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DELEUZE E GUATTARI, FILOSOFIA PRÁTICA III Introdução ao Mil Platôs (segunda parte) Uma das noções norteadoras do pensamento de Deleuze e Guattari é a de que uma filosofia política que se preze, hoje, deve estar centrada na análise do capitalismo e de seus desenvolvimentos. O interesse por Marx, por parte dos autores de O anti-Édipo (1972) e Mil platôs(1980), é a análise do capitalismo como sistema imanente que se reproduz sempre em escala crescente, incorporando inclusive as forças produtivas que se constituem, originalmente, à sua margem e, no mais das vezes, em resistência a ele. Se essa análise, contudo, desloca a si mesma em relação ao debate marxista, é porque soube criar novos conceitos para pensar a singularidade da experiência política da Europa pós-68. Entre eles, o conceito de linha de fuga (ao invés de contradição) para explicitar os movimentos constitutivos de cada sociedade para além dos regimes jurídicos e institucionais que visam a uniformização e o regramento da vida social. Além disso, o conceito de classe dá lugar ao de minoria, que não se define pelo número, pois ela pode ser mais numerosa que uma maioria. Esta se apresenta como um modelo que procura se impor como norma, enquanto a minoria é antes um processo que uma adequação ao mesmo (modelo): a minoria é um devir- outro, uma ruptura com o mesmo e uma abertura para o novo como processo de criação. O debate político que se propõe se define a partir de uma filosofia prática e passa pela produção de sentido, antes que pela decifração do real. Decifrar o real é encontrar o sentido como dado a priori que já comporta em si um esquema de valores estabelecidos que justifica o real tal como ele é, levando a esquivar-se diante da miséria, resignar-se diante do intolerável. O que se propõe é um pensamento que, na apreensão mesma do intolerável, responda enfaticamente através da produção de novos sentidos e valores, numa prática que renuncie a toda política de compromisso com os valores vigentes que resultam na imensa fabricação da miséria humana, material e espiritual. Em suma, a filosofia de Deleuze e Guattari se apresenta como aliada daqueles que se somam no esforço de pensar, não apenas pela força de seus conceitos, mas também por enfatizar que o pensamento se define enquanto atividade criadora, que não pode ser descolada do mundo que se põe a pensar sem correr o risco de deslizar para ideias gerais pré- concebidas e inócuas. Assim, o pensamento se afirma enquanto prática imanente decorrente das forças da experiência vivida em sua singularidade pois não há filosofia que não seja filosofia política. Objetivo Propor uma série estudos sobre as obras de Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guattari (1930-1992), que conjugam de modo original e provocativo domínios variados do saber: das matemáticas à economia política, da antropologia à psicanálise, da política ao direito, das artes plásticas e cinema à literatura. Essa é uma das razões da composição plural do corpo docente e da diversidade das abordagens propostas nas ementas. Público Alvo Aberto aos interessados de todas as áreas de saber e atividade. Carga Horária Este curso tem carga horária de 66 horas. Coordenador Acadêmico Maurício Rocha, Doutor em Filosofia PUC Rio, 1998. Professor do Departamento de Direito da PUC Rio. Período de Aulas Segundas e quartas de 19h às 22h De 18 de agosto a 5 de novembro de 2014

Deleuze Guattari Filosofia Pratica 3

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Deleuze e Guattari filosofia prática

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DELEUZE E GUATTARI, FILOSOFIA PRÁTICA III

Introdução ao Mil Platôs (segunda parte)

Uma das noções norteadoras do pensamento de Deleuze e Guattari é a de que uma filosofia política que se

preze, hoje, deve estar centrada na análise do capitalismo e de seus desenvolvimentos. O interesse por Marx, por

parte dos autores de O anti-Édipo (1972) e Mil platôs(1980), é a análise do capitalismo como sistema imanente

que se reproduz sempre em escala crescente, incorporando inclusive as forças produtivas que se constituem,

originalmente, à sua margem e, no mais das vezes, em resistência a ele. Se essa análise, contudo, desloca a si

mesma em relação ao debate marxista, é porque soube criar novos conceitos para pensar a singularidade da

experiência política da Europa pós-68.

