desapropiação indireta

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    UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

    PRISCILA PEREIRA MACHADO

    A DESAPROPRIAO INDIRETA ANALISADA SOB O ENFOQUE DOS

    PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS

    Tubaro,2009

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    PRISCILA PEREIRA MACHADO

    A DESAPROPRIAO INDIRETA ANALISADA SOB O ENFOQUE DOS

    PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS

    Monografia apresentada disciplina de Metodologia daPesquisa Jurdica, do Curso de Direito, como requisitoparcial obteno do ttulo de Bacharel em Direito.

    Orientador: Prof. Esp. Fbio Borges

    Tubaro,2009

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    PRISCILA PEREIRA MACHADO

    A DESAPROPRIAO INDIRETA ANALISADA SOB O ENFOQUE DOS

    PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS

    Esta monografia foi julgada adequada

    obteno do ttulo de Bacharel em Direito eaprovada em sua forma final pelo Curso deDireito.

    Tubaro, 22 de junho de 2009.

    _________________________________________

    Prof. e orientador Fbio Borges, Esp.

    Universidade do Sul de Santa Catarina

    _________________________________________

    Prof. Wnio Wiggers, Msc.

    Universidade do Sul de Santa Catarina

    _________________________________________

    Prof. Wilson Demo, Esp.Universidade do Sul de Santa Catarina

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    Aos meus amores: meus pais, Armando e

    Selma, e minha irm, Amanda, fontes da

    minha alegria e propulsores da minha luta.

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    AGRADECIMENTOS

    Ao Pai Celestial, por guiar e iluminar os meus caminhos e por me manter

    firme na luta pelos meus ideais.

    A minha me, Selma, meu exemplo de vida e de conduta, meu amor

    incondicional e imensurvel, por dedicar a mim todo afeto, por me apoiar na

    realizao dos meus sonhos e por, nos momentos de desnimo, oferecer palavras

    doces, que no me deixam desistir.

    Ao meu pai, Armando, pela imensa afeio que nos une, que, como

    genitor, apresentou-me as primeiras lies de vida, e, como profissional, foi quem,pacientemente, ensinou-me os primeiros passos da prtica forense, quem acredita

    na minha capacidade e se orgulha das minhas conquistas, mesmo as mais singelas.

    A minha irm, Amanda, pelo nosso carinho fraternal, pelo nosso

    companheirismo, por compartilharmos juntas, desde o meu nascimento, os

    momentos mais marcantes, as mais variadas sensaes, nossos medos, nossas

    angstias, nossas alegrias, nossas conquistas, nossas brincadeiras, nossas longas

    conversas e at mesmo a minha futura profisso.Ao meu orientador, Professor Fbio Borges, quem se mostrou disposto a

    dispensar-me todos os ensinamentos e sugestes, que foram determinantes para o

    desenvolvimento deste trabalho monogrfico.

    Aos meus amigos, pessoas que tive o privilgio de conhecer no decorrer

    da infncia, da poca escolar e do meio acadmico e que, pela cumplicidade e

    lealdade, formam comigo fortes laos, o que os torna sempre presentes em meu

    corao.

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    No a chancela da autoridade que valida o ato eo torna respeitvel e obrigatrio. a legalidade a

    pedra de toque de todo ato administrativo.

    Hely Lopes Meirelles

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    RESUMO

    Na presente pesquisa acadmica tem-se como desgnio analisar o instituto da

    desapropriao indireta frente ao ordenamento constitucional, especificamente, das

    regras que regem a Administrao Pblica. Para alcanar tal desiderato, em

    decorrncia da ausncia de escritos cientficos a respeito da matria, adotou-se

    como mtodo de abordagem o dedutivo, por meio do qual pelos conceitos

    doutrinrios gerais permitiu-se realizar a investigao proposta; utilizou-se como

    mtodo de procedimento o comparativo, ao verificar os pontos dissidentes da

    desapropriao anmala em relao aos preceitos da Constituio Federal;

    empregou-se como procedimento de coleta de dados o bibliogrfico, com consultaas doutrinas, bem como a legislao especfica. O trabalho monogrfico, estruturado

    em quatro captulos, abordou o direito de propriedade, seus aspectos histricos, o

    retrospecto das legislaes brasileiras, o conceito, os poderes conferidos ao

    proprietrio, as caractersticas, as formas de classificao, de aquisio e de perda.

    Posteriormente, abordou-se sobre a Administrao Pblica, a definio, a

    principiologia que orienta a sua atuao, os poderes administrativos e o uso do

    poder. E, por fim, examinou-se a desapropriao, como um dos meios deinterveno na propriedade, o conceito, o fundamento, a sua discricionariedade e

    vinculao lei, a competncia legislativa, declaratria e executria, os bens

    expropriveis, os pressupostos constitucionais e legais, e o procedimento, bem

    como a desapropriao indireta. Neste tema, tratou-se das questes conceituais e a

    relao que mantm com os princpios da Magna Carta. Posta todas as

    explanaes, pode-se constatar a divergncia da desapropriao indireta com os

    princpios do diploma constitucional, o excesso de poder por parte do agentepblico, quando pratica tal ilegalidade, a ausncia de uma real tutela jurisdicional ao

    expropriado, a necessidade de um controle judicial para impedir ou restaurar a

    propriedade perdida, irregularmente, para a Administrao, e da aplicao de uma

    penalidade civil e disciplinar ao seu executor, com o intuito de inibir condutas

    similares.

    Palavras-chave: Propriedade. Direito de Propriedade. Princpios Constitucionais.

    Desapropriao. Desapropriao indireta.

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    ABSTRACT

    This academic research has been designed to examine the subject of indirect

    expropriation against the constitutional order, specifically, the rules governing the

    Public Administration. To achieve this goal, due to the lack of scientific writings on the

    matter, the deductive approach method was adopted, through which the general

    doctrinal concepts allowed to carry out the proposed research, it was used as a

    method of procedure the comparison, to verify the points of dissent with respect to

    anomalous expropriation provisions of the Federal Constitution, as a procedure used

    to collect the bibliographic data, consultation with the doctrines and the law. Themonographic work, structured in four chapters, discussed the property rights, its

    historical aspects, review the laws of Brazil, the concept, the powers given to the

    owner, the characteristics, forms of classification, acquisition and loss. Subsequently,

    the public administration, the definition, the principle that guides their actions, the

    administrative powers and the use of power were discussed. Finally, the

    expropriation as one of the means of intervention in the property, the concept, the

    fundaments, its discretion, and link to the law, the legislative powers, declaratory andenforceable, goods which can be expropriated, the assumptions constitutional and

    legal, and the procedure as well as indirect expropriation were examined. In this

    subject, the conceptual issues and the relationship it maintains with the principles of

    Magna Carta were analyzed. Considering all the explanations, its visible the

    divergence of indirect expropriation with the principles of constitutional law, the abuse

    of power by the public official when practice such illegality, the lack of any real legal

    protection to the expropriated, the need for a judicial control to prevent or restore thelost property, irregularly, to the administration and implementation of a civil and

    disciplinary penalty to his executor, to inhibit similar conduct.

    Key words: Property. Property rights. Constitutional principles. Expropriation.

    Indirect expropriation.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO .................................................................................................... 10

    2 PROPRIEDADE .................................................................................................. 12

    2.1. ASPECTOS HISTRICOS .............................................................................. 12

    2.2 RETROSPECTO DAS LEGISLAES BRASILEIRAS ................................... 15

    2.3 CONCEITO ....................................................................................................... 16

    2.4 PODERES DO PROPRIETRIO ..................................................................... 17

    2.5 CARACTERSTICAS DA PROPRIEDADE ....................................................... 18

    2.6 CLASSIFICAO DA PROPRIEDADE ............................................................ 192.7 MODOS DE AQUISIO DA PROPRIEDADE MVEL .................................. 21

    2.8 PERDA DA PROPRIEDADE IMVEL ............................................................. 22

    3 ADMINISTRAO PBLICA ............................................................................. 26

    3.1 CONCEITO ....................................................................................................... 26

    3.2 PRINCPIOS DA ADMINISTRAO PBLICA ............................................... 29

    3.2.1 Legalidade .................................................................................................... 30

    3.2.2 Impessoalidade ............................................................................................ 303.2.3 Moralidade .................................................................................................... 31

    3.2.4 Publicidade .................................................................................................. 33

    3.2.5 Eficincia ...................................................................................................... 34

    3.2.6 Finalidade ..................................................................................................... 35

    3.2.7 Supremacia do interesse pblico sobre o interesse privado ................. 36

    3.2.8 Devido processo legal e da ampla defesa ................................................ 36

    3.2.9 Controle judicial dos atos administrativos ............................................... 393.2.10 Razoabilidade ............................................................................................ 40

    3.2.11 Proporcionalidade ....................................................................................... 40

    3.2.10 Motivao.......................................................................................................41

    3.3 VINCULAO, DISCRICIONARIEDADE E ABUSO DE PODER........................42

    4 DESAPROPRIAO .......................................................................................... 47

    4.1 DESAPROPRIAO COMO FORMA DE INTERVENO NA

    PROPRIEDADE ..................................................................................................... 48

    4.2 CONCEITO ....................................................................................................... 50

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    4.3 FUNDAMENTO ................................................................................................ 51

    4.4 DISCRICIONARIEDADE E VINCULAO NA DESAPROPRIAO ............. 53

    4.5 COMPETNCIA LEGISLATIVA, DECLARATRIA E EXECUTRIA ............. 54

    4.6 BENS EXPROPRIVEIS .................................................................................. 55

    4.7 PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS ........................................ 56

    4.7.1 NECESSIDADE PBLICA, UTILIDADE PBLICA, INTERESSE SOCIAL,

    INOBSERVNCIA DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA E RURAL,

    E CULTIVO DE PLANTAS PSICOTRPICAS ...................................................... 57

    4.7.2 JUSTA E PRVIA INDENIZAO ............................................................... 60

    4.8 PROCEDIMENTO ............................................................................................ 62

    5 DESAPROPRIAO INDIRETA ........................................................................ 655.1 QUESTES CONCEITUAIS ............................................................................ 65

    5.2 A DESAPROPRIAO INDIRETA E OS PRINCPIOS DA CONSTITUIO DE

    1988 ........................................................................................................................ 68

    6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 76

    REFERNCIAS ...................................................................................................... 78

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    1 INTRODUO

    O tema, objeto desta investigao, consubstancia-se no exame da

    desapropriao indireta em confronto com os princpios, aos quais se submete a

    Administrao Pblica.

