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Grupo de discussão 1 Actas do XIXEIEM — Vila Real 2009 Conceitos e raciocínio matemático.... N. Amado, S. Nobre e S. Carreira 1 CONCEITOS E RACIOCÍNIO MATEMÁTICO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NUMÉRICOS Nélia Amado FCT, Universidade do Algarve e CIEFCUL [email protected] Sandra Nobre Escola Básica 2,3 Prof. Paula Nogueira, Olhão [email protected] Susana Carreira FCT, Universidade do Algarve e CIEFCUL [email protected] Resumo Pretende-se neste artigo abordar a relação entre a resolução de problemas e a aprendizagem de conceitos matemáticos, nomeadamente no que se refere ao conceito de potência, e em particular, ao quadrado de um número natural. Por outro lado, pretendemos estudar formas de raciocínio matemático que apelam ao uso de sequências de números e contagens. Os dados para este estudo foram recolhidos em ambiente de sala de aula, em duas turmas do 7.º ano, e também nas respostas de alunos participantes no Campeonato de Matemática Sub 14, que decorre através da Internet, também do 7.º ano. São tomados como objecto de análise dois problemas que envolvem raciocínio com números, sendo um deles classificável como um problema de conteúdos e capacidades e o outro como um problema de processo (Palhares, 1997). Dos resultados da análise produzida sobressaem dificuldades dos alunos - quer dos participantes no Campeonato quer dos alunos das duas turmas envolvidas - na compreensão e aplicação dos conceitos de potência, de quadrado de um número, de quadrado perfeito e raiz quadrada. Contudo, tais dificuldades são muito mais nítidas e observáveis nos alunos em sala de aula e mostram como se tornam determinantes na resolução do problema. Em contraste, o desempenho dos alunos no problema de processo mostra-se, em ambos os casos, mais homogéneo e são muito menores as dificuldades experimentadas, acrescendo o aparecimento de resoluções criativas e de estratégias eficazes em muitos dos alunos, nas duas situações de trabalho com esse problema. 1. Introdução Em 2006, um relatório sobre os resultados dos alunos no exame nacional de Matemática do 9.º ano de escolaridade veio evidenciar as dificuldades dos alunos portugueses que estão a concluir o ensino básico, na resolução de problemas em todos os temas do currículo (GAVE, 2006). Constatou-se, em particular, que o desempenho na resolução de problemas é fraco, independentemente do domínio temático. Pelo Ministério da Educação, foram desencadeadas várias estratégias com o intuito de melhorar esta situação, incluindo o chamado Plano da Matemática, que abrangeu 97% das

Conceitos e raciocínio matemático na resolução de problemas

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Grupo de discussão 1 Actas do XIXEIEM — Vila Real 2009

Conceitos e raciocínio matemático.... N. Amado, S. Nobre e S. Carreira 1

CONCEITOS E RACIOCÍNIO MATEMÁTICO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NUMÉRICOS

Nélia Amado

FCT, Universidade do Algarve e CIEFCUL

[email protected]

Sandra Nobre

Escola Básica 2,3 Prof. Paula Nogueira, Olhão

[email protected]

Susana Carreira

FCT, Universidade do Algarve e CIEFCUL

[email protected]

Resumo

Pretende-se neste artigo abordar a relação entre a resolução de problemas e a aprendizagem de conceitos matemáticos, nomeadamente no que se refere ao conceito de potência, e em particular, ao quadrado de um número natural. Por outro lado, pretendemos estudar formas de raciocínio matemático que apelam ao uso de sequências de números e contagens. Os dados para este estudo foram recolhidos em ambiente de sala de aula, em duas turmas do 7.º ano, e também nas respostas de alunos participantes no Campeonato de Matemática Sub 14, que decorre através da Internet, também do 7.º ano.

