53
Sueli Moreira de Mello Laboratório de Toxicologia CONCEITOS BÁSICOS EM TOXICOLOGIA

CONCEITOS BÁSICOS EM TOXICOLOGIA - iqm.unicamp.br · toxicocinética III- Fase toxicodinâmica IV- Fase clínica Vias de introdução Dose / concentração Tempo / freqüência Propriedades

Embed Size (px)

Citation preview

Sueli Moreira de Mello Laboratório de Toxicologia

CONCEITOS BÁSICOS EM

TOXICOLOGIA

TOXICOLOGIA: é a ciência que estuda os efeitos nocivos causados pelas substâncias químicas ao interagirem com organismos vivos.

Agente tóxico Organismo vivo

Efeito nocivo

OBJETIVO: diagnóstico, tratamento e prevenção de

intoxicações

• avaliar as lesões causadas e investigar os mecanismos

envolvidos;

• identificar e quantificar substâncias tóxicas em

fluídos biológicos e no ambiente;

• avaliação de risco;

• determinar níveis toleráveis;

• estabelecer condições seguras para uso de

substâncias.

• AGENTE TÓXICO, TOXICANTE OU XENOBIÓTICO:

Substância química, de estrutura química definida, capaz de

produzir um efeito nocivo (efeito tóxico) através de sua

interação com um organismo vivo.

• TOXICIDADE: Capacidade inerente de a substância química

produzir efeito nocivo após interação com organismo.

• INTOXICAÇÃO: Conjunto de sinais e sintomas que evidenciam o

efeito nocivo produzido pela interação entre agente químico e

organismo.

Conceitos

AÇÃO TÓXICA E SUAS FASES

I- Fase da

exposição

II- Fase

toxicocinética

III- Fase

toxicodinâmica

IV- Fase

clínica

Vias de introdução

Dose / concentração

Tempo / freqüência

Propriedades físico-

químicas

Suscetibilidade

individual

Absorção

Distribuição

Biotransformação

Excreção

Ação tóxica Sinais e

sintomas

Disponibilidade

química

Biodisponibilidade Interação com o

sítio de ação

Efeito

nocivo

FASE DE EXPOSIÇÃO

• Vias de introdução

DL50 DDT pele 2500 mg/Kg

oral 118 mg/kg

Rapidez de absorção: via respiratória > via oral

• Dose / concentração

Fenobarbital: 100 mg: sonolência

500 mg: sono profundo

• Tempo / freqüência

Aguda: dose única ou no prazo de 24 hs

Sub-aguda: 24 hs - uma semana

Crônica: mais de uma semana

Tempo / freqüência

Agente tóxico Exposição aguda

Exposição crônica

Benzeno Depressor SNC Mielotóxico

Sílica Irritação das vias aérias

Silicose

Hg ++ Nefrotóxico Neurotóxico

FASE DE EXPOSIÇÃO

• Propriedades físico-químicas: interferem na toxicocinética

Solubilidade: chumbo tetraetila: pele – alta absorção

acetato de chumbo: pele – baixa absorção

Hidrossolúvel: vias aéreas superiores

Lipossolúvel: pulmão

• Tamanho das partículas

• Pressão de vapor (volatilidade)

• Suscetibilidade individual: hiporreativo, hiperreativo

FASE CLÍNICA

• Efeito tóxico: alteração biológica nociva.

• Efeito tóxico local: é o que ocorre no sítio do primeiro contato

entre o organismo e o agente químico.

• Efeito tóxico sistêmico: é o que requer absorção e distribuição

do agente químico para um sítio distante da sua via de

penetração, onde produzirá o efeito nocivo.

• Efeito tóxico reversível e irreversível: além da dose, tempo e

freqüência da exposição, é dependente da capacidade de

regeneração do tecido do órgão ou sistema afetado.

Toxicocinética: Movimento do agente tóxico no organismo

Agente Tóxico

Absorção

Compartimento central (sangue)

Livre Ligado à proteínas plasmáticas

Não ionizado Ionizado

Distribuição

Tecidos / Órgão alvo Rins Fígado

(Depósito/efeito) (Eliminação) (Biotransformação)

Compartimento periférico ou profundo

Principais vias de introdução

• Respiratória (mais importante): gases,

vapores, partículas.

• Cutânea: líquidos (solventes).

• Digestiva: partículas (deglutidas com muco).

ABSORÇÃO

Chegada da substância na corrente sanguínea

Substância Sangue

Membranas

Vias de introdução: Transcutânea,

respiratória, digestiva e parenterais.

