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1 .. },\ f' \ FICHA TÉCNICA Título Narrativas Históricas e Ficcionais Recepção e Produção para Professores e Alunos Actas do 1.0 Encontro sobre Narrativas Históricas e Ficcionais ürganizadóres Maria ~IoCéu de Melo José Manuel Lopes Paginação Armínda Ferreira Impressão e Acàbamentos Lusograte Depósito legal 206349/04 ISBN 972"8746- 17-2 Centro de tnY'estigatão em Educação (CIEd) Instltllto,de IM.ucação e Psicologia Universidade do MiIiJl0 4710-057 Braga 500 exemplares Fevereiro de 2004 I~.-1(, 'Apoio Centro de rnv~sfigação em Educação (CIEd) / ÍNDICE Introduçâo 5 A recepção do texto historiográfico e ficcional: análise de um inquérito José Manuel Lopes, Maria do Céu de Melo ~. Usos da narrativa em História Isabel Barca, Marilia Gago 11 29 CUFO ou aventura de um nome João Figueiroa Rego 41 A leitura de romances e a aprendizagem da História Contemporânea Maria do Céu de Melo; Margarida Durães 59 Troca de Correspondência: a imaginação e as fontes históricas Maria do Céu Melo, Rosa Peixoto 81 li Contributos do uso de lendas para a compreensão histórica: da teoria à prática Glória Solé 99 A conquista de Lisboa: a compreensão da crónica de Osberno Maria do Céu de Meio 131 A vida quotidiano em Roma na Época Imperial: narrativas de alunos Arminda Ferreira, Celeste Dinis, Eduarda Leite 153 Diálogos entre Portugueses e "Brasileiros" e Portugueses e Africanos Isabel Cruz, Maria do Céu de Melo 181 o trabalho infantil no séc. XIX: uma visão dos alunos Antonio Barbosa, Conceição Gonçalves, Edmeia Oliveira, Elvira Machado 199 Bibliografia 217 224 Lista dos autores

CONTRIBUTOS DO USO DAS LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA_ DA TEORIA A PRATICA

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FICHA TÉCNICA

TítuloNarrativas Históricas e Ficcionais

Recepção e Produção para Professores e AlunosActas do 1.0 Encontro sobre Narrativas Históricas e Ficcionais

ürganizadóresMaria ~IoCéu de Melo

José Manuel Lopes

PaginaçãoArmínda Ferreira

Impressão e AcàbamentosLusograte

Depósito legal206349/04

ISBN972"8746- 17-2

Centro de tnY'estigatão em Educação (CIEd)Instltllto,de IM.ucação e Psicologia

Universidade do MiIiJl04710-057 Braga500 exemplares

Fevereiro de 2004I~.-1(,

'ApoioCentro de rnv~sfigação em Educação (CIEd)

/ÍNDICE

Introduçâo 5

A recepção do texto historiográfico e ficcional:análise de um inquérito

José Manuel Lopes, Maria do Céu de Melo

~. Usos da narrativa em HistóriaIsabel Barca, Marilia Gago

11

29

CUFO ou aventura de um nomeJoão Figueiroa Rego 41

A leitura de romances e a aprendizagem da História ContemporâneaMaria do Céu de Melo; Margarida Durães 59

Troca de Correspondência: a imaginação e as fontes históricasMaria do Céu Melo, Rosa Peixoto 81

li Contributos do uso de lendas para a compreensão histórica:da teoria à prática

Glória Solé 99

A conquista de Lisboa: a compreensão da crónica de OsbernoMaria do Céu de Meio 131

A vida quotidiano em Roma na Época Imperial: narrativas de alunosArminda Ferreira, Celeste Dinis, Eduarda Leite 153

Diálogos entre Portugueses e "Brasileiros" e Portugueses e AfricanosIsabel Cruz, Maria do Céu de Melo 181

o trabalho infantil no séc. XIX: uma visão dos alunosAntonio Barbosa, Conceição Gonçalves, Edmeia Oliveira,Elvira Machado 199

Bibliografia 217224Lista dos autores

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CONTRIBUTOS DO USO DAS LENDAS PARA A COMPREENSÃOHISTÓRICA: DA TEORIA À PRÁTICA

MARiA GL6RIA PARRA SANTOS SOLÉ

Introdução

o ensino da história sofreu uma contestação, nem sempre com base em-,111 idos argumentos, a partir dos estudos de Piaget sobre conceitos de tempo( 11)25, 1946) e sobre a noção de estádios de desenvolvimentÕ(Piag~t~ lnhelder,I%ó). Contudo, foram os estudos de Jahoda (1963) e particularmente os deII;illam (1967,1979) que despertaram a discussão entre os docentes e investi-I',.!dorese mesmo outros grupos da sociedade.

---Nem todas as experiências piagetianas foram bem interpretadas posteri-

.umcnte e sobretudo nem todas as generalizações se justificavam. No entanto,d,';,,,istiu-sea um movimento contra a inclusão de história nos curricula, muitop;lrticulaimente nos primeiros anos de escolaridade. Hallam (1983) defende a

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'I irninação da história dos currículos dos primeiros níveis de ensino, afirman-do que a criança não desenvolve, nestes níveis, o conceito de causalidade his-torica.

Em Portuzal ooucos estudos ernoíricos sobre a comoreensão históricalururn desenvolvidos, mas esta temática encontrou eco nas discussõesvurriculares (Teixeira, 1980; Félix, 1998). Mesmo antes de 1974, esta discus-',;1() já tinha tido algum impacto nos curricula do ensino básico do 1º ciclo.

A partir de 1980 o ensino de história mereceu a atenção de vários inves-ligadores, em especial no Reino Unido e Estados Unidos da América. Estasmvestigações, sem contudo porém em causa a construção do conhecimentopela criança, antes realçando esse aspecto, basearam-se em ideias de Bruner(1960, 1975) e de Vygotsky (1962, 1978), levando a recolocar o problema da

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GLÓRIA SOLÉ

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.apacidade OUincapacidade do estudo da história por crianças e adolescentes eos contextos mais propícios para que isso pudesse acontecer.

"-- As investigações e argumentações de Booth (1980, 1987) da Universi-dade de Cambridge, foram particularmente acutilantes no in~io do processotentando demonstrar a especificidade do pensamento histórico, salientado ~o domínio das teorias piagetianas nos estudos sobre o ensino da história ti-nham tido um efeito inibidor sobre "o currículo de história e as nossas ideias

bre o desenvolvimento da compreensão histórica pelas crianças" (1987, p.39)e-que algumas investigações mais recentes proporcionavam uma perspectivamais optimista. Nos Estados Unidos destacaram-se desde uma primeira faseLinda Levstik e S. J. Thornton (Levstik e Papas, 1987, 1992; Thornton eVukelich, 1988). No entanto, ainda em 1991, Downey e Levstik na síntesesobre a investigação em ensino e aprendizagem de história no Handbook 011

Teaching Social Studies salientam que é necessário desenvolver investigaçãona sala de aula para~~er um conhecimento sobre as melhores formas d~ pro-mover o desenvolvimento da compreensão histórica nas crianças.- --

Assim, na década de 90 do século passado as investigações sobre a aprendizagem de história por crianças tornaram-se objecto de estudo por vários investigadores, por vezes associados a outras áreas tendo-se afirmado a ideia deque será possível e desejável reintroduzir a história nos curricula da escolaelementar e mesmo no jardim-de-infância e iniciar o desenvolvimento de COIIceitos de tempo associados ao pensamento histórico. Vários autores defendemque as crianças destes níveis etários dispõem já de um conceito de causalidadegue se observa no seguimento coerente de uma narração; não será o conceito"formal" de causalidade, mas é já o narrativo que o ajudará a "formalizar"posteriormente o conceito de causalidade em história. (Egan, 1994; Coopci.1995; Knight, 1996)

Mesmo em Portugal realizaram-se algumas investigações que apontamno mesmo sentido (Roldão, 1994). Esta autora, no estudo que desenvolveusobre o pensamento concreto nas crianças, concluiu, após observação de crianças do ensino básico (1 º ciclo) em situação de aula, em várias áreas discipl i11;1

Tes, incluindo os Estudos Sociais, que "a comparação dos dados resultou num.i/acumulação de pequenas dúvidas que, consideradas conjuntamente conxritu

em contra-exemplos que não confirmam a concepção curricular actual da t'I,1

ança como pensador concreto e qpontam para a necessidade da sua rcaval i,l(:;u,'(p.172). O estudo revelou que o~ alunos observados eram pensadores l<Ígic().I,Iimagin;tlivos, clp,lzes de colocarem hipóteses e ;lhslr<lc<.:<H·Sc não limir.uh r.

CONTRIBUTOS DO USO DE LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA

aos campos restritos da observação concreta e da experiência directa no seumeio local. Estes dados vêm assim contrariar as previsões das concepçõcs do-minantes sobre o pensamento concreto das crianças e a necessidade de repen-sar a organização curricular dos programas do 1Q ciclo. Isabel Barca (20UO,2001,2003) é uma das pioneiras em Portugal em estudos sobre cognição histó-rica e provisoriedade do conhecimento histórico, desenvolvendo estudos comadolescentes e jovens.

A narrativa e a compreensão histórica

Bruner (1960, 1986) explica algumas das formas nas quais a narrativase aproxima das estruturas da história. Aponta que a narrativa é uma forma gf..interpretação que faz com que a experiência seja compreensível. Esta está rela-cionada com a intenção e com a acção, e com as consequências de ambas ecom a história. A narrativa pertence ao particular não a nenhuma pessoa emparticular, mas esta pessoa está integrada em certas circunstâncias, tempo elugar. Ambas, a narrativa e a história, são mais do que uma colecção de factos,ou sequência de acontecimentos. Estas envolvem a descrição e interpretaçãoele causas que têm importância para os "factos". As suas investigações suge-rem que a experiência se processa de modo narrativo e que a compreensão dahistória pelos alunos se realiza preferencialmente deste modo.

Linda Levstik (1986) é uma importante pioneira das investigações rela-'ionando a narrativa e o desenvolvimento da compreensão do tempo histórico

por crianças. No estudo que realizou, analisou a relação entre as respostas his-tóricas e a narrativa numa turma do 6º ano e verificou que a ficção histórica, as I J

blografias, e auto-biografias despertaram um grande interesse nos estudantes, -:.j/motivando as crianças para outro tipo de fontes (textos informativos e doeu- fmcn tos de fontes primárias).

