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Como se fosse [im]possível ficar aqui

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Programa do espetáculo produzido pelo PINEL.

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  • Eu estou aqui...

    Sou de terra, sou da terra, sou do planeta Terra... E por isso mesmo no sou daqui, no

    sou apenas de um lugar. Nasci na pequenina Piles, vivi muitos anos em Joo Pessoa,

    passei pelo Cariri do Padre Ccero, retornei e hoje me divido entre Campina Grande e

    Sum. Isso para no falar dos muitos mundos imaginrios que habito, pois como j disse

    o poeta o mundo o meu lugar. Preciso estar presente, viver meu tempo, ser mais

    que pretrito e [na minha imperfeio] olhar pra frente, sonhar com o por vir. Estou

    sempre em trnsito, em mutao, desejando romper fronteiras para tornar possvel...

    aproximaes. Aproximar, cada vez mais, o humano que h em mim e, a partir deste,

    ensaiar um dilogo com o outro. Mas num mundo marcado pela intolerncia e pelos

    fechamentos de territrios, uma possibilidade de articular dilogos, contar histrias e

    intercambiar experincias s pode parecer coisa de louco, de pinel.

    PINEL o meu teatro atual, um pequeno mundo compartilhado por outros colegas

    de militncia nos palcos e na vida, para representar os nossos mundos, o mundo que

    coabitamos e, principalmente, aquele que sonhamos ser possvel.

    O espetculo Como se fosse [im]possvel ficar aqui, mais que qualquer outro j

    representado por mim, fala desse meu mundo, dessas inquietaes e mltiplas

    referncias de tempo e espao, das muitas idas e vindas. Nasceu da vontade

    de trabalhar com o texto narrativo para abordar um tema: o desejo de partir e

    a necessidade de ficar. O texto, escrito enquanto se improvisava com o corpo

    e voz dos atores/atrizes, resulta da articulao de algumas histrias de vida e

    fragmentos de narrativas transpostas para cena teatral, que se transformaram

    em trs cenas-ensaio apresentadas e debatidas publicamente ao longo

    desse ano. O espetculo que vem cena no somatrio das 3 em 1,

    tambm no uno, mltiplo resultante da permanente colaborao e

    aprendizado entre 0 elenco, o diretor e o dramaturgo/dramaturgista.

    Um movimento de criao cclico semelhante trajetria circular presente na

    fbula: a Menina que, da janela, sonha ser diva e a Diva que precisa retornar

    para reencontrar a menina que mora dentro de si.

    Dulio Cunha

    Diretor

  • Esta figura, que agora parece

    apenas esboar-se no espelho, j

    amou e foi imensamente amada.

  • Histria de histrias

    A dramaturgia que ensaio escrever hoje, do lugar de onde eu olho e de onde

    eu estou, tem relaes estreitas com a minha experincia pessoal ou seja,

    com o lugar onde eu sou. Neste campo sou sempre um amador naquele

    sentido antigo, que se refere quele que ama o que faz e este amor tem sua

    gnese em Campina Grande-PB, num momento de grande efervescncia

    por aqui, nos fins da dcada de 1980. Mais de vinte anos depois, estou aqui de

    novo, e posso ver um momento tambm interessante: de debates, de

    propostas que se lanam na grande aventura de fazer teatro.

    Essa histria que contamos hoje comea nas mil e uma conversas com minha

    amiga Regina, sobre o desejo de fazer teatro, e, nestas ocasies, ramos

    tomados por um turbilho de interrogaes. A coisa toda tomou forma

    definitiva quando Dulio voltou para a Paraba, depois de sua estada no

    Cear, numa tarde, em meio a um bom caf. Era a vez de falarmos sobre a

    possibilidade de termos um grupo estvel de pesquisa. E... surgia o PINEL.