Entre eles, o conceito de linha de fuga (ao invés de contradição) para explicitar os movimentos constitutivos de

cada sociedade para além dos regimes jurídicos e institucionais que visam a uniformização e o regramento da

vida social. Além disso, o conceito de classe dá lugar ao de minoria, que não se define pelo número, pois ela

pode ser mais numerosa que uma maioria. Esta se apresenta como um modelo que procura se impor como

norma, enquanto a minoria é antes um processo que uma adequação ao mesmo (modelo): a minoria é um devir-

outro, uma ruptura com o mesmo e uma abertura para o novo como processo de criação.

O debate político que se propõe se define a partir de uma filosofia prática e passa pela produção de sentido,

antes que pela decifração do real. Decifrar o real é encontrar o sentido como dado a priori que já comporta em si

um esquema de valores estabelecidos que justifica o real tal como ele é, levando a esquivar-se diante da miséria,

resignar-se diante do intolerável.

O que se propõe é um pensamento que, na apreensão mesma do intolerável, responda enfaticamente através da

produção de novos sentidos e valores, numa prática que renuncie a toda política de compromisso com os valores

vigentes que resultam na imensa fabricação da miséria humana, material e espiritual. Em suma, a filosofia de

Deleuze e Guattari se apresenta como aliada daqueles que se somam no esforço de pensar, não apenas pela força

de seus conceitos, mas também por enfatizar que o pensamento se define enquanto atividade criadora, que não

pode ser descolada do mundo que se põe a pensar sem correr o risco de deslizar para ideias gerais pré-

concebidas e inócuas. Assim, o pensamento se afirma enquanto prática imanente decorrente das forças da

experiência vivida em sua singularidade – pois não há filosofia que não seja filosofia política.

Objetivo

Propor uma série estudos sobre as obras de Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guattari (1930-1992), que

conjugam de modo original e provocativo domínios variados do saber: das matemáticas à economia política, da

antropologia à psicanálise, da política ao direito, das artes plásticas e cinema à literatura. Essa é uma das razões

da composição plural do corpo docente e da diversidade das abordagens propostas nas ementas.

Público Alvo

Aberto aos interessados de todas as áreas de saber e atividade.

Carga Horária

Este curso tem carga horária de 66 horas.

Coordenador Acadêmico

Maurício Rocha, Doutor em Filosofia – PUC Rio, 1998.

Professor do Departamento de Direito da PUC Rio.

Período de Aulas

Segundas e quartas de 19h às 22h

De 18 de agosto a 5 de novembro de 2014

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Corpo Docente

Lydie Oiara Bonilla Jacobs

Doutora em Antropologia Social e Etnologia pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris).

Pesquisadora associada ao Centre d'enseignement et de recherche en ethnologie américaniste (EREA - CNRS,

Université de Paris Ouest-Nanterre La Défense) e pós-doutoranda no PPGAS do Museu Nacional (UFRJ).

Auterives Maciel Jr.

Doutor em Teoria Psicanalítica, UFRJ. Professor do Departamento de Psicologia da PUC Rio.

Marlon Cardoso Pinto Miguel

Doutorando pela Université Paris 8 Vincennes-Saint Denis (em co-tutela com IFCS / UFRJ). Professor dos

Departamentos de Filosofia e Artes Plásticas da Université Paris 8. Antigo aluno da École Normale Supérieure

de Paris.

Luiz Alberto Rezende de Oliveira Doutor em Física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas/MCT. Pesquisador adjunto do CBPF/MCT, Rio de

Janeiro. Curador do Museu do Amanhã (Prefeitura do Rio de Janeiro).

Bernardo Carvalho Oliveira

Pós-doutorado, IFCS/UFRJ. Doutor em Filosofia, PUC Rio. Professor da Faculdade de Educação da UFRJ,

crítico, pesquisador e produtor.

Tatiana Roque

Professora do Instituto de Matemática da UFRJ. Pesquisadora dos Archives Poincaré (Nancy / França).

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Marlon Miguel

Doutorando pela Université Paris 8 Vincennes-Saint Denis (em co-tutela com IFCS / UFRJ). Professor dos

Departamentos de Filosofia e Artes Plásticas da Université Paris 8. Antigo aluno da École Normale Supérieure

de Paris.

