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Instituto Português da Qualidade
Museu de Metrologia
7 Março 2017
Conhecimento e medida. Prolegómenos a
uma epistemologia da medida
Olga Pombo
Centro de Filosofia da Ciência da Universidade de Lisboa
A filosofia da ciência - está interessada
em pensar tudo o que diz respeito à
ciência e às ciências
os seus objectos, os seus métodos, as suas
práticas, os seus instrumentos, as suas
realizações
os seus valores, os seus fins, os seus limites
a sua relação com o mundo, com os homens,
com as instituições, com o poder….
Epistemologia da medida
O que é a medida?
O que é medir?
Que tipo de coisas podem ser medidas?
Que condições são necessárias para que
seja possivel medir ?
Que relações existem entre medida e
observação, experimentação, cálculo, modelo?
Qual é a relação entre medir e conhecer?
Aristóteles – Categorias & 6-8
Quantidades – admitem
igualdade/desigualdade
(linhas, superfícies,
corpos, tempo, espaço)
Qualidades – admitem
graus (justiça, saúde...)
384 a.C. — 322 a.C
Descartes (1596-1650)
Regra da analise
O todo é igual à soma das
partes
Leibniz (1646-1716)
principio da continuidade
toda a mudança ocorre
gradativamente, havendo
sempre um grau intermediário
entre dois estados quaisquer
Kant (1724-1804)
Quantidades extensivas A linha só pode ser mentalmente
representada por uma successiva
síntese na qual as partes da linha
se unem para formar o todo.
Quantidades intensivas Apresentam-se em graus
contínuos. A sua apreensão da-se
num instante e nao atraves de uma
sucessiva sintese das partes.
Século XIX
Ameaças à distinção (clássica) entre
grandezas extensivas e intensivas
Desenvolvimento da termodinamica (Carnot)
Electromagnetismo (Maxwell)
Helmholtz (1821 —1894) “[Measurement is the] procedure
by which one finds the denominate
number that expresses the value of
a magnitude”
(Counting and Measuring, 1887)
Debate sobre a medida em
Psicologia
final do seculo XIX-inicio do seculo XX
emergência das ciências humanas
Dilthey (1833 – 1911) ciencias naturais - explicação
ciencias humanas –compreensão
Fechner (1801 —1887)
Lei de Fechner
“a resposta ao estímulo
é proporcional ao
logaritmo da intensidade
do estímulo”
Operacionalismo
“We do not know the meaning of a
concept unless we have a method of
measurement for it”.
P. W. Bridgman, The Logic of Modern Physics (1927)
Na esteira de Fechner
Debate sobre a medida em
Física
Revoluções cientificas na Fisica
Relatividade
Fisica Quantica
“The measurement problem”
Realismo (Einstein)
Anti-realismo (Niels Bohr)
“If without in any way disturbing a system
we can predict [mesure] with certainty
the value of a physical quantity, then
there exists an element of physical
reality corresponding to this physical
quantity” (Einstein 1935: 778).
“The procedure of measurement has an
essential influence on the conditions
on which the very definition of the
physical quantities in question rests”
(Bohr 1935: 1025).
Debate
realismo - convencionalismo
Queda dos absolutos matemáticos
Geometrias não-euclideanas Lobachevsky (1793-1856)
Bolyai (1802 -1860)
Riemann (1826-1866)
Henri Poincaré (1854 —1912)
a escolha entre a geometria
Euclidiana ou não-Euclidiana
não é determinada pela experiencia
mas por conveniência ou comodidade.
• Realismo – a medida refere-se a
propriedades ou relações que existem
independentemente de serem medidas • nao deve ser confundido com o realismo acerca
das entidades (e.g., electroes)
• Convencionalismo - a medida é
determinada pelo conjunto de operações
usadas na medição • versão extrema - diferentes operações medem
quantidades diferentes
Argumentos dos Realistas contra
convencionalistas
Se as quantidades não tivessem valor independentemente dos
procedimentos de medida escolhidos seria difícil explicar
O que é que os cientistas querem dizer quando falam de
“medida rigorosa” ou de “erro de medição”?
Por que é que os cientistas procuram aumentar o rigor e
diminuir o erro da medição?
Por que é que os novos procedimentos de medida tendem a
melhorar o rigor dos antigos? (se fossem escolhidos
meramente por convenção seria difícil explicar o sentido
desse progresso).