    No ordenamento jurdico, o direito propriedade apresenta-se como

    garantia fundamental e inviolvel. Todavia, com o respaldo no Princpio da

    Supremacia do Interesse Coletivo sobre o Individual, permite-se a sua expropriao,

    quando presente qualquer vcio na sua destinao ou superveniente uma

    necessidade, utilidade pblica ou interesse social.Sabe-se, porm, que para a transferncia do patrimnio da esfera privada

    pblica, faz-se imprescindvel a observncia de um procedimento prprio, o qual,

    obrigatoriamente, dever se coadunar com os ditames legais, em especial, o

    insculpido no artigo 5, inciso XXIV, da Constitui o Federal, que impe o

    adimplemento prvio da verba indenizatria.

    Entretanto, verifica-se que a denominada desapropriao indireta, que se

    traduz num mero apossamento do domnio alheio, sem o cumprimento de qualquerformalidade, prtica ainda adotada pelo Ente Pblico, cuja adequao aos

    preceitos apregoados em nossa Magna Carta o que se pretende abordar neste

    trabalho monogrfico.

    O interesse acerca do tema proposto deveu-se a inexistncia nos textos

    legislativos de qualquer indcio regulamentador da matria, o que gera um bice

    compensao antecedente e impede uma maior efetividade da tutela jurisdicional ao

    expropriado de maneira irregular.Ademais, apesar de se tratar de questo preeminente, envolvendo

    evidente irregularidade de procedimento, so raros os escritos doutrinrios e tal

    questo sequer discutida judicialmente, inclusive no que concerne o pagamento

    tardio da verba indenizatria na desapropriao indireta.

    Neste passo, tem-se como intento maior analisar a desapropriao

    indireta e confront-la com os ditames e princpios da Carta Poltica de 1988.

    Para tal propsito, empregou-se como mtodo de abordagem o dedutivo

    e mtodo de coleta de dados o bibliogrfico, por meio dos quais, com a pesquisa

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    dos conceitos gerais constante nos diplomas e doutrinas constitucionais, civilistas e

    administrativas, bem como da legislao especfica tornou-se possvel obter os

    correspondentes resultados.

    O primeiro captulo explanar acerca do direito de propriedade, seu

    histrico, o retrospecto das legislaes brasileiras, a definio, os poderes atribudos

    ao seu titular, as caractersticas, as formas de aquisio e perda do domnio.

    O segundo captulo, por sua vez, versar sobre a Administrao Pblica,

    seu conceito, a principiologia norteadora, os poderes administrativos, bem como o

    uso dos respectivos poderes.

    J o terceiro tratar da desapropriao, como um dos meios de

    interferncia no patrimnio privado, o conceito, o fundamento, a discricionariedade evinculao lei, a competncia legislativa, declaratria e executria, os bens

    expropriveis, os pressupostos constitucionais e legais e o procedimento.

    E, por fim, o ltimo dedicar-se- desapropriao indireta, com as

    questes conceituais que a envolvem e a sua dissonncia com os princpios

    constitucionais.

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    2 PROPRIEDADE

    Neste captulo, o direito propriedade, apesar de comportar uma vasta

    extenso terica, ser abordado de forma breve, apontando apenas os traos

    essenciais, haja vista que com este trabalho acadmico no se almeja esgot-lo,

    mas sim, atravs de uma anlise superficial, identificar os conceitos que so

    fundamentais para a compreenso do tema que fora proposto, de modo a possibilitar

    a discusso sobre o instituto da desapropriao indireta.

    2.1 ASPECTOS HISTRICOS

    Para um melhor estudo do direito de propriedade, faz-se imprescindvel

    identificar o seu curso histrico. Nesse intento, ressalte-se que, tanto seu conceito,

    como suas caractersticas, restries e modos de aquisio, apresentaram

    transformaes ao longo dos tempos, as quais se encontram diretamente atreladas cultura e ao cenrio poltico e econmico.

    Na era primitiva, em face da organizao social, da fartura de recursos

    naturais e do sistema nmade, a propriedade restringia-se aos instrumentos de uso

    pessoal, em especial, as peas de vesturio e os utenslios de caa e pesca. O solo,

    por sua vez, pertencia ao domnio comum, cuja utilizao era permitida a todos os

    integrantes da tribo ou famlia.1

    Todavia, na medida em que o homem passa a se fixar na terra paradesenvolver a cultura agrcola, confere-se a ele a titularidade definitiva da

    propriedade, o que, inicialmente, se d de forma coletiva, particularizando-se, a

    posteriori.

    Nessa senda, cumpre sublinhar que o primeiro indcio de vnculo de

    natureza individual entre o homem e a terra deu-se no seio da antiga Roma.

    Consoante lio de Venosa:

    1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 22. ed. So Paulo:Saraiva, 2007, v. 4, p. 105.

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    Nesse primeiro perodo do Direito Romano, o individuo recebia uma porode terra que devia cultivar, mas, uma vez terminada a colheita, a terravoltava a ser coletiva. Paulatinamente, fixa-se o costume de concedersempre a mesma poro de terra s mesmas pessoas ano aps ano. Ali, opater famlias instala-se, constri sua moradia e vive com sua famlia e

    escravos. Nesse sentido, arraiga-se no esprito romano a propriedadeindividual e perptua.2

    No se pode olvidar, ainda, que o carter exclusivo e absoluto da

    propriedade romana encontrou alicerce na religio, visto ter-se no lar o local

    apropriado destinao do altar e do culto aos deuses.

    Alis, segundo Venosa, origina-se da o sentido sagrado que se atribui

    ao lar, a casa, sentido que sempre permaneceu na civilizao ocidental.3

    Roborando o tema, Coulanges arremata, apontando que:A idia de propriedade privada, em Roma ou nas cidades gregas daAntigidade, sempre foi intimamente ligada religio, adorao do deus-lar, que tomava posse de um solo e no podia ser, desde ento, desalojado.A casa, o campo que a circundava e a sepultura nela localizada eram bensprprios de uma gens ou de uma famlia, no sentido mais ntimo, ou seja,como algo ligado aos laos de sangue que unem um grupo humano.4

    J na era medieval, com o surgimento do feudalismo, o aspecto unitrio,

    que vigorava at ento, perde sua fora e d lugar propriedade escalonada ou

    mediatizada, onde o domnio direto pertencia ao senhor feudal, e o domnio til, aovassalo.5

    Neste sistema, o suserano delimitava na rea dominial a frao que

    caberia exclusivamente ao seu domiclio e tambm a que se submeteria

    explorao econmica por parte dos vassalos, condicionada esta ao cumprimento

    de obrigaes pecunirias e militares destes em relao queles, o que denota a

    estreita ligao da propriedade ao poder poltico.6

    O regime feudal, no entanto, extinto pela Revoluo Francesa, queretoma a idia romanista da propriedade, marcada pela feio individualista, sagrada

    e absoluta.

    Partilhando desta linha, Coelho observa que:

    2 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 8. ed. So Paulo: Atlas, 2008, v. 5, p. 150.3 Ibid., p. 151.4 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. 8. ed. So Paulo: M. Claret, p. 84.5 DUARTE, Francisco Carlos. Ao de indenizao por desapropriao indireta. Curitiba: Juru,

    2003, p. 21.6 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: direitos reais e direitos intelectuais.

    So Paulo: J. de Oliveira, 1999, v. 4, p. 67.

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    O primeiro marco a Revoluo Francesa (1789). Nele, o direito depropriedade proclamado como natural, ilimitado e individualista. Para adeclarao dos direitos do homem e do cidado, a propriedade um direitoinviolvel e sagrado. Define-o, por outro lado, o Cdigo Napoleo expresso da mesma ideologia burguesa impulsionadora da Revoluo

    Francesa como o direito de gozar e dispor das coisas da maneira maisabsoluta.7 (Grifo do autor)

    Anote-se que o esprito romnico da propriedade repercutiu s demais

    naes, as quais, por longo perodo, guiaram os seus passos sob este enfoque.8

    Contudo, tais pressupostos acabaram sendo relativizados a partir da Revoluo

    Industrial e das correntes socialistas. Acerca desse momento histrico, Coelho

    esclarece:

    O segundo marco a flexibilizao a que se obrigou o Estado capitalista ao

    longo do sculo XX para sobreviver ao avano do socialismo. Ela reclamouuma profunda alterao no direito de propriedade, cujo exerccio passou ase subordinar ao atendimento da funo social. Deixou de ser firmado comoum direito egosta para se compatibilizar com a realizao do interessepblico (Savatier, 1950). O altrusmo do proprietrio, que a nova formulaoprocurou estimular, contribua assim para a reduo dos conflitos declasse.9

    Como se v, incontroverso que o direito de propriedade no decorrer de

    seu percurso adaptou-se gradualmente s condies polticas e econmicas de

    cada momento, ora se apresentando como um direito exclusivo, slido eincontestvel, ora se exteriorizando de forma antagnica a imagem privatista, com o

    intuito de atender os anseios sociais.

    Posta assim a questo, destaca-se que o predomnio do interesse pblico

    sobre o particular revelou-se como o fator primordial, qui o mais decisivo, na

    transformao que se processa no instituto da propriedade e conseqentemente em

    todo o direito das coisas.10

    Impende observar que, na atualidade, poca em que o capitalismo oregime predominante, o domnio mostra-se como um instrumento instigador do

    progresso individual, mas que, por outro lado, deve servir como meio conciliador dos

    interesses particulares e coletivos.

    7 COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de direito civil. So Paulo: Saraiva, 2006, v. 4, p. 57.8 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das coisas. 37. ed. So Paulo:

    Saraiva, 2003, v. 3, p. 2.9 COELHO, op. cit., p. 57.10 MONTEIRO, op. cit., p. 5.

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    2.2 RETROSPECTO DAS LEGISLAES BRASILEIRAS

    No Brasil, o direito propriedade ganhou amparo legal desde que se

    outorgou a primeira Magna Carta, datada de 25 de maro de 1824, a qual atribuiu ao

    instituto a sua plenitude e inviolabilidade, exceto quando o Ente Pblico ordenasse

    seu uso, o que se faria mediante prvia indenizao.11

    De forma similar, norteou-se tambm a Constituio da Repblica dos

    Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, que acrescentou no artigo 17,

    pargrafo 17, como circunstncia limitadora, a expresso desapropriao por

    necessidade ou utilidade pblica.12Em 1de janeiro de 1916, com o advento do Cdigo C ivil Brasileiro

    assegurou-se ao proprietrio o direito de usar, gozar, e dispor de seus bens, e de

    reav-los do poder de quem quer que injustamente os possua13 e, inclusive,

    adicionou-se nele outros dispositivos especficos a respeito do assunto.