POR UMA TEORIA DAS LINHAS

Nós interrogaremos o que Deleuze e Guattari compreendem por uma teorias das linhas. Os autores afirmam em

diversos momentos de Mil Platôs que um indivíduo, mas também um grupo e uma obra são constituídos por três

tipos distintos de linhas: 1. Linhas de segmentaridade dura ou de corte molar; 2. Linhas de segmentaridade

maleável ou de fissura molar; 3. Linhas de fuga ou de ruptura, não segmentares. Uma vida é composta por um

sistema de coordenadas de linhas. Diferentes tipos de linhas, em diferentes velocidades e ritmos atravessam a

vida de um indivíduo e trata-se no programa prático-clínico-político que Deleuze e Guattari chamam

“esquizoanálise” de fazer uma análise imanente dessas linhas a fim de compreendê-las e de liberar suas

possibilidades. Nós tentaremos, ao longo destas sessões, compreender porque os autores recorrem à noção de

“linha” e como essa noção nos permite introduzir os problemas centrais de Mil Platôs. Por um lado, tentaremos

mostrar a genealogia desta noção à partir de autores como Fernand Deligny e Paul Klee – nós exploraremos

sobretudo a teoria das linhas e o método cartográfico desenvolvido por Deligny com crianças autistas à partir de

1969 no sul da França. E, por outro lado, tentaremos explicar à partir da noção de “linha” os principais

conceitos elaborados por Deleuze e Guattari, tais como “devir”, “micropolítica”, “rizoma” e “corpo sem

órgãos”.

Programa

1. “Rizoma”: univocidade, imanência, multiplicidade. Introdução geral à Deleuze, Guattari e Mil Platôs.

2. “Rizoma ressoa com rede”: transversalidade e sistemas a-centrados versus hierarquização e sistemas

arborescentes.

3. “O traçado permanente das linhas de uma mão”: a cartografia de Fernand Deligny. Das “linhas de erro” às

“linhas de fuga”.

4. “Somos todos um conjunto de linhas”. O oitavo platô e as novelas de Fitzgerald, Henry James e Pierrette

Fleutiaux.

5. “Uma teoria das linhas”: entre ética e política. Possibilidade, perigo, prudência.

Bibliografia primária:

Deleuze, Gilles. “O que as crianças dizem”. In: Critica e Clínica, pp. 73-79, São Paulo: Editora 34, 1997.

Deleuze, Gilles & Guattari, Félix. Mille Plateaux. Capitalisme et Schizophrénie 2. Paris: Les Éditions de

Minuit, 1980. [Mil Platôs, São Paulo: Editora 34 – edição em cinco volumes].

Deleuze, Gilles. & Parnet, Claire. “Políticas I,” in: Diálogos, pp. 101-109. São Paulo: Editora Escuta, 1998.

Deligny, Fernand. Œuvres, Paris: Éditions L’Arachnéen, 2007.

_______________. L’Arachnéen et autres textes, Paris: Éditions L’Arachnéen, 2008.

_______________. 2013. Cartes et lignes d’erre / Maps and Wander Lines. Paris: L’Arachnéen.

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Bernardo Oliveira

Pós-doutorado, IFCS/UFRJ. Doutor em Filosofia, PUC Rio. Professor da Faculdade de Educação da UFRJ,

crítico, pesquisador e produtor

ESCUTAS CONTEMPORÂNEAS: DELEUZE E A MÚSICA

Deleuze não escreveu sobre música. É notório que o filósofo desenvolveu uma operação pregnante a partir do

pensamento de compositores do século XX, incorporando temas e conceitos à sua filosofia como um todo.

Pierre Boulez, por exemplo, de quem ele se apropria das noções de tempo e espaço liso e estriado. O curso

pretende abordar, à luz da noção de escuta, a relação de Deleuze com esses compositores (principalmente

Boulez e John Cage), percorrendo ao mesmo tempo sua concepção original do tempo, as noções de "diferença"

e "repetição" e, por fim, do caráter ontogenético do Ritornelo, conceito extraído da teoria musical.

