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Comportamento anti-social da perspectiva da Psicopatologia do Desenvolvimento Instituto Superior Miguel Torga Mestrado de Psicologia Clínica Psicopatologia do Desenvolvimento 2010/2011 0

Comport Amen To Anti-social Da Perspectiva Da Psicopatologia Do to

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Comportamento anti-social da perspectiva da Psicopatologia do Desenvolvimento

Instituto Superior Miguel TorgaMestrado de Psicologia Clínica

Psicopatologia do Desenvolvimento2010/2011

André Costa 7697Mário David 7489Nuno Santos 7421

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Índice

PERSPECTIVA DA PSICOPATOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 2

SUBGRUPOS DE JOVENS ANTI-SOCIAIS 3

TRAÇOS INSENSÍVEIS E NÃO EMOCIONAIS (CALLOUS–UNEMOTIONAL (CU) TRAITS) 5

A LIGAÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO NORMAL E ANORMAL 8

DIFERENÇAS DE GÉNERO 9

TRAÇOS DE PERSONALIDADE ESTÁVEIS VS TRANSIÇÕES DESENVOLVIMENTAIS 10

IMPLICAÇÕES PARA A PREVENÇÃO E TRATAMENTO 11

CONCEPÇÃO TRIÁRQUICA DA PSICOPATIA 13

DISTINTOS COMPONENTES FENOTÍPICOS DA PSICOPATIA: DISINHIBITION, BOLDNESS

E MEANNESS 13

FACTORES QUE CONTRIBUEM PARA A CONCEPTUALIZAÇÃO DE DISINHIBITION E

MEANNESS 14

CONCEPÇÃO TRIÁRQUICA DA PSICOPATIA 15

PERTURBAÇÃO ANTI-SOCIAL DA PERSONALIDADE (DSM-IV-TR) 17

GESTÃO DAS EMOÇÕES 19

ESTILO COGNITIVO 19

PERCEPÇÃO DE SI E DOS OUTROS 19

ORGANIZAÇÃO PSICOPÁTICA 20

WINNICOTT E O COMPORTAMENTO ANTI-SOCIAL 21

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 24

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Perspectiva da Psicopatologia do Desenvolvimento

O conceito “comportamento anti-social” refere-se frequentemente a

comportamentos criminais e agressivos, bem como a outros comportamentos que

violam os direitos dos outros ou normas sociais (Frick & Viding, 2009).

Estes comportamentos têm sido estudados a partir de várias perspectivas,

incluindo a antropológica, evolutiva, social, psicológica, biológica, entre outras. A

pesquisa de cada uma delas apresenta a sua perspectiva para a compreensão do curso,

causas e intervenções para os indivíduos que demonstram graves comportamentos anti-

sociais.

Uma abordagem a partir da Psicopatologia do Desenvolvimento torna-se

importante por várias razões.

Em primeiro lugar, proporciona um caminho útil para integrar várias pesquisas

num modelo coerente, ajudando a compreender os mecanismos de desenvolvimento que

podem levar a padrões de comportamento anti-social e traduzindo essa compreensão em

implicações para a prevenção e tratamento.

Segundo, ilustra claramente a importância e integração de conceitos-chave como

equifinalidade e multifinalidade no desenvolvimento de comportamentos normais e

anormais.

Outra razão é integrar múltiplos níveis de análise (neurológica, social, cognitiva,

comportamental) de modo a compreender as condições psicopatológicas (Frick &

Viding, 2009).

Esta perspectiva pode ajudar a definir diferentes vias causais que podem levar a

comportamentos anti-sociais, assim como, revelar factores (p. ex. biológicos, sociais)

que podem prejudicar o desenvolvimento normal de uma pessoa e conduzir a

comportamentos problemáticos. Algumas das vias causais referidas e a definição de

padrões de comportamento podem encaixar-se em definições de perturbações mentais

(Frick & Viding, 2009).

Este tipo de abordagem deve enfatizar as potenciais diferenças nos mecanismos

de desenvolvimento que podem estar na base de manifestações comportamentais ou

características de personalidade. A razão para este ênfase é o facto de, por vezes,

diferentes manifestações de comportamento poderem reflectir diferentes processos de

desenvolvimento subjacentes ao comportamento. No entanto, é também possível o

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mesmo padrão de comportamento (níveis elevados e estáveis de comportamento anti-

social) poder ocorrer através de diferentes mecanismos de desenvolvimento (Frick &

Viding, 2009).

O amplo e heterogéneo conjunto de comportamentos rotulados como

“comportamento anti-social” levou a inúmeras tentativas de definir subtipos de jovens

anti-socais com base nos padrões de comportamento exibidos. Dentro dessas tentativas,

várias são focadas em traços de personalidade que podem estar na base de um

comportamento anti-social crónico (Frick & Viding, 2009).

Subgrupos de jovens anti-sociais

Várias pesquisas feitas acerca da temática fizeram a distinção entre crianças que

começaram a exibir graves problemas de conduta e comportamento anti-social na

infância e aqueles cujo aparecimento do mesmo tipo de comportamento não emerge até

à adolescência (Moffit; Patterson cit. in Frick & Viding, 2009).

Feitas estas distinções, foram criados dois grupos: um referente ao “início da

infância” e outro ao “início da adolescência”.

As crianças no grupo de início da infância começavam muitas vezes a exibir

leves problemas de conduta por volta da pré-escola ou no início da escola e os seus

problemas de comportamento tendiam a aumentar em número e gravidade pela infância

e adolescência (Lahey & Loeber cit. in Frick & Viding, 2009).

Em contraste, o grupo de início da adolescência não mostravam problemas

comportamentais na infância, mas começavam a exibir comportamentos anti-sociais e

de delinquência significativos no início desta fase (Moffitt cit. in Frick & Viding, 2009).