MECANISMOS DE TRANSPORTE NA MEMBRANA

difusão simples

difusão facilitada

transporte ativo

pinocitose

fissuras

maioria das substâncias

glicose e outras açúcares

aminoácidos

anticorpos, gotas de lipídeos

eritrócitos

Passagem pela epiderme por difusão

• lipossolubilidade

• peso molecular (inversamente proporcional)

• permeabilidade da epiderme (aumento da permeabilidade:

ácidos, álcalis, substâncias irritantes, água).

• espessura da epiderme

Difusão através da camadas inferiores da epiderme e derme

• fluxo sangüíneo

• movimentação do fluído intersticial

• interação com componentes da derme

Absorção pela pele: Efeito local ou sistêmico

Absorção por via respiratória: gases e vapores

• Hidrossolubilidade

• Difusibilidade

• Coeficiente de partição

– sangue/ar

– tecido/sangue

Tamanho Órgão atingido

< 1 m Alvéolos pulmonares

Sangue: fagocitose

Linfa

2 a 5 m Região traqueobronquial

faringe

> 5 m Região nasofaríngea

DISTRIBUIÇÃO

• Transporte da substância para os

tecidos: sítio de ação ou depósito

(agente tóxico livre e não ionizado)

• Barreiras: hematoencefálicas,

placentária

Hg e seus compostos

Elementar - Hg0 (vapor,

líquido)

Orgânico - metilmercúrio, fenilmercúrio

Inorgânico - sais e óxidos (Hg2++

e Hg++)

Propriedades tóxicas

neurotóxico e nefrotóxico

Neurotóxico Nefrotóxico e hepatotóxico

Via respiratória

80% 80% Pouca absorção

Via oral 0,001% 90 - 95% 1 a 7%

Via dérmica pouco absorvido

Boa absorção Pouco absorvido

Distribuição Hb (eritrócitos)

lipoproteinas albumina

Depósito cérebro, rins cérebro rins, fígado

Excreção Ar exalado Fezes Fezes, urina, suor, saliva, cabelos e

unhas

BIOTRANSFORMAÇÃO

• Toda alteração que ocorre na estrutura química da substância, no organismo.

• Aumenta a hidrossolubilidade. Produtos de biotransformação podem ser ativos e/ou inativos.

(fase I) (fase II)

Agente tóxico

AT inalterado

Metabólito final

Oxidação Redução Hidrólise

Conjugação ou síntese

Metabólito intermediário

BIOTRANSFORMAÇÃO Cocaína

Cocaína

(3%)

N

C

O

C H 3

O

O C H 3

C O

Éster metil ecgonina

(15-35%)

N

C

C H 3

O

O C H 3

O H

Benzoilecgonina

(15-50%)

N

C

O

C H 3

O

C O

O H

Ecgonina

(1-8%)

N

C

C H 3

O

O H

O H

Norcocaína

(2-6%)

N

C

O

O

O C H 3

C O

H

Cocaína

N

C

O

C H 3

O

O C H 3

C O

N

C

O

C H 3

O

O C H 2 C H 3

C

O

Cocaetileno

N

C

C H 3

O

O C H 3

Anidroecgonina

metil éster

BIOTRANSFORMAÇÃO Cocaína

EXCREÇÃO

Via renal

• Filtração, reabsorção e secreção tubular

Via digestiva

• Biliar e fecal

Via pulmonar (substâncias voláteis)

• Passagem do agente tóxico dos alvéolos para o ar

Outras vias

• Leite: etanol, diazepam, tetraciclina, estrogênio, AAS,

dicumarol, teofilina, progesterona, cloranfenicol, fenitoína,

morfina, clorpromazina, fenobarbital, etc...

• Saliva, lágrima, suor

TOXICIDADE, RISCO E SEGURANÇA

TOXICIDADE: capacidade inerente da substância

produzir efeito nocivo após interação com

organismo.

RISCO: probabilidade da substância produzir dano

sob determinadas condições.

SEGURANÇA: probabilidade da substância não

produzir dano sob determinadas condições.

RISCO = TOXICIDADE X EXPOSIÇÃO

Não existe ausência de risco!

• Avaliação da toxicidade

• Controle da exposição

• Avaliação do risco

• Gerenciamento do risco

Dose tóxica

Dose não tóxica

Dose tolerável

Limites de tolerância

Classificação da toxicidade

Avaliação da

toxicidade

USO

SEGURO

Limite de tolerância

• Nível de exposição tolerável, que não causa

efeitos nocivos ao indivíduo.

• Dificuldade: Estabelecer o que deve ser

considerado efeito nocivo.

