoacercadosefeitosdapropaganda.

Osjornais,asestaçõesderádioetelevisão,seusredatores,seus

colaboradores,seuscomentaristas,escrevendoascolunaspolíticase

sociais,

programando

os

noticiários,

preparando

as

emissões

radiofônicas,fazendoosgrandesêxitosdatelevisão,constituemos

veículosqueconduzemaopiniãoeaelaboram(quandonãoarecebem

jáelaborada,comapalavradeordem,que“vemládecima”),poisas

massas,salvoparcelashumanassociologicamenteirrelevantes,se

cingemsimplesmentearecebê-laeadotá-lademaneirapassiva,dando-

lheachancelade“pública”.

Essaopinião,filhadapropaganda,caracterizaoséculo,sobo

impériodasmassas.Elaseinstitucionalizanospartidos,nos

sindicatos,nosgruposdepressão.Faz-senãoraroestávele

Page 993: Ciência Política - Archive

permanente.Sendonofundoopinião“imposta”e“irracional”,

contestam-lhepublicistascomoBauereBurdeauanaturezade

verdadeiraopiniãopública.Aopiniãopública“verdadeira”já

desapareceucomoEstadoliberal,ouestáemviasdedesaparecercom

oEstadosocialdademocraciademassas.DizBauerqueseuconceito

semescloucomodepropaganda.Equipará-laaestavaleriatanto

quantodesvirtuá-la,confundindo-seosintomacomadoença,oque

seriaumerro.44

TraçouBurdeaucomadmirávelfidelidadeoperfildessa“opinião

dapropaganda”,destacando-lheostraçosessenciais,queseseguemem

partecomaspalavrasdoautor:a)nãolheinteressaatuarsobre

indivíduos,massobregrupos;b)oindivíduosozinho,quereflete,éum

obstáculo;c)urgeneutralizá-lo,tornandoimpotenteareflexãopessoal;

d)apropagandaassentarásuatécnicanoesforçodeobterreações

emocionais.

Da“opiniãoeducada”,oucombasenaeducação,quefoiada

burguesialiberaldoséculopassado,assinalamFinereBurdeauos

seguintesaspectosdistintivos:a)mantémamentelivre;b)nãosuprime

senãoqueindicaaspossíveisalternativas;c)nãoinsistenaação;d)

ensinaohomemapensar;e)nãofornecejuízos,opiniõesouatitudes.45

Éaúnica,emsuma,quefazefetivaaaçãodosgovernadosnopoder,

Page 994: Ciência Política - Archive

conferindo-lhesparticipaçãolivreeconsciente.

Édelastimartão-somentequejamaistenhapodidodeixardeser

apanágiodeumaclasseeaoestender-sepoliticamentepelosufrágio

universalatodasasclasseshajapadecidonademocracia

contemporâneaumdecessoqualitativo,quelhealterouanatureza

mesma,vistonãohaveraeducaçãopodidoacompanhá-lanaquela

extensãoquantitativa,queoraacaracteriza,emplenoséculoXX.

Coma“opiniãodepropaganda”,oproblemadaopiniãopública,

comoexcelentementeescreveuLindsayRoger,deixoudeserode

determinar“oqueelaquer”,masoqueela“devequerer”.46Ontem,

assinalaele,importavasaberoqueaopiniãopúblicaqueria,hoje

importadecidiroqueeladevequerer.

Aopiniãopúblicadasmassas,diligentemente“trabalhada”ou

“produzida”pelapropagandaéobjetodeacuradosestudossociais.

Comodissedeterminadoautor,aopiniãopúblicapodeser“criada”ou

“influenciada”,nuncaporém“ignorada”.Emalgunspaíses,comonos

EstadosUnidos,sociólogosháempenhadosprofissionalmentenatarefa

deinvestigá-la.Formam-separatalfimagênciasespecializadasde

sondagemdaopiniãopública.O“InstitutoAmericanodeOpinião

PúblicaGeorgGallup”eo“Fortune”deElmoRoper,bemcomoos

centrosdeinvestigaçãodeChicagoePrincetonsãotípicosaesse

Page 995: Ciência Política - Archive

respeito.

Têmessesinstitutosantecipado,atravésdaschamadas“prévias”,

resultadoseleitoraiscommargensmínimasdeerro.Masporoutraparte

jáseexpuseram,emalgumaseleiçõespresidenciaisamericanas,a

previsõesqueredundaramemfracassoabsoluto,eessefracassoos

desprestigiou,fazendoopúblicocéticooususpeitosoquantoa

semelhantesmodalidadesdeinquirirdoclimadaopiniãopúblicana

antevésperadascompetiçõeseleitorais.

