Diagnóstico Pré-natal e Aborto Seletivo Um Desafio à Prática e

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    Diagnstico Pr-natal e Aborto Seletivo: Um De-

    safio Prtica e s Polticas1

    ADRIENNE ASCH2

    RESUMO

    Este artigo defende o argumento de que a popularizao do aborto seletivo

    com as modernas tcnicas de diagnstico pr-natal representa um risco

    integridade moral dos deficientes, caso ele no seja acompanhado de uma

    intensificao das polticas de bem-estar para as pessoas portadoras de

    deficincia.

    Palavras-chave: Aborto seletivo; diagnstico pr-natal; gentica.

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    Embora a seleo sexual possa amenizar a situao de alguns indivduos, ela

    reduz o statusdas mulheres como um grupo, alm de perpetuar a situao

    que a origina (...). Se acreditarmos que a igualdade sexual necessria para

    que se tenha uma sociedade justa, devemos nos opor seleo sexual

    Wertz & Fletcher, (1992, p. 242-243).

    O prprio fato de se procurar uma origem para a homossexualidade j

    um sinal de homofobia. Alm disso, esse tipo de pesquisa pode levar a testes

    pr-natais que prometem prever a homossexualidade. Esses so perigos

    particularmente srios para os homossexuais que vivem em pases onde no

    h proteo legal.

    Schuklenk et al. (1997, p. 6).

    1. Introduo

    possvel que o teor das afirmaes acima no gere muitos comentriosno mundo das polticas de sade, na profisso mdica ou por parte de muitosleitores contemporneos, j que muitos reconhecem os perigos de se usarexames pr-natais para fazer abortos seletivos com base no sexo do feto.Da mesma forma, profissionais da sade, sejam eles mdicos, sanitaristas oupsiquiatras, vm fazendo parte da luta por direitos civis degayse lsbicas,ao insistir que a homossexualidade no uma doena. Muitos leitores tam-bm questionariam os motivos de se procurar as causas da homossexuali-dade, j que se poderiam desenvolver testes pr-natais para mapear essacaracterstica. Contudo, em nossa sociedade, h muitos que no demonstramqualquer tipo de apreenso com relao aos testes pr-natais para detectarcaractersticas vistas como genticas, ou como doenas cromossmicas,anormalidades ou deficincias:

    (...) A reproduo humana que no levar em considerao os dados gen-ticos sobre os riscos de se transmitir doenas pode aumentar a mortalidade

    e os custos mdicos. Os portadores de genes potencialmente nocivos devem

    ser alertados sobre sua condio de portadores e encorajadosa se relacionar

    sexualmente com no-portadores ou a usar outras estratgias reprodutivas

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    (...) (Congresso dos Estados Unidos, Escritrio de Avaliao Tecnolgica,

    1988, p. 84 [sem grifo no original]).

    (...) As atitudes com relao deficincia congnita no mudaram muito.

    Tanto as sociedades pr-modernas quanto as contemporneas vm enxergan-

    do a deficincia como algo indesejvel e a ser evitado. No s os pais

    reconhecem que o nascimento de um filho deficiente uma fora potenci-

    almente destrutiva e desagregadora da unidade familiar, como a sociedade v

    a deficincia como uma desgraa (...). Nossa sociedade ainda no aprova a

    eliminao dos deficientes ou dos doentes, mas estimula a interrupo de

    gestaes em que o feto seja deficiente ou doente. No se trata de umestmulo explcito, mas implcito (...) (Retsinas, 1991, p. 89-90).

    Ao escrever sobre programas genticos para a fibrose cstica, noAmerican Journal of Human Genetics, Beaudet reconheceu a tensoexistente entre os objetivos de ampliar a escolha reprodutiva e prevenir onascimento de crianas deficientes:

    Embora alguns possam argumentar que o sucesso do programa deveria ser

    julgado apenas pela eficincia dos programas educativos (isto , se as pessoas

    submetidas ao exame entenderam a informao), fica claro que a preveno

    [da fibrose cstica] tambm , at certo ponto, uma forma de avaliar o

    programa de testes genticos, j que poucos defenderiam o aumento dos

    recursos envolvidos, se poucas famlias estivessem interessadas em evitar adoena (Beaudet, 1990, p. 603).