São tomados como objecto de análise dois problemas que envolvem raciocínio com números, sendo um deles classificável como um problema de conteúdos e capacidades e o outro como um problema de processo (Palhares, 1997). Dos resultados da análise produzida sobressaem dificuldades dos alunos - quer dos participantes no Campeonato quer dos alunos das duas turmas envolvidas - na compreensão e aplicação dos conceitos de potência, de quadrado de um número, de quadrado perfeito e raiz quadrada. Contudo, tais dificuldades são muito mais nítidas e observáveis nos alunos em sala de aula e mostram como se tornam determinantes na resolução do problema. Em contraste, o desempenho dos alunos no problema de processo mostra-se, em ambos os casos, mais homogéneo e são muito menores as dificuldades experimentadas, acrescendo o aparecimento de resoluções criativas e de estratégias eficazes em muitos dos alunos, nas duas situações de trabalho com esse problema.

1. Introdução

Em 2006, um relatório sobre os resultados dos alunos no exame nacional de Matemática do 9.º ano de escolaridade veio evidenciar as dificuldades dos alunos portugueses que estão a concluir o ensino básico, na resolução de problemas em todos os temas do currículo (GAVE, 2006). Constatou-se, em particular, que o desempenho na resolução de problemas é fraco, independentemente do domínio temático.

Pelo Ministério da Educação, foram desencadeadas várias estratégias com o intuito de melhorar esta situação, incluindo o chamado Plano da Matemática, que abrangeu 97% das

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escolas de Portugal Continental. Com esta medida, procurou-se desenvolver o interesse e uma atitude positiva dos alunos face à Matemática, nomeadamente através da implementação da resolução de problemas, como refere Santos (2008).

O contacto com professores das escolas do Algarve tem permitido conhecer algumas experiências de resolução de problemas na sala de aula. Entre as várias hipóteses que vão sendo ensaiadas, destacamos o recurso aos problemas propostos pelos Campeonatos de Matemática Sub 12 e Sub 14, promovidos pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade do Algarve.

2. Resolução de problemas: domínio temático versus raciocínio matemático

Neste trabalho, analisamos e discutimos alguns dos processos, produtos e reacções de alunos do 7.º ano de escolaridade na resolução de dois problemas com números: “Os números dos ciclistas” e “A folha solta do jornal”. Uma parte das resoluções analisadas foi recolhida em ambiente de sala de aula e outra decorre de respostas dos participantes no Campeonato Sub14. Iremos debruçar-nos sobre (i) algumas dificuldades manifestadas relativamente ao conceito de potência e, em particular, ao quadrado de um número, assim como (ii) formas de raciocínio matemático que envolvem sequências de números e contagens. Os dois problemas escolhidos têm características diferentes, sendo um deles claramente dependente da activação de conceitos numéricos escolares e o segundo muito mais centrado na mobilização de capacidades de compreensão e construção de um modelo da situação dada. Sublinhamos, assim, a necessidade de investigar a articulação entre a resolução de problemas e a aprendizagem de conceitos matemáticos, tal como é apontada por English, Lesh & Fennewald (2008). Estes autores defendem que o desempenho na resolução de problemas está intimamente ligado à aprendizagem de conceitos matemáticos importantes e argumentam que é necessário encarar a resolução de problemas como uma oportunidade para a construção e revisão de modelos e que isso implica ciclos de compreensão que levam a rever, clarificar e refinar sistemas conceptuais.

Entre várias possibilidades, os problemas podem ser classificados de acordo com o grau de desenvolvimento dos conhecimentos matemáticos dos alunos e também de acordo com os propósitos da sua aplicação (Palhares, 1997). Nesta perspectiva, poderemos classificar o problema “Os números dos ciclistas” como um problema de conteúdo e, simultaneamente, como um problema de capacidades, pois para além da aplicação de vários conhecimentos matemáticos requer o uso de capacidades matemáticas, como a análise da organização e da relação entre os algarismos, no próprio número. Por outro lado, o problema “A folha solta do jornal” é essencialmente um problema de processo pois implica sobretudo a procura e a implementação de uma estratégia que gere um modelo da situação descrita.