    A funo social do domnio reconhecida na Norma Maior, em 16 de

    julho de 193414, ao passo que o mesmo Diploma Jurdico, agora editado em 10 de

    novembro de 1937, imputou legislao especfica o dever de regulamentar apropriedade em seu contedo e em seus limites.15 Em decorrncia disso, expede-se,

    no dia 21 de junho de 1941, o Decreto-lei 3.365, acerca dos procedimentos

    expropriatrios.16

    11 BRASIL. Constituio (1824). Constituio Poltica do Imprio do Brazil, de 25 de maro de

    1824. Disponvel em: .Acesso em: 19 de mar. 2009.

    12 Id. Constituio (1891). Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, de 24 defevereiro de 1891. Disponvel em:. Acesso em: 19 de mar.2009.

    13 Id. Cdigo civil, de 1de janeiro de 1916. Disponvel em:. Acesso em 19 mar. 2009.

    14 Id. Constituio (1934). Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, de 16 dejulho de 1934. Disponvel em:. Acesso em: 19 mar. 2009

    15 Id. Constituio (1937). Constituio dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de1937. Disponvel em: .

    Acesso em: 19 mar. 2009.16 Id. Decreto-lei n. 3.365 de 1941, de 21 de junho de 1941. Dispe sobre desapropriaes porutilidade pblica. Disponvel em: .Acesso em: 19 de mar. 2009.

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    Com a Constituio de 1946, condiciona-se o uso da propriedade ao

    bem estar-social e recepciona-se a idia de sua justa distribuio.17 A Carta

    Poltica subseqente, contempornea ao ano de 1967, seguiu o mesmo

    compasso das anteriores, sem trazer maiores inovaes que envolvessem a

    matria.18

    A atual redao constitucional, datada de 05 de outubro de 1988, colocou

    a propriedade no rol dos direitos fundamentais (artigo 5, inciso XXII). Entretanto, o

    legislador constituinte percebeu que seria inadequado prever este direito e esquecer

    que ele deve, simultaneamente, resguardar o interesse coletivo. Assim, materializou

    tal preocupao na regra da obrigatoriedade do atendimento da funo social do

    domnio, que restou capitulada na mesma categoria de direitos (art. 5, incisoXXIII).19

    Vale lembrar que se manteve como delimitao do instituto a

    desapropriao por necessidade ou utilidade pblica, ou por interesse social,

    mediante justa e prvia indenizao em dinheiro20, que, caso venha concretizar-se,

    dever ser precedida do devido processo legal, consoante o previsto no art. 5,

    inciso LIV.21

    2.3 CONCEITO

    Nas doutrinas civilistas verifica-se uma sintonia entre os juristas quanto

    definio de propriedade, visto que elas apiam o seu conceito no que estabelece o

    artigo 1.228, do Cdigo Civil.

    22

    Na concepo de Diniz:

    17 BRASIL. Constituio (1946). Constituio dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembrode 1946. Disponvel em: .Acesso em: 19 mar. 2009.

    18 Id. Constituio (1967). Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de1967. Disponvel em: .Acesso em: 19 mar. 2009.

    19 Id. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de1988. Disponvel em: . Acessoem: 19 mar. 2009.

    20 BRASIL, loc. cit.21 BRASIL, loc. cit.22 Id. Cdigo civil, de 10 de janeiro de 2002. Disponvel em:

    . Acesso em 20 mar. 2009.

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    Poder-se- definir, analiticamente, a propriedade, como sendo o direito quea pessoa fsica ou jurdica tem, dentro dos limites normativos, de usar,gozar e dispor de um bem, corpreo ou incorpreo, bem como dereivindic-lo de quem injustamente o detenha.Esses seus elementos constitutivos correspondem ao jus utendi, fruendie

    abutendi e rei vindicatio dos romanos. A propriedade no a somadesses atributos, ela o direito que compreende o poder de agirdiversamente em relao ao bem, usando, gozando ou dispondo dele.23

    Depreende-se da teoria supracitada que h, neste direito subjetivo, um

    vnculo entre o proprietrio e o bem, o qual propaga seus reflexos a todos os demais

    cidados, na medida em que estes se comprometem a respeitar o exerccio

    proveniente de tal liame jurdico.24

    A par disso, o prprio Estado, alm de reconhecer a existncia desta

    relao jurdica, assume e possibilita meios para que o senhor possa proteger o seu

    direito propriedade.

    Por outra forma, vislumbra-se a submisso da coisa pretenso de seu

    titular, o que torna a propriedade o mais abrangente de todos os direitos reais, j que

    rene, como prerrogativas do senhor, uma gama de faculdades, as quais

    compreendem: o direito de usar, gozar, dispor do bem e reav-lo do poder de quem

    injustamente o possua.25

    2.4 PODERES DO PROPRIETRIO

    Como dito alhures, os poderes de senhoria, que formam o contedo

    positivo do instituto da propriedade, elevam-o a posio do mais completo dos

    direitos reais, elencados no artigo 1.225 do Cdigo Civil26

    .

    Isto porque, rene, nasmos de seu titular, direitos que continuam a existir mesmo com a presena de um

    outro direito real sobre a coisa.27

    A faculdade de usar significa desfrutar dos proveitos diretamente

    23 DINIZ, 2007, p. 113-114.24 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. 28. ed. So Paulo: Saraiva, 2003, v. 5, p. 77.25 Ibid., p. 77.26 BRASIL, loc. cit.27 MONTEIRO, 2003, p. 84.

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    proporcionados pelo bem28, sem alterar-lhe a essncia. Convm ponderar que a

    utilizao dar-se- ao proprietrio, que poder to somente mant-lo em condies

    de servir, ou at mesmo a favor de terceiro.29

    A possibilidade de gozar expressa a colheita dos frutos oriundos do bem,

    sejam eles naturais ou civis; refere-se explorao econmica propriamente dita.

    Ressalva-se que, em regra, os benefcios procedentes da coisa pertencem ao

    proprietrio desta, mesmo que dela apartados. Admite-se, porm, norma jurdica

    especial que determine o contrrio30, como no caso dos possuidores de boa-f31,

    bem como dos usufruturios32.33

    O poder de dispor da coisa exclusivo do senhor, a quem se possibilita

    alien-la, consumi-la, grav-la de nus e submet-la ao servio de outrem.34Reivindicar de quem quer que injustamente o possua ou detenha, o

    quarto e ltimo privilgio conferido pessoa do proprietrio, cuja reclamao

    conhecida como o direito de seqela; manifesta-se quando se priva o titular do bem,

    momento em que a propositura de ao judicial torna-se o instrumento adequado

    para recuper-lo.35

    Em que pese amplitude das garantias outorgadas ao proprietrio,

    oportuno repisar que elas devem se consolidar de acordo com as restries e comos limites impostos coisa, que, como se ver adiante, tambm encontram respaldo

    nos diplomas jurdicos e na Constituio Federal.

    2.5 CARACTERSTICAS DA PROPRIEDADE

    V-se que a propriedade, alm de ser umdireito subjetivo e pertencer a

    28 COELHO, 2006, p. 65.29 DINIZ, 2007, p. 114.30 Art. 1.232. Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu

    proprietrio, salvo se, por preceito jurdico especial, couberem a outrem. BRASIL, loc. cit.31 Art. 1.214. O possuidor de boa-f tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. BRASIL,

    loc. cit.32 Art. 1.394. O usufruturio tem direito posse, uso, administrao e percepo dos frutos.

    BRASIL, loc. cit.33 COELHO, op. cit., p. 65.34 MONTEIRO, 2003, p. 88.35 RODRIGUES, 2003, p. 78.

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    classe dos direitos reais, dotada de outros caracteres que a distingue e a destaca

    dos demais.

    Qualifica-se a propriedade como um direito absoluto, pois em virtude da

    oponibilidade erga omnes, permite-se ao titular reagir contra todos aqueles que

    violarem este preceito. Ademais, desde que praticada de forma regular e observadas

    as limitaes ligadas ao interesse coletivo, poder o senhor desfrut-la e disp-la

    como bem entender.36

    Neste sentido, o Cdigo Civil Brasileiro, no artigo 1.231, prev: A

    propriedade presume-se plena e exclusiva, at prova em contrrio37. Portanto,

    extrai-se como outro atributo a exclusividade, j que o exerccio do poder dominial

    pelo titular exclui o direito simultneo de terceiro sobre o bem.38O carter perptuo tambm faz parte dos predicados da propriedade, pois

    ela continua a prevalecer independentemente de exerccio, salvo a hiptese de

    caracterizar-se o desvio de finalidade, por vontade do senhor ou por incidncia de

    causa legal extintiva.39

    Gomes, representando uma ala da doutrina nacional, apresenta, ainda, a

    elasticidade, como a quinta particularidade do instituto dominial, porque ele capaz

    de estender-se ou contrair-se, ao adicionar ou reduzir suas faculdades para comporoutros direitos reais, sem que para isso tenha que perder a sua essncia.40

    2.6 CLASSIFICAO DA PROPRIEDADE

    Correlaciona-se a propriedade a diferentes tipos de objetos, ao modo deconcentrao de poderes pelo senhor, a diversidade de seus titulares e a sua

    durao, estas formas variadas de externar-se implicam em distintos critrios de

    classificao.

    Quanto ao objeto, poder a propriedade ser corprea ou incorprea. A

    36 DINIZ, 2007, p. 115-116.37 BRASIL, loc. cit.38 DINIZ, op. cit., p. 116.39 Ibid., p. 116-117.40 GOMES apud DINIZ, 2007, p. 117.

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    primeira, tambm denominada de domnio; d-se quando os bens so dotados de

    existncia fsica, providos de materialidade, de corpo e que, por isso, ocupam

    espao41. A segunda, trata-se de alguns direitos que existem apenas enquanto

    conceitos jurdicos42.