Além dos diferentes padrões de início, o grupo de início da infância tem mais

tendência a exibir comportamentos agressivos na infância e adolescência e a continuar

com comportamentos anti-sociais e criminais até à idade adulta (Frick & Viding, 2009).

Outras conclusões retiradas destes estudos indicam que os problemas de conduta

do início da infância parecem estar fortemente relacionados com défices

neuropsicologicos (p. ex. défices na função executiva) e cognitivos (baixo nível de QI)

(Ferguson, Lynsky & Horwood; Kratzer & Hodgins; Piquero; Raine et al cit. in Frick &

Viding, 2009).

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Em relação ao mesmo grupo, tem sido relatado que as crianças demonstram mais

factores de risco relacionados com o temperamento e personalidade, como:

impulsividade (McCabe et al., Silverthorn, Frick & Reynolds) défice de atenção

(Fergusson et al., 1996) e problemas na regulação emocional (Moffit, et al., 1996) (cit.

in Frick & Viding, 2009).

Foi também demonstrado, neste grupo, que as crianças pertenciam a famílias

com grande instabilidade, mais conflituosas e os pais usavam estratégias de

parentalidade menos eficazes (Aguilar et al.; McCabe et al.; Patterson & Yoerger:

Woodward, Fergusson & Horwood cit. in Frick & Viding, 2009).

Os diferentes resultados e factores de risco para os dois subtipos de indivíduos

anti-sociais levaram a modelos teóricos que propõem diferentes mecanismos causais

que operam nos dois grupos.

Moffit (2003), propôs que as crianças no grupo de início da infância

desenvolvem o seu problema comportamental através de um processo de transição, em

que uma criança difícil e vulnerável (p. ex. impulsividade com défices verbais)

experiencia um meio de desenvolvimento inadequado (p. ex. fraca supervisão parental,

escolas de baixa qualidade) (cit. in Frick & Viding, 2009).

Este processo transaccional disfuncional interrompe a socialização da criança

conduzindo a pobres relações sociais com pessoas tanto dentro (p. ex. pais, irmãos)

como fora da família (p. ex. colegas, professores).

Estas rupturas levam à resistência de vulnerabilidades que podem afectar

negativamente o ajustamento psicossocial da criança através dos múltiplos estágios de

desenvolvimento (Frick & Viding, 2009).

Em contraste, as crianças do grupo de início da adolescência têm problemas que

são mais propensos a ser limitados a esta fase e demonstram menos factores de risco.

Este grupo demonstra um exagero do processo normativo da rebeldia característica da

adolescência (Moffit, 2003), como um certo nível desta em relação aos pais ou outras

figuras de autoridade (Brezina & Piquero, 2007). Esta rebeldia é parte de um processo pelo

qual o adolescente começa a desenvolver o seu sentido de autonomia e a sua identidade (cit. in

Frick & Viding, 2009).

De acordo com Moffitt (2003), o adolescente envolve-se em comportamentos

delinquentes e anti-sociais (p. ex. quebra de normas sociais) como uma tentativa equivocada de

obter um sentimento subjectivo de maturidade e um estatuto de adulto (cit. in Frick & Viding,

2009).

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Os comportamentos exibidos na adolescência são menos propensos a persistir para além

desta fase. No entanto, podem persistir limitações que persistem até à idade adulta derivadas das

consequências do seu comportamento anti-social (p. ex. registo criminal, abandono escolar,

abuso de substâncias) (Moffitt & Caspi cit. in Frick & Viding, 2009).

Traços insensíveis e não emocionais (Callous–unemotional (CU) traits)

A distinção entre os padrões de comportamento anti-social na infância e início

da adolescência conduz a uma abordagem que propõe diferentes mecanismos de

desenvolvimento subjacentes aos problemas comportamentais nestes grupos. Surge

aqui, um exemplo de um importante conceito na psicopatologia do desenvolvimento:

equifinalidade (Frick & Viding, 2009).

A equifinalidade propõe que os mesmos indicadores de desenvolvimento (p. ex.

comportamento anti-social) podem resultar de diferentes processos (Cicchetti &

Rogosch cit. in Frick & Viding, 2009).

Pesquisas feitas começaram a estender o conceito de equifinalidade de modo a

compreender os jovens anti-sociais, explorando em que sentido distinções adicionais podem ser

feitas dentro dos grupos que demonstram um início do seu comportamento anti-social na

infância.

Esta distinção é baseada na presença de um estilo interpessoal insensível e não

emocional, caracterizado pela ausência de culpa, de empatia e por um uso insensível dos outros

(Frick & Viding, 2009).

Especificamente, jovens que exibem um comportamento anti-social no início da

infância tendem a obter uma pontuação mais elevada em medidas de traços insensíveis e não

emocionais (traços CU) do que os que exibem o mesmo comportamento no início da

adolescência (Dandreaux & Frick; Moffitt et al.; Silverthorn et al. cit. in Frick & Viding, 2009).

Além disso, vários estudos recentes (qualitativos e quantitativos) (Frick & Dickens;

Frick & White cit. in Frick & Viding, 2009) mostram que estes traços são preditivos de padrões

de comportamento mais graves, estáveis e agressivos em jovens anti-sociais.

Entre vários estudos, foi demonstrado que os traços CU estavam associados com

reincidência geral ou violenta de comportamentos, com medidas de comportamento agressivo,

anti-social ou delinquente e com resultados de tratamento mais fracos cit. in Frick & Viding,

2009).

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A associação entre os traços referidos e comportamento agressivo pode explicar

algumas das tipologias propostas para compreender indivíduos agressivos.