    Dentre os testes pr-natais que detectam as condies do feto, esto aultra-sonografia, a anlise da alfafetoprotena no sangue materno, a bipsiado vilo corial e a amniocentese3 . Alguns exames, como a ultra-sonografia,so realizados rotineiramente, independentemente da idade materna, e for-necem informaes que podem ser teis para as mulheres durante a gravi-dez; outros, como a amniocentese e o exame do vilo corial, no influenciamnos cuidados durante a gestao, mas fornecem informaes destinadas aajudar a mulher a decidir se deseja ou no continuar a gravidez, caso sejadetectada alguma anomalia no feto. A amniocentese, o exame que detectao maior nmero de anomalias fetais, normalmente oferecido s mulheresque tero 35 anos ou mais no momento do parto. Recentemente, a recomen-dao que essas limitaes de idade sejam abandonadas e que o teste sejadisponibilizado para todas as mulheres, no importando sua idade (Kuppermannet al., 1999). O exame vem sendo cada vez mais considerado um compo-

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    nente bsico do acompanhamento pr-natal para mulheres cujos planos desade cobrem esse tipo de procedimento, ou ainda para as mulheres queutilizam clnicas pblicas em algumas jurisdies (Rapp, 1999).

    Apesar de terem recebido ampla aceitao por aqueles que atuam nocampo da biotica, da sade e mesmo pelo pblico em geral, esses testestm causado alguma preocupao a quem estuda as experincias reprodutivasfemininas: percebeu-se que nem todas as mulheres se sentem vontadecom a idia de se submeter aos testes pr-natais e de ter que tomar decisescom base nos resultados desses testes (Rothenberg e Thomson, 1994). Poroutro lado, a idia de que a tecnologia se baseia em suposies errneas

    sobre o impacto negativo que a deficincia tem na vida das pessoas aindamenos discutida pelos profissionais de sade. Essa nova perspectiva seconcentra no que comunicado sobre a aceitao familiar e social dadiversidade, mais especificamente da deficincia (Fine e Asch, 1982; Saxton,1984; Finger, 1987; Asch, 1989; Hubbard, 1990; Lippman, 1991; Miringoff,1991; Field, 1993; Kaplan, 1994; Shakespeare, 1995, 1998; Asch e Geller,1996; Dunne e Warren, 1998; Disabled Peoples International Europe, 2000).Assim como outras crticas feitas aos testes pr-natais, com base na pers-pectiva das mulheres, este artigo assume uma perspectiva pr-escolha, massugere que o uso irrefletido desses testes pode reduzir, ao invs de ampliar,as escolhas das mulheres. Baseada nas crticas que analisam a aceitaodas diferenas humanas na sociedade e na famlia, esta crtica desafia aviso da deficincia que est por trs da promoo social desses testes, bemcomo a convico de que as mulheres iro ou devero interromper suasgestaes, caso descubram que o feto possui um trao de deficincia.

    Por um lado, os sanitaristas resistem seleo por gnero e, provavel-mente, sero contrrios a qualquer seleo por orientao sexual; mas, poroutro, so favorveis idia de que as pessoas devem evitar ter filhos comdeficincias. Isso se deve viso dos profissionais de sade, de que adeficincia seria algo muito diferente e pior que outras formas devariao humana. primeira vista, este parece ser um argumento bvio edesafi-lo pode parecer um questionamento aos nossos compromissos pro-fissionais. Caractersticas como doenas crnicas e deficincias (que sero

    discutidas conjuntamente) no se assemelham a traos como gnero, orien-tao sexual ou raa, uma vez que estes ltimos no so percebidos comoobstculos para uma vida satisfatria. A deficincia , por sua vez, consi-derada incompatvel com uma vida satisfatria. Alis, vale lembrar que al-gumas pessoas que se opem ao aborto seletivo por gnero (Wertz e Fletcher,

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    1992) ou por orientao sexual (Stein, 1998) diferenciam esses traos comosendo uma deficincia de origem social, em contraste s deficincias deorigem mdica, para as quais os exames pr-natais e o aborto seletivo fazemsentido. Para as questes de sexo, orientao sexual ou raa, as autoridadesde sade pblica avaliam em que medida fatores sociais ou econmicos soobstculos para a sade e para o atendimento mdico, e defendem a melhoriado bem-estar daqueles que se encontram em desvantagem pela discrimina-o que acompanha aqueles ditos como minorias. Os sanitaristas, por outrolado, lutam para erradicar doenas e deficincias ou para tratar ou mesmocur-las. Para os profissionais de sade, a doena e a deficincia so pro-

    blemas a serem resolvidos, e, para tanto, parece ser natural lanar mo detestes pr-natais e do aborto como mais uma maneira de minimizar a inci-dncia da deficincia.