• Para substâncias altamente tóxicas a

exposição tolerável deve ser próxima de

zero.

AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE

• 1937 – Síntese da sulfanilamida / veículo - etilenoglicol

• 1938 – Food and Drug Administration (FDA)

• 1939 – Início da segunda guerra mundial

AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE

Foi considerada de baixa toxicidade - mais seguro que os barbitúricos.

Comercializada em 46 países para o tratamento de enjôo matinal em gestantes.

1961 / 62 – Retirada do mercado (no Brasil, em 65).

Jun/98 – aprovada pela FDA para tratamento de reação hansênica do tipo II.

1957 – Alemanha, Talidomida: Ação hipnótico-

sedativa. Estudos em ratos, coelhos e cobaias: taxa

de letalidade não significativa (doses altas).

AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE

Década de 60 – Environmental Protection Agency (EPA)

Relação dose /efeito: aumento da dose promove

aumento do efeito, indica a alteração biológica

individual.

Relação dose /resposta: indica a proporção da

população que manifesta um efeito definido.

A resposta é a taxa de incidência de um efeito.

AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE

AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE

Relação dose/efeito: aumento da dose promove

aumento do efeito, indica a alteração biológica

individual

Relação dose/resposta: indica a proporção da

população que manifesta um efeito definido.

A resposta é a taxa de incidência de um efeito.

Testes necessários para avaliação de toxicidade

Toxicidade aguda

Toxicidade sub-crônica (curta duração)

Toxicidade crônica (longo prazo)

Efeitos locais sobre a pele e olhos

Sensibilização cutânea

Mutagênese e carcinogênese

Reprodução e teratogênese

Toxicidade aguda: DL50 e CL50

Vias de administração: oral, dérmica e inalatória

Determina a classe toxicológica e as precauções no

rótulo

Caracteriza a relação dose resposta que conduz ao

cálculo da DL50

Fornece informações sobre tecidos e órgãos,

através de estudos macroscópicos e microscópicos;

Fornece dados sobre outros efeitos: início,

natureza e duração da intoxicação associada a

morte

Exemplo: administração de um agente tóxico em animais (grupos de

50 animais), em 4 doses diferentes, por via oral. O efeito

observado é a morte.

CONTROLE G1

(2 mg/kg)

G2

(4 mg/kg)

G3

(6 mg/kg)

G4

(8 mg/kg)

0/50 1/50 13/50

27/50

48/50

N.º de mortes / n.º de indivíduos

Relação causal: aumenta a dose, aumenta o efeito (morte)

DL50

-1 0 1 2 3 4

100 %

50 %

DL50 Log dose

n

Valores de DL50 para algumas substâncias potencialmente tóxicas

Substância DL50 oral em ratos machos

(mg/kg)

Etanol 7000

Cloreto de sódio 3000

Sulfato cúprico 1500

DDT 100

Nicotina 60

Tetredotoxina 0,02

Dioxina 0,02

CLASSIFICAÇÃO DE TOXICIDADE

Classificação de toxicidade

DL 50 oral em ratos (mg/Kg)

Muito tóxica < 25

Tóxica

25 a 200

Nociva

200 a 2000

Teste de dose fixa

• 5, 50 e 500 mg/kg

• 10 machos e 10 fêmeas

Dose (mg/kg) Classe Toxicidade

< 5 I Extremamente tóxico

5 a 50 II Altamente tóxico

50 a 500 III Medianamente tóxico

> 500 IV Pouco tóxico

CLASSIFICAÇÃO DE TOXICIDADE - indicação no rótulos de praguicidas -

I Extremamente tóxico

Faixa vermelha

II Altamente tóxico Faixa amarela

III Medianamente tóxico Faixa azul

IV Pouco tóxico Faixa verde

Toxicidade sub-crônica

dose de não observação de efeitos (NOEL) identificar os órgãos afetados e a severidade dos danos após exposições repetidas determinar se o efeito é devido ao acúmulo da substância ou não o teste deve ser realizado em pelo menos duas espécies animais, sendo uma não roedora, utilizando pelo menos 3 doses. 21 a 90 dias em roedores; 1 ano para animais de maior porte caracteriza os efeitos de exposições repetidas

Exemplo: administração de um agente tóxico em animais, em 4 doses

diferentes, por via oral. O efeito observado é lesão hepática.