Na "platô" 10, Deleuze afirma que: "é como se a idade dos insetos tivesse substituído o reino dos pássaros, com

vibrações, estridulações, rangidos, zumbidos, estalidos, arranhões, fricções muito mais moleculares." Com isso,

não anuncia simplesmente uma nova era da composição musical, mas a possibilidade de pensar as relações entre

som e música não mais em termos objetivos, circunscritos à tríade matéria-forma, mas em termos de

individuação, a partir dos materiais e das forças. A escuta passa a se desenvolver não mais como encadeamento

de ideias e narrativa linear, e passa a se exprimir como intensidades, densidades e velocidades.

Referências:

BOULEZ, Pierre. Penser la Musique aujourd'hui. Paris: Gallimard, 2011.

CAGE, John. Silence: Lectures and Writings. Wesleyan University Press, 1961.

______. De segunda a um ano. Tradução de Rogério Duprat. Rio de Janeiro: Cobogó, 2013.

DELEUZE, Gilles. “Rendre Audibles des forces non-audibles par elle-mêmes”. In: Lapoujade, David (Org).

Deux régimes de fous: Textes et entretiens. 1975-1995. Paris: Minuit, 2003, p. 142-146.

______. "En quoi la philosophie peut servir à des mathématiciennes ou même à des musiciens — même e

surtout quand elle ne parle pas de musique ou de mathématiques". In: Lapoujade, David (Org). Deux régimes de

fous: Textes et entretiens. 1975-1995. Paris: Minuit, 2003, p. 152-154.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 1. Tradução de Aurélio

Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: 34, 1995.

______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v.4 Tradução de Suely Rolnik. Rio de Janeiro, Editora: 34,

1997a.

______. O que é a filosofia. Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: 34, 1992.

MAXFIELD, Richard. Essays, 1963. http://www.scribd.com/doc/79737400/Richard-Max-Field-ESSAYS.

SCHAEFFER, Pierre. In Search of a Concrete Music. Berkeley: University of California Press, 2012.

SCHAFER, Murray. O Ouvido Pensante. São Paulo: Unesp, 1992.

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Lydie Oiara Bonilla Jacobs

Doutora em Antropologia Social e Etnologia pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris).

Pesquisadora associada ao Centre d'enseignement et de recherche en ethnologie américaniste (EREA - CNRS,

Université de Paris Ouest-Nanterre La Défense) e pós-doutoranda no PPGAS do Museu Nacional (UFRJ).

COSMOPOLÍTICA AMERÍNDIA E ‘SOCIEDADE CONTRA O ESTADO’

A proposta geral destas sessões é a leitura e o exame dos platôs 12 (Tratado de nomadologia: a máquina de

guerra) e 13 (7000 antes de JC. - Aparelho de captura) da obra de Deleuze e Guattari. A ideia é abordar esses

dois capítulos à luz de questões etnográficas concretas, procurando assim fazer uma leitura pragmática da

filosofia dos autores. Assim, seguindo o caminho traçado pela reflexão de Deleuze e Guattari, e a partir de

alguns casos etnográficos, analisaremos as questões filosóficas e antropológicas associadas aos conceitos de

‘sociedade contra o Estado’ e de ‘cosmopolítica ameríndia’.

Bibliografia sugerida:

Clastres, Pierre. 1980. Recherches d’anthropologie politique. Paris, Editions du Seuil.

Clastres, Pierre. 1974. La Société contre l’État. Recherches d’anthropologie politique. Paris, Les Éditions de

Minuit.

Deleuze, G. & Guattari, F. 1980. Mille Plateaux. Capitalisme et Schizophrénie 2. Paris, Les Éditions de Minuit.

Kopenawa, D. & Albert, B. 2010. La chute du ciel. Paroles d’un chaman yanomami. Paris, Terre Humaine,

Plon.

Sibertin-Blanc, Guillaume. 2009. “Deleuze et les minorités: quelle “politique”?”. Paris, Cités: philosophie,

politique, histoire, nº40: 39-58.

Sibertin-Blanc, Guillaume. 2013. Politique et Etat chez Deleuze et Guattari. Paris, PUF.

Viveiros de Castro, Eduardo. 2002. A inconstância da alma selvagem – e outros ensaios de antropologia. São

Paulo: Cosac & Naify.

Viveiros de Castro, Eduardo. 2009. Métaphysiques cannibales. Paris: PUF.

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Auterives Maciel Jr.