NaAlemanha,osestudosdessaordemtomaramcarátermenos

vulgaremaiscientífico,comalgunscientistassociaisempenhadosem

constituirumnovoramodoconhecimento,a“demoscopia”,fadadaa

sermenosumaciênciadoqueumatécnica,tendoporobjetoinvestigar

eacompanharasvariaçõesdaopiniãopública.

1.EdwardMcChesneySait,PoliticalInstitutions.APreface,p.42.

2.H.L.Child.“BypublicopinionImean”,in:ThePublicOpinionQuarterly,v.3.,pp.

327-336.

3.JuanBeneyto,TeoriayTecnicadelaOpiniónPública,1961,p.149.

4.EdwardMcChesney,ob.cit.,p.501;RodeeAnderson&Christol,Introductionto

PoliticalScience,p.371.

5.G.Jellineck,AllgemeineStaatslehre,3ªed.,pp.102-103.

Page 996: Ciência Política - Archive

6.HaroldJ.Laski,AnIntroductiontoPolitics,p.85.

7.W.Bauer,DieOeffentlicheMeinungundihreGeschichtlichenGrundlagen,p.34.

8.W.Bauer,Ibidem,p.35.

9.W.Bauer,Ibidem,p.36.

10.G.Jellinek,ob.cit.,p.102.

11.Rousseauapenasomitiu,semdanoparaorespectivosentido,aadjetivavação

pública.

12.J.J.Rousseau,DuContratSocial,p.250.

13.W.Bauer,ob.cit.,p.173.

14.GerhardBaumert,“Algunasreflexionessobrelaopiniónpúblicaylacomunicación

demassasenlaactualidad”,RevistadelInstitutodeCienciasSociales,1964,(3):57;W.

Bauer,ob.cit.,p.383.

15.F.Lenz,“Meinungoeffentliche”,in:Bernsdorf&Buclow(ed.),Woerterbuchder

Soziologie,p.334.

16.KarlMarx,apudBersndorfWoerterbuchderSoziologie,p.332.

17.HermannHeller,Staatslehre,p.177.

18.G.W.E.Hegel,GrundlininenderPhilosophiedesRecats,3ªed.,rev.,p.424.

19.G.W.E.Hegel,ibidem,pp.424-425.

20.W.Bauer,ob.cit.,p.126.

Page 997: Ciência Política - Archive

21.J.B.Perez,TeoriayTécnicadelaOpiniónPública,p.111.

22.W.Bauer,ob.cit.,p.17.

23.W.Bauer,ibidem.

24.W.Bauer,ibidem,p.128.

25.Alain,Politique,pp.200-202.

26.J.B.Perez,ob.cit.,pp.196-197.

27.J.B.Perez,ob.cit.,p.190.

28.AlfredSauvy,OpiniãoPública,pp.7-8.

29.JamesBryce,TheAmericanCommonwealth,p.259;W.Bauer,ob.cit.,p.30.

30.HermannHeller,ob.cit.,pp.173-175.

31.J.C.Bluntschli,“DieoeffentlicheMeinung”,in:DeutchesStaats-Woerterbuch,v.

7,p.342.

32.J.C.Bluntchsli,ibidem,p.347.

33.Bryce,ob.cit.,p.263.Oliberalismomilitanteficounomeiodocaminho,sem

poder(nãoerapoisaopiniãopúblicaumaopiniãodeclasse,aclasseburguesa,

educadaeproprietária?)ousemquererdesvincular-sedaaçãointeressada,açãode

classe,deixandoabertoohiatoouacontradiçãoentreadoutrinaeasinstituições,de

modoqueestas,metafisicamente,eramservidasporidéias,esociologicamente

Page 998: Ciência Política - Archive

governadasporinteresses.

34.EntendiaBrycequeemFrançaeInglaterraaopiniãopúblicaeraopiniãodeclasse

esomentenosEstadosUnidosopiniãodetodasasclasses.PobreBryce!Melhor

dissera,comrelaçãoaosEstadosUnidos:aopiniãoalternadadetodososgruposde

pressão!

35.W.Bauer,ob.cit.,p.124.

36.G.Jellinek,ob.cit.,p.103;R.Schmidt,AllgemeineStaatslehreI,Handund

LehrbuchderStaatswissenschaften,p.280.

37.WalterLippmann,PublicOpinion,p.428.

38.GeorgesBurdeau,TraitédeSciencePolitique,t.4,p.221.

39.Necker,DuPouvoirExécutifdanslesGrandesÉtats,v.2,p.226.