Assim, jovens com traços CU não exibem apenas um padrão de comportamento

agressivo mais grave e generalizado mas, também, tendem a mostrar agressividade de natureza

tanto reactiva como proactiva (Enebrink et al.; Frick et al.; Kruh, Frick & Clements cit. in Frick

& Viding, 2009).

Contrariamente, jovens anti-sociais sem tais traços tendem a exibir menos agressividade

em geral e, quando manifestam um comportamento agressivo, este tende a ser em grande parte

de natureza reactiva.

Assim, muitas das diferenças sócio-cognitivas e afectivas que foram analisadas entre a

agressividade reactiva e proactiva podem ser devidas às diferenças na sua associação com

traços CU (Munoz et al.; Pardini, Lochman & Frick; Waschbusch et al. cit. in Frick & Viding,

2009).

Pardini et al. (2003) realizaram um estudo com adolescentes detidos, onde foram feitas

perguntas acerca da probabilidade e da importância de várias respostas possíveis a situações

agressivas interpessoais. Nesta amostra etnicamente diversa de rapazes e raparigas, os traços

CU foram associados com respostas que indicavam uma tendência para aspectos positivos e

gratificantes da agressividade, para valorizar a importância de ser dominante em interacções

agressivas e minimizar o potencial de punição de ser agressivo. Todos estes factores sócio-

cognitivos têm sido associados com agressividade proactiva em pesquisas anteriores (Dodge &

Pettit, 2003) (in Frick & Viding, 2009).

Munoz et al. (2008) relatam, no seu estudo, que adolescentes com altos níveis de

agressividade reactiva e proactiva apresentam também baixos níveis de reactividade emocional

à provocação, o que é consistente com estudos anteriores (cit. in Frick & Viding, 2009).

Por fim, Frick et al. (2003) relataram que a tendência para atribuir intenção hostil a

acções de outros, que tem sido associado com formas reactivas de agressão, apenas foi

encontrada em rapazes com problemas de conduta que não apresentavam traços CU (cit. in

Frick & Viding, 2009).

Frick e White (2008) fizeram uma análise compreensiva de varias pesquisas acerca das

características sociais, cognitivas e emocionais de jovens com e sem traços CU (cit. in Frick &

Viding, 2009).

Em primeiro lugar, analisaram quatro estudos e referiram que os problemas de conduta

em jovens sem os traços referidos estão mais fortemente relacionados com práticas de

parentalidade disfuncionais.

Segundo, analisaram dez estudos, expondo diferenças na forma como os jovens anti-

sociais com e sem traços CU processam estímulos emocionais, sendo que, jovens com altos

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níveis destes traços apresentam défices no processamento de estímulos negativos e, mais

especificamente, défices para sinais de medo e angustia nos outros.

Terceiro, outros dez estudos foram examinados, referindo características cognitivas

distintas em jovens anti-sociais sem os traços, sendo estes menos sensíveis a estímulos de

punição, especialmente quando um conjunto de respostas orientado para a recompensa se

encontra condicionado. Estes jovens mostram mais expectativas de resultados positivos em

situações de agressividade com os pares, sendo provável exibirem mais défices verbais do que

outros jovens anti-sociais.

Por fim, examinaram sete estudos e referiram que os jovens sem os traços têm

características de personalidade únicas, sendo que, são mais destemidos, apresentam

comportamentos de busca de emoção e têm menos traços de ansiedade ou neuróticos (cit. in

Frick & Viding, 2009).

Estes estudos, tomados em conjunto, formam um corpo bastante substancial de

pesquisas que sugerem que os traços CU designam um importante subgrupo de jovens anti-

sociais, que diferem tanto em termos de gravidade e estabilidade do seu comportamento mas

também em características emocionais, cognitivas e sociais importantes (Frick & Viding, 2009).

Estes últimos achados podem sugerir mecanismos etiológicos distintos que levam ao

comportamento anti-social, o que suporta uma evidência adicional do conceito de

equifinalidade na compreensão do desenvolvimento do comportamento anti-social nos jovens

(Frick & Viding, 2009).

Outra nota importante nos estudos dos traços CU é que estes também suportam o

conceito relacionado de multifinalidade, o qual reconhece que os mesmos factores de risco

podem ter múltiplos resultados desenvolvimentais (Frick & Viding, 2009).

Mais especificamente, como já foi referido, uma característica dos jovens com estes

traços é a presença de um comportamento destemido, busca de emoção e temperamento

desinibido. Consistente com a importância deste temperamento para o desenvolvimento de

traços CU, Cornell e Frick (2007) relataram que as crianças classificadas pelos professores na

pré-escola como sendo desinibidas em termos de comportamento se encontravam mais em risco

de exibir problemas na empatia e culpa do que outras (cit. in Frick & Viding, 2009).

No entanto, os autores também relataram que alunos desinibidos apresentavam maior

desenvolvimento da consciência se experimentassem uma disciplina consistente e um estilo de

parentalidade que desse ênfase a uma abordagem forte e de obediência orientada (p. ex.

autoridade).

Os autores sugerem que a hipoactivação exibida por crianças destemidas pode exigir

dos pais uma incorporação de métodos mais fortes de socialização que levem os níveis de

excitação a um intervalo ideal no sentido de internalizarem normas para um comportamento

prosocial (Fowless & Konchanska; Konchanska et al. cit. in Frick & Viding, 2009).

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Assim, o mesmo factor de risco subjacente ao temperamento (comportamento

destemido e desinibição) pode ter diferentes resultados (desenvolvimento normal ou não da

consciência) dependendo do tipo de parentalidade que a criança experiencia (Frick & Viding,

2009).