Doutor em Teoria Psicanalítica, UFRJ. Professor do Departamento de Psicologia da PUC Rio

AGENCIAMENTOS MAQUÍNICOS DO DESEJO E DO PENSAMENTO: INTRODUÇÃO AO MIL

PLATÔS.

Um novo modelo de pensamento para uma filosofia das multiplicidades é o desafio de Deleuze e Guattari na

aventura proposta em Mil platôs. Neste, o Rizoma é apresentado como pensamento sem raiz, que se tece

segundo uma nova lógica e outros princípios. Um pensamento imanente aos movimentos do desejo, que se

constrói nos agenciamentos de corpos e de enunciações, produzindo um plano de consistência. Neste bloco de

aulas, nossa intenção é apresentar este modelo de pensamento, mostrando a filosofia que se delineia a partir

dele. Faremos também uma explanação da concepções de desejo e de inconsciente expostas ao longo do livro,

enfatizando a critica à psicanálise e as filosofias da falta ou da negatividade.

1 – Rizoma: um novo modelo de pensamento – As multiplicidades de Mil platôs – Os dois planos da obra:

organização e consistência – Pensamento e desejo.

2 – O inconsciente maquínico e o plano de consistência – A critica ao Édipo e ao inconsciente representativo –

Um novo conceito de desejo e sua produção.

3 – O que é um agenciamento? – Os agenciamentos coletivos de enunciação e os agenciamentos de corpos –

Estratos, códigos, territórios e desterritorialização.

4 – Os postulados da lingüística e os regimes de signos: a pragmática de Deleuze e Guattari. – As

desterritorializações relativas e absolutas – A construção do plano de imanência.

5 – Como criar para si um corpo sem órgãos – A imanência do desejo segundo Artaud e Spinoza – O problema

ético dos três corpos sem órgãos – A critica à psicanálise e a transcendência filosófica.

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Tatiana Roque

Professora do Instituto de Matemática da UFRJ. Pesquisadora dos Archives Poincaré (Nancy / França)

A NOÇÃO DE DIAGRAMA EM SUAS DIMENSÕES SEMIÓTICA, ESTÉTICA E FÍSICO-MATEMÁTICA

– PARA PENSAR AS NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

As três aulas serão sobre a noção de diagrama, uma das ideias-chave para caracterizar a máquina abstrata, tal

como Deleuze e Guattari propõem em Mil Platôs. Invoca-se o diagrama para pensar um regime de signos que

coloque de um modo novo a relação entre significante e significado. O objetivo é escapar – ao mesmo tempo –

do esquema da representação e das categorias da linguagem.

O enunciado supõe um agenciamento: digo algo e isso me aproxima de alguém, de um mundo. Mas não se trata

de uma relação que passe pela consciência, por uma intencionalidade. Regimes de signos e regimes de corpos

são as duas faces do agenciamento, que precedem a divisão entre expressão e conteúdo. O diagrama é um modo

de se estudar os agenciamentos, sem que seja preciso partir de algo já formado do ponto de vista semiótico ou

físico. O diagrama estabelece conexões que não funcionam para representar algo de real, mas constituem um

real por vir.

Mapearemos a noção de diagrama tal como aparece em outros trabalhos, como o livro de Deleuze sobre

Foucault, seus cursos sobre pintura e cinema durante os anos 1980, e diversos escritos de Guattari (muitos

inéditos, publicados há pouco tempo). Percorreremos essas referências, além de outras complementares, a fim

de entender os problemas que levam Deleuze e Guattari a investirem na noção de diagrama. Além disso,

explicaremos a ligação desse pensamento com a ideia de diagrama proposta por Gilles Châtelet, no interior de

sua pesquisa sobre a mobilidade como ente físico-matemático, uma virtualidade constituída de pontos móveis,

distinta do espaço homogêneo como o qual a ciência moderna trabalha.

O objetivo principal é investigar a efetividade da ideia de diagrama para pensar a política. Um dos problemas

mais urgentes que se colocam hoje é o das novas formas de organização. Como as novas lutas podem estar à

altura da complexidade do capitalismo atual? Vivemos no que podemos chamar de um capitalismo semiótico,

que incide diretamente sobre a produção de signos. Os axiomas do capitalismo não são discursos, não passam

pela consciência: são modos de vida, afetos, hábitos. Maurizio Lazzarato explica essa preponderância do signo

na virada do capitalismo neoliberal para o de agora, em fase rearranjo.

