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1 Profª. Sandra Santos Conhecimentos Pedagógicos CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM DIFERENTES PERSPECTIVAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO 1 A noção de desenvolvimento está atrelada a um contínuo de evolução, em que nós caminharíamos ao longo de todo o ciclo vital. Essa evolução, nem sempre linear, se dá em diversos campos da existência, tais como afetivo, cognitivo, social e motor. Este caminhar contínuo não é determinado apenas por processos de maturação biológicos ou genéticos. O meio (e por meio entenda-se algo muito amplo, que envolve cultura, sociedade, práticas e interações) é fator de máxima importância no desenvolvimento humano. Os seres humanos nascem “mergulhados em cultura”, e é claro que esta será uma das principais influências no desenvolvimento. Embora ainda haja discordâncias teóricas entre as abordagens sobre o grau de influência da maturação biológica e da aprendizagem com o meio no desenvolvimento, o contexto cultural é o palco das principais transformações e evoluções do bebê humano ao idoso. Pela interação social, aprendemos e nos desenvolvemos, criamos novas formas de agir no mundo, ampliando nossas ferramentas de atuação neste contexto cultural complexo que nos recebeu, durante todo o ciclo vital. Na Psicologia do Desenvolvimento, temos algumas perspectivas diversas: • Para os teóricos Ambientalistas, por exemplo Skinner, as crianças nascem como tábulas rasas, que vão aprendendo tudo do ambiente por processos de imitação ou reforço. • Para os teóricos Inatistas, como Chomsky, as crianças já nascem com tudo que precisam na sua estrutura biológica para se desenvolver. Nada é aprendido no ambiente, e sim apenas disparado por este. • Para os teóricos Construcionistas, tendo como ícone Piaget, o desenvolvimento é construído a partir de uma interação entre o desenvolvimento biológico e as aquisições da criança com o meio. • Ainda existe a visão de desenvolvimento Psicanalítica, em que temos como expoentes Freud, Klein, Winnicott e Erikson. Tal perspectiva procura entender o desenvolvimento humano a partir de motivações conscientes e inconscientes da criança, focando seus conflitos internos durante a infância e pelo resto do ciclo vital. Conceitos fundamentais no desenvolvimento da inteligência Hereditariedade: herdamos um organismo que amadurece em contato com o meio ambiente, uma série de estruturas biológicas que favorecem o aparecimento das estruturas mentais. Como conseqüência inferimos que a qualidade da estimulação interferirá no processo de desenvolvimento da inteligência. Adaptação: possibilita ao indivíduo responder aos desafios do ambiente físico e social. Dois processos compõem a adaptação, ou seja, a assimilação (uso de uma estrutura mental já formada) e a acomodação (processo que implica a modificação de estruturas já desenvolvidas para resolver uma nova situação). Os esquemas: constituem a nossa estrutura básica. Podem ser simples, como por exemplo, uma resposta específica a um estímulo-sugar o dedo quando ele encosta nos lábios, ou, complexos, como o modo de solucionarmos problemas matemáticos. Os esquemas estão em constante desenvolvimento e permitem que o indivíduo se adapte aos desafios ambientais. Equilibração das estruturas cognitivas: o desenvolvimento consiste em uma passagem constante de um estado de equilíbrio para um estado de desequilíbrio. É um processo de auto regulação interna. APRENDIZAGEM, AFETIVIDADE E DESENVOLVIMENTO 2 Do Século XVII ao início do Século XX para entender a aprendizagem buscavam explicar as causas e formas de seu funcionamento, por isso apostavam em metodologias pudessem enquadrar o comportamento 1 Adaptação a partir de RIBEIRO, A. M. Curso de Formação Profissional em Educação Infantil. Rio de Janeiro: EPSJV / Creche Fiocruz, 2005. 2 Recortes a partir das obras: CHARLES, C.M. Piaget ao alcance dos professores. Editora: Ao Livro Técnico. Rio de Janeiro 1980. Jean Piaget. Seis Estudos de Psicologia; Fernando Becker. Da Ação à Operação: o Caminho da Aprendizagem ; Fernando Becker. Aprendizagem e Conhecimento Escolar;

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS

DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM DIFERENTES PERSPECTIVAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO 1

A noção de desenvolvimento está atrelada a um contínuo de evolução, em que nós caminharíamos ao longo de todo o ciclo vital. Essa evolução, nem sempre linear, se dá em diversos campos da existência, tais como afetivo, cognitivo, social e motor.

Este caminhar contínuo não é determinado apenas por processos de maturação biológicos ou genéticos. O meio (e por meio entenda-se algo muito amplo, que envolve cultura, sociedade, práticas e interações) é fator de máxima importância no desenvolvimento humano.

Os seres humanos nascem “mergulhados em cultura”, e é claro que esta será uma das principais influências no desenvolvimento.

Embora ainda haja discordâncias teóricas entre as abordagens sobre o grau de influência da maturação biológica e da aprendizagem com o meio no desenvolvimento, o contexto cultural é o palco das principais transformações e evoluções do bebê humano ao idoso. Pela interação social, aprendemos e nos desenvolvemos, criamos novas formas de agir no mundo, ampliando nossas ferramentas de atuação neste contexto cultural complexo que nos recebeu, durante todo o ciclo vital.

Na Psicologia do Desenvolvimento, temos algumas pe rspectivas diversas: • Para os teóricos Ambientalistas, por exemplo Skinner, as crianças nascem como tábulas rasas, que vão

aprendendo tudo do ambiente por processos de imitação ou reforço. • Para os teóricos Inatistas, como Chomsky, as crianças já nascem com tudo que precisam na sua

estrutura biológica para se desenvolver. Nada é aprendido no ambiente, e sim apenas disparado por este. • Para os teóricos Construcionistas, tendo como ícone Piaget, o desenvolvimento é construído a partir de

uma interação entre o desenvolvimento biológico e as aquisições da criança com o meio. • Ainda existe a visão de desenvolvimento Psicanalítica, em que temos como expoentes Freud, Klein,

Winnicott e Erikson. Tal perspectiva procura entender o desenvolvimento humano a partir de motivações conscientes e inconscientes da criança, focando seus conflitos internos durante a infância e pelo resto do ciclo vital.

Conceitos fundamentais no desenvolvimento da inteli gência

Hereditariedade : herdamos um organismo que amadurece em contato com o meio ambiente, uma série de estruturas biológicas que favorecem o aparecimento das estruturas mentais. Como conseqüência inferimos que a qualidade da estimulação interferirá no processo de desenvolvimento da inteligência.

Adaptação: possibilita ao indivíduo responder aos desafios do ambiente físico e social. Dois processos compõem a adaptação, ou seja, a assimilação (uso de uma estrutura mental já formada) e a acomodação (processo que implica a modificação de estruturas já desenvolvidas para resolver uma nova situação).

Os esquemas: constituem a nossa estrutura básica. Podem ser simples, como por exemplo, uma resposta específica a um estímulo-sugar o dedo quando ele encosta nos lábios, ou, complexos, como o modo de solucionarmos problemas matemáticos. Os esquemas estão em constante desenvolvimento e permitem que o indivíduo se adapte aos desafios ambientais.

Equilibração das estruturas cognitivas: o desenvolvimento consiste em uma passagem constante de um estado de equilíbrio para um estado de desequilíbrio. É um processo de auto regulação interna.

APRENDIZAGEM, AFETIVIDADE E DESENVOLVIMENTO 2

Do Século XVII ao início do Século XX para entender a aprendizagem buscavam explicar as causas e formas de seu funcionamento, por isso apostavam em metodologias pudessem enquadrar o comportamento

1 Adaptação a partir de RIBEIRO, A. M. Curso de Formação Profissional em Educação Infantil. Rio de Janeiro: EPSJV / Creche Fiocruz, 2005.

2 Recortes a partir das obras: CHARLES, C.M. Piaget ao alcance dos professores. Editora: Ao Livro Técnico. Rio de Janeiro 1980. Jean Piaget. Seis Estudos de Psicologia; Fernando Becker. Da Ação à Operação: o Caminho da Aprendizagem ; Fernando Becker. Aprendizagem e Conhecimento Escolar;

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de todos os alunos num num sistema unificado de funcionamento. Assim começava-se a desenvolver naquela época a idéia de “alunos ideais” e “alunos problema”, buscava-se cada vez mais o ideal de trabalhar com grupos homogêneos de alunos, por isso os que não se encaixavam nesses padrões precisavam ficar de fora.

Epistemológicamente muitos pensadores e cientistas acreditavam que a aprendizagem estava ligada somente ao condicionamento dos comportamentos, ou seja, que treinando comportamentos se chegava as aprendizagens pretendidas. Esse modelo recebeu muita ajuda da psicologia comportamentalista, através das pesquisas de Ivan Pavlov, que condicionou cães para salivarem ao som de campainhas. Assim, pensava-se que em educação os estímulos poderiam também produzir nos alunos as respostas desejadas (estimulo-resposta).

Também nessa época acreditava-se que a força do hábito (repetição), além dos estímulos originados pelas recompensas, constituía um dos principais aspectos da aprendizagem. Essa abordagem apoiou-se também nas pesquisas de Skinner. Contudo, alguns pesquisadores já destacavam que o interesse dos sujeitos era a base para a aprendizagem, pois estava diretamente ligada ao comportamento deles. Destacavam então, que era preciso considerar o sujeito no grupo social do qual faz parte, pois se faz necessário uma maior valorização do seu estado emocional.

O que é aprendizagem Para alguns teóricos, a aprendizagem é um processo que provoca a transformação qualitativa nas

estruturas mentais dos sujeitos aprendentes. Essa transformação resulta da alteração de conduta, seja permanente ou não. Dessa forma, as informações podem ser apreendidas através de técnicas de ensino ou até pela simples aquisição de hábitos. Portanto, de uma forma bastante genérica pode-se considerar que é possível aprender por transmissão (quando alguém transmite ao outro uma informação/conhecimento), imitação (quando pela observação o indivíduo passa a imitar um comportamento até incorporá-lo), memorização (que se dá pela repetição) e pela construção do conhecimento (que pode se apoiar nos anteriores, mas que é marcada principalmente pela elaboração cognitiva e individual do indivíduo a respeito do objeto/conhecimento a ser aprendido. O processo pode ser coletivo, mas a aprendizagem é efetivamente individual).

Devido a essa variedade de possibilidades para se chegar a aprendizagem, é fundamental que o professor seja um estudioso desse assunto, um conhecedor profundo desse processo e não apenas dos conteúdos da sua área de atuação, pois somente assim poderá provocar a aprendizagem dos alunos, sendo responsável pela qualidade das suas aulas. Um professor conhecedor do processo de aprendizagem e de suas implicações sabe qual a sua função nesse processo e sabe também como “funciona” seu aluno e de que forma pode contribuir para sua aprendizagem. Afinal, é preciso conhecer como se dá o aprender, para poder definir suas ações quanto ao “ensinar”, sentindo-se seguro inclusive para colocar-se no lugar de “aprendente” e permitir que o aluno possa ser “ensinante”.

O que é importante para a aprendizagem A vontade de aprender é uma característica essencial do funcionamento humano, pois a intencionalidade e

o desejo são fundamentais, em outras palavras é indispensável a intenção de aprender. O ser humano nasce potencialmente inclinado a aprender, necessitando de estímulos externos e internos (motivação, necessidade) para o aprendizado. Basicamente todas as concepções epistemológicas e as teorias pedagógicas consideram importantes as predisposições genéticas e também entendem que há aprendizados que podem ser considerados natos, como o ato de aprender a falar, a andar, necessitando que ele passe pelo processo de maturação física (como é o caso da epistemologia apriorista), psicológica e social (como trata a epistemologia interacionista). Em todos os casos a aprendizagem se dá no meio social e temporal em que o indivíduo vive; assim, sua conduta muda, normalmente, por esses fatores e pela intervenção direta do meio externo sobre o sujeito (que a epistemologia empirista diz ser o principal fator da aprendizagem).

Para Vygotsky o pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, pelos desejos e necessidades, interesses e emoções. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetiva que mobiliza o sujeito (afetivo-volitiva). Portanto, para o professor compreender plena e verdadeira o pensamento do aluno ele precisa entender sua base afetivo-volitiva (Vygotsky 1998). Portanto, de na da adianta é válido estudar as dificuldades de aprendizagem sem considerar os aspectos afetivos que estão por trás desse processo, ou seja, o que mobilizou ou não esse aluno. Por isso é indispensável fazer uma análise do contexto emocional, das relações afetivas, do modo como a criança está situada na totalidade de sua vida.

Piaget (1975), entre outros fatores, destaca os desequilíbrios como sendo fundamentais para o desenvolvimento do sujeito. Em sua teoria ele busca explicar o fator mobilizador dos desequilíbrios como propulsores da ação dos sujeitos em busca da equilibração. Em relação a aprendizagem ele revela que o equilíbrio cognitivo implica em acomodações nas estruturas; bem como a conservação de tais estruturas em caso de acomodações bem sucedidas. Esta equilibração é necessária porque se uma pessoa só assimilasse, desenvolveria apenas alguns esquemas cognitivos, esses muito amplos, comprometendo sua capacidade de diferenciação; em contrapartida, se uma pessoa só acomodasse, desenvolveria uma grande quantidade de

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esquemas cognitivos, porém muito pequenos, comprometendo seu esquema de generalização de tal forma que a maioria das coisas seriam vistas sempre como diferentes, mesmo pertencendo à mesma classe.

Para aqueles que acreditam que a função do professor é apenas propiciar aprendizagens cognitivas e que pouco se dedicam ao desenvolvimento do aluno como um todo, a teoria de Piaget (2003) faz lembrar que desenvolvimento intelectual é indissociável das relações afetivas, sociais e morais que constituem a vida da instituição educacional. Pois inegavelmente o desabrochamento da personalidade depende fundamentalmente dos fatores afetivos, dessa forma a responsabilidade da educação é imensa, porque forma um todo indissociável. Segundo Piaget, não é possível formar personalidades autônomas se o indivíduo estiver submetido a uma coerção intelectual que o obrigue a aprender passivamente, sem tentar descobrir por si mesmo a verdade: se ele é passivo intelectualmente não será livre moralmente. Por outro lado, se sua moral consiste exclusivamente numa submissão à vontade adulta e se as únicas relações sociais que constituem as relações de aprendizagem são as que ligam cada estudante individualmente a um professor que detém todos os poderes, ele não pode tampouco ser ativo intelectualmente. A FORMAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES 3

Vemos que existem diferentes concepções de crianças e de adolescentes que se fazem distintas a partir de diferentes pontos de vista teóricos e que acabam por contribuir para formar múltiplos conceitos desses grupos referidos. Assim, é necessário que pensemos melhor sobre quais são e como se construíram as diferentes concepções de infância e de adolescência na nossa sociedade ocidental.

Mas o que mesmo é a infância? Quem habita neste país conhecido como o "paraíso infantil"? Tomemos de empréstimo uma fala da Scliar (1995, p. 4), para dizer do nosso desconforto com esta indagação:

Nem todas as crianças, contudo, podem viver no país da infância. Existem aquelas que, nascidas e criadas nos cinturões de miséria que hoje rodeiam as grandes cidades, descobrem muito cedo que seu chão é o asfalto hostil, onde são caçadas pelos automóveis e onde se iniciam na rotina da criminalidade. Para estas crianças, a infância é um lugar mítico, que podem apenas imaginar, quando olham as vitrinas das lojas de brinquedos, quando vêem TV ou quando olham passar, nos carros dos pais, garotos da classe media. Quando pedem num tom súplice – tem um trocadinho aí, tio? – não é só dinheiro que querem; é uma oportunidade para visitar, por momentos que seja, o país que sonham.

Scliar (1995) discute a multiplicidade de infâncias na contemporaneidade, deixando clara a construção

histórica de tal categoria. Para ele, aquela idéia tão difundida da infância como um tempo de felicidade não pode ser garantida para todos. O mesmo parece fazer Calligaris (2000,p. 9), ao refletir sobre a adolescência:

Nossos adolescentes amam, estudam, brigam, trabalham. Batalham com seus corpos, que se esticam e se transformam. Lidam com as dificuldades de crescer no quadro complicado da família moderna. Como se diz hoje, eles se procuram e eventualmente se acham. Mas, além disso, eles precisam lutar com a adolescência, que é uma criatura um pouco monstruosa, sustentada pela imaginação de todos, adolescentes e pais. Um mito, inventado no começo do século 20, que vingou sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial.

Para Calligaris (2000), portanto, a adolescência torna-se mítica quando compreendida como um dado

natural, prescrevendo normas de funcionamento e regras de expressão. Desse modo, percebemos que, tanto a infância quanto a adolescência, são hoje compreendidas como categorias construídas historicamente, tendo, portanto, múltiplas emergências. Essa idéia corrobora com os paradigmas da pós-modernidade, marcos da nossa contemporaneidade.

Para Dahlberg; Moss; Pence (2003), as novas concepções de infância e de criança apontam para a aceitação de uma multiplicidade e um devir que não se fecha em si mesmo. Segundo os autores, o projeto defendido e sustentado pela Modernidade compreende o ser humano totalmente realizado, maduro, independente, autônomo, livre e racional. A busca da razão constitui um caminho na procura da própria essência do humano. Assim, progresso e tecnologia caminham de mãos dadas em direção à felicidade. Porém, com a crise da razão moderna, atestam os autores, construiu-se um ceticismo crescente sobre a modernidade e sobre suas pretensões (desenvolveu-se) uma crescente desilusão com sua incapacidade para compreender e acomodar a diversidade, a complexidade e a contingência humanas e sua reação de tentar

3 Adaptação a partir de Ana Maria Monte Coelho Frota, in ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, v. 7, n. 1, p. 147-160, abr. 2007

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ordená-las a partir do que existe. O projeto da modernidade de controle através do conhecimento, a “avidez por certezas”, implodiu (p. 36).

Sob uma perspectiva pós-moderna, não existe conhecimento absoluto, realidade cristalizada, esperando para ser conhecida e domada; um entendimento universal, que se faça fora da história ou da sociedade. No lugar disso, o projeto pós-modernista propõe que o mundo e o conhecimento dele sejam vistos como socialmente construídos. Isso significa pensar que todos nós estamos engajados na construção de significados, em vez de engajados na descoberta de verdades. Assim, não existe somente uma realidade, mas várias. O conhecimento não é único, e sim múltiplo, variável, fragmentado e mutável, inscrito nas relações de poder, que lhes determinam o que é considerado como verdade ou falsidade. A verdade é compreendida somente como uma correspondência da verdade, uma representação da verdade, e como tal deve ser tomada.

Partindo da perspectiva paradigmática da pós-modernidade, a criança é descentralizada, retirada do centro, uma vez que se considera que ela exista através das suas relações com os outros, sempre em um contexto particular e próprio. Assim, torna-se possível e necessário afirmar que não existe algo como a criança ou a infância, um ser e um estado essencial esperando para ser descoberto, definido e entendido, de forma que possamos dizer a nós mesmos e aos outros, “o que é a criança? O que é a infância?” Em vez disso, há muitas crianças e muitas infâncias, cada uma construída por nossos entendimentos da infância e do que as crianças são e devem ser (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p. 63).

As distintas concepções de criança e de adolescente são, portanto, construídas a partir de olhares em nada neutros. Os saberes vêm sendo produzidos a partir de discursos dominantes, localizados nos limites do projeto da modernidade, por nós incorporados, sem maiores críticas. Enquanto são incorporados, passam a fazer parte da formação desse panorama em destaque, trazendo influências sobre a compreensão teórica e sobre as práticas com esses grupos etários. Torna-se necessário saber mais sobre esse panorama e saberes para podermos compreendê-los de modo contextualizado. Pensar a Infância

O que é ser criança? Como elas pensam, sentem e vivem? Essas perguntas e outras do mesmo teor são muito difíceis de serem respondidas. Existe a necessidade de se entender a criança e a seu mundo a partir do seu próprio ponto de vista. Assim, afirma categoricamente COHN: “se quisermos realmente responder àquelas questões, precisamos nos desvencilhar das imagens preconcebidas e abordar esse universo e essa realidade tentando entender o que há neles, e não o que esperamos que nos ofereçam” (2005, p. 8).

A infância, nessa perspectiva, deve ser compreendida como um modo particular de se pensar a criança, e não um estado universal, vivida por todos do mesmo modo. Até chegarmos a um vislumbre de uma concepção pós-moderna de criança e infância, debruce-mo-nos um pouco em algumas reflexões sobre o assunto: Os dicionários da língua portuguesa registram a palavra infância como o período de crescimento que vai do nascimento até o ingresso na puberdade, por volta dos doze anos de idade. Segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em novembro de 1989, "criança são todas as pessoas menores de dezoito anos de idade". Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), criança é considerada a pessoa até os doze anos incompletos, enquanto entre os doze e dezoito anos, idade da maioridade civil, encontra-se a adolescência.

Etimologicamente, a palavra infância vem do latim, infantia, e refere-se ao indivíduo que ainda não é capaz de falar. Essa incapacidade, atribuída à primeira infância, estende-se até os sete anos, que representaria a idade da razão. Percebe-se, no entanto, que a idade cronológica não é suficiente para caracterizar a infância. É o que Khulmann Jr. (1998, p. 16) afirma categoricamente:

Infância tem um significado genérico e, como qualquer outra fase da vida, esse significado é função das transformações sociais: toda sociedade tem seus sistemas de classes de idade e a cada uma delas é associado um sistema de status e de papel.

Se a idade cronológica não pode abarcar a concepção contemporânea de criança, o que poderia mais se aproximar disso? Voltemos à busca da compreensão das raízes dessa discussão. Philippe Ariès (1978), famoso historiador francês, afirmou que a infância foi uma invenção da modernidade, constituindo-se numa categoria social construída recentemente na história da humanidade. Para ele, a emergência do sentimento de infância, como uma consciência da particularidade infantil, é decorrente de um longo processo histórico, não sendo uma herança natural. Essa sua afirmação trouxe grandes mudanças na compreensão da infância, já que ela era pensada como uma fase da vida, como qualquer outra, mas que revelada pelas “delícias de ser criança e de habitar no país da infância”, de um modo idêntico a si mesmo. Os séculos XVI e XVII, como bem demonstra Áriès, esboçam uma concepção de infância centrada na inocência e na fragilidade infantil. O século XVIII inaugurou a construção da infância moderna, assumindo o signo de liberdade, autonomia e independência.

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Na verdade, o que Ariès quis dizer com a sua afirmação de que a infância foi uma invenção da modernidade, é que a infância que conhecemos hoje foi uma criação de um tempo histórico e de condições socioculturais determinadas, sendo um erro querer analisar todas as infâncias e todas as crianças com o mesmo referencial. A partir disso, podemos considerar que a infância muda com o tempo e com os diferentes contextos sociais, econômicos, geográficos, e até mesmo com as peculiaridades individuais. Portanto, as crianças de hoje não são exatamente iguais às do século passado, nem serão idênticas às que virão nos próximos séculos.

Para Ariès, o sentimento de infância data do século XIX. Até então, as crianças eram tratadas como adultos em miniatura ou pequenos adultos. Os cuidados especiais que elas recebiam, quando os recebiam, eram reservados apenas aos primeiros anos de vida, e aos que eram mais bem localizados social e financeiramente. A partir dos três ou quatro anos, as crianças já participavam das mesmas atividades dos adultos, inclusive orgias, enforcamentos públicos, trabalhos forçados nos campos ou em locais insalubres, além de serem alvos de todos os tipos de atrocidades praticados pelos adultos, não parecendo existir nenhuma diferenciação maior entre elas e os mais velhos.

Ariès defende duas teses principais: na primeira, afirma que a sociedade tradicional da Idade Média não via a criança como ser distinto do adulto. Na segunda, indica a transformação pela qual a criança e a família passam, ocupando um lugar central na dinâmica social. Com essa transformação, a família tornou-se o lugar de uma afeição necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, o que não existia antes. A criança passou de um lugar sem importância a ser o centro da família. Cohn (2005) ressalta o trabalho de Ariès, já que, na opinião desta antropóloga, é importante partirmos da compreensão histórica da infância, uma vez que contemporaneamente, “os direitos da criança e a própria idéia de menoridade, não podem ser entendidos senão a partir dessa formação de um sentimento e de uma concepção de infância” (p. 22). Mas nem todos defendem plenamente o trabalho de Ariès, apesar da clareza da sua importância.

A infância e a criança tornam-se objetos de estudos e saberes de diferentes áreas, constituindo-se num campo temático de natureza interdisciplinar. Independente da forma como era olhada, do posicionamento teórico que se tivesse sobre ela, a infância tornou-se visível como um estatuto teórico.

A infância, enquanto produção cultural da pós-modernidade, não pode ser pensada como cristalizada ou acabada. Constitui-se mesmo num devir, que incorpora a noção de transformação e dinamismo. Para Jardim (2003), “a idéia do devir criança nos leva a pensar a subjetividade em territórios para além da visibilidade superficial que nos leva ao tempo cronológico, uniforme e linear” (p. 28). Coloca-se, então, a necessária compreensão dos diversos sentidos e significados de infância.

Antes de continuarmos discutindo as múltiplas concepções da infância contemporânea brasileira, voltemos nossa atenção à história da criança no Brasil. Com ela, é possível vermos como se construiu a história da nossa criança.

No Brasil, o cuidado com a infância parece ter realmente começado no século XIX, intensificando-se nos séculos seguintes. Para Fontes (2005), é importante ressaltar que a história da infância no Brasil se confunde com a história do preconceito, da exploração e do abandono, pois, desde o início, houve diferenciação entre as crianças, segundo sua classe social, com direitos e lugares diversos no tecido social (p. 88).

Concorda com esta leitura Pinheiro (2001). Para ela, a história de crianças e adolescentes no Brasil tem sua vida social marcada pela desigualdade, exclusão e dominação. Tais marcas acompanham a história do Brasil, atravessando a Colônia, Império e Republica, conservando ainda hoje a visão da diferença pela desigualdade. Assim, afirma a pesquisadora, “a desigualdade social assume, entre nós, múltiplas expressões, quer se refiram à distribuição de terra, de renda,do conhecimento, do saber e, mesmo, ao exercício da própria cidadania” (p. 30).

A história da criança no Brasil é brilhantemente apresentada por Priore (2000), seja quando se discutem condições de vida das crianças européias trazidas para cá no século XVI (RAMOS, 2000), seja quando aborda o cotidiano das crianças livres ou escravas no Brasil Colônia e Império (PRIORE, 2000). A entrada na Modernidade não trouxe muita diferença para todos os pequenos brasileiros. O sonho de infância feliz não parece ter sido vivido pelas crianças operárias da cidade de São Paulo recém-industrializada (MOURA, 2000) ou das crianças trabalhadoras do nosso país (RIZZINI, 2000; ABREU, 2000).

No Brasil moderno surgiu um termo que conceitua bem a criança desvalida: menor. Este termo foi inicialmente utilizado para designar uma faixa etária associada, pelo Código de Menores de 1927, às crianças pobres, passando a ter, posteriormente, uma conotação valorativa negativa. Metaforicamente, menores passaram a ser todos aqueles ao quais a sociedade atribuía um significado social negativo. Menores eram aquelas crianças e adolescentes pobres, pertencentes às famílias com uma estrutura diferente da convencional (patriarcal, com pai e mãe presentes, com pais trabalhadores, com uma boa estrutura financeira e emocional, dentre outros). Aquelas crianças caracterizaram-se como "menores" em situação de risco social, passíveis de tornarem-se marginais e, como marginais, colocarem em risco a si mesmas e à sociedade. Deste

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modo, tornou-se uma norma social atender à infância abandonada, pobre e desvalida, mas a partir de um olhar de superioridade, na tentativa de salvamento ou de "adestramento".

O "menor" foi entregue à alçada do Estado, que tratou de cuidar dele, institucionalizando-o, submetendo-o a tratamentos e cuidados massificantes, cruéis, e preconceituosos. Por entender o "menor" como uma situação de perigo social e individual, o primeiro código de menores, datado de 1927, acabou por construir uma categoria de crianças menos humanas, menos crianças do que as outras crianças, quase uma ameaça à sociedade.

Com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, o termo "menor" foi abolido, passando a definir todas as crianças como sujeito de direitos, com necessidades específicas, decorrentes de seu desenvolvimento peculiar, e que, por conta disso, deveriam receber uma política de atenção integral a seus direitos construídos social e historicamente.

A mudança é radical, vai à raiz: o menor deixa de ser visto como menor e retoma seu lugar de criança. O menor passa a ser visto como cidadão de direitos e não como um expectador das tentativas de sabê-lo vítima ou responsável pelos descalabros sociais. A criança volta a ocupar o seu lugar de um ser humano, de um sujeito construído historicamente, com direitos e deveres que devem ser exercidos hoje, com uma vida concreta que pode ser muito dura e distante do sonho dourado da infância mítica da classe média. Contudo, uma criança.

A partir de reflexões sobre as diversas concepções de infância e criança e, partindo de um sonho do projeto modernista, surge uma preocupação cada vez mais ampla e sistemática com o estudo e compreensão da criança e de seu desenvolvimento, com suas maneiras de aprender e com a necessidade de uma educação formal que lhe permita amadurecer de modo mais sadio. A disciplina, até então exercida de forma violenta e agressiva, vai sendo abolida e substituída por técnicas que denotam atitudes mais respeitosas. Assim, a prática de surras, castigos severos, humilhações, o uso de palmatória, dentre outras, está fora de uso e, embora ainda possa ser utilizada, isso ocorre somente de modo pontual.

Essa prática começou a modificar-se a partir do estudo científico da criança, que se iniciou, efetivamente, no século XIX. Como legado maior das Teorias Desenvolvimentistas, surgiu a compreensão da criança como uma categoria científica, notadamente positivista, e a perda da inocência – através da Metapsicologia freudiana. A seguir, a infância passou a ser concebida como produto do tempo, da natureza e da cultura. Porém, como assegura Santos (1996, p. 152), somente "nos anos 60 do século XX a infância se tornará, no bojo dos interesses pela juventude, uma categoria sociológica nas culturas ocidentais modernas".

Podemos ver que, numa perspectiva histórica de milhares de anos, em que predominou o total desconhecimento da criança, a Psicologia do Desenvolvimento Infantil encontrou no seu início uma série de dificuldades para se impor como estudo sério, importante e necessário. Mas ela tem conseguido se firmar. Hoje, o estudo do desenvolvimento da criança é necessário e indispensável para quem deseja trabalhar com essa fase da vida humana. Além disso, a perspectiva extremamente positivista assumida pela Psicologia do Desenvolvimento, que se preocupava principalmente em observar, medir e comparar as mudanças exibidas pelas crianças ao longo de sua trajetória de vida, foi substituída por uma perspectiva mais histórica. Hoje se estuda a criança e a infância como categorias construídas historicamente, o que nos abre possibilidades de compreendê-las de modo concreto, na sua expressão de vida. O tempo linear, cronológico e contínuo é superado por um devir, um tempo que não se esgota em si mesmo. Referindo-se à temporalidade não linear, afirma Figueiredo (1995, p. 9):

É preciso contar a história de uma vida sem dar a impressão de se estar diante de uma sucessão linear, unidirecional e necessária de momentos, cada um deles sendo tomado como um simples e plenamente significativo "agora". É preciso garantir nesta história lugares para acasos e imprevisíveis, lugares para rupturas, lugares para saltos adiante, para retornos e ressignificações; é preciso evitar a tentação de fazer da existência de alguém um processo meramente aditivo ou subtrativo de atributos que se agregariam ou descartariam de uma substância permanente.

A maior parte das teorias que trata do Desenvolvimento Humano tem uma tendência para atuar como se seus saberes fossem verdadeiros e representassem o modelo correto da realidade. Contudo, como alerta Dahlberg; Moss; Pence (2003): “Em vez de serem vistas como representações socialmente construídas de uma realidade complexa, uma maneira selecionada de como descrever o mundo, essas teorias parecem se tornar o próprio território” (p. 54). O risco dessa leitura é que percamos de vista as crianças e suas vidas concretas. Sendo assim, a

tentativa pode ser a de normalizar as crianças a partir de uma norma teórica qualquer, atribuindo-lhe uma identidade social e pessoal que não lhe pertencem, de fato. Vivendo numa condição pós-moderna, precisamos entender o conhecimento e os diversos saberes de uma perspectiva que requer de cada um de nós que abandonemos a “grande narrativa” de uma unidade teórica de conhecimento e nos contentemos com objetivos

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mais locais e práticos. Isto significa abandonar uma das suposições (e esperanças) mais profundas do pensamento iluminista: que aquilo que está “de fato” disponível para ser percebido “lá fora” é um mundo ordeiro e sistemático, (potencialmente) o mesmo para todos nós – de tal forma que, se persistirmos muito em nossas investigações e discussões, conseguiremos, por fim, um acordo universal sobre sua natureza (SHOTTER apud HEYWOOD, p. 69).

As diferentes concepções existentes sobre a criança na contemporaneidade ocidental, portanto, são peças imprescindíveis para comporem um quadro geral sobre a infância atual e necessitam serem conhecidas e compreendidas dentro do contexto no qual foram produzidas. Tais saberes, de diferentes disciplinas e origens teóricas, devem ser convidados ao diálogo, produzindo frutos que podem ser ricos e oferecerem novos e variados elementos para ajudarem na compreensão da infância na pós-modernidade. Pensar a Adolescência

Assim como a infância, a adolescência é também compreendida hoje como uma categoria histórica, que recebe significações e significados que estão longe de serem essencialistas. É como afirma Pitombeira (2005): a naturalização da adolescência e sua homogeneização só podem ser analisadas à luz da própria sociedade. Assim, as características “naturais” da adolescência somente podem ser compreendidas quando inseridas na história que a geraram. Mas não foi sempre deste modo que se falou da adolescência.

Para a maior parte dos estudiosos do desenvolvimento humano, ser adolescente é viver um período de mudanças físicas, cognitivas e sociais que, juntas, ajudam a traçar o perfil desta população. Atualmente, fala-se da adolescência como uma fase do desenvolvimento humano que faz uma ponte entre a infância e a idade adulta. Nessa perspectiva de ligação, a adolescência é compreendida como um período atravessado por crises, que encaminham o jovem na construção de sua subjetividade. Porém, a adolescência não pode ser compreendida somente como uma fase de transição. Na verdade, ela é bem mais do que isso.

Adolescência, período da vida humana entre a puberdade e a adultície, vem do latim adolescentia, adolescer. É comumente associada à puberdade, palavra derivada do latim pubertas-atis, referindo-se ao conjunto de transformações fisiológicas ligadas à maturação sexual, que traduzem a passagem progressiva da infância à adolescência. Esta perspectiva prioriza o aspecto fisiológico, quando consideramos que ele não é suficiente para se pensar o que seja a adolescência.

Refletindo acerca dos limites identificatórios da adolescência, voltemo-nos à história, buscando elementos que nos ajudem a pensar essas questões. Do mesmo modo que afirmou o caráter moderno da infância, Ariès (1978, p. 46) acredita que a adolescência também nasceu sob o signo da Modernidade, a partir do século XX. Quanto a isso, ele se expressa:

O primeiro adolescente moderno típico foi o Siegried de Wagner; a música de Siegried, pela primeira vez, exprimiu a mistura de pureza (provisória), de força física, de naturismo, de espontaneidade e de alegria de viver que faria do adolescente o herói do nosso século XX, o século da adolescência.

Para Ariès, somente após a implantação do sentimento de infância, no século XIX, tornou-se possível a emergência da adolescência como uma fase com características peculiares e únicas, distintas dos outros momentos desenvolvimentais. No entanto, a partir de outros autores, como Santos (1996) e Levi; Schmidt (1996), discorda destas teses. Hoje denominamos infância e adolescência, enquanto idades cronológicas, que sempre existiram. No entanto, para se fazerem concretas, constituíram-se historicamente dentro das sociedades.

Sendo assim, não é possível se enquadrarem as coordenadas de diversas histórias social e cultural da adolescência do mesmo modo, uma vez que não falamos de uma homogeneidade entre as histórias ou sequer entre os termos definidores do tempo.

Portanto, não podemos compreender a adolescência simplesmente pondo-a em evidência. É necessário buscar não uma definição válida para todos os momentos históricos e sim tentar uma compreensão a partir de sua historicidade. Desse modo, os limites fisiológicos e jurídicos são insuficientes para compreender esse período.

A condição básica que favoreceu a “inauguração” da adolescência ocidental do século XX foi, principalmente, a possibilidade de prescindir da ajuda financeira dos jovens que agora podem se dedicar mais tempo à formação profissional. Além disso, a realidade contemporânea e tecnicista exige cada vez maiores aperfeiçoamentos profissionais, levando a um elastecimento do período de preparação dos jovens para o ingresso no mercado de trabalho. Paralelamente, aumenta também o tempo de tutela das crianças pelos pais, uma vez que elas são mantidas mais tempo nas escolas.

Enquanto construção da modernidade, a adolescência contemporânea foi engendrada a partir de um contexto de crises e contestação social. Segundo Abramo (1994), esse fenômeno facilitou que se plasmasse tal caracterização como a característica própria dos jovens. É possível vermos que a virada para o século XX traz consigo a invenção de uma adolescência representada como uma fase de “tempestades e tormentas” e germe de transformações. O movimento hippie, da década de 60, e o juvenil, de 1968, contribuíram para

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formar um discurso sobre o que é ser adolescente, instituindo o modelo masculino, da classe média, como o estalão privilegiado. Por toda a década de 70, o movimento de ampliação da contracultura juvenil continuou se expandindo. Mas a história não pára e, na década de 80, acontece uma fragmentação nos movimentos juvenis. Grandes mudanças surgem no plano político, o mesmo acontece no espectro público da juventude brasileira. Parece ter acontecido com a juventude brasileira algo como descreve Abramo (1994, p. 55):

... o movimento estudantil perde expressividade e começa a ganhar visibilidade. Surge uma grande variedade de figuras juvenis cuja identidade se expressa, principalmente, através de sinais impressos sobre sua imagem e pelo consumo de determinados bens culturais oferecidos pelo mercado.

Diógenes (1998) ressalta que os movimentos juvenis despertaram visões diferenciadas na sociedade, tais

como desordeiros ou renovadores, enfatizando as diferentes representações sociais atribuídas a esses movimentos. Assim é que a busca da diferença, o desejo de impactar, de provocar contrastes, marcas definidoras da existência social [...] punk, dark, funk, torcidas organizadas, os carecas do subúrbio, os skin heads, o hip hop organizado, dentre outros, parecem mobilizar, de forma visível, a atenção e a tensão juvenil dos anos 90 (p. 103).

Com a sociedade neoliberal, sob a ênfase do mercado e do consumo, envolvida nas questões tecnológicas e nas mudanças do padrão social e culturas das massas, a juventude vem sendo colocada em situação de grande vulnerabilidade social. Nascimento (2002) considera que os jovens parecem se encontrar encurralados dentro de condições sociais que aumentam em muito sua vulnerabilidade. Afirma:

As representações sociais que se formam a partir das inúmeras informações, mediadas, sobretudo pela mídia, não fornecem condições para que o adolescente planeje e articule ações como uma forma de superação da condição ou situação vivida, uma vez que estas informações se destinam muito mais à construção de modelos estereotipados de comportamentos para atender as demandas de consumo (p. 71).

Calligaris (2000) também tem refletido sobre a influência da pós-modernidade e do neoliberalismo sobre a

emergência da adolescência. Para ele, a juventude tem sido investida de um imenso valor de consumo, sendo eleita como ideal de vida. Assim, a indústria de consumo não só absorve como investe em valores e estilos adolescentes, elastecendo mais e mais esta fase e tornando cada vez mais difícil se afastar do desejo adulto da adolescência. Como diria o autor, “a adolescência, por ser um ideal dos adultos, se torna um fantástico argumento promocional” (p. 59). Como a adolescência assume o ideal social, fica difícil sair deste lugar. Fica difícil e custoso envelhecer, quando a aspiração social é habitar a adolescência.

Muitos outros pesquisadores têm se dedicado a estudar a expressão da subjetividade dos jovens na contemporaneidade. Existe atualmente uma clareza teórica de que a heterogeneidade de realidades e situações impedem a vivência da adolescência do mesmo modo para todos. Mas esta clareza não foi sempre presente. Se não, vejamos: O pai da Psicologia da Adolescência, Stanley Hall, considerava que a adolescência era a retirada dramática das crianças do paraíso da infância, constituindo-se, deste modo, num período de crises, tempestades e tormentas. E é desta forma que ainda hoje muitos teóricos têm se detido a falar sobre a adolescência: uma fase difícil, geradora de crises, um foco de patologias, um poço de sofrimentos para os jovens e suas famílias.

Segundo Ozella (2003, p. 20), "é necessário superar as visões naturalizantes presentes na Psicologia e entender a adolescência como um processo de construção sob condições histórico-culturais específicas". Isso significa pensar que a adolescência deve ser vista e compreendida como uma categoria construída socialmente, a partir das necessidades sociais e econômicas dos grupos sociais, que lhe constituem como pessoas, enquanto são constituídas por elas. Assim, é mais possível falar de adolescentes que tenham um nome, pertençam a um grupo cultural e tenham uma vida vivida concretamente, do que de uma adolescência de uma forma mais abrangente.

Adolescência, portanto, deve ser pensada para além da idade cronológica, da puberdade e transformações físicas que ela acarreta, dos ritos de passagem, ou de elementos determinados aprioristicamente ou de modo natural. A adolescência deve ser pensada como uma categoria que se constrói, se exercita e se re-constrói dentro de uma história e tempo específicos.

Existe uma emergência de se “despatologizar” a noção do desenvolvimento humano, em especial a adolescência, re-construindo a compreensão desta e sua expressão social. Por fim, faz-se necessário um avanço urgente para além de uma suposta realidade “natural” da adolescência. Desse modo, as peculiaridades e especificidades históricas, culturais e sociais precisam ser levadas em conta nos estudos, pesquisas e atribuições de sentido feitos às vivências dos adolescentes.

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Somente para encerrar esta discussão, pensemos um elemento que, assim como a brincadeira infantil parece atravessar de modo mais peculiar a experiência de ser adolescente: a busca de ser por si mesmo. Segundo Eisenstadt (1976), os grupos etários formam-se no estágio de transição entre a dependência infantil e a maturidade do adulto, sendo que o sentido de conquista e reconhecimento de si parece ser o motor básico desses grupos. Talvez seja este o sinal para se pensar em algo próprio da adolescência: a conquista e o reconhecimento de si. Esta é uma construção iniciada com o nascimento, e que se encaminha para a completude do homem, finalizada somente com a morte, que, com o nascimento, delimita os dois extremos da vida. Poeticamente seria mais ou menos como Paz (1992) diz na sua poesia:

Para todos nós, em algum momento, nossa existência se revela como alguma coisa de particular, intransferível e preciosa. A descoberta de nós mesmos se manifesta como um saber que estamos sós; entre o mundo e nós surge uma impalpável, transparente muralha: a da nossa consciência. É verdade que, mal nascemos, sentimo-nos sós; mas as crianças e os adultos podem transcender a sua solidão e esquecer-se de si mesmos por meio da brincadeira ou do trabalho. Em compensação, o adolescente vacilante entre a infância e a juventude, fica suspenso um instante diante da infinita riqueza do mundo. O adolescente se assombra com ser. E ao pasmo segue-se a reflexão: inclinado para o rio de sua consciência pergunta-se se este rosto que aflora lentamente das profundezas, deformado pela água, é o seu. A singularidade de ser, mera sensação na criança – transforma-se em problema e pergunta, em consciência inquisidora (p. 35).

Teóricos do Desenvolvimento e Aprendizagem

Quando pensamos em termos de comparação entre dois teóricos como Piaget e Vygotsky, é preciso ter clareza de que

“existe um evidente desnível entre as ideias vinculadas. Isto é, Piaget deixou nos seus escritos hipóteses suficientemente articuladas e uma cuidadosa informação sobre os processos experimentais. Poderíamos dizer que sua obra forma um vasto programa de pesquisa ou uma teoria sistematicamente formulada” (Castorina, 1998, p. 41).

De fato, existe uma trajetória de 50 anos de pesquisa na obra de Piaget, em que pode reformular suas

ideias iniciais e seu método clínico, aprimorando sua teoria. Vygotsky, apesar de uma produção intelectual extremamente intensa (elaborou cerca de 200 estudos científicos sobre diferentes temas), teve uma morte precoce, vivendo apenas 37 anos - morreu de tuberculose em 1934 (Rego,1995, p. 15). Apesar de serem contemporâneos, existem os fatores histórico e político que certamente marcaram os estudos de Vygotsky – a revolução russa; a psicologia pós-revolucionária e outras áreas científicas que receberam influência do materialismo histórico de Marx e Engels. A obra de Vygotsky enfoca a cultura como parte da estrutura de cada pessoa, a dimensão sócio-histórica do funcionamento psicológico e a interação social. Contudo, ao contrário das teorias behavioristas de Pavlov e Skinner, Vygotsky e seus colaboradores acreditavam numa abrangência maior da psicologia, daí a proposta de reestruturar a teoria e a pesquisa psicológica russas, um caminho para a “nova psicologia”.

Piaget e Vygotsky, cada um a sua maneira, são necessariamente compatíveis quando se lida com a realidade, especificamente em práticas de intervenção, como é o caso da escola, por exemplo (SHAYER, 1997). Na prática, como geralmente se tende a não facilmente aceitar, ser pró-Vygotsky não implica, necessariamente, em ser anti-piagetiano (CASTORINA, 1995; SHAYER, 1997).

Castorina (1995) aponta que existem algumas diferenças no interesse investigativo central de Piaget e Vygotsky. Enquanto Piaget está preocupado com a psicogênese, ou seja, com os mecanismos responsáveis por fazer com que o indivíduo evolua de um estado de menor conhecimento para um de maior conhecimento, Vygotsky buscava saber como as funções psicológicas naturais ou primárias constituíam-se em funções psicológicas superiores a partir da utilização das ferramentas culturais adquiridas pela aprendizagem. Para Piaget, os processos de desenvolvimento são independentes da aprendizagem, ou seja, a aprendizagem não influi o desenvolvimento e o desenvolvimento antecede a aprendizagem. “A teoria da aprendizagem estabelece uma continuidade entre os mecanismos cognitivos responsáveis pelo desenvolvimento e pela aprendizagem” (Castorina, 1998, p. 21). Quando Piaget postula a continuidade entre desenvolvimento e aprendizagem, está pensando do ponto de vista do sujeito, da ação deste sobre os objetos. O desenvolvimento ocorre “de dentro para fora” do sujeito. A atividade estruturadora do sujeito de reinvenção ou redescoberta entra em funcionamento independentemente da maneira como o objeto lhe é apresentado. Por isso o professor, nesse caso, é apenas um “facilitador” ou um “bloqueador” do desenvolvimento, dependendo da sua conduta.

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Jean Piaget Resumir 4 em poucos tópicos ou palavras o pensamento tão vas to de Piaget nos parece uma tarefa

muito difícil. Levantaremos alguns tópicos – aquele s considerados por nós importantes e suficientes para realizarmos comparações com a teoria de Vygots ky. O interesse central de Piaget é a problemática epistemológica: como se passa de um es tado menor de conhecimento para um estado maior de conhecimento? “Os estudos sobre as transfo rmações dos conhecimentos, ou seja, a psicogênese, como pesquisa experimental, contribuem para dar uma sustentação empírica às hipóteses epistemológicas, que também se apóiam nas análises formalizadoras e na reconstrução da história da ciência” (Castorina, 1998, p. 16). Na r ealidade, esse interesse sobre o desenvolvimento do conhecimento é que levou o autor a estudar o desenv olvimento infantil. Etapas do desenvolvimento que interferem na aprendi zagem

As estruturas mentais e/ou operacionais do sujeito são determinantes para o seu desenvolvimento, ou para o desenvolvimento das suas aprendizagens. Piaget alerta que o conhecimento não é uma cópia da realidade. Conhecer um objeto, conhecer um acontecimento não é simplesmente olhar e fazer uma cópia mental, ou imagem, do mesmo. Para conhecer um objeto é necessário agir sobre ele. Conhecer é modificar, transformar o objeto, e compreender o processo dessa transformação e, conseqüentemente, compreender o modo como o objeto é construído. Uma operação mental é, assim, a essência do conhecimento, se o sujeito não opera mentalmente, não aprende e portanto, não desenvolve novas estruturas.

Piaget (2003) explica que existem fatores internos em cada indivíduo que condicionam a totalidade do seu desenvolvimento, e portanto de suas estruturas operacionais. A teoria piagetiana divide esse desenvolvimento em quatro estágios, pelos quais todos os indivíduos passam incondicionalmente, e necessariamente nessa mesma seqüência, sem contudo ser possível prever em que etapa da vida ou com que duração de tempo. Para explicar o processo de desenvolvimento intelectual Piaget dividiu a seqüência do desenvolvimento em estágios e períodos. “A extensão desses estágios e períodos é determinada como emprego da idade cronológica. Contudo, os escritos de Piaget tornam claro que as idades por ele dadas para certos níveis de pensamento podem ser consideradas como linhas-mestras ou médias aproximadas do desenvolvimento das crianças” (Richmond, 1987, p. 25). Podem-se esperar desvios; algumas crianças atingem determinados estágios antes ou depois do que outra; modos de pensamento característicos de estágios anteriores estão presentes nos estágios seguintes; a criança pode ainda voltar a ter formas anteriores de pensamentos. Não existe uma divisão rígida e algumas crianças podem não atingir determinado estágio de desenvolvimento, característica de crianças portadoras de deficiência. Contudo, para Piaget, a seqüência será sempre a mesma.

A seguir os estágios estarão sendo descritos através das palavras do próprio Piaget (apud RIPPLE e ROCKCASTLE) • Estágio sensório-motor (de 0 a aproximadamente 2 anos); O estágio sensório-motor caracteriza-se por

uma coordenação sensório-motora da ação, baseada na evolução da percepção e da motricidade. O bebê não tem consciência do eu e do não-eu, vive uma experiência não diferenciada, tudo é um conjunto só. Mas o bebê possui diversos sistemas sensório-motores, recebendo sensações do interior do próprio organismo e do ambiente externo imediato. Tem padrões inatos, como sugar e agarrar. Piaget situa nesta fase a origem do pensamento inteligente, uma inteligência prática que busca resultados favoráveis. Vão ocorrendo mudanças nessas funções sensório-motoras; por exemplo, a visão passa de uma reação reflexa à luz para focalizar objetos específicos e depois seguí-los quando em movimento. “Em suma, pode-se dizer que o bebê começa então a ser ativo com seus ambientes e não apenas consigo mesmo. Esforça-se por prolongar as experiências com que se encontrou casualmente, aplicando seus padrões de comportamento adaptado” (Richmond, 1987, p. 29). Essa fase estende-se até o aparecimento da linguagem.

• O estágio objetivo-simbólico é também conhecido como pré-operatório, caracteriza-se pela preparação e organização das operações concretas. Nesse estágio surge a função simbólica (aproximadamente de 2 a 4 anos): é o início da interiorização dos esquemas de ação na representação – na linguagem, no jogo simbólico, na imitação; a presença da mãe é muito importante e o principal elo com o mundo. A partir de 4 anos o raciocínio dominante é a intuição, nesse momento o estágio passa a ser chamado de estágio do pensamento intuitivo – a criança pensa e dá explicações na base de intuições e da percepção e não da lógica. A linguagem começa a operar como veículo de pensamento. “O aumento do envolvimento social da criança durante estes anos dá impulso ao desenvolvimento de seus processos intelectuais” (p. 55).

4 Adaptação a partir de Liriam Luri Higuchi Yanaze, PIAGET, VYGOTSKY E A PUBLICIDADE INFANTIL.

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• As operações são processos mentais, um conjunto de ações correlatas que formam um todo integrado, uma operação mental não tem uma propriedade, mas um grupo de propriedades. Uma das características é a reversibilidade, pela inversão de combinações (formas alternadas - classes) ou pela reciprocidade (formas equivalentes –relações). No estágio das operações concretas a criança desenvolve conceitos de número, relações, processos etc., mas sempre pensa em objetos reais ou concretos e não em abstrações, isto é, as operações mentais derivam em primeiro lugar de ações físicas, que se tornam internas mentalmente. Na verdade, durante todo este segundo período de representações pré-operacionais não há ainda operações propriamente ditas, pois há necessidade de entendimento, mas não de compreensão da realidade. Especificamente ainda não há conservação, que é o critério psicológico da presença de operações reversíveis. Por exemplo, se pusermos o liquido de um copo em um outro de formato diferente, a criança em fase pré-operacional pensará que há mais em um do que em outro. Na ausência da reversibilidade não há conservação da quantidade.

• O estágio das operações lógico-formais apresenta como característica essencial a distinção entre o real e o possível: “o adolescente ao tomar em consideração um problema, é capaz de prever todas as relações que poderiam ser válidas e logo procura determinar, por experimentação e análise, qual dessas relações possíveis tem validez real. Em lugar de limitar-se a organizar o que lhe chega através dos sentidos, o adolescente tem a capacidade potencial de imaginar o que poderia estar ali” (Goulart, 1983, p. 37). A estratégia cognitiva tem caráter hipotético-dedutivo, não depende mais de dados concretos, mas de enunciados ou proposições que contém esses dados. Outra característica desse estágio é que o adolescente é capaz de isolar sistematicamente todas as variáveis individuais e de submetê-las a uma análise combinacional; pode imaginar transformações possíveis para colocar à prova empiricamente; e pode interpretar logicamente os resultados empíricos.

Aprender a aprender

O primeiro posicionamento pode ser assim formulado: são mais desejáveis as aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão, por outros indivíduos, de conhecimentos e experiências. O construtivista espanhol César Coll é um dos autores que explicitam esse princípio. Esse autor chega mesmo a apresentar o “aprender a aprender” como a finalidade última da educação numa perspectiva construtivista:

Numa perspectiva construtivista, a finalidade última da intervenção pedagógica é contribuir para que o aluno desenvolva a capacidade de realizar aprendizagens significativas por si mesmo numa ampla gama de situações e circunstâncias, que o aluno “aprenda a aprender”. (Coll, 1994, p. 136)

Nessa perspectiva, aprender sozinho contribuiria para o aumento da autonomia do indivíduo, enquanto aprender como resultado de um processo de transmissão por outra pessoa seria algo que não produziria a autonomia e, ao contrário, muitas vezes até seria um obstáculo para a mesma (Newton Duarte, Ver. Brasileira de Educação, DEZ 2001 / n° 18).

A assimilação e a acomodação são mecanismos do equi líbrio

O desequilíbrio é fundamental, pois, o sujeito buscará novamente o reequilíbrio, com a satisfação da necessidade, daquilo que ocasionou o desequilíbrio.

A inteligência para Piaget se constrói na medida que novos patamares de equilíbrio adaptativo são alcançados. Piaget explicitou o motor através do qual este equilíbrio se processa.

Piaget aborda a inteligência como algo dinâmico , que decorre da construção de estruturas de conhecimento que, enquanto vão sendo construídas, vão se instalando no cérebro. A inteligência portanto, não aumenta por acréscimo e sim por reorganização .

Para ele o desenvolvimento da inteligência é explicada pela relação recíproca existente com a gênese da inteligência e do conhecimento . Piaget criou um modelo epistemológico com base na interação sujeito - objeto. Pelo modelo epistemológico o conhecimento não está nem no sujeito, nem no objeto mas na interação entre ambos.

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http://www.centrofeducacional.com.br/intelig.html

Acomodação no sentido formulado por Jean Piaget pode ser entendida como um dos mecanismos da adaptação que estruturam e impulsionam o desenvolvimento cognitivo. É o processo pelo qual os esquemas mentais existentes modificam-se em função das experiências e relações com o meio. É o movimento que o organismo realiza para se submeter às exigências exteriores, adequando-se ao meio.

O outro mecanismo da adaptação é a assimilação, que consiste no processo mental pelo qual os dados das experiências se incorporam aos esquemas de ação e aos esquemas operatórios existentes, num movimento de integração do meio no organismo. O processo de regulação entre a assimilação e a acomodação é a equilibração.

Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo está sempre passando por equilíbrios e desequilíbrios. Isso se dá com a mínima interferência, seja ela orgânica ou ambiental. Para que passe do desequilíbrio para o equilíbrio são acionados dois mecanismos: O de assimilação e acomodação. Por exemplo, a inteligência seria uma assimilação, pois incorpora dados da experiência no indivíduo. Assim, uma vez que ele assimilou intelectualmente uma nova experiência, vai formar um novo esquema ou modificar o esquema antes vigente. Então, na medida que ele compreende aquele novo conhecimento ele se apropria dele e se acomoda, aquilo passa a ser normal. Então, volta novamente ao equilíbrio. Esse período que a pessoa assimila e se acomoda ao novo é chamado de adaptação. Pode-se dizer, que dessa forma, se dá o processo de evolução do desenvolvimento humano.

http://pt .wikipedia.org/wiki/Acomoda%C3%A7%C3%A3o_(Piaget)

Liev s. Vygotsky

É importante salientar que a preocupação primeira de Vygotsky não era a elaboração de uma teoria do desenvolvimento infantil, mas o estudo dos processos de transformação do desenvolvimento humano, ou seja, uma abordagem essencialmente genética - a compreensão da gênese. Essa abordagem “desdobra-se nos níveis filogenético (desenvolvimento da espécie humana), sociogenético (história dos grupos sociais),

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ontogenético (desenvolvimento do indivíduo) e microgenético (desenvolvimento de aspectos específicos do repertório psicológico dos sujeitos), os quais interagem na construção dos processos psicológicos” (Oliveira in Castorina, 1998, p. 55). Vygotsky recorre à infância para explicar o comportamento geral, pois para ele, é como se a criança estivesse na pré-história do desenvolvimento cultural e vai se desenvolvendo através do uso de instrumentos e da linguagem.

Vygotsky havia sido profundamente influenciado por Engels e Marx, dando ênfase nas transformações do indivíduo inserido nos diferentes contextos culturais e históricos. Acreditava numa abordagem mais abrangente da psicologia, transpondo a abordagem natural - baseada nas formas exteriores do comportamento, mecanicamente constituídas (behaviorismo) e a abordagem mental – baseada na filosofia idealista, que se detinha na descrição subjetiva dos fenômenos psíquicos, impossibilitando a psicologia como uma ciência objetiva. Vygotsky propunha assim, uma nova psicologia. Seu objetivo central era levantar os aspectos comportamentais tipicamente humanos e elaborar hipóteses de como esses comportamentos se desenvolveram na vida do indivíduo e na espécie humana, através do estudo da relação homem-ambiente físico e social, das formas de atividade (trabalho) como meio de relacionamento entre o homem e a natureza e do uso de instrumentos e o desenvolvimento da linguagem (Vygotsky, 1989, p. 21).

Aprendizagem Humana

Para Vygotsky, o homem já nasce equipado com certas características próprias à espécie humana (como enxergar tridimensionalmente), mas as funções psicológicas superiores (envolvem consciência, intenção, planejamento, ações voluntárias) dependem da aprendizagem, pois pertencem somente à espécie humana. O homem é o animal mais “pouco dotado” para sobreviver quando nasce, necessitando de cuidados de adultos ou crianças maiores. Inicialmente é satisfeito em suas necessidades físicas básicas como alimentação, sono e higiene, mas sem a presença do outro, a criança é incapaz de se relacionar com o próprio ambiente. A aprendizagem tem um papel central no desenvolvimento do ser humano, “é um processo que inclui relações entre indivíduos, (...) a interação do sujeito com o mundo se dá pela mediação feita por outros sujeitos. (...) A relação que se dá na aprendizagem é essencial para a própria definição desse processo, que nunca ocorre no indivíduo isolado” (Oliveira in Castorina, 1998, p.56).

O cérebro é um sistema aberto de grande plasticidade, pois pode servir a novas funções, criadas na história do homem, sem transformações morfológicas no órgão físico. No cérebro, as funções psicológicas superiores são construídas ao longo da história social do homem através da aprendizagem, realizada pela mediação de outros (adultos ou crianças) com o sujeito. Enquanto sujeito de conhecimento o homem não tem acesso direto aos objetos, o acesso é mediado por outras pessoas, representações, objetos e sistemas simbólicos, sendo a linguagem um sistema simbólico da maior qualidade – simplifica, generaliza, ordena em categorias. Contudo, quando um processo interpessoal (externo) se transforma num processo intrapessoal (interior), uma atividade externa é reconstruída internamente, ocorre a internalização. Segundo esse teórico

“Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação externa. (...) Entretanto elas (funções) somente adquirem o caráter de processos internos como resultado de um desenvolvimento prolongado. (...) A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos. (...) A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a base do salto qualitativo da psicologia animal para a psicologia humana. Até agora, conhece-se apenas um esboço desse processo” (Vygotsky, 1989, pp. 63-65).