CONTROLE

G1: 1,25

mg/Kg/dia

G2: 2,5

mg/Kg/dia

G3: 5

mg/Kg/dia

G4: 10

mg/Kg/dia

Não

observação

de efeito

Não

observação

de efeito

Não

observação

de efeito

Lesão

hepática

leve

Lesão

hepática

evidente

Curva dose-resposta

0.01 0.10 1.00 10.000.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

Efeito tóxico

NOEL

Log10 Concentração (ng/ml)

inte

nsid

ad

e d

o e

feito

IDA

Fator de segurança ou incerteza

• Fator = 10: quando se tem dados sobre a

exposição crônica da substância em humanos.

• Fator = 100: quando os dados em humanos são

inconclusivos ou ausentes, mas existem dados

em animais.

• Fator = 1000: quando não existem estudos de

toxiciade crônica ou os dados em animais de

experimentação não são suficientes.

NOEL = no observed effect level (dose de não observação de efeitos)

IDA = ingestão diária admitida (dose que pode ser ingerida por toda a vida sem

observação de efeito).

IDA = NOEL L

fator de segurança

Exemplo: Aspartame: IDA = 50mg/kg

NOEL = 5000 mg/kg/dia

Fator de segurança = 100

10: considera-se que o homem é 10 vezes mais sensível que a espécie mais sensível de animal de laboratório.

10: considera-se que na espécie humana haverá variações de sensibilidade de até 10 vezes entre os indivíduos.

TOXICIDADE CRÔNICA (À LONGO PRAZO)

Período deve ser superior a 3 meses (6 meses a 2

anos em roedores e 1 ano em não roedores).

2 espécies, 10 a 50 animais por dose e sexo.

Observam-se os efeitos tóxicos após exposição

prolongada (ex: carcinogênese).

EFEITOS LOCAIS SOBRE A PELE E OLHOS

Avaliação dos efeitos diretos sobre olhos e pele

Animal: coelho

Teste de Draize (1944)

Parâmetros avaliados:

Pele: eritema, escara, edema e corrosão

Olhos: alterações da conjuntiva, córnea, íris e cristalino

Irritação reversível ou não reversível (permanece por mais

de 14 dias)

Teste de Draize

Efeitos locais sobre a pele e olhos

Classe Olhos Pele

I opacidade da córnea reversível ou não em 7 dias, irritação permanente

corrosivo

II sem opacidade da córnea, irritação reversível 7 dias

irritação severa

III sem opacidade da córnea, irritação reversível 72 horas

irritação moderada

IV sem opacidade da córnea, irritação reversível 24 horas

irritação leve

SENSIBILIZAÇÃO CUTÂNEA

Coelhos ou cobaias

Doses repetidas da substância, com ou sem adjuvantes, por

um período de uma a duas semanas

Após duas ou três semanas da última exposição os animais

são submetidos a uma dose não irritante e o aparecimento de

eritema é monitorado.

ESTUDOS DE MUTAGÊNESE E CARCINOGÊNESE

Identificar agentes mutagênicos (capazes de provocar

modificações no material genético das células, que serão

transmitidas às novas células durante a divisão celular)

Testes in vitro: teste de AMES (1975): Cepas de Salmonella

typhimurium

Testes in vivo: cromossomas de células de medula óssea em

metáfase.

Teste de carcinogênese: emprega-se a maior dose tolerada,

durante o período médio de vida do animal.

ESTUDOS DE REPRODUÇÃO E TERATOGÊNESE

Exposição só do macho; só da fêmea ; ambos

Exposição do macho durante a espermogênese

Exposição da fêmea durante a organogênese.

Observar: comportamento no acasalamento,

fertilidade, ocorrências durante a gravidez e após

o parto

Para agentes químicos que atravessam a barreira

placentária: informações sobre o desenvolvimento

e sobrevivência do embrião no útero.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS E SITES RECOMENDADOS

• Revista Brasileira de Toxicologia

• Revista Brasileira de Toxicologia Ocupacional

• Revista de Farmácia e Bioquímica da Universidade de São Paulo

• Revista de Saúde Pública

• Anvisa: http://www.anvisa.gov.br

• Bireme: http://www.bireme.br

• Cetesb: www.cetesb.br

• Drogas de abuso: http://www.drugabuse.gov; www.nida.nih.gov

• Sociedade Brasileira de Toxicologia: http://www.sbtox.org.br/

• American Association of Poison Control Centers: http://www.aapcc.org/

• European Society of Teratology: http://www.etsoc.com/

• European Society of Toxicology in vitro: http://www.xs4all.nl/~shorbach/estiv/index.html

• Medlineplus: http://medlineplus.gov

• Toxnet: http://toxnet.nlm.nih.gov

CENTRO DE CONTROLE DE

INTOXICAÇÕES / FCM /

UNICAMP

Fone: 3521-7555

E-mail: [email protected]