A ligação entre o desenvolvimento normal e anormal

Como referido anteriormente existem importantes subgrupos de jovens anti-

sociais que possuem diferentes níveis de risco de progredirem o seu comportamento

anti-social na idade adulta.

Moffit (2003) propôs que estas crianças mostram um exagero dos processos

normativos da revolta adolescente. Em contraste, crianças no inicio da adolescência

mostram problemas significativos no ajustamento a diversas etapas desenvolvimentais,

além disso mostram também mais exposição a riscos ambientais associados com os seus

problemas de desenvolvimento (Cit. In Frick & Viding, 2009).

No entanto, dentro deste grupo aqueles que apresentam traços insensíveis e não

emocionais, designam um grupo de crianças com graves problemas de conduta que

demonstram diferentes estilos temperamentais, caracterizados por uma preferência por

novos e perigosos estímulos, um estilo de resposta orientado para a recompensa, e um

lapso de reactividade a estímulos emocionais que significam angústia.

Estes deficits de temperamento em diferentes aspectos da reactividade

emocional dos indivíduos proporcionam uma maior dificuldade para as crianças de

desenvolver níveis apropriados de culpa, empatia e outras dimensões da consciência,

que, no seu extremo podem resultar em traços insensíveis e não emocionais.

No entanto, crianças no inicio da infância que demonstrem comportamentos

anti-sociais mas sem a presença de traços insensíveis e não emocionais, mostram

diferentes factores de risco disposicionais e contextuais, sendo que, o mais importante é

que mostram níveis bastante elevados de ansiedade, não mostrando normalmente

problemas de empatia e culpa, sentindo-se angustiados pelo efeito do seu

comportamento nos outros (Frick & Viding, 2009).

Neste grupo de indivíduos existe uma forte associação entre estilos parentais

ineficazes e os comportamentos anti-sociais das crianças, deste modo, é possível que os

mesmos não tenho adquirido modelos de socialização por parte dos pais e como

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resultado, que não tenham aprendido a regular o seu comportamento em resposta às

contingências do ambiente (Kochanska et al., cit. In Frick & Viding, 2009).

Outra descoberta bastante consistente é que os jovens com comportamento anti-

social, mas sem traços insensíveis e não emocionais possuem regularmente dificuldade

em regular as suas emoções, ou seja, estes indivíduos parecem evidenciar um

temperamento caracterizado por uma forte reactividade emocional e um défice nas

capacidades necessérias para adequadamente regular a sua reactividade emocional ou

ambos (Frick & Morris, cit. In Frick & Viding, 2009).

Estes problemas de regulação emocional podem levar a que o jovem cometa

actos anti-sociais de carácter bastante impulsivo, agressivo e não planeados, mas dos

quais se venha a arrepender, apesar da incapacidade de os controlar futuramente

(Pardini et al, cit. In Frick & Viding, 2009).

Diferenças de género

Em geral, a maior parte das pesquisas em comportamento anti-social em jovens

focou-se em amostras de rapazes. Uma descoberta consistente mostra que o

comportamento anti-social grave no inicio da infância é muito mais raro nas raparigas

do que nos rapazes (Hipwell et al.; Moffit & Capsi; White & Piquero, cit. In Frick &

Viding, 2009).

Existem também evidências que raparigas com graves problemas de conduta

mostram resultados fracos na idade adulta e demonstram um maior número de factores

de risco disposicionais e contextuais que são mais característicos da fase de

desenvolvimento de comportamentos anti-sociais no inicio da infância dos rapazes

(Frick & Dickens, cit. In Frick & Viding, 2009).

Silverthorn & Frick (1999) proposeram que o comportamento anti-social e

agressivo nas raparigas possui os mesmos mecanismos causais que os rapazes na fase

final da infância. No entanto o comportamento anti-social severo, manifesta-se somente

na adolescência, coincidindo com factores biológicos (mudanças hormonais) e

psicossociais ( menor monitorização parental e supervisão, assim como maior contacto

com grupos de pares “desviantes”) que encorajam um comportamento anti-social nas

raparigas. Um teste inicial desta teoria comprovou que as raparigas, na fase inicial da

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adolescência mostraram altos níveis de traços insensíveis e não emocionais, problemas

de controlo de impulsos, e várias outras vulnerabilidades sociais e temperamentais que

se associam mais à fase do início da infância nos rapazes cit. In Frick & Viding(2009).

Outros estudos demonstram também que no caso de as raparigas expressarem a

sua agressividade, fazem-no de modo a que envolva mais violência física do que

psicológica, como estratégias dentro do grupo de pares.

Traços de personalidade estáveis vs transições desenvolvimentais

Existe um debate entre a definição de que a personalidade anti-social deva ser

definida com base e somente por um padrão consistente de comportamentos anti-

sociais, ou por traços de personalidade subjacentes que possam levar a estes

comportamentos.

Em qualquer um dos casos, existe o entendimento de estabilidade através do

processo de desenvolvimento.

Uma importante consideração a fazer, residirá na consideração de que serão os

traços insensíveis e não emocionais estáveis o suficiente nas crianças e adolescentes

para garantirem a designação de “traços” o que implica algum nível de continuidade

através do desenvolvimento?

Existem diversos estudos que demonstram que estes traços são relativamente

estáveis desde o fim da infância até ao inicio da adolescência (Frick & Viding, 2009).

Com base nestes estudos, a estabilidade da cotação dos traços insensíveis e não

emocionais através do desenvolvimento, parece ser melhor ou equivalente a outros

traços através da infância até à adolescência e início da idade adulta. De qualquer modo

não existe acordo quanto a um suposto nível de estabilidade que pudesse garantir a

classificação de “traço estável” porque até mesmo níveis exageradamente altos de

estabilidade não implicam que que os traços insensíveis e não emocionais não sejam

alteráveis ao longo do desenvolvimento.