Segundo Castorina (1995), os textos de Vygotsky e de seus discípulos parecem mostrar que na

internalização há um processo de transformação, de modificação da compreensão individual, há "uma reorganização individual em oposição a uma transmissão automática dos instrumentos fornecidos pela cultura" (1995, p. 30). Esse processo pode ser entendido, pois, como uma atividade mental responsável pelo domínio (que significa uma reconstrução, uma transformação) dos instrumentos de mediação do homem com o mundo.

A internalização consiste, na transformação de uma atividade externa para uma atividade interna e de um processo interpessoal para um processo intrapessoal. Essas transformações são fundamentais para o processo de desenvolvimento de funções psicológicas superiores e interessam particularmente ao contexto escolar, porque ele lida com formas culturais que precisam ser internalizadas.

Além dos conceitos de funções psicológicas superiores, mediação e internalização, um conceito muito importante é o de zona de desenvolvimento proximal. Para Vygotsky, o aprendizado da criança começa muito antes dela freqüentar a escola, aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de sua vida. O nível de desenvolvimento real é caracterizado como o nível de desenvolvimento que já está completo – a criança já internalizou determinada função, como por exemplo amarrar os sapatos

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sozinha. Digamos que a criança ainda não saiba amarrar os sapatos sozinha, mas que, com a ajuda de um adulto ou de outra criança (com algum tipo de explicação ou com o auxílio de uma mão), ela consiga amarrar. Esse é o desenvolvimento potencial, isto é, o nível do desenvolvimento a que a criança vai chegar.

“A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (...) A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão presentes em estado embrionário” (Vygotsky, 1989, p. 97).

Por esta razão, Vygotsky dá uma grande ênfase ao aprendizado e ao ensino escolar – o papel da escola

é importantíssimo para detectar o nível de desenvolvimento potencial, reconhecer a zona de desenvolvimento proximal e elaborar atividades educativas que promovam o aprendizado e o posterior desenvolvimento. Além disso, o aprendizado pode criar a zona de desenvolvimento proximal, despertando processos internos de desenvolvimento, quando a criança interage com pessoas e quando em cooperação com os companheiros no ambiente escolar. Os processos uma vez internalizados, passam a fazer parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança (p. 101).

As fases descritas por Vygotsky

Em Pensamento e Linguagem (capítulo 5) Vygotsky descreve 3 fases básicas na formação de conceitos com estágios distintos dentro de cada fase: formação de conjuntos sincréticos, pensamento por complexos e formação de conceitos. • Na primeira fase, a criança tende a misturar diferentes elementos numa mesma imagem desarticulada e

instável devido a alguma impressão. As palavras são um conglomerado vago e sincrético de objetos isolados (p. 74). • Na fase de pensamento por complexos, os objetos isolados associam-se na mente da criança não

apenas devido às suas impressões, mas também às impressões que de fato existem entre os objetos • Na fase de formação de conceitos, a criança agrupa os objetos com base num único atributo, é

necessário abstrair, isolar elementos e examinar separadamente; a síntese deve combinar-se com a análise. É o agrupamento com um grau máximo de semelhança, com base em um único atributo, como por exemplo, o redondo.

Pode-se dizer que a formação de conceitos é o que precede o conceito potencial. As fases percorrem um percurso não linear, a terceira fase (formação de conceito) não aparece necessariamente após o desenvolvimento completo da segunda fase (pensamento por complexos). Segundo Vygotsky

“É como se houvesse duas linhas genéticas, duas raízes independentes, que se unem num momento avançado do desenvolvimento para possibilitar a emergência dos conceitos genuínos. Uma raiz, a do pensamento por complexos, estabelece ligações e relações ... (...) A outra raiz realiza o processo de análise, de abstração... (Oliveira in La Taille, 1992, pp. 29-30).

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DIFERENTES CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS

EDUCATIVAS 5

Quando se trata de educação, é grande o número de assuntos que fazem relação com essa temática, e que merecem ser discutidos, como por exemplo, as tecnologias de informação e comunicação, os investimentos, as políticas públicas educacionais, o trabalho e a formação dos profissionais.

É importante considerar as pessoas que estão envolvidas nesse processo. Dentre elas, os professores, que atuam de forma direta, e os alunos, de forma indireta. Dessa forma, possibilitando considerar as relações que existem entre eles, podendo ser educativas, de compromisso, de responsabilidade social ou no sentido de tratamento, já que o docente raramente atua sozinho, ele se encontra em interação com outras pessoas, a começar pelos alunos (Tardif, 2002, p. 50). Essas relações podem ser suficientes, e até mesmo ser entendidas como motivos de insatisfação, no que diz respeito à formação profissional.

Sobre essa temática, Sacristán afirma que

[...] a educação não é algo espontâneo na natureza, não é mera aprendizagem natural que se nutre dos materiais culturais, que nos rodeiam, mas uma invenção dirigida, uma construção humana que tem um sentido, e que leva consigo uma seleção de possibilidades, de conteúdos, de caminhos (1999, p. 33).

A formação de professores tem passado por um difícil processo para se adequar às mudanças na

representação social do professor, que há décadas carregava um ethos social de vocação, de missão tarefa privilegiada no contexto cultural, para hoje absorver o sentido de uma prática profissional organizada em torno de saberes científicos, realizada por assalariados, em crescente processo de desprestígio e de pauperização (Franco, 2008, p. 113).

O termo formação continuada vem acompanhado de outro, a formação inicial. A formação inicial refere-se ao ensino de conhecimentos teóricos e práticas destinados à formação profissional, completados por estágios. A formação continuada é o prolongamento da formação inicial visando ao aperfeiçoamento profissional teórico e prático no próprio contexto de trabalho e ao desenvolvimento de uma cultura geral mais ampla, para além do exercício profissional. (LIBÂNEO, p.227).

Isso requer, certamente, que o educador esteja atento, aberto e partícipe a todas e a quaisquer oportunidades que o levem a ascender tanto no plano pessoal, profissional, cognitivo e quanto humano de sua

5 Adaptação a partir de Marcela de Melo Bisinotto* Sálua Cecílio (Fapemig). Em: Revista Teias v. 11 • n. 23 • p. 119-130 • set./dez. 2010 119

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atuação. E em especial tratamento a docência, a formação continuada, ao constituir-se pólo para uma dinâmica social de formação contínua, se faz apelo para que os conhecimentos sejam compartilhados, contribuindo significativamente para a melhoria na qualidade da prática educativa, sendo, em dado momento, compreendida como uma atividade não-facultativa ao docente engajar, mas de primordial relevância, visto a avalanche de mudanças e transformações porque passa o mundo atual.

Essa perspectiva, gera preocupação aos profissionais da educação, que buscam certo idealismo, ao escolher essa carreira profissional, visando contribuir tanto com a formação cidadã, quanto com a de conhecimento das pessoas, ao perceber, com que falta de respeito, a sociedade percebe o papel social da educação. Segundo ALARCÃO, cabe ao aluno gerir informações para transformá-las em conhecimento, uma vez que o professor não é mais a única fonte de saber e o conhecimento só existe com a aprendizagem. Assim, esta reorganização de valores reorganiza as competências do cidadão atual, e devolve para a educação sua importância social.

Compreender a identidade profissional do professor está diretamente ligada à interpretação social da sua profissão. Assim, se considera que os movimentos sociais têm intrínseca relação com os projetos educacionais, é preciso entender que a escola não é um espaço aleatório, portanto, um cenário onde a objetividade se faça presente. Isso implica em dizer, que esta instituição tem uma função específica dentro da sociedade em que se encontra inserida.

Para Freitas (p. 73), “a função social da escola se cumpre na medida da garantia do acesso aos bens culturais, fundamentais para o exercício da cidadania plena no mundo contemporâneo”. E para estar preparado para garantir uma formação satisfatória ao educando, diante da sociedade da qual participa, o professor necessita atualizar-se em seus estudos, ou seja, revisitar as teorias da sua formação, como alicerce a balizar a sua prática pedagógica.

É aí que entra em cena a questão da formação contínua do professor, porque, “a profissão docente é uma profissão em construção”, (FERREIRA, p. 56), nascendo então, a autoridade da sua reflexão sócio-histórica, como ponto a favorecer na compreensão da situação atual dos desenvolvimentos pedagógicos. Para este mesmo autor,

a profissionalização dos professores depende hoje, em grande medida, portanto, da sua capacidade de construírem um corpo de saber que garanta a sua autonomia perante o Estado, não no sentido da conquista da soberania na sala de aula mas antes no sentido da criação de novas culturas profissionais de colaboração (FERREIRA, p. 62).

Neste sentido, a formação continuada do professor, apodera-se de uma definição ímpar, no que diz respeito à condição para a aprendizagem permanente e para o desenvolvimento pessoal, cultural e profissional de professores e especialistas. É na escola, no contexto de trabalho, que os professores enfrentam e resolvem problemas, elaboram e modificam procedimentos, criam e recriam estratégias de trabalho e, com isso, vão promovendo mudanças pessoais e profissionais (LIBANEO, p. 227).

Com base nessas colocações, a alternativa de crescimento tanto pessoal quanto intelectual e profissional do docente abrange perspectivas individuais e coletivas, quando as primeiras se justificam pelo posicionamento do próprio “eu”, visando ao bem coletivo e as segundas se justificam, mais especificamente, pelos índices de colaboração e interação entre os profissionais da classe e sua flexibilidade em partilhar experiências, sentimentos, fraquezas, habilidades e competências que favoreçam ao corpo escolar, propriamente dito.

AS PREMISSAS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

A formação de um aluno e futuro profissional está intimamente ligada à formação de seus professores e às concepções de educação que as sustentam. Esse é um pressuposto, cada vez mais considerado entre os profissionais da área e interessados pelo assunto.

É um assunto bastante discutido. Prova disso são os muitos estudos a esse respeito e os frequentes encontros a fim de debater a temática, como por exemplo, simpósios, seminários e congressos.

Formação de professores é um objeto que se faz cada vez mais pertinente de ser pesquisado, começando por considerar as diversas vertentes teóricas a ela relacionadas, como por exemplo, o seu papel na sociedade. Afinal, os profissionais formados é quem irão preparar os cidadãos que visam um espaço na sociedade, um futuro profissional, influenciando na sua constituição pessoal, humana, em suas atitudes, valores e práticas.

Também é necessário analisar os investimentos que essa categoria profissional requer e o que isso significa para o governo e para as instituições termos de possíveis custos. Surge daí, a necessidade de avaliar os cursos responsáveis pela formação dos profissionais professores, e toda a conjuntura em que se inserem e que condiciona sua formação.

Basicamente, a formação de professores compreende torná-los educadores habilidosos e capacitados, com a finalidade não só de compor ou reproduzir modelos a serem seguidos, mas também, contribuir para que

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sejam trabalhadores compromissados com o trabalho que desempenham, e que tenham responsabilidade social. As concepções da formação de professores são variadas, o que exige o conhecimento sobre os diferentes sentidos e importâncias designadas a um docente.

Essa é uma forma de enriquecer, indiretamente, a formação do profissional seja enquanto pesquisador, seja enquanto educador, mostrando quantos significados estão ligados à sua figura, e o quanto dele se pode exigir como profissional, a partir do momento que se tem consciência do que ele pode oferecer.

Algumas controvérsias sobre o assunto em questão referem-se à identidade e às denominações que o docente recebe e relacionam-se ao papel que ele desempenha em seu cotidiano escolar. Desse modo, surgem indagações acerca do docente: se ele apenas representa um interlocutor e um mediador entre os discentes e as informações, ou, se ele é uma figura indispensável, importante na formação dos alunos em amplo aspecto, desde a transmissão das informações, dos saberes, até a forma como esse processo é abordado, gerando um diferencial e influenciando de maneira direta nos resultados.

No que diz respeito a esse processo, que define a forma como são transmitidas as informações ao aluno e o modo como ele as apreende, enquadra-se no que Tardif denominou de saberes pedagógicos que

[...] apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes de reflexão sobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e de orientação da atividade educativa (2002, p. 37).

Ainda nessa perspectiva, a grande finalidade de se direcionar estudos para a formação de professores, é

tanto para aprimorar, como para tentar suprir as falhas encontradas na área da docência, que, quando não está devidamente formulada, tende a prejudicar os alunos, e posteriormente a sociedade e o mercado de trabalho, que os receberão.

No que tange às concepções direcionadas à formação docente, podemos citar algumas características peculiares, como, formar profissionais com requisitos de cunho educativo, pedagógico, conceitual, metodológico, informativo teórico, prático, cultural, social, interpretativo, crítico, reflexivo, ativo, autônomo, instigador, renovadores, ético e colaborativo.

Em relação íntima com as competências docentes, tem-se a necessária construção dos demais saberes, ou melhor, do saber-fazer, das habilidades e dos conhecimentos, termos esses definidos por Tardif (2002), que os entende confiados aos profissionais da área, e que os tornam capazes de formar indivíduos aptos a encarar um futuro profissional.

Dos docentes, espera-se que desenvolvam a capacidade e as motivações nos discentes em relação às as informações transmitidas, que saibam lidar com problemas inéditos e inesperados no ambiente escolar, instigando seu espírito criativo, a fim de facilitar a aprendizagem dos educandos, além de desenvolver sua autoformação. Enfim, espera-se que saibam relacionar suas racionalidades técnicas, teóricas, práticas, sociais e culturais no planejamento e desenvolvimento de suas atividades.

AS DIFERENTES FORMAÇÕES DE PROFESSORES E PRÁTICAS E DUCATIVAS

A respeito do contexto em questão, e das características definidoras das concepções de formação de professores, há conceituados autores que podem ser abordados como referências, que auxiliarão na compreensão das conotações impostas, das idéias e ideais pautados.

Sobre os diferentes tipos de professores que são formados, ou que nem mesmo foram formados, mas que atuam no ambiente educacional, destaca-se o profissional reflexivo, que representa a concepção baseada na autonomia, onde a prática adquire o papel central de todo o currículo, assumindo-se como lugar de aprendizagem e de construção do pensamento prático do professor (Gómez, 1992, p. 110). Nessa perspectiva, a fim de caraterizar essa concepção embasada na reflexão, no que tange tanto ao profissional, quanto ao ensino,

[...] vários termos são utilizados: prática reflexiva, formação de professores orientada para a indagação, reflexão-na-ação, o professor como controlador de si mesmo (Elliot), professores reflexivos (Cruicksank & Applegate; Zeichner), o professor como pessoa que experimenta continuamente (Stratemeyer), professores adaptativos (Hunt), o professor como investigador na ação (Corey & Shumsky), [...] professores como pedagogos radicais (Giroux) (García, 1992, p. 59).

A ideia do que é um docente eficiente, dotado de conhecimentos teóricos, práticos, científicos e de

criatividade, é, muitas vezes, aquém do modelo dos que estão em exercício profissional nas escolas atualmente. É preciso respeitar as particularidades de cada ambiente, de cada realidade, dos discentes, dos objetivos ambicionados, especificando as áreas distintas de atuação dos docentes, como por exemplo, a variedade de cursos de uma universidade.

De acordo com a formação, com o perfil de cada um e com seu conceito de competência profissional, há

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profissionais que demonstram possuir compromissos a serem honrados com si próprios, e com a sociedade em que atuam. Suas responsabilidades se baseiam essencialmente no domínio de algumas especificidades, como as habilidades teóricas, técnicas e didáticas (dispõe de maneiras adequadas de transferir as informações).

Porém, essa bagagem de conhecimento, habitualmente, se torna em vão, em algum momento da realidade escolar, em que, dentre outros fatores, o docente não suficientemente preparado se depara com uma situação inovadora ou inesperada, para a qual ele pode se sentir sem condições de lidar com ela.

Essa idéia remete à constituição de um professor reflexivo, que também é vista como uma concepção adequada para a formação dos profissionais da área. Segundo ALARCÂO (2003), existe na formação de profissionais reflexivos um potencial que tem ajudado os professores a tomarem consciência da sua identidade profissional que, só ela, pode levar à permanente descoberta de formas de desempenho de qualidade superior e ao desenvolvimento da competência profissional na sua dimensão holística, interativa e ecológica. Porém, mantem-se a necessidade de proceder a novas formas de aprofundamento e de acentuar o caráter colaborativo no coletivo docente.

Importa que a formação de professores proporcione situações que possibilitem a reflexão e a tomada de consciência das limitações sociais, culturais e ideológicas da própria profissão docente (Gimeno 1992, p. 54). Nessa perspectiva, citamos Gómez, que frisou que

a reflexão não é apenas um processo individual. (...) A reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo de sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos (1992, p. 103).

Algumas das peculiaridades esperadas dos docentes reflexivos são a prática, visando a aprimorar a

experiência adquirida com o seu trabalho, e como meio de investigação, não apenas como método instrumental, a reflexão na ação, levando a uma interpretação da situação, e sabendo usufruir de seus conhecimentos teóricos, e entenderem qual a prática melhor a ser adotada.

Enfatizando a importância da práxis no espaço escolar, Guedes e Chaves (2008) e Oliveira (2008) destacam a emancipação da autonomia do sujeito e da construção da identidade profissional como concepção de formação docente, de tal forma que o professor poderá agir baseado nos seus próprios conhecimentos e métodos, sem que tenha de ser apenas direcionado por modelos curriculares.

Sabemos, porém, que os docentes devem ter um plano de trabalho, de ensino e disciplinar a ser seguido, com perspectiva de embasar seu trabalho pedagógico, e direcionar seu cotidiano escolar. Todavia, não se deve tomar isso como uma mera regra, impossibilitando o professor de agir sobre suas importâncias, algumas escolhas, sua experiência e liberdade de expressão.

Um ponto importante colocado por Gómez é que

a reflexão não é um conhecimento puro, mas sim um conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam a própria experiência vital (1992, p. 103).

Ou melhor dizendo, ser reflexivo faz parte do modelo de docente desejado por alguns autores e

instituições, mas não significa que seja simples “refletir” cada situação, e separar o que pode influenciar no desenvolvimento de seu trabalho.

De acordo com Camargo, “é importante pensar na gestão como o cenário da ação-reflexão-ação, num contínuo repensar sobre a nossa prática, e sobre a história que os sujeitos se inserem” (2006, p. 117). Dando continuidade a essa perspectiva, Giroux reconhece que

[...] uma forma de repensar e reestruturar a natureza da atividade docente é encarar os professores e reestruturar a natureza da atividade docente, é encarar os professores como professores intelectuais transformadores. A categoria de intelectual é útil de diversas maneiras. Primeiramente, ela oferece uma base teórica para examinar-se a atividade docente como forma de trabalho intelectual, em contraste com sua definição em termos puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo lugar, ela esclarece os tipos de condições ideológicas e práticas necessárias para que os professores funcionem como intelectuais. Em terceiro lugar, ela ajuda a esclarecer o papel que os professores desempenham na produção e legitimação de interesses políticos, econômicos e sociais variados através das pedagogias por eles endossadas e utilizadas (1977, p. 161).

ALARCÃO (2003) destaca que o professor não pode agir isoladamente na sua escola. É neste local, o seu

local de trabalho, que ele, com os outros, seus colegas, constrói a profissionalidade docente. Mas se a vida dos professores tem o seu contexto próprio, a escola, esta tem de ser organizada de modo a criar condições

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de reflexividade individuais e coletivas. A escola tem de se pensar a si própria, na sua missão e no modo como se organiza para a cumprir. Tem, também ela, de ser reflexiva. Cabe aos gestores encarar esse desafio, pois os formadores de professores têm uma grande responsabilidade na ajuda ao desenvolvimento desta capacidade de pensar autônoma e sistematicamente. E têm vindo a ser desenvolvidas uma série de estratégias de grande valor formativo, com algum destaque para a pesquisa-ação no que concerne à formação de professores em contexto de trabalho.

Com base nos autores supracitados, reforça-se a importância da reflexão na ação pelos professores, acerca de seu trabalho pedagógico como um todo, tornando-os profissionais transformadores, da natureza da atividade docente.

Em meio aos cursos focados na formação de professores, uma tendência a ser observada é o fato deles estarem sendo banalizados, como é possível inferir a partir de algumas leituras, como O curso de pedagogia no Brasil na visão de pedagogos primordiais, de Cruz (2008).

Isso vem acontecendo, porque muitas pessoas estão optando por fazer curso de pedagogia, por exemplo, por atribuírem algumas conotações sem reais justificativas a eles, como, por exigirem uma menor preparação dos candidatos enquanto vestibulandos, a fim de ingressarem em uma vaga, por exigirem também, uma menor dedicação dos alunos enquanto estiverem cursando a faculdade e pelos baixos investimentos. Ser pedagogo requer fazer pedagogia, ou seja, teorizar sobre a educação, projetar, implementar, acompanhar e avaliar processos educacionais em diferentes contextos (Cruz, 2008, p. 9).

Na perspectiva desse autor, nota-se que os cursos de pedagogia estão perdendo a essência do que é formar os profissionais da educação, e das competências a serem constituídas neles, tornando-os desprovidos de capacidades de atuar em sala de aula. Mesmo porque, o objeto de trabalho do docente “é uma prática social: transformar alunos, educá-los, instruí-los” (Tardif, 2002, p. 13), portanto, a responsabilidade de formar profissionais da educação, não partilha, adequadamente, com o modelo da racionalidade técnica.

O modelo da racionalidade técnica é a prática profissional que consiste na solução instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, e previamente disponível que procede da pesquisa científica. É instrumental porque supõe a aplicação de técnicas e procedimentos que se justificam por sua capacidade para conseguir os efeitos ou resultados desejados (Contreras, 2002, p. 90).

Há uma concepção de formação de professores que é embasada nas experiências, que são adquiridas ao longo da trajetória profissional dos docentes, conforme vão participando do ambiente escolar, convivendo com os alunos, e os seus respectivos problemas, e tendo de aprender a solucioná-los, entre outros.

A reflexão e a crítica do próprio desempenho, diante da teoria e prática, e a formação continuada, contribuem para que o professor seja um profissional renovado, capaz de acompanhar mudanças que ocorrem no mundo da educação e da informação. Essa concepção, que é definida pela experiência, consiste na reconstrução dos saberes dos professores a partir do saber-fazer e do saber-ser para propiciar novos valores e culturas; na formação diferenciada, específica, que é uma alternativa para formar cidadãos enriquecidos culturalmente e politicamente, que possibilita o pensar e agir, como seres sociais.

O saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer, é o saber que os professores têm, e está relacionado com a identidade, com a experiência de vida, com a história profissional, com as relações que eles tem com os alunos e com outros atores da escola (Tardif, 2002, p. 11), ou seja, há uma relação de vários saberes, entre as práticas educativas ocasionadas pelas diferentes concepções de formação docente. Por outro lado, o autor também menciona que os saberes docentes

[...] não são originados de seu trabalho cotidiano, nem são produzidos pelos próprios professores, o saber contém conhecimento, e saber-fazer tem origem social, podem vir da família do professor, da instituição, das regras, dos princípios, dos objetivos, finalidades, cursos, da cultura de onde ele se formou etc., [...] e que os saberes oriundos da experiência de trabalho cotidiana parecem constituir o alicerce da prática e da competência profissionais, pois essa experiência é, para o professor, a condição para a aquisição e produção de seus próprios saberes profissionais (Tardif, 2002, p. 19 e 21).

As concepções de formação de professores são diversas. Foram encontrados conceitos, que se

completaram e que se divergiram. Contudo, um dos fatos de maior relevância é que uma discussão a respeito da concepção de formação de educadores nos deixa cientes e capazes de analisar quais dessas concepções são melhores ou pouco adequadas, ou mesmo, quais delas combinam melhor umas com as outras, quando trabalhadas em conjunto. Ainda nesse contexto, analisar as concepções de formação de educadores nos faz entender se as práticas educativas, adotadas desde então, serão condizentes com a realidade de atuação deles, seja com relação ao curso que irão trabalhar, ou mesmo com o local onde se insere essa escola.

Ordenando as concepções encontradas, podemos reconhecer a formação profissional embasada na crítica e na reflexão, nos saberes, nas competências profissionais, nas experiências, no contexto social, na relação teoria-prática, na formação continuada e na arte.

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Quando incorporadas pelo educador, as premissas que compõem as diferentes concepções para sua formação possibilitarão a constituição de identidades (autonomia intelectual), a realidade crítica-reflexiva, as competências e os saberes profissionais, aliados à ética, às habilidades, às práticas e às ações. Além do mais, os educadores aprenderão a valorizar sua vocação profissional, suas experiências adquiridas no cotidiano escolar, e a entender e respeitar suas especificidades.

A cada dia que passa a cada olhar sobre e para a educação, percebe-se que os profissionais do ensino são mais cobrados. São cobranças que derivam desde a eficácia do seu trabalho, bem como exigências quanto a uma formação mais sólida e representada por títulos acadêmicos.

Desse cenário, nascem propostas que reclamam do professor, mais que estar presente em sala de aula, entretanto, convidado a ver a sua profissão como algo a ser zelado e adubado com muito preparo teórico. Para Rubem Alves, há uma distinção entre professor e educador, ao afirmar que, “professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda uma vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança”.

Vendo o professor por essa ótica, fica claro, que ele tem um papel social a cumprir, papel este, que se delimita a “provocar “conflitos intelectuais”, para que, na busca do equilíbrio, o aluno se desenvolva” (FREITAS, 2005, p. 95). Outra visão teoria sustenta que, no foco das averiguações mais atuais sobre formação de professores, encontra-se como questão-chave a necessidade do professor desempenhar uma atividade profissional ao mesmo tempo teórica quanto prática, visto que:

A profissão de professor combina sistematicamente elementos teóricos com situações práticas reais. É difícil pensar na possibilidade de educar fora de uma situação concreta e de uma realidade definida. Por essa razão, a ênfase na prática como atividade formativa é um dos aspectos centrais a ser considerado, com conseqüências decisivas para a formação profissional (LIBANEO, p.30).

TRANSFORMAÇÃO E MUDANÇA

Discutir a questão da mudança e da transformação, implica em ver o primeiro termo como uma proposta a ser executada e, como toda proposta, está permeada por metas, objetivos e passos que levam a um fim específico, que aqui, poderia ser colocado como o processo de graduação propriamente dito do professor. Para o segundo termo, seria adequado pensar os resultados da ação docente. Em linhas gerais, essa análise remete a noção de que mudar é preciso, no entanto, deve ser um processo moldado pela transformação, que no caso do ensino, traduz-se pela aquisição de um processo mais interiorizado: a aprendizagem. Daí, eis a pergunta-chave: o que o professor poderia levar de inovador para a sala de aula, além de se manifestar portador de um título de graduação superior? Sobre isso, está a afirmação de que:

É preciso insistir que tudo quanto fazemos em aula, por menor que seja, incide em maior ou menor grau na formação de nossos alunos. A maneira de organizar a aula, o tipo de incentivos, as expectativas que depositamos, os materiais que utilizamos, cada uma destas decisões veicula determinadas experiências educativas, e é possível que nem sempre estejam em consonância com o pensamento que temos a respeito do sentido e do papel que hoje em dia tem a educação (ZABALA, 1998, p. 29).

Explicar a necessidade de mudança e de transformação porque passa o ensino atual, implica em entender que:

As instituições escolares vêm sendo pressionadas a repensar seu papel diante das transformações que caracterizam o acelerado processo de integração e reestruturação capitalista mundial. De fato, (...) essas transformações,... decorrem da conjugação de um conjunto de acontecimentos e processos que acabam por caracterizar novas realidades sociais, políticas, econômicas, culturais, geográficas (LIBÂNEO, p. 45, 46).

Segundo esse autor, dentre os aspectos mais visíveis desse fenômeno destacam-se: avanços

tecnológicos, a globalização da sociedade, a difusão da informação, o agravamento da exclusão social, entre outros fatores. Diante de tamanha complexidade, pergunta-se: quem deterá tal conhecimento a ponto de instrumentar o cidadão que irá exercer tais habilidades/competências? Como encontrar um profissional que corresponda aos perfis socialmente estabelecidos pelas exigências sociais?

A educação e a escola só podem ser realmente transformadoras se estiverem maturando as alternativas, de modo a superar as soluções da radicalidade extremista, cujo negativismo findará por recriar os problemas que pretendiam alijar. É nesse contexto, que a formação continuada encontra o seu espaço nas necessidades pedagógicas, visto que, conforme afirma Libâneo (p. 227)

a formação continuada pode possibilitar a reflexividade e a mudança nas práticas docentes, ajudando os professores a tomarem consciência das suas dificuldades, compreendendo-as e elaborando formas

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de enfrentá-las. De fato, não basta saber sobre as dificuldades da profissão, é preciso refletir sobre elas e buscar soluções, de preferência, mediante ações coletivas.

Com base no exposto, torna-se crucial, repensar a atuação docente além do exercício da sala de aula,

além das burocracias de preenchimento de fichas, entre outros tantos afins. Todavia, é preciso, certamente, que a formação continuada seja vista como uma etapa procedimental e atitudinal da prática docente, visando à melhoria do ensino e o rompimento de uma “visão de mundo” estagnada. Porque, ser professor, é muito mais que ser um profissional do ensino, mas um cientista do ato político.

A PRÁTICA DE SALA DE AULA 6 'É necessário que a formação dos professores esteja estreitamente relacionada a prática real da sala de aula'

O saber fazer em sala de aula, ou seja, os chamados conteúdos procedimentais, têm sido um dos

principais focos de estudo do espanhol Antoni Zabala, licenciado em Filosofia e Ciências da Educação, professor, pesquisador e diretor da revista Aula de Innovación Educativa. Zabala também tem sido um defensor da idéia de que a forma mais apropriada de responder às necessidades de integração do saber passa por uma abordagem do currículo com um enfoque globalizado. Nesse texto Antoni Zabala expõe aos leitores algumas de suas propostas para que essas idéias possam ser incorporadas ao cotidiano escolar e à formação de professores. Segundo ele,

No fundo, ensinar implica dominar habilidades, técnicas e estratégias de ensino, isto é, o domínio de procedimentos. Do mesmo modo que se aprende a dançar dançando, aprende-se a ensinar ensinando. Ao contrário, a maioria dos cursos de formação dos professores está ligada ao discurso teórico e, como sabemos, este tem muito pouca valia se não estiver relacionado, antes de tudo, a exemplos, ou seja, a modelos.

Uma abordagem mais ampla e detalhada do pensamento exposto aqui, pode ser encontrado nos livros

“Como trabalhar os conteúdos procedimentais em aula” e “A prática educativa: como ensinar”, ambos publicados pela ARTMED Editora.

Existe uma vertente de pesquisas em educação segundo a qual o avanço no conhecimento do que ocorre no interior da escola, no cotidiano escolar, favorece a compreensão da realidade escolar. Essa vertente desemboca no que tem sido chamado de 'análise do cotidiano'. A análise do cotidiano fortaleceu-se, especialmente, com as pesquisas etnográficas das duas últimas décadas. Ao longo da história, a visão que se teve sobre os processos de ensino-aprendizagem e, como conseqüência, a explicação do que ocorre na sala de aula, do mesmo modo que nos outros âmbitos do conhecimento humano, evoluiu de visões e explicações simples para a compreensão e aceitação da extraordinária complexidade do ensino.

A aplicação de modelos sistêmicos para a compreensão do que ocorre em todos os âmbitos de desenvolvimento humano e social foi de vital importância para a elaboração de marcos explicativos que ajudem a entender os processos em que eles se desenvolvem. A escola não esteve alheia a essa evolução do saber, de modo que, felizmente, dispomos hoje de um conhecimento e, sobretudo, de uma forma de abordar os problemas relacionados à compreensão dos processos de ensino-aprendizagem extremamente eficazes, embora de aplicação bastante difícil com os meios ao nosso alcance atualmente.

A utilização das atuais metodologias de pesquisa educativa baseadas nos paradigmas construtivistas e sociocríticos, com as respectivas metodologias etnográficas e de pesquisa-ação, possibilitou descartar modelos explicativos simplificadores de tipo causa-efeito ligados a referenciais teóricos positivistas. Modelos que, entretanto, ainda vigoram e continuam sendo os mais utilizados pela maioria das administrações públicas e organizações escolares quando se trata de tomar decisões sobre os currículos, a estrutura do sistema educativo e o papel dos diferentes agentes que intervêm nele. A análise da realidade - e especificamente da realidade educativa - deve ser sistêmica e participativa. Nesse sentido, os modelos explicativos mais apropriados são aqueles que estão relacionados com a 'teoria do caos' aplicada às ciências sociais, acima dos modelos multifatoriais, o que implica, simplificando, que em condições iguais nem sempre a resposta ou o resultado de uma situação ou fenômeno serão os mesmos. 6 Adaptação a partir de Antoni Zabala. Em: Ano VI - Nº 22 - Qualificando o Dia-a-Dia na Sala de Aula - Julho à Agosto de 2002

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A aceitação desse marco teórico na educação, seja no âmbito restrito das salas de aula como, de maneira mais geral, do sistema educativo, comporta a aplicação de medidas que representam uma mudança radical, quando não uma verdadeira revolução, do papel dos professores e de todas as instâncias internas e externas do sistema educativo.

A importância atual dos conteúdos procedimentais provém de uma mudança fundamental na concepção sobre a função social do ensino e, como conseqüência, de suas finalidades educativas. Em outras palavras, provém do ideal de homem e de mulher que pretendemos formar e que resulta, por sua vez, do tipo de sociedade a que aspiramos.

Procedemos de modelos educativos centrados nos conhecimentos, no 'saber'. O importante desses modelos é a acumulação de datas, nomes, dados, acontecimentos, conceitos, princípios, sistemas conceituais, etc., os chamados conteúdos conceituais. Modelos educativos com uma clara vocação propedêutica dirigida à universidade. Uma escola pensada fundamentalmente como um caminho para aqueles que possam ter acesso a um curso universitário.

Atualmente, a maioria dos países que se proclamam democráticos entende que o ensino - e, portanto, sua função social - não pode limitar-se a atender apenas aos alunos que possam seguir o caminho da universidade, mas deve ser dirigido a toda a população. É aqui que surge a necessidade de uma educação voltada à formação integral da pessoa em todas as suas capacidades, entre elas também as profissionais. A finalidade é formar pessoas competentes para a vida. E é aqui que se entende que, além do 'saber' (conteúdos conceituais), devem constituir conteúdos de aprendizagem as habilidades, as técnicas e as estratégias, ou seja, o 'saber fazer', os conteúdos procedimentais, ao mesmo tempo que a formação em valores, os conteúdos atitudinais.

É evidente que não se aprende os conteúdos conceituais do mesmo modo que os atitudinais e os procedimentais. Conseqüentemente, as metodologias e estratégias didáticas apropriadas para os conteúdos conceituais são totalmente inoperantes quando dirigidas aos outros tipos de conteúdos.

As conseqüências metodológicas na sala de aula são enormes, porque os conteúdos procedimentais são aprendidos essencialmente realizando-se “n” vezes as ações que compõem o procedimento, exercitando-se em situações significativas, mas em um processo bastante complexo. Por exemplo, aprende-se a dançar dançando. Antes, porém, é necessário ensinar o modelo e entender seu significado. Depois, propor o exercício, que deve ser progressivo, indo do mais simples ao mais complexo, primeiro oferecendo-se muita ajuda e retirando-a pouco a pouco. E, ao mesmo tempo que se exercita, refletindo sobre os passos e formas,em fim, sobre a teoria da dança.

Ensinar procedimentos exige um tipo de sala de aula e uma organização de grupo que permitam o exercício; no entanto, dado que as diferenças existentes entre os diferentes ritmos de aprendizagem podem ser muito significativas entre uns e outros, é necessário empregar estratégias didáticas que permitam o apoio e a ajuda contingente de alguém mais experiente, seja o professor ou seja outro aluno.

Os conteúdos procedimentais na formação básica do p rofessor

Uma prática educativa que responda a um ensino dirigido à formação integral das pessoas e, por conseguinte, de todo tipo de conteúdos de aprendizagem, implica uma forma de ensinar que possibilite a necessária atenção aos diferentes ritmos e estilos de aprendizagem. Isto só é possível quando existe uma verdadeira participação dos alunos e uma organização social da sala de aula que favoreça a ajuda personalizada. Para tanto, é necessário que se combinem adequadamente alguns (poucos) momentos de exposição em grande grupo com trabalhos em pequenos grupos fixos, momentos de trabalho em grupos flexíveis e momentos de trabalho individual. Como conseqüência, a formação dos professores deveria estar relacionada à prática destas formas de ensino.

No fundo, ensinar implica dominar habilidades, técnicas e estratégias de ensino, isto é, o domínio de procedimentos. Do mesmo modo que se aprende a dançar dançando, aprende-se a ensinar ensinando. Ao contrário, a maioria dos cursos de formação dos professores está ligada ao discurso teórico e, como sabemos, este tem muito pouca valia se não estiver relacionado, antes de tudo, a exemplos, ou seja, a modelos.

Entretanto, assim como dizíamos com relação aos conteúdos procedimentais, o conhecimento teórico sobre as características do ensino e sobre as formas de ensinar não é suficiente, mas é indispensável que esse conhecimento seja transposto à realização prática. Para isso, é necessário que a formação dos professores esteja estreitamente relacionada à prática real da sala de aula em um processo sistemático, no qual se conjuguem a utilização de modelos de ensino, a fundamentação sobre suas características, a análise de seu funcionamento, a sua revisão e a sua adequação às características do contexto, dos alunos e do próprio professor. A formação dos professores deve ser exercida prioritariamente na escola, na prática e pela prática na sala de aula.

Esse conhecimento permite-nos constatar a dificuldade representada pela formação dos professores, mas a ela devemos acrescentar o peso da história. A maioria dos professores somente conhece e aplica um

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modelo de ensino, aquele baseado na mera transmissão oral. Nossa herança pedagógica consiste em modelos de caráter expositivo, e os meios existentes, a estrutura das escolas e das salas de aula, a distribuição dos alunos e, em particular, os livros de texto correspondem a essa tradição.

Uma mudança deste modelo não é possível apenas com base em um conhecimento teórico que o questione. A mudança requer a existência de modelos fundamentados, espaços e tempos para a reflexão e a análise da prática, mas, sobretudo, apoios e incentivos aos professores proporcionais aos desafios que têm de enfrentar.

Devemos levar em conta que a disposição geral de qualquer pessoa ou grupo profissional é a resistência à mudança, em especial quando não são dadas as condições para que esta seja realizada, como a existência de modelos concretos e a disponibilidade de tempo para a aplicação progressiva com eventuais auxílios. Isto implica modelos de formação continuada centrados na prática real da sala de aula, além de uma formação nas escolas em que a reflexão sobre a prática esteja associada a apoios especializados na sala de aula e à colaboração entre iguais. Sem esses apoios e a existência de experiências como exemplos reais, é lógico que um profissional consciente não quer perder a segurança daquilo que é conhecido, por mais questionável que seja da perspectiva teórica.

A necessária relação entre ensinar e aprender 7

Segundo Telma Weisz, no fazer docente que liga os processos de ensinar e aprender, há que se escapar de uma concepção de aprendizagem das crianças “a partir da perspectiva do adulto” que geralmente já domina o conteúdo que precisa ensinar. Pois, sem “enxergar” o objeto de seu conhecimento com os “olhos de quem ainda não sabe”, o professor corre o risco de definir o que é mais fácil e o que é mais difícil para os alunos e quais os caminhos que eles devem percorrer para realizar as aprendizagens desejadas. Não existe um processo único de “ensino-aprendizagem”, como muitas vezes se diz, mas dois processos distintos. São dois processos que se comunicam, mas não se confundem.

A visão da escola como uma linha de montagem correspondia a uma concepção de ensino e de aprendizagem – que passamos a chamar nos anos 1970, de tecnicista – métodos de ensino, seqüência de passos programados. Weisz (2000) destaca que esse arranjo permitia o que se chamava de “ensino na medida do estudante”.

Supunha-se que, embora as crianças aprendessem em ritmos diferentes, todos aprenderiam, desde que se seguissem aqueles passos programados. Esse modelo foi o responsável por uma exigência cada vez mais baixa de qualificação dos professores.

Para compreender as concepções do professor é preciso analisar os seus atos em relação: • ao conteúdo que ele espera que o aluno aprenda; • ao processo de aprendizagem, isto é, aos caminhos pelos quais ele acredita que a aprendizagem

acontece; • à forma como ele acredita que deva ser o ensino.

A teoria empirista se expressa em um modelo de aprendizagem conhecido como de “estímulo e resposta”.

Esse modelo define a aprendizagem como “a substituição de respostas erradas por respostas certas”. A hipótese subjacente a essa concepção é a de que o aluno precisa memorizar e fixar informações – as

mais simples e parciais possíveis e que devem ir se acumulando com o tempo. O modelo típico de cartilha está baseado nisso.

É equivocada a expectativa de que o aluno poderá receber qualquer ensinamento que o professor lhe transmita exatamente como ele transmite. Não é o processo de aprendizagem que deve se adaptar ao de ensino, mas o processo de ensino é que tem de se adaptar ao de aprendizagem. Ou melhor: o processo de ensino deve dialogar com o de aprendizagem.

A autora destaca que nos anos setenta, as pesquisas realizadas por Emília Ferreiro, Ana Teberosky e colaboradores evidenciaram os problemas que a metodologia embutida nas cartilhas cria para muitas crianças. Segundo mostrou a psicogênese da língua escrita, em uma sociedade letrada, as crianças constroem conhecimentos sobre a escrita desde muito cedo, a partir do que observam e refletem a esse respeito.

Como as crianças constroem hipóteses sobre a escrita e seus usos a partir da participação em situações nas quais os textos têm uma função social de fato, freqüentemente as mais pobres são aquelas que têm as hipóteses mais simples, pois vivem poucas situações desse tipo. Mas, vindas de famílias pobres ou não, hoje

7 Adaptação partir de WEISZ,Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo, Ática 2000.

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– como no passado – é muito comum que, mesmo tendo o professor ensinado cuidadosamente a escrever moleque, elas escrevam muleci. O que o professor vai fazer a partir desse momento dependerá, fundamentalmente, de sua concepção de aprendizagem. Porque tendo consciência disso ou não, todo ensino se apóia em uma concepção de aprendizagem. Podendo essa ser empirista, apriorista ou interacionista, de acordo com a epistemologia que guia a ação desse professor.

A autora defende então que é possível enxergar o que o aluno já sabe a partir do que ele produz e pensar no que fazer para que aprenda mais, pois nas últimas décadas, muitas pesquisas têm ajudado a consolidar uma concepção que considera o processo de aprendizagem como resultado da ação do aprendiz.

Para interpretar adequadamente o que está acontecendo com a aprendizagem de seu aluno, o professor precisa de um conhecimento que é produzido no território da ciência. Isso porque, na verdade, a gente consegue ver apenas o que tem instrumentos para compreender. Na concepção de aprendizagem que se tem chamado de construtivista – na qual o conhecimento é visto como produto da ação e reflexão do aprendiz – esse aprendiz é compreendido como alguém que sabe algumas coisas e que, diante de novas informações que para ele fazem algum sentido, realiza um esforço para assimilá-las. Ao deparar com questões que a ele se colocam como problemas, depara-se também com a necessidade de superação. E o conhecimento novo aparece como resultado de um processo de ampliação, diversificação e aprofundamento do conhecimento anterior que ele já detém. Assim sendo, é inerente à própria concepção de aprendizagem que se vá buscar o conhecimento prévio que o aprendiz tem sobre qualquer conteúdo.

Do ponto de vista construtivista é preciso aceitar a idéia de que nenhum conceito – nem o número, nem a quantidade, nem nada – nasce com o sujeito ou é importado de fora, mas precisa ser construído. E que esse processo não tem a lógica do conhecimento do adulto. Por exemplo: a um adulto pode parecer absurdo que alguém imagine que uma certa quantidade de bolinhas, quando espalhadas, contenha mais unidades do que quando juntas. Mas é isso o que pensam as crianças pequenas, até que tenham construído a noção de conservação de quantidade.

Embora a pedagogia namore o construtivismo desde o começo do século passado, foram necessários anos para que se produzisse um conhecimento que pudesse servir de referência a uma prática pedagógica apoiada nessa concepção de aprendizagem. O que mostra que não é verdadeira a ideia de que uma concepção da aprendizagem gera diretamente uma pedagogia de um determinado tipo.

Nos anos 20, chegou ao Brasil a visão da criança não como um adulto em miniatura, mas como um ser com características distintas – uma visão do aprendiz como um ser ativo. Eram as ideias da Escola Nova, nome que se deu a vários movimentos dentro da educação através de educadores importantes como Dewey, Claparède, Decroly, Montessori e Freinet. Embora tivessem algumas divergências entre si, assumiam todos o mesmo princípio norteador: a valorização do indivíduo como ser livre, ativo e social.

Claparède, considerado o pai da Escola ativa, tinha como premissa que a necessidade é a mola propulsora da ação inteligente. Ficava então a questão: “como suscitar a necessidade na escola? Para responder a essa questão, os pensadores construíram um modelo de ensino: a aprendizagem por descoberta. A escola deveria permitir às crianças se auto-regularem, buscando o conhecimento na medida de suas necessidades, como se o conhecimento fosse uma espécie de alimento para o espírito. Evidentemente, um modelo como esse refutava a ideia de decidir a priori os conteúdos do ensino. A utilização, freqüentemente distorcida dessas ideias acabou por incentivar uma onda de práticas espontaneístas.

Era como se esquecêssemos que a escola é uma instituição cuja função social é claramente colocada: formar o cidadão daquele momento histórico, naquele país, naquela circunstância.

Ao colocar o foco exclusivamente no processo de aprendizagem, o movimento da Escola Nova deixou de lado o produto dessa aprendizagem. Essa posição derivava, entre outros motivos, de uma crítica bastante pertinente à aprendizagem não significativa, de pura memorização, sem sentido. Mas, tentando mudar essa realidade, o que se acabou fazendo foi “entortar a vara para o outro lado”. A ideia predominante era que o papel do ensino deveria ser o de criar possibilidades para que o aluno pudesse “aprender a aprender”, não importava o quê.

Além desse aparente “desinteresse” em relação aos conteúdos escolares, a Escola Nova, profundamente criticada no Brasil nos anos 1970, possuía pressupostos que não funcionavam. Suas orientações ficavam geralmente no nível das recomendações gerais: é importante trabalhar em grupo, desenvolver a cooperação, a criatividade, estimular a curiosidade. O discurso era construtivista, mas a prática ainda era empirista. Surgiram muitas propostas pedagógicas diferenciadas. Montessori, por exemplo, desenvolveu uma pedagogia centrada na percepção da criança, com um método apoiado em uma série de materiais específicos e caros, confeccionados especificamente para o ensino escolar. Freinet, ao contrário, trouxe o mundo social para dentro da escola. Foi um dos primeiros a reiterar a importância do trabalho do aprendiz e, como Dewey, o papel educativo de desenvolver projetos com os alunos. Mas nenhuma proposta deu conta do tratamento didático de conteúdos escolares específicos em sua totalidade.

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O modelo de ensino atualmente relacionado ao construtivismo chama-se aprendizagem pela resolução de problemas e pressupõe uma intervenção de natureza própria. Propõe-se que a didática construa situações tais que o aluno precise pôr em jogo o que ele sabe no esforço de realizar a tarefa proposta.

O conceito de aprender a aprender continua, na essência, sendo o mesmo proposto pela Escola Nova. Na prática, no entanto, ele muda radicalmente. Se antes o aprender a aprender era visto como um desenvolvimento geral da lógica do aprendiz, hoje sabemos que há um desenvolvimento da lógica sim, mas que o aprendiz precisa dominar conhecimentos de diferentes naturezas, como as linguagens, por exemplo. Precisa ter flexibilidade e autonomia.

A bagagem básica necessária hoje é acadêmico-cultural, em que se articulam conhecimentos de origem tradicionalmente escolar e relacionados aos movimentos cultuais da sociedade. Nessa perspectiva, a escola hoje tem uma tripla função: levar os alunos a aprender a aprender, dar-lhes os fundamentos acadêmicos e, sem perda de tempo, equalizar as enormes diferenças no repertório de conhecimento com que eles chegam. Todos sabemos que é impossível à escola realizar sozinha essa terceira função, mas sua contribuição é essencial.

Para terem valor pedagógico, serem boas situações de aprendizagem, as atividades propostas devem reunir algumas condições, respeitar alguns princípios. Boas situações de aprendizagem são aquelas em que: • os alunos precisam pôr em jogo tudo o que sabem e pensam sobre o conteúdo que se quer ensinar; • os alunos têm problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se propõem produzir; • a organização da tarefa pelo professor garante a máxima circulação de informação possível; • o conteúdo trabalhado mantém suas características de objeto sociocultural real, sem se transformar em

objeto escolar vazio de significado social.

Nem sempre é possível organizar as atividades escolares considerando simultaneamente esses quatro pressupostos.

Se um professor enfatiza que escrever corretamente é importante, mas não dedica muito tempo escolar às atividades de reflexão sobre a ortografia, estará mostrando – na prática e com muito mais força – que não é tão importante assim o que havia recomendado. Da mesma forma, quando aceita que o aluno escreva errado, palavras já bem conhecidas, também estará concordando com essa maneira de escrever.

Exigência básica para essa gradativa qualificação é, segundo Weisz, o desenvolvimento profissional permanente, para o qual ela destaca algumas exigências: • dialogar com a atividade de aprendizagem do aluno; • assumir um alto grau de autonomia; • perceber a mudança do seu papel: 1970 – treinamento; 1980 – formação ou capacitação em serviço

(compensar as deficiências e formação); papel atual – criar ou adaptar boas situações de aprendizagem, adequadas aos alunos reais, cujos percursos ele precisa conhecer.

O professor e a organização curricular

O conhecimento de que dispomos permite-nos concluir, com toda a segurança, que os currículos devem ser suficientemente abertos e flexíveis para permitir a adaptação dos professores às mudanças sociais e às características diferenciais de cada contexto educativo e de cada aluno.

A necessidade de adequação ao contexto e aos alunos requer afastar-se do professor que aplica as decisões de outros (a administração que determina os conteúdos curriculares e os livros de texto fechado que definem quando e como ensinar) para ser cada vez mais estratégico e capaz de responder a cada momento às necessidades dos alunos e, portanto, selecionar e priorizar os conteúdos de aprendizagem, planejar a intervenção pedagógica e aplicar de forma flexível na sala de aula aquilo que se programou. É preciso ser um professor que conta com um pensamento estratégico, que vive em uma cultura de formação permanente, baseada na reflexão e na análise compartilhada da prática educativa. Ao mesmo tempo, será preciso desenvolver a autonomia das escolas com instrumentos de gestão desta autonomia que possibilitem a tomada de decisões compartilhadas e fundamentadas sobre o que, quando e como ensinar e avaliar.

Para que esse processo ocorra, é necessário o desenvolvimento de projetos educativos e curriculares que permitam a tomada de decisões compartilhadas e a existência de espaços e tempos para a reflexão, tudo isso apoiado com meios materiais e pessoais, além de ajudas externas de assessoramento e formação.

Já no início do século passado, começou-se a compreender a dificuldade que representa a diversificação do saber e a perda da verdadeira essência do conhecimento. A partir de tais inquietações nasceram, ao longo do século, propostas metodológicas baseadas em perspectivas globais e integradoras, métodos globalizados plenamente vigentes hoje, com as adaptações atuais da sociologia e da psicopedagogia. O método dos centros de interesse de Decroly, os projetos de Kilpatrick, os complexos de interesse de Freinet, a pesquisa do meio do MCI italiano ou os projetos de trabalho são formas de intervenção que permitem superar a fragmentação do saber e, ao mesmo tempo, dotar de maior significado as aprendizagens.

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Porém, do ponto de vista conceitual, podemos dizer que a forma mais apropriada de responder às necessidades de integração do saber passam por uma abordagem do currículo com um enfoque globalizado, que inclui, por sua vez, as metodologias globais mencionadas antes. A necessidade de realizar o esforço integrador, ou ter um enfoque globalizado, depende de se o que queremos é desenvolver nos alunos um pensamento para a complexidade, no qual as aprendizagens são adquiridas de forma significativa, podendo ser utilizadas em qualquer momento em que se mostrem necessárias, e não apenas para ser revertidas em uma prova ou exame.

O enfoque globalizado é a forma ou perspectiva segundo a qual o objeto de estudo na escola são os problemas apresentados pela realidade. Significa que qualquer aprendizagem deve partir de situações da realidade dos alunos, ou de algo que eles possam entender como componente da realidade. Situações que são motivadoras, interessando conhecê-las melhor, e que colocam problemas de conhecimento ou de resolução. É a partir da necessidade de responder às questões que a realidade lhes coloca que se tornam imprescindíveis as contribuições das diferentes áreas do conhecimento. O uso sistemático dos conceitos e técnicas das diferentes disciplinas possibilitará um conhecimento mais profundo e elaborado da situação da realidade estudada. Mediante esse processo, os alunos não apenas adquirem um maior conhecimento sobre a realidade, como aprendem de forma funcional conhecimentos e estratégias de diferentes disciplinas acadêmicas.

O enfoque globalizado nas escolas

Aparentemente, a aplicação do enfoque globalizado nas escolas aparentemente é simples. Consiste apenas em entender que os objetos de estudo na sala de aula são os problemas de todo tipo, as situações surpreendentes, as necessidades de comunicação, a elaboração de objetos ou projetos. Os professores, sempre que possível, utilizaram um enfoque globalizado. Assim o fizeram para ensinar as frações partindo de um problema da realidade, como repartir uma torta entre todos os alunos da classe; ou para entender uma forma gramatical partindo de um texto real que não se consegue assimilar; ou para compreender o que é a densidade contrastando diferentes tipos de líquidos conhecidos; ou para compreender a fotossíntese perguntando por que algumas plantas crescem e outras não; ou para entender as equações de segundo grau, partindo da necessidade de identificar rigorosamente as diferentes curvas de um objeto interessante. Contudo, é importante transmitir a idéia de que estes são problemas parciais e de que a realidade é mais complexa, sendo preciso relacionar os conteúdos de certas disciplinas aos de outras disciplinas para poder entendê-la melhor, de modo que os alunos compreendam que não se deve aprender as frações, o sintagma nominal, a densidade, a fotossíntese ou as equações de segundo grau porque são conteúdos importantes para a língua, a matemática, a física ou a biologia, mas sim porque são instrumentos muito eficazes para, de forma integrada, compreender os problemas extremamente complexos que nos colocam - ou colocarão - a própria vida ou a realidade. Mais uma vez, a dificuldade é determinada pela história. Uma história que não nos forneceu os meios necessários, nem a formação, nem a ajuda adotarmos um enfoque global.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: SABERES NECESSÁRIOS À PRÁT ICA EDUCATIVA 8

O profissional da educação precisa encontrar e sentir-se parte do processo educativo, em busca de ser um transformador consciente da sociedade. A função da escola e as práticas dos professores são constantemente alvos de questionamentos no contexto social, principalmente quando se discute a educação escolar como ponto fundamental na formação do sujeito. Nessa discussão sobre a educação, um dos fatores observados é a formação dos educadores e suas práticas de ensino. Os professores muitas vezes se encontram em total desmotivação, devido às circunstâncias e dificuldades da profissão, e passam por momentos de conflitos quanto à sua formação profissional.

O educador é um aprendiz, com limitações humanas e, por isso, é viável discutir a formação do mesmo. Com base na temática de Freire (1996), pretende-se esclarecer que a formação docente deve causar a indagação no educador desafiando-o à apropriação de saberes que são necessários à prática educativa. O que se faz necessário entender, para alcançar esses saberes é que a realidade do professor hoje não é consequência do acaso. Pelo contrário, sua situação de vida, suas práticas, suas crenças, estão intimamente ligadas às situações históricas de participação. Diante disso percebe-se a formação do profissional da educação, como ponto de partida para permear saberes e práticas, na vida do educando.

No texto a seguir discute-se, segundo Freire (1996), a autonomia dos educandos, os recursos que os

8 Adaptação a partir de Renata da Silva Oliveira. Em: Caderno Discente do Instituto Superior de Educação – Ano 2, n. 2 – Aparecida de Goiânia – 2008 137

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educadores precisam buscar para adquirir novas práticas, aprender a pesquisar, ser um docente discente. Enfim, tudo aquilo que leva o educador a valorizar a sua profissão e o discente, como indivíduo capaz de administrar as suas próprias idéias. Na perspectiva freireana deve ser observada a reflexão crítica que o professor necessita sobre a prática. Considera-se também por meio de Brandão (1995) a educação como emancipação do sujeito. É mister citar a autora Aranha (2006) a respeito da prática docente, professores reflexivos e transformadores. Ao discutir sobre formação de professores acredita-se na necessidade da compreensão de aspectos da educação tais como: perceber o profissional como um indivíduo, que luta para realizar sua profissão de educador, e o aluno como um ser pensante, capaz de construir juntamente com o educador seu aprendizado, estimulando dessa maneira o prazer de estudar. Dessa forma, fica claro que a formação do educador vai depender de como se dá o processo educativo.

É peculiar citar Brandão (p. 9) quando relata que

“Não há uma forma única nem único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor, o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante”.

De acordo com Brandão a educação faz parte de um todo na sociedade e deve ser para todos, a escola

não é o único lugar em que ela ocorre, ou seja, nessa colocação é visível que a educação está condicionada ao processo de transformação social por meio de práticas educativas, e a escola aparece como espaço privilegiado da aquisição dos saberes sócio-culturais historicamente construídos. Segundo Freire

É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado.” (1996, p. 25).

A preocupação é a de que seja visível a percepção do professor em relação a sua docência. Deve-se

observar em suas práticas e não se subjugar em relação ao que já sabe ou que aprendeu. Precisa ser despertada a necessidade de pesquisar na prática do ensino-aprendizagem, ou seja, na sua formação profissional. Pois segundo Brandão,

“[...] ninguém escapa da educação. Todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar [...] todos os dias misturamos a vida com a educação.” (p. 7).

Ao citar o professor como profissional da educação refere-se ao indivíduo que busca se profissionalizar no

que faz, ou seja, a busca da formação como continuação de sua pesquisa e aprendizado. O educador deve estar em constante pesquisa preparando-se e formando-se continuamente. Ao falar em formação continuada, ela é pensada como uma formação sem fim.

Esse pressuposto não está fora da realidade, pois a palavra continuada quer dizer contínuo, ou seja, sem interrupções. Percebe-se, assim, de maneira clara que na formação do professor não pode haver interrupções no sentido de não parar. Esse fator relevante deixa claro que o profissional deve permanecer em contato com a pesquisa, estudos, análises, na sua prática educativa. Freire esclarece essa questão: O professor que não leve a sério sua formação, que não estude que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. [...] O que quero dizer é que a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor. (1996, p. 103).

Segundo Freire, “[...] por isso é preciso que, na formação permanente dos professores o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática, de maneira que se pense na prática de hoje ou de ontem para melhorar a próxima.” (1996, p. 44).

Conforme essa premissa o professor tem a necessidade de conhecer, e fazer a própria análise daquilo que

está conhecendo. E esse fator dá a possibilidade do educador perceber como está a sua formação. Como ele está desenvolvendo a sua prática mediante o ensino obtido. De acordo com Aranha, os outros cursos de licenciatura devem ser observados e vistos como superação da profissão docente e ela ressalta que:

A revalorização da profissão docente deve começar pelos cuidados com a formação do professor. Tornar os cursos de pedagogia momentos efetivos de reflexão sobre a educação é condição para a superação da atividade meramente burocrática em que mergulham muitos desses cursos. (2006, p. 43).

Segundo a autora os cursos de pedagogia e as licenciaturas devem proporcionar uma compreensão

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sistematizada da educação, a fim de que o trabalho pedagógico se desenvolva para além do senso comum e se torne realmente uma atividade intencionada. No entanto, a autora acredita que se devem dominar também além dos aspectos teóricos, os recursos técnicos, desenvolvendo as habilidades que viabilizam a atividade docente, e agregando elementos que possibilitem uma práxis educativa reflexiva. De acordo com Aranha,

“O professor é um profissional e, como tal, além da boa formação deve ter garantidas condições mínimas para um trabalho decente.” (2006, p. 45).

De acordo com Aranha (2006) embora sejam importantes as instituições voltadas para a formação de

professores e pedagogos, a história mostra um panorama diferente, de interesse tardio e nem sempre persistente nesse empenho. Para ela desde os séculos XVII e XVIII; quando começaram as escolas à semelhança das atuais preparações dos mestres era encargo principalmente das ordens religiosas fornecerem tal educação, o Estado só passou a se interessar pela organização da escola pública e formação dos professores a partir do século XIX.