3. A importância dos números na Matemática Escolar

Ponte (2006) afirma que uma das dificuldades do currículo português no campo dos Números está ligada a uma visão redutora, que ainda prevalece, no que respeita às actividades de aprendizagem dos alunos, porventura demasiado centrada nos exercícios e pouco atenta às potencialidades dos problemas e de outro tipo de actividades. A falta de uma capacidade razoável de trabalhar com números e suas operações, assim como de um entendimento e de uma utilização correcta da linguagem algébrica, limitará seriamente as opções escolares e profissionais dos alunos. Porém, vários estudos mostram que os alunos revelam grandes dificuldades nos números e nas suas operações (Ponte, 2006, Brocardo et al., 2006).

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Nos Princípios e Normas para a Matemática Escolar (APM, 2007), a Norma Números e Operações refere que os conceitos e algoritmos da aritmética elementar são parte integrante dos números e operações, tal como as propriedades e características dos conjuntos de números. A compreensão dos números e operações, o desenvolvimento do sentido do número e a aquisição de destreza no cálculo aritmético constituem o cerne da educação matemática para os primeiros anos do ensino básico.

O tema Números tem sido, desde sempre, um marco em todo o currículo de matemática nos vários níveis de ensino. No Novo Programa de Matemática do ensino básico está presente em todos os ciclos (Ponte et al., 2007). Também a resolução de problemas, designadamente os que incluam a investigação de regularidades numéricas, constitui um aspecto a privilegiar na didáctica dos números no 2.º ciclo, de acordo com as indicações metodológicas do Novo Programa (Ponte et al., 2007). Neste documento, é ainda recomendado o trabalho com sequências numéricas que poderão ser criadas pelo aluno ou continuadas a partir de um conjunto inicial. O estudo das potências de base e expoente naturais é abordado no 2.º ciclo e continua a ser tratado no 3.º ciclo. Deste modo, o conceito de quadrado de um número é trabalhado desde o 2.º ciclo.

4. A aprendizagem do conceito de potência

A escrita simbólica da potência de um número ou de uma variável é, actualmente, um assunto introduzido no 2.º ciclo. No entanto, a apropriação por parte dos alunos de alguns conceitos matemáticos é algo de bastante complexo (Damazio, s/d). A potenciação representa um conceito novo para os alunos, depois do estudo das operações de adição, subtracção, multiplicação e divisão. O conceito de potência de um número está intimamente relacionado com o próprio conceito de número e com as operações elementares, embora de modo não linear.

Damazio (s/d) aponta como possível justificação para as dificuldades dos alunos na potenciação, a forte ligação entre esta operação e a multiplicação, que por seu turno se apoia na adição. A potenciação tem as suas noções básicas assentes na multiplicação e esta, por sua vez, já foi construída como a adição de parcelas iguais.

Figura 1: Construção do conceito de potência visto como um processo linear

Sucede que nos primeiros anos de aprendizagem dos números e das quatro operações elementares está muito presente a ideia da adição repetida como abordagem ao raciocínio multiplicativo. Desta forma, a potência de expoente natural maior ou igual a 2, que é a multiplicação de factores iguais, vai desencadear em muitos alunos o mesmo raciocínio, que os leva à adição da mesma parcela. Como exemplos, Damazio refere:

a) o caso em que o aluno multiplica a base pelo expoente, 32 = 3×2,

b) o caso em que o aluno indica a multiplicação de factores iguais mas calcula a sua soma, 45 = 4×4×4×4×4 = 20.

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No estudo apresentado por Damazio foram propostas várias actividades para a construção do conceito de potência de um número. Este autor afirma que “…quando pensávamos que os alunos já haviam apropriado a ideia multiplicativa da potenciação, alguns deles ainda manifestavam o pensamento aditivo” (p. 18).

Figura 2: Fase de pré-apropriação do conceito de potência

Existem ainda os casos particulares que reforçam a existência simultânea dos dois raciocínios conflituantes. Veja-se o exemplo da potência 22 em que os dois raciocínios funcionam, porque ambos conduzem ao resultado correcto. Esta situação poderá explicar a razão pela qual os alunos podem considerar que 32 = 6 ou 42 = 8. Uma hipótese para justificar a continuidade da coexistência destas duas concepções de potência pode estar no facto de 22 poder suportar a ideia inicial de muitos alunos, ou seja, a adição repetida.