Segundo Frick, Kimonis, et al. (2003) apesar dos altos níveis de estabilidade

nestes traços ao longo do seu estudo de 4 anos, houve um numero significativo de

jovens que adquiriram níveis mais baixos destes traços ao longo do mesmo, chegando à

conclusão que apesar de os traços serem significativamente estáveis, foram alterados

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por factores como o estatuto sócio-economico dos pais, e a qualidade dos estilos

parentais que estes receberam, ou seja, estes traços foram alterados por factores

psicossociais do ambiente que rodeia os indivíduos (cit. In Frick & Viding, 2009).

Implicações para a prevenção e tratamento

Como visto anteriormente, os jovens mais agressivos e aqueles que é muito

provável prolongarem o seu comportamento anti-social até a idade adulta, tende a

mostrar o desvio comportamental no inicio da infância.

Existem várias intervenções que se provaram eficazes no tratamento precoce de

problemas de conduta, mas com um grande decréscimo de efectividade em crianças

mais velhas e adolescentes (Eyberg, Nelson, & Boggs cit. In Frick & Viding, 2009).

Uma precoce intervenção na trajectória de desenvolvimento da conduta anti-

social da infância precoce é um objectivo importante no sentido de prevenir futuros

comportamentos agressivos e anti-sociais, sendo que mesmo estas intervenções

requerem que a criança tenha demonstrado sérios e graves problemas comportamentais

na infância. Dirigindo o foco de atenção para os processos desenvolvimentais que

podem preceder mesmo estes precoces problemas e conduta, abre a possibilidade de

existirem programas de prevenção que promovam um óptimo desenvolvimento nas

crianças que possuam certos factores de risco mesmo antes de um grave comportamento

anti-social emergir.

Uma segunda implicação desta abordagem desenvolvimental que visa

compreender o comportamento anti-social é que as intervenções precisam de ser

abrangentes e albergarem diferentes factores de risco, porque como observado, não

existe nenhum gene, ou factor de risco temperamental e ambiental que funcione em

isolado. Assim, algumas das mais variadas intervenções envolvem múltiplos

componentes, ao invés de apenas incidirem sobre um único factor de risco ( Conduct

Problems Prevention Research Group, cit. In Frick & Viding, 2009).

Uma terceira implicação do modelo desenvolvimental é que as intervenções não

somente precisam de ser abrangentes, como também necessitam de ser individualizadas,

ou seja, dado que processo causa que levou ao comportamento anti-social parece ser

diferente entre subgrupos, é também altamente provável que os tratamentos precisem de

ser diferentes nesses mesmos grupos.

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Assim as intervenções podem ser mais efectivas se elas forem especialmente

direccionadas para as necessidades únicas da crianças dentro dos diferentes estágios

desenvolvimentais. Este foco numa abordagem abrangente e individualizada do

tratamento pode ser particularmente importante para aumentar a eficácia dos

tratamentos existentes para outras crianças e adolescentes que mostram graves

comportamentos anti-sociais e delinquentes (Frick & Viding, 2009).

A pesquisa nos vários estádios desenvolvimentais podem ser bastante importante

para guiar estas abordagens abrangentes e individualizadas ao tratamento, ou seja, o

conhecimento dos diferentes processos desenvolvimentais que operam nos vários

subgrupos de jovens anti-sociais pode ajudar a determinar uma mais eficaz combinação

de serviços para o tratamento individual de uma criança (Frick, cit. In Frick & Viding,

2009).

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Concepção triárquica da psicopatia

Distintos componentes fenotípicos da psicopatia: Disinhibition, Boldness e Meanness

O síndrome da psicopatia revela três conceitos bastante salientes que se

designam, disinhibition, boldness e meanness, o que respectivamente em português

representam os termos, desinibição, ousadia e vileza.

Esta concepção triárquica providencia uma base que acomoda várias possíveis

considerações sobre a psicopatia e que se apraz bastante útil no estudo e pesquisa sobre

a doença.

Estes três constructos apesar de se relacionarem empiricamente a alguns níveis

em relação à psicopatia , possuem diferentes identidades fenotípicas e podem ser

conceptualizados, medidos e compreendidos separadamente, sendo que para os autores

do estudo, estes três conceitos representam a chave para compreender a psicopatia nas

sua várias manifestações e enquadramentos.

Pelo termo disinhibition entende-se que o mesmo seja utilizado para descrever

uma propensão fenotípica geral dirigida para problemas com o controlo de impulsos,

regulação deficiente dos afectos, insistência em gratificação imediata e deficiente

contenção comportamental.

Em termos de personalidade a disinhibition pode ser vista como o nexo da

impulsividade e da afectividade negativa (Krueger, Sher & Trull, cit. In Patrick,

Fowles, & Krueger, 2009).

Assim como em termos de manifestações comportamentais, inclui,

irresponsabilidade, impaciência, acções impulsivas que conduzem a consequências

negativas, alienação, desconfiança, atitude agressiva, inconfiabilidade e tendência para

problemas com álcool e drogas, assim como ligação com actividades ilícitas ou violação

de normas ( Krueger, Markon, Patrick, Benning, & Kramer, cit. In Patrick, Fowles, &

Krueger, 2009).

O termo bold é referido pelos autores para descrever o estilo fenotípico que

remete para a capacidade de um individuo se manter calmo e concentrado em situações

que envolvam pressão ou ameaça, assim como a capacidade de recuperar rápido de

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situações stressantes, como a capacidade de autoconfiança e eficácia social, assim

como tolerância para supostos perigos desconhecidos. Portanto, boldness, apresenta-se

como sendo o contrário do acima referido .