Ainda conforme a autora, o descaso pelo preparo do mestre fazia sentido em uma sociedade não comprometida em priorizar a educação elementar. Além disso, prevalecia à tradição pragmática de acolher professores sem formação, conforme o pressuposto de que não havia necessidade de nenhum método pedagógico específico. Essa tendência, embora começasse a ser criticada pelo governo, predominaria ainda por muito tempo, em decorrência da concepção “artesanal” da formação do professor. Assim, em 1937, diplomaram-se os primeiros professores licenciados para o ensino secundário. Após a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases (Lei n° 9.394/96) manteve os cursos universitários de pedagogia e criaram os Institutos Superiores de Educação, voltados para a formação de professores da educação básica (curso normal superior), a formação pedagógica e a educação continuada para profissionais da educação.

Os cursos de magistério de nível secundário continuam preparando professores para a educação infantil e as primeiras séries do ensino fundamental, exigindo-se para o restante a formação superior. No entanto, a intenção é que com o tempo todos os professores de qualquer nível tenham formação universitária.

Pelos relatos de Aranha (2006) é visível a necessidade dos educadores em buscar o conhecimento através da formação, ou seja, é necessária uma busca pelo saber que vem acompanhada de interesse e vontade de crescer, que abole o mero profissional da educação. A LDB de 1996 ressalta que os professores precisam adquirir formação para atuar no campo da educação, e essa preparação é que vai influenciar a relação entre prática e teoria. Pois, o educador precisa se desenvolver na sua prática docente, como cientista da educação. Nos artigos 61 e 62 da LDB é possível constatar que: Art. 61.

A formação de profissionais da educação de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: I – a associação entre teorias e praticas, inclusive mediante a capacidade em serviço; II – aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades. Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena; em universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Muitos professores têm buscado essa formação que a própria lei exige. Nota-se por parte do profissional a preocupação de adquirir novos conhecimentos, já por parte do Estado isso não é tão visível assim. A preocupação foi fortalecer a lei, mas cumprir isso pouco acontece. Não é de hoje que a preocupação do Estado está longe dessa classe. É claro que com o passar do tempo notam-se muitos avanços na área do ensino, mas ainda há muitas práticas que acontecem no presente que revelam que o velho ainda reflete sobre o novo, não só no ensino, ou nos que ensinam, mas entre os que governam esse ensino. Nesse sentido Nóvoa diz que:

Repensar a escola hoje é, antes de mais, trazer para o cenário educativo este “vértice perdido”, sublinhando a importância de uma participação que não se esgota no nível profissional, nem no plano do Estado. É procurar encontrar novas respostas para um velho problema. (1998, p. 20).

O autor ressalta a necessidade da participação do profissional e do Estado para que seja encontrada a

solução para esse velho problema. O pesquisador propõe uma reflexão organizada em três tempos, procurando interrogar as relações entre a escola e a sociedade, sobretudo a partir de uma análise centrada nos caminhos e descaminhos da profissão docente. Na primeira , ele alerta contra os perigos das visões extremas da escola, ora como salvadora ora como mera reprodutora da sociedade. Na segunda parte , o autor chama atenção sobre a crise de identidade dos professores, sublinhando a necessidade de um reforço da sua autonomia profissional. Finalmente, ele faz de dois argumentos na terceira parte , defendendo que

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qualquer mudança no terreno educativo tem de passar por um investimento positivo dos diversos poderes em ação na arena educativa.

De acordo com Nóvoa (1998), os professores têm de afirmar a sua profissionalidade num universo complexo de poderes e de relações sociais, não abdicando de uma definição ética, em certo sentido militante na sua profissão, não alimentando utopias excessivas que se viram contra eles, obrigando-os a carregar nos ombros o peso de grande parte das injustiças sociais. É nesse sentido que o professor deve encarar a realidade de que não é o salvador da pátria, e não deve assumir irresponsabilidades que não atribuídas ao seu papel de educador.

A educação precisa de fato ser uma realização de todo um meio social. A educação está inserida em tudo que o ser humano projeta, então, o profissional não pode se comportar como um ser fragmentado e tem que ter consciência da sua importância na sociedade ainda que as autoridades não reconheçam o trabalho docente.

Os cursos de formação precisam de uma verificação curricular, uma avaliação do currículo, o que está sendo ensinado aos professores. Um olhar reflexivo e crítico sobre o ensino na formação docente são necessários. Para que aconteça um “ensino radical” a formação de professores envolve, como principal tarefa, a criação de modelos teóricos que forneçam um discurso crítico para analisar as escolas.

Percebe-se acerca do currículo a necessidade dos educadores em respeitar a cultura de cada aluno, pois se eles tratarem as histórias, experiências e linguagens de diferentes grupos culturais como formas particularizadas de produção, terão menos dificuldade de entender leituras, respostas e comportamentos que os alunos exibem. Por isso, o professor precisa ter bases pedagógicas que sirvam à aprendizagem dos alunos, respeitando essa cultura. De fato, é importante que na formação docente o professor abranja o contexto da educação em sua totalidade. Tem que ser um educador consciente e conhecedor, considerando a cultura de todos os educandos, e respeitando-os na sua diversidade. A educação não é um fator distante da vida do indivíduo e sim comum. Muitas vezes o que dificulta o aprendizado e o ensino é a falta de compreensão da cultura de cada um. Mediante essas questões Brandão (1995, p. 10), relata que

A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade.

Portanto, os professores devem reconhecer e considerar que o discente não está totalmente vazio, que ele

já traz consigo alguns saberes. Segundo Brandão,

[...] o educador imagina que serve ao saber a quem ensina, mas, na verdade, ele pode estar servindo a quem o constituiu professor (1995, p. 11).

No entanto, o educador deve permear como um influenciador, sem descartar a cultura de cada educando,

propondo-lhe novos saberes através de suas próprias interrupções. Demo ressalta bem essa questão ao afirmar que

A aula que apenas repassa conhecimento, ou a escola que somente se define como socializadora de conhecimento, não sai do ponto de partida, e na prática, atrapalha o aluno porque o deixa como objeto de ensino e instrução”. (2002, p. 7).

De acordo com Demo (2002), é evidente que o educar pela pesquisa é um desafio, mas é compensativo e

faz toda a diferença na história do educando. Para Demo (2002) é mister desenvolver a face educativa da pesquisa, também para não restringi–la. Há momentos de acumulação de dados como leituras, materiais, experimentos, que não passam de insumos preliminares. Na pesquisa é incluída a percepção do pesquisador que busca em fazê-la à medida que começa e se reconstitui pelo questionamento sistemático da realidade, incluindo assim a prática como componente necessário da teoria, e vice-versa, englobando a ética dos fins e valores. Freire é claro ao ressaltar que “[...] não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino” (1996, p. 32).

O que o autor coloca é que essas dimensões andam juntas e não têm como se separarem. Sem a pesquisa não é possível desenvolver um estudo, não há como falar que houve novas práticas; a pesquisa deve permitir conhecer o que não se conhece e, depois de feita, deve ser anunciada ou comunicada. No entanto, o profissional da educação não pode abrir mão da sua formação; o saber e as práticas educativas só acontecem por meio de pesquisas e estudos. Para Freire (1996) é peculiar analisar os saberes que são necessários à prática educativa e fazer relação entre os mesmos e à formação docente.

O necessário acontecimento que deve motivar os educandos é o desejo de aprender segundo Freire (1996) esse desejo deve ser provocado nos discentes sem alienação. Deve ser um aprendizado no qual todos aprendem e ensinam ao mesmo tempo, dando sentido assim, a reconstrução do conhecimento por meio de

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suas próprias práticas alcançando os saberes de forma clara. Segundo Freire (1996, p. 23) “[...] não há docência sem discência” e, ao mesmo tempo em que um ensina

aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender, essa é a possibilidade da reconstrução partindo da realidade do educando. É visível, dessa maneira, o acontecimento da prática educativa, que se faz necessário no aprendizado de alunos e no ensino dos educadores. A prática educativa não é simplesmente uma mudança de comportamento, mas de acordo com os relatos de Freire (1996), não tem como separar os acontecimentos no cotidiano dos alunos e nem marcar horários para que aconteça o aprendizado, mas se deve aproveitar cada momento vivenciado pelos educandos seja em qual for o lugar ou situação, essa prática automaticamente virá, sem ser um programa.

Cada sujeito é único com sua história própria que lhe permite dar significado à experiência e construir o cotidiano. Para acontecer essa prática é necessário levar em conta o mundo que rodeia o sujeito e ver como o objeto se apresenta na sua experiência, pois o mesmo fato pode ter significados diferentes para pessoas diferentes. Desse modo, percebe-se que a realidade da vida cotidiana também inclui uma participação coletiva. Essa vivência deve ser participativa entre todos. Para Freire (1996, p. 43)

[...] o saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, “desarmada”, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito”.

Nessa perspectiva, é que surge a curiosidade epistemológica do sujeito, ou seja, esse é o fundamento que

precisa existir na prática da formação do docente. O autor coloca ainda que para se pensar certo não são necessárias regras de deuses ou guias de professores intelectuais, pelo contrário, o pensar certo supera o ingênuo, tem que ser produzido pelo próprio aprendiz, juntamente com o professor formador. É notável que aquele professor que se preocupa com o aprendizado dos alunos se dispõe em ter um ótimo relacionamento, sendo realmente um orientador que estimula nos educandos o prazer e o desejo pelo ensino, promovendo assim, novas práticas.

Significa dizer que em muitas situações eles exercem atitudes de acordo com a expectativa do dever-ser, mas em outras, procuram construir um novo papel, um novo dever-ser, que responda a uma nova idéia de professor. O fato é de que ser um bom professor exige saber aonde se quer chegar, traçando metas e objetivos. Portanto, o professor, em vez de expor e explicar somente, deve perguntar, problematizar situações. Concentrar-se em fazer interrogações aos alunos, deixando que eles mesmos façam as exclamações. De acordo com Burke: A aprendizagem só pode ser realizada pelo próprio sujeito que aprende. Isso tem, é evidente, uma implicação profunda para toda a metodologia de ensino. É o aluno que deve pôr em ação seus mecanismos ou esquemas de assimilação, seus mecanismos operatórios, suas estruturas, seus conhecimentos.

O professor reflete os valores, as ideologias e os princípios estruturais que dão sentido às histórias, à cultura e às subjetividades que definem o trabalho do dia-a-dia dos educadores. Por isso, é de suma importância discutir sobre o profissional da educação e sua formação. Nota-se que estudar o profissional da educação é muito mais que julgá-lo como um ser pouco pensante, ou preocupado apenas com o salário, ou ainda um ser que acredita simplesmente na sua profissão.

No entanto, deve-se estudar o cotidiano do professor para compreender os fenômenos sociais que o cercam e, com esta compreensão, entendê-lo nesse contexto. Portanto, apesar da política não dar o valor formal ao professor, a sociedade (alunos) valoriza bastante o papel docente. Nesta valorização aparece a idéia do professor que responde aos desafios de uma sociedade moderna, industrializada. É perceptivo que aqueles professores que buscam compreender o cenário da educação na sua prática educativa têm clareza os caminhos que escolheram para alcançar as modificações sociais e dão ao papel docente uma dimensão mais ampla do que apenas o contato com os alunos na sala de aula. Entretanto, a formação do educador é um processo, acontecendo no interior das condições históricas em que ele mesmo vive. É uma realidade que se faz na sua vida diária.

O que se constata na educação e com base nas discussões de autores citados nas referências bibliográficas é que a educação de professores tem sido mais efetiva pelas influências da prática educativa, e essa questão pode influir no repensar dos cursos de formação de professores. Os esforços dos cursos de Licenciatura e de Pedagogia têm sido maiores sobre a formação do futuro professor, tendo uma compreensão mais teórica do que prática.

A história e as práticas educacionais do aluno, assim como o seu exercício educacional futuro, têm sido pouco priorizadas nas ações universitárias e nas demais instituições que se envolvem com a educação de professores. No entanto, não bastam esforços na formação prévia do professor. É preciso estender ações e influências sobre o professor em exercício, favorecendo situações de análise e reflexão sobre a sua própria condição e experiência.

Fica claro que o desafio de educar uma sociedade é grande, e quem poderá vencer esses desafios serão

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somente aqueles docentes que estão realmente preocupados com a sua prática. Buscando ainda o esforço coletivo para reconhecer e refletir sobre as contradições da sociedade, para promover avanços na educação brasileira. Conclui-se dessa maneira que os saberes necessários à prática educativa deixam o educando agir o que significa administrar as suas próprias idéias, partindo da construção para a reconstrução. Deve ser concedido ao discente o direito de pesquisar, investigar, ensinar e aprender ou aprender e ensinar. Ao profissional da educação fica claro, primeiramente, o dever de se tornar um ser consciente de seu papel de educar. Propondo as praticas de modo que o ensinar não se torne transferir e nem o formar dá forma a alguém.

Assim, em todo processo educativo como ler, escrever, pesquisar, enfim aquilo que envolva aprendizagem do aluno deve desafiá-lo a confrontar situações e problemas de um mundo real e não imaginário. Por isso, o processo de aprendizagem não pode ficar somente no achismo, ou apenas na teoria insignificante, mas precisa fundamentar o ponto de vista e tornar significativa a teoria. Isso depois de provocar no aluno o desejo, “a curiosidade epistemológica” que, na perspectiva freireana, dá um sentido ao seu fazer. É fundamental que a incorporação da teoria lhe proporcione a compreensão e solução fundamentada das situações e problemas da vida. Após esse processo, o aluno estará capacitado a ter um pensamento critico e expressar-se com fundamento. Sabendo a razão pela qual afirma aquilo que afirma, desenvolvendo, assim, o espírito investigatório. Quando no seu cotidiano aparecer situações intrigantes e problemas inusitados a resolver, sua mente estará mais preparada para achar caminhos que levem à sua compreensão e solução.

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Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 1996.

AVALIAÇÃO 9 A avaliação da aprendizagem de modo geral, é entendida pela maioria dos alunos e por muitos

professores, como aplicações de provas e exames. Porém, ocupa uma posição extremamente contraditória em relação a uma das principais funções da escola, a promoção de inclusão social. Embora seja um processo burocrático necessário que precisa ser traduzido em notas, conceitos ou menções, seu emprego acaba tornando-se motivo de tormento para os estudantes.

São apresentados alguns métodos de avaliação, bem como a utilização do erro como ferramenta deste processo. É preciso entender o real sentido da avaliação, fazendo com que esta não se transforme em uma máquina classificatória excludente. Com a finalidade de entender essa problemática da avaliação, buscou-se em livros e na Lei 9394/96-Lei de Diretrizes e Base da educação Brasileira, um embasamento sólido para a construção deste artigo.

O processo de Avaliação A maneira em que a educação abrange a avaliação nos dias de hoje, vem de um processo iniciado na década de 1940 graças à atuação de Ralph W. Tyler, que tem como princípio que educar consiste em mudar padrões antigos ou gerar novos padrões de comportamentos, sendo que o currículo passa a ser composto por especificação de habilidades desejáveis expressadas em objetivos a serem atingidos. Assim avaliação

“consiste essencialmente em determinar se os objetivos educacionais estão sendo realmente alcançados pelo programa do currículo e do ensino como os objetivos visados constituem em produzir certas modificações desejáveis nos padrões de comportamento do estudante, avaliação é o processo mediante o qual determina-se o grau em que essas mudanças de comportamento estão realmente ocorrendo” (Tyler, 1975:99).

Nota-se, que esta citação tem como enfoque o aspecto funcional da avaliação realizada em função dos

objetivos previstos, como exigiu a metodologia da época, pois nesse período, o sistema escolar era tido como principal responsável pela baixa qualidade de mão-de-obra, pelo despreparo das massas políticas e pela má distribuição de renda.

VASCONCELLOS (2003) afirma que existe o problema da avaliação. Disto ninguém parece discordar; ao contrário, percebemos um amplo consenso quanto ao fato que a avaliação escolar é hoje um grande desafio. Este consenso, no entanto, começa a se desfazer quando parte-se para sua analise, na medida em que existem diferentes compreensões do mesmo.

Vasconcellos alerta que a reprovação escolar é antiga. Desde a China, por volta de 2205 a.C generais de exército já avaliavam soldados a cada três anos a fim de promover ou demitir. Com o caráter que tem hoje, sua história é recente. Data da constituição da burguesia enquanto classe.

É impactante perceber, através desse autor, que o papel da escola, a função real e oculta que lhe é determinada, é precisamente a de partir dos fracassos escolares dos desfavorecidos, mergulhá-los na humilhação para que não renunciem a uma atitude de submissão.

A avaliação contribui para reproduzir e perpetuar este processo, separando os aptos dos inaptos. Para uma melhor compreensão do problema é necessário considerarmos um contexto mais amplo,

marcado por contradições sociais, tal qual se apresenta a realidade atual: - mudança no quadro de valores da sociedade (excesso de liberdade, afrouxamento da autoridade de pais

e educadores - diminuição da motivação pelo estudo, escola deixa de ser vista como local de ascenção social - inadequação curricular - não alteração de metodologias de trabalho em sala de aula - situação do professor: má formação, baixa remuneração, carga excessiva de trabalho

9 Adaptação a partir de Marcos José Andrighetto e Cleitom José Richter. Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia – PPGECT I Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia – 2009 ISBN: 978-85-7014-048-7 Página: 1540

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- superlotação das escolas, salas de aula, instalações e equipamentos precários - distância entre teoria e prática no trabalho do professor - distância entre concepção/realidade efetiva que pode ser superada por um exercício de análise critica da

prática, tanto individual como coletivamente Assim, consciente ou não, o professor participa da distorção do que seja avaliação: a) num primeiro nível quando dá destaque a ela, usando-a como instrumento de dominação e controle; b) num nível mais profundo quando a utiliza como instrumento de discriminação social. De acordo com Vasconcelos, o professor chega a esse ponto, por algumas razões: 1. necessidade

– proposta de trabalho que não são apropriadas para os alunos – gênese da necessidade de controle por parte do professor – redescoberta da nota como instrumento de coerção

2. ingenuidade 3. convicção 4. comodidade 5. pressão

Teses sobre a avaliação pervertida ou sobre a perve rsão da avaliação

Vasconcelos enumera uma série de afirmações que ele denomina “lógica do absurdo”, sobre avaliação escolar: 1. tem sua lógica a escola valorizar muito nota e dar-lhe grande ênfase, pois afinal é o que demais

importância ali acontece; se a escola aumenta a exigência, o aluno se esforça mais 2. tem lógica a escola montar clima de tensão, pois a sociedade também faz tensão sobre o perfil competitivo

dos profissionais 3. tem lógica a escola ceder à pressão dos pais, pois sempre foi assim 4. tem lógica a escola usar o argumento da transferência dos alunos como justificativa de não mudança de

suas práticas, pois assim a escola não muda e se perpetua o sistema 5. tem sua lógica o professor supervalorizar as notas, pois caso contrario, não consegue dominar a classe. 6. tem sua lógica o aluno ir mal no 4º bimestre, tirando só anota que precisa, pois está interessado em passar

de ano e não em aprender 7. tem sua lógica o professor só valorizar a resposta certa, pois na sociedade é isto o que importa; professor

respeitado pela comunidade é o professor “durão” e não aquele que se preocupa com aprendizagens 8. o fato dos alunos terem “branco”, medo, nervosismo, ansiedade, etc é tudo culpa deles e da família porque

não tem hábito de estudos 9. os alunos ainda não perderam esta terrível mania de acreditar mais no que fazemos do que falamos (faz

sentido ao aluno valorizar a nota, pois afinal é que cobramos) 10. tem sua lógica o aluno não estudar todo dia, na medida em que percebe essa necessidade, já que o

professor da matéria direitinho, aos poucos, seguindo o programa 11. é comum a aplicação de provas estilo”papagaio”; o professor quer respostas idênticas as que deu em aula 12. faz sentido os alunos desejarem boa sorte na prova, já que frequentemente as questões são arbitrarias,

sem contar quando tem sentido velado de vingança 13. tem sua lógica os alunos fazerem bagunça durante as aulas, para segurar o professor que quer despejar

novas matérias, pois assim há menos pontos para estudar pra provas 14. muitas vezes diante de provas que não exigem reflexão mas apenas nomes, classificações datas, fatos etc;

a “cola” representa uma forma de resistência do aluno 15. tem sua lógica os professores fazerem avaliação sem ouvir os alunos, afinal, é assim que eles também são

avaliados por seus superiores 16. tem sua lógica o aluno adular o professor na medida em que de modo geral os professores não tem

maturidade para ouvir uma critica 17. as classes populares queriam escola e o governo deu. Agora são reprovadas e se evadem é porque não

têm condições de acompanhar o nível de ensino – profecia “auto realizadora” lançada sobre o aluno (tem sua lógica)

18. tem sua lógica o aluno pouco falar e pouco escrever na medida em que segundo mitos professores quanto mais escreve, mais pode errar

19. tem sua lógica os pais preparem os filhos para as provas na base do questionário na medida em que é isso o que acaba valendo mesmo

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20. tem a sua lógica os pais engolirem os sapos da escola e dos professores, pois sabem que se reclamarem muito os prejudicados serão os próprios filhos e além do mais o que interessa mesmo é o diploma

21. tem sua lógica os filhos se preocuparem em tirarem notas para os pais, pois se preocupam com os presentes e os castigos que poderão vir

22. tem sua lógica o professor fazer a avaliação dos alunos apenas em determinados momentos de forma estanque pois também é assim que esta acostumado a avaliar o seu trabalho e o da escola

23. tem sua lógica o professor distribuir nota no final do ano pois assim não fica com alunos em recuperação naco tem chateação com pais, alunos e escolas por causa de eventuais reprovações

A Avaliação Segundo a LDB

De acordo com a Lei 9394 que foi projetada, em 1988, e aprovada em 1996, o processo avaliativo é contemplado no Art. 24 inciso V, que diz:

“Art. 24º. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:

[...] V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais; b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar; c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado; d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito; e) “obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos;”

O professor deve valorizar o processo de formação a fim de adequá-lo melhor, não acrescentando na prova

final somente a nota daquela avaliação, embora seja regimental. Uma reflexão importante está em alguns casos na mudança de procedimento. Como vemos, a Lei usa a expressão “verificação do rendimento escolar”. Verificar, numa de suas acepções, quer dizer comprovar; rendimento pode ser entendido como eficiência. Então de acordo com a lei, cabe a escola comprovar a eficiência dos estudantes nas atividades, ou seja, avaliar o êxito por eles alcançado no processo de ensino aprendizagem”. Mas, quando se trata em comprovar esse êxito e como avaliar se torna complexo.

Avaliar não é a mesma coisa que medir, qualquer medida pode-se dispor de instrumentos precisos tais como: régua balança, etc. E quanto mais preciso os instrumentos, mais exatos a medida. Ao contrário disso não há instrumento preciso para a avaliação. Na avaliação escolar, não se avalia um objeto concreto observável e sim um processo humano contínuo. Por outro lado, para tentar contornar esse problema e evitar avaliações precipitadas, para impedir que a avaliação de um momento seja generalizada para todo o processo, deve-se proceder a uma avaliação continua que capte o desenvolvimento do educando em todos os seus aspectos.

A avaliação é, assim, realizada para obter sobre o aluno uma informação mais abrangente que a simples e pontual referência das provas, tem função legitimadora da ideologia das sociedades modernas. Os bons resultados são vistos como indicadores das aptidões que darão ao indivíduo possibilidades de progredir e ter êxito. No entanto, recentemente o interesse está concentrado em reduzir os efeitos negativos da avaliação no sistema escolar e sua repercussão individual sobre os estudantes. Avaliação como Perspectiva A maneira correta de avaliar está diretamente ligada aos objetivos da proposta escolar, já que é um mecanismo de poder da escola. Embora surjam muitas dúvidas e questionamentos em torno desta idéia. Se levar em consideração que a grande maioria das práticas avaliativas possui elementos controladores e excludentes, a avaliação como mecanismo controlador de novas aprendizagens, caminha para sua extinção do meio escolar.

Amplificamos a óptica avaliativa, analisando a repercussão e os reflexos deste contexto, a partir da perspectiva global:

“ Sem considerar que há causas, fora da escola, que condicionam as dificuldades e insucessos dos alunos, é preciso verificar também, dentro da escola, como esta vem tratando suas dificuldades e produzindo os seus fracassos. Reconhece-se que também na escola, por mecanismos mais ou menos explícitos, há uma pratica discriminatória que acentua um processo de seleção e manutenção da hierarquia social. Aí situa-se o processo de avaliação da aprendizagem que reflete e é um reflexo da dinâmica escolar.”(Souza, 1991, p. 103).

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Reforçada a concepção de que bons estabelecimentos de ensino, avaliados através de padrões preestabelecidos pela sociedade, não se alcança o efeito prático desejado. Isto esta explicito também na visão de Freire (1992):

“Não há como não repetir que ensinar não é a pura transferência mecânica do perfil do conteúdo que o professor faz ao aluno, passivo e dócil. Como não há também como não repetir que partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno deste saber. Partir significa por-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto a outro e não ficar, permanecer. “ (Freire,1992, p.70-71)

Assim, notoriamente a avaliação não pode limitar-se aos conhecimentos transmitidos pelo docente e

adquiridos pelo aluno, mas sim, a implementação da soma das experiências do meio escolar com o meio sócio cultural trazido pelo aluno, tendo com resultado deste processo a contínua expansão do saber. Por conseguinte, Foucault, também nos afirma que não se tem certeza de nada, sempre teremos um “talvez,” “pode ser”, não existindo verdadeiro ou falso. Dessa forma, quando alguém pergunta algo, terá que estar disposto a ouvir uma série de respostas, que muitas vezes não trará uma certeza, uma confirmação, mas sim um anseio, um desejo, de sempre querer saber mais, uma busca contínua do conhecimento.

Limites e Possibilidades

A avaliação escolar, também conhecida como avaliação do processo ensino-aprendizagem ou avaliação do rendimento escolar, desempenho do aluno, do professor e de toda a situação de ensino. Seu principal objetivo é o aperfeiçoamento do ensino. Torna-se um instrumento eficaz e valioso quando utilizado com o propósito de analisar e compreender o processo de aprendizagem.

O sistema avaliativo parte do pressuposto de que é inerente ao ato de apreender deparar-se com inúmeras dificuldades. O diagnóstico deve ser compreendido como uma análise da situação escolar atual do aluno e não como um veredicto, quem irá culpar ou absolver o aluno.

A avaliação tem sido utilizada muitas vezes de forma errônea, reducionista, como se pudesse limitar-se a um instrumento de coleta de informações. É comum ouvir-se “vou fazer uma avaliação”, quando se vai aplicar uma prova ou um teste. Avaliar exige, antes que se defina aonde se quer chegar, que se estabeleçam os critérios, para, em seguida, escolherem-se os procedimentos. Além disso, o processo de tomada de decisão, quanto a que medidas devem ser previstas, para aperfeiçoar o processo de ensino, com vistas a levar o aluno a superar suas dificuldades. Definir por meio de nota ou conceito as dificuldades e facilidades do aluno é apenas um recurso simplificado que identifica a posição do aluno em uma escala.

Neste sentido, ocorre que estudantes, preocupados apenas com a aprovação, busquem de qualquer maneira a obtenção da nota exigida, independentemente de quais os meios empregados para alcançar tal objetivo. Contudo, acreditar, que um nota “6”(seis) ou um conceito “C” possa, por si, explicar o rendimento do aluno e justificar uma decisão de aprovação ou reprovação, sem que se analisem as condições de aprendizagem oferecidas, os instrumentos e processos empregados para a obtenção de tal nota, iria reduzir de forma inadequada, o processo avaliativo, sobretudo, limitar a perspectiva de análise do rendimento do aluno e a possibilidade do professor em compreender o processo que coordena em sala de aula.

Para que a avaliação não se torne ineficaz ou excludente, é preciso não apenas aplicar provas que priorize um tipo específico de habilidade, mas sim se tenha um entendimento de o que está sendo avaliado, qual o verdadeiro propósito desta avaliação. Verifica-se que a avaliação do nível de aprendizagem do aluno não pode ser tomada como verdade absoluta, portanto ela pode ser questionada. Sempre terá que ser vista com bastante cuidado e responsabilidade, uma vez que, se o método for empregado de forma errada não poderá, jamais, medir o real conhecimento adquirido pelo aluno.

Reações e Efeitos

A classificação cristaliza e estigmatiza um momento da vida do aluno, sem considerar que ele se encontra em uma fase de profundas mudanças. É uma forma unilateral e, portanto, autoritária, que não considera as condições que foram oferecidas para a aprendizagem. Pune aqueles estudantes que, por sofrerem uma situação social adversa, necessitam de que a Escola lhes proporcione meios adequados que minimizem suas dificuldades de aprendizagem. A decisão de aprovação ou retenção do aluno exige do coletivo da escola, uma análise das possibilidades que ela pode oferecer para garantir um bom ensino.

Quando usada somente a avaliação como instrumento de aprovação ou reprovação do aluno, define apenas a progressão vertical deste aluno, suas reduções e descompromissos. Desta forma, jamais se obterá um diagnóstico sobre a personalidade do aluno, pois se limita aos objetivos do ensino do programa escolar. Seu mau emprego pode expulsar o aluno da escola Não permitindo seu acesso a um conhecimento sistematizado e, portanto, privando-o de suas participações sociais. Segundo Hoffmann:

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“Nenhum extremo é válido: considerar que sempre devemos dizer a resposta certa, para o aluno ou, do outro extremo, considerar que todo e qualquer erro que ele cometa tenha o caráter construtivo e que ele poderá descobrir todas as resposta.”(Hoffmann, 2006, p. 88).

A interpretação de que todo o acerto é correto e de que todo erro deva ser punido em todas as

circunstancias, vem sendo alterada, uma vez que poderemos utilizar o erro, em favor da construção da aprendizagem, valendo-se dele para exemplificar e enriquecer os argumentos da área de conhecimento em questão. Podendo isso ser utilizado como ponto de partida para uma ação avaliativa mediadora. Para tanto, Becker nos diz:

“Considerando a aprendizagem no sentido amplo, podemos, entre outras coisas, corrigir o “errando se aprende” por “errando também se aprende”: o erro, ou fracasso não é condição necessária para haver aprendizagem. Por outro lado, torna-se exagerada, neste contexto teórico, a preocupação “skinneriana” de evitar todo o fracasso levando todo o aluno a produzir somente respostas corretas, pois o fracasso torna-se eventualmente necessário para que o sujeito tome consciência da inadaptação dos seus esquemas e da conseqüente necessidade de construir novos esquemas, ou seja, reconstruir os já existentes.” (Becker, 1993, p.97-98).

Hoffmann (2005, p.34) afirma que:

Acompanhar a aprendizagem dos alunos não se restringe ao uso de instrumentos formais em tempos predeterminados, mas se efetiva na vitalidade intelectual da sala de aula, abrangendo as situações previstas e as inesperadas – ação mediadora que só ocorre se o professor estiver atento à evolução do aluno, analisando o conjunto das atividades escolares, observando o seu convívio com os outros e ajustando as propostas pedagógicas continuamente.

É comum docentes ensinarem o que é correto, sem muitas vezes, utilizar o erro como uma ferramenta para

exemplificar e enriquecer os meios didáticos, mostrando para os discentes porque não é de outra forma. Sendo assim, a utilização do erro é uma importante ferramenta de avaliação do aluno. Todo este contexto didático de trabalho em sala de aula repercutirá fortemente nos aspectos avaliativos em geral os quais devem ser permanentemente evoluídos, essas ações são indicadas a professores interessados no aperfeiçoamento pedagógico de sua atuação na escola. É fundamental sua utilização para indicar o alcance ou não dos objetivos de ensino. Sua aplicação faz-se necessária não só para diagnosticar as dificuldades e facilidades do aluno, como principalmente, para compreender o processo de aprendizagem que ela está percorrendo.

Uma vez, utilizada de forma participativa e transparente, permite também ao aluno reconhecer suas próprias necessidades, desenvolver a consciência de sua situação escolar e orientar seus esforços na direção dos critérios de exigências da escola. Por fim, a avaliação deve ser utilizada com o apoio de múltiplos instrumentos de coleta de informações, baseada nas características do plano de ensino, dos objetivos que se está buscando junto ao aluno. Assim, conforme o tipo de objetivo pode ser empregado trabalhos tanto em grupos como individuais, provas orais e escritas, seminários, observação de cadernos, realização de exercícios em classe ou em casa e observação dos estudantes em classe. Porém, o levantamento de informações não deverá ficar restrito ao final do período letivo (bimestre, trimestre, semestre), pois informações desencontradas ou distanciadas podem modificar a analogia do aluno e do professor quanto às condições de aprendizagem e ensino.

Avaliação escolar, esta prática precisa ser melhorada, para que não se transforme definitivamente em uma prática discriminativa e exclusiva. Tal mudança se faz necessária afim de que a avaliação deixe de ser vista como um fim e passe a ser encarada como um meio para a educação. Antigos conceitos precisão ser mudados para que a visão de conhecimento, por parte dos alunos, seja ampliada, fazendo com que busquem conhecimentos superiores aqueles necessários à aprovação no final do ano letivo.

Fez-se uma análise entre o texto da LDB e do atual processo avaliativo com a finalidade de compreender o verdadeiro significado de avaliação escolar. Vimos no decorrer do artigo que provas e exames não devem ser unicamente empregados como forma de avaliação, tendo em vista que o professor precisa colher diversa informações sobre o aluno para que, desta forma, possa avaliá-lo mais coerentemente, buscando diagnosticar onde está ou estão às principais dificuldades do aluno, melhorando assim, o processo ensino-aprendizagem.

Portanto, cabe ao profissional da docência, que também se encontra inserido no processo ensino-aprendizagem, manter-se preocupado como o ensino, de modo a deixá-lo voltado para a aprendizagem e não para a avaliação. Sendo esta uma ferramenta para melhorar o processo.

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DESAFIOS E CONCEPÇÕES SOBRE A AVALIAÇÃO ESCOLAR 10

A avaliação não é tudo; não deve ser o todo, nem na escola nem fora dela; e se o frenesi avaliativo se apoderar dos espíritos, absorver e destruir as práticas, paralisar a imaginação, desencorajar o desejo, então a patologia espreita-nos e a falta de perspectivas, também. (Meirieu, 1994)

A AVALIAÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR

A avaliação se faz presente em todos os domínios da atividade humana. O “julgar”, o “comparar”, isto é, “o avaliar” faz parte de nosso cotidiano, seja através das reflexões informais que orientam as freqüentes opções do dia-a-dia ou, formalmente, através da reflexão organizada e sistemática que define a tomada de decisões (Dalben, 2005, p. 66).

No entanto, em qualquer nível de ensino em que ocorra, a avaliação não existe e não opera por si mesma; está sempre a serviço de um projeto ou de um conceito teórico, ou seja, é determinada pelas concepções que fundamentam a proposta de ensino, como afirma Caldeira (2000):

A avaliação escolar é um meio e não um fim em si mesma; está delimitada por uma determinada teoria e por uma determinada prática pedagógica. Ela não ocorre num vazio conceitual, mas está dimensionada por um modelo teórico de sociedade, de homem, de educação e, conseqüentemente, de ensino e de aprendizagem, expresso na teoria e na prática pedagógica. (p. 122)

Essa idéia de que avaliar o processo de ensino e de aprendizagem não é uma atividade neutra ou

destituída de intencionalidade nos faz compreender que há um estatuto político e epistemológico que dá suporte a esse processo de ensinar e de aprender que acontece na prática pedagógica na qual a avaliação se inscreve. Hoffmann (2005, p.16) acrescenta que é

“[...] preciso valorizar as diferenças individuais sem jamais perder de vista o contexto interativo. Escola é sinônimo de interação. Só existe escola para que muitas crianças e jovens possam conviver, trocar idéias, reuni-se, brincar, imaginar, sorrir e conviver”.

Considerando, então, a condição do professor, como avaliador, de atribuir sentidos e significados à

avaliação, cabe-nos questionar: que concepções pedagógicas subjazem à atual prática de avaliação do processo de ensino e de aprendizagem no contexto escolar? Para responder a essa indagação, nos propomos a resgatar o significado de avaliação nas concepções pedagógicas dominantes no contexto escolar, a partir dos séculos XVI e XVII, quando surge a prática dos exames escolares e, em seguida, analisar em que medida tais concepções se encontram, ainda hoje, presentes e dominantes, na atual prática de avaliação do processo de ensino e de aprendizagem no contexto escolar.

Referindo-se a um modelo inaugurado há muito, mas ainda presente em muitas escolas, FREITAS (2003) destaca:

a) Componentes da avaliação em sala de aula : Instrucional – referindo-se ao domínio de habilidades e conteúdos Valores e atitudes – referindo-se a reprimendas comentários e humilhações sobre os valores dos alunos Comportamental–exigência de obediência as regras b) Dimensões da avaliação : Formal - técnicas e procedimentos palpáveis, que conduzem a nota( provas e trabalhos,p. ex.) Informal - juízos de valor invisíveis construídos na relação professor-aluno e vice versa

A triangulação desses conceitos levam a escola a assumir como instituição social aquilo que a sociedade

capitalista requer como função: hierarquizar, controlar e formar valores como submissão e competição, entre outros. Portanto, no ponto de vista desse autor, a lógica da avaliação escola seriada é: O centro da aprendizagem é a avaliação e aprovação do professor e não o aprender para intervir na prática social. Pois ela

10 Adaptação a partir de MARY STELA FERREIRA CHUEIRI. Estudos em Avaliação Educacional, v. 19, n. 39, jan./abr. 2008

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apresenta uma maneira particular de organizar os tempos e espaços da escola, impondo um único ritmo de aprendizagem a todos.

Freitas destaca três fatores que explicam a lógicada escola 1. A escola se distanciou da vida por uma necessidade do capitalismo de preparar rapidamente, e em série,

recursos humanos para alimentar a produção de forma hierarquizada e fragmentada. 2. O conhecimento foi organizado como algo partido em disciplinas, distribuído por anos, e os anos foram

subdivididos em partes menores que servem para controlar uma certa velocidade de aprendizagem do conhecimento.

3. Avaliação pontual da quantidade que o aluno aprende determina a aprovação ou reprovação Portanto, conforme já foi dito, Para Luiz Carlos de Freitas, a forma de funcionamento da escola não é

ingênua e nem sem propósitos definidos, pois se apresenta a uma maneira particular de organizar os tempos e os espaços da escola, impondo um único ritmo de aprendizado a todos.

AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS QUE PERMEIAM A AVALIAÇÃO NO

CONTEXTO ESCOLAR

Utilizaremos quatro categorias para a análise da relação entre concepções pedagógicas e os significados de avaliação. Em um primeiro momento, situaremos os exames e as provas escolares como práticas de avaliação, utilizadas a partir do século XVI, no que se convencionou chamar de “Pedagogia Tradicional”, da qual decorre a concepção de que avaliação e exame se equivalem. Em um segundo momento, analisaremos a concepção de avaliação como medida, que teve o seu auge com a denominada “Pedagogia Tecnicista”. A seguir, passaremos à concepção da avaliação como instrumento para a classificação e regulação d o desempenho do aluno. Finalmente, em um quarto momento, trataremos da concepção qualitativa da avaliação.

Examinar para Avaliar

Numa perspectiva diacrônica, podemos remontar às práticas de avaliação sob a forma de exames e provas, usadas em colégios católicos da Ordem Jesuítica e em escolas protestantes, a partir do século XVI. Conforme Luckesi (2003):

A tradição dos exames escolares, que conhecemos hoje, em nossas escolas, foi sistematizada nos séculos XVI e XVII, com as configurações da atividade pedagógica produzidas pelos padres jesuítas (séc. XVI) e pelo Bispo John Amós Comênio (fim do séc. XVI e primeira metade do século XVII). (p. 16)

No entanto, há registros de que tal prática antecede a esse período, pois, na China, três mil anos antes de

Cristo, já se usavam os exames para selecionar homens para o exército. Todavia, os exames escolares, como praticados hoje em nossas escolas, foram sistematizados com o advento da modernidade e sua conseqüente prática educativa (Luckesi, 2003, p. 16).

A prática dos exames atinge o seu apogeu com a ascensão e consolidação da burguesia, uma vez que desprovida dos privilégios garantidos por nascimento e da fortuna da aristocracia recorre ao trabalho e aos estudos como forma de ascensão social. Contudo, torna-se importante ressaltar que a introdução generalizada do exame de admissão para o serviço público foi um grande passo na democratização do Estado e na configuração de uma sociedade meritocrática. Mediante o desenvolvimento do modo de produção capitalista, o exame continuou a ser “uma das peças do sistema” e, nesse sentido, Afonso (2000) sustenta:

É, portanto, ao longo do século XIX que se assiste à multiplicação de exames e diplomas, Pondo em evidência o contínuo controle por parte do Estado dos processos de certificação. Como Karl Marx observou, o exame passa a mediar as relações mais amplas da cultura com o Estado, constituindo-se num vínculo objetivo entre o saber da sociedade civil e o saber do Estado. (p. 30)

Defendendo a tese de que, ainda hoje, na escola brasileira, pública e particular, do ensino básico ao

superior, praticamos exames escolares em vez de avaliação da aprendizagem, Luckesi (2003, p. 11) afirma:

historicamente, passamos a denominar a prática de acompanhamento da avaliação da aprendizagem do educando de “Avaliação da aprendizagem escolar”, mas, na verdade, continuamos a praticar “exames”. Por essa razão, o autor denomina de Pedagogia do Exame essa prática que, segundo ele, ainda se faz presente em nossas escolas. Para esse autor, também podemos verificar os resquícios dessa Pedagogia do Exame em algumas práticas nacionais de avaliação, tais como o Exame Nacional

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do Ensino Médio – Enem e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Sinaes (o extinto “Provão”), e que, segundo ele, mais reforçam a cultura do exame do que a cultura da avaliação (p.8).

Embora o autor reconheça a utilidade e a necessidade dos exames nas situações que exigem

classificação, como os concursos, e naquelas que requerem certificação de conhecimentos, para ele, a sala de aula é o lugar onde, em termos de avaliação, deveria predominar o diagnóstico como recurso de acompanhamento e reorientação da aprendizagem, em vez de predominarem os exames como recursos classificatórios (Luckesi, 2003, p. 47).

Essa breve análise a respeito da prática de exames possibilitou-nos identificar uma primeira concepção sobre a avaliação ainda presente em nossas escolas, ou seja, a de que avaliar é examinar. Outro conceito dominante é o de que avaliar é medir o desempenho e, nessa perspectiva, será discutido a seguir.

Medir para Avaliar

A concepção de avaliação como processo de medida teve sua origem no início do século XX, nos Estados Unidos, com os estudos de Thorndike acerca dos testes educacionais. Tais estudos prosperaram muito e resultaram no desenvolvimento de testes padronizados para medir habilidades e aptidões dos alunos. Paralelamente, há de se considerar, no início do século XX, a contribuição da Psicologia à avaliação educacional.

Essa contribuição pode ser vista sob dois ângulos. O primeiro diz respeito aos testes psicológicos, com base nos estudos de Sperman (1904, 1907, 1913) sobre a Psicometria, e de Binet e Simon (1905), que criaram o primeiro teste de inteligência para crianças e adultos. Essa possibilidade de mensuração de comportamentos por meio de testes propiciou a expansão de uma cultura dos testes e medidas na educação e, por essa razão, Dias Sobrinho (2003) afirma que, nas primeiras décadas do século passado, avaliar se confundia com medir:

Embora consideremos hoje importante distinguir avaliação e medida, naquele momento, esses termos se tomavam um pelo outro. A avaliação era eminentemente técnica, consistindo basicamente em testes de verificação, mensuração e quantificação de resultados. (p. 17)

O segundo ângulo por meio do qual se pode focalizar a contribuição da Psicologia à avaliação educacional

refere-se aos estudos da Psicologia Comportamental sobre a aprendizagem. Essa abordagem considera que a aprendizagem pode ser quantificada e, portanto, medida. Tais estudos fundamentam a chamada “Pedagogia Tecnicista”, conforme explica Caldeira (1997):

A Pedagogia Tecnicista busca sua concepção de aprendizagem na psicologia comportamental. Esta sempre buscou adquirir o “status” de ciência, libertando-se da introspecção e fundamentando-se na lógica científica dominante que lhe garantisse a objetividade das ciências da natureza. Seu principal foco de preocupação são as mudanças comportamentais que possam ser cientificamente observadas, portanto, quantificadas. (p. 53)

A idéia de avaliar, não só para medir mudanças comportamentais, mas também a Aprendizagem, portanto

para quantificar resultados, encontra-se apoiada na racionalidade instrumental preconizada pelo Positivismo. Coerente com essa visão de quantificação de resultados, a avaliação é conceituada como a sistemática de

dados por meio da qual se determinam as mudanças de comportamento do aluno e em que medida estas mudanças ocorrem (Bloom et al., 1975, p. 23). Portanto, ela visa a comprovar o rendimento do aluno com base nos objetivos (comportamentos) predefinidos e, desse modo, a avaliação é reduzida à medida e separa o processo de ensino de seu resultado (Caldeira, 2000, p. 23).

Mas afinal o que é uma medida?

Segundo Hadji (2001), medir significa atribuir um número a um acontecimento ou a um objeto, de acordo com uma regra logicamente aceitável (p. 27). Para esse autor, a idéia de que a avaliação é uma medida dos desempenhos dos alunos encontra-se fortemente enraizada na mente dos professores e, freqüentemente, na mente dos alunos, e a dificuldade para a superação dessa concepção reside na suposta “confiabilidade” das medidas em educação e nos parâmetros “objetivos” utilizados pelos professores para atribuir notas às tarefas dos alunos:

Uma medida é objetiva no sentido de que, uma vez definida a unidade, deve-se ter sempre a mesma medida do mesmo fenômeno. Certamente, um erro é sempre possível, devido às imperfeições da

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instrumentação, pois ele resulta então das condições de operacionalização dos instrumentos. Ele provém da operação de medida. Por essa razão, pode ser calculado e, portanto, neutralizado. (p. 27)

Hadji discute a noção de medir a fim de discutir que a avaliação, como forma dominante de prática de

notação, não deveria equivaler apenas em atribuir números a coisas. Segundo ele, é preciso corrigir os defeitos da avaliação para então melhorá-la. Sendo assim, torna-se necessário conhecer seus problemas como: subjetividade do corretor, impossível de se neutralizar. Afinal, o julgamento professoral inscreve-se em uma “construção social em movimento” que depende muito do contexto escolar e social que está sempre às voltas com “vieses sociais”. Neste sentido, Hadji pondera que a avaliação traduz um ato que se instaura em um processo geral de comunicação/negociação. E que o desempenho no exame não pode ser dado como um fato bruto, mas que resulta da interação com o professor, com o examinador ou com uma situação social que exige que se mostre as capacidades. Assim, a avaliação é um ato de confronto entre uma situação real e expectativas referentes a essa situação. É uma operação de leitura da realidade e, como toda leitura, deve ser orientada, pois preside ao levantamento de indícios. E expressa um sistema de expectativas que constituem o referente da avaliação.

Desse modo, para o referido autor, reduzir a avaliação à medida ou mais especificamente à prova implica aceitar a confiabilidade da prova como instrumento de medida e desconsiderar que a subjetividade do avaliador pode interferir nos resultados da avaliação. Em razão disso, ele nos alerta:

(...) registraremos aqui o fato de que hoje se sabe que a avaliação não é uma medida pelo simples fato de que o avaliador não é um instrumento, e porque o que é avaliado não é um objeto no sentido imediato do termo. Todos os professores avaliadores deveriam, portanto, ter compreendido definitivamente que a “nota verdadeira” quase não tem sentido. (p. 34)

Embora a avaliação qualitativa –mesmo também subjetiva – seja mais propicia aos objetivos de uma

avaliação, a quantificação não pode ser desconsiderada; porém, esta não garante a equidade ou justiça.

Avaliar para Classificar ou para Regular Uma das concepções mais tradicionais sobre a avaliação na escola refere-se à possibilidade de classificar

o desempenho do aluno por meio da avaliação. Nessa perspectiva, Perrenoud (1999) declara:

A avaliação é tradicionalmente associada, na escola, à criação de hierarquias de excelência [grifo do autor]. Os alunos são comparados e depois classificados em virtude de uma norma de excelência, definida em absoluto ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos. (p. 11)

Para esse autor, outra função tradicional que a avaliação assume no contexto escolar é a certificação, isto

é, o diploma garante que o seu portador recebeu uma formação e, portanto, não necessita se submeter a novos exames. Uma certificação fornece poucos detalhes dos saberes e competências adquiridos e do nível de domínio precisamente adquirido em cada campo abrangido. Ela garante, sobretudo, que um aluno sabe globalmente “o que é necessário saber” para passar para a série seguinte no curso, ser admitido em uma habilitação ou começar uma profissão (...). A vantagem de uma certificação instituída é justamente a de não precisar ser controlada ponto por ponto, de servir de passaporte para o emprego ou para uma formação posterior. (p. 13)

Segundo Perrenoud (1999), nossas práticas de avaliação são atravessadas por duas lógicas não necessariamente excludentes: a formativa e a somativa. No que se refere à lógica da avaliação somativa, Sordi (2001), apoiando-se em Perrenoud (1999), afirma:

Esta se relaciona mais ao produto demonstrado pelo aluno em situações previamente estipuladas e definidas pelo professor, e se materializa na nota, objeto de desejo e sofrimento dos alunos, de suas famílias e até do próprio professor. Predomina nessa lógica o viés burocrático que empobrece a aprendizagem, estimulando ações didáticas voltadas para o controle das atividades exercidas pelo aluno, mas não necessariamente geradoras de conhecimento. (p. 173)

Já a outra lógica – a formativa – preocupa-se com o processo de apropriação dos saberes pelo aluno, os

diferentes caminhos que percorre, mediados pela intervenção ativa do professor, a fim de promover a regulação das aprendizagens, revertendo a eventual rota do fracasso e reinserindo o aluno no processo educativo.

A essência da concepção formativa está no envolvimento do professor com os alunos e na tomada de consciência acerca do seu comprometimento com o progresso deles em termos de aprendizagens – na

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importância e natureza da intervenção pedagógica. A visão formativa parte do pressuposto de que, sem orientação de alguém que tenha maturidade para tal, sem desafios cognitivos adequados, é altamente improvável que os alunos venham a adquirir da maneira mais significativa possível os conhecimentos necessários ao seu desenvolvimento, isto é, sem que ocorra o processo de mediação (HOFFMANN; 2005, p.21). Este “modelo” de proposta formativa abarca a Pedagogia Construtiva, haja vista a incorporação dos aspectos dialógicos, interativos, investigativos, que permitam a construção / reconstrução do saber.

Com relação à avaliação formativa, Hadji (2001, p. 19) sustenta que sua função principal é a de contribuir para uma boa regulação da atividade de ensino (ou da formação, no sentido amplo). Trata-se, portanto, de levantar informações úteis à regulação do processo de ensino-aprendizagem. Todavia, ele nos lembra: uma avaliação não precisa conformar-se a nenhum padrão metodológico para ser formativa (p. 19).

Na esteira de uma avaliação de cunho qualitativo, SORDI (2001) propõe uma modalidade, por ela denominada de avaliação emancipatória, cujas três vertentes teórico-metodológicas são: a avaliação democrática; crítica institucional e criação coletiva; e a pesquisa participante (p. 53).Observamos, portanto, que essa proposta de avaliação qualitativa surgiu a partir da necessidade de uma revisão e ultrapassagem das premissas epistemológicas até então vigentes. Demo (2004) declara:

A avaliação qualitativa pretende ultrapassar a avaliação quantitativa, sem dispensar esta. Entende que no espaço educativo os processos são mais relevantes que os produtos, não fazendo jus à realidade, se reduzida apenas às manifestações empiricamente mensuráveis. Estas são mais fáceis de manipular metodologicamente, porque a tradição científica sempre privilegiou o tratamento mensurado da realidade, avançando, por vezes, de maneira incisiva em algumas disciplinas sociais, como a economia e psicologia. Todavia, não se pode transferir a limitação metodológica a pretensa redução do real. Este é mais complexo e abrangente do que sua face empírica. A avaliação qualitativa gostaria de chegar até à face qualitativa da realidade, ou pelo menos de se aproximar dela. (p. 156).

Na opinião de Esteban (2003), a avaliação qualitativa configura-se como um modelo em transição por ter

como centralidade a compreensão dos processos dos sujeitos e da aprendizagem, o que produz uma ruptura com a primazia do resultado característico do processo quantitativo. Nesse sentido, a autora afirma:

A avaliação qualitativa tenta responder à imposição de a avaliação qualitativa apreender a dinâmica e a intensidade da relação aprendizagem-ensino, porém articulada por princípios que sustentam o conhecimento-regulação-mercado, Estado e comunidade. (p. 26)

Suas pesquisas sobre a avaliação do rendimento do aluno indicam que a construção de um modelo híbrido,

que mantém como perspectiva global o modelo quantitativo, de alguma maneira suavizado pela inclusão da análise de alguns fatores subjetivos nessa avaliação, não chega a significar uma real transformação no paradigma da avaliação. Nesse sentido, Esteban (2001) assinala:

(...) Muitas vezes observamos, tanto na sala de aula quanto nas propostas que chegam à escola, a manutenção da prática de avaliação fundamentada na lógica classificatória e excludente, ainda que a prática adquira uma aparência inovadora e que o conceito de avaliação escolar associado à quantificação do rendimento do/a aluno/a seja objeto de inúmeras e profundas críticas. (p. 121)

De acordo com Santos Guerra, fala-se em avaliação de conteúdos, conceitos, procedimentos, atitudes,

mas há que se sintetizar todo o processo num conceito ou número (apud Esteban, 2001, p. 121). Desta análise, podemos depreender que embora não se possa negar a incorporação da abordagem qualitativa como um avanço na proposta de avaliação escolar ela ainda não é suficiente para a reconstrução global da práxis avaliativa. Segundo Esteban (2001),

As concepções qualitativa e quantitativa mantêm o sujeito individualizado e não consideram a dimensão social da constituição da subjetividade, de suas características peculiares, de suas possibilidades, de suas dificuldades, etc.; conservam a concepção de que é necessário harmonizar o indivíduo às condições postas. (p. 122)

Assim, há evidências de que a vertente qualitativa da avaliação introduz aspectos que nos conduzem à

reflexão epistemológica sobre a práxis da avaliação escolar, pois, embora a prática pedagógica permaneça delimitada pelo modelo positivista, observamos o movimento que denuncia sua insuficiência para responder às demandas cotidianas. Portanto, a análise do contexto escolar aponta o esgotamento do modelo teórico-epistemológico que define a avaliação e confirma a idéia apresentada por Barriga (1982) segundo a qual é

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indispensável a ruptura com o paradigma epistemológico que circunscreve o processo avaliativo, para que se possa formular uma teoria de avaliação que ultrapasse os limites da teoria da medida e implemente práticas pedagógicas com novos significados.

Além disso, com base nesta análise acerca das concepções que permeiam a avaliação no contexto escolar, concluímos que elas estão intimamente relacionadas às mudanças que vêm ocorrendo em relação às concepções de educação que orientam as práticas pedagógicas desde que a escola foi instituída como espaço de educação formal. Nessa perspectiva, o processo escolar, constituído sob o prisma do pensamento liberal e do paradigma positivista, determinou uma prática de avaliação essencialmente classificatória. Por essa razão, considera-se que a implementação de políticas educativas, aliada a uma atuação pedagógica atenta a conflitos, contradições, fissuras, fragmentos, vozes que constituem o panorama escolar, poderá dar novos sentidos à práxis da avaliação.

AVALIAR CLASSIFICA, INCLUI OU EXCLUI? 11

Pensar um processo avaliativo que tanto pode promover o aluno, como reprová-lo, é o mesmo que pensar no potencial da avaliação que parte de classificações para incluir ou excluir esse aluno dos processos escolares e sociais. Celso Vasconcellos (2003), em relação à pratica da reprovação escolar, alerta que essa é preciso ser repensada pelos seguintes motivos:

- é fator de discriminação e seleção social - é fator de distorção do sentido de avaliação - pedagogicamente não é a melhor solução - não é justo o aluno pagar por falhas de outros - tem um elevado custo social - toda criança é capaz de aprender

O imaginário dos agentes sociais também está sendo contaminado com as concepções: - a reprovação é normal -ela é justa - ela é condição para não se rebaixar o nível - querer mudar é demagogia dos dirigentes - sem reprovação os alunos vão se desinteressar

Apesar de tudo o que já foi elaborado e divulgado em termos de avaliação, as pesquisas de cotidiano têm

demonstrado que as mudanças não têm atingido o chão da sala de aula; e o que é mais desafiador: sequer em termos de concepção houve avanço significativo no discurso dos professores.2 Onde estaria a dificuldade, se já existem reflexões tão avançadas? Nossa hipótese é que a dificuldade está naquilo que não está dito, no que está implícito, enraizado, tanto na esfera subjetiva (representações, valores, mitos, preconceitos, visão de mundo), quanto na objetiva (condições de trabalho, legislação, ritos, práticas). Só a título de trazemos abaixo um quadro com os conflitos que emergem no professor diante das solicitações que lhes são feitas.

11 Adaptação a partir de Vasconcellos, Avaliação: Superação da Lógica Classificatória e Excludente e Avaliação da aprendizagem: Práxis de mudança -Por uma práxis transformadora.

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A proposição da avaliação como prática de inclusão torna-se urgente no sistema educacional brasileiro,

tendo em vista sua longa história no sentido contrário, qual seja, de exclusão do acesso ao saber — contribuição específica da escola na formação da cidadania, através da reprovação (seguida de evasão), ou da sua trajetória mais recente de aprovação sem aprendizagem. Vasconcellos alerta que temos ciência de que esta exclusão no interior da escola não se dá apenas pela avaliação e sim pelo currículo como um todo (objetivos, conteúdos, metodologias, formas de relacionamento, etc.). No entanto, além do seu papel específico na exclusão, a avaliação classificatória acaba influenciando todas estas outras práticas escolares. Os professores vêm sendo usados historicamente pelo sistema para a reprodução das desigualdades sociais. Só que isto, obviamente, é camuflado ideologicamente. O desafio nuclear, segundo Vasconcellos, é resgatar no professor sua compreensão de que seu papel fundamental é ensinar (= criar as condições para a efetiva aprendizagem e desenvolvimento) e não medir/julgar.

Desde sua origem enquanto escola universalizada para o povo (final do século XVIII), a escola já assume uma forma de organização que traz embutida a lógica seletiva. Se ela fosse concebida realmente como espaço de formação da pessoa, do cidadão, teria uma outra configuração. Ao invés da escola ser organizada para garantir a aprendizagem de todos, já desde o começo aparece a concepção de que alguns vão e outros não; a escola é, obviamente, para “os que vão”. Na própria gênese da escola, percebe-se que estava estruturada não para o compromisso com a aprendizagem, mas para transmitir o conteúdo e medir a retenção pelo aluno.

Vasconcellos destaca, o problema não é a medida; a questão é: como a medida é obtida e, sobretudo, o que vai se fazer com ela. Se desde o começo a escola tivesse organizada para produzir aprendizagem, e não seleção, seria outra história. Hoje, temos pelo menos duzentos anos de tradição neste equívoco.

Segundo Lino de Macedo, a escola estava pautada até então em um modelo classificatório de organização e funcionamento, que definia sua população a partir de critérios presentes ou não em seus alunos, que os possibilitava estar ou não na escola. Classificar é um modo de conhecimento que inclui determinada coisa, fato ou pessoa num grupo segundo critérios bem definidos, excluindo todas as outras coisas, fatos ou pessoas que não se encaixam ou não possuem esse critério. A lógica da exclusão apóia-se na lógica de classes, afirma Lino de Macedo. É também a lógica da separação: não é possível classificar sem separar, e é preciso que saibamos que esta forma de conhecer e organizar o mundo é não apenas muito usada, como necessária para todos nós.