Levstik e Pappas (1992) fizeram um ponto da situação dando tambémrealce à narrativa para estudar a compreensão histórica nas crianças. Os histo-rladores organizam os seus relatos em forma de narrativa, no entanto muita dalnvcsrigação histórica não tem utilizado esse género para avaliar o desenvolvi-I)H':1l1oda compreensão histórica, embora as crianças estejam familiarizadaseoru o trabalho estruturado da narrativa que se mantém poderosa até à adoles-('{I"cia e faz parte do seu meio cultural. Usando estas aproximações as autoras1I1'.criram novas direcções para o desenvolvimento da compreensão histórica

l' iruplicacóc» do ensino da história na escola primária. O des~nvolvimento ela '-":.Jc.~'Il/llprL:CIlSií()hislóric" nâo dependerá apenas do estádio ele desenvolvimento '\('111 tcrrllOS pi a!-'.eIiannx. !\ ('ollslnr(:,,() do conhecimento depende dos cOllhcci-

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GLÓRIA SOLÉ

~ mentos prévios que a criança tem e a relação que estabelece entre estes e asnovas informações são um novo domínio de investigação que aconselham.Também o meio cultural da criança é de grande importância e as histórias decada grupo cultural sintetizam a forma como estruturam o pensamento. Assim,o uso destas pode ajudar a criança a estruturar o pensamento histórico, emespecial a crianças em ambientes multiculturais. A forma da narrativa dá maiorimportância a alguns acontecimentos sobre outros, no entanto, firma-se na cul-tura. A narrativa é uma forma de expressar significados interpessoais e paratransmitir mensagens transculturais sobre a natureza de partilhar a realidade. Étambém fórum onde é possível para as pessoas que habitam mundos com~_tamente difer~ntes2... conseguirem partilhar algum entendimento de outros tem-pos, lugares, pessoas e acontecimentos, conceitos inerentes à compreensão his-~. Também Levstik e Barton (1996) defenderam que a ficção é um tipo de

história que as crianças devem experimentar.

Vários estudos desenvolvidos em Inglaterra, vieram reforçar a relaçãoentre a compreensão de narrativas (contos) e a compreensão histórica (Cooper,1995, Cox, e Hughes, 1998, Hoodless, 1998, 2002). Cox, e Hughes (1998)referem que durante muito tempo a aprendizagem do passado pelas comunida-des processou-se através de histórias, tendo estas, com o desenvolvimento daliteracia passado para a escrita.\Muitos adultos, hoje ainda se lembram de teraprendido história na escola por terem ouvido ou lido histórias verdadeiras dehomens famosos, de actos heróicos, eventos significantes, e suas datas. Estesestudos tendem a valorizar as histórias e especialmente o uso da ficção para oensino da história nas escolas primárias! Estas autoras concluíram que as histó-rias podem ser usadas como suporte de desenvolvimento do conhecimento e~!Jlfendjzagem da histÓria em noyos moldes. Acham que atendendo às novasabordagens no ensino de literatura a crianças, em que se salienta a estrutura (Linarrativa, este estudo pode vir a ter um impacto positivo no ensino de históriaJulgamos que há alguns sinais de que algo semelhante se estará a passar emPortugal. As autoras terminam o relato do seu estudo chamando a atenção par;1a exploração de contos numa perspectiva de tempo histórico, ainda que intc$fada em actividade~, se ter revelado um bom meio de se promovi' Ia aprendizagem de história, visto que, devido à generalizada tendência de pnvilegiar nos currículos e efectivamente nas escolas a língua e a maternátir.r.pouco tempo é dedicado a outras áreas. .-

Ilooclless (2002) refere estudos com cri;lll~:"S dos 1 ;lOS<) anos, na IngLtterra, que se hascanun em cOllversas SOIlJ'l' ('olllps c IlI.'.;I(\ri;lsque rcvcl.u.uuque as l'1i;lIl~:<lS1\;111<Ipen'ep(,:;to (\" dillH'IIS;l11dI) 11'1111111\ \llllldo IIcssas n;tr\;1I1

CONTRJBUTOS DO USO DE LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA

vaso As crianças têm capacidades para utilizarem correctamente palavras queexpressam tempo e compreendem seguências cronológicas, sendo no entantoas mais novas as que revelam mais dificuldades. A narrativa é um meio valiosopara consciencializar as crianças para conceitos de tempo e cronologia nosprimeiros anos de escolaridade.

Para Fox (1993 referido por Hoodless, 20(2) é muito mais importanteropor às crianças para estabelecerem relações temporais através de histórias

do que seguenciarem fontes históricas isoladas. A aprendizagem do tempo estáintimamente relacionada com a 'lQrendizageJn da Iinglli.l~cm. O sequencial izarde eventos de uma narrativa ajuda à compreensão da cronologia em história.

defesa do uso da narrativa na aquisição dos conteÚdos históricos, so-bretudo nos primeiros níveis de ensino, não significa que se renuncie a outrostipos de explicações causais e estruturais. Egan (1994), embora defenda o usoda narrativa, adverte para os cuidados a ter com o uso desta estratégia, que nãodeve converter-se em panaceia para todas as etapas da aprendizagem, pois há operigo de poder entender-se como um simples retorno a modelos tradicionaisde ensino da história ou converter-se em mais um instrumento mecânico deplanificação do trabalho.

Também em.E.o.rtugal, nas reflexões sobre os currículos do ensino bási-co e em particular no ensino da histÓria encontrou eco a importância da narra-tiva relacionada com a história, afirmando Noémia Félix (1998: 23):

"A narrativa passou nos nossos dias a alimentar ainda a polémica da história converten-do-se em objecto de reflexão conceptual e metodológico, estendendo-se como estruturaontológica da história. Cada vez mais, é objecto de estudo a procura de fórmulas quepermitam relacionar a estrutura com os acontecimentos e com a narração, investigando-se sobre formas narrativas que iluminem as estruturas em vez de as ocultar".

Céu Roldão (1995a) destaca a importância do uso da narrativa comoestratégia, sendo um poderoso instrumento de transmissão e estruturação deideias, crenças, costumes e yalores" sendo um dos raros elementos comuns atodas as culturas e civilizações. Reforça a importância que estas desempenha-ram ao longo de séculos, muitas vezes usadas para veicular mensagens ideoló-gicas, políticas, religiosas ou outras.

Matos (1990), refere esse papel desempenhado pela narrativa nos difc-rentes regimes polílic(IS lia análiso que faz das várias reformas cducativas. Porexemplo lia l\dlll'llla de 1,:dll:lr(\o José Coei ho de I() de J\goslo de 1\)()) "o('I1.'iillo (I:! l Iixtúri.: drvcr i» !l'I' ('OI1l<>h:ls(' 'ligcir:ls nnrrntiv.rx", 11<1Sl'l1lid<l dl'

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GLÓRIA SOU:

desenvolver.Ina alma dosalunos oJespeito e o culto da pátria" (p.27). Mas nãoé neste sentido endoutrinador que nos interessa o uso da narrativa, mas talcomo afirma Roldão (1995a:71) interessa considerá-Ias como "estruturasorganizativas de conteúdos que podem ser utilizadas como estratégias, no sen-tido de tornar acessíveis e significativos para as crianças os temas que estu-dam". Qualquer narrativa seja ela lenda, mito, história tradicional, fábula, ro-mance obedece a um formato narrativo, ou seja a uma estrutura segunda a qualestá construída. Essa estrutura assenta em diversos elementos:

- A existência de um conflito ou tensão desencadeadora da acção;

- O protagonismo e personificação do conflito em personagens, indiví-duos com as suas características pessoais bem marcadas;

- O desenvolvimento da acção através de uma sequência de eventosnarrados em pormenor, através dos quais se desenvolve o conflito ou tensão e

- A conclusão ou fecho que se traduz na resolução (ou na ruptura) doconflito ou tensão que constituiu o fio condutor.

Segundo a autora esta estrutura genérica corresponde com bastante pro-ximidade ao modo como pensam as crianças, como elas apreendem e atribuemsentido à realidade, existindo uma forte relação de proximidade, de fascínio eafectividade entre a criança e a narrativa. A história cria também nas criançasuma situação imaginada, permitindo desencadear mecanismos de identifica-ção ou de rejeição promovendo também o desenvolvimento emocional. (Rol-dão, 1995 a)

Também Mattoso (2002: 71) destaca as potencial idades da narrativa.afirmando que

"trata-se de tirar partido do fascínio que a criança tem por qualquer narrativa e de mod.

particular pelo conto, para passar do discurso ficcional situado num tempo mítico, ""

seja num tempo imaginário e não histórico, para o relato situado no tempo histórico ,datável, reconstituído a partir de documentos e inscrita na memória, seja dos conternp»

râneos, seja dos antepassados -,

O autor relembra que em termos pedagógicos no passado a pedagor.r..tradicional, recorria à história narrativa, organizando a história pátria em t('lmos de uma sequência de histórias dos reis. Era uma forma que permitia tl:lllsitar de uma forma natural do tempo do conto para o tempo da cornunid.«fpátria. Ao dizer isto não pretende Mattoso preconizar o regresso puro e ,"1111pies a estes métodos, mas advertir rara os perigos ele uma ruptura C011lpk1;1 ti ••ensine: da l l ixtóri.: com a his1<íri;III:IIT;ltiv;ll' p:lr;l:1 IIl'Cl'Ssid:llk de 1('1'l'1I1t'111I11

CONTRIBUTOS DO uso DE LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA

a capacidade de compreensão das crianças e adolescentes. Realça por iss( I, (Iinteresse pedagógico da narrativa histórica, sobretudo no 1.º ciclo. Mas rcconhece não ser fácil articular a narrativa histórica com o estudo do passadolocal, tema central do ensino da História no 3.º ano de escolaridade. J\fiJ'lIl:1que não é fácil encontrar narrativas sobre a História local, mas abundam :ISlendas. Não há vila ou cidade que não tenha a sua lenda originária.

As lendas no ensino da História

A lenda é uma forma de narrativa, tal como o conto, a fábula ou o mito.Procurando definir melhor lenda dentro desta acepção, pesquisamos em váriosdicionários:

«lenda, s.f, narrativa escrita ou tradição de sucessos duvidosos, fantásticos o invcrosímeis ... (do lat. legenda)» (Dicionário da Língua Portuguesa, 1979,861),

«lenda s.f (lat. Legenda) 1. Tradição popular 2. Narrativa transmitida pela tradição dl'

eventos geralmente considerados históricos, mas cuja autenticidade não se pode pmV;11( ... »> (Michaelis- Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, 1998, 1241.)