Figura 3: Fase de coexistência de duas concepções de potência

Para além do conceito de potência, os problemas aqui analisados envolviam outros conceitos, como o de sequência de números e padrões com números.

Ponte (2006) refere que o estudo das dificuldades dos alunos nos conceitos numéricos, assim como nas operações, tem vindo a ser alvo de reflexão nos últimos anos, embora ainda sejam insuficientes os estudos realizados. Estes estudos mostram que muitos alunos têm dificuldades nos Números e Operações, ao mesmo tempo que outros mostram um desempenho razoável neste campo mas deparam-se com bastantes dificuldades na Álgebra.

Brocardo et al. (2006) referem um estudo no âmbito do ensino e da aprendizagem dos Números e Operações que procurou caracterizar o sentido do número de alunos do 8.º ano de escolaridade, tentando conhecer e perceber o modo como os alunos aprendem os números e as operações e de que forma se pode contribuir para um desenvolvimento significativo do sentido do número. Nesse estudo, concluiu-se que os alunos apresentam uma grande falta de compreensão do significado dos números, referindo-se também que, globalmente, a capacidade de escolher e aplicar uma estratégia adequada aos problemas propostos está relacionada com o nível de desenvolvimento do sentido do número, o grau de confiança em fazer matemática e com as experiências neste âmbito.

Os Princípios e Normas para a Matemática Escolar (APM, 2007) referem que os alunos, ao melhorarem a sua compreensão dos números e das formas de os representar, adquirem bases para a compreensão das relações numéricas, salientando que se deve explorar e consolidar a compreensão do conceito de número através da resolução de problemas. A resolução de problemas deve constituir uma prática fortemente associada à compreensão e solidificação dos conceitos matemáticos.

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5. Procedimentos metodológicos e participantes

O Sub 14 é um Campeonato de resolução de problemas de matemática dirigido a alunos dos 7.º e 8.º anos. Na fase de apuramento, são lançados quinzenalmente problemas num website, aos quais os alunos respondem por e-mail, recebendo em seguida o feedback da organização que lhes permite melhorar e aperfeiçoar a resposta. Os participantes podem concorrer individualmente ou em grupo (de dois ou três alunos). Os participantes neste Campeonato são alunos interessados, com gosto pela resolução de problemas e de um modo geral, alunos que têm um bom desempenho em matemática (Jacinto, 2008).

Algumas das dificuldades denotadas pelos participantes, em torno do conceito de potência, na resolução do problema do “O número dos ciclistas”, despertaram-nos interesse e vontade em compreender esta situação.

Para nos ajudar a perceber e interpretar estas dificuldades, optámos por implementar o mesmo problema em sala de aula, já que uma das autoras deste artigo lecciona, no presente ano lectivo, duas turmas de 7.º ano de escolaridade. Assim, o problema foi apresentado aos alunos de duas turmas. Os alunos da turma A revelam grandes dificuldades na compreensão e aplicação dos conceitos matemáticos, assim como na explicação do seu raciocínio, oralmente ou por escrito. Na turma B, revelam um pouco mais de destreza ao nível da aplicação dos conhecimentos.

A actividade matemática dos alunos de ambas as turmas está marcada pelo trabalho em torno do cálculo, nomeadamente ao nível da simplificação de expressões numéricas e aplicação de regras, incidindo pouco na resolução de problemas.

Em sala de aula foi apresentada uma ficha de trabalho que continha o problema e um pequeno questionário em que os alunos deveriam classificar o problema: Muito fácil, Fácil, Difícil e Muito Difícil e ainda explicar quais tinham sido as suas principais dificuldades. Os alunos trabalharam em pares na resolução do problema.