40.W.Bauer,ob.cit.,p.95.

41.HermanFiner,TheTheoryandPracticeofModernGovernment,p.260.

42.HermanFiner,ob.cit.,p.260.

43.GeorgesBurdeau,ob.cit.,p.218.

44.W.Bauer,ob.cit.,p.66.

45.HermanFiner,ob.cit.,p.216;Burdeau,ob.cit.,p.219.

46.LindsayRogers,ThePollsters,p.389.

BIBLIOGRAFIA

AGESTA,LuísSanchez.PrincípiosdeTeoriaPolítica.Madrid,Ed.Nacional,

Page 999: Ciência Política - Archive

1967.

ALAIN.Politique.Paris,PressesUniversitairesdeFrance,1952.

ALENCAR,Joséde.SistemaRepresentativo.RiodeJaneiro,1868.

AMADO,Gilberto.EleiçãoeRepresentação.RiodeJaneiro,1931.

ANDERSON,Rodee&Christol.IntroductiontoPoliticalScience.NewYork,1957.

ANSCHUETZ,

Gerhard.

“Deutsches

Staatsrechts”.

Enzyklopaedie

der

RechtswissenchaftinsystematischerBearbeitung.MuenchenLeipzig-Berlin,

Page 1000: Ciência Política - Archive

1914.ASSISCHATEAUBRIAND.DiscursonoSenadoFederal.Sessãode27dejulhode1955.

AUGUSTO,José.PresidencialismoversusParlamentarismo.Borsoi,1962.

BAGHEOT,W.TheEnglishConstitution.London,OxfordUniversityPress,1955.

BAKER,Ernest.BritainandtheBritishPeople.2ªed.,London,OxfordUniversityPress,

Page 1001: Ciência Política - Archive

1958.BARBOSA,Ruy.ExcursãoEleitoralaosEstadosdaBahiaeMinasGerais,1910.

_______________AGêneseduCandidaturadoSr.WenceslauBraz.

_______________AImprensaeoDeverdaVerdade.

_______________.NovosDiscursoseConferências.

_______________.CampanhaPresidencialeOswaldoCruz.Rio,1917.

BARTHÉLEMY&DUEZ.TraitéElémentairedeDroitConstitutionnel.Paris,Dalloz,

Page 1002: Ciência Política - Archive

1926._______________.TraitédeDroitConstitutionnel.Paris,Dalloz,1933.

BASCUNAN,AlfredoSilva.TratadodeDerechoConstitucional.EditorialJurídicade

Chile,1963.

BAUER,Wilhelm.DieoeffentlicheMeinungundihregeschichtlichenGrundlagen.

Tuebingen,1914.

BAUMERT,Gerharf.“AlgunasReflexionessobrelaOpiniónPúblicaylaComunicación

deMasasenlaActualidad”.RevistadelInstitutodeCiênciasSociales.3,1964.

BENTLEY,A.F.TheProcessofGovernment.1908.

BERNSDORF&BUCLOW(ed.).WoerterbuchderSoziologie.Stuttgart,1955.

BINKLEY,WilfredE.&Moos,MalcolmC.GrammarofAmericanPolitics.

BISHOP&HENDEL.BasicIssuesofAmericanDemocracy.NewYork,1963.

BLUM,Léon.LaRéformeGouvernementale.Paris,1926.

BLUNTSCHLI,J.C.AllgemeineStaatslehre.6ªed.,Stuttgart,1886.

_______________DeutschesStaats-Woerierbuch.Stuttgart-Leipzig,1862.

BOBBIO,Norberto.Società.DizionariodiFilosofia.Milano,EdizionidiCommunitá,

Page 1003: Ciência Política - Archive

1957.BODIN,J.LesSixLivresdelaRépublique.Ed.facsimilada,ScientiaAalen,1961.

BOSHENSKY,Joseph,M.HandbuchdesWeltkommunismus.Muechen,1958.

BOZZI,Aldo.IstituzionediDirittoPublico.Milano,1965.

BRYCE,James.ModernDemocracies.TheAmericanCommonwealth.NewYork,

Macmillan,1918.

BURDEAU,Georges.DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques.Paris,1957.

_______________LaDemocratie.Bruxelles,1956.

_______________TraitédeSciencePolitique.Paris,1949.

_______________MéthodedelaSciencePolitique.Paris,Dalloz,1959.

BURKE,Edmund.“SpeechtotheElectorsofBristol”.SpeechesandLetterson

AmericanAffairs.London,Everyman’sLibrary,1956.

_______________”TroughtsontheCaseofthePresentDiscontents”.TheWorksof

EdmundBurke.NewYork,1860.