Nossa aposta é que a noção de diagrama pode ser útil para pensar os movimentos dentro dessa nova

configuração capitalista. Trata-se de vislumbrar conexões que consigam escapar da axiomática capitalista,

produzindo uma língua própria, que não pode se furtar de investir em uma dimensão a-significante. O termo

parece esotérico, mas serve para enfatizar a necessidade de constituir um plano que não se reduza aos discursos

que codificam as lutas das minorias e dos movimentos tradicionais, inserindo-os na axiomática capitalista.

Talvez possamos mesmo falar de um novo estatuto para as lutas em construção, dito “diagramático”; distinto do

caráter “programático” dos movimentos tradicionais (baseados em programas, pautas, reivindicações). À suivre.

Bibliografia:

G. Deleuze e F. Guattari, Mil Platôs.

Gilles Châtelet, Les enjeux du mobile: mathématique, physique, philosophie. Seuil, 1993.

- “L'enchantement du virtuel”, Revue Chimères no 2, été 1987.

F. Guattari, La révolution moléculaire. Janell Watson (Postface), Félix Guattari (Auteur), Stéphane Nadaud

(Préface). Les Prairies Ordinaires, 2012.

- Les années d’hiver. Les Prairies Ordinaires, 2009.

- Qu’est-ce que l’écosophie? Lignes, 2013.

- Lignes de fuite - Pour un autre monde de possibles. Liane Mozère (Préfacier). Editions de l'Aube, 2011.

G. Deleuze : La voix de Gilles Deleuze en ligne. Paris 8.

http://www2.univ-paris8.fr/deleuze/article.php3?id_article=124

M. Lazzarato, Gouverner par la dette. Les Prairies Ordinaires, 2014.

- Signos, máquinas, subjetividades. N-1 editora, 2014.

- Marcel Duchamp e il rifiuto del lavoro. Edizioni temporale, 2014.

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Luiz Alberto Rezende de Oliveira

Doutor em Física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas/MCT. Pesquisador adjunto do CBPF/MCT, Rio de

Janeiro. Curador do Museu do Amanhã (Prefeitura do Rio de Janeiro).

COMPLEXIDADE, INDIVIDUAÇÃO E NEOMATERIALISMO

A verificação, ao final do sec. XIX, e devida em grande parte a Henri Poincaré, de que mesmo sistemas

deterministas clássicos podem exibir comportamentos imprevisíveis, foi o ponto de partida para o estudo dos

chamados Sistemas Complexos – dotados de muitos componentes, com grande densidade de relações entre eles

– e de suas dinâmicas inerentemente evolutivas. Nesses sistemas, variações globais de estrutura – ou seja,

mudanças de organização – podem emergir espontaneamente a partir de processos deslineares em micro escala;

tais deslocamentos autogerados das configurações (estados) da arquitetura interna do sistema não apenas

correspondem à aparição de uma “flecha do tempo” dinamicamente produzida, como sugerem uma “vitalidade”

própria às matérias (que nada tem a ver com os antigos “vitalismos”) e suas combinações.

Quando tomadas em conjunto, estas revisões, ou reformulações, ou transfigurações do entendimento tradicional

acerca da matéria e seus comportamentos parecem indicar uma conclusão assaz desafiadora: a de que seria

necessário redefinir a própria noção de existência. Dito de outro modo: se um dos grandes feitos do pensamento

foi a descoberta de que o Mundo Natural consiste fundamentalmente de uma mesma “coisa” básica, este

fundamento corresponderia não a uma Substância, mas a um Processo. A instância constituinte mais profunda

da Natureza ocorreria não em blocos, mas antes fluxos, elementares de construção; em Tudo-O-Que-Há,

distinguiríamos Matéria-Energia em fluxo, distribuída entre instâncias individuadas e pré-individuais, atuais e

virtuais, extensas e intensas. Inspirados pela obra seminal de Gilbert Simondon, Deleuze e Guattari empreendem

em Mil Platôs um primeiro esforço de apropriação desses conceitos inovadores, rumo ao estabelecimento de um

novo Materialismo.