Em sua obra Ensaios Pedagógicos: Como Construir uma Escola Para Todos , Macedo apresenta uma posição sócio-cultural e pedagógica, apresenta duas dimensões pelas quais procede a escola: a seletiva e a inclusiva, sendo a primeira entendida como aquela que procede por semelhanças excluindo as diferenças, e a outra, como a que procede pela diferença para incluí-la no processo de aprendizagem. Diz o autor:

O fato é que em uma escola que se quer para todos as formas tradicionais de avaliação precisam ser criticadas e superadas ou ampliadas para se tornarem mais condizentes com a nova posição da escola

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em nossa sociedade. Para que ou quem ela serve? Qual é sua utilidade? Qual é o seu valor funcional? Mesmo que não saibamos as respostas é importante levar as perguntas em conta. Avaliar é atribuir um valor. [...] Em que ela pode antecipar, pré-corrigir ou melhorar a prática docente que estamos ou iremos desenvolver? (p.102). É muito difícil avaliar. Atribuir valores é uma tarefa complexa, pois assimilar seus observáveis, sto é, os aspectos que nos permitem inferir sua presença ou ausência, supõe uma formação teórica e prática que não ode ser dominada de modo imediato (p.104). A nota por exemplo, é tratada muitas vezes, como um equivalente de tudo aquilo que o aluno fez ou não fez durante o bimestre ou trimestre. Julgamos a nota como um conceito. A minha proposta é que a vejamos como um indicador que pode sugerir várias coisas: que as questões não foram bem formuladas, que o aluno não soube se preparar para a prova, que as aulas ministradas não foram satisfatórias, etc. Ou seja, a nota é um indicador do quê? Insisto nessa diferença entre avaliar como um julgamento via conceito, ou via inferência dada a complexidade da tarefa que chamamos ensinar ou aprender. (p.104)

Lino de Macedo destaca que um julgamento por intermédio de inferências ou indicadores abre

possibilidades, cria desafios, sugere hipóteses a serem testadas, propõe uma melhor observação, requer assumir formas de regulação, ou seja, de avaliar o que está bom (ou que se confirma), o que precisa ser corrigido, o que pode ser antecipado ou pré-corrigido. Trata-se, portanto, de uma nova função de avaliação (Idem, p.105). Ele destaca quatro ações a serem consideradas:

SELECIONAR: Selecionar é uma das funções mais antigas e atuais da escola. Mesmo que sua posição na escola de ontem seja diferente da posição de hoje. [...] Como atualizar na escola que se quer para todos a seleção como uma das formas de avaliação? [...] Primeiro, é preciso selecionar os melhores recursos didáticos, os melhores espaços e tempos de aprendizagem considerando a multiplicidade de características dos alunos (Idem, p.105).

Como se pensa a seleção em um contexto de educação inclusiva? [...] Por mais que se queira incluir (obs: o autor não se refere apenas aos alunos portadores), mesmo sem ser esta a nossa vontade, praticamos a pior das exclusões que é excluir com aparência de inclusão. [...] Como oferecer algo melhor a um aluno, levando em conta suas restrições físicas, neurológicas, sociais ou culturais? De resto é bom reconhecer que todos nós somos deficientes ou limitados em alguma coisa. Como fazer da excelência um norte, a expressão da realização de um desejo ou projeto, e não mais apenas uma condição de entrada ou de percurso? (Idem, p. 106)

DIAGNOSTICAR: Uma outra função clássica da avaliação é o diagnóstico.A lógica do diagnóstico é portanto, a da dependência entre uma causa e um efeito pretendido ou observado. A repetência e a exclusão, por exemplo, por essa via podem assim ser justificadas (Idem, p.106).

O problema de uma avaliação diagnóstica, por mais importante que continue sendo hoje, é que ela pode nos convidar a culpabilizar algo ou alguém por um efeito do qual ele nunca é o único responsável. Com isso corremos o risco de deduzir um problema complexo, como o da aprendizagem a um dos aspectos que favorecem ou dificultam sua realização. Se isso tranqüiliza pela simplicidade de sua explicação, não resolve o problema. É interessante rever esse “modelo médico” que transpusemos para a educação. Aqui o dilema é: Como articular promoção contínua com aprendizagem significativa? (Idem, p.107)

ANTECIPAR: A avaliação antecipatória possibilita orientar ou regular uma certa direção ou meta a ser buscada. Como fazer correções de rumo? Quais são os descritores que qualificam, por antecipação, o que se quer alcançar? [...] Proponho que se pense a avaliação antecipatória em sua função reguladora, isto é, que define as regras de um jogo, que dá as coordenadas, que antecipa problemas, que fornece parâmetros para a boa realização de algo que se deseja alcançar [...] mesmo sabendo que a realização em si mesma só ocorre no contexto das relações produzidas ao longo do seu desenrolar (Idem, p.108)

ORIENTAR: Uma outra função muito importante quando se valoriza a perspectiva do construtivismo é a orientação. [...] Em termos de avaliação, isso implica considerá-la de modo coordenado com uma intervenção ativa em favor daquilo que queremos que os nossos alunos aprendam. Tal função é valiosa, pois atribui ao professor o papel de mediador: aquele que promove a relação entre a criança e o conhecimento escolar e aquele que intervém, usando recursos e práticas escolares, promovendo o desenvolvimento em uma determinada direção (Idem, p.109).

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Alternativas para a avaliação Hadji discorre sobre como tornar a avaliação mais formativa. Considera que a auto avaliação é peça

fundamental para a avaliação, pois por meio dela o aluno tem a oportunidade de refletir sobre seu próprio aprendizado e desenvolver sua autonomia na busca de formas de adquirir conhecimentos. Baseado nesses pressupostos ele propõe práticas avaliativas como por exemplo, focar a autorregulação, deixar os alunos conscientes dos objetivos, diversificar a prática pedagógica.

O autor esclarece que avaliar com intenção formativa é difícil e que para tal possibilidade se efetive seriam necessárias quatro condições para permear o processo:

a) não se prender a pratica estereotipadas; b) tornar os dispositivos transparentes; c) evitar abusos de poder; d) ter por objetivo o processo de aprendizagem. Assim, cabe ao avaliador deixar evidente o que será avaliado, quando, o que será considerado e o que se

espera dos alunos. Isso é fundamental para avaliar, ato que remete à seleção de conteúdos e formas de apresentação destes, devendo, pois, informar-se isso, para que ela seja efetivamente formativa.

Com base nisso, as avaliações realizadas pelos alunos requerem observação e interpretação, sendo necessária total atenção e sensibilidade por parte do avaliador. As dificuldades apresentadas no processo devem ser consideradas a fim de que se as supere.

Para atingir os objetivos da avaliação, esta deve apresentar comunicação clara e, para que o desempenho do professor também seja melhorado, os alunos devem indicar suas impressões sobre os instrumentos utilizados e a forma de apresentação destes.

Enfim, a avaliação esta ligada a questões éticas e afetivas que devem ser consideradas ppor aquele que avalia. Este por sua vez precisa entender a avaliação como um momento e uma oportunidade para motivar questionamentos e discussões na busca de se atingir os objetivos de ensino traçados.

As discussões propostas por Hadji permitem entender a avaliação de maneira ampla e refletir sobre os processos e ideias a ela associadas. O ato de avaliar é mais que o momento de aplicação de uma prova e divulgação de resultados. É a preparação deste momento, o processo em sala de aula, apreciação e critica do instrumento avaliativo antes e depois de sua aplicação e, essencialmente, a análise e interpretação dos resultados visando estratégias para o desenvolvimento do educando.

A ideia de autorregulação torna-se essencial no processo de avaliação, afinal, o objetivo da escola deve ser desenvolver a autonomia, a autorreflexão, a autocrítica de seus alunos. Quando o tema é avaliação, precisa-se ter em vista a questão de perpassar todos os envolvidos. Caso haja efetivo entendimento de que a avaliação é um instrumento capaz de promover melhorias para a escola,

VASCONCELLOS (2003) também discute as armadilhas trazidas por uma avaliação descomprometida e apresenta algumas possibilidades para reverter e qualificar esse processo. Segundo ele, são necessários passos pequenos, assumidos coletivamente, mas concretos e na direção certa, desencadeando um processo de mudança com abrangência crescente: sala de aula, escola, grupo de escola, comunidade, sistema de ensino, sociedade civil, sistema político, etc., a partir da criação de uma base critica entre educadores, alunos, pais, etc.

Em primeiro lugar, é necessário compreender efetivamente o problema, captar o movimento do real em termos da avaliação na prática (o que de fato ocorre nas escolas). Para colaborar com o processo de transformação da realidade da avaliação escolar, é preciso buscar um procedimento metodológico que nos ajude, pois a construção de um Método de trabalho possibilita evitar tanto o fechamento do grupo quanto a dependência, em direção à autonomia.

Para Vasconcellos, uma metodologia de trabalho na perspectiva dialética-libertadora deve compreender os seguintes elementos:

a) Partir da prática – ter a pratica em que estamos inseridos como desafio para a transformação. b) Refletir sobre a pratica – através da reflexão critica e coletiva, buscar subsídios, procurar conhecer como

funciona a pratica, quais são suas contradições, sua estrutura, suas leis de movimento, captar sua essência, para saber como atar no sentido de sua transformação.

c) Transformar a Prática – atuar, coletiva organizadamente, sobre a pratica, procurando transforma-la na direção desejada.

No que se refere à Reflexão sobre a prática, esta deve ser feita em três dimensões: a) Onde estamos (o que está sendo feito); saber onde/como estamos, como chegamos aqui; passar da

sensação de mal-estar para a compreensão concreta da realidade: entendemos que o que vai dar o concreto de pensamento é o estabelecimento de relações, a busca de captação do movimento do real;

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- Para onde queremos ir (como deveria ser); saber o que queremos com a avaliação (avaliar para quê?); saber o que buscarmos com a educação escolar; dependendo de nossa concepção de educação, teremos diferentes atitudes diante do problema (da simples conivência – ajustes técnicos, mudanças de nomes, à transformação radical);

- O que fazer(o que fazer para vir-a-ser); Estabelecer um plano de ação. A busca de “solução” tem que ser coerente com nosso posicionamento educacional. Não há solução boa “em si” (ex.: semana de prova – é uma solução ótima para determinada concepção de educação: no entanto é uma aberração para outra...).

Por isso Vasconcellos destaca o processo de construção de conhecimento a respeito da realidade em questão, que se dá em movimentos de:

-Síncrese: percepção inicial do problema, ainda de forma confusa, desarticulada; -Analise: captação do movimento do real, suas relações. O problema da avaliação não pode ser

compreendido “em si” (nenhum problema pode). Assim como não dá para entender o problema da avaliação “em si” do problema, desvinculadas de outra frentes de atuação;

- Síntese: compreensão do real nas suas determinações, contradições, tendências, espaços de autonomia relativa, espaços de possíveis ações conscientes e voluntárias dos agentes históricos.

Quanto ao sentido da avaliação Vasconcellos (2003) diferencia avaliação de nota. Para ele, avaliação é um processo abrangente da existência humana, que implica em reflexão critica sobre a pratica e nota é apenas uma exigência formal do sistema escolar. A avaliação se relaciona com uma concepção de mundo, de homem e de sociedade e liga-se diretamente ao projeto político-pedagógico da instituição. Para se atingir um nível mais profundo de conscientização, o professor precisa praticar a ação-reflexão-ação: • Abrindo mão do uso autoritário da avaliação que o sistema lhe autoriza • Revendo a metodologia de trabalho em sala de aula • Redimensionando o uso da avaliação (forma e conteúdo) • Alterando postura diante dos resultados da avaliação • Criando nova mentalidade junto aos alunos, colegas de trabalho e pais, pois a mudança de postura está

ao seu alcance; é preciso desejar e se emprenhar na transformação do que está aí através de uma nova prática.

O autor aponta os seguintes caminhos para a superação da postura avaliativa: 1. alterar a metodologia de trabalho, pois uma avaliação reflexiva e crítica só é possível com mudanças; o

professor deve dar espaços para as dúvidas dos alunos, combatendo os preconceitos e as gozações, estabelecendo um clima de respeito

2. Diminuir a ênfase na avaliação classificatória, pois não adianta mudar forma e não mudar conteúdo e vice-versa; a avaliação deve ser encarada e praticada como um processo que permite ao professor acompanhar a construção das representações do aluno, percebendo, onde se encontram. Em relação às provas como instrumento, o autor afirma existir ruptura com o processo de ensino-aprendizagem, ênfase em notas, forma de classificação dos alunos. Os elementos para avaliação devem ser retirados do próprio processo do trabalho cotidiano, da própria caminhada do aluno rumo à construção do conhecimento.

Para a educação das crianças, o autor afirma que a avaliação deve caminhar na seguinte direção: - observação da criança, fundamentada nas etapas de se desenvolvimento - oportunização de novos desafios, com base na reflexão critica e fundamentação teórica - Registro das manifestações infantis - Diálogo freqüente entre os adultos que lidam com a criança (educadores, pais e responsáveis)

3. Redimensionar o conteúdo da avaliação: A avaliação deve ser reflexiva, relacional e compreensiva. A

“cola” não é aceita quando escrita no papel, mas é aceita quando decorada e gravada na cabeça do aluno. O autor questiona o uso de questionários, pois é herança da tradição e cultura divulgada entre os professores e faz com que os alunos passem ano após ano sem saber nada. Para rever e romper com este ciclo vicioso, o autor propõe que:

- seja revista a formação dos professores - se desenvolva, desde a pré-escola, um tipo de ensino que não seja factual e decorativo - que se elabore um novo tipo de avaliação, mais coerente coma forma de ensinar, onde se busque verificar a compreensão dos fatos e conceitos e não a memorização mecânica - trabalho com os pais para mudar também a sua mentalidade Segundo também ele, a auto-avaliação precisa ser utilizada de maneira critica, pois não adianta utilizá-la

em contextos autoritários; a nota de participação, por sua vez é outro ponto questionado pelo autor, pois normalmente ela é dada pra ajudar alunos que “foram mal”, e não para recuperar aprendizagens importantes para o crescimento do aluno; dar nota porque o aluno é bonzinho, é uma forma paternalista e prepotente do professor, que se coloca como juiz supremo; a nota de participação , caso seja utilizada, deve ser baseada

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em critérios objetivos: entrega de tarefas, freqüência às aulas, trazer sempre material, etc. A avaliação do tipo “interesse”, “envolvimento”, etc, deverá ficar para a avaliação sócio-afetiva (desvinculada da nota); dar “trabalhinhos” para os alunos ganharem ponto também não faz sentido; os trabalhos, caso sejam necessários, são para recuperar aprendizagem e não para melhorar nota. Para trabalhos em grupo, o professor precisa deixar claro para os alunos como é a metodologia deste tipo de trabalho e em termos de avaliação, o professor da o total de pontos para o grupo e este o distribui entre os seus elementos

4. Alterar a postura diante dos resultados da avaliação: segundo o autor, o professor deve se preocupar menos com notas e médias e preocupar-se mais com aprendizagens significativas e o aluno deve participar de seu processo de avaliação, a saber:

- analisar com os alunos os resultados da avaliação, colher sugestões - discutir o processo de avaliação em nível de representantes de classe - fazer conselho de classe com a participação dos alunos (classe toda com todos os professores). O autor destaca a importância de se trabalhar o erro; o professor tem dificuldade em trabalhar com os erros

dos alunos porque não sabe trabalhar nem com os seus próprios erros; é preciso valorizar o raciocínio do aluno e não somente a resposta “certa”.

Quanto aos conselhos de classe , o autor propõe que: - sejam feitos durante o ano e não apenas no final. Que contem com a participação de todos os membros da comunidade (professores, alunos, pais, coordenação, etc) - enfoque principal dado às aprendizagens e não às notas - que apontem as necessidades de mudança em todos os aspectos da escola e não aos relativos aos alunos - decisões sobre quais providências devem ser tomadas, registradas e avaliadas no conselho seguinte, de modo a fazer história e não ser simples catarse. Em relação a pratica corrente dos conselhos de final de ano (que decidem o futuro de muitos alunos) que

ao menos: - sejam preparados com antecedência - Sejam estabelecidos critérios para ajuda e não atribuição de notas - Sejam feitos com tempo para uma análise mais cuidadosa e justa - Desde que o educador tenha compromisso com os alunos, a recuperação, mais do que uma estrutura da escola, deve significar uma postura do educador no sentido de garantir a aprendizagem; portanto deve ser uma recuperação instantânea. Para o autor, nenhuma reprovação deveria ser surpresa para ninguém, pois tudo deve ser feito por todos

para evitar que isso ocorra. Quanto à situação de reprovação, o autor pondera: - A avaliação em estilo de prova revela o passado, aquilo que se estruturou no aluno, não dando conta de avaliar o momento presente do seu desenvolvimento - neste caso, a influência dos fatores sócio-afetivos deve ser considerada, de tal forma que o aluno não tenha problemas motivados pelo desempenho passado que tenham afetado o seu rendimento 5. Trabalhar na conscientização da comunidade educativa : para o autor, o professor deve lutar para

criar uma nova mentalidade junto aos alunos, aos educadores e pais, superando o senso comum deformado a respeito da avaliação; no caso de transferências, as famílias devem ser orientadas para formas de superação das eventuais diferenças da organização pedagógica entre uma escola e outra.

O autor ressalta que a avaliação deve levar à mudança do que tem que ser mudado também em nível do sistema educacional, pois há necessidade de definição de uma política educacional séria, ampla e comprometida com os interesses das classes populares, que leve à alteração progressiva das condições objetivas de trabalho:

- mais verbas para a educação e melhor aplicação dos recursos - Melhor formação para os professores - Melhor remuneração dos profissionais - Mais instalações físicas - Diminuição do controle burocrático e mais autonomia pedagógica para as escolas - diminuição da rotatividade entre os professores, diretores e coordenadores -organização dos profissionais da educação: participação em associações e entidades de classe, superação do corporativismo A escola também deve mudar o que tem de ser mudado - buscar gestão participativa e transparente - engajar-se na sociedade como organismo vivo - Permitir a construção coletiva do projeto pedagógico - construir espaços de reflexão coletiva - lutar contra a fragmentação e as relações autoritárias

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- Favorecer a formação de grêmios, grupos de teatro, representantes de classe, clube de vides, cinemas, etc VASCONCELLOS (2003) afirma que a efetivação de uma avaliação democrática na escola depende, da

democratização da sociedade, de tal forma que não se precise mais usar a escola como uma das instâncias da seletividade social. Como proposta para enfrentar o problema o autor sugere:

- compromisso com a aprendizagem - necessária participação dos professores - implantação gradativa - Articulação com outras frentes de luta

INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA: AFONSO, Almerindo J. Avaliação educacional: regulação e emancipação. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2000. ÁLVAREZ MÉNDEZ, Juan M. Avaliar para conhecer: examinar para excluir. Porto Alegre: Artmed, 2002. AZZI, Sandra. Avaliação e progressão continuada. In: AZZI, S. (coord). Avaliação do desempenho e progressão continuada: projeto de capacitação de dirigentes. Belo Horizonte: SMED, out. 2001. BARRIGA, A. Tesis para la elaboración de una teoría de la evaluación y sus derivaciones en la docencia: perfiles educativos. México: Centro de Investigaciones y Servicios Educativos de la UNAM, 15 mar. 1982. BLOOM, B. S.; HASTINGS, J. T.; MADAUS, G. F. Evaluación del aprendizagen. Argentina: Troquel, 1975, Tomo 1. BRASIL, LDB. Lei 9394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em< www.mec.gov.br>. Acesso em: 02 Mar 2009. BECKER, Fernando. Da ação à operação: O caminho da Aprendizagem: J. Piaget e P. Freire. Porto Alegre: EST: Palmarinca: Educação e realidade, 1993. CALDEIRA, Anna M. Salgueiro. Avaliação e processo de ensinoaprendizagem. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 3, p. 53-61, set./out. 1997. ________. Ressignificando a avaliação escolar. In: ________. Comissão Permanente de Avaliação Institucional: UFMG-PAIUB. Belo Horizonte: PROGRAD/UFMG, 2000. p. 122-129 (Cadernos de Avaliação, 3). CORAZZA, Sandra., SILVA, Tomaz. Composições. Belo Horizonte. Autêntica, 2003 COSTA, Antônio P.. Avaliação: como avaliar o aprender a (competências) e o aprender que (conteúdos)?. Coimbra: APF,: 2004. CUNHA, Maria Isabel da. O Professor universitário: na transição de paradigmas. Araraquara, SP: JM, 1998. DALBEN, Ângela I. L. de Freitas. Avaliação escolar. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 11, n. 64, jul./ago. 2005. DEMO, Pedro. Teoria e prática da avaliação qualitativa. Temas do 2º Congresso Internacional sobre Avaliação na Educação. Curitiba, Paraná, 2004. p. 156-166. DIAS SOBRINHO, José. Avaliação: políticas e reformas da Educação Superior. São Paulo: Cortez, 2003. ESTEBAN, Maria Tereza. Pedagogia de Projetos: entrelaçando o ensinar, o aprender e o avaliar à democratização do cotidiano escolar. In: SILVA, J. F.; FONTOURA, Ana Rita. As relações poder/saber no currículo e na avaliação escolar. Dissertação de Mestrado. Ijuí. UNIJUÍ, 2006. FREIRE, Paulo. Conscientização; teoria e prática da libertação: Uma introdução do pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez e Morales, 1979 GATTI, Bernardete A. O Professor e a avaliação em sala de aula. Estudos em Avaliação Educacional, n. 27, p. 97-113, jan./jun. 2003. HOFFMANN, Jussara M. L. Avaliação mito & desafio: Uma perspectiva construtista. Editora Medição, Porto Alegre, 1991. HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora: Uma prática em construção da pré-escola à universidade: Editora Medição, Porto Alegre, 2006. HOFFMANN, J.; ESTEBAN, M. T. (orgs.) Práticas avaliativas e aprendizagens significativas: em diferentes áreas do currículo. 3.ed. Porto Alegre: Mediação, 2004. p. 81-92. ________. O Que sabe quem erra? Reflexões sobre a avaliação e fracasso escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. ________. (org.) Ser professora: avaliar e ser avaliada. In: ________. Escola, currículo e avaliação. São Paulo: Cortez, 2003. p. 13-37. HADJI, Charles. A Avaliação desmitificada. Porto Alegre: Artmed, 2001. LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem na escola: reelaborando conceitos e recriando a prática. Salvador: Malabares Comunicação e Eventos, 2003. PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. SAUL, Ana Maria. Avaliação emancipatória: desafio à teoria e à prática da avaliação e reformulação de currículo. São Paulo: Cortez, 1988. SOUZA, Clariza P de (org). Avaliação do rendimento escolar: Campinas: Papurus, 1991. SILVA, José Luiz P B.; MORADILLO, Edilson F. de. Avaliação, ensino e aprendizagem de Ciências. Ensaio, [Belo Horizonte], ano 1, vol. 4 n.1, Julho 2002. SORDI, Mara Regina L. de. Alternativas propositivas no campo da avaliação: por que não? In: CASTANHO, Sérgio; CASTANHO, Maria Eugênia (orgs.). Temas e textos em metodologia do Ensino Superior. Campinas, SP: Papirus, 2001. STUFFLEBEAM, D. (1987)., Evoluación sistemática. Barcelona. Paidós-MEC TYLER, Ralph. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto Alegre, 1975.

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CURRÍCULO: CONHECIMENTO, ENSINO E APRENDIZAGEM

O currículo diz respeito a seleção, seqüenciação e dosagem de conteúdos da cultura a serem desenvolvidos em situações de ensino-aprendizagem. (SAVIANI, Nereide, 2002) AFINAL, O QUE É CURRÍCULO?

Segundo SACRISTAN (1998), o currículo deve ser entendido como processo, que envolve uma multiplicidade de relações, abertas ou tácitas, em diversos âmbitos, que vão da prescrição à ação, das decisões administrativas às práticas pedagógicas, na escola como instituição e nas unidades escolares especificamente. Para compreendê-lo e, principalmente, para elaborá-lo e implementá-lo de modo a transformar o ensino, é preciso refletir sobre grandes questões, como por exemplo: Que objetivos, no nível de que se trate, o ensino deve perseguir? O que ensinar, ou que valores, atitudes e conhecimentos estão implicados nos objetivos? Quem está autorizado a participar nas decisões do conteúdo da escolaridade? Por que ensinar o que se ensina, deixando de lado muitas outras coisas? Todos esses objetivos devem ser para todos os alunos/as ou somente para alguns deles? Quem tem melhor acesso às formas legítimas de conhecimento? Esses conhecimentos servem a quais interesses? Com que recursos metodológicos, ou com que materiais ensinar? Que organização de grupos, professores/as, tempo e espaço convém adotar? Quem deve definir e controlar o que é êxito e o que é fracasso no ensino?

O CURRÍCULO E SUA TRAJETÓRIA HISTÓRICA 12

Para uma melhor compreensão do tema em questão, iremos a priori tecer uma breve consideração sobre o currículo dentro da perspectiva tradicional, critica e pós-critica de educação.

O currículo tradicional de educação tem seu alicerce sedimentado dentro da filosofia positivista de Augusto Comte, através da teoria de currículo de Tyler, buscou introduzir no âmbito escolar as dinâmicas estabelecidas por Taylor na linha de montagem de carros. A teoria linear de currículo de Tyler tem o ensino como instrução, o pensamento voltado para o tecnicismo, que visa preparar indivíduos para desempenhar situações definidas. A ação educativa fundamentada neste paradigma implica em uma dicotomia entre ensino e aprendizagem, onde o professor é o que ensina e o aluno o que aprende, o professor é o detentor do saber e o transfere para o aluno para que este o receba sem questionar. No Currículo tradicional o aluno é um mero receptor e a pedagogia (professor) se preocupa em o que ensinar.

Paulo Freire denominou essa pedagogia tradicional de educação bancária, onde as informações são depositadas nos alunos, pois os alunos são considerados um papel em branco a ser preenchido pelo professor através de sua pratica pedagógica onde ensinar é transferir conhecimentos. Essa teoria de currículo permeou e ou permeia o fazer pedagógico de muitos professores que apesar de todas as evoluções no âmbito das teorias educacionais ainda se prende a ela para a efetivação de sua pratica de ensino.

Diante de todas as implicações causadas pela teoria tradicional de currículo, muitos estudiosos dentre eles podemos destacar Paulo Freire, Louis Altusser começaram a esboçar o paradigma critico de currículo em “oposição” as práticas educacionais baseadas na teoria tradicional de currículo de Tyler que estava voltado para atender as necessidades do mercado de trabalho, o tecnicismo .

As teorias criticas de currículo são teorias que põem em discussão o status quo daqueles que detêm o poder, através da problematização e do questionamento entre professor- conhecimento - aluno. A prática pedagógica do professor dentro dessa perspectiva está voltada para a ação-reflexão-ação do ato pedagógico onde o professor reflexivo busca interagir com os alunos numa dialética que envolve o saber ser, o saber fazer... de alunos e professores de forma dinâmica e recíproca.

Na ação pedagógica baseada nas teorias critica de currículo, a atenção está voltada não para o que ensinar, delineada pela teoria tradicional, mas sim como ensinar, é a busca de procedimentos metodológicos que garantam uma maior apreensão e domínio do conteúdo de ensino por parte dos alunos e que garantam um espaço democrático participativo no âmbito da sala de aula.

12 Adaptação a partir de O Currículo e suas Implicações no Fazer pedagógico do Professor. Escrito pelo professor Ruy

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Apesar das grandes contribuições no âmbito educacional dos teóricos críticos, emergiu um movimento intelectual que fez nascer o mundo pós-moderno ( metade do século XX), esse movimento questiona as dinâmicas do mundo moderno nos âmbitos social, político... com esse movimento surgiu as teorias pós-critica de currículo que vai alem da teoria tradicional que se preocupa em o que ensinar e a critica no como ensinar, essa teoria está voltada para o porque ensinar ele diz o que deve ser ensinado.

A teoria pós-critica busca identificar, analisar o significado, ou seja, o que é considerado verdadeiro em termos de conhecimento e o porquê de sua prática? Porque o conhecimento se tornou verdadeiro? Que homem se pretende formar? Para que tipo de sociedade?

As perspectivas pós-criticas estão alicerçadas sobres o eixo liberal ou humanista, que defende idéias de tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as culturas e a mais crítica–discutem que as relações de poder, em que a cultura dominante faria o papel de permitir que outras formas culturais tivessem seu “espaço”.

Com o pós-modernismo emergiu movimentos como multiculturalismo, que pressupõe que nenhuma cultura pode ser julgada superior a outra, o movimento feminismo questionamentos acerca da desigualdade entre homens e mulheres; distinção de disciplinas masculinas e femininas, a questão de gênero e a Identidade étnica e racial diferenças determinadas histórica e politicamente.

Mas o que toda essa discussão tem haver com o fazer pedagógico do professor? O currículo se materializa na pratica e é através deles que os professores escolhem seus temas, conteúdos, procedimentos metodológicos e avaliativos. Assim de forma consciente ou não ele reproduz as ideologias contidas no currículo. O que se pretende ensinar depende da concepção de currículo que está presente na ação de ensinar.

Atualmente o professor pouco fala de currículo, pouco conhece o currículo, é preciso que a escola discuta o currículo que sedimenta sua prática através da ação do seu Projeto Político-Pedagógico, pois, enquanto seres formadores de opinião devem procurar fundamentar sua prática em teorias que lhes dê a possibilidade desenvolver seu fazer pedagógico de forma a atender as inquietudes dos educandos diante da sociedade tecnológica, informacional vigente. Devemos salientar que esse ensaio não esgota as questões relacionadas ao tema discutido.

Currículo num enfoque globalizador 13

Antoni Zabala entende que a complexidade do projeto educativo deve ser abordado por um enfoque globalizador no qual a interdisciplinaridade está presente. Para esse autor, o enfoque globalizador vem responder à necessidade de que as aprendizagens sejam as mais significativas e conseqüentes possível com a formação integral das pessoas, no sentido de que estas compreendam e participem de uma sociedade complexa. Trata-se de uma abordagem de ensino que está vinculada a uma concepção construtivista de ensino-aprendizagem e à função educativa de formar as pessoas para intervir na realidade com o objetivo de melhorá-la.

Morin (2001), numa perspectiva bastante próxima a esta, desenvolve uma teoria da reforma do pensamento vinculada à reforma do ensino. São reformas que influenciam reciprocamente e estão vinculadas às profundas mudanças que estão em curso no mundo contemporâneo. A reforma do pensamento é de natureza paradigmática, por que se refere à nossa capacidade de organizar o conhecimento. Caracteriza-se pela integração de duas culturas, as ciências e o humanismo, mas conforma uma nova cultura, fundamentada na solidariedade ente os homens e numa relação umbilical com a natureza e o cosmo. Esse novo modo de pensar requer:

. A compreensão de que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e vice-versa;

. O reconhecimento e a investigação dos fenômenos na sua multidimensionalidade;

. O reconhecimento e o tratamento das realidades tais como são: solidárias e conflituosas;

. O respeito à diferença, reconhecendo, ao mesmo tempo, a unicidade.

A forma de organização dos conteúdos que temos hoje na escola é herdeira de uma tradição curricular baseada na separação entre as disciplinas e no estabelecimento de fronteiras entre as mesmas. Essa não é mesma lógica que orientou as diferentes perspectivas educativas ao longo da História, desde a Antigüidade até o Renascimento, quando a busca de uma unidade do conhecimento era o princípio orientador (ZABALA).

Foi no início do século XIX, com as transformações sociais que aconteciam nos países desenvolvidos e a especialização decorrente da divisão do processo de produção industrial, que os saberes e as técnicas foram se diferenciando, constituindo linguagens próprias, circunscrevendo-se a âmbitos específicos, com seus objetos de estudo, marcos conceituais, métodos e procedimentos próprios (SANTOMÉ, 1998). Essa lógica,

13 Adaptação a partir de Silma Côrtes da Costa Battezzati, em e-learning Brasil. São Caetano do Sul - São Paulo - Brasil. p. 01-17- nov.2002. ISSN-1678-0728

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que produziu o conhecimento disciplinar – e que hoje tem sofrido mudanças profundas no universo da própria ciência -, influenciou os currículos escolares, a seleção e organização dos conteúdos, e foi-se consolidando por meio de mudanças na organização do trabalho pedagógico, nas exigências de formação profissional para o exercício do magistério.

Dentre as inúmeras conseqüências que esse tipo de lógica produziu no âmbito da organização escolar, podemos citar a excessiva fragmentação do conhecimento, a hierarquização das disciplinas, a produção do fracasso escolar. Esse tipo de organização curricular promove aprendizagens dispersas, sem vínculos entre si, dificultando, para o aluno, o estabelecimento de relações entre os diferentes conteúdos escolares, destes com os seus saberes, com as suas experiências sociais e culturais. As fronteiras entre os conhecimentos reforçam identidades profissionais em torno da especialização nas disciplinas, dificultando a elaboração de um projeto educativo mais significativo para os alunos, que requer uma comunicação entre as áreas do conhecimento. Outro aspecto que merece ser ressaltado é o que diz respeito às finalidades do conhecimento científico e da educação escolar. A produção do conhecimento científico e a educação escolar são processos que têm naturezas e objetivos distintos. O ensino das ciências na escola, ou de qualquer outro tipo de conhecimento organizado, tem especificidade que não podem ser desconsideradas, sob pena de destituir, pouco a pouco, o conhecimento ensinado nas escolas, de sua dimensão formadora, educativa.

Os enfoques globalizadores têm como objetivo superar a excessiva divisão do conhecimento, propondo formas mais integradas de organização dos conteúdos escolares que potencializem uma compreensão da realidade a partir de contextos mais globais, promovendo maior significatividade nas aprendizagens. Trazem como pressuposto a idéia de que o aluno é protagonista do seu processo educativo, considerando, portanto, seus interesses, necessidades, sua história e suas vivências como parte constitutiva do desenvolvimento curricular.

Conforme Zabala, (2002, p. 17), “desde os primeiro filósofos gregos até meados do século XIX, a unidade do conhecimento foi um princípio diretor no estabelecimento dos diferentes currículos. Os sofitas gregos já haviam definido o programa de uma enkuklios paideia, ensino curricular que devia levar o aluno a percorrer as disciplinas constitutivas da ordem intelectual centradas em um desenvolvimento humano entendido como um todo”.

Os métodos globalizados de ensino influênciaram várias teorias de aprendizagem, entre elas Zabala considera, pela sua importância histórica e por seu referencial frente a elaboração de unidades

didáticas globalizadoras para educação os centro de interesse de Decroly; os métodos de projetos de Kilpatrick; a investigação do meio do MCE (Movimento de Cooperazione

Educativa de Itália) e os projetos de trabalho globais. De acordo com Zabala estes são exemplos de métodos preciosos para auxiliar os educadores que pretendem elaborar propostas curriculares de

ensino integradas, inclusive, com a utilização de novos recursos tecnológicos na educação. Sobre os métodos citados Zabala, (2002, p. 197), esclarece que: “Os centros de interesse de Decroly

partem de um núcleo temático motivador para os alunos e, seguindo os processos de observação, associação e expressão, integram conteúdos de diferentes áreas de conhecimento. O método de projetos de Kilpatrick consiste, basicamente, na elaboração de algum objeto ou na confecção de uma montagem (uma máquina, um audiovisual, uma estufa, uma horta escolar, um

jornal, etc.). A investigação do meio do MCE - (Movimento de cooperazione Educativa de itália) tenta fazer com que as crianças construam o conhecimento através da seqüencia do método científico (problemas, hipóteses, confirmações) e Os projetos de trabalhos globais, com o objetivo de conhecer um tema que os alunos escolheram, propõem que é preciso elaborar um dossiê ou uma monografia como resultado de uma pesquisa pessoal ou de grupo.

Para Zabala (2002, p. 197), todos estes métodos são um excelente referencial para o ensino porque contemplam a realização de atividades educacionais globalizadas, ou seja, “o saber científico somente pode ter sentido educativo quando está a serviço do desenvolvimento humano em suas vertentes pessoais e sociais” (ZABALA, 2002.p.58).

Alguns pensadores, como Bacon e Comênio, esboçavam estas preocupações e enfatizavam a necessidade e a relevância de se construir saberes unificados, inter-conectados, necessários e importantes para uma prática pedagógica nos moldes da pedagogia da unidade, ou, pansophia. Conforme Bacon e Comênio em (dilaceratium scientiarum) o remédio para uma pedagogia da unidade seria a pansophia, ou seja, “[...] uma ciência verdadeira não pode construir-se isoladamente e manter-se em um egoísmo espistemlógico, fora da comunidade interdisciplinar do saber e da ação”. ZABALA. ( 2002, p. 25).

Atualmente, na intenção de abrir caminhos para desenvolver atividades globalizadas de ensino, integradas com o uso do computador e da Internet, muitos profissionais da educação estão a procura de métodos que os ajudem a desenvolver novas práticas pedagógicas. “Os estudos sobre desenvolvimento mostram que é necessário reunir disciplinas diferentes se desejamos compreender os problemas mais importantes de nosso tempo e realizar investigações nesse sentido”. “[..] é necessária uma cooperação interdisciplinar em

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numerosos âmbitos de investigação relativos ao meio e aos recursos naturais, à guerra e à paz, aos problemas das comunidades, ao urbanismo, ao tempo livre e às atividades culturais. Assim, no âmbito teórico e metodológico, assistimos a um inegável interesse pelos problemas e pelos métodos gerais, que dependem de mais de uma disciplina”. (ZABALA 2002 p.26).

Através de um enfoque globalizador, ou visão globalizadora de ensino Zabala, (2002), propõe uma diferente maneira de organizar as disciplinas, os conteúdos escolares para a prática pedagógica. Este enfoque é interessante, especialmente, quando se pretente utilizar o computador e a Internet como meios para facilitar a comunicação e o desenvolvimento de conhecimentos globais na educação. Busca especialmente auxiliar os professores, através da aplicação dos métodos globalizados, a escolherem os diferentes intrumentos conceituais e metodológicos de qualquer um dos campos do saber que, independemente de sua procedência, permitam o desenvolvimento de um conhecimento integrado e global.

“Na prática de sala de aula, o enfoque globalizador representa que, seja qual for a disciplina que se trabalhe, seja qual for o conteúdo que se queira ensinar, sempre devem apresentar-se em uma situação mais ou menos próxima da realidade do estudante e em toda a sua complexidade, mostrando que, entre todos os problemas que a realidade coloca serão destacados, aqueles (ou aquele) que convêm ser tratados por razões didáticas”. (ZABALA, 2002, p.38).

Assim como Zabala, (2002), é mister defendermos a idéia de que os educadores devem oferecer um

ensino significativo e dinâmico para seus alunos, a partir de um prática interdiciplinar, pois, se a educação é o meio para promover e conduzir as pessoas a um maior e melhor conhecimento da vida, e para o desenvolvimento de maiores habilidades, no sentido de resolver problemas, não podemos nos acomodar e comungar com situações onde o aluno busca apenas a capacitação ou a formação para o trabalho, ou para a ascensão a níveis cada vez mais elevados de formação, sem interesse real por uma aprendizagem integrada acerca dos vários saberes escolares. De acordo com Zabala ( 2002, p.48), a emergência de inter-relação entre as disciplinas é fundamental, pois,

“[...] a situação atual da educação é de absoluta crise, e, esta crise ocorre devido existência de uma tensão entre a aplicação de conteúdos tradicionais, com peso social, e os novos conteúdos emergentes, que correspondem também às exigências das novas profissões, ou, daquelas que possuem maior prestígio na sociedade”.

DEMANDAS PEDAGÓGICO CURRICULARES 14

Diante desse mundo globalizado, que apresenta muitos desafios ao homem, é assim que a educação manifesta a necessidade de se romper com modelos tradicionais para o ensino. É importante destacar, tendo em vista tais reflexões, as considerações sobre a Educação para o século XXI, incorporadas na UNESCO. Em 1998, as Edições Unesco Brasil editou Educação: Um Tesouro a Descobrir, relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI. As teses desse importante documento passaram a integrar os eixos norteadores da política educacional.

Os quatro pilares da Educação contemporânea, citada por a UNESCO são: aprender a ser aprender a fazer, aprender a viver juntos, e aprender a conhec er. Esses eixos devem constituir ações permanentes que visem à formação do educando como pessoa e como cidadão. Nessa relação que liga os quatro pilares do novo sistema de Educação, e considerando a rapidez com que ocorrem as mudanças na área do conhecimento e da produção, exigindo uma atualização contínua e colocando novas exigências para a formação do educando, é que a interdisciplinaridade insere-se na ousadia de novas abordagens de ensino, na educação básica e especialmente nos cursos de formação de professores.

De acordo com Brasil (1999), a reorganização curricular determinada em áreas de conhecimento, estruturada pelos princípios pedagógicos da interdisciplinaridade, da contextualização da identidade, da diversidade e autonomia, vai redefinir uma relação entre os sistemas de ensino e as escolas. Essa proposta proporciona uma influência mútua entre as áreas curriculares e facilita o desenvolvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização.

A noção de disciplina é fundamental para que se possa entender o desenvolvimento das ciências, do pensamento humano. É uma categoria organizada dentro das diversas áreas do conhecimento que as ciências abrangem. Para se entender o termo interdisciplinaridade, deve-se partir da noção de disciplina.

14 Adaptado a partir de Clarissa Corrêa Fortes - Interdisciplinaridade: Origem, Conceito e Valor, em senac.br

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A organização disciplinar foi instiuída no século XIX, notamente com a formação das universidades modernas; desenvolveu-se, depois, no século XX, com o impulso dado à pesquisa científica; isto significa que as disciplinas têm uma história: nascimento, institucionalização, evolução, esgotamento, etc; essa história está inscrita na da Universidade, que, por sua vez, está inscrita na história da sociedade; MORIN ( 2002 , p. 105)

A disciplina é uma maneira de organizar, de delimitar, ela representa um conjunto de estratégias

organizacionais, uma seleção de conhecimentos que são ordenados para apresentar ao aluno, com o apoio de um conjunto de procedimentos didáticos e metodológicos para seu ensino e de avaliação da aprendizagem. Segundo FAZENDA (1999, p. 66): “a indefinição sobre interdisciplinaridade origina-se ainda dos equívocos sobre o conceito de disciplina”. A polêmica sobre disciplina e interdisciplinaridade possibilita uma abordagem pragmática em que a ação passa a ser o ponto de convergência entre o fazer e o pensar interdisciplinar. É preciso estabelecer uma relação de interação entre as disciplinas, que seriam a marca fundamental das relações interdisciplinares.

O caráter disciplinar do ensino formal dificulta a aprendizagem do aluno, não estimula ao desenvolvimento da inteligência, de resolver problemas e estabelecer conexões entre os fatos, conceitos, isto é, de pensar sobre o que está sendo estudado. “O parcelamento e a compartimentação dos saberes impedem apreender o que está tecido junto”. MORIN (2000, p.45):

Em um projeto de pesquisa interdisciplinar é necessário determinar o valor de cada disciplina, discute-se em nível teórico, suas estruturas e a intencionalidade de seu papel no currículo escolar. Esses fundamentos possibilitam entender que a interdisciplinaridade é muito mais que uma simples integração de conteúdos.

A interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de significados e registro sistemático dos resultados. BRASIL (1999, p. 89)

Para que ocorra a interdisciplinaridade não se trata de eliminar as disciplinas, trata-se de torná-las

comunicativas entre si, concebê-las como processos históricos e culturais, e sim torná-la necessária a atualização quando se refere às práticas do processo de ensino-aprendizagem. De acordo com Morin (2000), as disciplinas como estão estruturadas só servirão para isolar os objetos do seu meio e isolar partes de um todo. A educação deve romper com essas fragmentações para mostrar as correlações entre os saberes, a complexidade da vida e dos problemas que hoje existem. Caso contrário, será sempre ineficiente e insuficiente para os cidadãos do futuro.

Essa inadequação de como as disciplinas são trabalhadas, de saberes divididos, compartimentados não está de acordo com a realidade que é global, as relações entre o todo e as partes, impedem a contextualização dos saberes. Essa maneira de isolar os conhecimentos, de compartimentá-los, causa à incapacidade de considerar o saber contextualizado e globalizado. Enfatiza MORIN (2000, p. 43): “a inteligência parcelada, compartimentada, mecanicista, disjuntiva e reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntos, fraciona os problemas, separa o que está unido, torna unidimensional o multidimensional”.

O professor que se precisa é aquele que conhece bem sua matéria, que tem uma boa compreensão entre as várias disciplinas e que conheça como os alunos constroem seus conhecimentos, desenvolvem suas capacidades mentais e na prática saber estimular esse processo de ensino-aprendizagem.

Segundo Fazenda (1999), podem-se dividir os primeiros estudos das questões da interdisciplinaridade em: 1970- construção epistemológica da interdisciplinaridade, em busca de uma explicitação filosófica,

procuravam a definição de interdisciplinaridade. 1980- explicitação das contradições epistemológicas decorrentes dessa construção, em busca de uma

diretriz sociológica, tentar explicitar um método para a interdisciplinaridade. 1990- construir uma nova epistemologia, a própria da interdisciplinaridade, em busca de um projeto

antropológico, construção de uma teoria da interdisciplinaridade. A autora acrescenta ademais, que o movimento surgiu na Europa, principalmente na França e na Itália, em

meados de década de 1960, época em que os movimentos estudantis reivindicavam um novo estatuto de universidade e escola, como tentativa de elucidação e de classificação temática das propostas educacionais que começavam a aparecer na época. No Brasil a interdisciplinaridade chegou ao final dos anos sessenta e, conforme Fazenda (1999), com sérias distorções, como um modismo, uma palavra de ordem a ser explorada, usada e consumida por aqueles que se lançam ao novo sem avaliar a aventura. Diz ainda que, no início da década de 1970, a preocupação fundamental era a de uma explicitação terminológica.

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A primeira produção significativa sobre a interdisciplinaridade no Brasil é de Hilton Japiassu2 que na época, o autor já apresentava os principais questionamentos a respeito da temática e seus conceitos, fazendo uma reflexão sobre as estratégias interdisciplinares, baseada em experiências realizadas naquele período.

Nesse sentido, tentaremos apresentar as principais motivações desse empreendimento, bem como as justificações que poderão ser invocadas em seu favor. Tudo isso, no contexto de uma epistemologia das ciências humanas, `as voltas coma suas “crises” e com seus impasses metodológicos. A resolução dessas crises coincide pelo menos em parte, com os objetivos a que se propõe o método interdisciplinar. JAPIASSU (1976, p.53).

Outro trabalho relevante sobre a interdisciplinaridade, realizado em 1970, foi desenvolvido por Ivani Fazenda como pesquisa de mestrado, que surgiu a partir de Japiassu e estudos sobre interdisciplinaridade na Europa. Onde a autora permaneceu no seu primeiro estudo, mais no trato dos aspectos relativos à conceituação do que à metodologia.

Para JAPIASSU (1976, p.74): “A interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa”.

É importante enfatizar que a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador com as disciplinas de um currículo, para que os alunos aprendam a olhar o mesmo objeto sob perspectivas diferentes.

A importância da interdisciplinaridade aponta para a construção de uma escola participativa e decisiva na formação do sujeito social. O seu objetivo tornou- se a experimentação da vivência de uma realidade global, que se insere nas experiências cotidianas do aluno e do professor.

“O valor e a aplicabilidade da Interdisciplinaridade, portanto, podem-se verificar tanto na formação geral, profissional, de pesquisadores, como meio de superar a dicotomia ensino-pesquisa e como forma de permitir uma educação permanente”. FAZENDA (1992, p.49)

Tendo em vista essas reflexões a interdisciplinaridade se realiza como uma forma de ver e sentir o mundo,

de estar no mundo, de perceber, de entender as múltiplas implicações que se realizam, ao analisar um acontecimento, um aspecto da natureza, isto é, os fenômenos na dimensão social, natural ou cultural. É ser capaz de ver e entender o mundo de forma holística, em sua rede infinita de relações, em sua complexidade.

A Organização dos Conteúdos

... o aprendizado das crianças começa muito antes delas freqüentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia. Por exemplo, as crianças começam a estudar aritmética na escola, mas muito antes elas tiveram alguma experiência com quantidades – elas tiveram que lidar com operações de divisão, adição, subtração e determinação de tamanho. Conseqüentemente, as crianças têm a sua própria aritmética pré-escolar, que somente psicólogos míopes podem ignorar (VYGOTSKY, 1989, p. 94-95).

A finalidade da escola é promover a formação integral dos alunos, segundo Zabala, que critica as ênfases

atribuídas ao aspecto cognitivo. Para ele, é na instituição escolar, através das relações construídas a partir das experiências vividas, que se estabelecem os vínculos e as condições que definem as concepções pessoais sobre si e os demais. A partir dessa posição ideológica acerca da finalidade da educação escolarizada, é conclamada a necessidade de uma reflexão profunda e permanente da condição de cidadania dos alunos, e da sociedade em que vivem.

Sobre os conteúdos da aprendizagem, seus significados são ampliados para além da questão do que ensinar, encontrando sentido na indagação sobre por que ensinar. Deste modo, acabam por envolver os objetivos educacionais, definindo suas ações no âmbito concreto do ambiente de aula.

Esses conteúdos assumem o papel de envolver todas as dimensões da pessoa, caracterizando as seguintes tipologias de aprendizagem: factual e conceitual (o que se deve aprender?); procedimental (o que se deve fazer?); e atitudinal (como se deve ser?). Sobre a concepção de aprendizagem, o autor afirma que não é possível ensinarmos sem nos determos nas referências de como os alunos aprendem, chamando a atenção para as particularidades dos processos de aprendizagem de cada aluno (diversidade). O construtivismo é eleito como concepção metodológica em virtude da validação empírica de uma série de princípios psicopedagógicos: os esquemas de conhecimento; o nível de desenvolvimento e dos conhecimentos prévios, e a aprendizagem significativa. Baseada nessa concepção, a aprendizagem dos conteúdos apresenta características específicas para cada tipologia.

De acordo com Zabala (1998) a organização dos conteúdos depende das relações e da forma de vincular os diferentes conteúdos de aprendizagem que formam as unidades didáticas.

O autor propõe que se considere as possibilidades e critérios para organizar os conteúdos de cada unidade didática de trabalho, pois no sistema tradicional as disciplinas, ou cadeiras escolares, a forma de selecionar,

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distribuir e organizar os conteúdos de aprendizagem tiveram uma dependência clara da lógica formal. Nele predominava uma distribuição linearizada e hierarquizada dos conteúdos, alcançando com isso a fragmentação e dificultando a significação dos conteúdos para os alunos.

Na versão de Sincretismo e globalização existe a proposta de organização de conteúdos que, aparentemente, prescindem de compartimentação disciplinar, desenvolvendo, inclusive, métodos extremamente elaborados em que os critérios de organização dos conteúdos não estão condicionados por sua natureza disciplinar.

Sendo assim, os conteúdos podem ser classificados conforme sua natureza: Multidisciplinares, interdisciplinares, pluridisciplinares, metadisciplinares,etc.Nestas propostas, as disciplinas justificam os conteúdos próprios de aprendizageme, portanto, nunca perdem sua identidade como matéria diferenciada.

Zabala alerta que considere-se que o alvo e o referencial organizador é o aluno e suas necessidades educativas gerais. Uma educação centrada no aluno nunca é uma posição contraposta ou excludente, mas sempre somatória. As disciplinas como organizadoras dos conteúdos: Di ferentes formas de relacionar as disciplinas: Multidisciplinaridade – É a organização de conteúdos mais tradicional. Os conteúdos escolares são apresentados por matérias independentes umas das outras. Interdisciplinaridade – É a interação entre duas ou mais disciplina, que pode ir desde a simples comunicação de ideias até a integração recíproca dos conceitos fundamentais e da teoria do conhecimento, da metodologia edos dados da pesquisa. Transdisciplinaridade – É o grau máximo de relações entre as disciplinas, daí que supõe uma integração global de um sistema totalizador Métodos globalizados

Organizam os conteúdos de forma transdisciplinar, sua perspectiva se centra exclusivamente no aluno e em suas necessidades educacionais.

Os conteúdos que são trabalhados procedem de diferentes disciplinas, apesar de que o nexo que há entre elas não segue nenhuma lógica disciplinar.

Historicamente os métodos globalizados nascem quando o aluno se transforma em protagonista do ensino. Objetivo da educação é favorecer uma compreensão mais profunda da realidade através da análise, sendo assim, Zabala apresenta quatro métodos globalizados: CENTROS DE INTERESSE – Decroly – partem de um núcleo temático motivador para os alunos e, seguindo os processos de observação, associação e expressão, integram conteúdos de diferentes áreas de conhecimento. MÉTODO DE PROJETOS – Kilpatrick – elaboração de algum objeto ou na confecção de uma montagem (audiovisual, jornal, etc.). INVESTIGAÇÃO DO MEIO – tenta construir o conhecimento através da seqüência do método científico (problemas, hipóteses, confirmação). PROJETOS DE TRABALHOS GLOBAIS – objetivo de reconhecer um tema que os alunos escolheram, propõem que é preciso elaborar um dossiê ou uma monografia como resultado de uma pesquisa pessoal ou de grupo.

O DESAFIO DA INTERDISCIPLINARIDADE 15

Muitos são os trabalhos que utilizam o termo interdisciplinar em suas propostas, influenciados por um modismo que surge da vontade de mudança de paradigmas ultrapassados. A interdisciplinaridade é um tema recente. Há apenas três décadas ela tem sido objeto de estudo e de desejo no Brasil (Fazenda, 1998). Segundo a autora, uma forma de organizar teoricamente esse movimento é indicar que a década de 70

15 Adaptação a partir de Anita Marques Costa e Marion Creutzberg, em R. gaúcha Enferm., Porto Alegre, v.20, n. esp., p.58-69, 1999. E adaptado também a partir de Marcos Clair Bovo, em Quadrimestral. nº7 – agos, set, out e nov – Maringá. Paraná/Bbrasil. ISSN 15196178

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caracterizou-se por uma busca de definições, a de 80, por uma explicitação do método e na de 90, por uma construção da teoria da interdisciplinaridade.

Conceituar interdisciplinaridade não é uma tarefa simples, pois a própria essência da palavra submete-nos à singularidade e transformação. Transformação, própria do questionamento e busca constante de soluções, de aprendizado. O profissional interdisciplinar deve estar disposto a vivenciar uma prática de constante mudança, não tendo como objetivo único uma meta pré-estabelecida. O caminhar envolve possibilidades de seguir diferentes caminhos. “É preciso adquirir o espírito de Fênix – do morrer para renascer das cinzas. Ser Fênix ou interdisciplinar é permitir-se à transmutação, é ver na história a possibilidade de recriação”.(Fazenda, 1998, p.133)

Embora recente, a história da interdisciplinaridade está marcada por muita luta, garra e coragem de pessoas que arriscaram buscar algo novo e a sua própria identidade. Fazenda (1998, p.31), ao analisar essa luta, traça um perfil do educador que assume essa atitude interdisciplinar. Percebe o gosto que estes professores têm de conhecer e pesquisar, seu comprometimento diferenciado com alunos e a ousadia em experimentar novas técnicas e procedimentos de ensino. Percebe também que sua vida e trabalho são marcados por dicotomias: “luta/resistência e solidão/desejo de encontro”. Ela escreve: “Apesar do seu empenho pessoal e do sucesso junto aos alunos, trabalha muito, e seu trabalho acaba por incomodar os que

têm a acomodação por propósito” Na vivência da interdisciplinaridade existem vários obstáculos que dificultam a sua efetividade (Fazenda,

1992, p.54). A organização do conhecimento em disciplinas e as barreiras, isolamento e disputa de poder entre as mesmas, compõe-se de obstáculo epistemológico e institucional difícil de ser superado. Mais difícil ainda, é superar estruturas mentais – obstáculos psicossociológicos e culturais. Percebe-se um preconceito na adesão à interdisciplinaridade por falta de preparo, pela acomodação pessoal e grupal, pelo medo de perder prestígio pessoal. O obstáculo metodológico constitui aspecto importante e a elaboração de uma metodologia de trabalho interdisciplinar depende da superação dos anteriores e da ‘atitude’ interdisciplinar coletiva. Uma nova pedagogia é necessária para que os obstáculos da formação sejam vencidos. É preciso buscar novas relações entre o ensinar e aprender. Como último, mas igualmente importante, tem-se os obstáculos materiais, normalmente reflexo do pouco valor que a instituição dá à prática interdisciplinar.

Fazenda (1998, p.84) fala dessa abertura como disponibilidade à parceria: “A parceria, portanto, pode constituir-se em fundamento de uma proposta interdisciplinar... A parceria consiste numa tentativa de incitar o diálogo com outras formas de conhecimento a que não estamos habituados.”

Para conseguirmos esta parceria, para estarmos abertos temos que buscar uma humildade interior, no sentido de reconhecer que não somos únicos, completos, detentores do saber. Para Fazenda (1998, p.15) “conhecer em totalidade, interdisciplinarmente,... só é possível pela busca da interioridade,... que nos conduz a um profundo exercício de humildade (fundamento maior e primeiro da interdisciplinaridade)”. Japiassu (1976, p.135) refere que “a cooperação interdisciplinar exige, por definição, qualidades de tolerância mútua, de abnegação e, até mesmo de apagamento dos indivíduos, em proveito do grupo”.

Fazenda (1992, p.46) fala da interdisciplinaridade como “condição para uma educação permanente”, no sentido de aprimoramento pessoal e da troca de experiências. Quanto aos “obstáculos epistemológicos e institucionais” a organização do ensino em disciplinas é apontada como aspecto que dificulta uma construção interdisciplinar. Fazenda (1992, p.51-57). Essa separação e dicotomia está presente também “nas questões administrativas, político-técnicas, nas divisões en tre professor, aluno e funcionário da instituição.” É natural que se reforçe a manutenção do isolamento das disciplinas e dos conhecimentos, isso aponta para o que Fazenda (1992, p.53) caracteriza como “rigidez das estruturas institucionais.”

Assim como Fazenda (1992, p.54), alguns educadores vêem os “obstáculos psicossociais e culturais” como os mais difíceis a serem superados e acaba que sua adesão a propostas interdisciplinares é mencionado por Fazenda (1992, p.54). Segundo a autora, essas atitudes provêm da falta de preparo para esse tipo de trabalho, e do “medo de perder o prestígio pessoal” e da ideia de que se necessite “rejeitar a especialização”.

Fazenda fala dessa dificuldade e aponta para uma “profunda conversão” que precisa acontecer no nível pessoal e coletivo para a superação desses obstáculos. Ela também afirma que, às vezes, obstáculos materiais “impossibilitam a eliminação das barreiras entre as pessoas. (1992, p.54).

A autora alerta que a “elaboração e adoção de metodologia de trabalho interdisciplinar implica a prévia superação dos obstáculos institucionais, epistemológicos, psicossociológicos, culturais, de formação de pessoal capacitado e também a superação dos obstáculos materiais (1992, p.55)

Para Ivani Fazenda (1994), no seu livro “Interdisciplinaridade: História, Teoria e Pesquisa”, a metodologia interdisciplinar requer uma atitude especial ante o conhecimento, que se evidencia no reconhecimento das competências, incompetências, possibilidades e limites da própria disciplina e de seus agentes, no conhecimento e na valorização suficientes das demais disciplinas e dos que a sustentam. Nesse sentido, torna-se fundamental haver indivíduos capacitados para a escolha da melhor forma e sentido da participação e sobretudo no reconhecimento da provisoriedade das posições assumidas, no procedimento de

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questionar. Tal atitude conduzirá, evidentemente, a criação das expectativas de prosseguimento e abertura a novos enfoques ou aportes.

E, para finalizar, a metodologia interdisciplinar parte de uma liberdade científica, alicerça-se no diálogo e na colaboração, funda-se no desejo de inovar, de criar, de ir além e suscita-se na arte de pesquisar, não objetivando apenas a valorização técnico-produtiva ou material, mas sobretudo, possibilitando um acesso humano, no qual desenvolve a capacidade criativa de transformar a concreta realidade mundana e histórica numa aquisição maior de educação em seu sentido lato, humanizante e libertador do próprio sentido de ser no mundo (FAZENDA, 1994, p. 69-70).

Diante disso, podemos afirmar que a “interdisciplinaridade não se ensina, não se aprende, apenas vive-se, exerce-se e por isso exige uma nova pedagogia, a da comunicação” (FAZENDA, 1979, pp. 10-18), nessa perspectiva cabe ao professor, no momento certo articular teoria e prática, numa forma interdisciplinar sem contudo perder os interesses próprios de sua disciplina.

Fazenda (p. 35), nos lembra que a construção de uma didática interdisciplinar pressupõe, antes de mais nada a questão de perceber-se interdisciplinar.