Por que é que diferentes procedimentos de medida dão
frequentemente resultados semelhantes? (se não fossem
sensíveis aos mesmos factos não dariam )
Interdependencia entre medida
e teoria
Bachelard (1884 —1962)
“O instrumento é uma teoria
materializada”
(Bachelard ,1940)
Thomas Kuhn (1922 —1996)
“A medida nas ciências físicas serve
para aumentar a precisão da teoria
e eventualmente encontrar anomalias
que vão acelerar a crise e revolução”
(Kuhn,1962)
)
Que novos problemas para
a epistemologia da medida
face às mudanças
decisivas que se verificam
na ciência contemporânea?
Regressemos a Aristóteles para
assinalar três aspectos que vão ser
determinantes para a ciência ate ao
seculo XVII:
A ciência ocupa-se do geral e abstrato,
não da coisa individual e concreta
A indução é um metodo invalido sobre
oqual nao se pode constituir ciencia
A matematica (que opera por deducção)
ocupa-se de puros seres de razão e, por
isso, não pode nunca aplicar-se ao estudo
da natureza
Descartes
Metodologia Os sentidos enganam – Duvida
Regras do Metodo
Metafisica
Redução das qualidades às quantidades
(Mecanicismo)
Inteligibilidade matematica domundo
(Matematicismo)
Geometria analitica
“A filosofia está escrita num imenso livro, sempre aberto
diante dos nossos olhos, quero dizer, o universo. Mas se o
queremos compreender é necessário que nos apliquemos
em primeiro lugar a compreender a língua e a conhecer os
caracteres em que ela está escrita. Ele está escrito na língua
matemática e os seus caracteres são triângulos, círculos e
outras figuras geométricas, sem as quais é humanamente
impossível compreender uma palavra. Sem esses
caracteres, apenas uma errância vã num labirinto obscuro”.
(Galielu, Il Saggiatori, 1623, sublinhados nossos)
Galileu
Matematização do real
Todas as disciplinas procuraram seguir o exemplo da
física de Newton.
De tal maneira que o estatuto de cientificidade de uma
disciplina passou a estar dependente do seu grau de
matematização.
Quando hoje se discute se a teoria da evolução é ou
não uma teoria científica, é ainda essa concepção de
ciência como matematização que está em causa.
Não há ciência sem teoria e - dir-se-á - não há teoria
sem fórmula matemática que a torne operativa.
Sempre que as ciências humanas vêem discutido - e
negado - o seu estatuto de ciência, é ainda
porque, como se diz, a sua matematização é frágil
ou inexistente.
Para serem acolhidas no grande panteon das
ciências duras (hard e soft sciences), terão que
fazer um esforço, justamente, de austera
matematização e modelização matemática.
Psicologia (psicometria),
Sociologia (sociometria)
Economia (econometria)
Ciencias humanas
E na Física ?
“A evolução recente da física e da
matemática permite aproximar a física da
historicidade, da quebra de determinismo,
da não-linearidade, da criatividade
características das ciências humanas”
(Prigogine,1998: 107).
De tal forma que, como diz:
“A tarefa da ciência no século XXI consiste
“na reconciliação do mundo newtoniano
com a realidade humana”(ibid).
Onde quero chegar?
• Descartes ofereceu à física do seu tempo
a metafísica de que ela tinha necessidade.
E que, desde então, a nossa ciência tem
sido demasiado cartesiana.
Mas
• A nossa ciência já não é cartesiana. Ela
está hoje aberta a complexidades que não
se deixam reduzir à soma das partes, a
adições lineares.
Onde quero chegar?
A própria matemática já não é cartesiana.
A Matematica esta hoje atenta aos sistemas
complexos, aos sistemas dinâmicos,
instáveis, auto-organizados, capazes de
se adaptarem, e portanto, capazes de
escolha entre várias soluções, capazes de
bifurcações
Onde quero chegar?
Não temos sido suficientemente leibnizianos
A filosofia de Leibniz era uma alternativa a
Descartes, uma filosofia que corresponde a
uma forma de ver o mundo que, ao contrário
da de Descartes, não encontrou
correspondência na ciência de Newton e
que só hoje começa a revelar a sua
pertinência.