«lenda, s.f. (lat. Legenda). Narrativa de carácter maravilhoso, na qual a história CS!;I

deturpada pela tradição popular ou pela invenção poética: Nas lendas há sempre '1/1/

fundo de verdade.. (Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 815),

Em todas elas se destaca o carácter narrativo, a tradição oral, os eventoshistóricos, alguns com fundo de verdade, mas outros difíceis de provar. A pala-vra lenda deriva do latim legenda, ou seja aquilo que devia ser lido na festa deum santo, mártir ou confessor. A evolução semântica deste sentido originárioao sentido actual, que faz da lenda um «mito de realidade e fantasia», COI1lpredomínio do segundo elemento, deu-se porque já em torno da «leitura» medicval se multiplicavam os factores de modificação da história dos santos C0ll10ela realmente tinha sucedido. Essa modificação, mais geralmente produto ddimaginação fabuladora ou interessada, assumia grande variedade de Iormux ede processos de transformação que iam desde a adição à subtracção, da contaminação à simplificação e da transposição à pura invenção. Uma grande lihcrcladc no concernente a pessoas, a factos e a lugares caracterizava já ;1 /('g('I/r111

medieval. Na conccpcão de hoje a lenda distingue-se do mito, d:1 1{lhlll:1c dot'(1I110fantástico, embora os limites desta dixtincâ» nem sempre xcj.un I'I:II'IKdo mito, pela cxxcnci.r! Villl'ld:I~)() dd lenda ;'1dlJra~Jío hi,'-;I(-lI'icl:d:1 l';ílwl:l, 11\'1:1olll'igalmied;l<k do xru Prol:ll',OlliSI:I, o Sl'J' humano, c pL'l:1SIJ:I nl:lilll <11'1\'111111111~';IOd:l.\ l':lll'!',llli:I,\ di' I·SP:it.;II(· 11'lllpCl;do vonro l'anla,\li('o pl'lll 111;111)]l'tlllil'lIdll d:1 Il';lIld:ld(' 1\ lrnd.: IlIlIh' ~"I1!',11rm qll:llqll\'1 (,pllca, d:ldll qlll' I' 11111di I,'.

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GL6RJA SOLÉ

produtos da actividadc mito -poética do homem. Há, porém certos períodoshistóricos em que as condições culturais, os factos de mentalidade e o ambien-te social tornam a sua invenção mais fértil, a sua divulgação mais fácil e a suaimplantação mais tenaz. Destaca-se em termos numéricos na produção lendá-ria a Idade Média superando largamente a época homérica. Destacam-se nestaépoca lendas de heróis e santos, factos e lugares, tempos e modos de vida,sobretudo a ascética. Proliferam no Ocidente medieval- nórdica, germânica emeridional - assiste-se a um verdadeiro proliferar de lendas épicas, popularese hagiográficas. (Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura: 1747-1748).

O currículo escolar actual não tem dado grande relevo à utilização danarrativa ou das diversas formas de narrativa (conto, lenda, fábula, mito) pelomenos nesta perspectiva que temos vindo a referir, isto com base nos pressu-postos apresentados por Roldão (1995b), que refere que a história ou narrativa,"funciona como um ferramenta do espírito particularmente apropriado paraatribuir sentido ao real e o tornar, digamos humanizado. ( ... ) A história revela-se assim um poderoso clarificador de significados, permanente chamado a apoiaro discernimento e discriminação da realidade" (p.26). Permite ainda, segundoEgan (1994), a atribuição de sentidos e a sua hierarquização, ou seja, atravésdas narrativas é possível ordenar e organizar categorias de factos, situações 011

emoções, estabelecendo entre elas nexos relacionais de vária ordem: a históriapermite organizar a complexidade do real, em formas inicialmente sim-plificadoras (oposições simples de categorias - Bom/Mau. Bonito/Feio, Justo/Injusto) que evoluem, por mediações mais finas e de maior complexidade.

Em comunicação publicada nas actas do VII Congresso GalegoPortugués de Psicopedagoxia, na Corunã, apresentámos uma comunicaçãointitulada: O uso da Narrativa nos Estudos Sociais. Pretendemos evitar repetições nesta comunicação, pelo que se remete para Freitas e Solé (2003a) parainformação mais aprofundada, em especial sobre a importância da narrativanos Estudos Sociais e aspectos de fundamentação e implementação da construção de narrativas nas aulas seguindo a técnica -O Fio da História.

Apresentámos uma estrutura elaborada pelas autoras tendo em conta ;1vasta gama de estudos de investigação e teorização sobre o assunto e com ba:«:nela apresenta-se a análise de uma lenda histórica e de um conto. Interessaparticularmente referir que a lenda analisada é uma lenda largamente conhecida, A lenda do galo de Barcelos (Anexo 1) e que a cxplorárnos com alunos (I!-formação inicial, para ser trabalhada com alunos do Lnsillo B{lsic(). Pretendemos assim, que os nossos alunos adquiram ('olll!criIlH·lllo:.; cxmuurais para ;\

CONTRJBUTOS DO USO DE LENDAS PARA A COMPREENSÃO HIST6RJCA

[rnplementação desta metodologia no ensino da História no l.º Ciclo. Tambémforam apresentadas diferentes versões desta lenda, realçando-se o que há decomum entre elas, mas também as diferenças, os pormenores, os contextos emque é contada e por quem é contada. O cruzamento de diferentes versões per-mite tentar averiguar o fundo de verdade que se poderia encontrar nesta lenda.

uriosarnente existe uma versão em que o Galego é efectivamente enforcado,mas esta versão não interessava aos habitantes de Barcelos, pois em nada osbeneficiava, daí poucos a conhecerem. Trata-se de uma lenda de carácter local,mas que acabou por se tornar numa lenda nacional, e até internacional, pois o

alo é um dos símbolos identificadores da nossa nacionalidade, largamentedifundido por todo o mundo.

Apresentámos a exploração de uma outra lenda integrada na comunica-. ç!i\ü apresentada no l.º Encontro Internacional A Criança, a Língua e o Texto

lntitulada: Desenvolvimento integrada de competências linguísticas e de com-preensão histórica através do uso da narrativa: Da teoria à prática. Nestetexto para além de uma breve abordagem no campo dos Estudos Sociais, emespecial da compreensão histórica, centramo-nos na ligação entre a aprendiza-gem dos Estudos Sociais, particularmente da História, e da Língua Portuguesa.Privilegiamos a narrativa e a compreensão histórica, abordando-se tambémoutros aspectos, nomeadamente a oralidade e a escrita, onde há uma clara rela-~fI() entre o ensino de Estudos Sociais e de Português. (Freitas e Solé, 2003b).A lenda explorada nesta comunicação é uma lenda histórica da cidade de VianaUO Castelo, O Pátio da Morte (Anexo 2), opção que se centrou nas minhasrnízcs que me ligam a esta cidade.

Também Mattoso (2002) destaca a importância das lendas nesta sua co-I11U nicação Lendas e mitos no ensino da história, realçando o contributo destaspura o ensino no 1.º Ciclo e 2.º Ciclo, ou seja junto de crianças e pré-adolcs-ccuícs, articulando com os programas curriculares. Um dos módulos do «Estu-

. tio do Meio» do programa do 1.º ciclo intitulado «À descoberta dos outros cdtls instituições» apresenta como tema para o 3.º ano «O passado do meiolocal». O método consiste em partir dos factos e vestígios do passado localpura iniciar o aluno no conhecimento em geral. O programa também fala emkIHIitS, mas aparentemente restringe o seu aproveitamento àquilo a que chamaHkndils históricas», isto é, narrativas mitificadas com um fundo histórico. Sc-}l.lIlllloo ,\111mpoderiam rarnbém IItili/ar-se ax lendas de caráctcr propri.uncurcnntico. 011scj;1 com um significldo importante do ponto de ViS!;1COI1lIl/lit:·I!io,lHas (·111que a compoucutc fitTio/lal C- dominante. S(lhrc os prl"SSIlI"1slos jll'd:l

jl.llginls de.,;la 0jlt.;;\l I t·111l:-;idn;1;1,

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GLÓRIA SOLl~

"não só correcta e adequada ao ensino da História a crianças e pré-adolescentes, mas atéda maior importância para que, desde a mais tenra idade, encarem o conhecimento dopassado como intimamente ligado à realidade e à vida pessoal e não como um conheci-mento livresco e puramente intelectual ou como qualquer coisa sem relação algumacom a vida de todos os dias (Mattoso, 2002: 71).

De acordo com as orientações curriculares para o 3.º e 4.º ano de escola-ridade, procuramos em vários manuais (embora não com um carácter sistemá-tico, mas apenas em alguns que possuíamos) verificar em que medida estasdirectrizes que apontam o recurso a lendas históricas efectivamente se concre-tiza. Para o 3.º ano, no módulo «À descoberta dos outros e das instituições - Opassado do meio local», apenas encontramos uma lenda: A lenda deAljubarrota,mas sem qualquer indicação de exploração, ou referência à sua fonte. Apenasuma breve recomendação aos alunos que pesquisem sobre a sua povoação, asua origem, se lhe foi concedida algum foral, ou se aí aconteceu alguma bata-lha, e se existe alguma lenda histórica relacionada com esta. Noutra actividadeé-lhes sugerido como opção que contem uma lenda que conheçam sobre a suaterra. As indicações são muito restritas, pois existem muitas lendas que poderi-am ser pesquisadas pelos alunos, pois não existe povoação que não tenha a sualenda, ou de fundação, ou sobre o seu nome (toponímia), ou de casas importan-tes, ou figuras históricas, de santos, etc.