    Para melhor explanar, exemplifica-se como bem corpreo o terreno ou o

    televisor, e como bem incorpreo a marca registrada ou as aes emitidas por uma

    sociedade annima.

    importante atentar-se que a ordem jurdica disciplina de forma

    autnoma os dois tipos intrnsecos a esta modalidade de classificao: a

    propriedade corprea acompanha o capitulado nos artigos 1.228 e seguintes do

    Cdigo Civil43 e a propriedade incorprea o contido em normas esparsas.Ainda no tocante natureza do objeto, cumpre mencionar que a

    propriedade corprea subdivide-se em imobiliria, o que ao solo se incorpora de

    maneira natural ou artificial, como a casa ou a plantao; e mobiliria, aqueles bens

    que se transportam por fora prpria ou alheia, sem modificar a sua substncia,

    como os animais, os veculos e os livros.44

    Na extenso de poderes tem-se a propriedade plena, quando se renem

    no comando do titular todas as faculdades associadas ao direito de propriedade,sem que haja qualquer entrave decorrente de declarao negocial de vontade; e a

    propriedade restrita ou limitada, quando uma ou mais das ditas faculdades no se

    encontram a disposio do senhor, tendo em vista a imposio de limites

    provenientes da celebrao de negcio jurdico.45

    O titular do direito de propriedade pode ser nico, uma pessoa fsica

    ou uma pessoa jurdica, o que denota uma propriedade singular, ou ainda pode o

    objeto dividir-se em dois ou mais sujeitos, o que evidencia uma co-propriedade.

    46

    Por derradeiro, tem-se a propriedade perptua, cujo tempo de durao

    depende nica e exclusivamente da vontade do senhor; e a propriedade resolvel ou

    revogvel, que possui no seu ttulo uma condio, que uma vez concretizada

    41 COELHO, 2006, p. 59.42 Ibid., p. 59.43 BRASIL, loc. cit.44 COELHO, op. cit., p. 60.45 Ibid., p. 61.46 Ibid., p. 62.

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    implicar no seu trmino.47

    2.7 AQUISIO DA PROPRIEDADE

    A aquisio da propriedade, tanto mvel quanto imvel, recebeu do

    Cdigo Civil tratamento diverso, o qual reservou captulos distintos para cada uma

    das espcies.

    Assim, ao considerar a existncia de pontos no coincidentes para ambas

    as modalidades de propriedade, examinar-se-, de forma breve e isolada, os modosaquisitivos do direito propriedade mobiliria e imobiliria.

    Obtm-se a propriedade do bem imvel de duas formas: a originria e a

    derivada. Naquela no h qualquer conexo jurdica entre a titularidade dos

    antecessores e a do sucessor. Tm-se como hipteses a usucapio48 e a acesso

    natural49. Conquanto que, na derivada, ocorre a efetiva transmisso do domnio,

    entre o sujeito anterior e o posterior, com todas as suas peculiaridades, sejam estas

    positivas ou negativas, encaixando-se nesta seo a aquisio pelo registropblico50 e a sucesso causa mortis51.

    Em outras palavras, ensina Rodrigues:

    So originrios os modos de aquisio da propriedade em que no hqualquer relao jurdica de causalidade entre odomnio atual e o estado

    47 COELHO, 2006, p. 62.48 Denomina-se usucapio o modo de aquisio da propriedade mediante a posse suficientemente

    prolongada sob determinadas condies. VENOSA, 2008, p. 190.49 Acesso o modo originrio de aquisio da propriedade, em razo do qual tudo que se incorpora

    a um bem fica pertencendo a seu proprietrio. Esse instituto proveniente do direito romano,acessio cedit principali. FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros (Coord.). Novo cdigo civilcomentado. 5. ed.So Paulo: Saraiva, 2006, p. 1026.

    50 No art. 1.227, o Cdigo Civil brasileiro estabeleceu como um dos meios aquisitivos da propriedadeimvel o registro do ttulo de transferncia no Cartrio de Registro Imobilirio competente (CC, arts.1.245 a 1.247; Lei n. 6.015/73, arts. 167, I, 168 e 169; Lei n. 7.433/85; Dec. n. 93.240/86; e STF,Smulas 74 e 139), declarando no art. 1.245 que a propriedade transfere-se, por ato entre vivos,com o registro do respectivo ttulo translativo. Devem ser, portanto, registrados os seguintesnegcios jurdicos: compra e venda, troca, dao em pagamento, doao, transao em que entreimvel estranho ao litgio. DINIZ, 2006, p. 138.

    51 A sucesso causa mortis consiste na transmisso dos bens da pessoa falecida aos seus herdeiros,que podem ter essa qualificao por fora da lei ou por fora de testamento. OLIVEIRA, Euclides de.

    Direito de Herana Sucesso Legtima e Testamentria. A REFORMA DO CDIGO CIVIL.Repercusses na Administrao Pblica e no Controle Externo. 2003. So Paulo. Anais... Disponvelem: . Acessoem: 26 mar. 2009.

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    jurdico anterior, como ocorre na hiptese da acesso ou da usucapio.So derivados os modos de aquisio quando, entre o domnio doadquirente e do alienante, existe uma relao de causalidade, representadapor um fato jurdico, tal o contrato seguido de tradio, ou o direito

    hereditrio.52

    (Grifo do autor)

    Colhem-se, como meios aquisitivos da propriedade mvel: a usucapio53;

    a ocupao54; o achado do tesouro55; a tradio56; a especificao57; e a confuso, a

    comisso e a adjuno58. Diniz ramifica tambm em originria e derivada estas vias,

    pelas quais se adquire o bem mobilirio:

    So considerados modos originrios de aquisio e perda de propriedademvel: a ocupao e a usucapio, porque nelas no h qualquer ato volitivode transmissibilidade, ao passo que a especificao, a confuso, a comisto,

    a adjuno, a tradio e a sucesso hereditria so tidas como derivadasporque s se perfazem com a manifestao do ato acima mencionado.59

    Dito isso, acertada a concluso de que para um indivduo adquirir para

    si o domnio, outro provavelmente ter que perd-lo. Assim, tratar-se- no prximo

    subitem das causas de sua extino.

    2.9 PERDA DA PROPRIEDADE

    Para bem analisar as circunstncias que colocam fim ao poder dominial,

    52 RODRIGUES, 2003, p. 93.53 Art. 1.260. Aquele que possuir coisa mvel como sua, contnua e incontestadamente durante trs

    anos, com justo ttulo e boa-f, adquirir-lhe- a propriedade. BRASIL, loc. cit.54 Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, no

    sendo essa ocupao defesa por lei. BRASIL, loc. cit.55 Art. 1.264. O depsito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono no haja memria, ser

    dividido por igual entre o proprietrio do prdio e o que achar o tesouro casualmente. BRASIL, loc.cit.

    56 Art. 1.267. A propriedade das coisas no se transfere pelos negcios jurdicos antes da tradio.Pargrafo nico. Subentende-se a tradio quando o transmitente continua a possuir peloconstituto possessrio; quando cede ao adquirente o direito restituio da coisa; que se encontraem poder de terceiro; ou quando o adquirente j est na posse da coisa, por ocasio de negciojurdico. BRASIL, loc. cit.

    57 Art. 1.269. Aquele que, trabalhando em matria-prima em parte alheia, obtiver espcie nova, destaser proprietrio, se no se puder restituir forma anterior. BRASIL, loc. cit.

    58 Art. 1.272. As coisas pertencentes a diversos donos, confundidas, misturadas ou adjuntadas semo consentimento deles, continuam a pertencer-lhes, sendo possvel separ-las sem deteriorao. 1 No sendo possvel a separao das coisas, ou exigindo dispndido excessivo, subsiste indiviso

    o todo, cabendo a cada um dos donos quinho proporcional ao valor da coisa com que se entroupara a mistura do agregado. 2 Se uma das coisas puder considerar-se principal, o dono s-lo-ado todo, indenizando os outros. BRASIL, loc. cit.

    59 DINIZ, 2007, p. 304-305.

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    conveniente trazer baila o regulamento constante no Cdigo Civil:

    Art. 1275. Alm das causas consideradas neste Cdigo, perde-se apropriedade:I por alienao;

    II pela renncia;III por abandono;IV por perecimento da coisa;V por desapropriao.Pargrafo nico. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda dapropriedade imvel sero subordinados ao registro do ttulo transmissivo ouato renunciativo no Registro de Imveis.60

    No inciso I encontra-se como modo terminativo a alienao. Nela, o titular

    do domnio, mediante o regular registro no cartrio imobilirio competente, transfere

    a outrem o seu direito, de maneira livre ou compulsria, gratuita ou onerosa. Em sua

    obra, Monteiro leciona:

    Alienao ato pelo qual o titular transfere a outra pessoa sua propriedade.Ela pode consumar-se a ttulo gratuito, como a doao, e a ttulo oneroso,como a compra e venda. Pode ainda ser voluntria, como a dao empagamento, e compulsria, como a arrematao e a desapropriao. Poderesultar, outrossim, do implemento de condio resolutiva e da ocorrnciada exceo rei venditae et traditae.Momento culminante da alienao o registro, pelo qual o imvel saidefinitivamente do patrimnio do alienante para incorporar-se ao doadquirente (art.1.275, pargrafo nico). Por fora desse dispositivo, o efeitoda perda do domnio, no caso de alienao, subordina-se ao registro do

    ttulo transmissivo no cartrio de registro de imveis.61

    Da acepo do autor acima referido, constata-se que ele inclui a

    desapropriao como um exemplo de alienao compulsria, o que contrasta com a

    codificao dada pelo legislador nacional, a qual coloca o ato expropriatrio num

    inciso especial.

    Em seguida, contempla-se a renncia, que a abdicao expressa dos

    direitos sobre o bem pelo proprietrio. Neste caso, o assento no cartrio de registro

    de imveis tambm se faz medida obrigatria, conforme o pargrafo nico, do artigo

    1.275, do Cdigo Civil.62

    Para Venosa:

    Renunciar implica abdicar, abrir mo de direitos. Em sentido estrito, renncia ato pelo qual algum abandona um direito, sem transferi-lo a outrem. atounilateral. Independe, portanto, de aceitao. Alm de unilateral, irrevogvel e no se presume, dado seu carter, devendo ser expresso. A

    60 BRASIL, loc. cit.61 MONTEIRO, 2003, p. 169.62 BRASIL, loc. cit.

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    renncia em favor de outrem refoge ao sentido do instituto porque traduzalienao.63

    A disparidade entre a renncia e o abandono, disposto no inciso III, do

    artigo acima ilustrado, est na formalidade de declarar a inteno extintiva do

    domnio. Neste ltimo, inexiste manifestao expressa, tampouco transcrio do ato

    no registro imobilirio.64

    Por esta forma, para concluir-se pela derrelio, como tambm

    chamado o abandono, perceber-se- o comportamento do proprietrio perante o

    bem, pois alm de impresumvel, no o simples fato de no us-lo ou a ausncia

    de cuidados que acarretar o trmino do domnio.65

    No h que se falar em direito quando ausente o seu respectivo objeto.

    sob este prisma que se traduz o perecimento da coisa, condio exterminadora da

    propriedade, arrolada no inciso IV, do artigo 1.275, do Cdigo Civil. Nesta

    modalidade, por fora natural ou atividade humana66, acontece o desaparecimento

    do domnio.