Para a autora (1994, p.29), a ousadia da busca e da pesquisa, é a transformação da insegurança num exercício do construir . Vale lembrar que a aprendizagem dos conteúdos se dá de forma permeada a essas duas disciplinas, o que não deixa de ser um exercício do pensamento lógico-reflexivo. Mas ela alerta, é difícil pensar em interdisciplinaridade, quando fomos acostumados durante 20 anos a pensar a educação compartimentalizada, produto da escola tecnicista . Neste sentido a autora (1994, p. 63), ainda ressalta:

Há necessidade de o professor apropriar-se do conhecimento científico, de saber organizá-lo e articulá-lo, de ter competência. Mas essa competência, para o verdadeiro educador, deve estar impregnada de humildade, de simplicidade de atitudes. É necessário enxergar o outro, construir com ele o alicerce do conhecimento, não só para servir a sociedade, mas para enaltecer a vida.

Faz-se, de fato, necessário por parte da equipe gestora, realizar a eliminação de um dos obstáculos a que

se refere Fazenda (1994,p. 55), no tocante à efetivação da interdisciplinaridade na escola que é o da formação continuada. Para a autora, a introdução da interdisciplinaridade implica simultaneamente uma transformação profunda da Pedagogia e um novo tipo de formação de professores, é preciso concordar com Fazenda, (1993, p.13), quando faz o seguinte questionamento:

Atitude de quê? Atitude de busca de alternativas para conhecer mais e melhor; atitude de espera perante atos não consumados; atitude de reciprocidade que impede á troca, ao diálogo com pares idênticos, com pares anônimos ou consigo mesmo; atitude de humildade diante da limitação do próprio saber; atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes; atitude de desafio diante do novo, desafio de redimensionar o velho; atitude de envolvimento e comprometimento com os rojetos e as pessoas neles implicadas; atitude, pois de compromisso de construir sempre da melhor forma possível; atitude de responsabilidade, mas, sobretudo de alegria, de revelação, de encontro, enfim, de vida.

No entanto, em se tratando de formação continuada voltada para propostas interdisciplinares, é possível

verificar obstáculos psicossociológicos e culturais, que, segundo Fazenda (1994, p.54): Várias são as causas que podem provocar essa atitude: um desconhecimento do real significado do projeto interdisciplinar, que muitas vezes é tomado estritamente em seu aspecto metodológico; a falta de formação específica para esse tipo de trabalho, constituindo-se este, no principal obstáculo à eliminação das barreiras entre as pessoas; a acomodação pessoal e coletiva, pois toda a mudança requer uma nova sobrecarga de trabalho, um certo medo em perder prestígio pessoal , pois o espírito interdisciplinar, chega até o anonimato. O trabalho de um (embora talvez até mais valorizado do que num sistema tradicional), anula-se em favor de um objetivo maior. É preciso considerar que todos nós temos nossas fragilidades, porém, a força verdadeira, guiada pela ética, se manifesta conforme nos mostramos capazes de superar fraquezas, de acordo com o desejo de atingir uma meta pessoal. (...) pessoas determinadas sempre têm algo a conquistar, são vivazes, alegres, com maior capacidade de trabalho. É essa a força necessária ao bom educador. (1999, p. 58). Assim sendo, se pode considerar dever do educador buscar, experimentar e descobrir novos caminhos tanto na arte de ensinar, como na arte de monte e desmonte de uma aula.

A autora afirma que a interdisciplinaridade pode facilitar a superação da dicotomia entre pesquisa teórica e pesquisa prática, pois, nas atividades interdisciplinares, não será possível separar o conhecimento teórico do conhecimento prático, tendo em vista a reciprocidade e a interdependência entre ambos. Essas dimensões incluem o diálogo com a realidade e integram o mesmo processo. Superam também a dicotomia ensino - pesquisa, permitindo a passagem do saber setorizado para o saber integrado.

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O PLANEJAMENTO DA AÇÃO DOCENTE 16

Segundo Libâneo, Planejamento Escolar “é um processo de racionalização, organização e coordenação da ação docente, articulando a atividade escolar e a problemática do contexto social” (p. 221) O planejamento escolar, portanto, como o seu próprio nome evidencia, é o planejamento global da instituição escolar, que envolve o processo de refletir e decidir sobre a estrutura, a organização, o funcionamento e as propostas pedagógicas desta.

O planejamento escolar é uma tarefa docente que inclui tanto a previsão das atividades didáticas em termos da sua organização e coordenação em face dos objetivos propostos, quanto a sua revisão e adequação no decorrer do processo de ensino. O planejamento é um meio para se programar as ações docentes, mas é também um momento de pesquisa e reflexão intimamente ligado à avaliação.

Cabe destacar que o Planejamento Escolar deve conduzir-se a partir de quatro conteúdos básicos. Pois existe uma relação entre o processo de apreensão e o tipo de conteúdo trabalhado. Zabala (1998) diferencia na aprendizagem as características desses quatro tipos de conteúdos:

a) os conteúdos factuais: conhecimentos de fatos, acontecimentos, situações, fenômenos concretos e singulares, às vezes menosprezados, mas indispensáveis, e cuja aprendizagem é verificada pela reprodução literal;

b) os conteúdos procedimentais: conjunto de ações ordenadas e com um fim, incluindo regras, técnicas, métodos, destrezas e habilidades, estratégias e procedimentos, verificados pela realização das ações dominadas pela exercitação múltipla e tornados conscientes pela reflexão sobre a própria atividade;

c) os conteúdos atitudinais: que podem ser agrupados em valores, atitudes e normas, verificados por sua interiorização e aceitação, o que implica conhecimento, avaliação, análise e elaboração;

d) e a aprendizagem de conceitos (conjunto de fatos, objetos ou símbolos) e princípios (leis e regras que se produz num fato, objeto ou situação) possibilita elaboração e construção pessoal, nas interpretações e transferências para novas situações.

Cada uma dessas aprendizagens exige rotina, pois não ocorrerão de forma espontaneísta ou mágica, além

de exigir, em virtude da intencionalidade e da busca do êxito contidos na ensinagem, a escolha e a execução de uma metodologia, que se operacionaliza nas estratégias selecionadas, que seja adequada aos objetivos, aos conteúdos do objeto de ensino e principalmente aos estudantes.

Cabe ao professor planejar e conduzir esse processo contínuo de ações que possibilitem aos estudantes, inclusive aos que têm maiores dificuldades, irem construindo, agarrando, apreendendo o quadro teórico-prático pretendido, em momentos seqüenciais e de complexidade crescente.

Destaca-se entre as possibilidades de planejamento: 1 planejamento educacional, de currículo e de ensi no

Se qualquer atividade exige planejamento, a educação não foge dessa exigência. Na área da educação temos os seguintes tipos de planejamento:

Planejamento educacional: Consiste na tomada de decisões sobre a educação no conjunto do desenvolvimento geral do país. A elaboração desse tipo de planejamento requer a proposição de objetivos em longo prazo que definam uma política da educação. É o realizado pelo Governo Federal, através do Plano Nacional de Educação e da legislação vigente.

Planejamento de currículo: O problema central do planejamento curricular é formular objetivos educacionais a partir daqueles expressos nos guias curriculares oficiais. Nesse sentido, a escola não deve simplesmente executar o que é prescrito pelos órgãos oficiais. Embora o currículo seja mais ou menos determinado em linhas gerais, cabe à escola interpretar e operacionalizar estes currículos. A escola deve procurar adaptá-los às situações concretas, selecionando aquelas experiências que mais poderão contribuir para alcançar os objetivos dos alunos, das suas famílias e da comunidade.

Planejamento de ensino: Podemos dizer que o planejamento de ensino é a especificação do planejamento de currículo. Consiste em traduzir em termos mais concretos e operacionais o que o professor fará na sala de aula, para conduzir os alunos a alcançar os objetivos educacionais propostos. Um planejamento de ensino deverá prever:

16 Adaptado a partir de Rosângela Menta Mello - CEWK / Curso de Formação de Docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental - Organização do Trabalho Pedagógico. Governo do Paraná.

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• Objetivos específicos estabelecidos a partir dos objetivos educacionais. • Conhecimentos a serem aprendidos pelos alunos no sentido determinado pelos objetivos. • Procedimentos e recursos de ensino que estimulam, orientam e promovem as atividades de

aprendizagem. • Procedimentos de avaliação que possibilitem a verificação, a qualificação e a apreciação qualitativa dos

objetivos propostos, cumprindo pelo menos a função pedagógico-didática, de diagnóstico e de controle no processo educacional.

2 Importância do planejamento escolar

O trabalho docente é uma atividade consciente e sistemática, em cujo centro está a aprendizagem ou o estudo dos alunos sob a direção do professor.

O planejamento é um processo de racionalização, organização e coordenação da ação docente, articulando a atividade escolar e a problemática do contexto social. A escola, os professores e os alunos são integrantes da dinâmica das relações sociais; tudo o que acontece no meio escolar está atravessado por influências econômicas, políticas e culturais que caracterizam a sociedade de classes. Isso significa que os elementos do planejamento escolar – objetivos, conteúdos, métodos – estão recheados de implicações sociais, têm um significado genuinamente político. Por essa razão, o planejamento é uma atividade de reflexão acerca das nossas opções e ações; se não pensarmos detidamente sobre o rumo que devemos dar ano nosso trabalho, ficaremos entregues aos rumos estabelecidos pelos interesses dominantes na sociedade. A ação de planejar é uma atividade consciente de previsão das ações docentes, fundamentadas em opções político-pedagógicas, e tendo como referência permanente situações didáticas concretas (isto é, a problemática social, econômica, política e cultural que envolve a escola, os professores, os alunos, os pais, a comunidade, que interagem no processo de ensino).

O planejamento escolar tem, assim, as seguintes fun ções: • Explicitar princípios, diretrizes e procedimentos de trabalho docente que assegurem a articulação entre as

tarefas da escola e as exigências do contexto social e do processo de participação democrática. • Expressar os vínculos entre o posicionamento filosófico, político-pedagógico e profissional, as ações

efetivas que o professor irá realizar em sala de aula, através de objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas de ensino. • Assegurar a racionalização, organização e coordenação do trabalho docente, de modo que a previsão

das ações docentes possibilite ao professor a realização de um ensino de qualidade e evite a improvisação e rotina. • Prever objetivos, conteúdos e métodos a partir da consideração das exigências propostas pela realidade

social, do nível de preparo e das condições sócio-culturais e individuais dos alunos. • Assegurar a unidade e a coerência do trabalho docente, uma vez que torna possível inter-relacionar, num

plano, os elementos que compõem o processo de ensino: os objetivos (para que ensinar), os conteúdos (o que ensinar), os alunos e suas possibilidades (a quem ensinar), os métodos e técnicas (como ensinar) e a avaliação, que está intimamente relacionada aos demais. • Atualizar o conteúdo do plano sempre que é revisto, aperfeiçoando-o em relação aos progressos feitos no

campo de conhecimentos, adequando-os às condições de aprendizagem dos alunos, aos métodos, técnicas e recursos de ensino que vão sendo incorporados na experiência cotidiana. • Facilitar a preparação das aulas: selecionar o material didático em tempo hábil, saber que tarefas

professor e alunos devem executar, replanejar o trabalho frente a novas situações que aparecem no decorrer das aulas.

Para que os planos sejam efetivamente instrumentos para a ação, devem ser como um guia de orientação

de devem apresentar ordem seqüencial, objetividade, coerência, flexibilidade. 3 Etapas do planejamento de ensino

Conhecimento da realidade: Para poder planejar adequadamente a tarefa de ensino e atender às necessidades do aluno é preciso, antes de qualquer coisa, saber para quem se vai planejar. Por isso, conhecer o aluno e seu ambiente é a primeira etapa do processo de planejamento. É preciso saber quais as aspirações, frustrações, necessidades e possibilidades dos alunos. Fazendo isso, estaremos fazendo uma Sondagem, isto é, buscando dados.

Uma vez realizada a sondagem, deve-se estudar cuidadosamente os dados coletados. A conclusão a que chegamos, após o estudo dos dados coletados, constitui o Diagnóstico. Sem a sondagem e o diagnóstico corre-se o risco de propor o que é impossível alcançar ou o que não interessa ou, ainda, o que já foi alcançado.

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Requisitos para o planejamento: • Objetivos e tarefas da escola democrática: estão ligados às necessidades de desenvolvimento cultural

do povo, de modo a preparar as crianças e jovens para a vida e para o trabalho. • Exigências dos planos e programas oficiais: são as diretrizes gerais, são documentos de referência, a

partir dos quais são elaborados os planos didáticos específicos. • Condições prévias para a aprendizagem: está condicionado pelo nível de preparo em que os alunos se

encontram em relação ás tarefas de aprendizagem

Elaboração do plano: A partir dos dados fornecidos pela sondagem e interpretados pelo diagnóstico, temos condições de estabelecer o que é possível alcançarem o que julgamos possíveis e como avaliar os resultados. Por isso, passamos a elaborar o plano através dos seguintes passos: • Determinação dos objetivos. • Seleção e organização dos conteúdos. • Análise da metodologia de ensino e dos procedimentos adequados. • Seleção de recursos tecnológicos. • Organização das formas de avaliação. • Estruturação do plano de ensino.

Execução do plano: Ao elaborarmos o plano de ensino, antecipamos, de forma organizada, todas as

etapas do trabalho escolar. A execução do plano consiste no desenvolvimento das atividades previstas. Na execução, sempre haverá o elemento não plenamente previsto. Às vezes, a reação dos alunos ou as

circunstâncias do ambiente dispensa o planejamento, pois, uma das características de um bom planejamento deve ser a flexibilidade.

Avaliação e aperfeiçoamento do plano: Ao término da execução do que foi planejado, passamos a avaliar o próprio plano com vistas ao replanejamento. Nessa etapa, a avaliação adquire um sentido diferente da avaliação do ensino-aprendizagem e um significado mais amplo. Isso porque, além de avaliar os resultados do ensino-aprendizagem, procuramos avaliar a qualidade do nosso plano, a nossa eficiência como professor e a eficiência do sistema escolar. 4 O plano da escola

O plano da escola é o plano pedagógico e administrativo da unidade, onde se explicita a concepção pedagógica do corpo docente, as bases teórico-metodológicas da organização didática, a contextualização social, econômica, política e cultural da escola, a caracterização da clientela escolar, os objetivos educacionais gerais, a estrutura curricular, diretrizes metodológicas gerais, o sistema de avaliação do plano, a estrutura organizacional e administrativa.

O plano da escola é um guia de orientação para o planejamento do processo de ensino. Os professores precisam ter em mãos esse plano abrangente, não só para uma orientação do seu trabalho, mas para garantir a unidade teórico-metodológica das atividades escolares.

Roteiro para elaboração do plano da escola: • Posicionamento sobre as finalidades da educação escolar na sociedade e na nossa escola • Bases teórico-metodológicas da organização didática e administrativa: tipo de homem que queremos

formar, tarefas da educação, o significado pedagógico-didático do trabalho docente, relações entre o ensino e o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos, o sistema de organização e administração da escola. • Caracterização econômica, social, política e cultural do contexto em que está inserida a nossa escola. • Características sócio-culturais dos alunos • Objetivos educacionais gerais da escola • Diretrizes gerais para elaboração do plano de ensino da escola: sistema de matérias – estrutura

curricular; critérios de seleção de objetivos e conteúdos; diretrizes metodológicas gerais e formas de organização do ensino e sistemática de avaliação. • Diretrizes quanto à organização e a à administração: estrutura organizacional da escola; atividades

coletivas do corpo docente; calendário e horário escolar; sistema de organização de classes, de acompanhamento e aconselhamento de alunos, de trabalho com os pais; atividades extra-classe; sistema de aperfeiçoamento profissional do pessoal docente e administrativo e normas gerais de funcionamento da vida coletiva.

5 Componentes básicos do planejamento de ensino

O plano de ensino é um roteiro organizado das unidades didáticas para um ano ou semestre. É

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denominado também de plano de curso, plano anual, plano de unidades didáticas e contém os seguintes componentes: ementa da disciplina, justificativa da disciplina em relação ao objetivos gerais da escola e do curso; objetivos gerais; objetivos específicos, conteúdo (com a divisão temática de cada unidade); tempo provável (número de aulas do período de abrangência do plano); desenvolvimento metodológico (métodos e técnicas pedagógicas específicas da disciplina); recursos tecnológicos; formas de avaliação e referencial teórico (livros, documentos, sites, etc)

Objetivos: É a descrição clara do que se pretende alcançar como resultado da nossa atividade. Os objetivos nascem da própria situação: da comunidade, da família, da escola, da disciplina, do professor e principalmente do aluno. Os objetivos, portanto, são sempre do aluno e para o aluno.

Os objetivos educacionais ou gerais são as metas e os valores mais amplos que a escola procura atingir a longo prazo, e os objetivos instrucionais, também chamados de específicos, são proposições mais específicas referentes às mudanças comportamentais esperadas para um determinado grupo-classe.

Para manter a coerência interna do trabalho de uma escola, o primeiro cuidado será o de selecionar os objetivos específicos que tenham correspondência com os objetivos gerais das áreas de estudo que, por sua vez, devem estar coerentes com os objetivos educacionais do planejamento de currículo. E os objetivos educacionais, conseqüentemente, devem estar coerentes com a linha de pensamento da entidade à qual o plano se destina.

Na redação, o professor transformará tópicos das unidades numa proposição (afirmação) que expresse o resultado esperado e que deve ser atingido por todos os alunos ao término daquela unidade didática.

Os resultados são conhecimentos (conceitos, fatos, princípios, teorias, interpretações, idéias organizadas, etc) e habilidades (o que deve aprender para desenvolver suas capacidades intelectuais, motoras, afetivas, artísticas, etc.)

Na redação dos objetivos específicos, o professor pode indicar também as atitudes e convicções em relação à matéria, ao estudo, ao relacionamento humano, à realidade social (atitude científica, consciência crítica, responsabilidade, solidariedade, etc.)

Devem ser redigidos com clareza, ser realistas, corresponder à capacidade de assimilação dos alunos, conforme seu nível de desenvolvimento mental e sua idade.

Conteúdo: Refere-se à organização do conhecimento em si, com base nas suas próprias regras. Abrange também as experiências educativas no campo do conhecimento, devidamente selecionadas e organizadas pela escola.

O conteúdo é um instrumento básico para poder atingir os objetivos. Em geral, os guias curriculares oficiais oferecem uma relação de conteúdos das várias áreas que podem

ser desenvolvidos em cada série. Pode-se selecionar o conteúdo com base nesses guias. Não devemos esquecer, no entanto, de levar em conta a realidade da classe. Outros cuidados que devem ser observados na seleção dos conteúdos: • Devemos delimitar os conteúdos por unidades didáticas, com a divisão temática de cada uma. Unidade

didática são o conjunto de temas inter-relacionados que compõem o plano de ensino para uma série ou módulo. Cada unidade didática contém um tema central do programa, detalhado em tópicos.

• Conteúdo selecionado precisa estar relacionado com os objetivos definidos. Devemos escolher os conhecimentos indispensáveis para que os alunos adquiram os comportamentos fixados.

• Um bom critério de seleção é a escolha feita em torno de conteúdos mais importantes, mais centrais e mais atuais, com base no programa oficial da matéria, no livro didático adotado pela instituição.

• É importante é o fato de o mestre estar apto a levantar a idéia central do conhecimento que deseja trabalhar. Para que tal ocorrência se verifique, é indispensável que o professor conheça em profundidade a natureza do fenômeno que pretende que seus alunos conheçam.

• Conteúdo precisa ir do mais simples para o mais complexo, do mais concreto para o mais abstrato. Desenvolvimento metodológico ou metodologia de ensi no: Procedimentos de ensino são ações,

processos ou comportamentos planejados pelo professor para colocar o aluno em contato direto com coisas, fatos ou fenômenos que lhes possibilitem modificar sua conduta, em função dos objetivos previstos (TURRA apud PILETTI, 2003, p. 67). Indica o que o professor e os alunos farão no desenrolar de uma aula ou conjunto de aulas.

Sua função é articularem objetivos e conteúdos com métodos e procedimentos de ensino que provoquem a atividade mental e prática dos alunos (resolução de situações problemas, trabalhos de elaboração mental, discussões, resolução de exercícios, aplicação de conhecimentos e habilidades em situações distintas das trabalhadas em classe, etc.).

O professor, ao organizar as condições externas favoráveis à aprendizagem, utiliza meio ou modos organizados de ação, conhecidos como técnicas de ensino. As técnicas de ensino são maneiras particulares de organizar a atividade dos alunos no processo de aprendizagem.

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O desenvolvimento metodológico de objetivos e conteúdos estabelece a linha que deve ser seguida no ensino (atividade do professor) e na assimilação (atividade do aluno) da matéria de ensino.

Ao planejar os procedimentos de ensino, não é suficiente fazer uma listagem de técnicas que serão utilizadas, como aula expositiva, trabalho dirigido, excursão, trabalho em grupo, etc. Devemos prever como utilizar o conteúdo selecionado para atingir os objetivos propostos. As técnicas estão incluídas nessa descrição. Os procedimentos têm uma abrangência bem mais ampla, pois envolvem todos os passos do desenvolvimento da atividade de ensino propriamente dita. Os procedimentos de ensino selecionados pelo professor devem: • Ser diversificados; • Estar coerentes com os objetivos propostos e com o tipo de aprendizagem previsto nos objetivos; • Adequar-se às necessidades dos alunos; • Servir de estímulo à participação do aluno no que se refere às descobertas; • Apresentar desafios.

Exemplos: • aulas interativas, projetos de aprendizagem, etc. • ensino individualizado (módulos de ensino, instrução audiotutorial, estudo através de fichas, solução de

problemas, etc.), • métodos didáticos (expositivo, interrogativo, intuitivo, etc.), • métodos ativos (método Montessori, plano Dalton, o sistema Winnetka, método de projetos, método de

trabalho em grupo, etc.), • Técnicas (discussão circular, debate, painel integrado, phillips 66, mesa-redonda, seminário, etc.)

Recursos tecnológicos (didáticos, audiovisuais ou d e ensino): As tecnologias merecem estar presentes no cotidiano escolar primeiramente porque estão presentes na vida, mas também para: • Diversificar as formas de produzir e apropriar-se do conhecimento. • Serem estudadas, como objeto e como meio de se chegar ao conhecimento, já que trazem embutidas

em si mensagens e um papel social importante. • Permitir ao alunos, através da utilização da diversidade de meios, familiarizarem-se com a gama de

tecnologias existentes na sociedade. • Serem desmistificadas e democratizadas. • Dinamizar o trabalho pedagógico. • Desenvolver a leitura crítica. • Ser parte integrante do processo que permite a expressão e troca dos diferentes saberes.

Exemplos: álbum seriado, cartão-relâmpago, cartaz, ensino por fichas, estudo dirigido, flanelógrafo,

gráficos, história em quadrinhos, ilustrações, jogos, jornal, livro didático, mapas, globos, modelos, mural, peça teatral, quadro-de-giz, quadro de pregas, sucata, textos, terrário, aquário, maquetes, equipamentos esportivos, computador, vídeo, dvd, cd, internet, sites, correio eletrônico, softwares, rádio, slide, TV, transparências para retroprojetor, etc.

Avaliação: Avaliação é o processo pelo qual se determina o grau e a quantidade de resultados alcançados

em relação aos objetivos, considerando o contexto das condições em que o trabalho foi desenvolvido. No planejamento da avaliação é importante considerar a necessidade de: • Avaliar continuamente o desenvolvimento do aluno. • Selecionar situações de avaliação diversificadas, coerentes com os objetivos propostos. • Selecionar e/ou montar instrumentos de avaliação. • Registrar os dados da avaliação. • Aplicar critérios aos dados da avaliação. • Interpretar resultados da avaliação. • Comparar os resultados com os critérios estabelecidos (feed-back). • Utilizar dados da avaliação no planejamento.

O feedback deve ser encarado como retroinformação para o professor sobre o andamento de sua atuação.

Dessa forma, a avaliação desloca-se do plano da competição entre professor e aluno, para significar a medida real do conhecimento, tornando-se assim menos arbitrária.

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6 PLANEJAMENTO DE AULA: A aula é a forma predominante de organização didática do processo de ensino. É na aula que organizamos

ou criamos as situações docentes, isto é, as condições e meios necessários para que os alunos assimilem ativamente conhecimentos, habilidades e desenvolvam suas capacidades cognoscitivas.

O plano de aula é o detalhamento do plano de ensino. As unidades didáticas e subunidades (tópicos) que foram previstas em linhas gerais são agora especificadas e sistematizadas para uma situação didática real. A preparação da aula é uma tarefa indispensável e, assim como o plano de ensino, deve resultar num documento escrito que servirá não só para orientar as ações do professor como também para possibilitar constantes revisões e aprimoramentos de ano para ano. Em todas as profissões o aprimoramento profissional depende da acumulação de experiências conjugando a prática e a reflexão criteriosa sobre a ação e na ação, tendo em vista uma prática constantemente transformadora para melhor.

Na elaboração do plano de aula, deve-se levar em consideração, em primeiro lugar, que a aula é um período de tempo variável. Dificilmente completamos numa só aula o desenvolvimento de uma unidade didática ou tópico de unidade, pois o processo de ensino e aprendizagem se compõe de uma seqüência articulada de fases: • Preparação e apresentação dos objetivos, conteúdos e tarefas. • Desenvolvimento da matéria nova.

Isto significa que não devemos preparar uma aula, mas um conjunto de aulas.

Como elaborar um plano de aula? O primeiro passo é indicar o tema central da aula. Exemplo: matéria-

prima e produto. A seguir devem-se estabelecer os objetivos da aula. Em terceiro lugar indica-se o conteúdo que será objeto de estudo. Exemplo: Em quarto lugar estabelecem-se os procedimentos e recursos de ensino, isto é, estabelecem-se as

formas de utilizar o conteúdo selecionado para atingir os objetivos propostos. Em quinto lugar , no dia seguinte ao da visita, deve-se fazer uma síntese integradora das informações

colhidas pelos alunos. Além disso, outras atividades complementares poderão ser desenvolvidas. Em sexto lugar , o professor proporciona a consolidação com atividades variadas, que pode ser realizada

no decorrer do processo e não apenas em um momento específico. Finalmente , o planejamento da aula deve prever como será feita a avaliação.

PROJETO PEDAGÓGICO: A PRÁXIS DO ENSINAR E DO APREND ER17

Reflexões na perspectiva da sua construção De que forma a LDB 9394/96 (LDBEN) ressalta a importância do PPP como instrumento em vários de seus

artigos: • No artigo 12, inciso I, que vem sendo chamado o “artigo da escola” a Lei dá aos estabelecimentos de

ensino a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica. • O artigo 12, inciso VII define como incumbência da escola informar os pais e responsáveis sobre a

freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica. • No artigo 13, chamado o “artigo dos professores”, aparecem como incumbências desse segmento, entre

outras, as de participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino (Inciso I) e elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino (Inciso II).

• No artigo 14, em que são definidos os princípios da gestão democrática, o primeiro deles é a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola.

É bom lembrar que, pela primeira vez no Brasil, há uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

que detalha aspectos pedagógicos da organização escolar, o que mostra bem o valor atribuído a essa questão pela atual legislação educacional.

17 Adaptado a partir de Qual o significado e a importância do projeto político-pedagógico para a escola? Por: Rúbia Marluza Carneiro e Lourdes Marcelino Machado; de Adélia Luiza Portela e Dilza Maria Andrade Atta. Atualizado por Anuska Andréa de Souza Silva – UFBA/2009

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Dessa forma, essa é uma exigência legal que precisa ser transformada em realidade por todas as escolas do país. Entretanto, não se trata apenas de assegurar o cumprimento da legislação vigente, mas, sobretudo, de garantir um momento privilegiado de construção, organização, decisão e autonomia da escola. Por isso, é importante evitar que essa exigência se reduza a mais uma atividade burocrática e formal a ser cumprida.

Um projeto político-pedagógico voltado para construir e assegurar a gestão democrática se caracteriza por sua elaboração coletiva e não se constitui em um agrupamento de projetos individuais, ou em um plano apenas construído dentro de normas técnicas para ser apresentado às autoridades superiores. Mas o que é mesmo projeto político-pedagógico?

Segundo Libâneo (2004), é o documento que detalha objetivos, diretrizes e ações do processo educativo a ser desenvolvido na escola, expressando a síntese das exigências sociais e legais do sistema de ensino e os propósitos e expectativas da comunidade escolar.

Na verdade, o projeto político-pedagógico é a expressão da cultura da escola com sua (re)criação e desenvolvimento, pois expressa a cultura da escola, impregnada de crenças, valores, significados, modos de pensar e agir das pessoas que participaram da sua elaboração.

Assim, o projeto orienta a prática de produzir uma realidade. Para isso, é preciso primeiro conhecer essa realidade. Em seguida reflete-se sobre ela, para só depois planejar as ações para a construção da realidade desejada. É imprescindível que, nessas ações, estejam contempladas as metodologias mais adequadas para atender às necessidades sociais e individuais dos educandos. Em síntese, suas finalidades são: • Estabelecer diretrizes básicas de organização e funcionamento da escola, integradas às normas

comuns do sistema nacional e do sistema ou rede ao qual ela pertence. • Reconhecer e expressar a identidade da escola de acordo com sua realidade, características próprias e

necessidades locais. • Definir coletivamente objetivos e metas comuns à escola como um todo. • Possibilitar ao coletivo escolar a tomada de consciência dos principais problemas da escola e das

possibilidades de solução, definindo as responsabilidades coletivas e pessoais. • Estimular o sentido de responsabilidade e de comprometimento da escola na direção do seu próprio

crescimento. • Definir o conteúdo do trabalho escolar, tendo em vista as Diretrizes Curriculares Nacionais para ensino,

os Parâmetros Curriculares Nacionais, os princípios orientadores da Secretaria de Educação, a realidade da escola e as características do cidadão que se quer formar.

• Dar unidade ao processo de ensino, integrando as ações desenvolvidas seja na sala de aula ou na escola como um todo, seja em suas relações com a comunidade.

• Estabelecer princípios orientadores do trabalho do coletivo da escola. • Criar parâmetros de acompanhamento e de avaliação do trabalho escolar. • Definir, de forma racional, os recursos necessários ao desenvolvimento da proposta.

Estrutura de um projeto político-pedagógico

Os passos a seguir não representam um modelo, mas um roteiro que deverá ser discutido e, se necessário, modificado, em função da realidade da escola. • A proposta pedagógica de uma escola – elaborada a partir do processo participativo de discussão dos

temas anteriormente apresentados – precisa ser consolidada num texto, para circulação e análise permanente da sua execução no interior da unidade escolar, bem como para encaminhamento ao órgão central da gestão municipal.

• Segundo Vasconcellos (2002), a estrutura básica de um projeto político-pedagógico comporta três grandes elementos: marco referencial, diagnóstico e programação.

• MARCO REFERENCIAL. O marco referencial trabalha com a dimensão da finalidade: Como a sociedade se apresenta? Que aspectos precisam ser t ransformados? O que se espera da escola pública hoje? Que cidadão queremos formar? Com que concepções de educação, de ensino-aprendizagem e de avaliação queremos trabalhar?

• DIAGNÓSTICO. O diagnóstico trabalha a dimensão da realidade : Que características (sociais, econômicas, culturais) têm a comunidade, a escola e a clientela a que a escola atende? Como se apresenta à realidade da escola hoje? Que cacterísticas tem a gestão da escola? Como se dá a participação da comunidade na gestão da escola? Que formas de organização escolar são adotadas? Como estão as relações interpessoais no interior da escola? Que características têm o trabalho pedagógico desenvolvido na escola? Como se apresentam os resultados da aprendizagem? Que processos e instrumentos de avaliação são utilizados? O diagnóstico não deve apenas ser descritivo, mas tem de ser também analítico. Deve identificar necessidades de mudanças, ou seja, responder: o que nos falta para ser o que desejamos?

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• PROGRAMAÇÃO . A programação é a dimensão do projeto , da mediação, do desejo coletivamente construído: a definição do que vai ser feito e dos meios para a superação dos problemas detectados, em busca da qualidade da educação oferecida pela escola. É a proposta de ação. Ou seja: definição do que é necessário e possível fazer para diminuir a distância entre o que a escola é e o que deveria ser. Quanto à periodicidade, a programação ou projeto pode ter abrangência anual, bianual ou outra definida pelo grupo.

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EDUCAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E MEIO AMBIENTE

Em suas obras Edgar Morin aborda assuntos contemporâneos, variados e de inegável importância para a humanidade. Entre suas reflexões ele sempre oferece destaque a necessidade de uma “reforma no pensamento”, que no ponto de vista dele só seria/será possível a partir de uma reforma no ensino. Ao tratar de um dos seus conceitos mais explorados na atualidade, que é a complexidade, o autor destaca que só através da educação, aquela que vai além da mera transmissão de conceitos, mas que também nos ajuda a compreender a nossa condição, somente através dela é que alcançaremos a felicidade, ou como ele diz, "viver a parte poética de nossas vidas." (p. 11). Trata-se portanto de uma proposta de educação que está baseada numa necessidade da hominização do ser humano, ou seja, a educação do futuro necessita sim resgatar o que é o ser humano e quais a qualidades, características, ações que lhes confere esta condição.

De forma clara e pontual o autor coloca a questão da hiperespecialização que segundo ele, "impede de ver o global (...) bem como o essencial (...)" (p. 13) uma vez que com a hiperespecialização os problemas são estudados cada vez mais isolados, mais específicos e particulares. Assim deixamos de analisar as influências que estes problemas sofrem exteriormente, ou quais são as relações que foram deixadas de lado com a particularização do mesmo. Deste modo, o problema fica isolado, mas não solucionado, não alisado corretamente.

Com os especialistas deixamos de ver o todo e as relações existentes neste todo, assim a visão e a razão que fomos desenvolvendo tornou-se fragmentada, como ele mesmo diz, criou-se verdades ilusórias, não reais. Precisamos voltar-nos para a complexidade, entendermos os sistemas, ou melhor, ter um olhar sistêmico do nosso mundo. Isso significa que cada sistema é formado por subsistemas que interagem e se inter-

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relacionam. Se não for dessa maneira, se continuarmos com nossos olhares especialistas, Edgar Morin alerta que:

(...) quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam (p. 15).

O autor enfatiza a importância de sabermos, enquanto seres terrestres, a nossa verdadeira condição, de

onde viemos, qual é o nosso local no universo, como foi o surgimento da vida, para onde vamos, o que podemos enfrentar no futuro, etc. Morin ainda aponta a Cosmologia, Ciências da Terra, Biologia, Ecologia como as ciências capazes de "situar a dupla condição humana: natural e metanatural." (p. 37). E é claro, sempre reforçando o fato da grande complexidade que é o ser humano, totalmente biológico e totalmente cultural. Em função disso Morin destaca a ética como a questão mais relevante. A ética da compreensão humana.

O texto a seguir busca justamente apontar e discutir as complexas questões que envolvem as transformações sociais vividas em função da globalização, das crises do meio ambiente e dos desafios que se colocam para a educação, em função da sobrevivência do homem e do planeta que o hospeda.

SUSTENTABILIDADE. POSSIBILIDADE OU NECESSIDADE 18 Define-se por Desenvolvimento Sustentável um modelo econômico, político, social, cultural e ambiental

equilibrado, que satisfaça as necessidades das gerações atuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades. Esta concepção começa a se formar e difundir junto com o questionamento do estilo de desenvolvimento adotado, quando se constata que este é ecologicamente predatório na utilização dos recursos naturais, socialmente perverso com geração de pobreza e extrema desigualdade social, politicamente injusto com concentração e abuso de poder, culturalmente alienado em relação aos seus próprios valores e eticamente censurável no respeito aos direitos humanos e aos das demais espécies.

Segundo SACHS (2000) o conceito de sustentabilidade comporta sete aspectos ou dimensões principais, a saber: • Sustentabilidade Social - melhoria da qualidade de vida da população, eqüidade na distribuição de

renda e de diminuição das diferenças sociais, com participação e organização popular; • Sustentabilidade Econômica - públicos e privados, regularização do fluxo desses investimentos,

compatibilidade entre padrões de produção e consumo, equilíbrio de balanço de pagamento, acesso à ciência e tecnologia;

• Sustentabilidade Ecológica - o uso dos recursos naturais deve minimizar danos aos sistemas de sustentação da vida: redução dos resíduos tóxicos e da poluição, reciclagem de materiais e energia, conservação, tecnologias limpas e de maior eficiência e regras para uma adequada proteção ambiental;

• Sustentabilidade Cultural - respeito aos diferentes valores entre os povos e incentivo a processos de mudança que acolham as especificidades locais;

• Sustentabilidade Espacial - equilíbrio entre o rural e o urbano, equilíbrio de migrações, desconcentração das metrópoles, adoção de práticas agrícolas mais inteligentes e não agressivas à saúde e ao ambiente, manejo sustentado das florestas e industrialização descentralizada;

• Sustentabilidade Política - no caso do Brasil, a evolução da democracia representativa para sistemas descentralizados e participativos, construção de espaços públicos comunitários, maior autonomia dos governos locais e descentralização da gestão de recursos;

• Sustentabilidade Ambiental - conservação geográfica, equilíbrio de ecossistemas, erradicação da pobreza e da exclusão, respeito aos direitos humanos e integração social. Abarca todas as dimensões anteriores através de processos complexos.

O grande marco para o desenvolvimento sustentável mundial foi, sem dúvida a Conferência das Nações

Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992 (a Rio 92),

18 Adaptação a partir de Tânia Margarete Mezzomo Keinert, sobre Cintia Maria Afonso. sustentabilidade: caminho ou utopia? São Paulo: Annablume, 2006. 72 p. ISBN 85-7419-588-x. E a partir de Vera Lúcia dos Santos e Lucy Marion Calderini Philadelpho Machado, em Estudos Geográficos, Rio Claro, 2(2): 81-86, dezembro - 2004 (ISSN 1678—698X) - www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista.htm

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onde se aprovaram uma série de documentos importantes, dentre os quais a Agenda 21, um plano de ação mundial para orientar a transformação desenvolvimentista, identificando, em 40 capítulos, 115 áreas de ação prioritária. A Agenda 21 apresenta como um dos principais fundamentos da sustentabilidade o fortalecimento da democracia e da cidadania, através da participação dos indivíduos no processo de desenvolvimento, combinando ideais de ética, justiça, participação, democracia e satisfação de necessidades. O processo iniciado no Rio em 92, reforça que antes de se reduzir a questão ambiental a argumentos técnicos, deve-se consolidar alianças entre os diversos grupos sociais responsáveis pela catalisação das transformações necessárias.

A questão da sustentabilidade tem ocupado lugar importante no debate sobre desenvolvimento. Este conceito, tradicionalmente relacionado ao crescimento econômico, progresso e modernização, ganhou, com o acréscimo do adjetivo sustentável , uma nova dimensão. A noção de desenvolvimento passa a ser enriquecida por outros componentes que a relacionam a capital humano e capital social, passando a ser medido com indicadores mais amplos, como educação, longevidade e saúde, resultando em índices mais complexos como o Índice de Desenvolvimento Humano [IDH], desenvolvido pela ONU.

Conforme sublinham Keinert e Karruz (2002), a noção de desenvolvimento pode ser entendida numa perspectiva ampla, relacionada à questão da qualidade de vida e de seus determinantes, quer sejam culturais, políticos, econômicos, sociais e até mesmo individuais. Mesmo com todas as ambigüidades e insuficiências inerentes à expressão, Veiga (2006) defende a tese de que o desenvolvimento sustentável anuncia a utopia que tomará o lugar do socialismo.

Além deste uso mais amplo, observa-se que o uso do termo sustentável tem abrangido a própria esfera organizacional. A temática da sustentabilidade está penetrando as organizações, o que leva ao crescimento do uso de indicadores de desempenho sócio-ambiental como ferramentas de gestão.

Neste sentido, a obra Sustentabilidade: Caminho ou Utopia? dá importante contribuição para o campo da Administração, à medida que questiona tanto o uso da noção de sustentabilidade no âmbito empresarial, quanto no campo da formulação de políticas de desenvolvimento. Segundo a obra, a grande maioria das empresas tem incorporado o conceito de sustentabilidade a seu discurso sem, contudo, modificar qualquer um de seus processos de produção. Também as políticas nacionais brasileiras, orientadas por critérios de eficiência econômica, típicos do mercado, não estão conduzindo à redução das desigualdades sociais nem ao uso racional dos recursos naturais. Trata-se de obra de caráter introdutório, que oferece ao leitor subsídios importantes na discussão sobre sustentabilidade e na busca de transformação efetiva de nossa realidade.

Para a autora, há que avaliar as dinâmicas sociais, econômicas e naturais, estabelecer uma postura crítica em relação a elas, negociar conflitos de interesses e, finalmente, transformar os critérios que dominam as políticas públicas, para que se possa finalmente pensar em verdadeiro caminho em direção à sustentabilidade. É conclusão da obra que, por enquanto, a sustentabilidade se realiza apenas como discurso.

Nesse sentido, ganha importância que os currículos escolares e as políticas públicas voltadas para a educação, possam apropriar-se e lançar-se em direção do que seja e do que demanda a sustentabilidade.

Indubitavelmente a sociedade atual caracteriza-se pelo avanço técnico-científico e informacional que lhe confere peculiaridades nunca antes imaginadas. É predominantemente urbana, da comunicação instantânea, das distâncias reduzidas, da robótica, da cibernética. Em contrapartida, é a sociedade do ter em detrimento do ser, da rapidez frenética, da competição acirrada, e, porque não dizer, marcada por profundas crises. Essas crises refletem objetivamente a esgotabilidade de um processo produtivo que, ao expandir-se globalmente, escancara sua face perversa, através de várias formas de degradação sócio-ambiental. Assim, há duas questões-chave que se apresentam como os grandes desafios para a sociedade do século XXI: produzir de forma sustentada, não esquecendo que há o dever ético de garantir o abastecimento para as futuras gerações, e distribuir de forma eqüitativa a produção. Em outras palavras, no primeiro caso, trata-se de investimentos maciços em pesquisas e novas tecnologias, colocando-as a serviço da conservação, recuperação e preservação dos recursos naturais e, no segundo caso, a necessidade de desenvolver mecanismos eficientes para acabar com a miséria absoluta de cerca de 20% da população mundial. Milton Santos ilustra,

[...] no começo da vida o homem organizando a produção, organizava a vida social e organizava o espaço, na medida de suas próprias forças, necessidades e desejos, [...] essa evolução culmina, na fase atual, onde a economia se tornou mundializada, e todas as sociedades terminaram por adotar, de forma mais ou menos total, de maneira mais ou menos explícita, um modelo técnico único que se sobrepõe à multiplicidade de recursos naturais e humanos. (1998, p. 18)

Discorrer sobre esse tema é muito mais que mencionar o fato que a nossa biodiversidade está ameaçada,

que nossos biomas estão sendo devastados, que nossas reservas de água doce com qualidade estão se esgotando. É ponderar fundamentalmente sobre a nossa postura diante do meio, sobre a nossa

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responsabilidade na garantia de ambientes ecologicamente equilibrados, esteticamente satisfatórios e economicamente recompensadores, como já nos alertava Dubos, em 1981, quando nos exortava a namorar a Terra. Ao longo das décadas, a civilização foi se tornando mais complexa, se comportando como se o divórcio com o mundo natural fosse possível. A preocupação primeira era com a construção de um mundo extremamente racional, planejado, controlado e manufaturado. À medida que essa complexidade foi aumentando, nós nos distanciamos das nossas raízes com a terra e perdemos o elo de integração com o restante da natureza. A ciência colaborou com essa situação, na medida que chegou a acreditar, diante da abordagem reducionista, que poderia organizar o conhecimento do mundo natural em segmentos cada vez menores e que conhecer as ligações entre esses compartimentos estanques, não era realmente importante.

É fato que após a Rio -92, o mundo acordou para a realidade de que o desenvolvimento está indissoluvelmente ligado às políticas de conservação do meio ambiente e à administração planejada de nossos recursos naturais. Especificamente no Brasil não há dúvidas que a implantação da política ambiental

alcançou significativos resultados, todavia, apesar do enorme potencial em biodiversidade - apontada por muitos estudiosos como a riqueza estratégica para o futuro – o Brasil mantém seu secular modelo de desenvolvimento econômico, baseado na exploração indiscriminada dos recursos naturais e sem uma preocupação conservacionista. Até mesmo o recente estabelecimento de uma política de meio ambiente no Brasil se assenta ainda no mito desenvolvimentista do pósguerra.

Chaves (2003, p.27) ressalta: “de alguma forma, o argumento da necessidade do progresso tem sobrepujado os limites ecossistêmicos, dissociando as práticas produtivas do potencial ecológico e das questões sociais e culturais”. Políticas ambientais estabelecidas no Brasil espelham as contradições de um Estado ainda autoritário, embora sejam articuladas e estabelecidas sob o jugo da preservação do patrimônio natural ou da biodiversidade. Na opinião de Chaves (op. cit., p. 42), as leis, os decretos, as portarias, as resoluções, assumem um caráter normativo e deliberativo em relação ao processo de exploração dos recursos naturais, muitas vezes permanecendo com entraves burocráticos e serem resolvidos através do pagamento de taxas, multas e guias fiscais, etc...

Muito se fez, mais ainda há por fazer. Acreditamos que apesar do despertar mundial para o problema ambiental, do avanço representado pela implantação da política ambiental no caso específico brasileiro, o maior obstáculo reside, de fato, na nossa percepção, na valoração que atribuímos aos nossos recursos naturais. Na verdade, a maioria das pessoas resiste em aceitar o fato de que a crise ambiental é de âmbito global e extremamente grave. Oliveira e Machado nos dizem que no despertar da era nuclear Einstein assim se manifestou: “tudo mudou, exceto nosso modo de pensar”; sem sombras de dúvidas, agora na era ambiental a observação de Einstein ainda permanece válida. As autoras também ressaltam as sábias palavras de Roszak (1978): “as necessidades do planeta são as necessidades das pessoas; os direitos das pessoas são os direitos do planeta”.

Assim, o século XXI requer uma mudança no foco das ações humanas, principalmente no que tange às questões políticas. Infelizmente nos dias atuais governantes do mundo todo ainda continua a usar o ritmo de crescimento do PIB como medida de progresso e desenvolvimento. Tal postura ficou bem clara nos (des)acordos de Johannesburgo, considerados quase um fracasso, já que ao invés de comemorar possíveis avanços, sobretudo dos debates da última década, o que se verificou foi um esforço diplomático para se impedir os retrocessos. A pauta estabeleceu como prioridade a discussão dos temas: água, energia, saúde e

biodiversidade sobre os quais deveriam ser estabelecidos acordos e com isso traçar as diretrizes para o cumprimento das respectivas metas.

Com relação ao tema da água e saneamento, a principal proposta foi a de reduzir à metade até 2015 a proporção de pessoas sem acesso ao saneamento básico e a água potável. Essa redução se daria por meio de assistência técnica e financeira aos países pobres, onde evidentemente se concentram os maiores problemas. O único problema é que não ficou claro como se daria esse financiamento.

Quanto à energia, o Brasil defendeu veementemente a proposta de que até 2010, 10% da matriz energética mundial fosse obtida a partir de fontes alternativas, tais como: energia eólica, fotovoltaica, biomassa, entre outras. Esse incremento significaria um grande avanço nessa questão, representando o dobro da participação atual de fontes alternativas de energia utilizadas no mundo. Nesse tema, graças aos interesses econômicos, os Estados Unidos se uniu aos países árabes em torno da manutenção da supremacia dos combustíveis fósseis.

Com relação à saúde, se buscou um acordo global que garantisse o acesso eqüitativo aos serviços de saúde e a medicamentos essenciais para a população. O documento propunha a redução em dois terços, até 2015, dos índices de mortalidade infantil e em três quartos a mortalidade materna e, ainda, desenvolver mecanismos internacionais para diminuir em até 25% o número de pessoas infectadas com o vírus HIV. Mais uma vez, a crítica principal é no sentido da falta de objetividade no cumprimento das metas, uma vez que não se definiu quem será responsável pelo financiamento.

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O tema da biodiversidade, por sua vez, também não mereceu nenhum avanço significativo. Foi apenas tratado de forma genérica sobre a possibilidade de transferência de recursos financeiros e técnicos aos países em desenvolvimento, através de medidas compensatórias pelos lucros obtidos com a exploração dos recursos nas regiões exploradas. A principal questão que é a redução nos níveis de empobrecimento da biodiversidade ficou, infelizmente, na dependência de possíveis acordos multilaterais.

Assim, o Encontro ocorrido em Johannesburgo, que finalizou apenas com uma carta de boas intenções serviu para escancarar que as nações hegemônicas, tal como os mais ricos do planeta não estão dispostos a dividir o seu lucro. Uma questão chave é que a ratificação de todos os acordos depende, em última instância, de uma melhor distribuição de renda planetária e os mecanismos internacionais ainda não criaram as condições para o comércio e o financiamento de um imenso passivo sócio-ambiental. A transferência de 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto) dos países desenvolvidos em forma de assistência aos países em desenvolvimento, definida em 1992, nunca foi cumprida. Pelo contrário, essa transferência, cujo alcance atingiu no máximo 0,38% do PIB, caiu para 0,22% atualmente. Se essa postura permanecer os pobres continuarão pobres, o planeta mais degradado e o crescimento cada vez mais insustentável.

Deve se ter claro que desenvolvimento almejamos e, mais ainda, se buscamos o desenvolvimento qualitativo ele é fruto de uma complexa equação entre as instituições públicas e privadas, os valores, a educação e a saúde, as políticas públicas e as comunidades locais e nenhum setor, isoladamente, será capaz de promovê- lo. Essa é a realidade que temos que enfrentar no século que se inicia, partindo da concepção que onde o significado do meio ambiente não for atribuído adequadamente, o desenvolvimento com sustentabilidade fracassará. Vale questionar: “qual a esperança que podemos ter para o futuro da humanidade?”. A resposta mais inspiradora a essa questão existencial foi dada por Capra (2002, p.273) parafraseando o dramaturgo tcheco Václav Havel,

“o tipo de esperança sobre a qual penso freqüentemente,... compreendo-a acima de tudo como um estado da mente, não um estado do mundo. Ou nós temos a esperança dentro de nós ou não temos; ela é uma dimensão da alma, e não depende essencialmente de uma determinada observação do mundo ou de uma avaliação da situação... (A esperança) não é a convicção de que as coisas vão dar certo, mas a certeza de que as coisas têm sentido, como quer que venham a terminar.”

Conclui-se que a sustentabilidade passou a exprimir a necessidade de um uso mais responsável dos

recursos ambientais, o que é de difícil assimilação para as correntes do pensamento que se fundam no utilitarismo, individualismo e equilíbrio. Portanto, a efetivação de práticas visando o desenvolvimento sustentável (com harmonização de objetivos sociais, ambientais e econômicos) significa e implica num processo de mudança de valores da própria sociedade como um todo – governos, empresas, consumidores19. Vale questionar, que espaço e responsabilidade os processos educativos ocupariam nessa mudança de valores. Milton Santos apresenta a seguinte definição:

o primeiro período é marcado pelos tempos lentos da natureza comandando as ações humanas de diversos grupos indígenas e pela instalação dos europeus, [...]. A unidade, então, era dada pela natureza, e a presença humana buscava adaptar-se aos sistemas naturais. [...]. Uma segunda grande fase é a dos diversos meios técnicos, que gradualmente buscam atenuar o império da natureza. [...]. As técnicas prémáquina e, depois, as técnicas da máquina – mas apenas na produção – definem o Brasil como um arquipélago da mecanização incompleta. [...]. O terceiro grande período é a construção e a difusão do meio técnico-científico-informacional. [...], no Brasil dos anos 70, caracterizou-se, entre outros aspectos, por uma revolução das telecomunicações. [...]. Mas o novo meio geográfico (técnico-científico-informacional) permanece circunscrito a algumas áreas. Já com a globalização, informação e finanças passam a configurar a nova geografia, [...]. Com o meio técnico-científicoinformacional, agravam-se as diferenças regionais [...] (p. 27 e 28).

Nos anos 70, quando a eletrônica e a informática se difundiram, entrando na vida das pessoas, deixou-se

de pensar no futuro com entusiasmo e começou-se a discutir sobre a “crise do Ocidente”, que Domenico De Masi explica como a crise no modo de compreender e avaliar a realidade, pois, como as categorias mentais assimiladas da época industrial não podiam mais explicar o que estava acontecendo, percebeu-se “o advento do futuro como crise do presente”. Em outras palavras, a transição, na década de 1970, do meio técnico para o meio técnico-científico informacional não pode ser vista apenas como desenvolvimento tecnológico. O entendimento das consequências dessa mudança é o que nos permite compreender as atuais relações do homem com o território e a ascensão da produção flexível em substituição ao modo fordista de produção. Essa

19 Citado por Andreya De Bortoli, Sociedade, Globalização, Riscos Ambientais Globais e Desenvolvimento Sustentável.

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transição modificou o território, que sofreu um processo de cientificização, tecnicização e informacionalização, conforme explica SANTOS (1997): "Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio técnico-científico informacional é a cara geográfica da globalização”.

Importante ressaltar que o processo de industrialização foi lento e teve como conseqüência um aumento de renda, do poder de compra, do bem-estar material, o que, de uma certa forma, compensava o desconforto da modernização. Entretanto, em contrapartida, o advento da sociedade pós-industrial foi extremamente rápido, e contestou diretamente os modos de pensar, os esquemas mentais, as tradições, a cultura ideal e social de milhares de pessoas.

Para Alain Touraine, o cerne da nova sociedade se encontra na produção científica e o processo fundamental não é a produção dos bens, mas a programação da inovação. Por isso, ele prefere a denominação ‘sociedade programada’ ao invés de ‘sociedade pós-industrial’, pois o controle é exercido não mais pelos proprietários dos meios de produção, mas por aqueles que administram o conhecimento e que podem planejar a inovação.

MEIO AMBIENTE, GLOBALIZAÇÃO E CIDADANIA 20

SANTOS alerta que a ocupação dos espaços se dá em razão da globalização, do crescimento da população. Neste ponto é importante traçar a diferença entre noção de espaço e de meio, qual seja, na visão do autor “[...] o meio algo dinâmico e unitário, onde se reúnem materialidade e ação humana. O espaço seria o conjunto indissociável de sistemas de objetos naturais ou fabricados e de sistemas de ações, deliberadas ou não [...]”. O processo de ocupação dos territórios se dá através da globalização e fragmentação dos espaços, o alto crescimento econômico de alguns países em relação a outros faz crescer ainda mais a distância entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos (p.30).

Uma das características mais importantes dos problemas ambientais, estão no âmago da concepção de Durkheim sobre a “solidariedade orgânica” da sociedade complexa. Nesta, o egoísmo individual, no afã de garantir seu bem-estar, leva à consciência de um estado compulsório de cooperação e co-responsabilização, em que o controle social passa a ser exercido em dupla extensão: uma, de indivíduo sobre indivíduo, que fiscalizam-se mutuamente para que um, não prejudique as condições de vida do outro; e a segunda perspectiva, esses indivíduos unidos, consolidam os laços sociais, organizam-se e pressionam o Estado para que efetive o controle legal, fonte de segurança social. Dessa interdependência, nasce a consciência ecológica.

Essa consciência ecológica crescente, passa a ser a grande idéia legítimadora da visão planetária, que Edgar Morin define assim: "A consciência écológica é: ´1°) A consciência de que o meio ambiente é um écossistema, quer dizer, uma totalidade viva, auto-organizada (espontânea); 2°) A consciência da consc iência de nossa interdependência, quer dizer, da relação fundamental com o ecosssistema. É essa consciência que nos motiva a rejeitar nossa visão de mundo-objeto e do homem isolado. Somente no fim do século IX e início do século XX, cristaliza-se uma consciência ecológica e se desenvolve uma consciência ambiental. Robert Paehlke a define como ideologia constituída por " um conjunto de idéias políticas, uma visão do mundo às vezes global e plena de valores ".

De todo modo, a partir da década de 80, torna-se clara a compreensão de que a humanidade defronta-se pela primeira vez na história com a questão global da sobrevivência. A era nuclear e os problemas ambientais têm acarretado mudanças profundas no próprio pensamento humano tornando obsoletas muitas categorias tradicionais da política, bem como as próprias noções de lógica e racionalidade do passado.

No plano cultural as mudanças também são drásticas. O impacto do audiovisual e da publicidade comercial que tem se utilizado de estratégias globais através dos media impõe padrões de comportamento, consumo e aspirações universais que vêm acompanhados por uma banalização e desvalorização da cultura. Outro aspecto que deve ser mencionado diz respeito ao aumento da produtividade do trabalho que supostamente serviria para aumentar o tempo para o desenvolvimento individual, e paradoxalmente tem sido pervertido para a escalada do consumismo. Entretanto, este processo também não é linear, pois as classes subalternas lhe opõem resistência na medida em que as culturas autóctones são sufocadas. Se esta resistência tem perturbado e atrasado uma tendência modernizadora nas relações de produção, também tem um papel preponderante no resguardo de valores culturais, éticos e até mesmo artísticos dessas classes profundamente alteradas pela interferência dos media.

São muitas as forças e personalidades que estão perplexas com este quadro. Entretanto ao estudar a correlação entre a história social do homem e a história da ciência e da tecnologia, pode-se verificar que o crescimento quantitativo é uma propriedade imanente do desenvolvimento da produção social. À medida que a

20 Adaptado a partir de Dina Lida Kinoshita, Educação para a Cidadania em um Mundo Globalizado. Texto disponível em www.iea.usp.br/artigos.

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produção se expande, tornando-se cada vez mais complexa, surge a necessidade de novas formas e métodos de organização, regulação e otimização. Para tanto, são aperfeiçoadas e inventadas novas ferramentas e meios mais eficientes que possibilitam criar, reproduzir e desenvolver essas novas formas e métodos. Esta complicação dos processos produtivos e sua diversificação forçam as pessoas a aprender mais e realizá-las melhor. Tal necessidade se estende não só às atividades materiais e práticas, mas também às atividades cognitivas e mentais já que o homem tem que aperfeiçoar a tecnologia e a lógica do seu pensamento e do seu significado para tornar-se apto a resolver problemas cada vez mais difíceis.

Assim, embora a humanidade já tenha presenciado outras crises de civilização que pressagiavam novas eras, talvez o homem do nosso tempo sinta-se mais perplexo e angustiado devido à nova escala temporal em que se dão as mudanças. Pela primeira vez na história, o mundo do trabalho e da cultura assiste a vários surtos de desabilitação e reabilitação, ao longo de uma vida, bem como a comportamentos e situações imprevistas. Se apologizar pura e simplesmente as novas tecnologias sem atentar para os sérios problemas novos que suscitam é uma atitude irresponsável, rejeitá-las é infantil, semelhante à dos luddistas que imaginavam barrar a industrialização quebrando as máquinas. As novas tecnologias contêm elementos democratizantes que possibilitam novos pactos de poder. Portanto há que se explorar as novas possibilidades no sentido de preservar os ideais humanísticos e não simplesmente o lucro e a eficiência. É evidente que a política tradicional não contempla este novo cenário em que uma ação local deve sempre levar em conta efeitos globais e vice-versa. Esta política não está preparada para o cenário de incertezas e desafios, nos quais velhos e novos problemas convivem e misturam-se da mesma forma que os modos e meios para enfrentá-los. Os diversos problemas da atualidade altamente vinculados uns com os outros, constituem sistemas complexos que exigem um novo tratamento. É chegada a hora de repensar a teoria e elaborar uma nova lógica dialética mais complexa que possa contemplar este novo cenário. Para tanto é preciso reconstruir um novo internacionalismo que procure entender o novo quadro mundial em seu conjunto, propondo soluções democráticas e solidárias para o conjunto da humanidade.

Um futuro comum de paz, justiça social, liberdade e solidariedade para a humanidade, com a eliminação dos sentimentos egoístas e xenófobos, dos conflitos econômicos, de uma distribuição de renda perversa entre homens e nações, da intolerância de toda espécie, da criminalidade e do desprezo pelo meio ambiente, requer um novo paradigma, necessariamente global. Observa-se, em muitas partes do mundo, uma busca de novos valores, novas visões e novos princípios de vida que vão se conformando nesse novo

paradigma. Assim, o papel exercido pela educação e pela informação torna-se fundamental tanto para a formação dos jovens como para as gerações adultas que cresceram com as tradições do passado e freqüentemente as consideram como normas únicas.