BURNS,James.“TheNeedforDisciplinedParties”.CongressonTrial.NewYork,1945.

CALVEZ,Jean-Yves.IntroductionàlaViePolitique.Paris,1967.

_____________.DictionnairedelaLanguePhilosophique.Paris,1962.

Page 1004: Ciência Política - Archive

CAMPO,Milton.“Presidencialismo,RegimeemCrise”.PorqueAssineiaEmenda

Parlamentarista(II).TribunadaImprensa,1957.

CARTER,EdwardW.&ROHLFING,CharlesC.TheAmericanGovernmentanditsWork.

NewYork,1952.

CASTELOBRANCO,Carlos.“OCongressoNacional”.CadernosBrasileiros(41):49,

mai./jun.1967.

CHATEAUBRIAND.OeuvresComplètes.Paris,1827.

CHILD,H.L.“ByPublicOpinionIMean”.ThePublicOpinionQuartely,v.3.

CICERO,M.Tullius.DeRePublica.EdiçãoalemãdeClássicosLatinos.Gottifried,Pa-

derborn,s/d.

COTTA,Sergio.“LesPartisetlePouvoirdanslesThéoriesPolitiquesduDébutdu

XVIIIèmeSiècle”.LePouvoir.Paris,PressesUniversitairesdeFrance.

COKER,F.W.TheAmericanPoliticalScienceReview.15:200,1915.

COLIN&CAPITANT.DroitCivil.7ªed.

COMTE,Auguste.Sociologie.Paris,PressesUniversitairesdeFrance,1957.

CONSTANT,Benjamin.“De1’EspiritdeConquête”.Oeuvres.Tours,Bibliotèquedela

Pléiade,Gallimard,1957.

CORWIN,E.S.&KOENING,L.W.ThePresidencyToday.NewYork,1956.

Page 1005: Ciência Política - Archive

CROCE,Benedetto.PoliticsandMorais.

CROSA,E.DirittoCostituzionale.4ªed.

DABIN,Jean.DoctrineGénéralede1’Etat.Paris,1939.

DECOUFLÉ,André.SociologiedesRévolutions.Paris,PressesUniversitairesdeFrance,

Page 1006: Ciência Política - Archive

1968.DELPICCHIA,Menotti.ACrisedaDemocracia.SãoPaulo,1931.

DELVECCHIO,Giorgio.LezionidiFilosofiadelDiritto.10ªed.Milano,1958.

_____________.TeoriadelEstado.Barcelona,Bosh,1956.

_____________.PhilosophieduDroit.Trad.francesadeJ.AlexisD’Aynac.Paris,Dalloz.

D’ENTREVES,AlessandroPasserin.LaDoctrinadelloStato.Torino,1952.

DILTHEY,Wilhelm.GesammelteSchriften.V.1924.

______________EinleitungindieGeisteswissenschaften.2ªed.,1923.

DUGUIT,Léon.TraitédeDroitConstitutionnel.2ªed.,Paris,1923.

______________L’Etat.Paris,1901.

______________ManueldeDroitConstitutionnel.4ªed.,Paris,1923.

DUNSHEEDEABRANCHES,C.A.EspaçoExterioreResponsabilidadeInternacional.

FreitasBastos,1964.

DURAND,Charles.“LaTéchniqueduFédéralisme”.LeFédéralisme.Paris,Presses

UniversitairesdeFrance.

DUVERGER,Maurice.DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques.2ªed.,Paris,

PressesUniversitairesdeFrance,1956.

______________LesPartisPolitiques.2ªed.,1954.

Page 1007: Ciência Política - Archive

_____________.LavieRépubliqueetleRégimePrésidentiel.Paris,1961.

ENGELS,F.DieEntwicklungdesSozialismusvonderUtopiezurWissenschaft.

Frankfurt,1946.

ESMEIN.ElémentsdeDroitConstitutionnel.5ªed.,Paris,1909.

EYNERN,Gert.“Bevoelkerungspolitik”.StaatundPolitik.FischerBuecherei,1968.

FAIRLIE,JohnA.“TheNatureofPoliticalRepresentation”.TheAmericanPolitical

ScienceReview.34,1940.

FERRERO,G.Potere.Milano,Ed.diCommunità,1959.

FERRI,StudisuiPartitiPolitici.Roma,1950.

FIELD,G.C.PoliticalTheory.London,1956.

FINER,H.TheoryandPracticeofModernGovernment.London,Methuen,1956.

FORD,HenryJones.TheRiseandGrowthofAmericanPolitics.NewYork,1896.