    Se por um lado, incndios, terremotos, enchentes, a invaso de terra

    pelas guas, ilustram a dissipao natural e involuntria, por outro, a destruio

    representa a voluntariedade do prprio senhor, que de igual modo, aniquila o vnculojurdico at ento existente entre o titular e o bem.67

    Para a desapropriao, ltimo pressuposto do artigo 1.275 do Cdigo

    Civil, dedicar-se- um captulo exclusivo, com o intuito de expor os pormenores de

    seu contedo, os quais se revelam instrumentos imperiosos para a presente

    investigao.

    Extrai-se do caput, do artigo 1.275, do Cdigo Civil, um rol no taxativo,

    que admite outras formas de perda da propriedade. Para Monteiro pode-se acrescernele a usucapio; a acesso; a dissoluo da sociedade conjugal, sob regime de

    comunho universal de bens; e a sentena com trnsito em julgado, que implica na

    transferncia do imvel de um para outro litigante.68

    63 VENOSA, 2008, p. 245.64 Ibid., p. 245-246.65 Ibid., p. 245-246.66 Ibid., p. 247.67 DINIZ, 2007, p. 183.68 MONTEIRO, 2003, p. 168-169.

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    Diniz69 adiciona, ainda, o implemento de condio resolutiva no caso de

    propriedade resolvel, bem como o confisco, este ltimo permitido pelo ordenamento

    apenas na hiptese do artigo 243 da Constituio Federal70.

    A generalidade do teor do artigo 1.275 do Cdigo Civil exprime que as

    condies que impe o fim da propriedade imobiliria so idnticas as consagradas

    mobiliria, as nfimas divergncias restringem-se necessidade de adaptaes

    conforme as caractersticas intrnsecas espcie.

    Por exemplo, no caso da alienao e da renncia, insculpidas nos incisos

    I e II, ao invs do registro no cartrio imobilirio competente, h apenas um

    documento ou declarao que reflete a disposio de vontade, na qual se pautou o

    negcio jurdico.71Em regra, concomitantemente aquisio da coisa, tanto a mvel como a

    imvel, tem-se a sua perda. Neste raciocnio, todos os expedientes utilizados para

    adquiri-la so tambm considerados vias extintivas. Em suma, os modos de

    obteno da propriedade imobiliria e mobiliria so, ao mesmo tempo, maneiras de

    perd-la.

    Posto isto, de bom tom frisar que as circunstncias terminativas aqui

    explanadas so excees deste direito real, pois, na verdade, o que prevalece aregra de sua perpetuidade.

    No prximo captulo tratar-se- da Administrao Pblica e seus

    princpios, como forma de contextualizar o tema desapropriao, que ser objeto de

    estudo no captulo posterior.

    69 DINIZ, 2007, p. 177-178.70 Art. 243. As glebas de qualquer regio do Pas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas

    psicotrpicas sero imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamentode colonos, para o cultivo de produtos alimentcios e medicamentosos, sem qualquer indenizaoao proprietrio e sem prejuzo de outras sanes previstas em lei. Pargrafo nico. Todo equalquer bem de valor econmico apreendido em decorrncia do trfico ilcito de entorpecentes e

    drogas afins ser confiscado e reverter em benefcio de instituies e pessoal especializados notratamento e recuperao de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalizao,controle, preveno e represso do crime de trfico dessas substncias. BRASIL, loc. cit.

    71 RODRIGUES, 2003, p. 118.

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    3 ADMINISTRAO PBLICA

    O presente captulo tem por finalidade delimitar o contexto no qual se

    tratar o tema central, pois a desapropriao um procedimento administrativo

    ou administrativo e judicial, que, em regra, tem como executor a Administrao

    Pblica.

    Por este condo, como modo de dar parmetro investigao, faz-se

    indispensvel abordar os conceitos, as regras e as limitaes que so aplicadas ao

    Ente Pblico, j que inevitvel que interfiram no procedimento expropriatrio, por

    ele integrar o conjunto de suas aes.Preliminarmente, o captulo versar a respeito da Administrao Pblica,

    a noo conceitual e os aspectos gerais. Subseqentemente, apresentar-se- a

    principiologia que orienta o Direito Administrativo brasileiro. Noutra instncia, tratar-

    se- a vinculao, discricionariedade e abuso do poder.

    certo que os assuntos acima referidos possibilitariam, individualmente,

    uma abordagem similar a que se pretende fazer neste trabalho. Em razo disso,

    optou-se por trazer, do universo relacionado ao Poder Pblico, apenas as matriasque incidem no confronto da desapropriao indireta com os regramentos da atual

    Constituio Federal.

    3.1 CONCEITO

    Por linhas gerais, pode-se dizer que a Administrao Pblica a atividade

    desenvolvida pelo Estado na figura de agentes pblicos ou seus delegados, sob o

    regime de Direito Pblico, que visa atender de maneira direta e imediata s

    necessidades da coletividade.

    Nesse passo, convm observar que a expresso Administrao Pblica

    comporta acepo ampla e restrita. Essa dupla noo faz com que, no primeiro

    caso, o sentido da expresso confunda-se com a prpria funo poltica do poder

    pblico, haja vista a noo de governo que imprime mesma,cujo sentido entrelaa-

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    entrelaa-se com o da administrao.1

    No sobeja lembrar que o entendimento do conceito de Administrao

    Pblica passa, necessariamente, pela compreenso de que a mesma envolve todas

    as unidades organizacionais pblicas, com estrutura hierarquizada por graduao de

    autoridade equivalente categoria funcional, de modo que a relao de

    subordinao e chefia determina-se pela graduao que o Poder Executivo atribui

    aos rgos e agentes pblicos.

    Por conta dos dois mbitos de abrangncia em que se enquadra a

    expresso Administrao Pblica, toma-se por emprstimo o conceito apresentado

    de Silva:

    Num sentido amplo, administrao pblica pode ser compreendida comouma das manifestaes do poder pblicona gesto de atos ou de negciospblicos. [...][...] em conceito estrito, administrao pblica[...] significa a simples direoou gesto de negcios ou servios pblicos, realizados por todos os seusdepartamentos ou institutos especializados, com a finalidade de prover snecessidades de ordem geral ou coletiva.Cada um desses departamentos da administrao pblica, na rea deatribuies que lhes forem assinaladas em lei, pois, representa apenas umade suas ramificaes e mostrando simplesmente uma das facetas por que aadministrao pblica se executa.A administrao pblica se diz: federal, quando se refere direo dosnegcios afetos ou prprios da Unio; estadual, quando se relaciona com os

    servios ou negcios administrativos pelos estados federados; municipal,quando representa o conjunto de servios e negcios administrados pelosMunicpios.2 (Grifo do autor)

    Em decorrncia da pluralidade de sentidos empregados pela prpria

    legislao, a Administrao Pblica define-se, em regra, sob dois ngulos: o formal,

    como a reunio dos rgos que desempenham a atividade administrativa, e o

    material, como a funo pblica propriamente dita.

    Nesse sentido, a lio de Di Pietro:

    a) em sentido subjetivo, formal ou orgnico, ela designa os entes queexercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurdicas,rgos e agentes pblicos incumbidos de exercer uma das funesem que triparte a atividade estatal: a funo administrativa;

    b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza daatividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, aAdministrao Pblica a prpria funo administrativa que incumbe,predominantemente, ao Poder Executivo.3 (Grifo do autor)

    1 SILVA, de Plcido e. Vocabulrio jurdico. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, 2000, p. 67.2 Ibid., p. 67.3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 54.

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    28

    A acepo dplice do termo facilmente perceptvel na Constituio

    Federal. Inclusive, do teor de um nico dispositivo possvel extrair mais de um

    significado, o caso do artigo 37, caput: Em primeiro momento, como sinnimo de

    Estado, cita-se Administrao Pblica direta e indireta,4 posteriormente, como idia

    de atuao administrativa, informa-se que est sujeita aos princpios reguladores.5

    De pronto, o vocbulo administrar remete s aes de planejar e executar.

    Nesse norte, Di Pietro identifica outro critrio para conceituar Administrao Pblica,

    qual seja:

    a) em sentido amplo, a Administrao Pblica, subjetivamenteconsiderada, compreende tanto os rgos governamentais, supremos,constitucionais (Governo), os quais incumbe traar os planos de ao,dirigir, comandar, como tambm os rgos administrativos,subordinados, dependentes (Administrao Pblica, em sentido estrito),aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda emsentido amplo, porm objetivamente considerada, a AdministraoPblica compreende a funo poltica, que traa as diretrizesgovernamentais e a funo administrativa, que as executa;

    b) em sentido estrito, a Administrao Pblica compreende, sob o aspectosubjetivo, apenas os rgos administrativos e, sob o aspecto objetivo,apenas a funo administrativa, excludos, no primeiro caso, os rgosgovernamentais e, no segundo, a funo poltica.6

    Traz-se colao o entendimento de Kohama, segundo o qual a

    Administrao Pblica todo o aparelhamento do Estado, preordenado realizaode seus servios, visando satisfao das necessidades coletivas.7

    Conforme visto, a Administrao Pblica fundamentada numa

    estrutura de poder, que a relao de subordinao entre rgos e agentes com

    distribuio de funes e graduao de autoridade de cada um.

    Nesse sentido, o ensinamento de Meirelles:

    Em acepo operacional, o desempenho perene e sistemtico, legal etcnico, dos servios prprios do Estado ou por ele assumidos em

    benefcio da coletividade. Numa viso global, a Administrao , pois,todo o aparelhamento do Estado preordenado realizao de servios,visando satisfao das necessidades coletivas.8

    4Administrao Direta: [...] a constituda dos servios integrados na estrutura administrativa daPresidncia da Repblica e dos Ministrios, no mbito federal, do Gabinete do Governador eSecretarias de Estado, no mbito estadual, e, na administrao municipal, deve seguir estruturasemelhante. KOHAMA, Helio. Contabilidade pblica: teoria e prtica. 8. ed. So Paulo: Atlas, 2001,p. 36. Administrao indireta: [...] a exercida por indivduo ou entidade coletiva sobre os bens decarter pblico. DIAS, Chizu Koyama. Dicionrio do advogado. Campinas: Mizuno, 2000, p. 28.