Segundo LOBATO (2010), observa-se que a conquista de novos direitos de cidadania transforma o seu significado jurídico. Hoje, a cidadania deve ser definida pelo exercício dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, que encontram no Estado, na Constituição e na Justiça, um instrumento jurídico e jurisdicional de transformação social e política. Os novos direitos, assumindo uma dupla dimensão, nacional e transnacional, exigem não somente a democratização do Estado constitucional, mas igualmente uma democratização das decisões políticas no mundo globalizado. De acordo com HÉCTOR21 a construção da cidadania, no mundo de hoje, exige que a democracia se entenda como uma estrutura de ação política transnacional, mas lamentavelmente ainda falta muito para que os diversos desdobramentos desta afirmação sejam compreendidos e aproveitados. Em outras palavras, aqueles que estão comprometidos com os valores da democracia podem aprovar apenas a democracia e a cidadania que emanam das instituições do Estado-nação, atribuindo portanto um caráter efêmero às oportunidades abertas pela globalização ou, aceitando o desafio desta, podem também promover a construção de bases transnacionais para a democracia e a cidadania que superem as limitações de atores como a OTAN e a ONU, construindo possibilidades de ampliação da cidadania no mundo sobre bases homogêneas.

No mundo globalizado, onde tudo e todos se afetam mutuamente de acima abaixo, resulta difícil pensar que a consolidação e ampliação da cidadania não demandam uma forte estrutura institucional de caráter transnacional. Não obstante, continuam sendo enormes os obstáculos que os sentimentos nacionais e a “pacificação” da razão política levantam para que seja compreendida a urgência que existe, especialmente nos países menos favorecidos democrática e economicamente, para a criação de instituições deste tipo. Qual seria então a forma de comprovar a existência dos sinais que anunciam as oportunidades de ampliação da democracia e a cidadania na época da globalização? Do ponto de vista sociológico, estas oportunidades se traduzem concretamente naquelas ações e medidas que implicam uma redefinição da noção e do estatuto político-legal do estrangeiro no mundo, no sentido de diminuir discriminações e eliminar barreiras que definam diferentes direitos e tratamentos para as pessoas, em qualquer lugar do planeta que eles estejam. Enquanto

21 Adaptado a partir de Héctor Ricardo Leis, Dilema da Cidadania na Época da Globalização, em ppgsp/ufsc, cadernos de pesquisa, nº. 23, outubro 2000

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os direitos humanos não se encontrem reconhecidos e institucionalizados a nível global devemos conviver com a possibilidade de discrepâncias entre a legalidade, a legitimidade e a eficácia das decisões que afetam a política mundial. Assim como a emergência da poderosa técnica moderna exige uma nova ética para cuidar da Natureza, a emergência da globalização exige uma nova política para cuidar dos direitos humanos. Num mundo globalizado de países exageradamente ricos e desenvolvidos tecnologicamente, por um lado, e países não menos exageradamente pobres e atrasados, por outro, continuar acreditando que a cidadania pode ser pensada basicamente como uma categoria política e/ou social associada ao Estado-nação constitui um grave erro de apreciação histórica. No mundo de hoje, continuar vinculando exclusivamente a cidadania ao Estado-nação, acaba pervertendo a lógica universalista intrínseca ao conceito de cidadania, transformando seu exercício numa farsa, no longo prazo. Sem criar bases para uma cidadania mundial, sem revitalizar a política mundial através dos direitos humanos e a criação de mecanismos para a inclusão jurídica progressiva dos estrangeiros ao lado dos nativos, não existe nenhuma chance (se é que existe) de submeter a economia mundial a uma crítica efetiva.

Podemos então concluir que os direitos humanos e a defesa da democracia na época da globalização supõem uma luta político-cultural da maior importância contra a última fronteira da cidadania. Luta não sempre incruenta, para ajustar corretamente a complexa relação entre os princípios universais e particulares que norteiam nossa vida. Luta na direção de um sincretismo moderno que ampare as diferenças, talvez, mas também na direção de um decidido universalismo que impeça o despotismo de qualquer particularismo.

Preocupado com humanidade e cidadania Edgar Morin refere-se a uma "A aprendizagem cidadã", atribuindo à educação da atualidade a importância que ela tem na formação de cidadãos, no sentido mais amplo da palavra. Ou seja, no desenvolvimento de um comportamento humano, em que o homem volte a praticar os atos que lhe conferem o "grau" de ser um humano. O autor menciona a necessidade de atitudes como responsabilidade e solidariedade. Portanto, Edgar Morin destaca a urgência de que o homem volte a humanizar-se, pois precisa resgatar atitudes de responsabilidade e solidariedade não só com sua pátria, mas principalmente com seus semelhantes em geral. Na obra “Os sete saberes necessários à educação do futuro” Morin destaca “não possuímos as chaves que abririam as portas de um futuro melhor. Não conhecemos o caminho traçado. Podemos, porém, explicitar nossas finalidades: a busca da hominização na humanização, pelo acesso à cidadania terrena”.

LINGUAGEM, CARTOGRAFIA E COMPREENSÃO DO MUNDO 22

A Cartografia pode ser entendida como a Ciência que trata dos estudos e operações tanto científicas, técnicas e artísticas de qualquer tipo ou forma de representação da superfície terrestre, seja por meios de mapas, cartas, maquetes etc. Seus produtos são resultado das observações diretas e/ou de explorações de

documentações, tendo em vista à elaboração de produtos cartográficos de acordo com determinados sistemas de projeção e de uma determinada escala.

Já a alfabetização cartográfica refere-se ao processo de domínio e aprendizagem de uma linguagem constituída de símbolos e significados; uma linguagem gráfica (códigos e símbolos definidos – convenções cartográficas). No entanto, não basta à criança desvendar o universo simbólico dos mapas, é necessário criar condições para que o aluno seja leitor crítico de mapas ou um mapeador consciente (PASSINI, 1998).

O domínio da linguagem cartográfica constitui-se num fator de relevância para o desenvolvimento e ensino dos conteúdos relacionados a Geografia entre outras disciplinas escolares, principalmente para as crianças, porque a partir desses conhecimentos, os alunos, passam a compreender melhor a organização do espaço onde eles se encontram, minimizando dessa forma as dificuldades nas séries posteriores, onde os conteúdos se apresentam de forma mais complexa. O educador deve ter a preocupação de ensinar tais conteúdos desde as séries iniciais, estando sempre atento e ao mesmo tempo capacitado para trabalhar a alfabetização cartográfica; conhecimento que irá implicar num excelente resultado dos alunos na leitura de mapas e do próprio espaço geográfico. Neste sentido, SOUZA (2000), enfatiza que:

[...] a linguagem cartográfica é, a nosso ver, uma das que indubitavelmente devem ser utilizadas no ensino, pois representa a territorialidade dos diferentes fenômenos, razão de ser da própria ciência geográfica. (SOUZA, 2000 apud SILVA; CARNEIRO, 2009).

22 Adaptação a partir de Ricardo Bahia Rios e Julyend Silva Mendes, em 10º Encontro Nacional de Prática de Ensino em Geografia de 30/Agos/2009 POA

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Estudar a linguagem cartográfica desde os primeiros anos escolares possibilita a criança a capacidade de desenvolver a percepção do seu espaço de vivência, para mais tarde terem capacidade cognitiva mais complexas sobre suas aplicações e possibilidades de entendimento do espaço.

O professor como mediador deve passar para as crianças desde seus primeiros anos na escola, que o mapa é um instrumento que traz informações e que este não é apenas uma ilustração. Num primeiro momento é preciso que a criança seja uma mapeadora para depois a vir a ser um leitor eficaz de mapas, pois

A possibilidade de ler mapas de forma adequada é de grande importância para se educar o aluno e as pessoas em geral para a autonomia. A capacidade de visualização da organização espacial é importante como conhecimento para uma participação responsável, consciente e possibilidade de propor mudanças alternativas (PASSINI, 1998, p. 11).

Dentro dessa linha de raciocínio nota-se que a criança ao aprender a ler um mapa consegue realizar transformações, dentro do contexto sócio-espacial, bastante significativas para a construção de suas percepções espaciais “na medida em que possibilita realizar estudos comparativos das diferentes paisagens e territórios representados em várias escalas” (MOREIRA, 2008, p.1).

O uso da linguagem cartográfica é de fundamental importância para o desenvolvimento do cidadão em suas atividades diárias, desde uma simples indicação de um caminho entre a casa e o local de estudo até mesmo em situações mais complexas que necessitem de uma análise mais apurada do espaço a sua volta, as noções cartográficas devem está presente no intelecto das pessoas, todavia como já foi explanado, alfabetizar cartograficamente os alunos, desde as séries iniciais, corresponde numa atividade pedagógica fundamental para o bom desenvolvimento da cognição visual3 do aluno, não só para o seu aprendizado dos conteúdos geográficos mais também para a vida do aluno que passara a conhecer a representação do espaço em que vive.

O paradigma que norteou a Geografia nos últimos 30 anos foi: a ciência cuja preocupação maior era o processo de produção do espaço23. De 1986, para cá, começando por Milton Santos (na comunicação apresentada na OEA naquele ano), passamos a ver a Geografia com novos olhos diante do processo de mudança em que o mundo vem se inserindo — analisar o comportamento do homem segundo o meio técnico-científico-informacional que toma conta da humanidade. Por conta desse meio técnico-científico-informacional tudo no mundo hoje parece girar em tomo da informação. Fala-se em “revolução digital”, traduzindo-se a mesma competência para o acesso à informação. Ora o simples acesso à informação não se traduz por conhecimento.

O que a informação deve nos propiciar através da Geografia, até no dizer de um grande filósofo, Julian Marias, é elaborar uma correta visão do mundo. Nesta visão, fica implícita a necessidade de compreendermos o que é o global e o local, o que é a destruição “criativa” de Joseph Schumpeter e o que Edgar Morin quer dizer quando fala que toda a evolução é um jogo de desorganização e reorganização e que a humanidade vive uma crise sem par em toda sua história.

E por que a sociedade está em crise? E o que a Geografia tem a ver com ela? A sociedade está em crise porque, simplesmente, não consegue se constituir como humanidade. Está em crise porque o homem está em crise. Crise esta explicada por Morin magnificamente quando ele diz que: “o homo sapiens sapiens ainda vive não uma crise macroeconômica global, mas uma crise antropológica”. Daí Milton Santos falar em Metageografia, ressaltando o papel da Filosofia para ajudar a entender melhor o homem e seus desequilíbrios pessoais, que geram as desigualdades fruto da ótica capitalista em que ele se estriba para organizar uma nova ordem econômica hedonista e materialista; ordem essa, cujos reflexos cabe à Geografia, não só analisar mas tentar das soluções uma vez que o ápice dessa crise se situa no urbano, que congrega a maior parcela da população mundial; daí a ascensão do conceito de cidade global, como catalisadora de todas as expectativas da sociedade mundial. Esta cidade global é o fulcro de um novo sistema que poderá vigorar num futuro próximo — o espaço em redes. Para o espaço em redes (também já previsto por Milton Santos, na década de 1980), essas cidades são a interligação do virtual com o geográfico, dando a Internet a sua territorialidade.

INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ALMEIDA, Rosângela Doin; PASSINI, Elza Yasuko. O Espaço Geográfico: ensino e representação.12 ed.Contexto; São Paulo, 2002. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais : Geografia (1 a 4 série) _ Brasília: MEC/SEF, 1997. CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Editora Cultrix, 2002. CASTRO, Iná Elias (org.) Geografia: Conceitos e Temas. São Paulo, Bertrand Brasil, 1995. CASTELS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999.

23 Adaptado a partir de Elian Alabi Lucci, em http://www.hottopos.com/mirand13/elian.htm

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CAVALCANTE, Lana de Souza. Geografia e práticas de ensino . Alternativa; Goiânia, 2002. CHAVES, Manoel Rodrigues. Descentralização da política de meio ambiente no Brasil e a gestão dos recursos naturais no cerrado goiano. Rio Claro, IGCE, 2003. (Tese de Doutorado) DUARTE, Paulo Araújo. Fundamentos de Cartografia . 3ª ed.: Santa Catarina: Ed.cUFSC, 2006. GUERRA, Antônio José Teixeira, (org.). Reflexões sobre a Geografia Física brasileira. São Paulo: Bertrand Brasil, 2003. (prelo) DUBOS, René. Namorando a Terra. São Paulo: Melhoramentos e Edusp, 1981. JOLY, Fernand. A Cartografia . 9. ed. Campinas: Papirus, 1990. GRANEEL-PÉREZ, María del C. Trabalhando Geografia com as Cartasc Topográficas . 2 ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. LOCH, Ruth E. Nogueira. Cartografia : representações, comunicações e visualizações de dados espaciais. Florianópolis: Ed. UFSC, 2006. MARTINELLI, M. Mapas da geografia e Cartografia temática . São Paulo: Contexto, 2003. MORREIRA, Uma discussão teórico-metodológica sobre o uso da “Cartografia multimídia” para a formação de professores. In: Simpósio de pós-graduação em geografia do estado de São Paulo, 1., 2008, São Paulo. Anais... São Paulo: UNESP, 2008. OLIVIERA, Cêuro de. Curso de Cartografia moderna . Rio de Janeiro: IBGE, 1998. OLIVEIRA, Lívia de; MACHADO, Lucy Marion C. Ph. “Percepção, cognição, dimensão ambiental e desenvolvimento com sustentabilidade”. In: VITTE, Antônio Carlos; PASSINI, Elza Yasuro. Alfabetização Cartográfica e o livro didático : uma análise Crítica. Belo Horizonte : Editora Lê, 1994. RAMOS, Cristhiane da Silva. Visualização cartográfica e Cartografia multimídia : conceitos e tecnologias. São Paulo: Ed. UNESP, 2005. SANTOS, Milton. Técnica, Tempo e Espaço: globalização e meio técnico-científico – informacional. São Paulo: Hucitec, 1994 ________ O período técnico-científico e os estudos geográficos. Comunicação apresentada no Seminário Internacional sobre o ensino de estudos sociais, promovido pela OEA. Washington, 28 de julho de 1986. SCHWARTZ, Gilson. Estratégias valorizam a formação de redes locais. In: Folha de São Paulo. 31/12/2000. Caderno Dinheiro, p.2 SOUZA, José Gilberto; KATUTA, Ângela Massumi. Geografia e Conhecimento Cartográfico . A Cartografia de renovação da Geografia Brasileira e a importância do uso de mapas. São Paulo: Ed. UNESP, 2001. SILVA, Paulo Roberto F.de Abreu e Silva; CARNEIRO, Andréa Flávia Tenório. A educação cartográfica na formação dos professores de geografia: a situação em Pernamb uco . Recife: UFPE. Disponível em: http://www.cartografia.org.br/xxicbc/039-E04.pdf. Acesso em 04 jan. 2009. Veiga, J. E. (2006). Desenvolvimento sustentável: desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond Universitária. Keinert, T., & Karruz, A. P. (2002). Qualidade de vida: observatórios, experiências e metodologias. São Paulo: Annablume/FAPESP. Sachs, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.

ENSINAR E APRENDER NA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO 24

“ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou para a sua construção”. (Freire 1998, p. 52)

Como ensinar, o que ensinar e porque fazê-lo. Essas são questões históricas da educação, que com a complexidade dos tempos atuais se ampliam e exigem de profissionais e governantes uma revisão cada vez mais aprofundada das finalidades da educação e dos pressupostos de um currículo para melhor atende-las. Nesse sentido, o currículo deve ser entendido como processo, que envolve uma multiplicidade de relações, abertas ou tácitas, em diversos âmbitos, que vão da prescrição à ação, das decisões administrativas às práticas pedagógicas. Para compreendê-lo e, principalmente, para elaborá-lo e implementá-lo de modo a transformar o ensino, é preciso refletir sobre grandes questões, como as que seguem:

De acordo com o artigo 3°. da lei n°. 9394/96, o en sino será ministrado com base nos seguintes princípios : I- Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II- Liberdade de aprender, ensinar , pesquisar , etc; III- Pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

24 Adaptações a partir da obra de SACRISTÁN J.GIMENO, Compreender e Transformar o Ensino, 4ª Ed. Artmed, Porto Alegre, 2000

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IV- Respeito a liberdade e apreço à tolerância; V- Coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI- Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII- Valorização da experiência extra – escolar; VIII- Gestão democrática do ensino público; IX- Garantia de padrão de qualidade; X- Valorização da experiência extra – escolar; XI- Vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

Finalidades da Educação

Pleno desenvolvimento do educando: Para que o aluno se desenvolva plenamente é necessário que a escola lhe ofereça condições. Somente a partir do momento em que a pessoa pode se desenvolver plenamente é que tem condições de se sentir realizada.

Preparo para o exercício da cidadania : O que caracteriza o cidadão é a sua participação na vida social, nas decisões que dizem respeito ao desenvolvimento da comunidade e do país. É preciso que todo cidadão tenha seus direitos respeitados e seja cumpridor de seus deveres.

Qualificação para o trabalho : A qualificação para o trabalho, como uma das finalidades da educação diz respeito ao ensino superior, porém pensemos principalmente no ensino fundamental. Será que os alunos saem da escola preparados para o trabalho? Ninguém aprende a trabalhar utilizando apenas cadernos, livros e outros materiais didáticos semelhantes, é necessário que as escolas ofereçam condições de aprendizagem adequadas às atividades das regiões em que se localizam. Objetivos do Ensino Fundamental São quatro as finalidades específicas da educação básica:

I- Desenvolver o educando: A escola tem uma responsabilidade importante nesse sentido e é todo o ambiente escolar que deve estar organizado de modo a favorecer o desenvolvimento dos educandos.

II- Assegurar a formação comum indispensável para o exe rcício da cidadania: Nessa formação, estão incluídos aspectos relativos ao conhecimento das matérias escolares, mas também aspectos práticos para que o educando possa também participar ativamente de sua transformação. III- Fornecer os meios para progredir no trabalho : O mais importante não é o treinamento do aluno para o exercício de uma profissão, mas criar condições que favoreçam o desenvolvimento da compreensão e do espírito crítico em relação ao mundo do trabalho.

IV- Fornecer os meios para progredir em estudos posteri ores : É preciso que haja uma efetiva articulação entre os níveis de ensino, para que o aluno possa progredir do ensino fundamental para o médio.

No artigo 32, a lei trata especificamente do objetivo fundamental, que é a formação básica do cidadão, a ser promovida mediante:

I- O desenvolvimento da capacidade de aprender; II- A compreensão do ambiente natural e social; III- O desenvolvimento da aprendizagem; IV- O fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca.

Assim, portanto, é importante que a ênfase seja colocada nos processos e não nos produtos ou nos

conteúdos, que também mudam e isso acaba fazendo diferença no domínio dos processos. A preocupação primeira é, ou pelo menos deve ser com a aprendizagem. Devemos portanto contribuir para que o aluno compare, classifique, leia, produza, pinte e borde, tendo-os como sujeitos de múltiplas competências, habilidades e aprendizagens. Pouco importando o que estejam comparando, classificando, lendo, pintando ou bordando, uma vez que a compreensão do que sejam conteúdos de aprendizagem ancora-se em uma perspectiva curricular ampla em que conteúdo é tudo aquilo que o sujeito do conhecimento necessita dominar para interagir socialmente. Propósito que não se dará por caminhos meramente técnicos, isto porque, se quisermos fazer do currículo um pensamento que trate seriamente a prática, devemos abordar questões complexas de ordem:

a) epistemológica (o que deve ser considerado conhecimento); b) política (quem controla a seleção e distribuição do conhecimento); c) econômica (como se relaciona o conhecimento com a distribuição desigual de poder, bens e serviço na

sociedade); d) ideológica (que conhecimento é mais valorizado e a quem pertence); e) técnica (como tornar exeqüível o conhecimento para os/as alunos/as);

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f) histórica (com que tradição contamos para abordar estas interrogações e que outros recursos necessitamos). (Sacristán, 1998, p. 146)

Em se tratando de cumprir os objetivos e finalidades da educação, cabe ressaltar que o currículo é uma

cultura selecionada e organizada de acordo com o contexto político, social e cultural de uma determinada escola. Deste modo é necessária a introdução de um currículo que tenha elementos que compreendam a cultura escolar. E a maneira que o formula tem que estar diretamente condicionado a um processo que atrela a relação entre “cultura e conteúdos curriculares” (SACRISTÁN, J. Gimeno. p.128).

Sacristán aponta a existência de um currículo comum ou nacional que rege conhecimentos homogêneos servindo de base para organização do sistema educacional, ordenando-se sequencialmente por nível de aprendizagem, este precisa ser contextualizado de acordo com a realidade vivenciada por cada instituição de ensino, deve-se levar em consideração os fatores sociais e históricos, pois parte de uma concepção de sistema muito abrangente envolvendo pressupostos econômicos, políticos e administrativos, que podem variar de acordo modelo estatal vigente, ou seja, existe uma política curricular que determina e seleciona o que deve ser ensinado nas escolas e ao mesmo tempo permite que estas adaptem o currículo diante de seu contexto.

“Que objetivos, no nível de que se trate, o ensino deve perseguir? O que ensinar, ou que valores, atitudes e conhecimentos estão implicados nos objetivos? Quem está autorizado a participar nas decisões do conteúdo da escolaridade? Por que ensinar o que se ensina, deixando de lado muitas outras coisas? Trata-se da justificativa do conteúdo. Todos esses objetivos devem ser para todos os alunos/as ou somente para alguns deles? Quem tem melhor acesso às formas legítimas de conhecimento? Esses conhecimentos servem a quais interesses? Que processos incidem e transformam as decisões tomadas até que se tornem prática real? Como se transmite a cultura escolar nas aulas e como deveria se fazer? [Já que a forma de ensinar não é neutra quanto ao conteúdo do ensinado]. Como inter-relacionar os conteúdos selecionados oferecendo um conjunto coerente para os alunos/as? Com que recursos metodológicos, ou com que materiais ensinar? Que organização de grupos, professores/as, tempo e espaço convém adotar? Quem deve definir e controlar o que é êxito e o que é fracasso no ensino? Como saber se houve êxito ou não no ensino e quais conseqüências têm sobre o mesmo as formas de avaliação dominantes? Como podem se mudar as práticas escolares relacionadas com esses temas?” (Sacristan, p. 124-125)

Na sociedade contemporânea a preparação das novas gerações para sua participação no mundo do

trabalho e na vida pública requer a intervenção de instâncias específicas como a escola, cuja função peculiar é atender e canalizar o processo de socialização. Esta função da escola aparece puramente conservadora: garantir a reprodução social e cultural para a sobrevivência mesma da sociedade. Outras instâncias primárias de convivência e intercâmbios, como a família, os grupos sociais, os meios de comunicação exercem de modo direto a influência reprodutora da comunidade social.

No entanto, a escola, por seus conteúdos, por suas formas e sistemas de organização, introduz progressivamente, as ideias, os conhecimentos, as concepções, as disposições e os modos de conduta que a sociedade adulta requer. Assim, a contribuição da escola é decisiva e possibilita à sociedade industrial substituir os mecanismos externos de controle da conduta por disposições mais ou menos aceitas de autocontrole.

Esta tendência conservadora lógica, choca-se com a tendência, também lógica, que busca modificar aspectos dessa formação que se mostram desfavoráveis para alguns indivíduos ou grupos que compõem o complexo e conflitante contexto social. Para que haja equilíbrio de convivência nas sociedades, tanto a conservação quanto a mudança são necessárias, e o mesmo ocorre em relação ao equilíbrio da estrutura social da escola.

Divergências teóricas surgem quanto à definição do que significa preparação para o mundo do trabalho, como se realiza este processo, que conseqüências advêm da promoção da igualdade de oportunidades ou da promoção da reprodução e reafirmação das diferenças sociais de origem dos indivíduos e grupos.

O segundo objetivo do processo de socialização na escola é a formação do cidadão para sua intervenção na vida pública, de modo que se possa manter a dinâmica, o equilíbrio nas instituições e as normas de convivência. Para isso, é necessário que a escola assuma as fortes contradições que marcam as sociedades contemporâneas desenvolvidas. Essa vinculação exige da escola e dos que nela trabalham, que identifiquem e desmascarem seu caráter reprodutor.

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Assim, as inevitáveis influências que a comunidade exerce sobre a escola e o processo de socialização sistemática das novas gerações devem sofrer a mediação crítica da utilização do conhecimento. Deve-se analisar na escola a complexidade que o processo de socialização adquire em cada época, comunidade e grupo social, assim como os poderosos e diferenciados mecanismos de imposição da ideologia dominante da igualdade de oportunidades numa sociedade marcada pela discriminação.

A função educativa da escola na sociedade pós-industrial contemporânea deve concretizar-se em dois eixos complementares de intervenção:

a) O desenvolvimento radical da função compensatória b) A reconstrução do conhecimento e da experiência

a) O desenvolvimento radical da função compensatória: A escola deve, então propôr uma política radical

para compensar as conseqüências individuais da desigualdade social. Com este objetivo, deve-se substituir a lógica da homogeneidade pela lógica da diversidade. Embora seja certo que tanto nos modelos uniformes quanto nos diversificados pode-se fomentar e reproduzir a desigualdade e discriminação que existe na sociedade, na maioria dos países desenvolvidos o perigo de discriminação é mais decisivo nos modelos uniformes de trabalho acadêmico – homogeneidade de ritmo, estratégias e experiência para todos os alunos.

A intervenção compensatória da escola deve considerar um modelo didático flexível e plural que permita atender às diferenças de origem , de modo que o acesso à cultura pública se acomode às exigências de interesses, ritmos, motivações e capacidades iniciais dos que se encontram mais distantes dos códigos e características que se expressa. Sua realização requer flexibilidade, diversidade e pluralidade metodológica e organizativa.

A uniformidade no currículo, nos ritmos, métodos e experiências didáticas favorece os grupos que não necessitam da escola para o desenvolvimento das habilidades instrumentais que a sociedade requer, grupos estes que vivenciam em seu ambiente familiar e social uma cultura parecida àquela que a escola trabalha.

Pelo contrário, para aqueles grupos sociais cuja cultura é bem diferente da acadêmica da aula, a lógica da homogeneidade não pode senão consagrar a discriminação de fato, já que possuem códigos de comunicação e intercâmbio bem diferentes dos que a escola requer.

O desenvolvimento radical da função compensatória requer a lógica da diversidade pedagógica dentro da escola compreensiva e comum para todos. A organização da aula e da escola, e a formação profissional do docente devem garantir o tratamento educativo das diferenças, trabalhando com cada aluno desde sua situação real.

Cabe, ainda, fomentar a pluralidade de formas de viver, pensar e sentir, estimular o pluralismo e cultivar a originalidade das diferenças individuais como a expressão mais genuína da riqueza da comunidade humana e da tolerância social.

Assim, se concebe a democracia mais como um estilo de vida e uma ideia moral do que como uma mera forma de governo (Dewey, 1967) onde os indivíduos, respeitando seus diferentes pontos de vista e projetos vitais, se esforçam através do debate e da ação política, da participação e cooperação ativa, para criar e construir um clima de entendimento e solidariedade.

b) A reconstrução do conhecimento e da experiência: O segundo objetivo da tarefa educativa da escola obrigatória nas sociedades industriais, deve ser, provocar e facilitar a reconstrução dos conhecimentos, atitudes e formas de conduta que os alunos assimilam direta e acriticamente nas práticas sociais de sua vida anterior e paralela à escola.

Na sociedade contemporânea, a escola perdeu o papel hegemônico na transmissão e distribuição da informação. Os meios de comunicação de massa, e em especial a televisão oferecem de modo atrativo e ao alcance da maioria dos cidadãos uma abundante bagagem de informações. As informações variadas que a criança recebe, somadas ao conhecimento de suas experiências e interações sociais com os componentes de seu meio de desenvolvimento, vão criando de modo sutil, incipientes concepções ideológicas que ela utiliza para interpretar a realidade cotidiana e para tomar decisões no seu modo de intervir e reagir. A criança chega à escola com abundante capital de informações e com poderosas e acríticas pré-concepções sobre os diferentes âmbitos da realidade.

Tanto o campo das relações sociais que rodeiam a criança como o dos meios de comunicação que transmitem informações, valores e concepções ideológicas, cumprem uma função mais próxima da reprodução da cultura dominante do que da reelaboração crítica e reflexiva da mesma. Não há interesse em oferecer elementos para um debate aberto e racional que permita opções autônomas sobre qualquer aspecto da vida econômica, política ou social. Somente a escola pode cumprir esta função. E para desenvolver este complexo e conflitante objetivo, a escola compreensiva, apoiando-se na lógica da diversidade deve começar por diagnosticar as pré-concepções e interesses com que os indivíduos e os grupos de alunos interpretam a realidade e decidem sua prática.

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Ao mesmo tempo deve oferecer o conhecimento público como ferramenta inestimável de análise para facilitar que cada aluno questione, compare e reconstrua suas pré-concepções, seus interesses e atitudes condicionadas, suas pautas de conduta induzidas por seus intercâmbios e relações sociais.

A escola, ao provocar a reconstrução das preocupações simples, facilita o processo de aprendizagem permanente, ajuda o indivíduo a compreender que todo conhecimento ou conduta encontram-se condicionados pelo contexto e, portanto, precisam ser comparados com outras representações, assim como com a evolução de si mesmo e do próprio contexto.

Mais que transmitir informação, a função da escola contemporânea deve se orientar para provocar a organização racional da informação fragmentária recebida e a reconstrução das pré-concepções acríticas, formadas pela pressão reprodutora do contexto social, por meio de mecanismos e meios de comunicação cada dia mais poderosos e de influência mais sutil.

A exigência de provocar a reconstrução, por parte dos alunos, de seus conhecimentos, atitudes e modos de atuação requer outra forma de organizar o espaço, o tempo, as atividades e as relações sociais na aula e na escola. Possibilitar a vivência de práticas sociais e intercâmbios acadêmicos que induzam à solidariedade, à colaboração, à experimentação compartilhada ; que estimulem a busca, a comparação, a crítica, a iniciativa e a criação, num outro tipo de relação com o conhecimento e a cultura.

A função crítica da escola, em sua vertente compensatória e em sua exigência de provocar a reconstrução crítica do pensamento e da ação, requer a transformação radical de suas práticas pedagógicas e sociais e das funções e atribuições do professor. O princípio básico que norteia a escola nesses objetivos e funções é facilitar e estimular a participação ativa e crítica dos alunos nas diferentes tarefas que se desenvolvem na aula e que constituem o modo de viver da comunidade democrática de aprendizagem.

De acordo com Zabala, ao mesmo tempo em que dispomos de diversos termos para identificarmos os diferentes graus de relação entre as várias disciplinas acadêmicas, e para a utilização de recursos tecnológicos, é preciso situar um ponto de partida para aplicação de conceitos que se relacionem com a realidade escolar e com a prática pedagógica, pois, “[...] o conceito de enfoque globalizador é um termo especificamente escolar, em que um dos pontos de partida é a aproximação com a realidade que pretende ser fundamentalmente metadisciplinar, embora em seu processo didático os instrumentos para adquirir o conhecimento sejam claramente disciplinares, interdisciplinares e, quando possível, transdisciplinares. (ZABALA, 2002, p. 33).

Informatizar a educação – teoria e prática 25

A partir da década de 90 foram desenvolvidos softwares e formas de conteúdo cada vez mais amigáveis ao usuário. Por outro lado, esses softwares mais amigáveis foram se tornando cada

vez mais fáceis de usar, e, como conseqüência, mais e mais pessoas podiam produzir ou usar ferramentas computacionais em seu ramo de atividade sem que para isso, tivessem de se

tornar especialistas na área. É nessa época que o uso da informática na educação começou a distinguir-se mais claramente da educação em informática. Mas foi com a revolução da internet, fenômeno que ficou mais marcante a partir da segunda metade da década de 90, que o computador passou a ser cada vez mais indispensável. Nem sempre como uma ferramenta em si, mas sim como uma porta de entrada para a rede mundial de computadores, permitindo acesso a informações e uma liberdade de conteúdo nunca antes vista. Nesse contexto, a informática na educação deixa de ser um diferencial para se tornar elemento chave entre pertencer a uma sociedade cada vez mais globalizada ou conectada ou estar alienado a esse mundo.

Um outro fenômeno observado desde os seus primórdios é a incrível penetração que a informática tem no imaginário infantil, neste contexto consideramos os vídeo games como elementos também pertencentes à revolução da informática. Criando um mundo alternativo, muitas vezes fantástico e distante da realidade, os games exercem um fascínio sobre crianças e adolescentes. Entender esse fenômeno e saber utilizá-lo em prol da educação é um dos desafios impostos aos educadores modernos. Softwares educativos (jogos e animações) podem ser utilizados na educação de maneira geral, pois é um material que consegue inserir o

aluno em situações que os façam refletir, interagir, fazer parte da alguma simulação do real, induzindo-os a buscar soluções ou hipóteses a serem testadas. Esse processo resultará no aumento dos mais variados saberes, além de proporcionar momentos de interação/lazer, tornando o ato da aprendizagem mais interessante e motivador (ALISON, 2001).

Atualmente a informática vai muito além de servir simplesmente como ferramenta de trabalho, fazendo parte do dia-a-dia das pessoas de uma forma tão profunda que podemos falar em cyber cultura (LEVY, 2001), onde as relações pessoais acontecem através do computador e, dentro deste novo mundo, está em

25 Adaptação a partir de Elisete Oliveira Santos Baruel, As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação no Contexto Escolar. E a partir de Núbia P. C. Teixeira e Alberto E. P. de Araujo, em informática e educação: uma reflexão sobre novas metodologias (http://www.hipertextus.net/volume1/artigo13-nubia-alberto.pdf).

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construção toda uma nova forma de comunicação. Indo desde modificações na escrita até a inserção de formas mais visuais de comunicação. Como qualquer revolução o surgimento desta cyber cultura implica em desafios e oportunidades.

Com todo esse desenvolvimento é imposta à obrigação aos profissionais envolvidos em educação de se tornarem indivíduos capazes de atender as mais variadas exigências. Isso faz com que o sistema educação seja cobrado, sendo exigido uma formação completa, onde o indivíduo seja capaz de lidar com as mais variadas situações. Para isso, a escola tem de desdobrar-se para atender a grande demanda de exigências, e caso ela não dê conta de tais responsabilidades, essa escola será considerada incapacitada e inadequada para formar o

“cidadão capaz”. Contudo, faz-se necessário investir em conhecimentos, tecnologia, manejo de informação, e, sobretudo, profissionais capacitados para a mediação dos conhecimentos. Sem sombra de dúvida, a educação vem se transformando num elemento de importância capitalista, mas que precisa ser firmada em pilares não desprovidos de valores morais e éticos, visto que vive implícito

nesse processo de inclusão tecnológica, uma luta contra a exploração injusta da classe dominante sobre a classe menos privilegiada (DIAS, 1999).

O cenário educacional brasileiro convive com duas realidades que contribuem para reforçar as desigualdades sociais: o ensino público e o privado. As escolas privadas se antecipam às inovações implantando métodos e técnicas educacionais de vanguarda, oferecendo aos alunos espaços de aprendizagem diferenciados, com laboratórios sofisticados, bibliotecas informatizadas, centro esportivo, sala de aula virtual, além de organizar excursões pedagógicas para enriquecer os conteúdos curriculares.

No outro extremo encontramos as escolas públicas, com muitas dificuldades materiais e com excesso de alunos por sala de aula, criando barreiras para o processo de ensino e aprendizagem.

Nesse contexto, observamos um movimento interessante dos gestores que estão à frente das escolas públicas, exigindo e lutando por uma educação de qualidade para todos e não para poucos.

Os Conselhos Escolares estão sendo chamados a participar para propor ações conjuntas que contribuam com a melhoria do ensino, reunindo na sua composição representantes de todos os segmentos: alunos, pais, professores e equipe gestora da escola. Nas discussões dos Conselhos, vários tópicos sobre o cotidiano escolar são tratados, mas existe um que vem ganhando força e relevância - a implantação de um Programa de Informática Educacional, que possibilite aos educadores e alunos novas formas de ensinar e aprender, tendo como suporte inúmeros recursos tecnológicos.

Frente às Novas Tecnologias, a Educação passa por profundas mudanças estruturais e funcionais, que exigem cada vez mais preparo e capacidade de adaptação por parte de todos os agentes envolvidos. Diante dessa nova realidade, escolas públicas do país estão implantando Programas de Informática Educacional, estabelecendo parcerias com empresas que ofereçam aos alunos muito mais que o simples acesso às Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, apresentando propostas capazes de promover a sua utilização como recurso pedagógico, entendendo que educar é colaborar para que os alunos transformem suas vidas em processos permanentes de aprendizagem. O aprender sempre, os conhecimentos adquiridos hoje através das novas tecnologias poderão ajudá-los na construção de sua identidade, do seu caminho pessoal e profissional.

Para obter resultados significativos e positivos, o Programa de Informática Educacional deve ser construído coletivamente, envolvendo todos os segmentos da unidade escolar. Tarefa difícil, mas não impossível. A vivência com os educadores e alunos do nosso país nos autoriza a afirmar que é possível, que existe muita vontade e disposição de todos para aprender e empreender por novos caminhos.

O primeiro passo é organizar um encontro com todos os membros das Equipes de Gestores das escolas para apresentação do Programa e do Plano de Ação para implantação na rede de ensino. Posteriormente, é fundamental conhecer todas as escolas, salientando que as visitas devem ser realizadas por profissionais da área técnica e pedagógica, uma vez que cada um apresenta olhares diferentes para a consolidação do programa.

A Sociedade do Conhecimento demanda um novo perfil de profissional, isso exige que cada professor invista em seu próprio desenvolvimento, para que consiga transmitir aos alunos os benefícios das novas ferramentas tecnológicas para apoiar o processo educacional.

Não basta a escola pública adquirir recursos tecnológicos e outros materiais pedagógicos sofisticados e modernos. É preciso ter um Projeto Político Pedagógico capaz de recriar ambientes de aprendizagem, que exprima com clareza que cidadão queremos formar, em que sociedade desejamos viver e qual é a escola ideal para nossos filhos e netos.

Outro fator que deve estar presente na proposta, essencial e até mesmo determinante para o desenvolvimento do trabalho, é o Processo de Acompanhamento e Avaliação do Programa. Empreendimentos desta natureza requerem uma avaliação que não se restrinja aos resultados da aplicação dos recursos físicos e quantitativos, mas principalmente sobre o impacto da tecnologia na qualidade do processo educacional e suas repercussões. Nesse sentido, é indispensável estabelecer parâmetros e indicadores que definam a

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qualidade pretendida e orientem as ações de acompanhamento e avaliação do desenvolvimento do programa para que na prática, produza os efeitos esperados.

Desenvolver indicadores avaliativos comprometidos com a melhoria da Qualidade da Educação, confirma a necessidade de rever caminhos e buscar soluções para as dificuldades que possam surgir e impedir o desenvolvimento adequado do programa. Com relação ao Acompanhamento do Programa, ele deve contemplar duas dimensões: técnica e pedagógica.

Normalmente, as escolas não possuem profissionais com formação técnica para a manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos do Laboratório de Informática, o que se configura como um sério complicador para o desenvolvimento do programa, quando os computadores comecem a apresentar problemas. Portanto, é imprescindível um profissional dedicado a percorrer as escolas da rede de ensino, verificando o funcionamento dos computadores, oferecendo assistência técnica e orientações básicas aos alunos e educadores.

O acompanhamento pedagógico tão importante quanto o técnico, exige profissionais com formação pedagógica e com bons conhecimentos de informática aplicada à Educação.

Sua atuação nas escolas, com alunos, educadores e comunidade deve ser pautada no respeito à realidade, buscando a construção coletiva da proposta de utilização do laboratório de informática. O profissional deve a princípio “ouvir muito”, para compreender a dinâmica de funcionamento da escola e assim, com base nas suas observações e diálogos estabelecidos, articular as ações para que toda a comunidade escolar se beneficie com o programa.

Os professores serão beneficiados com a Formação Continuada em Informática Educacional, em horários que atendam as suas necessidades e com conteúdos que favoreçam a sua compreensão do significado das Tecnologias da Informação e Comunicação no contexto escolar. É necessário habilitar os profissionais de ensino para interagir com as novas tecnologias no ambiente de trabalho, estimular e facilitar a difusão da informática educacional, fornecer subsídios para a elaboração de Projetos Pedagógicos, de acordo com a disciplina e o nível escolar dos alunos, propiciar condições de aprimoramento quanto ao uso da informática no processo de ensino e aprendizagem de todos os alunos, inclusive aqueles que apresentam deficiências, avaliar as possibilidades da utilização de softwares nos projetos e atividades pedagógicas. Certamente, o professor deve aprender também a utilizar as ferramentas básicas de Informática como: processador de textos, editor de desenhos, planilhas eletrônicas, banco de dados, Multimídia e Internet, possibilitando o desenvolvimento de habilidades para o enriquecimento da Prática Pedagógica.

O próprio espaço do laboratório de informática já estimula a participação dos alunos nas atividades propostas, considerando que a maioria dos alunos da rede pública de ensino só consegue ter acesso a computadores na escola. Normalmente o desempenho dos alunos melhora e muitos professores relatam a maneira como o computador contribuiu para o processo de aprendizagem. Conteúdos curriculares são integrados às atividades e os alunos desenvolvem habilidades tecnológicas durante a realização das propostas. Motivados e felizes, alunos compartilham com a família as inovações da escola e as novas aprendizagens. Os pais percebendo o entusiasmo dos filhos começam a acreditar que eles poderão conquistar melhores condições de vida, convictos de que a Educação é a único instrumento capaz de conter o crescimento das desigualdades sociais, incluindo e acolhendo a todos, sem distinção.

Sem sombra de dúvidas uma das mais importantes contribuições dos filósofos da educação do século XX foi a ideia da construção de um conhecimento que faça parte do dia a dia das pessoas (PIAGET, 1970; FREIRE, 1987).

Por muito tempo os profissionais em educação vêm buscando e experimentando formas de equacionar essas teorias com o dia a dia em sala de aula. A informática ou o uso do computador vem a ser mais uma ponte no estreitamento da relação teoria-prática. A versatilidade na manipulação do computador permite que o indivíduo possa vivenciar e realizar experimentos ou produzir textos, ou realizar pesquisas sobre temas aos quais nunca poderia ter acesso através de meios reais ou mesmo cuja realização demandaria uma infra-estrutura inviável à maioria das escolas. Além disso, o computador permite tanto a realização de operações individuais, onde o educando vai navegando por assuntos do seu interesse quanto

uma socialização através do relacionamento com pessoas distantes tanto geograficamente como muitas vezes culturalmente. Para que isso tudo aconteça é necessário um conhecimento mínimo no uso do computador, conhecimento esse facilitado pelo uso de interfaces cada vez

mais simbióticas com o usuário. Dentre as variáveis envolvidas no uso do computador em educação podemos distinguir: o aluno, o

professor, o computador e o meio ambiente. Usar o computador implica em gerar relações entre esses quatro agentes. Em muitas situações, porém, pode haver a necessidade de se introduzir mais agentes no processo educativo. A interação entre o computador e o meio ambiente pode se dar de forma passiva ou ativa, onde ou o computador pode ler o ambiente em volta, como por exemplo, usando uma webcam ou sensores, ou o computador pode atuar sobre o meio ambiente (forma ativa) através do uso de motores, interfaces, atuadores,

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etc. Essas ferramentas podem ser usadas de forma ampla no ensino de ciências, onde muitas vezes há a necessidade de se ensinar sinais que variam no tempo ou da realização de experimentos científicos acompanhados pelo computador. Apesar da grande importância do uso da interação computador-meio ambiente em sala de aula, essa técnica muitas vezes fica subutilizada pela necessidade da aquisição ou construção de alguma infraestrutura auxiliar. Alguns trabalhos têm sido feitos com o intuito de demonstrar como usar essa forma de ensino com o mínimo de infra-estrutura (MAGNO, 2004).

Podemos enxergar a interação professor-computador-aluno tanto em uma forma linear, onde a presença do professor temporal ou fisicamente não é necessária, como por exemplo, no ensino a distância, ou de uma forma triangular onde o professor esta presente no ambiente de aprendizagem, o que é o comum na educação básica. Nesse esquema os três agentes envolvidos têm importância vital na condução do processo educativo, sendo que o professor

não poderá deixar de ser o condutor desse processo. Assim, o professor deve assumir um papel de condutor ativo da educação auxiliada pela informática.

Para que o educador conduza o processo de educação com o uso do computador é necessário que esse conheça as diversas formas de usar a máquina. Ele deve se guiar com curiosidade pelos sites da internet e pelas novas formas de comunicação que surgem na rede mundial de computadores. É necessário também que ele esteja sempre atento ao que atrai os alunos nesse mundo virtual onde inovações e novidades fazem parte da sua própria dinâmica.

E é importante que o educador saiba como alertar para os riscos e benefícios que a internet traz, estimulando os alunos a usarem a rede de forma cautelosa e em atividades que lhes proporcione crescimento. A liberdade que o mundo virtual oferece leva necessariamente a uma responsabilidade e bom senso a sua altura, e os jovens que são introduzidos nesse mundo cada vez mais cedo necessitam ser conduzidos nesse processo. Nesta visão, o mundo virtual ou cyber mundo passa a ser um componente paralelo da realidade e, nos dois lados, deve haver um desenvolvimento produtivo dos indivíduos. Esses dois mundos devem ser complementares e os jovens devem saber identificar as diferenças entre as relações pessoais

e verdades nesses mundos. Assim, educar para o mundo também significa educar para a informática. Uma das grandes vantagens do uso do computador em educação é o seu apelo visual. Imagens, cores,

personagens e movimento são parâmetros que se contrapõem a monótona e bem mais estáticas características do ensino tradicional. Livros e quadro, apesar dos esforços

de editoras e professores, não se comparam à dinâmica que pode possuir um jogo no computador. Essa é uma importante causa da atração que as crianças sentem pelo mundo virtual. Outra importante vantagem é a capacidade de interação e a velocidade da resposta que um software pode dar a uma intervenção do usuário. Isso se soma a capacidade que o usuário

tem de navegar por entre locais, sites ou informações através de links. Essa dinâmica tanto pode prender a atenção do aluno quanto o estimular a construir o seu conhecimento a partir de

temas do seu interesse. Além de levar o estudante a construir o seu conhecimento, uma grande porta aberta pela informática na educação é a possibilidade de através do uso de ferramentas versáteis e muitas vezes disponíveis livremente em sites, o professor produzir material para os seus estudantes com temática local, isto é, se utilizando da realidade do aluno no material de aula. Sociedade do Conhecimento 26

Muitas vezes não sabemos bem o que fazer com um determinado aluno que, a nosso ver, tem características de aprendizagem específicas e, por isso, exige um atendimento diferenciado.

De acordo com Lino de Macedo: “Como vamos suportar, nós, professores, o fato de que a educação inclusiva veio tornar mais complexa a nossa vida, mais desafiadora a nossa tarefa de professores. Vamos precisar estudar o que antes estávamos dispensados de estudar, vamos ter que aprender técnicas nas quais antes não precisávamos pensar, vamos ter que aprender a ver mais devagar quando estávamos acostumados a ver numa certa velocidade,

vamos ter que aprender a ouvir sem audição, a acompanhar num ritmo mais rápido quando estávamos acostumados a um ritmo mais lento. Vamos ter que rever as nossas expectativas

de professores, rever as nossas formas de avaliar, de aprovar, de reprovar. Vamos ter que melhorar a nossa condição de trabalho.

No segundo, percebe-se que muito mais do que habilitar ou qualificar profissionalmente, isto é, preparar para agir num determinado contexto, importa adquirir competências, mobilizar saberes (Perrenoud, 2001) que

26 Adaptação a partir de Joaquim José Jacinto Escola, Livro de Actas – 4º Sopcom

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predisponham a pessoa a enfrentar criativamente as mais diversas situações, respondendo positivamente aos desafios e envolvendo os outros num trabalho de equipe.

Aprender a viver em comum, revela-se hoje como um dos grandes objetivos, mas também desafios educacionais e civilizacionais, sobretudo por nos ser dado observar um conjunto de fenómenos sociais que atestam, de forma evidente, a desagregação social. A xenofobia, o racismo, a intolerância religiosa, os fundamentalismos de índole diversa ou a própria violência que prolifera na telepolis contemporânea põe a descoberto a fragilidade dos vínculos sociais, a ameaça real de se impor uma visão marcada pela satanização do outro ou pela diabolização da diferença. Na sociedade do conhecimento exige-se a participação e cooperação com os outros, o reconhecimento do valor do pluralismo, da cooperação mútua, da paz. Por último aprender a ser , objetivo que totaliza e consubstancia os anteriores, permitindo a cada um desenvolver a sua personalidade, afirmar a autonomia, capacidade de discernimento e responsabilidade.

Nestes objetivos permanece em lugar de destaque a abertura e permeabilidade em relação às mudanças cada vez mais rápidas e, por isso mesmo, cada vez mais exigentes. Se tomássemos

o famoso relógio das invenções, de que nos fala Charles Weingartner e Neil Postman, como modelo para a compreensão do ritmo das invenções sentimo-nos esmagados pela velocidade gradualmente mais alucinantes que assinala os acontecimentos tecnocientíficos ocorridos nas últimas frações de segundo do século passado, e continuados na aurora deste novo milénio. É preciso portanto, através de uma adequação voltada para as novas tecnologias da informação e da comunicação satisfazer necessidades específicas, no que se refere: • às metodologias de ensino usadas; • o acesso à informação e à comunicação entre os formandos, docentes, escolas e outros intervenientes no

processo de formação; • à aprendizagem do uso criterioso das tecnologias da informação e da comunicação, nas suas diversas

vertentes; • ao uso destes recursos como parte integrante da preparação e experiência profissional dos formandos; • O corpo docente do curso : • Sabe usar apropriadamente as novas tecnologias da informação e da comunicação, em particular no

ensino da sua área e na sua atividade docente.” INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA DIAS, A.M.L. O currículo na sala de aula: o uso da informática na educação. Educação em Debate, Ano 21 N.: 37 (1999). FREIRE P. Aprendendo com a própria história. Rio de Janeiro, Paz e Terra, (1987). LEVY, P. e MORAES, M.C.. Informática Educativa no Brasil: uma história vivida e várias lições aprendidas. Revista Brasileira de Informática na Educação, sociedade Brasileira de Informática na Educação, nº 1, pg. 19-44. (1997). LEVY, P. BONANNO, R. Cybercutura, São Paulo, Editora 34 (1999). MAGNO, W. C; DE ARAUJO, A. E. P. ; LUCENA, M. A ; MONTARROYOS, E. . Realizando Experimentos didáticos com o sistema de som de um PC. Revista brasileira de Ensino de Física, Brasil, v. 26, p. 117-123, 2004. MELO, J.C. (Malba Tahan). O Homem que Calculava, São Paulo, Record (1990). PIAGET, J. A construção do real na criança editora Zahr (1970). SOUZA, J.C.M. O Homem que Calculava (1938). TJARA, S.F. Projetos em sala de aula – Excel 2000 (2001).

AS VÁRIAS FACES DA GESTÃO ESCOLAR 27

Segundo Libâneo28 o estudo da escola como organização de trabalho não é novo, há toda uma pesquisa

sobre administração escolar que remonta aos pioneiros da educação nova, nos anos 30. Esses estudos se deram no âmbito da Administração Escolar e, frequentemente, estiveram marcados por uma concepção burocrática, funcionalista, aproximando a organização escolar da organização empresarial. Tais estudos eram identificados com o campo de conhecimentos denominado Administração e Organização Escolar ou, simplesmente Administração Escolar. Nos anos 80, com as discussões sobre reforma curricular dos cursos de Pedagogia e de Licenciaturas, a disciplina passou em muitos lugares a ser denominada de Organização do Trabalho Pedagógico ou Organização do Trabalho Escolar, adotando um enfoque crítico, frequentemente

27 Adaptado a partir de Ana Lúcia Felix dos Santos, em http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT05-2114--Int.pdf

28 José Carlos LiBâneo: O Sistema de Organização e Gestão da Escola http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/32/3/LDB_Gest%C3%A3o.pdf

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restringido a uma análise crítica da escola dentro da organização do trabalho no Capitalismo. Houve pouca preocupação, com algumas exceções, com os aspectos propriamente organizacionais e técnico-administrativos da escola.

É sempre útil distinguir, no estudo desta questão, um enfoque científico-racional e um enfoque crítico, de cunho sócio-político. Não é difícil aos futuros professores fazerem distinção entre essas duas concepções de organização e gestão da escola. No primeiro enfoque, a organização escolar é tomada como uma realidade objetiva, neutra, técnica, que funciona racionalmente; portanto, pode ser planejada, organizada e controlada, de modo a alcançar maiores índices de eficácia e eficiência. As escolas que operam nesse modelo dão muito peso à estrutura organizacional: organograma de cargos e funções, hierarquia de funções, normas e regulamentos, centralização das decisões, baixo grau de participação das pessoas que trabalham na organização, planos de ação feitos de cima para baixo. Este é o modelo mais comum de funcionamento da organização escolar.

Com base nos estudos existentes no Brasil sobre a organização e gestão escolar e nas experiências levadas a efeito nos últimos anos, é possível apresentar, de forma esquemática, três das concepções de organização e gestão: a técnico-científica (ou funcionalista), a autogestionária e a democrático- participativa.

A concepção técnico-científica baseia-se na hierarquia de cargos e funções visando a racionalização do trabalho, a eficiência dos serviços escolares. Tende a seguir princípios e métodos da administração empresarial. Algumas características desse modelo são:

- Prescrição detalhada de funções, acentuando-se a divisão técnica do trabalho escolar (tarefas especializadas). - Poder centralizado do diretor, destacando-se as relações de subordinação em que uns têm mais

autoridades do que outros. - Ênfase na administração (sistema de normas, regras, procedimentos burocráticos de controle das atividades), às vezes descuidando-se dos objetivos específicos da instituição escolar. - Comunicação linear (de cima para baixo), baseada em normas e regras. - Maior ênfase nas tarefas do que nas pessoas. Atualmente, esta concepção também é conhecida como gestão da qualidade total. A concepção autogestionária baseia-se na responsabilidade coletiva, ausência de direção centralizada e

acentuação da participação direta e por igual de todos os membros da instituição. Outras características: - Ênfase nas inter-relações mais do que nas tarefas. - Decisões coletivas (assembléias, reuniões), eliminação de todas as formas de exercício de autoridade e

poder. - Vínculo das formas de gestão interna com as formas de auto-gestão social (poder coletivo na escola para preparar formas de auto-gestão no plano político). - Ênfase na auto-organização do grupo de pessoas da instituição, por meio de eleições e alternância no

exercício de funções. - Recusa a normas e sistemas de controle, acentuando-se a responsabilidade coletiva. - Crença no poder instituinte da instituição (vivência da experiência democrática no seio da instituição para expandi-la à sociedade) e recusa de todo o poder instituído. O caráter instituinte se dá pela

prática da participação e auto-gestão, modos pelos quais se contesta o poder instituído. A concepção democrática-participativa baseia-se na relação orgânica entre a direção e a participação do

pessoal da escola. Acentua a importância da busca de objetivos comuns assumidos por todos. Defende uma forma coletiva de gestão em que as decisões são tomadas coletivamente e discutidas publicamente. Entretanto, uma vez tomadas as decisões coletivamente, advoga que cada membro da equipe assuma a sua parte no trabalho, admitindo-se a coordenação e avaliação sistemática da operacionalização das decisões tomada dentro de uma tal diferenciação de funções e saberes. Outras características desse modelo:

- Definição explícita de objetos sócio-políticos e pedagógicos da escola, pela equipe escolar. - Articulação entre a atividade de direção e a iniciativa e participação das pessoas da escola e das que se

relacionam com ela. - A gestão é participativa mas espera-se, também, a gestão da participação. - Qualificação e competência profissional. - Busca de objetividade no trato das questões da organização e gestão, mediante coleta de informações

reais. - Acompanhamento e avaliação sistemáticos com finalidade pedagógica: diagnóstico, acompanhamento

dos trabalhos, reorientação dos rumos e ações, tomada de decisões. - Todos dirigem e são dirigidos, todos avaliam e são avaliados. Atualmente, o modelo democrático-participativo tem sido influenciado por uma corrente teórica que

compreende a organização escolar como cultura. Esta corrente afirma que a escola não é uma estrutura

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totalmente objetiva, mensurável, independente das pessoas, ao contrário, ela depende muito das experiências subjetivas das pessoas e de suas interações sociais, ou seja, dos significados que as pessoas dão às coisas enquanto significados socialmente produzidos e mantidos. Em outras palavras, dizer que a organização é uma cultura significa que ela é construída pelos seus próprios membros.

Esta maneira de ver a organização escolar não exclui a presença de elementos objetivos, tais como as ferramentas de poder externas e internas, a estrutura organizacional, e os próprios objetivos sociais e culturais definidos pela sociedade e pelo Estado. Uma visão sócio-crítica propõe considerar dois aspectos interligados: por um lado, compreende que a organização é uma construção social, a partir da Inteligência subjetiva e cultural das pessoas, por outro, que essa construção não é um processo livre e voluntário, mas mediatizado pela realidade sóciocultural e política mais ampla, incluindo a influência de forças externas e internas marcadas por interesses de grupos sociais, sempre contraditórios e às vezes conflitivos. Busca relações solidárias, formas participativas, mas também valoriza os elementos internos do processo organizacional- o planejamento, a organização e a gestão, a direção, a avaliação, as responsabilidades individuais dos membros da equipe e a ação organizacional coordenada e supervisionada, já que precisa atender a objetivos sociais e políticos muito claros, em relação à escolarização da população.

As concepções de gestão escolar refletem portanto, posições políticas e concepções de homem e sociedade. O modo como uma escola se organiza e se estrutura tem um caráter pedagógico, ou seja, depende de objetivos mais amplos sobre a relação da escola com a conservação ou a transformação social. A concepção funcionalista, por exemplo, valoriza o poder e a autoridade, exercidas unilateralmente.

Enfatizando relações de subordinação, determinações rígidas de funções, hipervalorizando a racionalização do trabalho, tende a retirar ou, ao menos, diminuir nas pessoas a faculdade de pensar e decidir sobre seu trabalho. Com isso, o grau de envolvimento profissional fica enfraquecido.

As duas outras concepções valorizam o trabalho coletivo, implicando a participação de todos nas decisões. Embora ambas tenham entendimentos das relações de poder dentro da escola, concebem a participação de todos nas decisões como importante ingrediente para a criação e desenvolvimento das relações democráticas e solidárias. Adotamos, neste livro, a concepção democrático-participativa.

Discutir o tema gestão democrática da escola nos impõe, em princípio, considerando a realidade dinâmica e complexa, apresentar uma análise relacional e globalizada das três bases apontadas no tema: a política, a pedagógica e a epistemológica. Tais bases são parte de um todo que se interpenetram e se intercruzam e só podem ser analisadas separadamente a partir de uma abstração exclusivamente didática.

Bases epistemológicas: o fio condutor das relações

O termo ‘gestão democrática’ não aparece no vocabulário, na literatura e nas conduções das políticas públicas para a educação da atualidade por acaso. É fruto de idéias e valores que conduzem e amparam a organização sociopolítica da nossa sociedade. As idéias, os sentidos, os valores de determinadas práticas sociais estão embasadas no que chamamos de paradigma. Paradigma entendido não apenas como modelo ou padrão, mas também como um campo complexo de conceitos que contém e comporta uma determinada concepção de homem e de mundo e das relações que se estabelecem entre sujeito e objeto do conhecimento. A análise das bases epistemológicas da gestão democrática da escola supõe, e até exige, uma análise dos paradigmas que estão na base das formas de organização social e política assumidas pela sociedade atual.

Segundo Libâneo (2004) a intencionalidade projeta-se nos objetivos que dão o rumo, a direção da ação. Na escola, isso leva à busca deliberada, consciente, planejada de integração e unidade de objetivos e ação, em torno de normas e atitudes comuns.

O gestor responsável pelo espaço educacional, assume posturas profissionais decorrentes do seu compromisso profissional na dimensão educacional. Essa postura envolve os aspectos referentes ao contexto da prática escolar, suas experiências pessoais, a influência das políticas públicas, do entorno onde a escola está inserida, do grupo de profissionais nas dimensões: pedagógica, técnica e política.

O gestor escolar na dimensão política exerce o princípio da autonomia que requer vínculos mais estreitos com a comunidade educativa, os pais, as entidades e organizações paralelas à escola. (LIBÂNEO, 2004).