Em termos de personalidade, boldness pode ser vista como o nexo do domínio

social, da reactividade e níveis baixos de stress e espírito aventureiro (Benning et al,

Benning, Patrick, Blonigen, et al, cit. In Patrick, Fowles, & Krueger, 2009).

Relativamente a manifestações comportamentais, estão incluídos, “sangue frio”,

equilíbrio social, assertividade e persuasão, bravura e ousadia.

O termo Meanness, refere-se a uma constelação de atributos fenotípicos que

incluem uma empatia deficitária, desdém, falta de relações próximas com outros,

rebeldia, procura de excitação e funcionamento do sujeito numa posição one up através

da crueldade

Factores que contribuem para a conceptualização de disinhibition e meanness

Temperamento difícil: Frick & Morris sugerem que reacções emocionais de

intensidade negativa baseadas em raiva e frustração, são o principal factor de risco,

consistentemente com a irritabilidade, baixa tolerância à frustração, explosões de raiva

na perturbação de oposição e desafio, assim como na síndrome da primeira infância, um

alto risco de um início precoce de problemas de conduta e comportamento antissocial

crónico (cit. In Patrick, Fowles, & Krueger, 2009)

Estas reacções emocionais negativas apontam para dificuldades na regulação das

emoções, ou mais especificamente, da raiva. No entanto não é claro para os autores, se a

dificuldade no controlo da raiva é o principal factor de risco para problemas de conduta,

ou se por outro lado, a existência de défices nas funções executivas se possa assumir

como um importante pilar a ter em conta, sendo que, de qualquer modo, ambos levam a

que haja um risco aumentado de um grave comportamento anti-social e interacções

aversivas com as figuras parentais e grupos de pares na infância de um individuo.

Falha numa vinculação segura: Neste aspecto, o temperamento difícil também

se encontra presente como um factor de risco, sugerindo assim o modelo de base, que a

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dificuldade de temperamento é um desafio para os pais, requerendo deles uma maior

capacidade e habilidade de lidar com as crianças, em relação a crianças com

temperamento normal. Neste caso, quanto os pais não possuem habilidade suficiente

para lidar com a situação, nem existe um suporte social adequado, é normal que as

interações entre pais e filhos resultem numa insegura, ou “ligação ansiosa ou

ambivalente, caracterizada por raiva excessiva e ou então, comportamento evitante pela

parte da criança (Campbell cit in Patrick, Fowles, & Krueger, 2009).

O mesmo autor afirma que ambientes extremos como aqueles em que ocorre

abusos, negligência ou psicopatologia materna crónica, podem produzir vinculações

inseguras e até desorganizadas, sem que isso se relacione com o temperamento da

criança.

Trocas coercivas: De acordo com este modelo, quando existe conflito entre pais

e filhos, e se a resposta da criança fizer com que o pai ceda aos seus desejos ou que este

não responda de maneira adequada ao comportamento do filho, a sua resposta (do filho)

vai ser reforçada negativamente. Por outro lado, quando o pai cede e a criança termina a

coerção, o pai é reforçado negativamente. Nestes casos, se for combinado o

comportamento coercivo com rejeição por grupos de pares, isto facilitará uma

associação com grupos de pares “desviantes” e uma propensão para que estes

desenvolvam um vasto leque de comportamentos anti-sociais (Dishion, French, &

Patterson; Patterson, Reid, & Dishion; Patterson, Reid, and Eddy; Snyder, Reid,

Patterson cit. In Patrick, Fowles, & Krueger, 2009) .

Estas trocas coercivas estão relacionadas também com o distúrbio de

hiperactividade e défice de atenção (Patterson, DeGarmo, & Knutson cit. In Patrick,

Fowles, & Krueger, 2009).

Concepção triárquica da psicopatia

A Desinhibition e a Meanness apresentam-se como moderadamente

correlacionadas com base em várias descobertas através de vários inventários de

psicopatia que incluíam a cobertura destes constructos. O temperamento difícil

apresenta-se como contribuindo para cada um destes constructos. A Disinhibition e

Boldness mostram-se minimamente relacionadas com base em descobertas pelo

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Inventário da Personalidade Psicopática, no qual o conceito Boldness representa um

factor separado da antisocialidade impulsiva. Os conceitos Meanness e boldness

apresentam-se como de algum modo relacionados com base em evidências de uma

contribuição da acção de níveis baixos de medo para cada um.

O modelo triárquico concebe a psicopatia como englobando a disposição para a

presença destes três marcadores fenotípicos, assim como as relações que se estabelecem

entre eles (Patrick, Fowles, & Krueger, 2009).

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Perturbação Anti-social da Personalidade (DSM-IV-TR)

Segundo o DSM-IV-TR a característica fundamental da Perturbação anti-social

é um padrão global de menosprezo e violação dos direitos dos outros, com início na

infância ou adolescência precoce e continuidade na idade adulta, incluindo-se esta

perturbação, nas perturbações de personalidade do grupo B.

A perturbação do comportamento inclui um padrão persistente e repetitivo de

comportamento no qual os direitos básicos dos outros ou as mais importantes normas

sociais adequadas à idade são violadas.

Quanto à sua prevalência, esta ronda os 3% nos Homesn e 1% nas mulheres,

sendo que as estimativas em contexto clínico variam entre 3% e 30%, dependendo das

características predominantes das amostras. Prevalências ainda mais altas estão

associadas com populações em tratamento de abuso de substâncias e em prisões ou

ambiente judicial.

A perturbação anti-social da personalidade possui uma evolução crónica, mas

pode tornar-se menos evidente ou remitir com a idade, particularmente na quarta década

da vida.