    5 GASPARINI apud SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. rev.atual. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 559.

    6 DI PIETRO, 2005, p. 54.7 KOHAMA, op. cit., p. 29.8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. So Paulo: Malheiros, 2006, p.

    64-65.

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    29

    Depreende-se que os conceitos apresentados trazem implcito o princpio

    da obrigatoriedade do desempenho da atividade pblica, notadamente por conta da

    funo social desempenhada pela Administrao Pblica e, sobretudo, porque a

    Administrao se sujeita ao dever de continuidade da prestao dos servios que

    presta sociedade.

    Nesse particular, mencionam-se as palavras de Mello:

    O interesse pblico que Administrao incumbe zelar, encontra-se acimade quaisquer outros e, para ela, tem sentido de dever, de obrigao. obrigada a desenvolver atividade contnua, compelida a perseguir suasfinalidades pblicas.9

    A atuao da Administrao Pblica, conforme delineado pela

    organizao da execuo dos servios, compreende os rgos da administrao

    direta ou indireta. Devido ao extenso campo de atuao de seu poder, o chefe do

    Poder Executivo no centraliza em si a responsabilidade de administrar. Porquanto,

    delega funes especficas a outros agentes, de forma a descentralizar o poder

    pblico.

    Em sntese, a Administrao Pblica o conjunto coordenado de funes

    destinadas prestao de servios pblicos, gesto dos bens e servios pblicos

    e dos interesses da coletividade.

    3.2 PRINCPIOS DA ADMINISTRAO PBLICA

    Por envolver o mnus pblico, impem-se ao gestor dos encargos

    administrativos determinadas orientaes, ditadas pelos preceitos constitucionais epela legislao esparsa. Estas regras traduzem-se nos princpios bsicos da

    Administrao, os quais, por revestir de legitimidade a sua atuao, devem

    obrigatoriamente conduzi-lo em sua atividade funcional.

    9 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 9. ed. rev. e atual. e ampl.So Paulo: Malheiros, 1997, p. 31.

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    3.2.1 Legalidade

    Previsto pela Carta Magna, no seu artigo 5, inc. II, e no artigo 37, caput,10

    a inteligncia desse princpio traz a informao de que se define pela lei os limites

    da ao administrativa ou, noutros termos, que se permite a esta realizar, to

    somente, o autorizado pelo texto legal.

    Registra-se a explicao de Meirelles a respeito do assunto:

    A legalidade, como princpio da administrao [...] significa que oadministrador pblico est, em toda a sua atividade funcional, sujeito aosmandamentos da lei e s exigncias do bem comum, e deles no pode seafastar ou desviar, sob pena de praticar ato invlido e expor-se aresponsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.11 (Grifo do

    autor)

    Desse entendimento, conclui-se que tal previso legislativa fruto da

    submisso do Estado ao disposto no ordenamento jurdico, visto que no se pode

    deix-lo a merc da vontade, muitas vezes, instvel da autoridade; positiv-lo, fez-se

    necessrio para garantir a segurana jurdica e a limitao de poder.

    Nesse sentido, o parecer de Mello: Portanto, a funo do ato

    administrativo s poder ser a de agregar lei nvel de concreo; nunca lhe

    assistir instaurar originariamente qualquer cerceio a direitos de terceiros.12

    V-se que as funes atribudas Administrao Pblica s podem ser

    desempenhadas na conformidade da norma. Em sntese, imperativo o

    desenvolvimento de suas atividades segundo a lei, na forma da lei, nos limites da lei

    e para alcanar os fins fixados pela lei.

    3.2.2 Impessoalidade

    Assentado no art. 37, caput, da Constituio Federal, tambm

    denominado de princpio da finalidade. Por intermdio dele manifesta-se como nico

    intuito das prticas administrativas o atendimento ao interesse pblico.

    10 BRASIL, loc. cit.11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. So Paulo: Malheiros, 2009,

    p. 89.12 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19. ed. rev. e atual. So

    Paulo: Malheiros, 2005, p. 92.

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    31

    Nesse ponto, o ensinamento de Meirelles:

    [...] a finalidadeter sempre um objetivo certo e inafastvel de qualquer atoadministrativo: o interesse pblico. Todo ato que se apartar desse objetivosujeitar-se- a invalidao por desvio de finalidade, que a nossa lei da ao

    popular conceituou como o fim diverso daquele previsto, explicita ouimplicitamente, na regra de competncia do agente.13 (Grifo do autor)

    Como se extrai das palavras de Meirelles, o administrador pblico deve

    focar o exerccio de seus atos na finalidade pblica, pois, ao contrari-la, os sujeita

    invalidao por desvio de finalidade.

    No entender de Mello, impessoalidade ainda traduz a idia de que a

    Administrao tem que tratar a todos os administrados sem discriminaes,

    benficas ou detrimentosas [...] O princpio em causa no seno o prprio princpioda legalidade ou isonomia.14

    de se ter em conta que o legislador buscou inibir que fatores subjetivos

    permeassem o animus das atividades administrativas. No obstante, em face de

    estar atrelado aos princpios da moralidade e da finalidade, como ainda, em vista de

    sua aplicabilidade ao processo administrativo, o princpio em exame faz com que a

    atuao dos agentes pblicos no se torne parcial, mas sim objetiva.

    Gasparini afirma que com esse princpio [...] quer-se quebrar o velhocostume do atendimento do administrado em razo de seu prestgio ou porque a ele

    o agente pblico deve alguma obrigao.15 Dessa forma, alm de coibir atos

    pblicos voltados promoo pessoal em detrimento do interesse pblico, impele a

    Administrao a gerir a coisa pblica com objetividade.

    3.2.3 Moralidade

    Insculpido no caput do art. 37 da Constituio Federal,16 relacionado

    moral e tica administrativa, o princpio da moralidade (e da probidade, segundo Di

    Pietro)17 apresenta dificuldade para ser explanado em poucas palavras, em vista da

    13 MEIRELLES, 2009, p. 93.14 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 1992 p. 60.15 GASPARINI, Digenes. Direito administrativo. 9. ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2004, p. 9.16 BRASIL, loc. cit.17 DI PIETRO, 2005, p. 316.

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    amplitude de significados que os termos moral e tica envolvem. E tambm, porque

    o modus operandi geralmente adotado em atos administrativos, distantes da

    finalidade da Administrao Pblica, pode decorrer de um sem nmero de prticas

    desvirtuadoras.18

    Nesse sentido, Gasparini destaca as seguintes palavras de Hauriou: O

    ato e a atividade da Administrao Pblica devem obedecer no s lei, mas

    prpria moral, porque nem tudo que legal honesto, conforme afirmavam os

    romanos.19

    Bastos coaduna com o entendimento de Hauriou, pois afirma aquele

    terico que [...] no se trata da moral comum ou geral, mas sim, daquela que se

    extrai da prpria disciplina interna da Administrao Pblica.20Num apanhado geral a respeito do princpio em tela, Di Pietro refere:

    O princpio da moralidade [...] exige da Administrao comportamento noapenas lcito, mas tambm consoante com a moral, os bons costumes, asregras de boa administrao, os princpios de justia e de eqidade, a idiacomum de honestidade. Alm de previsto nos artigos 37, caput, e 5, LXXIII,da Constituio, o Decreto-lei n 2.300/86 o inclua no artigo 3 com o nomede princpio da probidade, que nada mais do que honestidade no modo deproceder.21

    Caracterizadora da conduta e dos atos do administrador pblico, aprobidade de que trata Di Pietro refere-se honestidade, honradez, integridade de

    carter, retido. Refere-se, sobretudo, ao dever do agente pblico de estar em

    sintonia com esses preceitos.

    Contrariamente, o sentido que a expresso improbidade administrativa

    carrega remete diretamente lesividade do errio pblico ou violao dos

    princpios da Administrao Pblica.

    Impende trazer colao o ensinamento de Meirelles:

    De certa forma, a moralidade se compara boa-f objetiva do DireitoPrivado, na qual vista como uma norma de comportamento leal ou ummodelo de conduta social, arqutipo ou standard jurdico, ao qual cadapessoa deve ajustar a prpria conduta.22

    Com base na exposio acima, pode-se dizer que o princpio da

    moralidade autoriza no somente a invalidao administrativa ou judicial de atos

    18 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dosTribunais, 2006, p. 127.

    19 GASPARINI, 2004, p. 9.20 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 1996, p. 35.21 DI PIETRO, op. cit., p. 316.22 MEIRELLES, 2008, p. 93.

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    praticados por agentes pblicos cuja finalidade tenha sido desvirtuada, mas tambm

    pode acarretar a perda de direitos polticos e conseqncias sancionatrias de

    natureza penal.

    3.2.4 Publicidade

    Cortejado pelo o art. 37 da Carta Magna,23 o princpio da publicidade

    obriga a Administrao a tornar pblico todos os atos praticados e instrumentos

    celebrados.Nas palavras de Gasparini:

    Esse princpio torna obrigatria a divulgao de atos, contratos e outrosinstrumentos celebrados pela Administrao Pblica direta e indireta, paraconhecimento, controle e incio de seus efeitos. Todos os atos, contratos einstrumentos devem ser publicados.

    O objetivo imediato desse princpio dar cincia sociedade das

    atividades realizadas pela Administrao Pblica, de sorte que o fim mediato refere-

    se pretenso do Estado no sentido de que a populao conhea e controle os atospraticados, os contratos e instrumentos celebrados pelo Ente Pblico, como ainda

    para que surtam os seus respectivos e necessrios efeitos.

    Essa publicidade, no dizer de Meirelles, porque pblica a

    Administrao.24

    Alm disto, a publicidade assume condio de eficcia dos atos da

    Administrao, uma vez que somente a partir de sua veiculao nos meios oficiais

    que os atos passaro a produzir efeitos. Em suma, a publicidade de que trata esseprincpio nada mais do que a divulgao oficial do ato administrativo para a cincia

    do pblico em geral, com fito de iniciar seus respectivos efeitos ou, por outras

    palavras, com o objetivo de gerar efeitos jurdicos, sendo que esses, por sua vez,

    podem ser geradores de direitos ou de obrigaes.