Segundo Libâneo “autonomia é a faculdade das pessoas de autogovernar-se, de decidir sobre seu próprio destino”. Autonomia de uma instituição significa ter o poder de decisão sobre seus objetivos e suas formas de organização, manter-se relativamente independente do poder central, administrar livremente recursos financeiros. As escolas públicas como não são organismos isolados, dependem do sistema central, das políticas e da gestão pública, possuem uma autonomia relativa, ou seja, a autonomia de uma escola pública pauta-se no planejamento, na organização, na orientação e o controle de suas atividades internas estando sujeita a adequação e aplicação das diretrizes gerais que recebem dos níveis superiores da administração do ensino. A presença da comunidade na escola, em especial os pais, significa representatividade e participação nos Conselhos de Escola, Associação de Pais e Professores para a elaboração e ou reformulação do Projeto Político Pedagógico, acompanhando e avaliando a qualidade dos serviços prestados.

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Inclusive porque os processos de gestão escolar não se fazem no vazio ou de forma neutra, realizando-se, em vez disso, no seio de uma formação econômico-social, sendo, portanto, determinados pelas forças concretas, presentes na realidade (PARO, 2001).

Assim podemos dizer que tais processos baseiam-se em uma concepção educacional que, por sua vez, derivam de determinados paradigmas vigentes. A própria polêmica entre a utilização dos termos ‘administração escolar’ e/ou ‘gestão escolar’ reflete as marcas de uma discussão paradigmática, isso porque o primeiro termo costuma ser associado a processos verticalizados de poder, afastando-se, portanto, de uma perspectiva histórica democrática.

Libâneo ao discutir as concepções de organização e de gestão escolar, afirma que estas assumem diferentes modalidades conforme a concepção que se tenha das finalidades sociais e políticas da educação em relação à formação dos alunos. E, nesse contexto, situa duas concepções: a técnico-científica e a sociocrítica. As alternativas devem ser colocadas no nível das grandes tendências epistemológicas, ou seja, dos paradigmas que fundamentam não somente as políticas educacionais, as concepções de educação e as práticas de gestão, mas também a articulação desses níveis entre si.

Suas características básicas consistem em considerar a realidade como um todo estruturado e advogar a neutralidade da relação ente sujeito e objeto do conhecimento (SANTOS FILHO, 2000). Nesse sentido, a relação sujeito - objeto é vista de forma fragmentada, o que reflete uma concepção de educação baseada numa relação hierarquizada, e dual, de poder e autoridade entre aquele que ensina (professor) e aquele que aprende (o aluno). No campo da gestão escolar, tal concepção resulta numa organização da gestão compartimentada em que os papéis e os níveis de poder estão claramente definidos.

Tal paradigma constitui a base da concepção técnico-científica de gestão escolar que por muito tempo dominou, e ainda domina, os processos de gestão da escola e da educação. A gestão escolar e/ou da educação, entendida então como controle do processo de materialização da política educacional nas escolas, nesta perspectiva, está organizada por um organograma piramidal das funções, ou seja, a administração escolar pressupunha uma organização de poder verticalizada e hierarquizada. Nesse formato, quanto mais próximo da base da pirâmide o indivíduo se localizava, menos poder de decisão no processo ele detinha. Essa forma de gerir a escola se afina com o modelo taylorista/fordista adotado pelas organizações lucrativas, como as empresas e as indústrias, que pressupõe que cada membro da organização tem seu lugar determinado e atomizado no processo e deve exercer determinada função específica para que o sistema possa funcionar em harmonia (concepção funcionalista/sistêmica).

Vitor Paro e Libâneo nos explicam que na gestão escolar e da educação com base nesse modelo, existiam os técnicos-formuladores das políticas que detinham o conhecimento e que, portanto, traçavam os caminhos, as metas e as estratégias que a escola deveria seguir para assegurar a boa condução do trabalho pedagógico, garantindo, assim, a efetivação de uma educação qualidade. Vale salientar que a ‘qualidade da educação’ também era determinada por eles.

Já o paradigma emergente (BORDIGNON e GRACINDO, 2002) ou crítico-dialético, na acepção de Santos Filho (2000) está na base da concepção sociocrítica da gestão democrática proposta por Libâneo. Como já dissemos, esse vai se contrapor ao paradigma empírico-analítico, de forma que a concepção de educação a ele subjacente considera o homem como ser social e histórico que, embora determinado por contextos econômicos, políticos e culturais, é criador da realidade social e transformador desses contextos. Assim, nas práticas sociais estabelecidas no interior da escola, o poder não se situa em níveis hierárquicos, mas nas diferentes esferas de responsabilidade, garantindo relações interpessoais entre sujeitos iguais e ao mesmo tempo diferentes. Essa diferença dos sujeitos, no entanto, não significa que um seja mais que o outro, ou pior ou melhor, mais ou menos importante, nem concebe espaços para a dominação e a subserviência, pois estas são atitudes que negam radicalmente a cidadania. As relações de poder não se realizam na particularidade, mas na intersubjetividade da comunicação entre os atores sociais. Nesse sentido, o poder decisório necessita ser desenvolvido com base em colegiados consultivos e deliberativos. (BORDIGNON e GRACINDO, 2002, p. 151-152).

Ou seja, a base de organização da gestão da educação e da escola não será piramidal e hierarquizada, mas adotará um desenho circular que pressupõe a inter-relação entre os atores sociais e uma partilha de poder, o que implica co-responsabilidade nas ações da escola. Libâneo, deixa isso bem claro e apresenta, inclusive, um desenho esquemático da organização escolar com base numa gestão democrática.

Nessa perspectiva de organização e gestão escolar, os atores sociais – diretores coordenadores, professores, pais, alunos etc. - são considerados sujeitos ativos do processo, de forma que sua participação no processo deve acontecer de forma clara e com responsabilidade. Aqui torna-se necessário enfatizar a participação e autonomia como dois dos princípios básicos da gestão democrática.

Para Ferreira (1999, p. 11), “participar significa estar inserido nos processos sociais de forma efetiva e coletiva, opinando e decidindo sobre planejamento e execução”. Tanto essa autora quanto Araújo (2003), afirmam que o ato de participar pode ser expresso em diversos níveis ou graus, desde a simples informação,

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avançando para opinião, voto, proposta de solução de problemas, acompanhamento e execução das ações, e que deve gerar um sentimento de co-responsabilidade sobre as ações. O que importa, então, é que os atores sociais da escola tenham conhecimento e clareza do sentido do termo, da responsabilidade que o mesmo encerra e das formas possíveis de participação no interior de uma gestão democrática para que, assim, eles possam vivenciar o processo.

Quanto à autonomia da escola e do processo de gestão, a literatura é quase unânime ao afirmar que a autonomia da escola é sempre relativa e, por a mesma se configurar como uma unidade básica da política educacional, estar, portanto, sempre condicionada pelos regimentos que compõem tal política (voltaremos a tratar desse assunto mais à frente).

Essa discussão, sobre as bases epistemológicas da gestão democrática, nos leva a outras questões: Como a administração escolar passou a se chamada de ‘gestão democrática escolar’? Quais os condicionantes que possibilitaram essa mudança de paradigmas que se impõe, pelo menos teoricamente, nessa prática social?

Bases políticas: a tessitura das relações

Segundo Libâneo (2004, p.217): Muitos dirigentes escolares foram alvos de críticas por práticas excessivamente burocráticas, conservadoras, autoritárias, centralizadoras. Embora aqui e ali continuem existindo profissionais com esse perfil, hoje estão disseminadas práticas de gestão participativa, liderança participativa, atitudes flexíveis e compromisso com as necessárias mudanças na educação. Como mostra o autor, algo considerado de extrema importância para o gestor educacional é a necessidade de administrar suas próprias ações, respeitando as diferenças, pesquisando, analisando, dialogando, cedendo, ouvindo e acima de tudo aceitando opiniões divergentes.

Deste modo, o gestor educacional poderá “construir” a escola em conjunto com a comunidade interna e externa, buscando atender suas aspirações, mas, principalmente, suas necessidades. Por isso, deve ter muita disciplina para integrar, reunir os esforços necessários para realizar as ações determinadas para a melhoria da qualidade de ensino, ter coragem de agir com a razão e a liderança para as situações mais adversas do cotidiano.

O gestor educacional, também, deve ter disciplina para superar os desafios que são encontrados nas funções de sua responsabilidade. Ao realizar suas funções, deve manter em evidência a necessidade da valorização da escola, dos funcionários e, principalmente, de seus alunos, para que os mesmos se sintam estimulados e incentivados para aprender e assimilar novos conhecimentos.

Considerando que a realidade é dinâmica e histórica, as práticas sociais também sofrem influência e são condicionadas pelo contexto global em que estão inseridas. É a partir desse entendimento que podemos analisar as bases políticas da gestão democrática da escola e estabelecer relações com as bases epistemológicas tratadas anteriormente.

É do nosso conhecimento que as últimas décadas do século passado e início desse século estão marcadas por mudanças estruturais na organização social, política e econômica no mundo e no nosso país. O processo de redemocratização, iniciado aqui no Brasil em meados da década de 80, em que ganham representatividade os movimentos sociais, baseados numa perspectiva de direitos sociais coletivos e da cidadania coletiva (GOHN, 1997, p.226), é, ao mesmo tempo, um reflexo e um exemplo dessas mudanças.

Contrariamente a esses ideais e bandeiras, esse processo vê ganhar forças e assumir a direção do país, correntes com base nos postulados neoliberais, que têm vindo a nos impor paulatinamente uma reforma do Estado com base nos princípios do neoliberalismo. Nesse contexto, as políticas sociais, dentre elas, a educacional, tornam-se alvo de adequações e ajustes que as conformem, numa perspectiva de minimalização, às idéias e tendências que têm se revezado no poder.

Há de se destacar, também, que a saída de um regime autoritário para um regime democrático veio a impor, para a organização geral do país, a adoção de princípios democráticos em seu caráter mais universal, o que atingiu os processos de gestão das políticas públicas de uma forma geral. Isso exigiu uma nova legislação que permitiu uma adequação do país ao novo contexto e que imprimiu uma nova direção às políticas públicas, adequando-as às novas exigências democratizantes. No campo educacional, isso se consolidou por meio da própria Constituição Federal (1988), em seu capítulo que trata da educação e da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em dezembro de 1996. É no corpo dessas leis, que se encontram, dentre tantas outras questões, determinações e indicações acerca da gestão democrática na escola. Mas, apenas o que está escrito no texto da lei não implica que, de fato, tal gestão esteja ocorrendo na escola e merece, então, uma pequena análise.

Essa análise deve se apoiar no pressuposto da gestão democrática. Como já foi dito, na perspectiva epistemológica, a gestão democrática se ampara numa concepção sociocrítica e implica processos de participação, autonomia e divisão de poder, o que sugere co-responsabilidade, divisão, descentralização, inclusive no campo político.

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Descentralização é conceito chave para se entender as políticas educacionais no contexto neoliberal e a democratização da gestão.

Anderson (1995), Gentili (1996), Soares (2000) e Azevedo (1997, 2001 e 2002) são autores que têm estudado sobre esse assunto e analisado as políticas educacionais no contexto neoliberal. Para eles, o Estado neoliberal reafirma sua responsabilidade sobre o oferecimento e a manutenção da educação básica, mas advoga a divisão dessa responsabilidade com a iniciativa privada e a comunidade em geral. Por outro lado, os neoliberais sugerem que os problemas apresentados no campo educacional são oriundos de uma crise de eficiência e eficácia na condução das políticas. Essa crise tem suas origens na ampliação desordenada do sistema educacional e na centralização do poder e sua consequente centralização na condução das políticas. Para essa doutrina, tal processo é o causador da precariedade da qualidade do ensino, que resulta “da improdutividade que caracteriza as práticas pedagógicas e a gestão administrativa da grande maioria dos estabelecimentos escolares” (GENTILI, p. 17-18). Para esse autor, os problemas existentes no âmbito da escolarização (repetência, evasão, analfabetismo funcional) são reflexos de uma crise gerencial, entendendo-se que a democratização das oportunidades educacionais e a busca da qualidade na educação requerem uma reforma administrativa, nos sistemas de ensino, que permita aumentar sua eficácia, eficiência e produtividade. Desse modo, indicam com preceito básico para a condução das ações e melhoria da qualidade do ensino, o processo de descentralização das ações.

Dada sua carga semântica, é importante que problematizemos o conceito de descentralização. A definição desse conceito tem variado segundo dois pólos que se distanciam pela ênfase ora na dimensão econômica ora na dimensão política. Como destaca Azevedo (2001, p. 07), “é possível identificarmos dois pólos de conceituação cuja diferença se radica no privilégio de uma dimensão política ou democráticoparticipativa, e de uma dimensão economicista-instrumental”. Quando está sendo guiado por uma lógica economicista-instrumental, o conceito de descentralização se vincula aos postulados neoliberais. Nesse caso, é feita uma ligação entre a descentralização e a democratização, como justificativa para se transferir responsabilidades que seriam do poder central para o poder local, com vistas a reduzir o papel do Estado a suas funções mínimas, na busca da eficiência e da otimização dos gastos públicos, em que os investimentos nas políticas sociais não são prioritários (AZEVEDO, 2001).

Por outra parte, quando o conceito de descentralização está baseado numa lógica democrático-participativa, ele tem por referência a criação de mecanismos que levam ao alargamento do espaço público na medida em que, intrinsecamente, se relaciona com o avanço democrático. Nesse caso, entende-se que a democratização dos aparelhos do Estado está diretamente relacionada com a participação citadina em nível local. Isto porque se compreende que a força da cidadania está no município, e que nesse local é possível, via descentralização, influenciar a ação do Estado e a fiscalizar no exercício do controle social. Assim, tanto se faz necessário que haja efetiva transferência de poder para o poder local, como também que esse próprio poder local viabilize os espaços para que se criem novas relações entre a sociedade e o Estado, para se efetivar a participação da comunidade na gestão (AZEVEDO, 2001).

Lobo (1990) também discute o tema e afirma que quando a descentralização se caracteriza apenas por uma dispersão físico-territorial das ações a ser colocada em prática, ela se constitui em um processo de ‘desconcentração’, cujo significado se aproxima do conceito de descentralização ‘economicista-instrumental’.

Se considerarmos a lógica democrático-participativa da descentralização, podemos dizer que ela se funda numa concepção sociocrítica de organização da gestão educacional e escolar. Nesse caso, haveria uma coerência entre democracia e gestão na medida em que houvesse partilha de poder nas decisões sobre os processos educativos. Mas, o processo de descentralização da educação imposto pela política brasileira, é classificado, por autores já citados e ainda por outros, como sendo ‘economicista-instrumental’, devido a suas ações se constituírem muito mais em transferência de responsabilidades com a educação para níveis cada vez mais micros, inclusive a escola, do que por partilha do poder. Exemplos desse direcionamento podem ser colocados tomando como foco o financiamento da educação.

É certo afirmar que o processo de redemocratização, no Brasil, também trouxe ganhos em relação ao financiamento da educação. A vinculação constitucional de recursos, iniciada pela Emenda João Calmon, é um bom exemplo. No entanto, a política atual de financiamento da educação brasileira apresenta lacunas, como a opção na ênfase ao ensino fundamental, reflexo de acordos internacionais que o Brasil firmou, a partir da Conferência de Educação para Todos na Tailândia (1990), com os organismos internacionais de financiamento.

Visando à melhoria do ensino fundamental no contexto do financiamento, o Brasil criou um fundo de natureza contábil, que subvinculou os recursos já atrelados, direcionando-os para essa etapa da educação básica, sob a denominação Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).

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Nessa direção, sob os auspícios da descentralização, o FUNDEF, na medida em que os recursos são distribuídos com base no número de alunos matriculados, traz em seu bojo, o processo de municipalização do ensino fundamental.

Outra medida de descentralização da educação e que atinge diretamente a escola e os processos de gestão, é a implantação do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE).

Essas duas medidas de política já foram amplamente analisadas e debatidas por especialistas como Davies (1999), Molevade (1998), França (2004), Valois Alves (2002), dentre outros, que apontam os pontos negativos e positivos das mesmas.

Devemos lembrar, inclusive, que o FUNDEF, por ser uma política com tempo determinado para sua execução, possui seu término previsto para 2006, mas já se encontra em análise um novo fundo que o deverá substituir: o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica - FUNDEB, prevendo uma cobertura financeira de toda educação básica.

De uma forma geral, podemos dizer que as críticas empreendidas sobre o financiamento da educação aportam em dois vetores: na concepção e na condução dos programas e da política. Sobre o FUNDEF, Alves (2002), coloca que, no que tange a sua concepção, o mesmo peca pelo seu caráter de transitoriedade e pela subvinculação de recursos que apenas redistribui o orçamento já previsto e não agrega maiores investimentos para o ensino fundamental. Nesse sentido, as maiores críticas são em relação à contribuição da União que permanece com seu papel supletivo, agregando parcos recursos à manutenção e ao desenvolvimento dessa etapa da educação. Essa análise também é destacada nos textos de Davis (1999) e Monlevade (1998), mesmo assim, esses autores destacam alguns pontos positivos como a preocupação com a valorização do magistério.

No processo de concepção e condução, tanto do FUNDEF quando do PDDE, estão implícitas formas de descentralização economicista-instrumental, o que fere os princípios da participação e da autonomia inerentes ao processo de gestão democrática do ensino e da escola. O PDDE, por exemplo, que visa se constituir num instrumento de descentralização de recursos e democratização da escola, impõe regras de utilização do dinheiro que nem sempre atendem às necessidade locais da escola. Já o FUNDEF impôs uma municipalização forçada do ensino fundamental na medida em que a distribuição dos recursos estava atrelada à quantidade de alunos matriculados. Essas estratégias, dentre outras vinculadas à descentralização, conduzem os governos municipais a assumirem novas responsabilidades frente à educação pública, quase sempre sem terem as condições infra-estruturais para fazê-lo e sem poderem fugir das imposições das definições nacionais (SANTOS, 2002).

Assim, a política educacional ao se amparar teoricamente em um princípio que se vincula à democratização, como é caso da descentralização, tenta mascarar as bases epistemológicas de cunho técnico-científico ou positivista racional que amparam uma gestão de política neoliberal.

Esse processo, de bases epistemológicas e políticas, vai se refletir diretamente na escola. Afinal é lá que se dá a materialização da política pública de educação. Como isso acontece? Quais os reflexos do contexto acima descrito no processo de gestão democrática da escola? Quais as bases pedagógicas desse processo?

Bases pedagógicas: ponto de encontro relacional

A gestão da escola, para se constituir a partir do fundamento democrático, deve ter como princípios básicos: participação e autonomia. Pedagogicamente esse processo exige que a escola se arme de instrumentos que visem garantir esses princípios e se voltem para a especificidade dos objetivos da escola: garantir o processo de formação do cidadão, que envolve não apenas o conhecimento e aprendizagem de conteúdos prédeterminados, e que está pautado numa determinada concepção de homem que se quer formar. Nesse sentido, a qualificação do processo de ensino-aprendizagem passa pela responsabilidade e participação da equipe gestora, também nas questões do planejamento, pois O planejamento escolar deve ser uma atividade realizada em conjunto, que, conforme Libâneo (2004, p. 149): O planejamento escolar consiste numa atividade de previsão da ação a ser realizada, implicando definição de necessidades a atender, objetivos a atingir dentro das possibilidades, procedimentos e recursos a serem empregados, tempo de execução e formas de avaliação.

A autonomia, como elemento balizador dos processos coletivos, pode ser entendida como a capacidade das pessoas de decidir sobre seu próprio destino, ou seja, autogovernar-se. “Numa instituição a autonomia significa ter poder de decisão sobre seus objetivos e suas formas de organização, manter-se relativamente independente do poder central, administrar livremente os recursos financeiros” (LIBÂNEO, p. 115). Na escola isso vai significar a possibilidade de traçar seu próprio caminho, envolvendo professores, alunos, funcionários, pais e comunidade, unidos no sentimento de co-responsabilidade pelo êxito da instituição. É certo que essa possibilidade se limita ao espaço da autonomia relativa possível a uma instituição que integra um sistema de ensino e que depende das políticas públicas e que não gera recursos próprios.

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Mesmo assim, para Libâneo, autonomia é o fundamento da concepção democrático-participativa da gestão escolar, razão de ser dos instrumentos democratizantes desse tipo de gestão. Os principais instrumentos que visam garantir a gestão democrática são: o projeto político pedagógico da escola (PPP) e o conselho escolar. Também podemos citar as instâncias auxiliares desse processo: a associação de pais e mestres e o grêmio estudantil. A realidade de atuação dessas instâncias vai refletir o nível de envolvimento dos atores sociais no processo educativo e a busca pela realização de uma educação com qualidade social.

Há que se destacar que todas as ações, previstas e conduzidas a partir das deliberações desse lócus democratizante, estão sempre pautados por uma autonomia relativa. Isso porque as ações pedagógicas estão subjugadas ao que diz a legislação presente na política educacional e, também, aos caprichos idiossincráticos de alguns atores que se encontram nos territórios mais altos de poder. Ou seja, a escola se constitui na unidade básica do sistema educacional, ponto de encontro entre as políticas e as diretrizes do sistema e o trabalho em sala de aula (LIBÂNEO).

Mesmo considerando que a autonomia da escola é relativa, Paro (2001a) e Libâneo ratificam a importância do PPP e do Conselho Escolar por serem ambientes deliberativos e organizacionais que, dentro da escola, abrem espaços para a definição de ações voltadas para o tipo de educação que se deseja empreender no espaço escolar.

Um processo de gestão democrática consiste em elaboração, execução, acompanhamento e avaliação do projeto educativo que deve estar expresso no PPP e ser conhecido por toda comunidade. A própria existência do PPP pressupõe a participação coletiva em sua elaboração, execução, acompanhamento e avaliação (reescrito propositadamente!), mesmo que, na prática, isso tudo não ocorra. Nesse sentido, vale lembrar que as formas de organização e de gestão da escola são sempre meios que servirão para alcançar os objetivos da instituição e que, quando estes colocam em destaque a formação humana, buscam o fortalecimento das relações sociais.

Nesse processo, o diretor da escola, como líder do processo de gestão democrática, vai necessitar de competências que o ajudem a conduzir o processo junto com a comunidade escolar. Entre essas competências está a de garantir a participação de todos no processo, até porque um elemento fundamental no processo participativo está relacionado com a motivação dos atores envolvidos, que perpassa os objetivos comuns dos indivíduos e se amplia a partir dos interesses coletivos (ARAÚJO, 2003).

Aqui cabe uma pausa para lembrar que o organograma de organização escolar nesse tipo de gestão, segundo Libâneo aparece com formato circular, refletindo relações compartilhadas de poder. E ainda que participação é “uma habilidade que se aprende e se aperfeiçoa. Isto é, as diversas forças e operações que constituem a dinâmica da participação devem ser compreendidas e dominadas pelas pessoas” (BORDENAVE, 1994, citado por ARAÚJO, 2003, p. 31). E, sendo a escola um local em que os indivíduos comparecem (também!) para aprender algo, ela deve garantir a viabilização de mais esse processo de aprendizagem. Ou seja, uma gestão democrática também deve buscar meios de garantir o envolvimento da comunidade no processo educativo, com todos os limites que a realidade complexa e contraditória impõe.

Paro (2001) diz que não existem modelos pré-determinados de participação. É preciso que cada tentativa construa seu próprio caminho “que se faz ao caminhar” refletindo sobre cada passo. A participação é necessária e pressupõe principalmente tomada de decisão, onde a execução é apenas uma conseqüência, e apresenta vários obstáculos, porém o primeiro requisito é não desistir. Assim, pode-se tentar fazer da escola estatal algo realmente público, o que pode acontecer quando a população tiver acesso a uma boa educação. Isso só será possível com a participação da comunidade na escola, para partilhar o poder entre os interessados na qualidade do ensino.

E a realidade vai estar recheada de limites objetivos que são difíceis de superar com a simples assunção teórica da ‘gestão democrática na escola’. Limites objetivos que são facilmente observados nas nossas escolas públicas: salas lotadas, professores com baixa remuneração, e por isso desmotivados, parcos recursos financeiros, material didático insuficiente e de baixa qualidade, instalações físicas precárias etc. Tais limites são reflexo de um processo político instalado em nosso país, que tem por base um paradigma positivista racional, na medida em que trata o problema da educação de forma focal, por exemplo, no nível administrativo, ou seja, alegando que o que existe é uma crise de eficiência e eficácia e como tal deve ser tratado com vistas a sua superação. Nesse sentido, os caminhos utilizados na condução da gestão escolar vão oscilar entre a assunção de princípios democráticos e a imposição de estratégias técnicocientíficas.

Trata-se de uma forma de ver como mais essa tecnologia de política – a gestão democrática – constituiu-se num elemento-chave de um “novo paradigma”, cujos valores, culturas e inter-relações cabem questionar. Nesse sentido, a gestão democrática, a exemplo de outras bandeiras empunhadas, encontra limites e condicionantes epistemológicos, políticos e pedagógicos, entre outras dimensões, advindos das opções dos que estão no poder e que interferem diretamente no alcance de uma educação com qualidade social, mas que igualmente podem ser recriadas no contexto da prática.

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A Estrutura Organizacional de uma Escola Toda a instituição escolar necessita de uma estrutura de organização interna, geralmente prevista no

Regimento Escolar ou em legislação específica estadual ou municipal. O termo estrutura tem aqui o sentido de ordenamento e disposição das funções que asseguram o funcionamento de um todo, no caso a escola. Essa estrutura é comumente representada graficamente num organogramaum tipo de gráfico que mostra a inter-relações entre os vários setores e funções de uma organização ou serviço. Evidentemente a forma do organograma reflete a concepção de organização e gestão. A estrutura organizacional de escolas se diferencia conforme a legislação dos Estados e Municípios e, obviamente, conforme as concepções de organização e gestão adotada, mas podemos apresentar a estrutura básica com todas as unidades e funções típicas de uma escola.

Conselho de escolar

O Conselho de Escola tem atribuições consultivas, deliberativas e fiscais em questões definidas na legislação estadual ou municipal e no Regimento Escolar. Essas questões, geralmente, envolvem aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros. Em vários Estados o Conselho é eleito no início do ano letivo. Sua composição tem uma certa proporcionalidade de participação dos docentes, dos especialistas em educação, dos funcionários, dos pais e alunos, observando-se, em princípio, a paridade dos integrantes da escola (50%) e usuários (50%). Em alguns lugares o Conselho de Escola é chamado de “colegiado” e sua função básica é democratizar as relações de poder (Paro, 1998; Cizeskie Romão, 1997)

Direção

O diretor coordena, organiza e gerencia todas as atividades da escola, auxiliado pelos demais componentes do corpo de especialistas e de técnicos-administrativos, atendendo às leis, regulamentos e determinações dos órgãos superiores do sistema de ensino e às decisões no âmbito da escola e pela comunidade.

O assistente de diretor desempenha as mesmas funções na condição de substituto eventual do diretor.

Setor técnico - administrativo O setor técnico-administrativo responde pelas atividades-meio que asseguram o atendimento dos objetivos e funções da escola.

A Secretaria Escolar cuida da documentação, escrituração e correspondência da escola, dos docentes, demais funcionários e

dos alunos. Responde também pelo atendimento ao público. Para a realização desses serviços, a escola conta com um secretário e escriturários ou auxiliares da secretaria.

O setor técnico-administrativo

Responde, também, pelos serviços auxiliares (Zeladoria, Vigilância e Atendimento ao público) e Multimeios (biblioteca, laboratórios, videoteca etc.). A Zeladoria, responsável pelos serventes, cuida da manutenção, conservação e limpeza do prédio; da guarda das dependências, instalações e equipamentos; da cozinha e da preparação e distribuição da merenda escolar; da execução de pequenos consertos e outros serviços rotineiros da escola. A Vigilância cuida do acompanhamento dos alunos em todas as dependências do edifício, menos na sala de aula, orientando-os quanto a normas disciplinares, atendendo-os em caso de acidente ou enfermidade, como também do atendimento às solicitações dos professores quanto a material escolar, assistência e encaminhamento de alunos.

O serviço de Multimeios

Compreende a biblioteca, os laboratórios, os equipamentos audiovisuais, a videoteca e outros recursos didáticos.

Setor Pedagógico

O setor pedagógico compreende as atividades de coordenação pedagógica e orientação educacional. As funções desses especialistas variam confirme a legislação estadual e municipal, sendo que em muitos lugares suas atribuições ora são unificadas em apenas uma pessoa, ora são desempenhadas por professores. Como são funções especializadas, envolvendo habilidades bastante especiais, recomenda-se que seus ocupantes sejam formados em cursos de Pedagogia ou adquiram formação pedagógico-didática específica.

O coordenador pedagógico ou professor coordenador supervisiona, acompanha, assessora, avalia as atividades pedagógico-curriculares.Sua atribuição prioritária é prestar assistência pedagógico-didática aos professores em suas respectivas disciplinas, no que diz respeito ao trabalho ao trabalho interativo com os

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alunos. Há lugares em que a coordenação restringe-se à disciplina em que o coordenador é especialista; em outros, a coordenação se faz em relação a todas as disciplinas. Outra atribuição que cabe ao coordenador pedagógico é o relacionamento com os pais e a comunidade, especialmente no que se refere ao funcionamento pedagógico-curricular e didático da escola e comunicação e interpretação da avaliação dos alunos.

O orientador educacional, onde essa função existe, cuida do atendimento e do acompanhamento escolar dos alunos e também do relacionamento escola-pais-comunidade. O Conselho de Classe ou Série é um órgão de natureza deliberativa quanto à avaliação escolar dos alunos, decidindo sobre ações preventivas e corretivas em relação ao rendimento dos alunos, ao comportamento discente, às promoções e reprovações e a outras medidas concernentes à melhoria da qualidade da oferta dos serviços educacionais e ao melhor desempenho escolar dos alunos. Instituições Auxiliares

Paralelamente à estrutura organizacional, muitas escolas mantêm Instituições Auxiliares tais como: a APM (Associação de Pais e Mestres), o Grêmio Estudantil e outras como Caixa Escolar, vinculadas ao Conselho de Escola (onde este existia) ou ao Diretor. A APM reúne os pais de alunos, o pessoal docente e técnico-administrativo e alunos maiores de 18 anos. Costuma funcionar mediante uma diretoria executiva e um conselho deliberativo. O Grêmio Estudantil é uma entidade representativa dos alunos criada pela lei federal n.7.398/85, que lhe confere autonomia para se organizarem em torno dos seus interesses, com finalidades educacionais, culturais, cívicas e sociais. Ambas as instituições costumam ser regulamentadas no Regime Escolar, variando sua composição e estrutura organizacional. Todavia, é recomendável que tenham autonomia de organização e funcionamento, evitando-se qualquer tutelamento por parte da Secretaria da Educação ou da direção da escola. Em algumas escolas, funciona a Caixa Escolar, em outras um setor de assistência ao estudante, que presta assistência social, econômica, alimentar, médica e odontológica aos alunos carentes. Corpo Docente

O Corpo docente é constituído pelo conjunto dos professores em exercício na escola, que tem como função básica realizar o objetivo prioritário da escola, o ensino. Os professores de todas as disciplinas formam, junto com a direção e os especialistas, a equipe escolar. Além do seu papel específico de docência das disciplinas, os professores também têm responsabilidades de participar na elaboração do plano escolar ou projeto pedagógico-curricular, na realização das atividades da escola e nas decisões dos Conselhos de Escola e de classe ou série, das reuniões com os pais (especialmente na comunicação e interpretação da avaliação), da APM e das demais atividades cívicas, culturais e recreativas da comunidade.

A gestão democrática-participativa valoriza a participação da comunidade escolar no processo de tomada de decisão, concebe a docência como trabalho interativo, aposta na construção coletiva dos objetivos e funcionamento da escola, por meio da dinâmica intersubjetiva, do diálogo, do consenso. Faz-se necessário o emprego dos elementos ou processo organizacional, tal como veremos adiante. De fato, a organização e gestão refere-se aos meios de realização do trabalho escolar, isto é, à racionalização do trabalho e à coordenação do esforço coletivo do pessoal que atua na escola, envolvendo os aspectos, físicos e materiais, os conhecimentos e qualificações práticas do educador, as relações humano-interacionais, o planejamento, a administração, a formação continuada, a avaliação do trabalho escolar. Tudo em função de atingir os objetivos. Ou seja, como toda instituição as escolas buscam resultados, o que implica uma ação racional, estruturada e coordenada. Ao mesmo tempo, sendo uma atividade coletiva, não depende apenas das capacidades e responsabilidades individuais, mas de objetivos comuns e compartilhados e de ações coordenadas e controladas dos agentes do processo. O processo de organização educacional dispõe de elementos constitutivos5 que são, na verdade, instrumentos de ação mobilizados para atingir os objetivos escolares. Tais elementos ou instrumentos de ação são:

Planejamento - processo de explicitação de objetivos e antecipação de decisões para orientar a instituição, prevendo-se o que se deve fazer para atingi-los.

Organização - Atividade através da qual se dá a racionalização dos recursos, criando e viabilizando as condições e modos para se realizar o que foi planejado.

Direção/Coordenação - Atividade de coordenação do esforço coletivo do pessoal da escola. Formação continuada - Ações de capacitação e aperfeiçoamento dos profissionais da escola para que realizem com competência suas tarefas e se desenvolvam pessoal e profissionalmente. Avaliação - comprovação e avaliação do funcionamento da escola.

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INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ALVES, Maria do Socorro Valois. O FUNDEF e a Valorização do Magistério: uma análise em municípios pernambucanos. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2002 (Dissertação de Mestrado). APPLE, M. Power, Meaning and Identity: Critical sociology of education in te United States. British Journal of Sociology of Education.. 1997. (p. 125-144). ANDERSON, P. “Balanço do Neoliberalismo”. In: SADER, E. & GENTILI, P. (Org.). Pós-Neoliberalismo: As Políticas Sociais e o Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ARAÚJO, Alexandre Viana. Política Educacional e Participação Popular: um estudo sobre esta relação no município de Camaragibe-PE. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2003 (Dissertação de Mestrado). AZEVEDO, Janete M. Lins. Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação municipal. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, setembro/2002, p. 49-71. _________. Políticas de Descentralização da Educação, Municipalização do Ensino Fundamental e Desigualdades Educacionais. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2001 (Projeto de Pesquisa). _________. A Educação como Política Pública. Campinas, SP: Autores Associados, 1997. BORDIGNON, Genuíno e GRACINDO, Regina Vinhaes. Gestão da educação: município e escola. IN: FERREIRA, N. S. e AGUIAR, M. A. (Orgs.). Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez, 2001. DAVIES, Nicholas. O FUNDEF e o orçamento da educação: desvendando a caixa preta. Campinas, SP: Autores Associados, 1999. FERREIRA, Rosilda (Coord.). Construindo a Educação na Cidade de Camaragibe. Camaragibe (PE): Secretaria de Educação, 1999. FRANÇA, Magna. Financiamento da educação: política, mobilização de recursos e programas para o enino fundamental. IN: CABRAL NETO, Antonio (Org.). Política Educacional: desafios e tendênicas. Porto Alegre: Sulinas, 2004. GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e Educação: manual do usuário. IN: GENTILI, P. e SILVA, T. T. Escola S. A. Brasília, DF: CNTE, 1996. GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais. Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 2002. HORA, Dinair Leal da. Gestão democrática na Escola: artes e ofícios da participação coletiva. Campinas, SP: Papirus, 1994. LEITÃO, Tereza. Unidades executoras. Gestão Democrática da Educação. SINTEPE, N. 2, Dez/2000, p. 8-9. (Cadernos Temáticos). LIBÂNEO, José Carlos et al. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003. LIBÂNEO, José Carlos. Organização e Gestão da Escola. Goiânia: Alternativa, 2001. LOBO, Thereza. Descentralização: conceitos, princípios e prática governamental. In: Revista de Estudos e Pesquisa em Educação.. Nº 74, Agosto, 1990. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1990. p. 5-10. MONLEVADE, João. O FUNDEF e seus Pecados Capitais. Ceilândia, DF: Idéia, 1998. PARO, Vitor H. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 2001a. _______. Administração escolar: introdução crítica. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2001b. SANTOS, Ana Lúcia Felix. A Educação Física no Contexto da Política de Educação Municipal: analisando a experiência de Camaragibe/PE. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2002. (Dissertação de Mestrado). SOARES, Laura Tavares. Os Custos Sociais do Ajuste Neoliberal na América Latina. São Paulo: Cortez, 2000.

EDUCAÇÃO QUE ACOLHE E INCLUI 29

... uma escola inclusiva é uma escola de boa qualidade, para todos, com todos e sem discriminação. (CARVALHO, 2005, p.113) Educação Inclusiva: construindo uma sociedade para todos

A Educação Inclusiva não é uma moda passageira. Ela é o resultado de muitas discussões, estudos teóricos e práticas que tiveram a participação e o apoio de organizações de pessoas com deficiência e educadores, no Brasil e no mundo. Fruto também de um contexto histórico em que se resgata a Educação

29 Adaptação a partir de Marta Gil , em Educação Inclusiva: O que o Professor tem a ver com isso? (http://saci.org.br)

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como lugar do exercício da cidadania e da garantia de direitos. Isto acontece quando se preconiza, por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), uma sociedade mais justa em que valores fundamentais são resgatados como a igualdade de direitos e o combate a qualquer forma de discriminação. Percebeu-se que as escolas estavam ferindo estes direitos, tendo em vista os altos índices de exclusão escolar; populações mais pobres, pessoas com deficiência, dentre outros, estavam sendo, cada vez mais, marginalizadas do processo educacional. A Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), a Declaração de Salamanca (1994) e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência (1999) são alguns dos mais importantes documentos produzidos sobre esse assunto.

A educação é ato fundamental para o desenvolvimento e socialização do indivíduo, uma vez que, além de conteúdos formais, a escola promove a interação entre alunos, professores e demais profissionais do contexto escolar, o que é de fundamental importância para o crescimento e desenvolvimento cognitivo e social da criança. CARVALHO (2010) entende a educação como tarefa complexa, abrangente que se destaca devido a sua profundidade e influência na existência humana. Para a autora certamente não são poucas as resistências, sejam as dos familiares, dos professores da educação especial e dos próprios alunos (...) a resistência dos professores e de alguns pais é por eles explicada em razão da insegurança no trabalho educacional escolar a ser realizado nas classes regulares com alunos com deficiência (...) familiares referem-se ao temor que a inserção de seus filhos nessas classes não contribua, da maneira, na intensidade desejada, para sua aprendizagem (...) os professores alegam que em seus cursos de formação, não tiveram a oportunidade de estudar a respeito nem de estagiar com alunos de educação especial.

Para Carvalho (2004), inúmeros são os aspectos a serem considerados pelos profissionais da educação sobre inclusão a fim de remover os preconceitos e barreiras existentes em todo o seu contexto. Os aspectos denotativos e os conotativos de alguns termos frequentemente utilizados em nossas narrativas, muitas vezes podem impedir a socialização e inclusão das pessoas com deficiências. Refletir os fatores que contribuem para isso e projetar ações para sua remoção, é um dos compromissos de todo o profissional da educação, melhorando o ambiente escolar e conseqüentemente o processo de aprendizagem.

De acordo com Carvalho (2004) a educação inclusiva visa à universalização da educação de qualidade para todos, ou seja, pressupõem novas respostas educativas para a efetivação do trabalho na diversidade. Baseia-se na defesa dos direitos humanos de acesso, ingresso e permanência em escolas de qualidade, no direito de integração com colegas e professores, de apropriação e construção do conhecimento e na mudança de atitudes frente às diferenças individuais, desenvolvendo a consciência de que somos todos diferentes uns dos outros e de nós mesmos, porque evoluímos e nos modificamos. Em suma, no princípio da inclusão a ênfase está na transformação da educação comum, na ressignificação de concepções e de práticas curriculares para que se eliminem as barreiras que dificultam a aprendizagem e excluem desta forma, muitos alunos das escolas regulares. (CARVALHO, 2004).

O professor Lino de Macedo, aborda tanto os aspectos envolvidos na proposta de inclusão às escolas, quanto as suas consequências e os desafios dessa política no cotidiano de todos nós, educadores e alunos. Nesse sentido é que se propõe pensar qual é o significado da inclusão para a escola, bem como quais são suas bases, o que fundamenta essa idéia agora extremamente difundida e urgente para a educação.

Pensar em inclusão nos faz, obviamente, pensar nos alunos excluídos até agora do processo escolar. Segundo Lino, a escola estava pautada até então em um modelo classificatório de organização e funcionamento, que definia sua população a partir de critérios presentes ou não em seus alunos, que os possibilitava estar ou não na escola. Classificar é um modo de conhecimento que inclui determinada coisa, fato ou pessoa num grupo segundo critérios bem definidos, excluindo todas as outras coisas, fatos ou pessoas que não se encaixam ou não possuem esse critério. A lógica da exclusão apóia-se na lógica de classes, afirma Lino de Macedo. É também a lógica da separação: não é possível classificar sem separar, e é preciso que saibamos que esta forma de conhecer e organizar o mundo é não apenas muito usada, como necessária para todos nós.

Se a classificação, em sua lógica de exclusão, é muito potente do ponto de vista teórico, cognitivo e do conhecimento; do ponto de vista social, do ponto de vista político, do ponto de vista educacional, cria, na prática situações indesejáveis e muitas vezes insuportáveis, escreve Lino. Crianças deficientes e com necessidades especiais estavam fora da escola por não possuírem determinados critérios tidos como essenciais para a aprendizagem, ficando excluídas da "categoria privilegiada, formando uma outra classe de pessoas, uma outra classe de alunos", como foi o caso, por exemplo, das classes especiais.

Pensando nessa forma antiga de a escola se organizar, podemos concluir que um dos principais desafios que a inclusão nos coloca é que possamos dissipar o preconceito que está em todos nós (e está na base dessa organização escolar), que contribui e fornece elementos para nossas fantasias, medos e recusa ao diferente.

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A proposta da inclusão, apesar de todos os desafios que nos coloca, é considerar a relação entre pessoas de forma interdependente, ou seja, indissociável, irredutível e complementar. Como, de um ponto de vista relacional, nos comportarmos de modo indissociável com uma criança com deficiência, por exemplo? Como não reduzi-la aos nossos medos, dificuldades ou preconceitos? Como não reduzi-la ao que gostaríamos que fosse, aos nossos anseios ou expectativas? Como reconhecê-la por aquilo que é ou que pode ser, nos limites que a definem, como, aliás, definem qualquer um de nós? (Macedo. P. 25).

Se a exclusão pressupõe a lógica da classificação, a inclusão baseia-se numa lógica da relação, por intermédio da qual um termo é definido em função de outro. Segundo o que escreve Lino, a relação é uma forma de interagir, de organizar o conhecimento, de pensar o que quer que seja na perspectiva de outro. Do ponto de vista de um professor que trabalha de modo inclusivo, por exemplo, significa repensar todo o seu trabalho, seu planejamento, a organização do tempo ou do espaço de forma a abarcar em sua prática todos os seus alunos, com os seus limites, peculiaridades e possibilidades. Dentro da lógica da exclusão, a deficiência do aluno é problema dele; na lógica da inclusão, o problema é de todos nós, esclarece Lino de Macedo.

Incluir significa, tal como afirma Lino, incluir todos nós, uma vez que os incluídos não são apenas aqueles que possuem uma dificuldade. Pensar assim seria ainda pensar segundo os critérios da exclusão e da segregação. Propor uma escola inclusiva é propor que todos os membros dessa escola façam parte dessa inclusão, e que todos possam ser pensados como parte de nós, de nosso trabalho como educadores. A dificuldade e o desafio de uma educação inclusiva serão pensar nossa prática de modo indissociável a todos os alunos, considerando os seus limites, suas possibilidades, olhando-os para além das deficiências que possam ter, para que possamos trabalhar na escola de maneira distinta ao modo classificatório da exclusão.

Ao trabalhar de modo inclusivo, o professor precisará rever muitos aspectos de sua prática, seu planejamento, a organização do tempo e do espaço, seus estudos e sua formação. Convocar as famílias, os professores especializados e aprender com eles sobre crianças que tenham necessidades especiais poderá contribuir muito para o trabalho. E, como em qualquer em situação da prática educativa, a reflexão e o diálogo na escola se mostrarão essenciais.

Além da mudança dessa cultura classificatória a escola precisa se organizar principalmente estabelecendo parcerias com centros especializados nos diferentes tipos de necessidades especiais. O professor precisa ter informações detalhadas sobre as síndromes que acometem as crianças portadoras para ter mais segurança e apoio.

Documentos Internacionais – Trajetória Histórica 1948 - Declaração Universal de Direitos Humanos (ON U) estabelece que os direitos humanos são os direitos fundamentais de todos os individuos. Todas as pessoas devem ter respeitados os seus direitos humanos: direito à vida, à integridade física, à liberdade, à igualdade, à dignidade e à educação. 1971 - Declaração dos Direitos das Pessoas Mentalme nte Retartadas (ONU) proclama os direitos das pessoas com deficiência intelectual. 1975 - Declaração dos Direitos das Pessoas Deficien tes (ONU) estabelece os direitos de todas as pessoas com deficiência, sem qualquer discriminação. 1980 - Carta para a Década de 80 (ONU) estabelece metas dos países membros para garantir igualdade de direitos e oportunidades para as pessoas com deficiência. 1983-1992 — Década das Nações Unidas para as Pessoa s com Deficiência para que os países-membros adotassem medidas concretas para garantir direitos civis e humanos. 1990 – Conferência Mundial sobre Educação para Todo s (ONU) aprova a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos (Conferência de Jomtien, Tailândia) e o Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem; promove a universalização do acesso à educação. 1993 – Normas sobre Equiparação de Oportunidades pa ra Pessoas com Deficiência (ONU) estabelece padrões mínimos para promover igualdade de direitos (direito à educação em todos os níveis para crianças, jovens e adultos com deficiência, em ambientes inclusivos). 1994-Declaração de Salamanca -Princípios, Política e Prática em Educação Especial proclamada na Conferência Mundial de Educação Especial sobre Necessidades Educacionais Especiais reafirma o compromisso para com a Educação para Todos e reconhece a necessidade de providenciar educação para pessoas com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino. 1993 – Declaração de Manágua Delegados de 39 países das Américas exigem inclusão curricular da deficiência em todos os níveis da educação, formação dos profissionais e medidas que assegurem acesso a serviços públicos e privados, incluindo saúde, educação formal em todos os níveis e trabalho significativo para os jovens. 1999 – Convenção Interamericana para a Eliminação d e Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência – Guatemala - condena qualquer discriminação, exclusão ou restrição por causa da deficiência que impeça o exercício dos direitos das pessoas com deficiência, inclusive à educação.

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1999 -Declaração de Washington - Representantes dos 50 países participantes do encontro “Perspectivas Globais em Vida Independente para o Próximo Milênio”, Washington DC, Estados Unidos, reconhecem a responsabilidade da comunidade no fomento à educação inclusiva e igualitária. 2002 -Declaração de Caracas constitui a Rede Iberoamericana de Organizações Não-Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias como instância para promoção, organização e coordenação de ações para defesa dos direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência e suas famílias. 2002 - Declaração de Sapporo, Japão representando 109 países, 3 mil pessoas, em sua maioria com deficiência, na 6ª Assembléia Mundial da Disabled Peoples’ International - DPI, insta os governos em todo o mundo a erradicar a educação segregada e estabelecer política de educação inclusiva. 2002 – Congresso Europeu de Pessoas com Deficiência proclama 2003 o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência para conscientizar sobre os direitos de mais de 50 milhões de europeus com deficiência. 2003 - Ano Europeu das Pessoas com Deficiência oportunidades iguais e acesso aos recursos da sociedade (educação inclusiva, novas tecnologias, serviços sociais e de saúde, atividades esportivas e de lazer, bens e serviços ao consumidor). 2004 - Ano Iberoamericano da Pessoa com Deficiência proclamado na última reunião da Cúpula dos Chefes de Estados dos Países iberoamericanos, realizada na Bolívia, da qual o Brasil é membro, define a questão da deficiência como prioridade, fortalecendo as instituições e as políticas públicas direcionadas à inclusão das pessoas com deficiência.

A partir desses estudos e documentos, chegou-se à conclusão de que a melhor resposta para o aluno com deficiência e para todos os demais alunos é uma educação que respeite as características de cada estudante, que ofereça alternativas pedagógicas que atendam às necessidades educacionais de cada aluno: uma escola que ofereça tudo isso num ambiente inclusivo e acolhedor, onde todos possam conviver e aprender com as diferenças. A Educação Inclusiva e a legislação brasileira

A letra das leis, os textos teóricos e os discursos que proferimos asseguram os direitos, mas o quê os garante são as efetivas ações, na medida em que concretizam os dispositivos legais e todas as deliberações contidas nos textos de políticas públicas. Para tanto mais que prever há que prover recursos de toda a ordem, permitindo que os direitos humanos sejam respeitados, de fato (CARVALHO, 2005, p.77).

No Brasil, muitas leis municipais, estaduais e federais foram feitas para defender o direito das pessoas com

deficiência. Diversas Leis Orgânicas (uma espécie de constituição dos municípios) e Constituições Estaduais, inspiradas na Constituição Federal de 1988, determinam que o aluno com deficiência tem direito e deve receber, na classe comum da escola comum, todo o atendimento específico que necessitar. 1854 - Instituto Benjamin Constant (IBC) fundado no Rio de Janeiro, RJ, com o nome de Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Foi a primeira instituição de educação especial da América Latina; ainda em funcionamento. 1857 - Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) fundado no Rio de Janeiro, RJ, por D. Pedro II - ainda em funcionamento. 1988 - Constituição Federal (Art. 208, III) estabelece o direito das pessoas com necessidades especiais de receberem educação, preferencialmente na rede regular de ensino. 1989 - Lei N.º 7,853 cria a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) , dispõ;e sobre o apoio às pessoas com deficiência, sua integração social, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos das pessoas com deficiência, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes e dá outras providências. 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n.º 8.069). No Art. 53. assegura a todos o direito à igualdade de condiçõ;es para o acesso e permanência na escola e atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei N.º9.394/96) assegura aos alunos com necessidades especiais currículos, métodos, recursos educativos e organização específicos para atender às suas necessidades específicas. 1998 - Parâmetros Curriculares Nacionais (Adaptaçõ;es Curriculares) do MEC fornecem as estratégias para educação de alunos com necessidades educacionais especiais. 1999 - Decreto N.º 3.298 regulamenta a Lei n.º 7.853/89 que trata da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e estabelece a matricula compulsória em cursos regulares em escolas públicas e particulares de pessoas com deficiência. 2000 - Lei N.º 10.098 estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção de acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida mediante a eliminação de barreiras e de obstaculos nas

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vias e espaços públicos, no mobiliario urbano, na construção e reforma de edificios e nos meios de transporte e de comunicação. 2000 - Lei N.º 10.048 estabelece a prioridade de atendimento às pessoas com deficiência e determina que os veículos de transporte coletivo a serem produzidos deverão ser planejados de forma a facilitar o acesso a seu interior das pessoas com deficiência. 2001 - Plano Nacional de Educação explicita a responsabilidade da União, dos Estados e Distrito Federal e Municípios na implementação de sistemas educacionais que assegurem o acesso e a aprendizagem significativa a todos os alunos. 2001 - Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica endossa a necessidade de que todos os alunos possam aprender juntos em uma escola de qualidade. 2001 - Decreto n.º 3.956, da Presidência da República do Brasil, que reconhece o texto da Convenção Interamericana para a "Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência" (Convenção da Guatemala), reafirmando o direito de todas as pessoas com deficiência à educação inclusiva. 2001 - Parecer CNE (Conselho Nacional de Educação)/CEB (Câmara de Educação Básica) nº 17 aponta os caminhos da mudança para os sistemas de ensino nas creches e nas escolas de educação infantil, fundamental, médio e profissional. 2004 - Decreto nº 5296 de 02 de dezembro regulamenta as Leis n°s 10.048, de 8 de novembro de 2000 e, 10.098, de 19 de dezembro de 2000 que estabelecem normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade em vários âmbitos. Quem ganha com a inclusão de crianças com deficiênc ia?

Não há nenhuma estrada de realeza para a inclusão, porém há um compenso de que ela é um processo e uma jornada, e não um destino (p. 17). A inclusão beneficia a todos, uma vez que sadios sentimentos de respeito à diferença, de cooperação e de solidariedade podem se desenvolver” (CARVALHO, 1994, p. 38).

Estudos e experiências realizados no Brasil e no mundo demonstram que a Educação Inclusiva é benéfica

para todos os envolvidos. Os alunos com deficiência aprendem: • melhor e mais rapidamente, pois encontram modelos positivos nos colegas; • que podem contar com a ajuda e também podem ajudar os colegas; • a lidar com suas dificuldades e a conviver com as demais crianças.

Os alunos sem deficiência aprendem: • a lidar com as diferenças individuais; • a respeitar os limites do outro; • a partilhar processos de aprendizagem.

Todos os alunos, independentemente da presença ou não de deficiência, aprendem: • a compreender e aceitar os outros; • a reconhecer as necessidades e competências dos colegas; • a respeitar todas as pessoas; • a construir uma sociedade mais solidária; • a desenvolver atitudes de apoio mútuo; • a criar e desenvolver laços de amizade; • a preparar uma comunidade que apoia todos os seus membros; • a diminuir a ansiedade diante das dificuldades.

Quem são as pessoas com deficiência?

Carvalho indica caminhos para a compreensão em relação ao especial, ou seja, pensar no especial da educação é mais sensato do que atribuir esta característica de “especial” ao aluno. Portanto a escola deve trabalhar a desvantagem que o aluno tem e não simplesmente enfatizar sua deficiência.

A deficiência é tão antiga quanto a humanidade. Ao longo dos tempos, desde a préhistória até hoje, as pessoas sempre tiveram que decidir qual atitude adotar em relação aos membros mais vulneráveis da comunidade que precisavam de ajuda para obter alimento, abrigo e segurança, como as crianças, os velhos e as pessoas com deficiência. Quando pensamos em quem são as pessoas com deficiência, imediatamente pensamos naquilo que as torna diferentes das demais, isto é, obviamente, a própria deficiência. É, portanto, a partir do conceito que a deficiência tem para nós que vamos nos posicionar frente às pessoas com deficiência.

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Muitas vezes não sabemos bem o que fazer com um determinado aluno que, a nosso ver, tem características de aprendizagem específicas e, por isso, exige um atendimento diferenciado.

De acordo com Lino de Macedo: “Como vamos suportar, nós, professores, o fato de que a educação inclusiva veio tornar mais complexa a nossa vida, mais desafiadora a nossa tarefa

de professores. Vamos precisar estudar o que antes estávamos dispensados de estudar, vamos ter que aprender técnicas nas quais antes não precisávamos pensar, vamos ter que aprender a ver mais devagar quando estávamos acostumados a ver numa certa velocidade, vamos ter que aprender a ouvir sem audição, a acompanhar num ritmo mais rápido quando estávamos acostumados a um ritmo mais lento. Vamos ter que rever as nossas expectativas

de professores, rever as nossas formas de avaliar, de aprovar, de reprovar. Vamos ter que melhorar a nossa condição de trabalho .

No Brasil, há definições médicas sobre o que é a deficiência. É importante que você as conheça, para saber como lidar com estes alunos:

Deficiência física : Alteração completa ou parcial dos membros superiores (braços) e/ou inferiores (pernas), acarretando o comprometimento da função física.

Ter uma deficiência física não significa ter um rebaixamento intelectual. Muitas pessoas fazem esta confusão. É importante saber fazer esta diferença para não ignorar o potencial deste aluno. Geralmente, com algumas adaptações ele conseguirá acompanhar os colegas.

Deficiência auditiva : Perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando em graus e níveis, desde uma perda leve até a perda total da audição.

Pode-se trabalhar com os resíduos auditivos nas atividades educacionais, através do uso de aparelhos auditivos, que amplificam o som da sala de aula.

Deficiência visual : abrange desde a cegueira até a visão subnormal (ou baixa visão), que é uma diminuição significativa da capacidade de enxergar, com redução importante do campo visual e da sensibilidade aos contrastes e limitação de outras capacidades.

Logo que a deficiência é constatada, existem técnicas para trabalhar o resíduo visual nas atividades educacionais, na vida cotidiana e no lazer. Usando auxílios ópticos (como óculos, lupas etc) as pessoas com baixa visão distinguem vultos, a claridade, ou objetos a pouca distância. A visão se apresenta embaçada, diminuída, restrita em seu campo visual ou prejudicada de algum modo. [4]

Deficiência mental : Segundo a definição adotada pela AAMR (American Association of Mental Retardation - Associação Americana de Deficiência Mental), a deficiência mental é um “funcionamento intelectual significativamente abaixo da média, coexistindo com limitações relativas a duas ou mais das seguintes áreas de habilidades adaptativas: comunicação, auto-cuidado, habilidades sociais, participação familiar e comunitária, autonomia, saúde e segurança, funcionalidade acadêmica, de lazer e trabalho. Manifesta-se antes dos dezoito anos de idade.”

O aluno com deficiência mental tem um potencial, que pode ser estimulado na sala de aula e através do convívio com outros alunos. Muitas pessoas confundem a deficiência mental com a doença mental (esquizofrenia, paranóias e outras), o que não é correto. São fenômenos completamente diferentes.

Deficiência múltipla : É a associação, no mesmo indivíduo, de duas ou mais deficiências primárias (mental/visual/auditiva/física), com comprometimentos que acarretam conseqüências no seu desenvolvimento global e na sua capacidade adaptativa

Surdocegueira : É uma deficiência única que apresenta as deficiências auditiva e visual juntas em diferentes graus. A pessoa surdocega pode desenvolver diferentes formas de comunicação para entender e interagir com as pessoas, com o meio ambiente e ter acesso a informações e a uma vida social com qualidade. Para sua autonomia, a pessoa surdocega precisa de um guia-intérprete para sua orientação e mobilidade, educação e trabalho. [4]

A surdocegueira não significa, necessariameno entanto, os surdocegos se comunicam rapidamente e com muita eficiência usando esses sistemas.nte, que a pessoa seja totalmente cega ou surda. Podem existir resíduos visuais (baixa visão) e resíduos auditivos funcionais, suficientes para escutar uma conversação, especialmente quando é usado um aparelho auditivo.

Existem duas formas de classificar a surdocegueira: • Surdocego pré-lingüístico : crianças que nascem surdocegas ou adquirem a surdocegueira nos primeiros

anos de vida, antes da aquisição de uma língua; • Surdocego pós-lingüístico : crianças, jovens ou adultos que apresentam uma deficiência sensorial

primária (auditiva ou visual) e adquirem a outra após a aquisição de uma língua (Português ou Língua de sinais), ou quando ocorre a aquisição da surdocegueira sem outros precedentes.

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Integração versus Inclusão Até os anos setenta do século passado, a escola seguia o modelo da Integração, ou seja, aceitava

somente os alunos que tivessem condições de acompanhar os métodos de ensino e o ritmo de aprendizagem da maioria dos alunos.

Considerava-se que a deficiência era um problema que estava na pessoa e, portanto, era a pessoa que precisava ser modificada (habilitada, reabilitada, educada) para tornar-se apta a satisfazer os padrões aceitos no meio social (família, escola, emprego, ambiente). Quem não estivesse pronto para ingressar imediatamente na escola, precisava ser “preparado”, por uma classe especial ou Escola Especial, até ser considerado aceitável.

A partir dos anos oitenta, esse modelo começou a ser questionado. Já nos anos noventa, estava consolidado o novo conceito proposto: o da Inclusão. Por esse modelo, a deficiência não é um problema da pessoa mas, sim, o resultado da incapacidade da sociedade em atender às necessidades dessa mesma pessoa. Portanto, pelo modelo da inclusão, é a sociedade (escolas, empresas, programas, serviços, ambientes físicos etc.) que precisa se tornar capaz de acolher todas as pessoas.

A Sociedade para Todos está em processo de construção. Hoje, vivemos um momento de transição entre modelos e idéias, por isso ainda estamos convivendo com classes especiais e Escolas Especiais. Mas, a Escola Inclusiva e o modelo da Inclusão vieram para ficar porque se baseiam em conceitos teóricos e práticos desenvolvidos pelos melhores educadores em todo o mundo e refletem o nosso momento histórico.

Esse momento de transição é inevitável porque adotar um novo modelo nunca é fácil. Um modelo de pensamento é uma espécie de filtro através do qual o mundo pode ser interpretado. Isto significa que, ao analisarmos um modelo, não o fazemos apenas racionalmente mas, também, e sobretudo, o fazemos emocionalmente. O modelo da Inclusão exige que abandonemos preconceitos e estereótipos em relação à Educação e às pessoas com deficiência. Como a escola pode se preparar para receber um alun o com deficiência?