Posteriormente decidimos analisar um outro problema, “A folha solta do jornal”. A escolha deste problema surgiu pelo facto da sua resolução não requerer o conhecimento de qualquer conteúdo matemático, mas apenas o delinear de uma estratégia. Tal como aconteceu com o problema anterior, analisámos as resoluções de alunos participantes no Campeonato e a as resoluções em sala de aula.

Atendendo à natureza do estudo trabalho desenvolvido seguiu-se uma abordagem qualitativa e interpretativa (Bogdan & Biklen, 1994). As aulas foram gravadas em áudio e posteriormente foram transcritas as gravações, de modo a permitir uma análise mais detalhada das discussões dos alunos, que trabalharam em pequenos grupos.

6. Apresentação de resultados

O problema “Os números dos ciclistas”

A resolução deste problema implica o conhecimento do conceito de quadrado de um número. Dependendo da abordagem que cada aluno faz, poderá ainda envolver outros conceitos como a raiz quadrada ou ainda a noção de quadrado perfeito.

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Análise das respostas dos participantes no campeonato Sub14 Nas respostas dos participantes que frequentam o 7.º ano observámos diferentes

abordagens e tipos de resolução, desde os mais elementares aos mais elaborados que envolviam mesmo uma linguagem simbólica.

Na resolução do problema, uma grande parte dos alunos apresenta uma forma de raciocínio semelhante à do aluno A1. Apresentam clareza na sua resposta, embora omitam o algarismo 0 porque não o consideram (aparentemente os alunos não pensam no 0 como um algarismo).

Figura 2: Resolução do aluno A1 (Sub14)

A aluna A2 parte da noção de quadrado perfeito para a construção dos números dos ciclistas, embora tenha sido muito pobre a explicação dada na sua resposta. Vários outros alunos seguiram uma estratégia semelhante a esta na resolução do problema.

Figura 3: Resolução da aluna A2 (Sub14)

Em contrapartida, na seguinte resolução já encontramos algum simbolismo. A aluna A3 atribuiu letras aos algarismos que constituem os números dos ciclistas e estabeleceu identidades, como A×A=B, C×C=D. Na própria escrita podemos verificar que esta atleta manifesta alguma destreza na manipulação da escrita simbólica da matemática.

Figura 4: Resolução da aluna A3 (Sub14)

A resolução do aluno A4, apresentada de seguida, mostra uma explicação detalhada e clara, utilizando também uma linguagem simbólica para a representação matemática dos seus procedimentos.

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Figura 5: Resolução do aluno A4 (Sub14)

À semelhança da resposta dada pelo aluno A5, uma situação que nos suscitou curiosidade foi a troca da ordem dos algarismos: 4.º, 3.º, 2.º, 1.º, identificando o primeiro com o algarismo das unidades, o segundo com o das dezenas, o terceiro com o das centenas e o quarto com o dos milhares.

Figura 6: Resolução do aluno A5 (Sub14)

A dificuldade mais presente em todas as resoluções prende-se com a noção de “quadrado de um número”. A maior parte dos alunos que evidenciou esta dificuldade fez o cálculo do dobro dos números, tendo ainda havido uma minoria que calculou o quádruplo. Outros escreveram os números dos ciclistas correctamente mas afirmaram que “o quadrado de 4 é 2 e o quadrado de 9 é 3”, ou seja, a sua justificação revela alguma confusão com o conceito de quadrado de um número, como podemos observar na resolução da aluna A6.

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Figura 7: Resolução da aluna A6 (Sub14)

Nalguns casos pontuais, os alunos evidenciam conhecer os quadrados perfeitos menores que 10, excluindo o 0, e tentam utilizar a noção de raiz quadrada mas também, por vezes, de forma incorrecta.

Para além das dificuldades manifestadas pelos alunos no conceito de quadrado de um número, surgiram ainda outras que não estão directamente relacionadas com o domínio de conceitos matemáticos mas que se prendem com a deficiente apreensão da totalidade das informações presentes no problema. Por exemplo, alguns alunos conseguiram descobrir o número do Alves, 2439, e em seguida afirmaram que o 2440 seria o número do Vieira, pois a sua inscrição tinha sido feita a seguir.