No 4.º ano, o mesmo módulo do Estudo do Meio, integra as unidadesdidácticas «O Passado do meio local» e «O passado nacional», passa-se assimdo estudo da História local para a História Nacional. Num desses manuaisencontramos na rubrica intitulada pelos autores de: «Casos de amor. Exemplosde santidade», duas lendas, a primeira sobre os amores de Inês de Castro e D.Pedro e a segunda sobre a rainha santa Isabel, a lenda «O milagre das rosas»,versos esses do poeta Afonso Lopes Vieira, mas sem qualquer referência aoautor. Esta lenda é acompanhada de uma bela pintura, com grandespotencial idades de exploração. Em outro manual, na mesma unidade, «O pas-sado nacional: personagens e factos da História», encontrámos a Lenda deEgas Moniz, referida a fonte como popular. Neste manual há um grande desta-que à participação da mulher na História de Portugal, exaltadas duas figurasfemininas contando-se as lendas acerca delas. A primeira já anteriormente re-ferida, A lenda do milagre das rosas, pareceu-nos uma adaptação dos autores.A segunda, a lenda de Deuladeu Martins, lenda histórica sobre os feitos daesposa do Alcaide local da vila de Monção, Dcladcu Martins, na defesa docastelo contra os invasores casiclhanos. Arribas <lSlendas s;ín .icompanhad.»;de fotografias actu.iis ,bs cxtátunx rcspcr: iv.rx. ('(1IIsI;II;1I110SIjlll' os manuais

CONTRHlUTOS DO uso DE LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA

mais recentes, do ano de 2002 e 2003 não tem referências a lendas, só 1111111

deles encontramos muito resumida a lenda de D. Sebastião. Contudo, continuam a propor aos alunos que pesquisern lendas locais. Não existem em nenhumdos manuais consultados nenhumas sugestões de exploração destas lendas, fi-cando esta ao critério do professor. Por isso, não basta que elas estejam nosmanuais, é necessário que sejam devidamente trabalhadas, exploradas e relaci-onadas com a aquisição de conhecimentos históricos e contribuam para o de-senvolvimento da compreensão histórica nos alunos e do gosto em aprenderHistória.

Mattoso (2002), reconhecendo também esta necessidade, propõe debru-çar-se sobre duas lendas de Beja, uma histórica e outra mítica, sendo estasrespectivamente a lenda do Lidador e a do Touro que figura no seu brasão.Apenas explora a primeira, apresentando sugestões de exploração para dife-rentes anos de escolaridade, 3.º, 4.º e 5.º ano. O autor adverte para a necessida-de de alguns cuidados especiais no aproveitamento pedagógico das lendas,quer das históricas quer das míticas. Nesta sua abordagem propõe-se mais re-flectir sobre esta estratégia/metodologia de ensino, do que apresentar resulta-dos de experiências pedagógicas nestes níveis de escolaridade que não possuí,e sugerir a realização de experiências didácticas nesta área, A nosso ver asintenções do autor são louváveis, com um grande espírito de inovação e reno-vação do ensino, alertando para a necessidade de repensar o ensino da Históriano 1.9 ciclo, recorrendo ao uso de uma metodologia didáctica largamente di-fundida e utilizada noutros países, como já tivemos oportunidade de referiranteriormente e que temos largamente utilizado, como anteriormente pudemosconstatar. Mas a opção das lendas escolhidas provavelmente não serão as maisadequadas para crianças destes níveis de escolaridade, pois é sugerido combase na leitura de trechos da versão «morte do Lidador», das Lendas e Narra-tivas de Alexandre Herculano, texto narrativo dramatizado ao gosto da época,bastante denso e longo, com uma linguagem difícil de ser entendida pelas cri-'nnças. Asua utilização implica uma forte intervenção do professor, em recontarele próprio a lenda tornando-a acessível aos alunos, sugerir e dinamizar activi-dadcs, etc.

Mattoso (2002:79) reforça o seu propósito e objectivos desta sua cornu-uicacâo e das idcias nela expressas afirmando:

"JJa() 1)J"()(llllill(l 11111;1Illili,.:I,;11I (lllra c ximplcx da u.ur.uiv« c li<: faellls '·llllsid"I:III'I.\ d;1

liisll',ri" l'lJ';J! 11"1:1 11 11I11II:lIldlllllll:l IIIl\alll'llII"ITI:1 dv Jl;i.~s;lIl<1 hi.-;lllliJ"lI 1'<11111111,111",

'·<lllsid •. l<I illll'"Ji,IIII,' '1'11' ~,' IIlili/J"lI! n.u r nl iv.ix 1"lJT,'IIII's " r'"lIl'kl:I:-', " 11-1" .11"'11.1'.

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breves resumos que perdem toda a sua eficácia dramática e capacidade comunicativa.Por outro lado, parece-me ainda mais importante inculcar o sentido da diferença entre anarrativa atraente, e mesmo exemplar, e a realidade histórica".

A lenda O milagre das rosas

Sendo esta lenda bastante conhecida e escolhida por alguns autores demanuais do l.º ciclo, decidimos explorá-Ia atendendo a diferentes versões quedela existem. Comecemos por fazer um estudo da lenda, isto é, das suas diver-sas versões e da maneira como foi utilizada. Trata-se de uma lenda histórica,considerada religiosa por alguns autores como Gentil Marques que a integrano IV volume da sua obra Lendas de Portugal. A lenda poética de Santa Isabelfoi reescrita por Teófilo Braga nos Contos populares portugueses e aparece nasua forma mais antiga na Vie de Sainte Elisabeth de Hungrie (Peres, 1929,583).

Esta lenda trata do milagre realizado pela rainha Santa Isabel, esposa deD. Dinis, que transformou dinheiro e pão que levava aos pobres em rosas. Estefeito rapidamente se espal hou pelo povo, considerado um milagre e proclama-da a rainha de santa. A tradição oral e a maravilhosa imaginação popular, terãocontribuído para que várias versões chegassem aos nossos dias, veja-se algu-mas destas no Anexo 3.

A acção decorre no mês de Janeiro, em Coimbra, isto segundo algumasversões (A, B e C- Anexo 3), pois na versão E é referido que durante o cerco deLisboa, a rainha estaria a socorrer os pobres na zona de Alvalade, enquantoque na versão D apenas nos diz que a acção decorre à porta do Castelo. Existeainda uma outra lenda também conhecida como a lenda das rosas, que não aintroduzimos nesta comunicação, que se passa em Alenquer onde a rainha man-dara edificar um templo ao Espírito Santo. Nesta lenda a rainha entrega rosasaos operários da obra e estas depois transformam-se em dobras (moedas da-quele tempo). (Lendas e Narrativas da História Pátria).

As muitas benfeitorias que D. Isabel realizou por todo o reino, contribu-íram para o proliferar de lendas sobre a rainha santa. A corte não tinha lugarfixo, e a rainha acompanhava ou seguia o seu marido. Além do seu conventoem Santa Clara, de Coimbra, onde podemos ainda admirar as suas ruínas, fun-dava D. Isabel, junto aos paços em que habitava, a par do convento, um Hospi-tal, e como este, muitos outros em Santarérn e Leiria, e as gafarias de todo o

110

reino. Uma Relação muito antiga que existe impressa resume a sua vidapiedosa:

"Visitava e beneficiava com donativos todas as casas conventuais. (... ) Distribuía IIIOSdias solenes do ano, numerosos socorros, pelos domicílios, às pessoas necessitadas (".1muitos mosteiros, tanto do reino, como estrangeiros. Os seus haveres entravam, SCIIII"I'em quantidade maior ou menor, para todas as edificações eclesiásticase, algumas V\'/I·.·••

para as de utilidade geral, como fontes, pontes e caminhos. Enfim, dava às mãos lal')'.:I.'I.pública e secretamente, das avultadas rendas com que D. Dinis a dotara, e que ela aCI(..,centava com boa - e até por vezes rigorosa administração. (referido na obraNarrnnvave Lendas da História Pátria: 134-137).

Por isso, como diz Pinheiro Chagas, "as lendas volte aram em torno de!.1tão naturalmente como as borboletas em torno da flor, suaves como a sua iru.:gem, meigas como a sua índole. Tudo são flores na crónica lendária de S;1I11.1Isabel." (referido na obra Narrativas e Lendas da História Pátria, 138).

Voltemos à análise comparada das várias lendas, centremo-nos na vcrx:u 1 Ae B. Ambas falam das destruições causadas nessa época pelas cheias do 1111Mondego. Na versão A, refere-se a reconstrução do Mosteiro de Santa Clara ,. 11:1',

ajudas prestadas aos familiares dos operários e aos que moravam naquela mal!,.,·111do rio também eles afectados pelas cheias, enquanto que na versão B se rel"11apenas às casas das monjas de Santa Clara, designadas estas por clarissas (111

claristas. A Ordem de Santa Clara foi fundada por Santa Clara de Assis, cerca 11<

1215, e depressa a sua fama se espalhou por todo o mundo, conquistando !l'IVI':,adeptos, entre as quais a rainha D. Isabel. Deve-se a D. Dinis a construção di o

convento de Santa Clara-a- Velha, em Coimbra, iniciado por iniciativa de DOII.IMor Dias, do Mosteiro das Donas de Santa Cruz, da mesma cidade. O seu tcmplufoi inaugurado no dia 8 de Julho de 1330, com grande solenidade a que presidiu (Ibispo D. Raimundo. Devido ao alteamento do leito do rio Mondego a partir til Iséculo XIV, igreja ficou submersa, e houve que edificar outro mosteiro, que p:t~;sou a ser denominado de Santa Clara-a-Nova. Este, porém, já surgiu muito 111;\1;.tarde, em 1649, graças à devoção de D. João IV

O rio Mondego apelidado, na versão A, de "Rio Manso" mas "entra lidoo Inverno destruía quanto havia nas suas margens. Só conventos foram três 011quatro". Eram esses ricos e velhos mosteiros e conventos, o de Santana, o de S.Francisco, o de Santa Justa e o de S. Domingos, construídos na sua margem,deles não existem já quaisquer vestígios.

A preocupação de alguns cortesãos em advertir o rei dos gastos eX:tgt'l:tdos da rainha parece ser um facto, tal como é referido na versão J\: "1\ nu h: d(

III

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Coimbra ficava cara e aquelas dádivas repercutem-se no erário régio". Segun-do Marques (1997) o cortesão delator por ele referido na sua lenda (versão B),poderá ser o Judeu Judas Arabi, isto com base em investigações que realizoupara o seu romance biográfico «Rainha Santa». Justifica esta sua hipótese combase em factos históricos:

"Diz-nos a História que foi a ele que a rainha Isabel pediu dinheiro «para fundar umhospital e uma igreja em Leiria, para obras e reparações na igreja de Santarém, para areconstrução de um mosteiro em Coimbra, para um hospital em Lisboa, etc. etc.. Eainda que a rainha recebesse das suas terras, anualmente, mais de oito mil maravedis (ecada maravedi correspondia a 1$315 réis) tudo isso desaparecia rapidamente em obrasde misericórdia. Portanto, fácil é de calcular a inquietação de um bom judeu e de umcuidadoso tesoureiro como Judas Arabi ... " (Marques, 1997: 296-297).