Independentemente do lócus das barreiras, elas devem ser identificadas para serem enfrentadas, não como obstáculos intransponíveis e sim como desafios aos quais nos lançamos com firmeza, com brandura e muita determinação" (EDLER CARVALHO, 2006, p. 128).

Adaptações arquitetônicas

Para que o ambiente da escola seja acessível, é preciso que as pessoas com deficiência, inclusive aquelas que usam cadeira de rodas, possam usar o mobiliário (cadeiras, mesas, balcões, bebedouros, quadros de avisos, equipamentos etc), se movimentar por todo o edifício (entrada principal, salas de aula, sanitários, pátios, quadras, parques, bibliotecas, laboratórios, lanchonetes, etc) e pela vizinhança.

Basicamente, o acesso pode ser facilitado com: • portas e corredores mais largos (de 80 cm); • construção de rampas com a inclinação adequada (segundo as Normas da ABNT), com corrimãos e

mureta para impedir que a cadeira caia; • elevadores, quando for possível; • sanitários que permitam entrar e fazer a volta com a cadeira de rodas; com vaso sanitário da altura da

cadeira de rodas; com pias que permitam o encaixe da cadeira de rodas e manuseio confortável da torneira; com a porta sem mola que abre para fora e com indicação de feminino e masculino de cor contrastante, de fácil reconhecimento e com tamanho bem visível;

• pisos antiderrapantes. Biblioteca escolar ou sala de leitura

As bibliotecas são verdadeiros portais para o conhecimento e para a aventura. Para que elas sejam também acessíveis às pessoas com deficiência, é preciso que tenham:

• acesso físico sem desnível ou catracas; • mesas onde se encaixam cadeiras de rodas; • acesso virtual (via computador e Internet); • acervo em braile, fitas cassete e CD-ROM; • serviço de orientação estimulante e adequado às necessidades dos diversos tipos de usuários; • prazo prolongado para devolução; • cartões de autorização para que terceiros retirem e devolvam livros; • assistentes para acesso ao acervo; • assistentes para leitura (ledores de livros para cegos); • lupas ou lentes de aumento; • intérprete de Língua Brasileira de Sinais;

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• salas de vídeo com televisores com sistema de legendas ocultas para seus usuários surdos. A maioria dos novos modelos de TV já sai de fábrica com esse dispositivo de acionamento opcional chamado “closed caption”, através do qual tudo o que é dito aparece legendado na tela. Porém, ainda não são todas as emissoras de TV que oferecem o serviço de legendagem em sua programação.

A comunicação visual existente nas escolas deve ser compreendida por pessoas com todos os tipos de

deficiência. Os quadros de avisos e placas de sinalização e orientação de usuários devem ter textos curtos, com letras grandes, acompanhados de símbolos e devem ser colocados no nível dos olhos de uma pessoa em cadeira de rodas. Devem ser instalados sinais de alerta com luz para avisar aos usuários surdos de eventuais emergências. Parques infantis acessíveis a todas as crianças

Não deve haver barreiras arquitetônicas que possam dificultar o acesso de alunos usuários de cadeiras de rodas ou com locomoção reduzida (degraus, areia fofa em todo o solo, desníveis de um brinquedo para outro, etc.). O ideal é que todos os brinquedos sejam acessíveis a todas as crianças; no entanto, existem poucos brinquedos desse tipo no mercado. Uma maneira de contornar esse problema é capacitar pessoas para ajudar crianças com deficiência a usarem com segurança os brinquedos existentes. Mobiliário escolar para todos

A fabricação de assentos e mesas escolares no Brasil segue a Norma Técnica NBR 14007(1997), da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). No entanto, essas mesas e cadeiras escolares não consideram a existência de estudantes com deficiência. Sendo assim, algumas adaptações são necessárias para facilitar o uso por alunos com deficiência:

Mesas para usuários de cadeira de rodas: devem ser mais altas para o encaixe da cadeira de rodas. Apoio para os pés: É importante o aluno ter apoio para os pés quando estiver sentado, para garantir um

bom posicionamento e não escorregar da cadeira. Um caixote que mantenha um ângulo de 90º de flexão no quadril e nos joelhos pode ser a solução.

Cadeiras: pode-se serrar ou aumentar a altura das pernas das cadeiras, para que fiquem de acordo com a altura da criança. Encostos e assentos adicionais, como almofadas, podem ser combinados, se necessário, com apoio de pés. Podem ser colocados cintos que facilitem a posição ereta ou evitem que o aluno escorregue ou caia para os lados. Estes cintos podem ser horizontais, em X e/ou que saiam dentre as pernas, para manter o quadril posicionado.

Armários : as prateleiras mais baixas devem ser reservadas para os alunos em cadeira de rodas. Pátios: devem estar livres de degraus e demais obstáculos à circulação de pessoas em cadeira de rodas.

O corredor de acesso, se houver, deve respeitar a largura de uma cadeira de rodas para facilitar a mobilidade e evitar acidentes.

Banheiros acessíveis: Não existem especificações para a construção e adaptação de banheiros infantis no Brasil. Mas alguns critérios da NBR 9050 podem ser adotados nos banheiros escolares infantis, tais como: largura de portas, tipos de maçanetas, puxadores e torneiras, tipos de espelhos, local e tipo de pia, tamanho do box acessível etc. Estratégias de sala de aula

De acordo com CARVALHO (2010), se faz necessária a compreensão das redes de habilidades e competências dos professores para que possam analisar as ações pedagógicas da escola num trabalho conjunto de interdiscidisciplinar.

A interdisciplinaridade está presente na maioria das propostas pedagógicas das escolas que passam a ter um papel diferenciado no contexto da inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais, pois se deparam com a necessidade da implantação de sistemas e propostas educacionais interdisciplinares que considerem as necessidades dos alunos, das famílias e apoiando o corpo docente para que o trabalho seja realizado da forma satisfatória a todos os envolvidos no contexto da educação especial, além de garantir a convivência e a interação entre todos os alunos tenham eles ou não necessidades educacionais espeiciais.

A cooperação em sala de aula pode ser um fator importante para a inclusão das pessoas com deficiência, pois permite interação e troca entre os alunos. O desenvolvimento de algumas estratégias pode ser decisivo para criar um ambiente de cooperação em que aqueles alunos que têm mais habilidades em alguma matéria possam ajudar aqueles com menos habilidades. Aprendizagem cooperativa

O professor coloca os alunos em grupos de trabalho, juntando alunos com dificuldades em determinada área com alunos mais habilidosos nesse assunto. Na aprendizagem cooperativa, os alunos trabalham juntos

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para atingir determinados objetivos. A descoberta de interesses mútuos permite a eles explorar assuntos junto com colegas que têm interesses comuns. As estratégias de aprendizagem cooperativa melhoram as atitudes diante das dificuldades de seus colegas com ou sem deficiência e, simultaneamente, eleva a auto-estima de todos.

Estratégias de aprendizagem criança a criança: oferecem a oportunidade de compreender melhor as pessoas que, por qualquer motivo, são diferentes (maneira de vestir, crenças, língua, deficiências, raça, capacidades). Quando as crianças compreendem que toda criança é diferente, deixam de fazer brincadeiras cruéis e podem se tornar amigos.

Ensino por colegas: método baseado na noção de que os alunos podem efetivamente ensinar os seus colegas. Neste método, o papel de aluno ou de professor pode ser atribuído a qualquer aluno, com deficiência ou não, e alternadamente, conforme as matérias em estudo ou as atividades a desenvolver. Diversos estudos demonstram que os alunos que fazem o papel de professor podem, às vezes, ser mais eficazes que os adultos para ajudar a desenvolver a leitura ou ensinar conceitos de matemática. Pode ser que isto aconteça porque eles têm mais familiaridade com a matéria que está sendo ensinada, por compreenderem melhor a frustração dos colegas ou por usarem vocabulário e exemplos mais adequados à sua idade. Além disso, a aprendizagem por intermédio dos colegas pode ser, também, positiva para as crianças que ensinam, melhorando seu desenvolvimento acadêmico e social.

Apoio entre amigos : é uma forma específica de aprendizagem através de colegas, na qual o envolvimento acontece principalmente com assuntos extra-escolares. Por exemplo, um amigo pode ajudar um aluno com deficiência física a se sentar na carteira ou pode acompanhá-lo antes e depois das aulas.

Círculo de amigos: é uma estratégia para que os alunos de uma turma recebam um novo colega com deficiência e aprendam a conhecê-lo e ajudá-lo a participar de atividades dentro e fora da escola. Inicialmente, organiza-se uma espécie de “comitê de boas-vindas”, formado por alunos que, diariamente, poderão fazer visitas ou manter conversas por telefone com o novo colega e saber das suas experiências no novo ambiente escolar. O professor funciona como facilitador para criar o círculo de amigos e pode dar apoio, orientação e conselhos, à medida que o resto da classe vai sendo agregado ao circulo inicial.

É importante deixar claro que esse grupo de amigos não é um “projeto para amigos especiais”, para alunos “coitadinhos”, nem tem a finalidade de “praticar boas ações”. Pretende, isto sim, criar verdadeiros laços de amizade que resultem num apoio real. É possível que a composição do grupo mude mas, geralmente, criam-se laços prolongados de amizade. As crianças com e sem deficiência têm a oportunidade de se beneficiar desta experiência.

O objetivo de uma rede de apoio entre colegas é enriquecer a vida escolar de todos os alunos. É sem dúvida enorme a capacidade dos alunos para se ajudarem uns aos outros na escola, mas para que esta capacidade se exerça é necessário que os professores liderem o processo, encorajando-os. Ensino Cooperativo

Trata-se de uma estratégia em que o professor da classe comum e o professor do ensino especial trabalham em conjunto, dentro da sala de aula comum, composta por alunos com e sem deficiência. Neste modelo existem, pelo menos, três formas diferentes de organização:

• Atividades complementares -enquanto o professor do ensino regular assume, por exemplo, as atividades e os conteúdos da área acadêmica, o professor do ensino especial ensina alguns alunos a identificar as idéias principais de um texto, a fazer resumos - enfim, a dominar técnicas de estudo;

• Atividades de apoio à aprendizagem - os dois professores ensinam os conteúdos acadêmicos mas, enquanto o professor do ensino regular é responsável pelo núcleo central do conteúdo, pela matéria essencial, o professor do ensino especial encarrega-se de dar apoio suplementar a qualquer aluno que dele necessite, individualmente ou em pequenos grupos;

• Ensino em equipe - o professor da classe regular e o professor do ensino especial planejam e ensinam em conjunto todos os conteúdos a todos os alunos, responsabilizando-se cada um deles por uma determinada parte do currículo ou por diferentes aspectos das matérias de ensino.

O sucesso do ensino cooperativo depende de dois fatores fundamentais: • Necessidade de tempo nos horários dos professores para fazerem o planejamento em conjunto; • Compatibilidade entre os estilos de trabalho e personalidades dos dois professores. Veja um exemplo de ensino cooperativo usado em sala de aula:

Tecnologias e recursos materiais que podem ser util izados

Quando falamos em tecnologias e recursos que auxiliam a criança ou adolescente com deficiência na sala de aula, devemos lembrar que eles não são recursos que magicamente farão o aluno superar suas dificuldades. Qualquer que seja o auxílio pensado, sempre passa pela percepção que o professor tem sobre

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as dificuldades e possibilidades de seu aluno. O auxílio só faz sentido a partir desta relação. Por isso, dizemos que não há regras, existem sugestões para ajudar o professor a pensar em possibilidades, mas isto sempre será posterior a este primeiro contato e conhecimento prévio do professor em relação a criança ou adolescente.

Os alunos com deficiências geralmente usam os mesmos recursos materiais que os demais alunos. Existem, no entanto, adaptações que podem ser necessárias para facilitar a realização de atividades para quem possui alguma limitação motora, sensorial ou cognitiva. Esses recursos são chamados de “ajudas técnicas” ou “tecnologias assistivas”.

Infelizmente, esses recursos são caros para a maioria das pessoas com deficiência. É aí que entra a criatividade da professora que engrossa o lápis com fita adesiva para que o aluno possa segurá-lo melhor e, sem saber, também está fazendo tecnologia assistiva, por exemplo.

A NECESSIDADE DA ADAPTAÇÃO CURRICULAR 30 Iniciando uma reflexão acerca do currículo, pensamos que este é posto em prática por meio de muitas

instâncias do trabalho docente, e não se resume a uma lista de conteúdos determinados para uma série. O currículo é traduzido na prática a partir dos materiais que escolhemos, da forma como organizamos o espaço de sala de aula, do mobiliário que temos disponível, da maneira como gerenciamos o tempo de atividade dos alunos, dos equipamentos (tecnologia) que podemos utilizar, das propostas que fazemos diariamente, da forma como as encaminhamos e dos conteúdos que se inserem em cada situação. Frente a isso, o currículo não pode ser casual ou fruto de um trabalho pouco reflexivo.

Cada proposta que fazemos promove determinadas aprendizagens e aquelas que optamos por não fazer indicam nossas concepções – por vezes bastante implícitas – de aluno, aprendizagem, ensino, escola e função da escola.

“Nenhum currículo [...] é neutro. A ausência de conteúdos valiosos é outro conteúdo, e as práticas para manter os alunos dentro de currículos insignificantes para eles são todo um currículo oculto.” (SACRISTAN, 2000)

Temos que ter consciência de que permitir que um aluno não participe de determinadas atividades

pensadas para o grupo ao qual ele faz parte ou que participe sem que a proposta lhe faça sentido nos parece um aspecto de nossa prática que deve ser cuidadosamente pensado. A opção que fazemos em sala de aula a cada momento frente às características de aprendizagem de cada um de nossos alunos deixará marcas importantes em seu processo de desenvolvimento de maneira geral. “A possibilidade de compartilhar com seus pares um mesmo Projeto Curricular permite que todos os alunos construam conhecimentos relacionados, tenham um repertório comum de informações sobre determinados assuntos, vivenciem as mesmas experiências e construam seus conhecimentos a partir delas. Este tipo de encaminhamento para a realização do currículo em sala de aula é bastante diferente da coexistência de currículos distintos, que impede e interação e a troca de informações entre as crianças. A concepção construtivista tem como um de seus princípios fundamentais a interação como promovedora de novas aprendizagens. Portanto, uma prática que impeça tal interação entre os alunos fere uma das formulações centrais da concepção que sustenta esta proposta.”

Para Torres González, “A resposta à diversidade concretiza-se em nosso sistema educacional por meio do conceito de adaptabilidade do currículo.” (p. 132). Para esse autor, “as adaptações curriculares relacionam-se com afirmações conceituais que fundamentam a necessidade de um currículo comum, geral, como resposta curricular à diversidade e respeito às diferenças. Essas adaptações podem ser consideradas como a resposta adequada ao conceito de necessidades educativas especiais [...] e ao reconhecimento, numa sociedade democrática, dos princípios de igualdade e diversidade. Seu ponto de partida [...] encontra-se num único âmbito curricular: o currículo comum a todos os alunos. Currículo no qual a intervenção educativa deixa de estar centrada nas diferenças para se radicar na capacidade de aprendizagem do aluno integrado a partir de suas características individuais: bem como, na capacidade das instituições educativas para responder às necessidades dos alunos.”

Podemos considerar, então, que tais adaptações sejam uma estratégia disponível aos professores por meio da qual possam planejar mais precisamente sua atuação em função da ajuda específica de que cada aluno necessita, partindo sempre do currículo geral. São ajustes da proposta educativa às necessidades e possibilidades dos alunos de uma sala e explicitam tomadas de decisões frente aos elementos constituintes do

30 Adaptação a partir de Adriana Reali e Helena Nóbrega, Adaptações Curriculares: Reflexões sobre a Prática que Vimos Construindo, em http://www.escoladavila.com.br

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currículo. Dessa forma, existem diferentes tipos de adaptação curricular que são propostas levando-se em conta diferentes critérios de modo que todos os alunos tenham igualdade na oportunidade de acesso ao conhecimento escolar. A adaptação feita deve permitir que todos os alunos possam aprender, considerando suas características, e usufruir da melhor forma do ensino e da interação com os pares de mesma idade.”

Frente a isso, pensar em adaptações curriculares nos parece pertinente à medida que consideramos que os alunos são absolutamente diferentes entre si e, portanto, demandam atendimentos diferenciados. É certo que devemos “diferenciar para compreender melhor”; no entanto, qual a medida para tal diferenciação? Como, em sala de aula, diferenciar sem construir atitudes e procedimentos discriminatórios? Como garantir a diferenciação necessária a cada um dos estudantes (e a seus processos de aprendizagem, sempre singulares) sem gerar, em classe, atitudes preconceituosas no sentido de impedirem que enxerguemos as possibilidades de todos a cada momento? As alternativas para esta questão não devem ser de negação (negar a existência da diferença e encarar todos da mesma forma, considerando que têm condições iguais) nem mesmo ter caráter assistencialista (compensação pelas ditas desvantagens). É preciso considerar a diferença, conhecê-la, encontrá-la para que se possa compreender qual o exato lugar que ela ocupa.

É por isso que, para evitar dificuldades de aprendizagem, o professor deve ser capaz de diversificar sua intervenção: preparar e incluir em seu programa diferentes formas que podem ajustar-se às diferentes formas de aprender dos alunos. Não se pode, inicialmente, baixar níveis de exigência, nem preparar programas diferentes para cada aluno. Em um primeiro momento, devemos preparar diferentes materiais; organizar a classe de forma que seja possível aprender com diferentes ritmos e de diferentes maneiras, predispor-nos a flexibilizar nosso tratamento com os alunos e a captar a melhor maneira de comunicar-nos com cada um deles, para ajustar e modificar nossa intervenção facilitadora da aprendizagem e do crescimento pessoal.

Sabe-se que a Constituição Federal aborda a questão do atendimento educacional de qualidade para todos. Este documento garante também o direito à igualdade e o direito de todos à educação. Além disso, elege como um dos princípios para o ensino, a ‘igualdade de condições de acesso e permanência na escola’ (art. 206, inc. I), acrescentando que ‘o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um Atualmente, os autores que tratam do tema indicam diferenciar as adaptações em dois tipos, a saber:

1. adaptações de acesso ao currículo (entendidas como modificações ou oferta de recursos especiais - materiais ou de comunicação - que possibilitarão que alunos com necessidades educacionais especiais desenvolvam o currículo comum ou, a depender do caso, o currículo adaptado);

2. adaptações curriculares (modificações propostas sobre os objetivos, conteúdos, metodologia, atividades, critérios e procedimentos de avaliação de modo que as diferenças individuais sejam de fato contempladas).

De acordo com os Parâmetros curriculares nacionais: adaptações curriculares, temos que: “As adaptações curriculares constituem, pois, possibilidades educacionais de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos. Pressupõem que se realize a adaptação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. Não um novo currículo, mas um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos os educandos. Nessas circunstâncias, as adaptações curriculares implicam a planificação pedagógica (...) As adaptações curriculares apóiam-se nesses pressupostos para atender às necessidades educacionais especiais dos alunos, objetivando estabelecer uma relação harmônica entre essas necessidades e a programação curricular. Estão focalizadas, portanto, na interação entre as necessidades do educando e as respostas educacionais a serem propiciadas.”

Hoje, encontramos determinações de organismos internacionais que fazem claras indicações nesse sentido. A Unesco, na Declaração de Salamanca (artigos 28 e 29), por exemplo, ao tratar sobre o currículo, coloca que esse “[...] deve ser adaptado às necessidades das crianças, e não o contrário. As escolas deverão, por conseguinte, oferecer opções curriculares que se adaptem às crianças com habilidades e interesses diferentes. [...] Crianças com necessidades educacionais especiais devem receber apoio instrucional adicional no programa regular de estudos, ao invés de seguir um programa de estudos diferente. O princípio norteador será o de providenciar, a todas as crianças, a mesma educação e também prover assistência adicional e apoio às crianças que assim o requeiram.”

ORGANIZAÇÃO DE TEMPOS E ESPAÇOS DA ESCOLA 31

Busca-se, particularmente, pôr em causa a mudança que vem se verificando na organização dos espaços e dos tempos da escola pública: a escola constituída sob o princípio do conhecimento estaria dando lugar a uma escola orientada pelo princípio da socialidade. O termo “socialidade” está sendo adotado aqui para ressaltar

31 Adaptado a partir de Marília Gouvea de Miranda, em Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 91, p. 639-651, Maio/Ago. 2005

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que a escola organizada em ciclos se situa como um tempo/espaço destinado à convivência dos alunos, à experiência de socialidade, distinguindo-se dos conceitos de socialização e de desenvolvimento da sociabilidade tratados pela sociologia e pela psicologia.

A sucessão de reformas efetivadas no século XX nada mais foi que uma seqüência de tentativas malogradas de explicar e solucionar os problemas da escola moderna, que passa a ser identificada por seus detratores como “tradicional”. Novos modelos, propostas, teorias, justificações apresentam-se e vão, pouco a pouco, consolidando uma mudança no modo de conceber a escola e fortalecendo o rechaço a tudo que se apresenta como “tradicional”, o que, afinal, não é uma peculiaridade da educação, mas uma característica da cultura do século XX: o repúdio à tradição (Arendt, 1979; Adorno, 1995). As respostas a estas questões variam muito de autor para autor.

Perrenoud (p. 35) propõe uma “definição mínima”: “Um ciclo de aprendizagem é um ciclo de estudos no qual não há mais reprovação”. Já Andréa Krug (2002, p. 17), referindo-se à reforma da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, lembra que os “ciclos de formação” são organizados segundo as “fases de formação: infância (6 a 8 anos); pré-adolescência (9 a 11 anos) e adolescência (12 a 14 anos)”. A respeito de um trecho da proposta em que se caracteriza o primeiro ciclo como uma transição do estágio pré-operacional para operatório concreto, numa concepção inspirada em Piaget, ela adverte que não se deve entender que essas caracterizações cognitivas se dêem naturalmente, pois são construídas a partir de atividades pedagógicas diferenciadas proporcionadas pela escola. Ressaltando o conceito de Vigotski (1996) relativo às “idades-crise” (pós-natal, 1 ano, 3 anos, 7 anos, 13 anos e 17 anos), ela considera que existe um “desenvolvimento possível a cada fase da formação” da criança e do adolescente.

Mais cauteloso, Luiz Carlos de Freitas (2003) afirma “não rejeitar” essa concepção de ciclo com base nas “fases de desenvolvimento das crianças” mas busca expandi-la, “adicionando um outro modo de conceber a dinâmica da formação do aluno e que contrarie tanto a lógica da exclusão como da submissão” (p. 55). Fundamentando-se no pedagogo russo Pistrak (autor também muito citado por Krug, 2002), Freitas lembra que, para além do lado psicológico do desenvolvimento, há também “o lado social da formação”. Seria engraçado negar, é claro, que nas diferentes idades a criança reage de formas diferentes aos fenômenos externos, compreende diferentemente.

Evidentemente, cada idade tem suas peculiaridades, devemos levá-las em conta, e muito seriamente, na escola. Mas da incontestabilidade dessas características gerais da criança à predefinição dos interesses da criança pela sua idade há uma grande distância. Essas características gerais do cérebro da criança são apenas a forma na qual se fundem os interesses da criança, preenchida pela vida externa, pela vida do ambiente social da criança, a

forma na qual entra um conteúdo determinado. Esse conteúdo, em nenhum grau, depende das características fisiológicas do cérebro em desenvolvimento: ele, por inteiro, é o reflexo de fenômenos externos da vida. (Pistrak, 1924, apud Freitas, 2003, p. 57-58). Os ciclos não devem ser, portanto, uma mera “solução pedagógica”, pois seriam compreendidos como instrumentos de desenvolvimento de novas relações sociais que viriam se contrapor às relações vigentes, como “instrumentos de resistência”: os tempos e espaços da escola são colocados a serviço de novas relações de poder entre o estudante e o professor, com a tarefa de formar para a vida, na atualidade, propiciando o desenvolvimento de novas relações entre as pessoas e entre as pessoas e as coisas. (Freitas, 2003, p. 67).

Freitas (2003, p. 73-76) apresenta um amplo quadro comparativo das propostas, identificando as de progressão continuada como um “projeto histórico conservador de otimização da escola atual, imediatista e que visa ao alinhamento da escola às necessidades da reestruturação produtiva”. Já a escola de ciclos é reconhecida como um “projeto histórico transformador das bases de organização da escola e da sociedade, de médio e longo prazo, que atua como resistência e fator de conscientização, articulado aos movimentos sociais” (p. 73).

É interessante observar que um autor como Philippe Perrenoud, cujas concepções têm referendado propostas reformistas em vários lugares do mundo, em um artigo publicado no Brasil em 1999, mostrou-se cauteloso com relação à adoção sistemática da escola de ciclos, ao afirmar que até então nenhum sistema educacional de língua francesa havia adotado a organização escolar “sem séries, que promova apenas ciclos de aprendizagem”, revelando seus grandes temores com relação à implantação de uma reforma com essas características: “Não somos capazes, ainda, de fazê-los funcionar promovendo uma ruptura clara e definitiva (...)” (Perrenoud, 1999, p. 8). Em obra mais recente sobre o assunto (2004, p. 26), esse autor lembra que, apesar de os ciclos terem sido introduzidos na França já em 1989, essa proposta não foi levada “até o fim”. Também na Bélgica, no Quebec e em vários cantões suíços foram introduzidos “ciclos de dois anos, às vezes de maneira precipitada, sem bases conceituais sólidas e sem um grande questionamento sobre o sentido dessa inovação, provavelmente porque a reforma do currículo os preocupava mais”. Para tratar das reformas orientadas para os ciclos de aprendizagem, ele distingue três tipos de reformas educacionais: as de primeiro tipo transformam as estruturas escolares; as de segundo tipo, os currículos; e as de terceiro tipo, as

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verdadeiramente importantes, são aquelas que se dirigem “aberta e institucionalmente para o cotidiano dos alunos e professores nas classes e nas escolas” (1999, p. 11).

Não nos enganemos, a introdução dos ciclos de aprendizagem é uma reforma de terceiro tipo, ainda que aparentemente ela se apresente como uma reforma de estrutura e de currículo. No final da contas, são as práticas profissionais que é preciso transformar. Os valores, as atitudes, as representações, os conteúdos, as competências, a identidade e os projetos de cada um são, portanto, decisivos. Trata-se daquilo que os tecnocratas chamam de “fator humano”, que passa pela formação (Perrenoud, p. 11).

Também Freitas (2003, p. 70) revela sua preocupação com a implantação sistemática de organização das escolas por intermédio dos ciclos: “Em nossa opinião, os ciclos não devem ser implantados como política pública que determine em massa sua adoção. (...) Não se deve fazer experimentos em redes inteiras”. Ante essa prudente advertência de Freitas e lembrando as imensas dificuldades de implantação da educação seriada na escola brasileira (e não na escola européia, lembrando os cuidados de Perrenoud), deve-se acrescentar o imenso risco de que, ao final de todo um processo, não se distingam as decorrências e implicações dos dois modelos de reforma contrapostos (progressão continuada e ciclos), em que pesem as intenções e os esforços de seus articuladores.

O que haveria de comum nos dois projetos? Provavelmente o caráter reformista da proposta, a despeito de todos os limites estruturais que tal perspectiva inexoravelmente contém, seja ela de caráter liberal ou socialdemocrata. Na maioria dos autores consultados verifica-se uma propensão a promover mudanças na organização e na cultura da escola, sem alterar seus condicionantes estruturais. Neste sentido é importante lembrar um ponto freqüentemente ignorado quando se trata de reformular a escola e propor uma redefinição dos tempos e espaços escolares, o que também é proposto por Freitas (2003): a escola de tempo integral. Ora, se a questão é prover o estudante de mais tempo – de tempo para a sua permanência na escola, de tempo assistido, de tempo de convivência, de tempo para sua aprendizagem –, uma medida necessária não seria aumentar o tempo dele na escola? Falar em mudar o tempo da escola no sentido de sua democratização sem ampliar esse tempo não seria um grande contra-senso? não se trata de concordar com o argumento de Perrenoud diz que “Uma vez que os ciclos já existem”. Seria, em contrapartida, próprio das inovações que elas se imponham para serem assimiladas e debatidas depois? Ou é a urgência da prática que subtrai a reflexão? A prudência sugere que bem melhor teria sido que o debate ocorresse antes da implantação das propostas de ciclos nas redes de ensino brasileiras. O debate poderia contribuir para pôr em causa princípios distintos que presidem a adoção de um modo ou outro de pensar a escola. Isso pode não mudar o rumo das coisas, mas pode – e o que mais nos resta? – ajudar a compreender o rumo das coisas.

INCLUSÃO SOCIAL E CULTURAL 32

“[...] o multiculturalismo desde sua origem aparece como princípio ético que tem orientado a ação de grupos culturalmente dominados, aos quais foi negado o direito de preservarem suas características culturais.” (GONÇALVES, p. 17). Além disso, o multiculturalismo recoloca “[...] o problema da diversidade cultural no centro dos debates políticos de sua época, produz hiatos e descontinuidades na forma como as Ciências Sociais apresentam a sociedade a qual estudam.” (GONÇALVES, p. 22).

As Leis 10.639/03 e 11.645/08 é simbolicamente uma correção do estado brasileiro pelo débito histórico em

políticas públicas em especiais para a população negra e indígena. Neste contexto, a publicação de livros didáticos pertinentes a História da África, Cultura Afrobrasileira e indígena, para o Ensino Fundamental I, torna-se uma alternativa eficaz para o ensino-aprendizagem nas escolas públicas e particulares sobre o ensino das relações étnicos e raciais.

Considerar a inclusão de todas as diversidades remete ao tema do multiculturalismo, que é uma forma de questionar a ideologia etnocêntrica ou o eurocentrismo, e os desdobramentos dessa política identitária no mundo contemporâneo. Inicialmente o multiculturalismo, tinha como centralidade a questão étnica e procurava dar visibilidade aos negros e indígenas, por exemplo. Posteriormente, o multiculturalismo passou a ser uma forma de defender também outras questões, tais como: gênero, preferência sexual, geração também pessoas que portam o que se chama de necessidades especiais.

É inegável que as transformações alavancadas pelo multiculturalismo na sociedade em geral e as contribuições dele (dos agentes que o integram) para determinadas parcelas da população, sobretudo as

32 Adaptação a partir de Nataniél Dal Moro, Revista Eletrônica História em Reflexão: Vol. 2, n. 3 – UFGD - Dourados Jan/Jun 2008.

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contribuições no campo dos direitos civis e na área educacional, tendo em vista que os primeiros estudos multiculturais datam do final do século XIX.

Entre outras o multiculturalismo explicitou significados de inúmeros temas-assuntos, por exemplo: Black Studies, Estudos Negros, Africologia e o nome do seu fundador, filosofia afrocêntrica, afrocentrismo, Estudos Afroamercianos, Estudos Índio-americanos, Estudos Asiático-americanos, educação multicultural, pedagogia da eqüidade, aprendizado da diversidade e foram externadas também algumas críticas feitas à educação multicutural.

Em particular o multiculturalismo afro-brasileiro, por sua vez, serve inegavelmente para denunciar e alterar a realidade de exploração na qual vivem milhões de agentes históricos. Essa denúncia foi e é feita por meio da poesia, da música, da literatura militante e da corrente culturalista, em síntese, a Teoria da Negritude e a Teoria do Sujeito. Contudo, Gonçalves alerta que esse trabalho não é nada fácil, ao contrário, é extremamente complexo. O Estado, que possui o monopólio da força legalizada, ao procurar construir uma suposta identidade nacional, acaba, por exemplo, por inibir/coibir a pluralidade cultural de inúmeros povos.

Nesse sentido, o Estado nacional constitui-se como um objeto que também precisa ser re-significado pelos agentes multiculturalistas, tal como ocorre com os currículos escolares das instituições ensino, que são, de uma forma ou outra, o principal campo de atuação dos multiculturalistas. Trata-se portanto, de externar as organizações afro-brasileiras existentes no Brasil e as políticas multiculturais por elas empreendidas para alterar os currículos escolares, para que os mesmos contemplem a diversidade cultural que compõe, efetivamente, a sociedade brasileira. Contudo, apenas uma pequena parte das dissertações de mestrado e das teses de doutorado abordou a questão multicultural.

Segundo Gonçalves, Na realidade, o que ocorre é que as políticas multiculturais ainda são pouco contempladas nos currículos escolares, tanto na Educação Básica como na Educação Superior, embora existam vários movimentos sociais lutando para ampliar o espaço de tais políticas. No dizer dos autores, “[...] não se têm claramente formulada uma proposta que garanta, em níveis acadêmicos, uma formação permanente de professores e uma política cultural de envergadura nacional.” (p. 96). Em suma, o grande alerta feito por Gonçalves é que o Brasil e também o mundo, são extremamente multiculturais. Portanto, quem nega a multiculturalidade acaba por negar também a sua própria história.

As questões da diversidade sociocultural e da inclusao na escola tem sido debatidas nas ultimas décadas como um elemento fundante para repensar os processos pedagógicos a Organização escolar e o reconhecimento dos sujeitos educandos, educadores, gestores e comunidades que lá se encontram33. Preocupadas com esta perspectiva, a Organização para a Educação e Cultura das Nações Unidas (UNESCO) e diversos outros organismos internacionais e nacionais, governamentais e não-governamentais, tem debatido os conceitos de educacao, cultura e diversidade no sentido de garantir a qualidade no processo educativo – para que seja mais humanizador, dialogico, intercultural e, sobretudo, potencializador das manifestacoes, autorias e expressoes dos diferentes sujeitos e para que todos tenham acesso a educacao, ao longo da vida.

O Governo Federal, por meio do Ministerio da Educacao, criou no ano de 2004, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) com a finalidade de compor uma agenda nacional voltada a reduzir as desigualdades sociais por meio da efetiva inclusão dos sujeitos na escola, voltada a construir uma politica publica que transforme a realidade, em sintonia com a principal diretriz da UNESCO que e a garantia do acesso, permanencia e sucesso dos alunos na escola – educação de qualidade para todos ao longo da vida. Segundo Vincent Defourny, representante da UNESCO no Brasil: Um dos pontos altos da politica educacional brasileira e a inclusão. Nesse sentido, a criação da SECAD configura-se como uma grande inovacao. Abrindo espaços para a diversidade criadora do pais, ela possibilita que segmentos historicamente excluídos tenham educação a oportunidade de conquistar uma vida digna. (BRASIL, 2007, p.5)

Os jovens, adultos e idosos não-alfabetizados, as populações indígenas, populações remanescentes de quilombos, agricultores familiares, acampados e assentados da reforma agraria, povos tradicionais (faxinalenses, pescadores artesanais, etc.), assalariados rurais temporários, dentre outros e diferentes sujeitos, passam a ser reconhecidos como opção preferencial das políticas públicas.

Desta forma, o conceito de diversidade defendido, argumentado e disseminado entende que ha uma indissociabilidade entre diferenças culturais e desigualdade social, como afirma a Profa Maria Regina Clivati Capelo1 (2008, p.1 e 5):

Considerando que as diferenças podem ser causa de desigualdade, entende-se que situação de classe e condições culturais são categorias que não se separam e não podem ser substituídas uma pela outra, pois devem ser analisadas relacional e situacionalmente. Diferenças e desigualdades fazem parte de uma equação que produz identidades. Nossas identidades sociais tem relações com as imagens e representações que

33 A partir de http://www.pedagogia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/semanas_pedagogicas/2009/diretrizes_pol_ed_diversidade.pdf

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configuram o imaginário social (repositório de nossas concepções e ideias); tem relações com os adultos que nos educam, com o lugar social em que nascemos e vivemos, com o chão em que pisamos, com os recursos que dispomos para viver. Enfim, somos produtos das relações sociais que edificamos ao longo de nossas trajetórias de vida. Ao longo de nossas histórias, tecidas relacionalmente, defrontamo-nos com “outros”, com desiguais, com diferentes diferenças. [...]

As desigualdades sociais também estão vinculadas as diversidades que tem a ver com as diferenças entre os grupos sociais: diferença de Gênero, étnicas, culturais, religiosas, etárias, temporais, espaciais, sexuais, etc... [...].

Diferenças culturais e condição de classe social são categorias que não se excluem e devem ser focalizadas de modo inseparável, pois existem situações entendidas como culturais que tem servido ao proposito da exclusão. Nesse sentido ser negra, mulher, solteirona ou cinquentona, pobre e homossexual faz uma diferença muito grande quando se vive numa sociedade hegemonicamente branca, onde a maioria da população vive em situação de pobreza. As Questões de Gênero 34

Talvez não seja mais necessário enfatizar a importância que as dimensões de gênero e sexualidade adquiriram na teorização social, cultural e política contemporânea. De fato, desde o final dos anos 70 do séc. XX, uma ampla, complexa e profícua produção acadêmica vem ressaltando a impossibilidade de se ignorarem relações de gênero e sexualidade quando se busca analisar e compreender questões sociais e educacionais. Estudiosas/os e pesquisadoras/es de várias nacionalidades e filiações teóricas e disciplinares participaram e continuam participando da construção desses campos, numa perspectiva que focaliza tanto relações de gênero e sexualidade quanto suas importantes articulações com dimensões como raça/etnia, classe, geração, nacionalidade, religião, dentre outras.

Inegável que o conteúdo inerente aos discursos da sexualidade contém, considerando que toda relação é uma relação de força e, portanto, uma relação de poder, afinal em relkaçção a sexualidade humana, quando induzimos, incitamos e desviamos, tornamos mais fáceis ou mais difíceis, produzimos, ampliamos ou limitamos o tema da sexualidade, uma vez que em nossas práticas exercitamos o poder, modelando/disciplinando corpos e mentes. Assim, ficando mais evidente que, dentro da pluralidade e da conflitualidade teórica e política que caracterizam os estudos feministas desde sua emergência, também o termo gênero seria incorporado e (continua sendo) utilizado de maneiras bastante diferentes e conflitantes.

Por um lado, gênero foi e continua sendo usado como um conceito que se opõe, ou complementa, a noção de sexo biológico e se refere aos comportamentos, atitudes ou traços de personalidade que a(s) cultura(s) inscreve(m) sobre corpos sexuados. Nas perspectivas derivadas dessa abordagem (largamente assumida em estudos, políticas e ações programáticas contemporâneas), a ênfase na construção sócio-cultural do masculino e do feminino não tensionou, de forma substantiva, o pressuposto da existência de uma “natureza” biológica universalizável do corpo e do sexo. Ou seja, essas vertentes operam com o pressuposto de que o social e a cultura agem sobre uma biologia humana universal que os antecede.

Em outra vertente, o conceito de gênero tem sido usado, sobretudo pelas feministas pós-estruturalistas, para enfatizar que “a sociedade forma não só a personalidade e o comportamento, mas também as maneiras como o corpo [e, portanto, também o sexo] aparece” (Nicholson, 2000, p. 9).

O eixo temático gênero, sexualidade e educação, sob a responsabilidade de Guacira Louro, busca estabelecer articulações entre a recente produção dos estudos feministas, dos estudos gays e lésbicos e da teoria queer com a educação. No enfoque pós-estruturalista que o grupo privilegia, não há pretensão de responder questões “fundamentais”, do tipo “quais as origens da opressão feminina” ou “quais as causas da homossexualidade”; mas sim, conhecer e questionar as formas como a(s) sociedade(s) trata(m) as mulheres e os grupos homossexuais (com especial atenção para as relações de poder que ali circulam, as formas que assumem tais relações e as resistências que são exercidas).

O movimento analítico que se propõe vai na direção de desmanchar dicotomias e desconstruir binarismos, incluindo as oposições, supostamente sólidas, entre masculino/feminino, heterossexual/homossexual (cf. Louro, 2004).

Apoiando-se no pressuposto de que o corpo é um construto sócio-cultural e lingüístico, produto e efeito de relações de poder, o eixo temático políticas de corpo e saúde: gênero, raça/etnia e nacionalidade, sob responsabilidade de Dagmar E. Meyer, procura deslocar o foco de suas análises: do “corpo em si” para os discursos, processos e relações que possibilitam que sua biologia passe a funcionar como causa e explicação de diferenciações e posicionamentos sociais. Nessa perspectiva, recorrendo também à teorizações da

34 Adaptação a partir de Dagmar E. Estermann Meyer, Cláudia Ribeiro e Paulo Rennes Marçal Ribeiro, em http://www.ded.ufla.br/gt23/trabalhos_27.pdf

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sociologia da saúde e aos estudos sobre risco e vulnerabilidade social, busca compreender e problematizar processos de produção de diferenças e desigualdades sociais que são colocados em ação nas áreas da educação e da saúde para discutir como (e com que efeitos) esses processos atuam quando posicionam mulheres, mães, homens, pais e crianças em torno de eixos como, por exemplo, os de saudável e doente ou normal e patológico ou, ainda, norma e risco (cf. Meyer, 2004).

A Questão Étnica 35

Para entender a história da educação brasileira, o ponto de partida foi à chegada dos portugueses ao Brasil, onde se evidenciou a imposição da educação européia em nosso país. Sendo as práticas educacionais das populações indígenas ignoradas e posteriormente dos africanos que foram trazidos para o Brasil. Mas com o passar dos tempos, inúmeras mobilizações por parte de representações dos movimentos negros e demais seguimentos da sociedade empenhada em ações afirmativas para atingir de fato a igualdade de direitos para todos no Brasil, Figueiredo (2007, p.117) lembra que:

Durante o século XX intensificam-se as reivindicações e as demandas por educação pelos afro-brasileiros, através de suas organizações e representações políticas, intelectuais e culturais. Um dos grandes apelos à educação dos negros no Brasil veio a Frente Brasileira, a mais importante entidade negra da época, por sua duração, ações concretas realizadas e pela presença em diferentes estados brasileiros. [...].

Diante do exposto, o marco do século XXI sobre o avanço da política educacional brasileira, foi à realização

do ato público do presidente da Republica Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva em sancionar a lei 10.639/03 e depois a lei complementar, 11.645/08, ambas tratam da inserção na educação brasileira da história dos verdadeiros protagonistas dela. Mas não devemos esquecer de que:

[...] a promulgação da lei 10.639/03 altera a LDB, incluindo o artigo 26-A, o qual torna obrigatória a temática história e cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino, e, ainda, o artigo 79-B, que estabelece para o calendário escolar o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. (SOUZA e CROSO, 2007, p.20)

De acordo com Kabengele Munanga, no caso da diferença étnico-racial, o resgate da memória coletiva e

da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa, também, aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação eivada de preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. Ela nos pertence a todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos cotidianamente é fruto de todos os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais se desenvolvem, têm contribuído, cada qual a seu modo, para a riqueza e a identidade nacional.

Segundo Munanga e Gomes (2004) durante muito tempo, a data 13 de Maio era lembrada quando se realizava alguma comemoração sobre o negro no Brasil, “nas escolas era comum que as crianças se fantasiassem de escravos e uma menina branca, e, de preferência loura, era escolhida para representar a princesa Isabel” (Munanga, Gomes, 2004, p. 129), nada se estudava sobre a resistência e luta por parte dos africanos escravizados e seus descendentes nascidos no Brasil. Entretanto, esse panorama tende a mudar, quando entidades do movimento negro, surgidas a partir dos anos 70 do século XX passam a atribuir outro significado ao Treze de Maio “(...) vendo-o como um dia nacional de luta contra o racismo” (Munanga, Gomes, 2004, p. 130), e propugnando que a data não deveria ser lembrada, uma vez que enfatizava a suposta passividade do negro diante da ação do branco. Além disso, o movimento negro trouxe para a sociedade brasileira uma data mais importante a ser lembrada e comemorada, o dia 20 de novembro, dedicado a Zumbi dos Palmares.

Quando a escola e os/as educadores/as conseguirem superar essa visão, ambos compreenderão que a racionalidade científica é importante para os processos formativos e informativos, porém, ela não modifica por si só o imaginário e as representações coletivas negativas que se construíram sobre os ditos “diferentes” em nossa sociedade. Nesse sentido, a educação escolar, embora não possa resolver sozinha todas essas questões, ocupa um lugar de destaque em nossa sociedade e na discussão sobre a diversidade cultural (Munanga, 1999).

35 Adaptado a partir de Maria Cristina da Rosa http://www.ceart.udesc.br/pesquisa/Humanas/Maria%20C.%20Rosa%20-%20CH.pdf e MUNANGA, Kabengele, em http://terreirodejaua.files.wordpress.com/2009/07/kabengele1.pdf

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Azevedo (2004) situa que no ano de 1870 inicia a busca por imigrantes brancos para formar a futura nação brasileira, uma idéia de purificação da raça brasileira. Ressalta que, a política de importação de imigrantes para o Brasil colocou os afro-descendentes e os africanos libertos numa condição de extrema miséria. Não havia condição de competição entre africanos e afro-descendentes que viveram como escravos, com os imigrantes que vinham de outras realidades com condições de negociar a sua força de trabalho e com experiência de organização social. A imagem deste cenário deve permanecer como contexto da história dos africanos no Brasil, no entanto é necessário construir outros elementos de representação dos afro-descendentes na história recente do Brasil.

É importante salientar que para que exista a possibilidade de ampliar o acesso e a formação de professores numa visão multicultural-crítica é necessário que como pano de fundo o professor reconheça minimamente a existência de uma diversidade de práticas culturais na realidade africana e possa estar informado sobre os aspectos políticos, sociais, históricos e culturais desta realidade.

O professor de arte na sua trajetória de estudante tanto na escola fundamental como nos cursos de licenciatura teve pouco acesso a diversidade de práticas culturais africanas. Mesmo no que diz respeito a arte afro-brasileira os estudos são poucos se comparados a produção artística dos negros no Brasil. Destaca-se ainda que muitas vezes o preconceito dos círculos de produção e veiculação institucionalizada dos objetos artístico classifica a produção dos afro-descendentes como “arte popular” ou ainda “arte ingênua”. Na atualidade crescem estudos preocupados em conhecer e reconhecer a produção artística afro-descendente. Entre estes estudos podemos apontar Gordilho (2004).

Na escola o professor precisa estar situado na concepção de educação que percebe a diferença como algo a ser considerado no contexto da escola como elemento de ampliação da aprendizagem. Neste cenário o currículo é o fio condutor e ao mesmo tempo a malha que tece a pluralidade no contexto da escola. Analisando alguns textos que se reportam aos aspectos específicos da arte africana e afro-descendente, cabe destacar as contribuições de Munanga (2000), Aguilar (2000), Junge (2004), Neyt e Vandrehaeque (2000). Estes autores apontam as especificidades do campo estético, bem como, os desafios de olhar a arte africana em suas múltiplas possibilidades, diferentemente da arte européia, branca e masculina.

A Construção das políticas sobre diversidade cultural e ou étnico-raciais é uma realidade que está na agenda de todos os países do mundo. A imagem de um Estado-Nação construído com base numa única cultura, isto é, numa única língua, numa única religião, numa única visão do mundo está se tornando cada vez mais uma raridade, se não um mito.

Mas a questão fundamental que se coloca hoje é o reconhecimento oficial e público dessas diversidades que até hoje estão sendo tratadas desigualmente no sistema educacional brasileiro, além dos portadores dessas identidades de resistência serem ainda vítimas dos preconceitos e da discriminação racial, até da segregação racial de fato. Todos devem se lembrar das recentes campanhas de difamação e demonização das religiões brasileiras de matrizes africanas em algumas Emissoras de T.V. O que pode engendrar barricadas culturais e gerar conflitos capazes de prejudicar justamente a construção da democracia e do pleno exercício da cidadania dos descendentes de escravizados de ontem que, apesar de serem juridicamente cidadãos livres, ainda não exercem igualmente sua cidadania e não têm a garantia de seus direitos sociais entre os quais a educação é uma peça central.

Finalmente, penso que construir políticas sobre a diversidade cultural e implanta-las no nosso sistema educacional, não significa destruir a unidade nacional como pensam alguns defensores das teses de Gilberto Freyre. Seria simplesmente equacionar a unidade com a diversidade, ou seja, construir a unidade respeitando a diversidade que constitui sua matéria prima e fonte da riqueza coletiva e do enriquecimento individual. Diversidade na unidade não deve sugerir uma diversidade hierarquizada em culturas superiores e inferiores. Daí a minha insatisfação com os conceitos de intolerância e de tolerância cultural ou religiosa. Sem dúvida devemos condenar todas as formas de intolerância, mas o que devemos buscar, afinal, não é a tolerância, mas sim a convivência igualitária das culturas, identidades, dos grupos e sociedades humanas, dos homens e mulheres. Visto deste ponto de vista, a melhor educação não é somente aquela que nós permite a dominação da razão instrumental que auxiliará nossa sobrevivência material numa sociedade baseada na lei do darwinismo social, mas também e sobretudo, uma educação cidadão baseada nos valores da solidariedade e do respeito das diversidades que garantem nossa sobrevivência, enquanto espécie humana.

Sem dúvida, o tráfico negreiro é hoje considerado como uma das maiores tragédias da história da humanidade, por sua amplitude, sua duração e os estragos provocados entre os povos africanos. Mas apesar da tragédia, foi graças aos sacrifícios desses africanos e seus descendentes que foram construídas as bases econômicas do Brasil colonial. Mais do que isso, a resistência cultural desses africanos foi tão forte a ponto de criar uma cultura de resistência que por sua vez contribuiu para modelar a chamada cultura nacional e a identidade nacional. Como somos vistos ai fora, no mundo ocidental? País do Samba, do futebol, do carnaval, da feijoada, da mulata, etc! Isto significa que os símbolos da resistência cultural dos negros, brancos e índios,

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mesmos aqueles que foram reprimidos durante a colonização, passaram a integrar o processo de construção da cultura e da identidade plural brasileira.

Processo esse enriquecido também a partir do início do século XX, pelas contribuições culturais orientais, principalmente japonesas. Esta herança cultural africana constitui uma das matrizes fundamentais da chamada cultura nacional e deveria por este motivo ocupar uma posição igual às outras, isto é, as heranças européias, indígenas, árabes, judia, orientais, etc. Juntas, essas heranças constituem a memória coletiva do Brasil, uma memória plural e não mestiça ou unitária. Uma memória a ser cultivada e conservada através das memórias familiais e do sistema educacional, pois um povo sem memória é como um povo sem história. É justamente aqui que se coloca o problema, pois a herança cultural africana no Brasil nunca ocupou uma posição de igualdade com as outras no sistema de ensino nacional. Se fosse não teria nenhum sentido a lei de 10.639 promulgada pelo atual Presidente da República, 115 anos depois da abolição.

No plano da prática, isto é, na implementação de políticas públicas capazes de incluir a plenitude do negro no sistema educativo, uma das questões fundamentais que se coloca é como fazer sem segmentar a sociedade, ou seja, sem prejudicar a unidade nacional - e inversamente – como formar a unidade nacional sem sacrificar as identidades particulares e as diversidades que a alimentam e constituem sua matéria prima. É neste contexto complexo que se coloca o debate sobre o multiculturalismo na educação.

Observar-se-á que o encontro das identidades contrastadas engendra tensões, contradições e conflitos que, geralmente, prejudicam o processo de construção de ima verdadeira cidadania, da qual depende também a construção de um Estado Democrático, no sentido de um Estado de direito no qual os sujeitos têm a garantia de seus direitos.

Qualquer que seja sua forma o multiculturalismo está relacionado com a política das diferenças e com o surgimento das lutas sociais contra as sociedades racistas, sexistas e classistas. Por isso, a discussão sobre o multiculturalismo deve levar em conta os temas da identidade racial e da diversidade cultural para a formação da cidadania como pedagogia anti-racista (Ver a respeito Torres, Carlos Alberto: 2001). A questão da identidade é de extreme importância para compreender os problemas da educação. Num país como o Brasil, ou melhor, em todos os países do mundo hoje pluralistas, as relações entre democracia, cidadania e educação não podem ser tratadas sem considerar o multiculturalismo. No entanto, cada país deve formular os conteúdos do seu multiculturalismo de acordo com as peculiaridades de seus problemas sociais, étnicos, de gêneros, de raça, etc.

A Educação Indígena 36

As investigações teóricas revelaram o longo contato dos povos indígenas com a educação escolar e o quanto esta instituição reproduziu, de forma explicita, até a década de 70, uma proposta educativa civilizatória e dominadora que só começou a ser questionada a partir da década de 80, através do fortalecimento dos movimentos indígenas organizados que garantiram seus direitos na Constituição de 1988. A partir de então, tornou-se obrigatório o reconhecimento, pelo Estado, de suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como as características específicas de seus processos de ensino-aprendizagem. No entanto, a mudança da postura do Estado diante dos direitos indígenas não se refletiu imediatamente nas práticas educacionais.

Existem ainda inúmeras dificuldades e ambigüidades nas formas de traçar e implementar a política de Educação Indígena no Brasil (Kahn & Franchetto, 1994). Tendo em vista o direito à especificidade e à diferença garantidos em lei, torna-se um enorme desafio superar a contradição instaurada pelo caráter homogeneizador das ações do Estado, e mais ainda, garantir a qualidade desse ensino específico e diferenciado, no desenvolvimento da sensibilidade para com a diversidade e alteridade sociocultural (Lopes da Silva e Ferreira, 2001).

Segundo Tassinari (2001), mesmo diante da consolidação das políticas educacionais destinadas à população indígena, um número significativo de trabalhos antropológicos sobre esses povos não atenta para a questão da educação escolar, devido à idéia de que essa instituição é completamente estranha à vida da aldeia e à respectiva cultura indígena.

Nesse sentido a noção de espaço de fronteira tem se mostrado uma importante ferramenta de análise da complexa realidade das escolas indígenas, pois ao mesmo tempo em que chama a atenção para o imenso leque de possibilidades de diálogo entre culturas, reconhece as rupturas e conflitos entre realidades culturais, na maioria das vezes, imensamente distintas.

Dentre os inúmeros fatores que fazem parte desse espaço de intercâmbio entre culturas estão os modos de apropriação da linguagem escrita em contextos onde predomina a

36 Adaptação a partir de Gerken, Carlos Henrique de Souza, http://www.anped.org.br

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cultura oral de referência, daí a importância de examinarmos o campo de estudos que aborda a relação entre a linguagem oral e escrita para o entendimento dos problemas concretos da educação escolar indígena no Brasil. O que passaremos a fazer no próximo segmento do texto tomando como referência as contribuições da psicologia e da antropologia.

Oralidade e letramento: ultrapassando dicotomias - No campo da psicologia, um dos primeiros teóricos a abordar a relação entre a oralidade e a escrita em termos de verificação empírica foram os psicólogos soviéticos Lev. S. Vygotsky e Alexander Luria. Segundo os camponeses analfabetos que mantinham um modo de vida tradicional tendiam a resolver as tarefas empregando procedimentos práticos, ligados à realidade situacional. Por outro lado, os camponeses alfabetizados e engajados em modos coletivos e racionais de organização da produção tendiam a resolver as tarefas propostas utilizando categorias teóricas e conceitos mais abrangentes. Luria conclui afirmando a influência positiva da aquisição da escrita e dos modernos modos de produção sobre as capacidades cognitivas de classificação, generalização e formulação de conceitos abstratos na resolução de tarefas.

Os pesquisadores concluíram, portanto, que as conseqüências psicológicas, normalmente atribuídas à alfabetização, na verdade estavam associadas a habilidades adquiridas no processo de escolarização. Nesse estudo, os autores não negaram as conseqüências cognitivas do alfabetismo e da escolarização, porém ressaltaram que estas conseqüências só poderiam ser abordadas a partir do tipo de atividade em que a leitura e a escrita são demandadas concretamente.

A partir desta perspectiva teórica, passou-se a utilizar o termo “letramento”, no sentido de separar os estudos sobre o “impacto social da escrita” dos estudos sobre a alfabetização, cujas conotações escolares destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita.

Um argumento importante que justifica o uso do termo letramento no lugar de alfabetização está no fato de que em certos contextos culturais, ou mesmo classes sociais, as crianças já estão expostas a um ambiente letrado muito antes de se alfabetizarem. Por exemplo, quando um adulto faz menção a um personagem literário, durante a narração de histórias infantis para uma criança ainda não alfabetizada, estamos diante de um evento de letramento, pois a criança, mesmo sem dominar as habilidades básicas de leitura e escrita, já está participando de uma “prática discursiva letrada” (Kleiman, 1995). Este argumento nos permite relativizar a dicotomia existente entre os conceitos “alfabetismo” e “analfabetismo”, na medida que o foco da atenção não estaria mais direcionado para condição individual de domínio ou desconhecimento das técnicas envolvidas no ato de ler e escrever, mas sim para as práticas e contextos sociais nos quais a leitura e a escrita estão, direta ou indiretamente, envolvidas.

Esta interlocução pode adquirir contornos marcadamente conflituosos, ainda em sua base, se concebermos a escola ou a linguagem escrita, exclusivamente como instituições estrangeiras, disseminadoras de uma ordem cultural e ideológica dominante, completamente alheia aos interesses e ao universo de significados compartilhados pelos povos indígenas. Como já foi mencionado, essa concepção, culmina numa “impressão geral e difusa” de que a escola e as práticas de escrita e leitura, ligadas ou não a ela, são incompatíveis com a cultura indígena (Tassinari, 2001: 52).

Nesse sentido, o currículo voltado para educação indígena deve levar em conta o que diz Sacristán (1998) quando aponta a existência de um currículo comum ou nacional que rege conhecimentos homogêneos servindo de base para organização do sistema educacional, ordenando-se seqüencialmente por nível de aprendizagem, este precisa ser contextualizado de acordo com a realidade vivenciada por cada instituição de ensino. Portanto, deve-se levar em consideração os fatores sociais e históricos, pois parte de uma concepção de sistema muito abrangente envolvendo pressupostos econômicos, políticos e administrativos, que podem variar de acordo modelo estatal vigente, ou seja, existe uma política curricular que determina e seleciona o que deve ser ensinado nas escolas e ao mesmo tempo permite que estas adaptem o currículo diante de seu contexto.

Cabe ressaltar que o currículo é uma cultura selecionada e organizada de acordo com o contexto político, social e cultural de uma determinada escola. Deste modo é necessária a introdução de um currículo que tenha elementos que compreendam a cultura escolar. E a maneira que o formula tem que está diretamente condicionado a um processo que atrela a relação entre “cultura-conteúdos curriculares (p. 128).

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica a escola desta modalidade tem uma realidade singular, inscrita em terras e cultura indígenas. Requer, portanto, pedagogia própria em respeito a especificidade étnico-cultural de cada povo ou comunidade e formação especifica de seu quadro docente, observados os princípios constitucionais, a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira (artigos 5o, 9o, 10, 11 e inciso VIII do artigo 4o da LDB).

Na estruturação e no funcionamento das escolas indígenas e reconhecida sua condição de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios, com ensino intercultural e bilingue, visando a valorização plena das culturas dos povos indígenas e a afirmaçaão e manutenção de

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sua diversidade étnica. São elementos básicos para a organização, a estrutura e o funcionamento da escola indígena:

I – localização em terras habitadas por comunidades indígenas, ainda que se estendam por territórios de diversos Estados ou Municípios contiguos;

II – exclusividade de atendimento a comunidades indígenas; III – ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades atendidas, como uma das formas de

preservação da realidade sociolinguística de cada povo; IV – organização escolar própria. Na organização de escola indígena deve ser considerada a participação da comunidade, na definição do

modelo de organização e gestão, bem como: I – suas estruturas sociais; II – suas praticas socioculturais e religiosas; III – suas formas de produção de conhecimento, processos próprios e métodos de ensino-aprendizagem; IV – suas atividades econômicas; V – a necessidade de edificação de escolas que atendam aos interesses das comunidades indígenas; VI – o uso de materiais didático-pedagógicos produzidos de acordo com o contexto sociocultural de cada

povo indígena.

As escolas indígenas desenvolvem suas atividades de acordo com o proposto nos respectivos projetos pedagógicos e regimentos escolares com as prerrogativas de: organização

das atividades escolares, independentes do ano civil, respeitado o fluxo das atividades econômicas, sociais, culturais e religiosas; e duração diversificada dos períodos escolares, ajustando-a as condições e especificidades próprias de cada comunidade.

Por sua vez, tem projeto pedagógico próprio, por escola ou por povo indígena, tendo por base as Diretrizes Curriculares Nacionais referentes a cada etapa da Educação Básica; as características próprias das escolas indígenas, em respeito a especificidade étnico-cultural de cada povo ou comunidade; as realidades sóciolinguísticas, em cada situação; os conteúdos curriculares especificamente indígenas e os modos próprios de constituição do saber e da cultura indígena; e a participação da respectiva comunidade ou povo indígena.

A formação dos professores e específica, desenvolvida no âmbito das instituições formadoras de professores, garantido-se aos professores indígenas a sua formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização.

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