    Esse princpio, no se pode negar, d o tnus democracia; a

    vestibular para o controle da conduta dos administradores pblicos. O tema da

    transparncia ou visibilidade, tambm tratado como publicidade da atuao23 BRASIL, loc. cit.24 MEIRELLES, 2008, p. 96.

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    administrativa, encontra-se associado reivindicao geral de democracia

    administrativa.25

    Aplicvel a todos os setores e esferas da atividade administrativa pblica,

    esse princpio apresenta desdobramento no inc. XXXIII do art. 5 da Constituio

    Federal,26 que reconhece o direito de todo cidado obter junto aos rgos pblicos

    informaes do seu interesse particular, do interesse coletivo ou geral.

    De resto, vale destacar que esse princpio veda qualquer publicidade que

    no possua carter educativo, informativo e de interesse social, e que venha a, nos

    termos da Constituio (art. 37, pargrafo primeiro), possibilitar promoo pessoal

    do administrador.

    3.2.5 Eficincia

    Introduzido no caput do art. 37, esse princpio trata, por um lado, do dever

    de prestar o servio de modo a satisfazer s necessidades da coletividade da forma

    menos onerosa possvel e, por outro, diz respeito qualidade da execuo dosservios prestados pela Administrao Pblica.

    A Lei da Concesso e Permisso de Servios Pblicos, no 1 do art. 6,

    refere que adequado o servio que satisfaz as condies de regularidade,

    continuidade, eficincia, segurana, atualidade, generalidade, cortesia na sua

    prestao, modicidade das tarifas.27

    A eficincia princpio constitucional que norteia toda a atuao da

    Administrao Pblica. O vocbulo liga-se idia de ao, para produzir resultadode modo rpido, preciso e, sobretudo, que satisfaam as necessidades da

    populao.

    Nesse sentido, pode-se dizer que eficiente a Administrao que atuar

    nos limites do exerccio de suas funes, aproveitar de modo adequado os recursos

    que lhe forem disponibilizados e objetivar o melhor resultado possvel relativamente

    aos fins que pretende atingir.

    25 MEDAUAR, 2006, p. 128.26 BRASIL, loc. cit.27 BRASIL. Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Lei da Concesso e Permisso de Servios

    Pblicos.Disponvel em: . Acesso em: 28 abr. 2009.

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    3.2.6 Finalidade

    O princpio da finalidade informa que as incurses da Administrao

    Pblica devem ter sempre como objetivo o interesse pblico, porquanto, apresenta-

    se intimamente relacionado impessoalidade relativa da Administrao.

    A observncia a esse princpio explanada por Gasparini da seguinte

    forma: Por esse princpio impe-se Administrao Pblica a prtica, e to-

    somente essa, de atos voltados para o interesse pblico.28

    A orientao desse princpio corre no sentido de a importncia dos atos

    do agente pblico estar necessariamente conforme a lei, indiretamente comunica-secom a finalidade implcita na prpria norma. Por conseguinte, por fora [desse

    princpio] a Administrao subjuga-se ao dever de alvejar sempre a finalidade

    normativa, adscrevendo-se a ela.29

    Percebe-se, pelo exposto, que o ato h de sempre vir a tutelar interesse

    tido como pblico, fundado em lei que atribua competncia ao agente para pratic-

    lo. Na hiptese de no atingir a finalidade que a lei determina para o ato, este ser

    nulo por desvio de finalidade.Mello corrobora esse entendimento:

    Em suma: a finalidade um elemento da prpria lei, justamente o fatorque proporciona compreend-la. Por isso no se poder conceber o fator queproporciona compreend-la sem encarecer a finalidade quer de tal princpioem si mesmo, quer das distintas leis em que se expressa.30

    Como j afirmado anteriormente, o entendimento que se forma acerca

    deste princpio mostra a finalidade pblica porque o ato do administrador tambm

    pblico e, por isso, visa o atendimento do interesse da sociedade e a garantia deobservncia das finalidades institucionais por parte dos rgos da Administrao

    Pblica direta e indireta. Desse modo, a finalidade pblica diretriz a ser perseguida

    pelo administrador pblico.

    28 GASPARINI, 2004, p. 14.29 MELLO, 2005, p. 95.30 Ibid., p. 96.

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    3.2.7 Supremacia do interesse pblico sobre o interesse privado

    Trata-se de princpio constitucional implcito que determina privilgios

    jurdicos e superioridade do interesse pblico em detrimento do particular, na

    hiptese de choque entre ambos. Consoante esse princpio, sempre que houver

    conflito entre administrados e Administrao, prevalecer sempre o interesse

    pblico.

    A funo administrativa do Estado submete-se ao especial regime jurdico

    de direito pblico ou, como tambm denominado, regime jurdico-administrativo.

    Apresenta, como particular caracterstica, a exigncia com relao execuo da leipor autoridade pblica investida no cargo, alm de outras prerrogativas necessrias

    para fazer com que o interesse pblico prevalea juridicamente sobre o privado e, ao

    mesmo tempo, no seja mal gerido por aquele que detm o poder-dever de realiz-lo.

    Em verdade, alm de manter ntima relao com outros princpios

    apresentados neste estudo como, o da impessoalidade, por exemplo, esse princpio

    fraciona-se nos princpios da supremacia dos interesses pblicos e da

    indisponibilidade do interesse pblico.

    3.2.8 Devido processo legal e da ampla defesa

    O processo refere-se a um conjunto de atos processuais utilizados pelo

    Estado para efetivar a entrega da tutela jurisdicional. Noutros termos, a relao

    que se desenvolve visando solucionar uma lide da qual so partes o sujeito ativo

    (autor), o sujeito passivo (ru) e o Estado-juiz, tendo-se por lide qualquer pretenso

    juridicamente resistida.

    Na lio de Theodoro Jnior: [...] processo o meio pelo qual se vale o

    Estado para compor os litgios ou conflitos de interesses gerados por pretenses

    resistidas.31

    31 THEODORO JNIOR, Humberto. Processo de execuo. 23. ed. rev. e atual. So Paulo:Universitria de Direito, 2005, v. 3, p. 26.

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    Em vista da necessidade de estatuir normas para assegurar a ordem e

    disciplinar o convvio grupo social que o ordenamento jurdico apresenta-se como

    um complexo normativo dinmico e portador de coerncia e unidade.32

    A noo do devido processo legal passa, necessariamente, pela

    compreenso acerca da supremacia que os princpios e as normas constitucionais

    apresentam frente a outros princpios e normas que se inscrevem em nveis distintos

    da ordem jurdica.

    Consoante o ensinamento de Grinover:

    O importante ler as normas processuais luz dos princpios e das regrasconstitucionais. verificar a adequao das leis letra e ao esprito daConstituio. verificar os textos legais luz da ordem constitucional. ,como j se escreveu, proceder interpretao da norma em conformidadecom a Constituio. E no s em conformidade com sua letra, mas tambmcom seu esprito.33

    , portanto, mister que referida noo leve em conta a consagrao de

    alguns princpios caractersticos do Estado Democrtico de Direito e regramentos

    afetos. Isso autoriza a possibilidade de o ordenamento jurdico abrigar, hierrquica e

    harmonicamente, a esfera constitucional e a infraconstitucional, como tambm,

    considerar a tendncia de constitucionalizao que o ordenamento jurdico brasileiro

    vem assumindo.

    Perseguindo esse eixo, cumpre, preliminarmente, breve exame

    principiologia grafada neste item, especialmente porque , deveras, valioso

    instrumento consecuo dos objetivos da Repblica Federativa do Brasil, cuja

    Carta Poltica assegura a todos os cidados o direito de provocar o Estado-juiz,

    sempre que tiver um direito ameaado ou lesado, a fim de obter tutela jurisdicional.34

    Nesse rumo, tem-se que a Carta Magna acolheu como princpio o devido

    processo legal,35 que tem como corolrios o contraditrio e a ampla defesa que, nodizer de Moraes: [...] devero ser assegurados aos litigantes, em processo judicial

    32 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 3. ed. rev., atual. e ampl. SoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, v. 1, p. 34.

    33 GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do processo, novas tendncias dodireito processual de acordo com a constituio de 1988. So Paulo: Forense, 1990, p. 15.

    34 Art. 5, inc. XXXV: [...] a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa adireito. BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil: textoconstitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alteraes adotadas pelas EmendasConstitucionais nos 1/92 a 52/2006 e pelas Emendas Constitucionais de Reviso nos 1 a 6/94.

    Braslia; (DF), Senado Federal, 2006, p. 9.35 Art. 5, inc. LV. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geralso assegurados o contraditrio e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.BRASIL, 2006, p. 9.

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    38

    criminal ou civil ou em procedimento administrativo [...] e aos acusados em geral,

    conforme o texto constitucional expresso.36

    No regime jurdico das liberdades pblicas, a plena fruio de direitos

    entre os cidados social e politicamente organizados , particularmente, evidenciada

    pela proteo de inviolabilidade dos direitos e garantias individuais. Por conseguinte,

    os contornos e os limites do devido processo legal traduzem a exata definio do

    entendimento que se vem arquitetando.

    Nesse sentido, as palavras de Nery Junior e Nery:

    Todos os aspectos de direito processual dos cinco bens jurdicos tutelados pelaclsula due process vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade: CF 5caput esto protegidos pelo princpio em seu aspecto processual. Somanifestaes do princpio do devido processo legal processual no processo[civil]: a igualdade processual, o contraditrio e a ampla defesa, o direito prova,o duplo grau de jurisdio, o acusador e o juiz [...], a proibio da prova obtidailicitamente, a publicidade dos atos processuais, a motivao das decisesprocessuais [civis] etc.37

    Tornando s palavras de Moraes:

    Por ampla defesa entende-se o asseguramento que dado ao ru decondies que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementostendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de calar-se, se entendernecessrio, enquanto o contraditrio a prpria exteriorizao da ampladefesa, impondo a conduo dialtica do processo (par conditio), pois a

    todo ato produzido caber igual direito da outra parte de opor-se ou de dar-lhe a verso que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma interpretaojurdica diversa daquela feita pelo autor.38

    Conforme se percebe desse articulado, a Constituio de 1988, visando

    reduzir a discricionariedade do poder pblico, introduziu no rol dos direitos e

    garantias fundamentais o processo administrativo, com o contraditrio e a ampla

    defesa. Vem da o devido processo legal administrativo, fundamental para evitar

    excessos atentatrios do Estado contra o cidado.