FORSTHOFF,Ernst.DiePolitischenParteienimVerfassungsrecht.Tuebingen,1950.

FRICKER.“VomStaatsgebiet”.GebietundGebietshoheit.Tuebingen,1901.

FRIEDMAN,W.LawinaChangingSociety.London,1953.

FRIEDRICH,CarlJ.“RepresentationandConstitutionalReforminEuropa”.The

WesternPoliticalQuartely.I:124-30,1948.

_____________.(ed.)Revolution.HarvardUniversityPress,1966.

Page 1008: Ciência Política - Archive

GABLENTZ,OttoHeirich.“Gesellschaftlehre”.StaatundPolitik.FrankfurtamMain,

FischerBuecherei,1968.

_____________.“EinfuehrungindiePolitisheWissenschaft”,WestdeutscherVerlag

KoelnundOpladen,1965.

GARCIA-PELAYO,Manuel.DerechoConstitucionalComparado.2ªed.,Madrid,

Manuales,1951.

GERBER,Emil.DerStaatstheoretischeBegriffderRepraesentationinDeutschland

ZwuishcenWienerCongressundMaerzrevolution.1929.

GIESE,Friedrich.“DasStaatsgebiet.”HandbuchdesDeutschenStaatsrechts.1930.

GILBERT,CharlesE.“OperativeDoutrinesofRepresentation”.TheAmericanPolitical

SocialScienceReview.57:604-18,1963.

GLOCKNER,Hermann.DieEuropaeischePhilosophie.VomAnfagenbiszurGegenwart.

Page 1009: Ciência Política - Archive

1958.GLUM,F.BegriffundWesenderRepraesentativverfassung.Darmstadt,1968.

GOGUEL,F.Politique.1947.

GREAVES,H.R.G.TheBritishConstitution.3ªed.,London.

GRIEWANK,Karl.DerneuzeitlicheRevolutionsbegriff—EntstelhungundLentwicklung.

Weimar.

GROTIUS,Hugo.DeJureBelliacPaci.

GUIZOT.HistoiredesOriginesduGovernmentReprésentatif.4ªed.,Paris,1880.

HAETICH,Manfred.LehrbuchderPolitikWissenschaft.GrunalegungundSystematik.

Mainz,v.1.

HALIFAX.“PoliticalThoughtsandReflections”.Works.

HASBACH,W.DieModerneDemokratie.Jena,1912.

HAURIOU,Maurice.PrincípiosdeDerechoPúblicoyConstitucional.2ªed.,s/d.

______________DroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques.Paris,1966.

HEBERLE,Rudolf.HauptproblemederPolitischenSoziologie.Stuttgart,1967.

HEGEL,G.W.F.GrundlinienderPhilosophiedesRechts.3ªed.,Stuttgart,Frommans,

Page 1010: Ciência Política - Archive

1952.HELFRITZ,Hans.AllgemeineStaatsrecht.5ªed.,1949.

HELLER,H.DieGleichheitinderVarhaeltniswahl.1929.

______________Staatslehre.Leiden,GerthartNiemeyer,1934.

HERRING,E.P.GroupRepresentationbeforeCongress.Baltimore,1929.

HOLCOMBE,Arthur.EncyclopaediaofSocialSciences.

HORNUNG,Klaus.“EtappenPoliticherPaedagogikinDeutschland”.Schriftenreiheder

BundeszebtralefuerPolitischeBildung.Bonn,cad.60.

HUBER,Erich.RechtundWertraum.v.77,cad.1,1958.

HUME,David.Essays,Moral,PoliticalandLiterary.London,Longmann,Green&Co.,

Page 1011: Ciência Política - Archive

1875.JEANNEAU,Benoit.DroitConstituionneletInstitutionsPolitiques.Paris,Dalloz,1967.

JEHRING,R.v.DerZweckimRecht.4ªed.,Leipzig,1904.

JELLINEK,G.AllgemeineStaatslehre.3ªed.,Berlin,1914.

JENNINGS,W.I.TheBritishConstitution.3ªed.,Cambridge,1954.

KANT,Emmanuel.MetaphysischeAnfangsgruendederNaturwissenschaft.

_____________.MetaphysikderSitten.Hamburg,1954.

KELSEN,Hans.TeoriaGeneraldelEstado.

_____________.VomWesenundWertderDemokratie.2ªed.,Tuebingen,1929.

KUECHENOFF,GUENTHER&ERICH.AllgemeineSttatslehre.2ªed.,Stuttgart,1951.

KRUEGER,Herbert.AllgemeineStaatslehre.2ªed.,Stuttgart,Kolhammer,1966.