Quanto ao padrão familiar, a perturbação anti-social da personalidade é mais

comum entre os familiares em primeiro grau com a doença do que na população geral.

O risco biológico para familiares de mulheres com a perturbação é maior do que o risco

dos familiares de homens com a perturbação, no entanto numa família com um membro

com perturbação anti-social da personalidade, os homens têm mais perturbação anti-

social da personalidade e perturbações relacionadas com substâncias, enquanto as

melhores têm mais frequentemente perturbação de somatização. Contudo, nestas

famílias existe há um aumento da prevalência destas perturbações em homens e

mulheres em comparação com a população em geral.

Critérios de diagnóstico para a perturbação anti-social da personalidade

A. Padrão global de desrespeito e violação dos direitos dos outros

ocorrendo desde os 15 anos, indicado por 3 ou mais dos seguintes

itens:

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1) Incapacidade para se conformarem com as normas sociais no

que diz respeito a comportamentos legais, como é

demonstrado pelos actos repetidos que são motivo de

detenção;

2) Falsidade, como é demostrado por mentiras e nomes falsos, ou

contrariar os outros para obter lucro ou prazer;

3) Impulsividade ou incapacidade para planear antecipadamente;

4) Irritabilidade e agressividade, como é demonstrado pelos

repetidos conflitos e lutas físicas;

5) Desrespeito temerário pela segurança de si próprio e dos

outros;

6) Irresponsabilidade consistente, como é demonstrado pela

incapacidade repetida para manter um emprego ou honrar

obrigações financeiras;

7) Ausência de remorso, como é demonstrado pela

racionalização e indiferença com que reagem após terem

magoado, maltratado ou roubado alguém.

B. A pessoa ter uma idade mínima de 18 anos

C. Existe evidência de Perturbação do Comportamento antes dos 15

anos.

D. O comportamento anti-social não ocorre exclusivamente durante a

evolução de Esquizofrenia ou de um episódio maníaco. (American

Psychiatric Association, 2002)

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Gestão das emoções

As pessoas com perturbação da personalidade anti-social suspeitam das emoções

possuindo tendência para as recalcar ou ignorar. Temem de igual modo os sentimentos

ternos e calorosos que são para os mesmos sinónimos de fraqueza, sendo que tal se

apresenta como uma incapacidade, pois a percepção das emoções e do sofrimento é um

modo de conhecimento dos outros e de si mesmo.

Em contrapartida, estes exprimem de forma célere necessidades imperiosas que

consomem sem grande prazer. Não é exacto que o psicopata se guie pelo prazer, pois

este anda a par com uma apreciação polissensorial, integrada culturalmente, prevista,

saboreada e depois revivida, que não é o verdadeiro modo de expressão do psicopata.

Este conhece mal a linguagem cultural do prazer, frequentemente convivial e difusa

segundo uma vasta semântica (Debray & Nollet, 2004).

Estilo Cognitivo

O psicopata pensa tal como actua. Está voltado para fora, aplicado à sua

estratégia, nada ocupado em se analisar. Possui um pensamento concreto, utilitarista,

inclui poucas alternativas, discussões ou hesitações. O outro não é tolerado, nem fora de

si, nem em si no contexto de um diálogo interior. É a partir daqui que se desenvolve a

moral pessoal do anti-social, realista segundo a sua perspectiva, mas irrealista para o

sentido comum pois ignora os conselhos dos outros.

O estilo cognitivo do psicopata pode resumir-se à sua à sua pobreza legislativa,

havendo pouca integração do mundo social e cultural, leis e costumes, não integrando

de igual modo em si, o sentido das consequências, comparações e resumos. Ele é feito

apenas de representações de actos e experiências em bruto (Debray & Nollet, 2004).

Percepção de Si e dos outros

O psicopata considera-se forte, autónomo, conquistador e dominador. Realistas,

duros e insensíveis à dor, são personagens combativas, que se gabam dos seus actos de

exploração e se orgulham de esmagar os outros.

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Para si, os outros são ferramentas de que se pode servir e valer. Segundo Milton,

o desprezo pelos outros e a sua não culpabilidade podem-se dever a decepções

experimentadas pelo sujeito durante a infância, por parte dos pais, mas também por

parte de outras criança, então já não existem esperança, representações e fantasmas face

aos outros (cit. In Debray & Nollet, 2004).

O desprezo não é sustentado como no paranoide, pela inveja ou pela

ambivalência, é pelo contrário, feito pelo “esmagamento” do outro (Debray & Nollet,

2004).

Organização psicopática

Certas crianças e sobretudo pré adolescentes, utilizam o “agir” sem

culpabilidade nem conflito intrapsíquico, como modo de expressão das suas pulsões

mais arcaicas, não conseguindo estabelecer relações estáveis com o outro. A primazia

do agir, a ausência de conflito e a incapacidade de transferência parecem definir não só

um comportamento mas também uma estrutura específica que fica inscrita no indivíduo

desde muito cedo.

Primazia do agir: Não existe culpabilidade nem angustia elaborada,

verdadeiramente integrada. O acto parece mesmo ter como função evitar

a emergência da angustia.

Identificação e transferência: quando falamos em crianças com

organizações psicopáticas, verifica-se os efeitos por elas traduzidos nos

outros. O adulto deixa-se comover, captar, manipular da mesma forma

que as outras crianças dos grupos aos quais pertencem, fazendo de

líderes receados e adulados, caprichosos, moralizando, pervertendo e

induzindo acting nos outros. Numa contratransferência podemos

verificar a dificuldade que podemos sentir em nos identificarmos com

essas crianças, o que demonstra a que ponto elas possuem grandes

dificuldades de identificação.