É comum em todas as lendas referir-se ao rei D. Dinis como sendo im-petuoso no seu temperamento, por vezes a cólera dominava-o, preocupado comos gastos excessivos, referido até na versão C como sendo económico.

Sempre que a rainha saía dos seus Paços era acompanhada pelo seu sé-quito de damas e cavaleiros. Numa destas saídas a rainha dirigia-se às obras deSanta Clara, e levava esmolas para dar aos pobres e operários da obra, quandoo rei lhe apareceu pela frente, dizendo que se dirigia para uma caçada (activi-dade considerada recreativa pela nobreza portuguesa). A versão B descrevecom maior pormenor o diálogo entre D. Isabel e o rei D. Dinis. Esta justifica asua saída, com a intenção e ir adornar os altares do mosteiro de Santa Clara.Permite assim que se infira que o que levaria no regaço seriam flores. Mas oocorrido é tão estranho e fora do natural, pois as esmolas são transformadas emrosas, e ainda por cima em Janeiro. Rapidamente o milagre se espalhou pelopovo.

Como se vê, a lenda está profundamente marcada por aproveitamentoideológico e religioso, o que dificulta o conhecimento do passado. No entanto,alguns contributos históricos sobre esta época, como por exemplo a vida nacorte, o monaquismo, a caridade, as catástrofes naturais (cheias dos rios) e osfeitos de figuras da nossa História estão presentes. Tem uma carga dramática,mística e atractiva que permite interessar as crianças e jovens, podendo porisso ser aproveitada pedagogicamente. Tentarei apresentar uma proposta deanálise do uso pedagógico desta lenda usando para isso a versão A (Anexo 4)articulando-a com as outras versões. Centrarei a minha exploração de análisepara alunos do 4.º ano do Ensino Básico, nível de ensino com que trabalhamosem lermos de investigação científica. Esta lenda poderá também ser trabal ha-

li?

da, em outros anos de escolaridade, num 5.º e até 7.º ano de escolaridade, masintegrada e adaptada às orientações curriculares e programas curriculares res-pectivos.

Considerações Finais

Pretendemos através desta comunicação destacar a importância da utili-zação da narrativa no ensino da História, em particular da lenda, e das suaspotencialidades em termos didácticos. Na lenda, o fantástico, o imaginativo, oficcional e o histórico tocam-se. Temos vindo a desenvolver nestes últimostempos um particular interesse pelo uso deste recurso nos Estudos Sociais, emespecial no ensino da História no 1.º Ciclo, para o desenvolvimento da com-preensão histórica e do tempo histórico junto de crianças pequenas. A constru-ção de instrumentos, grelhas de estrutura e de análise de narrativas que temosvindo a construir e a utilizar na formação dos nossos alunos, quer de formaçãoinicial ou de cursos de complemento de formação, tem contribuído para a pro-dução de trabalhos mais profundos e mais inovadores. Ao utilizarmos nas au-las esta metodologia junto dos alunos da formação inicial e forrnandos preten-demos que estes as implementem na prática junto dos alunos, reconhecendo aspotencialidades desta no ensino da História no 1.º ciclo.

Recentemente temos começado a contactar com alunos do 1.º ciclo, noâmbito de um projecto de investigação, tendo já utilizado esta estratégia, masapenas ainda numa das suas formas, o conto. Planificamos já intervenções como recurso à lenda, que serão brevemente implementadas. Reconhecemos a ne-cessidade de uma cuidadosa selecção e preparação da exploração das histórias,e neste caso das lendas. Através delas pode-se iniciar e desenvolver a compre-ensão histórica nas crianças e promover o sentido da diferença entre a narrati-va e a realidade histórica. Tal como refere Mattoso (2002: 79), "ao apelar paraa noção da realidade versus ficção, da objectividade versus aparência, convi-da-se o aluno à crítica". A capacidade de refJectir e criticar é um das principaiscompetências a desenvolver no ensino da História. Através dela dotamos osalunos da capacidade de distinguir o verdadeiro do falso, do provável ou dopossível.

NotasI Maria Glória Santos Solé é docente do Departamento de Ciências Integradas e Língua Materna,

no Instituto de Estudos da Criança, na Universidade do Minha. Licenciada em História c CiênciasSociais pela Universidade do Minho e Mestre em História das Instituições c Cultura Moderna c

11\

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Contemporânea, pela Universidade do Minho, na área de Demografia Histórica, com a disserta-ção "Meadela Comunidade Rural do Alto Minho: Sociedade e Demografia - 1593-1850", douto-randa na área de Estudos da Criança na Universidade do Minho, com o projecto: "O Ensino daHistória no 1.2 ciclo do Ensino Básico: a concepção do tempo histórico nas crianças e os contextospara o seu desenvolvimento". As suas áreas de eleição são a história da vida quotidiana e dafamília. Integra projectos de investigação sobre o ensino da História a crianças e o desenvolvi-mento de competências de aprender a aprender.

2 Estes artigos relatam os estudos realizados no âmbito de uma tese de mestrado: Hallam, R. N.(1966). An investigation into some aspects ofthe historical thinking of children and adolescents.Unpublished master's thesis, University of Leeds. Em 1975 apresenta a tese de doutoramento:Hallam, R. N. (1975). A study of lhe effect of teaching method on the growth of logicalthoughtwith special reference to the teaching of history. Unpublished doctoral dissertation, University ofLeeds, mas que teve menos impacto do que o estudo anterior.

3 Miranda, Arlindo & Lopes, C. Figueiredo (1997). Novo Retintim- Estudo do Meio, 3.° ano- Ensi-no Básico. Porto: Porto Editora. p. 35.

4 Afonso Lopes Vieira (1878-1946)- Publicou uma vasta obra literária em verso e prosa e colaborouem várias revistas da época, como, Alma Nova, Atlântida, Ícaro, Conimbriga, Homens Livres,Lusitânia, Integralismo Lusitano. Considerava-se um autor aristocrático, porque «trabalhava paraos que leram tudo e para os que não sabem ler». De entre várias obras notáveis, destacamos aHistória-lenda dos amores de Pedro e Inês -A Paixão de Pedro o Cru e o Cancioneiro de Coimbraem que se contém poesias portuguesas e nos saudosos campos inspirados (1918), onde se encon-tra o poema da Lenda das rosas. (Dicionário de História de Portugal, 2000: 592-593)

5 Neves, c., Costa, R. & Marques, E. (1994). Descobrir ... oMeio - Estudo do Meio. 4.° ano - EnsinoBásico.Porto: Porto Editora.

6 Miranda, Arlindo & Lopes, C. Figueiredo. (1998). Retintim- Estudo do Meio. 4.° - Ensino Básico.Porto: Porto Editora. 28 e 36.

7 D. Isabel, filha de D. Pedro 1II de Aragão, casou em 1288 em Barcelona, por procuração com o rei dePortugal D. Dinis. Depois da morte do rei fixou residência em Coimbra,junto do convento de SantaClara, nos Paços de Santa Ana, de que faria doação ao convento. Morreu em 1336 e foi sepultada, porsua vontade, no Convento de Santa Clara, foi mais tarde transladada para o novo convento, mandadoconstruir por D. João IV, em substituição do antigo, que as cheias do Mondego destruíram, e deposi-tada em cofre de prata e cristal. O povo criou à sua volta uma auréola de santidade, atribuindo-lhevários milagres. A pedido de D. Manuel foi beatificada por Leão X (breve de 15-4-1516), mas sópara Coimbra e seu bispado; em 1625 foi canonizada por Urbano VIII. (Serrão, 1989)

8 Janeiro é o primeiro mês do calendário romano, mas até à reforma levada a cabo por Numa Pompílio,Janeiro era o undécimo mês. Começa depois do solstício de Inverno. O seu nome deriva deJano.

9 Segundo Pinheiro Chagas a rainha D. Isabel soube em Lisboa, nos Paços do Castelo, que estavamem linha de batalha o exército de seu marido e o de seu filho. Dirigiu-se ao campo de batalha emAlvalade e impediu-a de se realizar pedindo ao filho D. Afonso que cedesse perante o pai. Estefeito foi considerado pelo povo como um dos seus milagres.

10 De: http://www.online.bcl.pt/?id-lendas (27-04-2003); http://www.amvc.pt/sites concelhoslBarcelos11 Sempre que se coloca um * significa que são actividades a serem exploradas posteriormente ou fora da

sala de aula, neste caso conduzirá à realização de cartaz, em pequeno grupo com diferentes tradições.12 Esta lenda pode ser explorada por um 4" ano, integrada numa unidade sobre o estudo do concelho

de Viana do Castelo.13 Moutinho, Viale (2003). Lendas de Portugal. Diário de Notícias. 79.

As referências encontram-se na bibliografia proposta no final dolivro ..

114

Anexo 1: Grelha de análise da Lenda O Galo de Barcelos*

Introdução da Lenda: Aseguir ao estudo do concelho em que se situaa escola. Pesquisam na Internet informação sobre Barcelos e as suas tradições.Localizam Barcelos; lêem em pares a lenda.

Início e fimdos parágrafos

divididos por sequências

l·Ao cruzeiroseiscentista ...cometera.

Exploração: Questões colocadaspelo professor (no singular) e actividades

desenvolvidas pelos alunos (no plural)

A que mais está associada esta lenda para além do galo de bano?Houve alguma informação que os surpreendeu? Localizam a his-tória no tempo, colocando hipóteses para a não coincidência dasdatas nos dois documentos da Internet e vão* tentar descobrir atra-vés de outras fontes qual a data correcta.

.2., Certo dia,apareceu umgalego ...foi condenadoà forca.

2., Antes de serenforcado ... essegalo cantar quandome enforcarem.

De onde era natural o galego? Estaria a viver lá? Porquê? Por querazão estava em Barcelos? Quais as razões para culparem o gale-go? Conhecem alguns casos da actualidade em que também seculpem mais facilmente "estranhos", estrangeiros? E se vocês fos-sem acusados de terem feito algo errado que não tinham feito,num local em que não eram conhecidos como se sentiriam? Dis-cutem e contam as suas experiências ou experiências que conhe-çam sobre as questões e colocam outras. Localizam no mapa daPenínsula a Galiza e Santiago de Compostela. *Pesquisam sobreos Caminhos de Santiago. Qual era o santo que se venerava emCompostela? Por que razão o peregrino seria devoto de S. Paulo ede Santiago?

o que queria o peregrino dizer ao juiz? O que o levou a dizer oque disse em relação ao galo? Já alguma vez se viram ou sabemde alguém que se viu numa situação muito difícil e tambémacabou por dizer algo do tipo do que disse o galego? Que outrascoisas, ele poderia ter dito? Contam as suas experiências ecolocam hipóteses A que horas do dia isto teria acontecido?Porquê? Além do galo que mais podem ter a certeza que poderiaestar sobre a mesa para comerem? Mostra figura de banquete reale de refeição burguesa. Colocam hipóteses e fazem inferências apartir do texto e gravuras apresentando argumentos. Con firma 011

infirma.