LABOULAY.QuestionsConstitutionnelles.

LAFERRIÈRE,Julien.ManueldeDroitConstituionnel.2ªed.,Paris,1947.

LASKI,HaroldJ.ElSistemaPresidencialNorteamericano.

_____________.AnIntroductiontoPolitics.London,1959.

LASSALLE.UeberVerfassungswesen.Ed.deBernsteins,1922.

LEAL,Aurelino.TeoriaePráticadaConstituiçãoFederalBrasileira,Rio,1925.

LADERER,E.EinigeGedankenzurSoziologiederRevolution.Leipzig,Neue-GeistVer-

Page 1012: Ciência Política - Archive

lag,1918.

LEFUR,L’EtatFéderaletConféderationd’Etats.Paris,1896.

LEIBHOLZ.DasWesenderRepraesentationundderGertaltwandelderDemokratiein

20Jahrundert.Berlin,1929.

_____________.“DerParteienstaatdesBonnerGrundsgezetzes”,Recht,Staat,Wirts-

chaft.DritterBand,Duesseldorf,1951.

LEVY-BRUHL,Henry.AspectsSociologiquesduDroit.1955.

LIEBER,Francis.ManualofPoliticalEthics.2ª.ed.,Philadelphia,1876.

LIÑARESQUINTANA,S.V.LosPartidosPolíticos.BuenosAires,EditorialAlfa,1945.

LIPPMAN,Walter.PublicOpinion1922.

LOCKE,John.TheSecondTreatiseofGovernment.

LOEWENSTEIN,Karl.PoliticalPowerandtheGovernmentalProcess.TheUniversityof

ChicagoPress.

_____________.“WeberunddieparlamentarischeParteidisziplinimAusland”,emDie

politischenParteienimVerfassungrecht.Tubingen,1950.

LOWELL,A.L.TheGovernmentofEngland.NewYork,1920.

MACHIAVELLI,Niccolo.ILPríncipe.13ªed.,Firenze,G.C.Sansoni.

MACIVER,R.M.TheModernState.London,OxfordUniversityPress,1955.

Page 1013: Ciência Política - Archive

MACY,JESSE&GANNAWAY,John.ComparativeFreeGovernment.NewYork,1923.

MADISON.TheFederalist.Oxford,MaxBelofEd.,1948.

MAGALHÃES,Agamenon.OEstadoeaRealidadeContemporânea.1933.

MAOTSE-TUNG,OnPeoplesDemocratieDictatorship.PekingForeignLanguagesPress,

Page 1014: Ciência Política - Archive

1950.MARNOCOESOUZA.DireitoPolítico.Coimbra,1910.

MARTIN,Alfredvon.OrdnungundFreihet.FrankfurtamMain,1956.

MARX,Karl.“DasKommunistischesManifest”.DieFhrueschriften.Stuttgart,1954.

MATHIOT,André.“LesPressureGroupsauxÉtats-Unis”.RevueFrançaisedeScience

Politique,set.1952.

MEIRIGI,Lea.NuovoDigesto.

MELOFRANCO,AfonsoArinosde.“ACriseBrasileira”.JornaldoBrasil.22,set.,1963.

_____________.HistóriaeTeoriadoPartidoPolíticonoDireitoConstitucionalBrasileiro.

Rio,1948.

_____________.“NovosArgumentos”.JornaldoBrasil,7,jun.,1964.

_____________.“Maturidade”.JornaldoBrasil.1,nov.,1964.

MERRIAN,Charles&GOSNELL,HaroldF.TheAmericanPartySystem.NewYork,

Page 1015: Ciência Política - Archive

1933.MEYER,Georg.LehrbuchdesDeutschenStaatsrechtes.3ªed.,Leipzig,1891.

MEYNAUD,J.LesGroupesdePression.Paris,1960(Col.Quesais-je?)

MIRKINE-GUETZÉVITCH,Boris.LesConstitutionsEuropéennes.Paris,Press

UniversitairesdeFrance.1951.

MONACO&CANSACCHI.LosStatoedilsuoOrdinamentoGiurídico.7ªed.,Torino,

Page 1016: Ciência Política - Archive

1958.MONTESQUIEU.“Del’ÉspritdesLois”.OeuvresComplètes,v.II,Dijon,Biblothèquede

laPléiade,1951.

MORTAL,Constantino.IstituzionidiDirittoPubblico.2ªed.,Padova,1952.

MUND,V.A.GovernmentandBusiness.3ªed.,NewYork,1960.

MUNRO,WilliamB.TheGovernmentsofEurope.NewYork,Macmillan,1945.

