De Olho No Gato | Revista Pesquisa FAPESP 215 | Jan 2014

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    Pesquisadores se mobilizam para aumentar em 20% a

    populao de onas-pintadas na mata atlntica em cinco anos

    BIODIVERSIDADEy

    De olhono gato

    Carlos Fioravanti, de Atibaiae Ricardo Zorzetto, de Campinas

    O

    veterinrio Ronaldo Moratopretende sair logo atrs deonas-pintadas, se possvel jem maio, quando passarem

    as chuvas do incio de ano. Seu plano colocar um colar especial em cincoonas dessa espcie que vivem nas flo-restas do sul do estado de So Paulopara acompanhar seus movimentos adistncia e conhecer seus espaos favo-ritos. A definio de reas prioritriaspara a conservao desses animais fazparte de um plano estabelecido em se-tembro em Campinas para ampliar em20% a populao de onas-pintadas osmaiores felinos das Amricas na mata

    atlntica, o ambiente florestal em queso mais raras.

    O plano prope a reduo da caa,o monitoramento das populaes re-manescentes, o uso de tcnicas comoinseminao artificial e a formao deum banco de smen de onas-pintadasda mata atlntica. Participantes da reu-nio pesquisadores acadmicos e re-presentantes de empresas e de rgos dogoverno reconheceram que o esforoconcentrado em um nico ecossistemacom metas de curto prazo deve facilitar

    o trabalho e aumentar a chance de suces-so do plano de ao. J existe um planonacional de preservao das onas-pin-tadas, publicado em dezembro de 2010

    noDirio Oficial, com aes previstasat 2020. Em uma avaliao recente, osespecialistas verificaram que parte dosobjetivos tinha sido atingida e conclu-ram que trabalhar separadamente nosdiferentes ambientes brasileiros poderiaser mais produtivo.

    Se conseguirmos reduzir as pressesatuais, como a caa e a fragmentao dafloresta, pode j ser o bastante para au-mentarmos a populao de ona-pintadana mata atlntica, diz Morato, coorde-

    nador do Centro Nacional de Pesquisase Conservao de Mamferos Carnvo-ros (Cenap) do Instituto Chico Mendesde Conservao da Biodiversidade. Emsua sala de trabalho, em um prdio dedois pisos com amplas janelas de vidroe vigas de madeira prximo rodoviaDom Pedro I, em Atibaia, ele acompa-nha pelo computador o movimento deoito onas-pintadas nas matas do nortedo pantanal. Vrias vezes ele sentiu me-do e fascnio ao se ver em campo diantedesses felinos, que podem chegar a 2,70

    metros de comprimento e podem atacarquando se sentem acuados. A primeiravez foi em 1992, recm-formado em ve-terinria, para anestesiar uma ona-pre-

    ta e acompanhar outros pesquisadorescolocando um colar de monitoramentono animal, ainda como estagirio do bi-logo Peter Crawshaw, um dos pioneirosna preservao de felinos silvestres noBrasil. E nunca mais me desprendi dasonas, diz Morato, aos 47 anos.

    Temos de trabalhar juntos e acreditarque o plano vai dar certo, ele ressalta.Reduzir a caa e a fragmentao, comoele prope, exigir uma ateno perma-nente dos rgos de fiscalizao ambien-

    tal nos estados de So Paulo, Rio de Ja-neiro, Minas Gerais, Esprito Santo e Ba-hia, por onde a mata atlntica se espalha.Em todo o pas, a caa para a retirada evenda de pele ou como retaliao, quan-do as onas atacam os rebanhos ainda intensa, embora proibida e classificadacomo crime inafianvel. Em 2013, elee Elildo Carvalho Jr., outro pesquisadordo Cenap, em colaborao com o Insti-tuto Pr-Carnvoros, verificaram quepelo menos 60 onas-pintadas (Pantheraonca) e pardas (Puma concolor) foram

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    Projetos

    1.Uso e ocupao do espao, movimentao e seleo de

    hbitat por ona-pintada (Panthera onca) na mata atln-

    tica e caatinga: uma anlise comparativa (2013/10029-

    6); ModalidadeAuxlio Regular a Projeto de Pesquisa;

    Coord.Ronaldo Gonalves Morato Cenap; Investimento

    R$ 110.627,80 (FAPESP).

    2.O uso de mtodo no invasivo para monitoramento

    da funo ovariana em onas-pintadas (Panthera onca)

    via ensaio imunoenzimtico e caracterizao dos meta-

    blitos de esteroides fecais por meio de cromatografia

    lquida de alta eficincia (13/12757-9); Modalidade Aux-

    lio Regular a Projeto de Pesquisa;Coord.Valeria Amorim

    Conforti Unifran; Investimento R$ 35.780,00 (FAPESP).