11"

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:1: Risos ecomentários,foi mandado em paz.

5. Passados anos,voltou a Barcelos ...Virgem e Santiago

Se isto se tivesse passado na vossa presença o que teriam feito?Acham que o condenado pensou que eles não iam comer o galo?Porquê? Teria passado muito ou pouco tempo? O que achamque teria acontecido se tivessem comido o galo? Acham quemesmo sem o galo cantar o juiz poderia ter mudado de ideias? Oque salvou o galego? Se o juiz não tivesse lá ido ter-se-ia salvo?Seria de facto pobre este homem? Que palavras podiam usar emvez de pobre? Não seria mais correcto dizer o afortunado ho-mem? Que nome dão os católicos a "acontecimentos" semelhan-tes a este? Por que razão se chamará a este "lenda"?

Que tipo de monumento ele ergueu? Conhecem outros monu-mentos semelhantes? "Pesquisam autonomamente sobre as suaslocalidades e região, na Internet.

Actividades de conclusão/avaliação a) Versões com leves alterações da lenda analisada,encontradas em sites, para discussão das diferenças, primeiro em pares e depois no grandegrupo; elaboram um cartaz com várias versões da lenda; Quais os locais em que sepassou a lenda? Quanto tempo teria levado todos os acontecimentos relatados na lenda?Constroem linha de tempo. Traçam o possível itinerário numa gravura medieval da ci-dade e no mapa da Península. Como é que as diferentes pessoas teriam contado na alturaa "história"? Sugercm as diversas pessoas: juiz, carrasco, convidados do juiz, um frade,a doua de 11m:! estalagem, uma criança, o galego. Cada um escreve frase que sintetize asua rcl'lcxâo pessoal sobre a lenda. b) Reflectem sobre a forma como trabalharam.

Anexo 2: Grelha de Análise da Lenda Tradicional PortuguesaO Pátio da Morte.

Extractos - ... Actividades do professor (no singular) O que se Actividadese Alunos (no plural) procura complementares

desenvolver

Introdução Distribuição da lenda pelos alunos que Consultar oa lêem em pares. Em voz alta o profes- dicionáriosor lê a lenda. Identificam palavras quenão conhecem e vão ao dicionário pro-curar o significado.

PossivelmenteQue sugestões dá o narrador para uma Localizar es-

terão a paciênciamelhor compreensão da lenda? Onde se pacialmente.passa a lenda? Como se chamava o pá- Relacionar,

de procurar na tio onde o drama aconteceu? Porquê? deduzir e in-Rua da Bandei-ra ... protagonis-

Os alunos inferem a relação entre os ferir.

tas desta lenda ...acontecimentos e o nome deste local.

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',.'"'''''''''' .". ",,,; ,n, '.I,I"~"" ">lH-' n ~ \IIY" 'H,I.I~,""J,,,..' "]"" 1\

Procuram poste-riormente na In-ternet obter da-dos sobre o Mu-seu de Viana doCastelo

Quem será o protagonista que se en-contra no Museu Municipal? Os alu-nos em pares procuram no texto res-posta às questões, dialogam entre si eapresentam hipóteses argumentan-do-as.

Dialogar,discutir e ar-gumentar.

Pesquisam naInternet e em li-vros o porquêdesta rua ter estenome (Rua daBandeira). Ob-servam umaplanta da cidadeonde localizarãotodos os espaçosidentificados nalenda.

No Pátio damorte esteve ...que namoravacom ambos.

O que é que esteve durante anos noPátio da Morte? Se já não está agoralá, onde está? O que tinha de especialesta estátua, como era, o que represen-tava? Qual a causa da morte do jovem?Quem o assassinou, e porquê? O queacham do comportamento da jovem?Concordas com o tipo de justiça prati-cado? Se isto vos acontecesse comoagiriam?

In í'c r ir a

causa e dei-to dos acon-tecimentos.

Debaterideias sobrea justiça esoluçõespossíveis.

Todos os dias, àmeia-noite ...pancada que oderrubava.

Quando, com que frequência e o queacontecia de estranho à estátua? O queacontecia se alguém entrasse no pátioda morte? Vocês eram capazes de láentrar também? Já vos aconteceu teremmedo de entrar em algum local? Por-quê? Relatam experiências vivenciadaspor eles onde tivessem sentido medo.

Local izarno texto res-posta às per-guntas.

Desenvol-ver o deba-te, a discus-são, a argu-mentação econtra-argu-mentação.

Ah, mas um diao pátio ... para oMuseu Munici-pal de Viana doCastelo

Como se quebrou o encantamento?Quem provavelmente terá benzido aestátua? O que terá usado? O que acon-teceu depois à estátua? Para onde foilevada, porquê? Que mais existirá noMuseu'l

Colocar hi-póteses e ar-gumentar

117

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Actividades deconclusão/ ava-liação

Segunda parteda lendaAgora, vá o lei-tor à Igreja de S.Dom i ngos ...cela do Mostci-ro que fundara.

De quando emquando saía avisitar o bairropiscatório ...ofereceu-separa quandofosse preciso.

E, passados tem-pos, um dia demedonha tem-pestade ...

Relacionarcausa e efei-to - níveisde causali-dade. Com-preender o

Elaboram em grupos de quatro um car-taz com palavras, verbos (tempos ver-bais) e expressões temporais. Recon-tam a lenda por sequências, um alunocomeça a contar, depois outro continua,passando a outro até terminar. Tentamimaginar a estátua do jovem que seencontra no Museu de Viana do Caste-lo e descrevem-na.

Identificar elistar pala-vras e ex-pressõestemporais.Desenvol-ver a imagi-nação e cria-tividade

Visitam o mu-seu e outros lo-cais da cidadede Viana doCastelo abaixoreferidos

Que sugere agora o narrador da lenda?De quem é o túmulo aí existente? Quemfoi Frei Bartolomeu dos Mártires? Equem foi Frei Luís de Sousa? Que sig-nifica a frase: Foi um monumento donosso idioma? Que obra escreveu? Oque é uma biografia? Porque é que estetcxto é uma lenda? O que fez FreiBartolorncu dos Mártires de notávelnesta loca Iidade ele Viana da Foz-do-Lima. Actualmcntc como se chama estalocal idade? Quando c porquê mudou denome? Em que outra localidade teveum papel importante? Quem reinava nonosso país 11 data? Em que século ocor-reu a história?

Identificargéneros lite-rários. Re-conhecer aimportânciade um escri-tor do sécu-lo XVI.Identificar elocalizar notempo acon-tecimentoshistóricos.

Pesquisam naInternet e em li-vros. Relacio-nam com con-teúdos da Histó-ria de Portugaljá abordadosAprofundam,conhecimentospesquisandoRealizam linhade tempo

Classificardiferentestipos de pa-lavras.

Com que frequência o Frei visitava obairro piscatório? O que é um bairro?Que actividade exerciam na sua maio-ria os seus habitantes? O que aconte-ceu num desses lares? Como se senti-am os seus moradores? Já vos aconte-ceu uma situação semelhante em quetenham ficado desiludidos, desencan-tados com alguém ou com Deus?

Debaterideias

O que fez o Frei Bartolomeu dos Már-tires? O que aconteceu entretanto quefez com que a rapariga procurasse oFrei? Por que recuperou a fé? Que re-comendou o Frei? O que aconteceuentretanto? Como chamam os católi-

118

Correram aagradecer ao fra-de, que nem lhesquis aparecer.

Actividades deconclusão/ ava-liação

\ IlNrlUrnrrns no lJSO nf: I.ENIMS PARA A COMPREENSÃO IIIS'1(')I(I(,A

cos a este tipo de acontecimentos? Paraalém de se terem salvo que outro mila-gre se deu? Como classificam o com-portamento do Frei? Que nome dariama uma pessoa como Frei Bartolomeudos Mártires. Que outros santos portu-gueses conhecem?

Em grupo procuram indicar palavras eexpressões temporais. A primeira len-da ocorreu na mesma época que a se-gunda? Procuram referências temporaispara justificar a resposta. Constroemlinha de tempo. Quais os locais ondese desenrolam as lendas. Em gruposassinalam no mapa da cidade e num dePortugal os locais indicados na lenda.Após pesquisa autónoma sobre Vianado Castelo, a turma com a colaboraçãodo professor realizam um guião parauma visita de estudo à cidade de Viana,aos locais assinalados na lenda (Rua daBandeira, Pátio da Morte, Igreja de S.Domingos, Bairro dos Pescadores -Ri-beira, porto de mar). Como é que asdiferentes pessoas teriam contado naaltura cada uma das "histórias"? Suge-rem diferentes pessoas: rapariga, o jo-vem que matou o outro, um moradorda Rua da Bandeira; Frei Bartolomeudos Mártires, o pescador, a filha dopescador, um dos companheiros dopescador. Contam assumindo esse pon-to de vista. Discutem em grande grupoesses relatos. Cada um escreve fraseque sintetize a sua reflexão sobre aslendas e ilustram com um desenho.Reflectem sobre a forma como traba-lharam.

Traçar num ma-pa de Portugal oitinerário real i-zado por FreiBartolomeu dosMártires

contexto.Inferir e ar-gumentar.Aplicar co-nhecimen-tos.

Pesquisarde formaautónoma.

Localizarno tempoeventos

Localizarnum mapa.

Compreen-der diferen-tes pontosde vista

Desenvol-ver a imagi-nação, a ex-pressão orale escrita.

Sintetizarideias. Ava-liar o seutrabalho eempenhonas tarefasreal izadas.