    A forma como temos trabalhado, atualmente, teve origem numa demanda

    pessoal de nosso diretor, que nos propunha o mergulho sobre a pesquisa

    esttica em torno da narrativa no teatro. Se o dilogo o meio

    comunicacional no teatro, ele tambm, de muitas maneiras, conversa com

    a narrao. Sempre foi assim. Se o teatro mostra, mesmo sem querer, ele

    tambm narra. Neste caminho, Dulio nos propunha o trabalho a partir da

    narrativa curta. Os atores comearam as improvisaes e o treinamento

    tcnico. Foram tardes e tardes tentando descobrir possibilidades: observar o

    outro, problematizar a situao, escolher o ponto de vista, representar e

    observar a personagem analis-la criticamente, distanciar-se dela,

    aproximar-se dela, descobrir a voz, o corpo. Era necessrio observar o outro,

    ver a ao se construindo no arcabouo verbal, mas, tambm, no plano

    fsico, que no deveria, apenas, ilustrar. Em alguns momentos, para o grupo, o

    exerccio talvez parecesse sem sentido: Quais so as personagens? De onde

    elas partem? Como se constri uma personagem diante do vazio? E, ao que

    me parece, isso no era o mais relevante. As questes eram outras: De onde se

    narra? Quem narra?

  • Penso que, diante deste impasse, de tarde infindveis de exerccios que,

    apenas aparentemente, no levavam a nenhum lugar, o grupo foi se

    reduzindo e restaram quatro. Diante de um novo impasse, e de demandas do

    grupo, acabamos por formalizar um primeiro princpio: iramos comear a

    lanar um desafio que se centraria na possibilidade de mostrar resultados

    provisrios. Afinal, o que tnhamos na mo era uma pesquisa, assim, em algum

    momento, ela tinha que ser exposta ao pblico, testada em suas hipteses,

    em suas certezas provisrias, rumo a um resultado provvel, mas j

    vislumbrvel.

    Comeamos a teatralizar o conto Ccera Candoia, do cearense Ronaldo

    Correia de Brito, to caro ao meu universo de leitor de literatura. Todavia, na

    medida em que o trabalho de treinamento avanava, tudo mudava. Eu

    precisava que os envolvidos falassem: e surgiu a idia do Quem sou eu? De

    onde eu vim? Para onde eu vou? Da por diante, emergiram do papel coisas

    lindas. Sentidas. Sofridas. No mais s a narrativa de Brito se impunha, havia a

    maravilha dos depoimentos dos atores. Era uma coisa que havia eclodido

    com muita fora em algumas das tardes de preparao: quem ramos ns

    mesmos? Isso precisava aparecer nos textos. Quais os limites, afinal, entre ator-

    narrador, ator-personagem e ator-pessoa fsica? E a coisa brotava, e crescia.

    Foi numa das nossas muitas conversas que comecei a perceber o que j

    estava l: todo mundo com uma vontade danada de fazer algo, outra

    vontade danada de correr mundo, outra vontade danada de voltar no

    tempo, no espao, na imaginao.... E, ento, eu ganhava o ttulo que hoje

    d nome ao nosso primeiro trabalho: ao mesmo tempo em que era possvel

    ou deveria ser ficar aqui [no tempo histrico, no espao, na vida] tambm

    era urgente ir, partir, para depois, tambm voltar. Foi assim que eu batizei

    aquilo que ainda viria a ser de Como se fosse [im]possvel ficar aqui. Nele, da

    possibilidade pode surgir o seu contrrio, e vice-versa. As pessoas gostaram. E,

    dele, Dulio teve a primeira idia chave: partiramos, ento, antes da estria de

    qualquer espetculo, o nosso trabalho em trs exerccios, com um

    cronograma, mais ou menos, amarrado. Teramos o compromisso, a partir dali,

    de apresentar trs cenas-ensaios o Como se fosse...; depois o [im]possvel e,

    por fim, o ... ficar aqui. Foi assim que comeamos.