    Artigos cientficos

    CARVALHO Jr., E.A.R. de e MORATO, R.G. Factorsaffec-

    ting big cathunting in Brazilian protectedareas. Tropical

    Conservation Science. v. 6, n. 2, p. 303-10. 2013.

    CONFORTI, V. A. et al. Laparoscopic oviductal artificial

    insemination improves pregnancy success in exoge-

    nous gonadotropin-treated domestic cats as a model

    for endangered felids. Biology of Reproduction.v. 88,

    p. 112.105353. 2013.

    O apoio dos

    moradores de

    reas prximas

    a matas comonas

    fundamental

    para os planos

    funcionarem

    mortas por caadores nos ltimos doisanos, com base em informaes de 100gestores das unidades de conservaoambiental administradas pelo governofederal. Estima-se que 5.500 represen-tantes dessa espcie se escondam nasflorestas brasileiras, principalmente naAmaznia e no pantanal. Mesmo assim,a ona-pintada considerada vulnervel

    ao risco de desaparecimento, por causado declnio populacional.

    Na reunio de setembro em Campi-nas e em uma carta publicada na revis-ta Scienceem novembro, pesquisadoresde vrias instituies do pas alertaramque a mata atlntica, se nada for feito,pode ser o primeiro ambiente florestalbrasileiro a perder essa espcie de felino ali, a ona-pintada j classificada co-mo criticamente ameaada de extino.Estima-se que a floresta atlntica abrigue

    apenas 250 onas-pintadas, total con-siderado baixo para a manuteno daspopulaes. Alm do pequeno nmerode animais, outro problema a baixa di-versidade gentica. Os estudos do grupode Eduardo Eizirik da Pontifcia Univer-sidade Catlica (PUC) do Rio Grandedo Sul indicaram que os 250 animais,em consequncia de cruzamentos entreeles, correspondem a apenas 50 indiv-duos efetivos, geneticamente distintos.

    As onas-pintadas ocupam apenas

    7% da rea total da mata atlntica.Se houvesse mais animais dessa

    espcie e tambm mais oferta de suadieta favorita, as queixadas, uma esp-cie de porco selvagem bastante caadapor causa da carne, mas indesejada por-que anda em bandos e destri plantaes, a rea ocupada poderia ser trs vezesmaior, de acordo com as pesquisas do gru-po de Mauro Galetti, da Universidade Es-tadual Paulista (Unesp). Seus estudos in-dicaram que a falta de onas-pintadas, os

    predadores de topo de cadeia alimentar,pode causar vrios tipos de desequilbriosecolgicos, deixando animais herbvoroscomo a anta ou mesmo roedores semultiplicarem livremente ou favorecen-do o crescimento de gramneas e outrasplantas baixas no lugar das rvores.

    Valria Conforti, professora da Uni-versidade de Franca (Unifran), disse quesaiu otimista da reunio de setembro emCampinas. Todos estavam chocadoscom a situao das onas-pintadas namata atlntica e se mostraram dispostos

    a correr riscos e testar o que achamosque pode dar certo, ela observou. Umde seus planos para este ano testar, emonas-pintadas mantidas em zoolgicospaulistas, uma tcnica de inseminaoartificial que ela aplicou experimental-mente em gatas domsticas e outros fe-linos no zoolgico de Cincinnati, nos Es-tados Unidos. Essa abordagem consisteem medir a variao hormonal das on-

    as fmeas por meio da anlise de fezes,identificar o momento mais adequado,induzir a ovulao e fazer a inseminaoartificial, depositando smen por meiode uma laparoscopia na tuba uterina, emvez do tero, como j se faz, para facili-tar o acesso do espermatozoide ao vuloe aumentar a chance de fertilizao. Ainseminao artificial j foi aplicada aoutros felinos, mas ainda no a onas--pintadas. Se os testes derem certo, Va-lria pretende aplicar essa tcnica em

    animais de vida livre em 2015, como for-ma de aumentar a probabilidade de gera-o de filhotes sadios e evitar o risco decruzamento entre animais aparentados.

    A transferncia de animais de umamata para outra uma possibilidade co-gitada para repovoar as matas com on-as-pintadas. Trata-se, porm, de umaalternativa de custo alto e muitas difi-culdades, que exige o apoio de comu-nidades rurais e fazendeiros que acei-tem ter uma ona perto de suas casasou pastagens. Vrios estudos, como os

    do bilogo Slvio Marchini, pesquisadorda Escola da Amaznia e da Universida-de de So Paulo (USP), mostraram queo apoio dos moradores de reas ruraisprximas a matas ocupadas por onas fundamental para os planos de aofuncionarem. No pantanal, com resulta-do de um experimento-piloto do Cenapcom uma pousada, ganha adeses o ar-

    gumento de que o lucro com o turismode observao de onas pode ser maiorque a perda de um ou outro boi.