Ausência de conflito: Falando num plano tópico, a ausência de superego

genital e interiorizado é marcante. Não estando presente esta instância, é

o progenitor e a sociedade que constituem bengalas pseudo-egóicas

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porque são exteriores ao mesmo. O conflito nunca se opõe entre duas

substâncias interiorizadas, havendo assim uma espécie de equilíbrio

interno, apenas podendo surgir entre o Id e a realidade pois nenhum é

aniquilado pelo outro.

É o domínio do narcisismo e do masoquismo primário apesar da aparente

maturação do Ego. (Bergeret, 2004)

Winnicott e o comportamento anti-social

Relativamente á psicopatia existem inúmeras hipóteses etiológicas, algumas

ainda impregnadas pelas correntes históricas de onde se originou a psicopatia, outras já

fazem partem de hipóteses mais recentes.

Diversos autores incidiram os seus estudos sobre a origem do comportamento

psicopata, revelando entre todos a concordância quanto ao às rupturas e carência na

primeira infância.

Para Winnicott a “tendência anti-social” é uma conduta de reivindicação perante

um sofrimento ou de uma situação de sentimento de falta. Assim Winnicott afirma que a

“tendência anti-social” espelha a esperança de reencontrar a boa relação primitiva, ou

seja com a mãe, neste caso de furto, a criança “não busca o objecto roubado, mas a mãe

sobre a qual tem direitos”. (Winnicott cit. in Marcelli e Braconnier, 1989)

A tendência anti-social é um dos temas básicos nas contribuições de Winnicott,

que articulou este conceito fazendo uso de duas áreas da experiencia humana: o meio

ambiente e a realidade interna. Os conceitos sobre este tema, encontram-se dispersos em

vários trabalhos, ao quais foram reunidos no livro “Privação e Delinquência”, tendo o

autor desenvolvido os seus trabalhos especialmente durante a segunda guerra mundial

através das suas vivências. A partir destas vivências Winnicott desenvolveu a sua teoria

sobre a tendência anti-social, na qual distingue dois tipos de privação:

1º - a perda do bom objecto e a perda do marco confiável dentro do qual a vida

impulsiva e espontânea da criança se encontra segura (estado no qual se teve algo de

bom que foi perdido);

2º - um estado no qual jamais se teve algo e que resulta em doença mental ou no

domínio de uma psicose.

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Assim mostrou que a tendência anti-social se articula num determinado ponto

com as psicoses e em outro com as neuroses. Para Winnicott os actos anti-sociais dos

delinquentes e dos psicopatas, que revelam uma compulsão por repetir mostram “sinais

de esperança”. Neste sentido, a esperança orienta de modo a recuperar o que se perdeu,

ou que tal seja devolvido, e que os processos de maturação que ficaram estagnados

sejam libertados novamente. Para o autor, a tendência anti-social não é um diagnóstico,

“não se compara com outros diagnósticos, tais como neurose e psicose. A tendência

anti-social pode ser encontrada em um indivíduo normal, ou em um que seja neurótico

ou psicótico”. (Winnicott cit. in Outeiral et al, 1991)

A teoria da tendência anti-social atribui à privação, mais ou menos especifica

durante a infância a sua origem. Assim o conceito de privação envolve um fracasso

ambiental na etapa de dependência relativa, logo a privação refere-se a um ambiente

suficientemente bom, o qual foi vivenciado e perdido, quando o bebé já era capaz de

perceber a relação de dependência, isto é, quando a sua evolução lhe permitiu perceber a

natureza do desajuste ambiental.

Winnicott afirma que uma criança ao se deparar com a estrutura da sua vida

fragmentada, ao contrário do que se diz na gíria popular, em que a criança se encontra

livre, esta não se sente livre mas pelo contrário, esta deixa de se sentir livre. Tornando-

se inquieta, angustiada e no caso de possuir esperança, vai procurar uma estrutura

algures, fora de casa. Esta esperança por vezes é depositada sobre os avós, tios e tias,

amigos da família e na escola, procurando assim o que lhe falta. Sendo assim procura

um estabilidade externa, sem a qual enlouquecerá, caso adquira esta estabilidade em

tempo adequado, poderá implementar-se na criança gradualmente nos seus primeiros

meses, anos de vida, estabelecendo assim uma ponte da dependência e da necessidade

de ser dirigida para a independência. (Winnicott, 1985)

Winnicott fala também do “ambiente interno”, o qual o autor pauta a diferença

entre uma criança normal e uma criança anti-social. A criança normal ajudada nas suas

fases iniciais pelo seu próprio lar, desenvolve a capacidade de se controlar a si mesma,

ou seja desenvolve um bom “ambiente interno”, que lhe faz ter tendência para encontrar

bons meios circundantes. Já a criança anti-social, sem oportunidade de criar um bom

“ambiente interno”, precisa absolutamente de um controle externo para ser feliz e estar

apta a brincar ou trabalhar. Perante estes dois extremos, crianças normais e crianças

anti-sociais, situam-se as que podem ainda obter uma crença na estabilidade, caso uma

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experiencia de controlo por pessoas carinhosas lhe possa ser transmitida durante vários

anos. (Winnicott, 1985)

Quanto ao tratamento, Winnicott estabeleceu que as crianças e adolescentes que

apresentam tendência anti-social podem ser tratadas de duas maneiras, pode receber

psicoterapia individual ou então pode-se oferecer-lhes um “ambiente estável e forte,

com assistência e amor pessoais, e doses crescentes de liberdade. De facto sem esta

segunda alternativa, a primeira (psicoterapia pessoal) não terá grandes possibilidades de

êxito”. (Winnicott cit. in Outeiral e tal, 1991)

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Referências bibliográficas

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