  • No vou, aqui, deslindar a cena. Isso fica pra quem for assistir. Vou tentar

    explicar como a nossa dramaturgia chegou verso que consideramos

    fechada para esta estria. Depois que apresentamos o nosso primeiro

    exerccio, ainda muito apegado fbula tecida por Ronaldo Brito, mas j

    prenhe das falas dos atores, as coisas foram tomando outros rumos. A imagem

    trgica da migrante que, pela arte de narrar ou de rememorar o passado ,

    repassada ritualisticamente pela me, velha e entrevada, aprende tambm

    os segredos da vida e da morte e, por conseqncia, da sobrevivncia, se

    imps. No era s falar de quem partia, mas de quem ficava, ou de quem

    voltava.

    Das falas que me foram lindamente presenteadas por Regina eclodia a Diva,

    como um fantasma assombrando a figura de uma atriz, longe dos palcos

    desde tanto tempo. De um lampejo, sugerido pela leitura de um conto de

    Marguerite Yourcenar, e pela influncia quase obsedante da personagem

    Norma Desmond, de Crepsculo dos Deuses (filme de Billy Wilder), comecei a

    escrever sobre esta mulher que abria mo de seu sucesso em nome de um

    projeto de matrimnio. Nesta primeira armadilha, comecei a entender que a

    migrante, to Macaba, poderia ter tido sua hora de estrela. Foi assim que,

    numa espcie de surto especular, comecei a juntar as pontas.

    Todo mundo podia contar um pedao desta histria: todo mundo, vez ou

    outra, j abriu mo de algo que gostava muito em nome da promessa do que

    poderia ser, ou do que poderia ter sido. Pululavam informaes, recolhidas por

    mim, em outras leituras. Mas tudo se modificava com uma urgncia de

    redemoinho e eu mesmo comecei a trazer minhas prprias imagens, marcas

    de uma famlia que, num tempo distante, foi marcada pela migrao. Foi

    neste momento que a narrativa de Chico me chegou s mos: agora, era a

    outra face da mesma moeda. O ator foi pra So Paulo, viveu l, sentiu

    saudades, conviveu com a massa de concreto, e retornou em busca do

    ninho. E as guas do mesmo rio se confundiam com os versos de lvaro de

    Campos/Fernando Pessoa, e com a histria de cada um de ns, to

    generosamente oferecida para virar experincia coletiva, vida em comum.

  • Havia, entretanto, um caminho para trilhar e que se encaminhava para um

    ponto intersectivo, a que chamamos de estao. Neste espao limtrofe,

    no havia personagem, no havia histria pra contar, s havia o que sentir.

    Para l convergia tudo: tudo o que partia, tudo o que voltava. Como a

    Blanche de Tennesse Williams, que para fugir de sua existncia de nos queria

    dar ao mundo magia e encantamento. Como a velha senhora de

    Drrenmatt, que ao olhar pra trs podia vislumbrar os motivos de suas

    realizaes do presente. Como o jovem Biff, de Arthur Miller, que ao voltar para

    casa s conseguia descobrir sua vida presa espiral eterna de frustraes.

    Como as irms tchekhovianas que queriam, apenas, ver de novo a primavera

    de Moscou. Como Agammnon, que depois de tantas guerras voltava para

    casa e encontrava a morte nas mos da esposa adltera. Tudo se

    fragmentava, se partia e, ao mesmo tempo, se unia. Eros e Tnatos

    danavam, diante de ns, o seu estranho bal conduzido pelo vento da

    estrada, caminho de ida e de volta , enquanto sacodiam tudo, remodelando

    o mundo de Cia e da Diva na verdade, uma s ou mesmo todos ns. Como

    a Histria, deusa bifronte, era possvel, ento, olhar para trs e para o futuro.

    Antes de mais nada, antes de tudo o que passa, h coisas que no passaro.

    Sobre estas, afinal, sempre falaremos: no palco ou na vida. Como tudo

    comeou com caf, com ele celebraremos o que realmente nasceu: a

    possibilidade de compartilharmos vidas as nossas. As amizades que

    floresceram e vigaram da terra rida. Foi assim que, do silncio, brotou o som

    de mil compassos, de mil frases, de mil e um jeitos de bem-querer. E tambm

    de mal-dizer o que passa, porque afinal passa, para depois, s depois,

    compreender, para ento bem-dizer.