    H relatos de xito de transfern-cia de felinos nos Estados Unidose na Espanha, mas no Brasil as

    poucas tentativas feitas at agora, emflorestas a serem cobertas por reserva-trios de hidreltricas, no deram certo.Os animais transferidos no se adapta-ram, comearam a comer bois e foram

    mortos por caadores ou voltaram a seuslocais de origem, a dezenas de quilme-tros de distncia. Em um dos debates noencontro de setembro em Campinas,os pesquisadores observaram que, nosprximos cinco anos, talvez a criao deconexes ou corredores entre os frag-mentos de floresta seja uma alternativamais vivel que a inseminao artificialou a transferncia de animais para am-pliar as populaes de onas-pintadas namata atlntica. Todos concordaram quese trata de um problema urgente. No

    podemos esperar muito, disse ValriaConforti. A ona-pintada j conside-rada extinta no Uruguai e nos pampasdo Sul do Brasil. n

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    Um poo para salvar as onas

    Mais apreensiva do que quando

    olhou para os examinadores

    de sua banca de doutorado,

    a biloga Claudia Campos

    observou os 50 sertanejos sua

    frente na igreja do povoado de

    Queixo Dantas, norte da Bahia,

    na tarde de um domingo de julho

    de 2012. Nervosa, mas com

    voz firme, ao lado dos amigos

    Claudia Martins, Carolina

    Esteves e Alexandre Anzio,

    ela sugeriu aos homens que

    fizessem cercados para manter

    suas cabras e ovelhas, em vez

    de deixar os animais soltos na

    caatinga na poca de seca, sob

    o risco de serem atacados por

    onas. Os criadores reagiram:

    como poderiam deixar os animaispresos sem gua nem comida, se

    no chovia h trs anos? Se eles

    aceitassem, ela disse, poderiam

    construir um poo para tirar gua

    e cultivar plantas para alimentar

    os animais. Oito deles aderiram

    ao plano.

    A perfurao do poo

    artesiano estava prevista para o

    final do ms passado, as plantas

    que serviriam de alimento para

    os caprinos seriam semeadas

    logo depois e os novos

    cercados, construdos a partir

    de fevereiro. Se tudo der certo,

    os animais tero alimento ao

    longo de todo o ano, como

    j se faz em outras partes do

    serto do Nordeste, e no

    precisaro mais pastar nas

    reas de mata nativa durante

    a seca, reduzindo as chances

    de encontro com as onas;

    os moradores as matam para

    evitar que ataquem seus

    animais de criao.

    Claudia chegou a Petrolina,

    Pernambuco, em outubro de

    2006, como pesquisadora do

    Centro Nacional de Pesquisas

    e Conservao de Mamferos

    Carnvoros (Cenap) do InstitutoChico Mendes de Conservao

    da Biodiversidade, um dos

    braos antigos do Ibama,

    para detalhar a distribuio

    geogrfica e os hbitos da

    ona-pintada em uma regio

    de 900 mil hectares conhecida

    como Boqueiro da Ona.

    Ao verem a forasteira chegando

    em um carro com o logotipo

    do Ibama, os moradores logo

    diziam que no caavam bicho

    Manuel Silva, morador da regio de Boqueiro da Ona ( acima), Alessandra e a

    filha Sara, Cailane Ferreira (ao fundo) e Claudia Campos: dilogo constante

    nenhum. Conversando muito,

    ela venceu a desconfiana.

    Todos esto cansados de ouvirdo governo coisas que poderiam

    ajudar a vida deles e nunca

    aconteceram, ela observou.

    J visitei 140 dos quase

    150 povoados da regio.

    Aos poucos ela concluiu

    que teria de cuidar dos conflitos

    entre os moradores e os

    animais silvestres. Em 2009,

    aos 76 anos, o zologo George

    Schaller, pioneiro mundial na

    conservao de grandes

    carnvoros e vice-presidente

    da Panthera, organizao que

    apoia o trabalho na Bahia,percorreu a regio e reforou

    sua hiptese ao dizer que seria

    impossvel preservar animais

    silvestres sem a participao

    dos moradores locais. Claudia

    estima que por ali vivam

    50 onas-pintadas ainda no

    viu nenhuma, apenas v as

    pegadas durante o dia e

    sente que os animais passam

    por perto quando ela tem

    de dormir no meio da caatinga.

    FOTOS

    1CLAUDIA

    B.

    CAMPOS

    2ALEXANDREANZIO

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