Análise das respostas dos alunos em sala de aula O problema dado na aula foi apresentado numa ficha de trabalho que continha também

um pequeno questionário em que os alunos deveriam classificar o problema - Muito Fácil, Fácil, Difícil e Muito Difícil - e ainda explicar quais tinham sido as suas principais dificuldades.

A primeira dificuldade evidenciada pelos alunos manifestou-se na compreensão do enunciado. Grande parte deles solicitou a presença da professora para pedir apoio na clarificação do enunciado: “O que é que é para fazer?”. De seguida, surgiu aquela que podemos considerar a grande dúvida - o conceito de quadrado de um número, que também se tinha evidenciado nas resoluções dos alunos que participam no Campeonato. Na sala de aula foi registado o seguinte diálogo entre o aluno I e aluna M:

I: …O segundo é o quadrado do primeiro e o quarto o quadrado do terceiro… o quadrado, o que é isso, o quadrado?

A colega, após pensar um pouco, responde:

M: Já sei é a raiz cúbica!

I: A raiz cúbica?

M: Sim, a raiz cúbica, ou seja, é a dividir por 4.

Esta conversa ocorreu logo após a entrega da proposta de trabalho, quando os alunos iniciaram a leitura do problema. Esta curta troca de palavras demonstra claramente a confusão que os alunos fazem com algumas operações, como o quadrado, a raiz quadrada, a raiz cúbica, a divisão, etc. Os alunos parecem também ter reagido à leitura do enunciado com a intenção imediata de utilizar uma das operações recentemente estudadas, como era o caso da raiz quadrada e da raiz cúbica.

A maior parte das dificuldades detectadas nos participantes no Campeonato Sub14, manifestou-se igualmente durante a resolução deste problema pelos alunos destas turmas, na sala de aula.

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Figura 8: Resolução da aluna P (sala de aula)

Figura 9: Resolução da aluna T (sala de aula)

Nas resoluções em sala de aula, foi ainda possível identificar alguns casos em que as operações são utilizadas correctamente, mas a explicação é incoerente com a forma de raciocínio apresentada. A aluna P e a aluna T fizeram o uso correcto da raiz quadrada nas suas resoluções, no entanto, ao explicarem, atribuem outro significado a essa operação.

Após a resolução do problema que foi muito mais demorada do que se previu, os alunos responderam ao questionário, tendo muitos deles qualificado o problema de difícil e escrevendo que as suas principais dificuldades residiram na compreensão do enunciado, na identificação do quadrado de um número e na explicação da sua resposta.

A resolução deste problema, em sala de aula, foi implementada em meados do 2.º período, tendo a leccionação do conceito de quadrado de um número, assim como de outros conceitos associados, ocorrido durante o 1º período lectivo. No ensino destes conteúdos, na sala de aula, foi dada ênfase à resolução de exercícios como o cálculo de valores de expressões numéricas e a respectiva simbologia. Foram ainda resolvidos os típicos problemas: “Sabendo que a área de um terreno quadrado é 25 m2 determina a medida do lado do terreno”. Estes problemas poderão ter uma função diferenciada para os alunos, dependendo do estádio de apropriação do conceito de potência que predomina. Para os alunos que estão nas fases apresentadas nas figuras 2 e 3 parece importante a resolução destes problemas pois são essenciais para apropriação do conceito. No entanto, para os alunos que já se apropriaram do conceito, acabam por se tornar rotineiros e provavelmente são encarados como puros exercícios, não os impelindo a raciocínios mais complexos. Em todo o caso, podemos inferir que a implementação destes problemas “simples” e de certa forma “estanques” não

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contribuiu, como se esperava, para a apropriação do conceito e para a sua aplicação perante uma situação mais complexa. Este aspecto vem alertar para a necessidade de investir na resolução de problemas que exijam um raciocínio de nível mais elevado e que fiquem menos circunscritos à simples aplicação de conceitos.