NAWIASKY,Hans.AllgemeineStaatslehre.Zürich,Koeln,1955

___________DieZukunftderPolitischenParteienMünchen,1924.

NECKER.DuPowvoirExécutifdanslesGrandsÉtats.1792.

NITTI,Francesco.LaDémocratie.Paris,Alcan,1933.

OLIVEIRAVIANNA.ProblemasdePolíticaObjetiva.SãoPaulo,Cia.EditoraNacional,

Page 1017: Ciência Política - Archive

1930.OLIVIER,Émile.EmpireLibéral.

OPPENHEIMER,Franz.DerStaat.4ªed.,Stuttgart,1954.

ORLANDO,E.V.PrincipidiDirittoCostituzionale.5ªed.,Firenze,1922.

ORTEGAYGASSET,Kant.Hegel.Dithey.1958.

_____________.Elocasodelasrevoluciones”,ElTemadeNuestroTiempo,12ªed.,

Madrid,RevistadoOccidente,1956.

OSPITALI,Giancarlo.IstituzionidiDirittoPubblico.5ªed.,Padova,1966.

PARSONS,Talcott.EncyclopaediaofSocialSciences.

PERGOLESI,Ferruccio.DirittoCostituzionale.15ªed.,Padova,1962.

PEREZ,JuanBeneyto.TeoriayTécnicadelaOpiniónPública.1961.

PIMENTA,Joaquim.EnciclopédiandeCultura.1955(SociologiaeCiênciasCorrelatas).

POEZL.DeutschesStaats-Woerterbuch.StuttgartundLeipzig,1865.

POTTER,A.OrganizedGroupsinBritishNationalPolitics.London,1961.

PRÉLOT,Marcel.InstitutionsPolitiquesetDroitConstitutionnel.2ªed.,Paris,Dalloz,

Page 1018: Ciência Política - Archive

1961.PROUDHON,P.J.DuPríncipeFéderatif.

RADBRUCH,Gustav.“DiePolitischenParteienimSystemdesDeutschenVerfassungs-

recht”.HandbuchdesDeutschenStaatsrechts.Anschuetz,G.&Thoma,R.(ed.),

Tuebingen,1930.

RANELLETTI,Oreste.IstituzionidiDirittoPubblico.13ªed.,Milano,1948,5ªed.,Pa-

dova,1966.

RANNAY,Austin&KENDALL,Wilmore.DemocracyandtheAmericanPartySystem.

NewYork,1956.

REDSLOB,R.DieStaatsTheorienderFranzoesischemNationalversammlungvon1789.

Leipzig,1912.

RENAN,Ernest.“Qu’Est-ceuneNation?”OeuvresComplètes.Paris,Calman-Lévy,

Page 1019: Ciência Política - Archive

1947.RICHARDSON,J.D.(ed.).MessagesandPapersofthePresidents.Washington,D.C,

GovernmentPrintingOffice,1896.

RICKERT,Heinrich.KulturwissenschaftundNaturwissenschaft.7ªed.,Tuebingen,

Page 1020: Ciência Política - Archive

1926.ROBSON,W.A.SciencePolitique.

ROGERS,Lindsay.ThePollsters.NewYork,AlfredKnopf,1949.

ROUSSEAU,J.J.DuContratSocial.Paris,Garnier,1954.

RUFFIA,Biscarettidi.DirittoCostituzionale.5ªed.,Napoli,1958.

SAIT,E.M.AmericanPartiesandElections.1927.

______________PoliticalInstitutions.APreface.NewYork,1938.

SAINT-GIRONS,A.ManueldeDroitConstitutionnel.3ªed.,Paris,1885.

ST.JOHN,HENRY&BOLINGBROKE,Viscount.LettersontheSpiritofPatriotism,on

theIdeaofaPatriotKing,andontheStateofPartiesattheAcessionofKing

GeorgetheFirst.London,1749.

SALOMON-DELATOUR,PolitischeSoziologie.Stuttgart,1959.

SAMPAIODÓRIA,A.de.“Parlamentarismovs.Federação”.OEstadodeSãoPaulo.12,

out.,1961.

SANTIROMANO.PrincipidiDirittoCostituzionaleGenerale.2ªed.,Milano,1947.

SAUVY,AlfredA.OpiniãoPública.Trad.GersonSouza.SãoPaulo,DifusãoEuropéiado

Livro,1959.

SCELLE,Georges.ManueldeDroitInternacionalPublique.Paris,1948.

Page 1021: Ciência Política - Archive

SCHATTASCHNEIDER,E.E.PartyGovernment.NewYork,1942.