    Esta histria, portanto, no minha. de um enorme nmero de vozes que

    falam em mim, por mim e para mim. Diante delas, quem quiser que conte

    outra...

    Digenes Maciel

    Dramaturgista

  • Procurava, em cada parte,

    este ser necessrio minha

    vida. Olhava, desejava,

    queria.

  • Eu estou aqui.

    Talvez eu fique aqui.

    Eu no vou ficar aqui.

    Eu quero... ir embora daqui.

  • Que ningum seja acusado da

    minha vida!

  • ...a poeira da estrada que me trouxera,

    invadia tudo e me chamava.

  • Ser que eu vou conseguir? Ser

    que no vou me perder?

  • Eu sou Regina Albuquerque, sou uma atriz, e a maior parte do tempo sou

    me, mas o que sou eternamente bailarina. Vim morar aqui h muito

    tempo, e, numa poca, fui morar em outra cidade por conta de um

    grande amor e l tudo era ainda mais cruel e impessoal: foi l que eu

    senti saudades da segurana que eu sentia em So Paulo, o lugar onde

    eu nasci. Um dia, voltei para c: com uma filha e outras coisas minhas.

    Hoje eu ainda vivo aqui, e, s vezes, me pergunto: por qu?

  • Eu sou Anderson Marcos. Sou o

    filho mais velho e o primeiro

    neto. No meu perfeccionismo,

    sou canhoto. Dizem que eu sou

    chato, mas o que vejo mesmo

    a confuso de idias que me

    invade. Adoro suar e tenho

    medo de no conseguir... Vim

    de muitos lugares: Pernambuco,

    So Paulo, Par. De longe e de

    perto, mas no sei se sa do

    lugar. Sei que um dia eu vou....

    para outro lugar... mas, tambm

    no sei se longe ou perto.

  • Eu sou Nayara Brito. Para

    mim, a arte , se no

    s u f i c i e n t e , a l g o

    completamente necessrio

    minha sobrevivncia. a

    vida que h em minha vida.

    Eu vim campina grande

    diretamente da barriga de

    minha me. C nasci. C

    estou, mas acho que s de

    passagem. Meu esprito

    pede que eu v. S ainda

    no sei pra onde. Sei que

    venho mudando e que pra

    continuar pode ser preciso

    partir.

  • Eu sou Chico Oliveira. Eu

    sou ator. Um dia eu parti.

    Fui para So Paulo. Estava

    l , f e i t o q u a l q u e r

    estrangeiro... andarilho ou

    retirante..., hora feliz, hora

    triste...lembro-me que a

    f e l i c i d a d e s e m p r e

    escapava das mos

    m i n h a s m o s ,

    e s p e c i a l m e n t e a o s

    domingos, quando a

    saudade do aconchego

    do almoo e das cadeiras

    na calada da minha

    me me chamava... mas,

    um dia, eu tambm voltei.

  • FICHA TCNICA

    Dramaturgismo | Digenes Maciel

    Direo | Dulio Cunha

    Iluminao | Napoleo Gutemberg

    Figurinos | Digenes Maciel

    Cenografia | Dulio Cunha

    Fotografias | Clarissa Santos e Mayara Silveira

    Programao visual | Mayara Silveira

    ELENCO

    Anderson Marcos

    Chico Oliveira

    Nayara Brito

    Regina Albuquerque

    AGRADECIMENTOS

    Teatro Municipal Severino Cabral, Coordenao de Arte e Cultura/UEPB, SESC -

    Campina Grande, Centro Cultural Piollin, Alana Fernandes, Valdete Pimentel,

    lvaro Fernandes, Saulo Queiroz, Eliane Lisba, Mayara Silveira, Clarissa Santos,

    Zuleide Duarte.

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