O problema “A folha solta do jornal”

Este não envolve directamente a activação de conceitos matemáticos mas sim o raciocínio matemático através da construção de um modelo para a sua resolução.

Análise das respostas dos participantes no campeonato Sub14 A aluna A7 resolveu o problema de uma forma muito simples, recorrendo ao número de

páginas que existem até à oitava. Por sua vez, muitos dos atletas serviram-se de jornais ou de livros reais como modelo para a resolução do problema.

Figura 10: Resolução da aluna A7 (Sub14)

Na resolução do aluno A8, podemos observar a mesma sequência que a aluna A7 teve em conta para chegar à sua resposta. Porém, o A8 decide apresentar todas as folhas do jornal com a respectiva numeração das páginas que o constituem.

Figura 11: Resolução do aluno A8 (Sub14)

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Na resposta dada pelo aluno A9 podemos verificar que este descobre um padrão numérico na soma dos números de duas páginas da mesma folha de um jornal, começando mesmo por apresentar a sua expressão geral.

Figura 12: Resolução do aluno A9 (Sub14)

Ponte et al. (2008) referem que a linguagem algébrica, mais propriamente o simbolismo, é uma ferramenta muito poderosa para a resolução de problemas. Acrescentam que a utilização de variáveis de forma contextualizada faz com que a Matemática perca o carácter de jogo manipulação, regrado pela prática repetitiva, que muitas vezes ocorre no ensino de expressões algébricas.

Kaput (1999) afirma que o pensamento algébrico pode manifestar-se quando se estabelecem generalizações sobre dados ou relações matemáticas com base na aritmética e este aspecto é importante porque dá uma enorme riqueza a estas duas temáticas.

Na sua resposta, o aluno A9 não se limitou apresentar o resultado, tendo também verificado a sua veracidade. Para isso, exibiu uma tabela com as sequências (números naturais ordenados por ordem crescente e decrescente) representativas do número das páginas do jornal. Estas sequências também já tinham sido apresentadas nas resoluções dos alunos A7 e A8, embora de forma mais implícita.

Um grupo de três participantes usou uma imagem representativa de duas páginas do jornal, apresentando as sequências dos números pares e a dos números ímpares para as páginas da esquerda e da direita, respectivamente. Após contarem os pares de páginas, afirmam que 10 é o número total de folhas dos jornais.

Figura 13: Resolução dos alunos A10, A11 e A12 (Sub14)

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Análise das respostas dos alunos em sala de aula Relativamente à implementação deste problema em sala de aula, podemos afirmar que

foi de grande agrado para os alunos, tendo havido uma participação global bastante activa.

O aluno M apresenta, de duas formas diferentes, uma sequência para as páginas com número par e outra para as dos números ímpares. Mostra ainda o esquema da primeira folha do jornal, confirmando que a página 1 corresponde à 40 e que uma folha de jornal é composta por 4 páginas.

Figura 14:Resolução do aluno M (sala de aula)

Na sala de aula, a maior parte dos alunos resolveram o problema como a aluna D e a aluna C, utilizando apenas sequências de números. Houve ainda alguns alunos que recorreram aos manuais da disciplina tendo para isso numerando duas páginas, uma do início e outra do fim do livro, de acordo com os dados do enunciado, tendo contado depois o número de folhas. Houve inclusive um par de alunos que construiu um modelo do jornal rasgando e dobrando folhas do caderno diário.

Figura 15: Resolução da aluna D (sala de aula)

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Figura 16:Resolução da aluna C (sala de aula)

Relativamente às dificuldades sentidas, estas mostraram-se mais ténues, tanto nos participantes no Campeonato como pelos alunos na sala de aula e prenderam-se essencialmente com a passagem do número de páginas ao número de folhas do jornal, pois muitos responderam 20 folhas. Esta resposta surge por pensarem que, normalmente, uma folha é composta apenas por duas páginas e não por quatro, como é o caso das folhas dos jornais.