SCHMITT,Carl.LegalitaetundLegitimitaet.1932.

______________”DasProblemderLegalitaet”.VerfassungsrechtlicheAufsaetze.Berlin,

Page 1022: Ciência Política - Archive

1928.SCHMIDT,Richard.AllgemeineStaatslehre.1961.

SCOTT,AndrewM.PoliticalThoughtinAmerica.NewYork,1959.

SEIDLER,Gustav.GrundzuegedesAllgemienesStaatsrechtes.Berlin,GeorgStilke,

Page 1023: Ciência Política - Archive

1929.SEYDEL,Maxvon.BayerischesStaatsrecht.2ªed.

SMEND,Rudolf.VerfassungundVerfassungsrecht,1929.

SOBOLEWSKY,Marek.“PolitischeRepraesentationinModernemStaatder

Buergerlichen

Demokratie”.

Zur

Theorie

und

Geschichte

der

Repraesentativverfassung.GeschichtederRepraesentativverfassung.

SOUZAPINTO,PauloBrossarde.PresidencialismoeParlamentarismonaIdeologiade

RuiBarbosa.1949(separata).

STALIN,J.FragenderLeninismus.Berlin,1951.

SULZBACH,Walter.“PolitischeParteien”.HandwoerterbuchderSoziologie.Stuttgart,

Page 1024: Ciência Política - Archive

1959.TAUBENFELD,HowardJ.“L’EspaceExtra-Atmosphérique:EvolutionduDroitInter-

national”.RevuedelaCommissionInternationaledeJuristes.(4):39,1969.

TAYLOR,John.AnInquiryintothePrincipiesandPolicyoftheGovernmentoftheUnited

States.Fredericksburg,Green&Cady,1914.

TOCQUEVILLE,Alexisde.DelaDémocratieenAmérique.Paris,Libraitiede

Médicis,1951.

______________L’AncienRegimeetlaRévolucion.2ªed.

TRIEPEL.StaatsverfassungundPolitischeParteien.1928.

VEDEL,Georges.IntroductionauxÉtudesPolitiques.Paris.

______________CoursdeDroitConstitutionneletInstitutionsPolitiques.Paris,

1959/1960.

______________ManuelÉlémentairedeDroitConstitutionnel.Paris,RecueilSirey,1949.

VIAMONTE,CarlosSanchez.ManualdeDerechoPolítico.BuenosAires,Editorial

BibliográficaArgentina,1959.

VIERKANDT,Alfred.HandwoerterbuchderSoziologie.Stuttgart,1959.

VILLENEUVE,MarceldelaBigne,deTraitéGénéralede1’État.RecueliSirey,1929.

Page 1025: Ciência Política - Archive

VIRGA,Pietrodi.DirittoCostituzionale.6ªed.,Milano,1967.

WALSH,CorreaM.ThePoliticalScienceofJohnAdams.NewYork,1915.

WEBER,Max.Staatssoziologie.Berlin,J.Winckelmann,1956.

______________“WirtschaftundGesellschaft”,vierte,neuherausgegebeneAuflage,

besorgetvonJohanesWinckelmann,IHalband,Tuebingen,1956.

______________EconomiaeSociedade.4ªed.,2Halbband,Tuebingen,1956.

WIESE,L.von.“DieProblematikeinerSoziologiederRevolution”.DasWesenderRevo-

lution.VerhandlungendesDrittenDeutschenSoziologentages.Tuebingen,1923.

WINDELBRAND,Wilhelm.Praeludien.1921.

WOLFF,Hans.“DieRepraesentation”.ZurTheorieundGeschichtederRepraesentation

undRepraesentativverfassung.

XIFRAHERAS,Jorge.IntroducciónalaPolítica.

_____________CursodeDerechoConstitucional.2ªed.,Barcelona.

ZAMPETTI,PierLuigi.DalleStateLiberalealleStatedeiPartitti.Milano,Giuffrè,1961.

2

2EstelivrofoidigitalizadoedistribuídoGRATUITAMENTEpelaequipeDigitalSourcecomaintençãode

facilitaroacessoaoconhecimentoaquemnãopodepagaretambémproporcionaraosDeficientes

Visuaisaoportunidadedeconheceremnovasobras.

Page 1026: Ciência Política - Archive

Sequiseroutrostítulosnosprocurehttp://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros,seráumprazer

recebê-loemnossogrupo.

http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros

http://groups.google.com/group/digitalsource

Impressãoeacabamento:

GRÁFICAPAYM

Tel.(011)4392-3344

Page 1027: Ciência Política - Archive