111)

Page 13: CONTRIBUTOS DO USO DAS LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA_ DA TEORIA A PRATICA

GL6RIA SOLl~

Anexo 3: Versões da lenda O milagre das rosas

Versão A: O milagre das rosas

Correndo Janeiro, reconstruía-se o mosteiro de Santa Clara à conta dll

rainha D. Isabel de Aragão. Para além de custear as despesas, ela tamhcuiobviava situações desgraçadas entre as famílias dos operários e dos que mO!.1vam naquela margem do Mondego. Rio Manso, o Mondego, entrando o luvc:no destruía quanto havia nas suas margens. Só conventos foram três ou qU;III' IPorém a generosidade da rainha não era do agrado de alguns cortesãos dl' IIDinis. A corte de Coimbra ficava cara e aquelas dádivas repercutam-se no rl.lrio régio. Assim esse mesmo mês, um fidalgo dirigiu-se ao rei -poeta e COIIII'çou com rodeios, tencionando dizer-lhe algo. O rei sacudiu-o para que fab',,"I'e ele pôs a situação em pratos limpos: a rainha gastava acima das possibil id,1des, pelo que importava que D. Dinis tomasse uma atitude. Enfurecido, I)Dinis mandou sair o seu cortesão e pensou no que fazer. Porém antes do ()I;II',.reconheceu-lhe razão. Assim, passados dias, apercebendo-se que D. Isabel ~,OIíra do palácio, foi ao seu encontro.

A esposa de D. Dinis ia acompanhada de suas damas e cavaleiros. 011;111111tinha para distribuir o levava embrulhado no seu manto, preso ao regaço. QII;IIIII.Ia rainha viu o marido, empalideceu e todo o se séquito se retraiu, pois conhc. Iam-lhe as cóleras. O que se passou naquele instante podemos ir sabê-to 1'111verso recorrendo a um testemunho real, eis os versos de Afonso Lopes Vil'I!.1

- Que levais aí SenhoraNesse regaço tamanho?- Eu levo cravos e rosasQue outras coisas não tenho!

Nem sequer há maravilhas,Menos cravos em Janeiro,Ou serão esmolas isso?Ou isso será dinheiro?

A rainha não falouSó o regaço abriuE eram cravos c rosasE dinheiro nâo se viu.

CONTRJ8UTOS DO uso DE LENDAS PARA A COMPREENSÃO IllST6RICA

E o romance acaba assim:E nossa Rainha SantaOutros milagres obrou:A uma cega deu vista,

E outra, muda, falou.Outra que não tinha leiteO seu filho aleitou.E com tamanhos milagresSanta bem santa ficou!

In, Moutinho, Viale (2003), Lendas de Portugal. Diário de Notícias. p.79.

Versão B: Lenda do Milagre das Rosas

Chegara o mês de Janeiro. Em Coimbra as casas das monjas de Santa'1111':1,quase destruídas pelas cheias do Mondego, reconstruíram-se rápida-

mente. Isso fora possível porque a rainha Dona Isabel velava por elas.

Quando algum desgraçado se via sem pão dentro de um lar minado peladtl\.'1H';iI, logo procurava a sua rainha. E se nem sempre regressava com saúde])11111 () corpo, pelo menos trazia pão para a boca, e palavras tão lindas ressoando

ti/'! seus ouvidos, que por si só já constituíam consolação para o seu espírito.

De todos, essa esposa e filha de reis cuidava como se fossem pessoasUIIS. Levava o seu zelo ao ponto de ir ela própria vigiar os trabalhos em curso

!lU/'! cnsas das monjas. E os operários, desvanecidos com a real presença, e\111":1com os auxílios monetários que Dona Isabel trazia aos mais necessita-hlN, Irnbal havarn com redobrado ardor.

Porém como acontece neste mundo, a rainha não tinha somente amigos.11 1'1'11;1vez, um despeitado da corte procurou azedar o ânimo de el-rei D. Di-1\IN. Aproveitado um dos momentos em que estava a sós com O rei, encetoudIAII)!'.\) que hú muito andava bailado no seu cérebro:

l'crdoai-rnc, Senhor, se me atrevo a falar-vos num assunto que me trazl'\'III·lIp:ldo.

() rri ()1I11li I o ci uu \'\,11;1.ilrivcv ..

J)1·i,'Cli VIISdi' 1,1\11·1\1,x. I )i"/ri u quc IlIl'll'lIdris

Page 14: CONTRIBUTOS DO USO DAS LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA_ DA TEORIA A PRATICA

GL6RJA Sou:

o cortesão mordeu os lábios e disse:

_ Senhor meu Rei ... A Rainha vossa digna esposa, dispõe com bastante

liberdade do vosso tesoiro.

D. Dinis franziu as sobrancelhas:

- Que dizeis? Explicai-vos e já

O fidalgo tornou com humildade fingida:

_ Meu Senhor, acreditai no que vos digo ... A Rainha gasta de mais ...

- Mas como sabeis isso?

_ Oh! É fácil de saber, me Senhor ... Só os vossos bons lhos não queremvcr a verdade. Se me permitis ...

O rei encolerizou-se.

- Falai! Mas falai de uma vez!

O fidalgo baixou a cabeça e declarou numa voz um tanto incerta:

_ Oh, meu Rei e Senhor! Só vos quero ajudar ... O dinheiro desaparece,esgota-se, some-se ... São as esmolas, as obras das igrejas, os empréstimos, asdádivas, as doações a conventos ... enfim ... uma loucura, Senhor! É necessáriaa vossa intervenção ...

Um grito do rei de Portugal cortou-lhe a frase!

D. Dinis levantou-se, fazendo recuar o fidalgo. Em largas passadas peloaposento, procurava acalmar a impetuosidade do seu temperamento belicoso.Seria verdade o que acabavam de dizer? Sim, devia ser verdade. A mentirarepresentaria nesse momento um desmedido arrojo. E ao homem que tinha nasua frente sobrava-lhe em mesquinhez o que lhe faltava em audácia. E toda-via ... o vir à sua presença pôr em cheque a própria rainha não seria já um acto

destemido?

O rei parou de andar dum extremo ao outro da saleta. Olhou fixamente ofidalgo, que baixou os olhos, e ordenou:

-Deixai-me só! Preciso de pensar no caso sem a sensação de estar a ser

espiado.

CONTRI8UTOS DO USO DE LENDAS PARA A COMPREENSÃO HIST6RJCA

Inclinando a cabeça, o fidalgo retirou-se em silêncio. Conhecia bem (rei e sabia bem de antemão que as suas declarações o tinham impressionado.Quanto ao monarca, logo que ficou longe das vistas do seu súbdito, deixou-secair uma cadeira, murmurando consigo mesmo: «É isso! Tenho de pôr cobrode uma vez para sempre aos hábitos excessivamente misericordiosos da Rai-nha! E será o mais breve possível!»

Ora, se bem o pensou melhor o fez. Dias depois, quando Dona Isabelsaia dos Paços de Coimbra acompanhada pelas damas e pelos cavaleiros doseu séquito para se dirigir às obras de Santa Clara e espalhar as suas esmolas,surgiu-lhe de súbito, pela frente, a figura desempenada do rei. Ele cumprimen-tou-a, cortesmente:

- Bom dia, Senhora! Ia partir para uma caçada, mas lembrei-me de vossaudar.

- Agradeço-vos a boa ideia, Senhor.

A rainha disse estas palavras sorrindo, mas instintivamente recuou Ulllpouco, como a disfarçar o que levava no regaço. Porém, esse gesto embora malesboçado não escapou à perspicácia de D. Dinis. Tentando esconder a suspeitaque o assaltara, ele perguntou de novo, com a cortesia própria de um rei:

- Podeis dizer-me Senhora, onde ides tão cedo?

Dona Isabel empalideceu. O coração bateu-lhe mais apressado e apóscerta hesitação, respondeu com voz branda:

- Vou ... armar os altares do mosteiro de Santa Clara.

Então el-rei olhou-a de sobrecenho carregado. Asua voz tornou-se menosagradável. O sorriso cortês desapareceu-lhe dos lábios, enquanto perguntava:

- E que levais no vosso regaço, Senhora? À-Ia-fé que pareceis receosa.Nem quero acreditar que pretendeis ir distribuir novas esmolas pelos vossosprotegidos ... Isso seria contra todas as minhas ordens e contra todos os 111l"1I,-;conselhos. Dizer-me, pois, o que levais no regaço.

A rainha tornou-se ainda mais pálida e por momentos permaneceu xik-uciosa. Eleva a Deus o pcnx.rrncnto, pedindo-lhe afl itiv.uucntc () Sl'lI divi nunuxíl io. Alarmada, ILHla;1l'onlitiv;1 nlh.iva o rei, ICl'eOS<lLi;1 SII<I('oll'I;1 I) I )illl"fixou de frCllte;1 raiuhn, <llll' dnv.i a ideia de est;lr Jlll'Sl'lltl' ;qll'II;IS ('111('(IIIHIScntiu fllgil IlIl' t(HI.I él(';t1ll1<11Il' qlll' SI' til\l1<1Il'vI'stidi\ r 11111""11,..

Page 15: CONTRIBUTOS DO USO DAS LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA_ DA TEORIA A PRATICA

- Então Senhora, terei de dar ouvidos aos rumores que circulam à minhavolta? Sempre é verdade que levais no vosso regaço dinheiro para oferecer aosmaltrapilhos que protegeis?

Dona Isabel olhou o rei como quem torna dum sonho. O rubor voltava-lhe às faces, o sorriso brincava-lhe de novo nos lábios. E na sua voz melodiosae pausada, respondeu:

- Enganai-vos, Real Senhor. .. O que levo no meu regaço ... são rosaspara enfeitar os altares do mosteiro!

D. Dinis sorriu com ironia.

- Rosas? Como vos atreveis a mentir, Senhora? Rosas em Janeiro? ..Pois ficai sabendo: se aqui estou neste momento ... se aqui vim, e porque al-guém me garantiu que leváveis dinheiro ... compreendeis agora?

O rosto da rainha não se contraiu sequer, humildemente. E ante o pasmoe a aflição de quantos a rodeavam, insistiu com firmeza:

- Enganai-vos, Senhor! E enganou-se também quem vos informou. Sãorosas o que levo no regaço!

D. Dinis cerrou os dentes. Os seus olhos brilhavam de cólera e a sua voztornou-se ainda mais dura:

- Insistis na vossa mentira, Senhora? Então ... Mostrai-rne essas rosas!

Serenamente, ante o olhar atónito do rei e de todos os que ali se encon-travam, a rainha Dona Isabel abriu o regaço e deixou ver um ramo de rosasmaravilhosas, enquanto murmurava:

- Vede, senhor. .. Vede com os vossos olhos!