7. Considerações finais

A inclusão da resolução de problemas tem sido bastante incentivada pelos programas de matemática do ensino básico. No Algarve e Alentejo o campeonato Sub 14 também tem entusiasmado os alunos e os professores de Matemática para a resolução de problemas na sala de aula. O tema Números e Operações tem estado bastante envolvido nos problemas propostos neste campeonato como se viu nos exemplos “Os números dos ciclistas” e “A folha solta do jornal”.

Esta capacidade transversal, resolução de problemas, que está presente em todo o currículo de matemática, para além de apelar à criatividade, proporciona diferentes formas de raciocinar e comunicar em contextos numéricos e noutros. Faculta o entendimento do significado dos conceitos, relacionando-os com outros conceitos matemáticos e não matemáticos, permite o reconhecimento de regularidades e a compreensão de relações. Dá também grande enfoque à comunicação uma vez que se pretende a descrição e explicação, oralmente e/ou por escrito, das estratégias e procedimentos matemáticos que os alunos utilizaram e os resultados a que chegaram.

Para além disso, os alunos criam hábitos de apreciação da plausibilidade dos resultados obtidos e da adequação ao contexto das soluções a que chegaram assim como permite identificar e usar conexões entre ideias matemáticas, nomeadamente através da exploração de regularidades.

A inclusão destas práticas na sala de aula e através dos Campeonatos permite aos professores uma análise no que concerne às dificuldades com que os alunos se deparam. O professor deve analisar o erro, enquanto fenómeno inerente à aprendizagem, apresentando-se como uma fonte rica de informação. O professor deve ainda tentar perceber a natureza das incorrecções de forma a perceber o raciocínio do aluno para que o possa orientar adequadamente. Por outras palavras, o aluno deverá ser capaz de identificar o erro e corrigi-lo (Santos, 2002).

Neste estudo, conseguimos aperceber-nos de que os atletas do Campeonato Sub 14 apenas demonstraram dificuldades moderadas com o conceito de quadrado de um número; já nas duas turmas observadas, os alunos tiveram bastantes dificuldades com este conceito que se julgava já consolidado. Em contrapartida, surpreenderam com a sua criatividade,

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nomeadamente através da utilização de conceitos matemáticos que não eram exigidos para a resolução do problema “ A folha solta do jornal”.

Para concluir, podemos ainda afirmar que os dois ambientes de resolução dos problemas em que se fez o estudo são bem distintos. Na sala de aula apercebemo-nos de muitas e diversas dificuldades que surgem em cada etapa da resolução dos problemas, da insegurança nas respostas e das confusões com os conceitos por parte dos alunos. A presença do professor permite observar e questionar os alunos em momentos diferentes da resolução do problema. De notar que as resoluções provenientes dos participantes no Campeonato, surgiram antes da utilização do problema nas turmas a que nos referimos. A análise dessas resoluções não permitia espelhar um vasto conjunto de dificuldades e de aspectos do trabalho de muitos dos alunos nas resoluções dos problemas.

Relativamente ao problema “ Os números dos ciclistas”, apercebemo-nos que nas resoluções dos atletas existe uma maior diversidade de estratégias para a resolução do problema do que na sala de aula e embora tenhamos detectado algumas dificuldades nas resoluções dos participantes no campeonato, essa percepção foi muito forte na sala de aula.

Quanto ao problema “A folha solta do jornal”, as resoluções dos atletas continuam a apresentar uma maior diversidade e níveis mais altos de criatividade do que aquelas feitas pelos alunos na sala de aula. No entanto, no que concerne às dificuldades, estas são mínimas e bastante homogéneas nos dois ambientes.

Os problemas analisados têm características diferentes, sendo que a resolução do primeiro é claramente determinada pela aplicação de conceitos matemáticos.

Podemos afirmar que, quer os atletas do campeonato, quer os alunos em sala de aula, conseguem chegar a estratégias e formas de raciocínio correctas para a resolução dos problemas mas constatou-se que surgiram grandes dificuldades no primeiro problema, mais evidentes no alunos das duas turmas, provocadas pela necessidade inequívoca da activação de conceitos escolares.

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