    36 MORAES, Alexandre de. Constituio do Brasil interpretada e legislao constitucional. 6. ed.

    So Paulo: Atlas, 2006, p. 368.37 NERY JUNIOR, Nelson; NERY Rosa Maria de Andrade. Cdigo de processo civil comentado elegislao extravagante. 10. ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1371.

    38 MORAES, 2006, p. 369.

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    3.2.9 Controle judicial dos atos administrativos

    Trata-se do controle exercido pelo Poder Judicirio sobre os atos

    praticados pela Administrao Pblica, relativamente aos diferentes tipos de atos

    administrativos, particular ateno ao alcance de atos discricionrios e vinculados.

    Sujeitam-se ao controle especial atos polticos, atos legislativos e atos

    interna corporis, estes apenas em seus aspectos formais e de consonncia com a

    lei.

    No dizer de Mello:

    ao Poder Judicirio e s a ele que cabe resolver definitivamente sobrequaisquer litgios de direito. Detm, pois, a universalidade da jurisdio,quer no que respeita legalidade ou consonncia das condutas pblicascom atos normativos infralegais, quer no que atina constitucionalidadedelas. Nesse mister tanto anular atos invlidos, como impor Administrao os comportamentos a que esteja de direito obrigada, comoproferir e impor as condenaes pecunirias cabveis.39

    Alcana os atos do Poder Executivo, e dos Poderes Legislativo ou

    Judicirio, j que estes dois ltimos tambm praticam atos administrativos.

    Contudo, vale observar que ao Poder Judicirio vedado apreciar omrito de atos administrativos, devendo o mesmo se ater to-somente ao controle

    da legalidade e da legitimidade do ato praticado.

    Em vista do papel que desempenha junto sociedade, a Administrao

    Pblica apresenta a liberdade de atuao como mister gesto do negcio pblico.

    Contudo, o princpio da legalidade impe limites estatudos pela legislao

    infraconstitucional, sem os quais o sentido de Estado Democrtico de Direito fica sob

    ameaa de comprometimento.

    Os referidos limites estabelecem uniformidade para os atos

    administrativos, haja vista a legislao indicar a conduta que o administrador h de

    assumir em face das hipteses que a realidade lhe apresentar. Conquanto, o

    controle do ato ocorre com o contraste que se faz entre a conduta assumida e a

    legalidade do ato, se conforme produzir efeitos no mundo jurdico, opostamente

    mostra-se eivada de ilegalidade.

    39 MELLO, 2004, p. 108.

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    3.2.10 Razoabilidade

    O Direito Administrativo consagra a supremacia do interesse coletivo

    em detrimento do particular, a fim de primordialmente atender os interesses

    pblicos. No exerccio das atividades administrativas, os poderes concedidos ao

    agente investido no cargo devem ser exercidos exclusivamente para o atendimento

    de interesses da sociedade local. E isso reclama, na exata medida,

    proporcionalidade entre os meios de que se vale a Administrao e os fins que

    pretende alcanar.

    Mello explica com clareza o princpio da razoabilidade:Enuncia-se com este princpio que a Administrao, ao atuar no exercciode discrio, ter de obedecer a critrios aceitveis do ponto de vistaracional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas erespeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competnciaexercida.40

    Segue o referido autor adjetivando como desarrazoadas, bizarras e

    incoerentes as condutas que no atendam ao princpio em tela, que embora no

    esteja assentado no texto constitucional, figura junto a alguns dispositivos.

    41

    3.2.11 Proporcionalidade

    Arrolado no caput do art. 37 da Carta Poltica,42 o princpio da

    proporcionalidade visa impedir excessos administrativos desarrazoados, o que se d

    pela sobreposio dos meios com os fins para verificar a compatibilidade do ato

    administrativo, para evitar restries desnecessrias ou abusivas.

    interessante observar que o entendimento doutrinrio a respeito desse

    princpio assume direcionamentos diferentes, haja vista que para alguns tericos,

    esse princpio tratado como sinnimo da razoabilidade, para outros, trata-se de

    40 MELLO, 2004, p. 97.41 Ibid., p. 97.42 BRASIL, loc. cit.

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    mero aspecto do princpio da razoabilidade e, ainda, para outros, esse princpio

    apenas norteia a Administrao Pblica.43

    A respeito desse princpio, Medauar:

    O princpio da proporcionalidade consiste principalmente, no dever de noserem impostas, aos indivduos em geral, obrigaes, restries ou sanesem medida superior quela estritamente necessria ao atendimento dointeresse pbico. Aplica-se a todas as atuaes administrativas para quesejam tomadas decises equilibradas, refletidas, com avaliao adequadada relao custo-benefcio, a includo o custo social.44

    Por fora desse princpio, no lcito Administrao Pblica valer-se de

    medidas restritivas ou formular exigncias aos particulares alm daquilo que for

    estritamente necessrio para a realizao da finalidade pblica almejada. E ainda,

    de obrigar adequao entre os meios e os fins. Veda, portanto, a imposio deexigncias e obrigaes ou impor restries e sanes fora da exata, justa e

    necessria medida para atender o interesse pblico.

    3.2.12 Motivao

    De carter infraconstitucional, eis que previsto na Lei 9.784/9945, esse

    princpio traz o sentido de obrigao Administrao Pblica relativamente

    necessidade de justificar os motivos de fato e de direito que motivaram o ato a ser

    praticado. Percebe-se, portanto, que referida motivao h que ser demonstrada em

    tempo prvio ou no mesmo momento da expedio do ato.

    de se considerar, desse modo, que o princpio em questo traz o

    comando que determina autoridade administrativa apresentar as razes quesustentam suas decises.

    Esclarecem o assunto as seguintes palavras de Gasparini: Devem ser

    motivadas para a prtica de qualquer ato administrativo as razes de fato e de

    direito que levaram a administrao a proceder daquele modo. A motivao deve ser

    prvia ou contempornea prtica do ato.46

    43 MEDAUAR, 2006, p. 130.44 MEDAUAR, 2006, p. 130.45 BRASIL, loc. cit.46 GASPARINI, 2005, p. 22.

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    No ato discricionrio, a ausncia de motivao possibilita desvio ou abuso

    de poder, haja vista a dificuldade e at mesmo impossibilidade de efetivo controle

    judicial, pois, tambm ausente a inteno do administrador que praticou o ato.

    3.3 VINCULAO, DISCRICIONARIEDADE E ABUSO DE PODER

    Os poderes conferidos Administrao Pblica tm limites delineados

    pelo ordenamento jurdico, limites esses que no podem ser exorbitados. Caso

    contrrio ocorrer abuso de poder ou desvio de finalidade. Pode decorrer de atopraticado ou de omisso pela inrcia do administrador. Em tais casos, a situao

    est sujeita ao controle do prprio Ente Pblico, como tambm do Poder Judicirio,

    uma vez eles caracterizam ilegalidade. Da, a nulidade do ato.

    Insta dizer, em primeira instncia, que vinculado o ato pelo qual a

    Administrao operacionaliza o poder que lhe conferido, o que faz entender no

    existir poder e sim ato vinculado.

    O poder em comento conferido por lei Administrao Pblica para aprtica de ato competente, cujos moldes legais determinam os elementos e

    requisitos necessrios para a sua formalizao. E, desse modo, a Administrao

    est estritamente limitada por dispositivos legais, sem que haja opes para o

    administrador.

    Pelo poder vinculado, o agente pblico fica submisso ao contedo legal,

    j que esse indica o comportamento a ser assumido pelo administrador, no

    deixando margem alguma para a sua liberdade de interpretao subjetiva,porquanto, descabido o uso do juzo de convenincia e oportunidade.

    Nesse ponto, no sobeja lembrar, que todos os atos administrativos so

    vinculados quanto competncia, forma e finalidade. Portanto, ao agente cabe to-

    somente aplic-los, especialmente porque no momento dessa aplicao, eles no

    podem ser valorados.

    No controle jurisdicional de ato administrativo manifestado o poder

    vinculado, a incurso do Poder Judicirio no exame da legalidade envolve os

    aspectos formais e materiais, inclusos os motivos e pressupostos que deram origem

    ao ato.

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    Por outro lado, discricionrio o ato pelo qual a Administrao exterioriza o

    poder que lhe outorgado, o que sinaliza no haver poder e sim ato discricionrio.

    Nesse sentido, discricionariedade refere-se liberdade que o Poder Pblico possui

    para agir no limiar da determinao legal.

    A discricionariedade do ato reside basicamente em dois aspectos, quais

    sejam: a autoridade que o exerce autocrtica quanto convenincia e

    oportunidade, e a liberdade de escolha que o Administrador possui para

    direcionar alguns elementos caractersticos desse ato, conforme segue

    apresentado.

    O ato s pode ser discricionrio em relao ao objeto e ao motivo, que

    tambm poder caracteriz-lo como vinculado, dependendo do ato. Note-se que noh discricionariedade quanto aos atributos competncia, forma e finalidade, vez que

    tais fazem a autoridade subordinar-se imposio legal.

    O poder discricionrio no absoluto e, igualmente ao vinculado,

    submete o administrador determinao legal, que cria ensejo para que julgue a

    convenincia e a oportunidade, a fim de que ele no fique restrito a apenas as

    possibilidades de escolha.

    A discricionariedade tem como fundo a capacidade de orientao doadministrador na valorao dos atos administrativos referentes oportunidade e

    convenincia. Bom exemplo do exerccio do poder que gera o discricionrio a

    nomeao para cargo comissionado, cuja liberdade do administrador est na

    liberdade de escolha em nomear o ocupante do cargo sem prvia seleo. Ou ainda,

    nas hipteses de autorizao por parte do Poder Pblico.

    de se ter em conta que o poder discricionrio faz contraponto com

    o poder vinculado, vez que ambos traduzem-se to-somente em maior e menorgrau quanto vinculao do exerccio de determinados poderes

    administrativos.

    A operacionalizao discricionria de um ato, na qualidade de

    expresso de determinado poder administrativo, consiste no puro exerccio do

    administrador de certa faculdade legal, dentro dos limites impostos em lei. Goza, o

    administrador, de determinada liberdade de ao, convencionalmente tratada

    como poder discricionrio. Porquanto, somente poder ser atacado se ilegtimo e

    invlido.

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    No que se refere forma e finalidade do ato discricionrio, o ato

    discricionrio vincula o administrador a ambos os atributos. Desse modo, impe-se a

    este observncia forma