Houve um ligeiro murmúrio de pasmo entre a comitiva. El-rei D. Dinis,diante de tão grande prodígio, olhava atónito para as flores e para as mãos darainha, sem conseguir pronunciar uma palavra. Estava certo de que aconteceraalgo de sobrenatural. Algo de estranho que o impressionava e confundia. E sómomentos depois conseguiu sorrir e murmurar:

Perdoai-rne, Senhora, se vos ofendi ... Mas nunca pensei ver rosas tãolindas neste tempo!

124

Ela sorri-lhe meigamente. Havia felicidade no brilho dos seus olhos, 11:1

suave expressão do seu rosto, no bondoso sorriso dos seus lábios. Curnprimcutando-a com galhardia, o rei afastou-se, deixando que a rainha seguisse o SClI

caminho.

Então, de novo, Dona Isabel elevou os olhos ao Céu. O seu ar harmoni-oso e a paz que resplandecia do seu rosto entraram na própria alma de quantoscompunham a sua comitiva. Ninguém se atrevia a falar, a fazer um gesto se-quer. Sentiam a solenidade do momento com uma alegria interior de difícilexteriorização.

Foi a própria rainha quem deu o sinal de continuar a marcha a caminhodo mosteiro de Santa Clara. Lá a esperavam os desgraçados que viviam (Lisesmolas da sua mão benfeitora, do seu olhar carinhoso, da sua palavra tão ceiade consolação. E lá estavam também os altares, esperando a sua graciosa aju-da.

Daí a pouco já toda a cidade de Coimbra se encontrava ao corrente doestranho prodígio que representava o pão e o dinheiro transformados em rosas.O povo proclamava, de lágrimas nos olhos: «Foi um milagre! Foi um milagre!É santa a nossa rainha! Bendito seja Deus que a deu ao nosso reino!»

E o povo, gente grande com alma de menino, dentro das suas inespera-das reacções, e aquele cuja voz deve ecoar no Céu. Assim, saltitando de bocaem boca, o milagre das rosas chegou até nós e continuará para além dos sécu-los.

ln Marques, Gentil, (1997). Lendas de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores. 291-294.

Versão C: A lenda das rosas

Estando a rainha santa em Coimbra assistindo às obras do seu paço deSanta Clara, e fazendo ela própria o pagamento aos operários em dobras deouro que trazia no regaço, ali apareceu, sem ser esperado o rei D. Dinis. Arainha surpresa, envergonhada e receosa de que o económico soberano a acu-sasse de pródiga, afligiu-se tanto com esta desdita, que, por súbito milagre, asdobras se converteram em rosas, e assim se quebrou a cólera do monarca. ( ... )

In. Conquista L: organização do reino de Portugal. Narrativas e lendas ria l l ist orit:Pá/ria (Vol.I). Lisboa: Biblioteca da Infância. 1/11 1·1.'

I.'''

Page 16: CONTRIBUTOS DO USO DAS LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA_ DA TEORIA A PRATICA

GLÓRIA SOLÉ

Versão D:_Milagre da Rainha Santa Isabel

Diz a história que no tempo em que reinava em Portugal o Rei D. Dinis,O marido da Rainha Santa Isabel, os pobres daquela época iam pôr-se à port: I

do Castelo, pedindo esmola.

Essa mesma esmola era negada pelo rei.

Mas como a rainha D.ª Isabel era muito bondosa vinha às escondidas dll

seu marido dar esmola e pão aos pobres.

Só que um dia o Rei encontrou-a quando ela ia dar esmola e perguntou

- Que levas no manto, Rainha minha?

E a Rainha com medo porque o Rei não queria que ela desse eS1ll1l1.1

respondeu:

-São rosas, meu Rei.

Então, o Rei pediu à rainha que lhe mostrasse.

A Rainha cheia de medo mas com muita fé em Deus abriu o maU!11('

dele caíram rosas vermelhas.

Surpreso o Rei e todos os presentes pois não era época de rosas, der» .'.1

então um milagre: o milagre das rosas.

http://www.elbl-l-elvas.rcts.pt/actividades/lendas/lendas.html#ra i1111"

Versão E

Reza a lenda que, durante o cerco de Lisboa, D. Isabel estava ;1 di',

tribuir moedas de prata para socorrer os necessitados da zona de Alv.il:« I1quando o marido apareceu. O rei perguntou-lhe: "o que levais aí, Senhor»?" ,111que ela, com receio de desgostar a D. Dinis, e, como que inspirada pdll I I 1I

respondeu:

"Levo rosas senhor. .. " E, abrindo o manto, perante () olhar :lltlllilll tlll

rei, não se viram moedas, mas sim rosas encarnadas c frescas.

http://samarituna.no.salli1pl/aSal1l'.1.Iilan:l.lil~l1

!1{,

CONTIUBUTOS DO USO DE LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA

Anexo 4: Grelha de Anál ise da Lenda O milagre das rosas

xtractos - ... Actividadescomplementares

orrcndo Ja-I De que trata a lenda? Quem sãoas figu- Localizar no Posteriormenteras Históricas aqui referidas? Que ou- tempoenoes- procuram natras pessoas são citadas? Quando e onde paço. Reco- Internet e em li-os acontecimentos ocorrem? Todas as nhecer dife- vros informa-

ou I versões são unânimes? Analisam e com- renças entre ções sobre D.param as versões. Reconhecem diver- as versões. Dinis, a rainhagências nos locais indicados. Pede-se- Compreender Santa Isabel, olhes que tentem explicar porquê essas diferentes rio Mondego, odiferenças? Colocam hipóteses. Qual é pontos de vis- Mosteiro dea mais verdadeira? Porquê? Argumen- ta, Discutir e Santa Clara.tam e justificam as respostas dadas, Que argu mentar Procurar encon-catástrofe é referida? O que a terá ori- Colocar hipó- trar com a ajudaginado? Que destruições provocou? teses. Inferir do professor in-Quantos conventos tinham sido sobre as cau- formação sobredestruidos porquê? Que conventos se- sas e efeitos esses conventos.

riam') Lembram-se também de algumas elas cheias.c;ll;íSlfJJfcs, ÜIlÚ-;,1 COI1l que rei era ca- Rc lac io n a rsada a r.unh.: lxabc]? hll lod;IS as ver- com conheci-xocx () ljllC h;í de cnuuuu? ('01111) cra mc.ul ox quec.u a('ll·1 i/.;III;1 ;1 I ;lillh:1 Is;IlH'I'I ()1Il' al' 1Kl.~SIlCII1.

,11l'S11';!lI/;lva')

o que seprocura

desenvolver

Actividades do professor (no singular)e Alunos (no plural)

Integrada no módulo à "Descoberta dos Compreen-outros e das Instituições", na unidade der o texto"O passado nacional: personagens e fac- C o m p a r a rtos da História. Depois de se ter falado diferentesem alguns reis de Portugal, quando se versões.chega a D. Dinis, dá-se a lenda "O mi-lagre da rosas" (versão A). Pede-se aosalunos que a leiam em pares. Distri-bui-se outras versões da lenda (ver-sões B, C e D). Identificam palavras quenão conhecem e vão ao dicionário. Oprofessor esclarece sobre algumas pa-lavras.

Page 17: CONTRIBUTOS DO USO DAS LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA_ DA TEORIA A PRATICA

GLÓRIA SOLl~

Porém a genero- Todos concordavam com a sua genero- Estabelecer Observam iru.isidade da rainha sidade? Porquê? Quem c o que fez para relações de gens da época... D. Isabel saíra impedir tão grandes gastos? Por que é causalidade medieval faculdo palácio, foi ao que a corte de Coirnbra ficava cara? ta das pelo P'"seu encontro. Mostram-se imagens de corte, das fes- Analisar fessor.

tas, dos paços, dos banquetes ... Anali- imagens Pesquisam ";111

sam essas imagens. grupo em livru-,e na Internei.

A esposa de D. Quando a rainha saia quem a acornpa- ExplorarDinis ia acom- nhava? Que outras actividades real iza- imagenspanhada ... ver- vam as amas e os cavaleiros? Com basesos de Afonso na exploração de imagens tentam de- Descrever asLopes Vieira. duzir e inferir. O que levava consigo a actividades

rainha? Como reagiu quando viu o rei? realizadasPorquê? na corte

- Que levais aí Será que o rei acreditou no que a rai- DesenvolverSenhora? E com nha dizia que trazia? Porquê? Apresen- o espírito crítantos milagres tarn argumentos justificativos? Discu- ticoSanta bem fi- tem entre si. Relacionam com as esta- Discutir ecou. ções do ano. Porque é que terá dito que argumentar

levava rosas? O que aconteceu entre- Distinguirtanto? Como chamam os católicos a lenda de ou-estes "acontecimentos"? Conhecem tras formasoutras lendas, que falem de milagres? narrativas.E outras? Falam dos seus conhecirnen- Reconhecertos. Porque será uma lenda? Se vives- diferentessem naquela época o que sentiriam? versões daOralmente expressam as suas opiniões. mesma len-Porque é que existirão tantas versões da.da lenda? Iniciar a

concepçãode proviso-riedade h is-tórica

Concl usão/ Ava- a)Recontam a História oralmente c de- Rccontur I~Cl'{)II"1 111 . .1 ,

I ia<.;iin pois por escrito. b)Fazell1 postcriorrncn- csnitnte " slla dl'alll"ti/.a\~o. c) Pcsq"isa dl' Di.uu.uiz.u

!II!

CONTRlOUTOS DO USO DE LENDAS PARA A COMPREENSÃO HISTÓRICA

imagens das ruínas de Santa Clara-a-Velha e de Santa Clara-a-Nova. d) Com-param imagens da rainha Santa Isabelque acompanham as diferentes versões.e) Podem organizar uma visita à cidadede Coimbra, onde visitarão os locais re-feridos na lenda e outros que a ela estãorelacionados (Convento de Santa Cla-ra-a-Nova, o seu túmulo, a estátua darainha do escultor Teixeira Lopes). f)Procurar informações sobre as festas tra-dicionais da Rainha Santa, isto integra-do nas festas e romarias nacionais. g)Elaboram em grupos cartazes sobre fes-tas e romarias em Portugal.

Pesquisarem livros e IVisita de estudoInternet

Pesquisar sobrePreparar e festas tradicio-organizar a nais da Rainhavisita de es- Santa.tudo.

Elaboração deTrabalhar Icartazesem grupo