67. Cada porção da matéria pode ser
concebida como um jardim cheio de
plantas e como um lago cheio de
peixes. Mas cada ramo de planta,
cada membro de animal, cada gota
dos seus humores, é ainda um jardim
ou um lago.
65. Cada parte da matéria não só é
divisível ao infinito, como está
actualmente subdividida sem fim, cada
parte em partes, cada uma delas tendo
um movimento próprio.
69. Assim não há nada inculto, estéril e
morto no universo; nem caos, nem
confusão, senão em aparência; mais ou
menos como pareceria num lago, a certa
distância, em que se veria um movimento
confuso e, por assim dizer, uma agitação de
peixes, sem que se discernissem os próprios
peixes.
“To sample Leibniz' scientific works is a sobering
experience (…) The number and variety of premonitory
thrusts is overwhelming”.
“As he [Leibniz] states: 'I have diverse definitions for the
straight line. The straight line is a curve, any part of which
is similar to the whole, and it alone has this property, not
only among curves but among sets.' This claim can be
proved today”.
“As for "packing", Leibniz told to his friend and
correspondent Des Bosses to imagine a circle, then to
inscribe within it three congruent circles with maximum
radius; the latter smaller circles could be filled with three
even smaller circles by the same procedure. This process
can be continued infinitely, from which arises a good idea
of self-similarity”.
Mandelbrot
“As he [Leibniz] states: 'I have diverse definitions
for the straight line. The straight line is a curve,
any part of which is similar to the whole, and it
alone has this property, not only among curves
but among sets.' This claim can be proved today”.
“Leibniz told to his friend Des Bosses to imagine
a circle, then to inscribe within it three congruent
circles with maximum radius; the latter smaller
circles could be filled with three even smaller
circles by the same procedure. This process can
be continued infinitely, from which arises a good
idea of self-similarity”.
Mandelbrot, cit in < http://users.math.yale.edu/mandelbrot>
18. Poderiamos dar o nome de
Enteléquia a todas as substancias
simples, ou Mónadas criadas, porque
elas têm uma certa perfeição, uma
certa suficiência (autarkueia) que as
torna fonte das suas acções internas
e, por assim dizer, Autómatos
incorporais ”
57. E assim como uma mesma cidade, se observada de diferentes lados, parece outra e se multiplica em perspectivas, assim também ocorre que, pela quantidade infinita de substâncias simples, parece haver outros tantos universos diferentes, os quais não são, todavia, senão perspectivas de um só, segundo os diferentes pontos de vista de cada Mónada.
61. E os compostos, nisto, simbolizam os simples. Pois como tudo é pleno,
o que torna toda a matéria ligada, e como no pleno todo movimento
produz algum efeito sobre os corpos distantes, proporcional à distância,
de tal sorte que cada corpo é afectado não somente pelos que o tocam e
se ressente, de certo modo, de tudo o que lhes acontece, mas também
por meio deles se ressente dos que tocam os primeiros, pelos quais é
imediatamente tocado; segue-se que esta comunicação transmite-se a
qualquer distância. E, por conseguinte, todo corpo se ressente de tudo
que se faz no universo, de tal modo que aquele que tudo vê poderia ler
em cada um o que se faz em toda parte e até o que foi ou será feito,
observando no presente o que está afastado tanto nos tempos como nos
lugares; sympnoia panta ( tudo conspira ), dizia Hipócrates. Porém, uma
alma não pode ler em si mesma senão aquilo que está nela
representado distintamente, e não poderia subitamente desenvolver
todas as suas dobras, pois vão ao infinito
.
62. Assim, embora cada Mónada criada
represente todo o universo, representa
mais distintamente o corpo que
particularmente lhe está afecto e de que
constitui a Enteléquia; e como este corpo
exprime todo o universo, pela conexão
de toda a matéria no pleno, a alma
representa também todo o universo ao
representar esse corpo que lhe pertence
de modo particular.
71. Porém não se deve imaginar, como
fazem alguns que compreenderam mal o
meu pensamento, que cada alma possui
uma massa ou porção de matéria própria, ou
a ela vinculada para sempre e que possui,
por conseguinte, outros viventes inferiores
destinados sempre ao seu serviço. Pois
todos os corpos estão em um fluxo perpétuo,
como os rios, e neles entram e saem partes
continuamente.