    Neste artigo, argumentarei, em primeiro lugar, que a maior parte dosproblemas associados a se ter uma deficincia provm de arranjos sociaisdiscriminatrios que so passveis de mudana. No passado, as mulheres eos homossexuais experimentaram desafio semelhante. Aps discutir de quemodo as caractersticas da deficincia se assemelham ou no a outras ca-ractersticas, analisamos a razo pela qual acreditamos que a tecnologia doteste pr-natal seguido do aborto seletivo seja uma maneira singular deprevenir ou aliviar a deficincia. Alm disso, analisamos por que muitaspessoas, que no vem qualquer problema na preveno de doenas ou napromoo da sade, se sentem ofendidas pela testagem pr-natal e seusdesdobramentos. Ao final, sugerimos algumas maneiras pelas quais os pro-fissionais da sade e instncias reguladoras podem oferecer essa tecnologia,de modo a promover escolhas reprodutivas legtimas e a ajudar as famliase a sociedade a se desenvolver.

    2. Um Contraste entre o Paradigma Mdico e Social da Deficincia

    As definies de termos como sade, normalidade e deficincia noso claras, objetivas e universais ao longo do tempo e nem o so em dife-rentes locais. As caractersticas fsicas individuais so avaliadas com base

    em um padro de normalidade, de sade e do que alguns autores chamamde funcionamento tpico da espcie (Daniels, 1985; Boorse, 1987). Essesautores chamam a ateno para o fato de que em uma sociedade, em certomomento histrico, h uma percepo compartilhada do que seja o funcio-namento fsico tpico da espcie, bem como do papel esperado de uma

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    menina, de um menino, de uma mulher e de um homem. A definio deBoorse sobre os desvios indesejados dessa tipicidade da espcie se concen-tra na pessoa, em vez de se concentrar na causa do problema: [Uma]condio patolgica quando a habilidade para realizar uma ou mais funesbiolgicas tpicas da espcie no alcana o nvel de distribuio estatstica dahabilidade em questo (Boorse, 1987, p. 370). Daniels, por sua vez, argu-menta que leses no funcionamento normal das espcies reduzem as opor-tunidades disponveis ao indivduo pelas quais se constri o planejamento devida ou do que seja bom (Daniels, 1985, p. 27).

    Doenas crnicas, leses traumticas e deficincias congnitas podem,

    de fato, causar desvios do funcionamento tpico da espcie, e essas con-dies constituem diferenas tanto da mdia estatstica quanto da norma debem-estar desejada. Certamente, a sociedade preza algumas caractersticas,tais como inteligncia, habilidades desportivas, musicais e artsticas, alm dedar mais valor queles que possuem mais atributos que a norma estatstica.As normas relacionadas aos atributos relativos sade tambm mudam como tempo. Na medida em que a expectativa de vida das pessoas aumenta noCanad e nos Estados Unidos, as condies que geralmente causam a morteantes dos quarenta anos, como o caso da fibrose cstica, podem se tornarainda mais impressionantes do que so hoje. A expectativa de que os ho-mens sero mais altos que as mulheres e que os adultos devam chegar altura de pelo menos um metro e sessenta gera uma percepo de que serdiferente dessas normas no apenas incomum, mas indesejvel e poucosaudvel. Algo que no surpreende o fato de que os profissionais queesto comprometidos com a preveno, melhora e cura de doenas e lesesestejam especialmente preparados para lidar com os problemas e dificulda-des que afetam a vida de seus pacientes. Tais profissionais, cientes da dorou da fraqueza fsica e psicolgica, como tambm dos problemas sociaiscausados por uma doena aguda ou uma leso repentina, dedicam suas vidasa reduzir os percalos que esses eventos possam acarretar.

    O que muitos pesquisadores, formadores de polticas pblicas e militantesda rea de deficincia argumentam que a compreenso mdica do impactoda deficincia sobre a vida da pessoa contm duas suposies equivocadas

    com srias conseqncias adversas: 1. que a vida de uma pessoa com umadoena ou deficincia crnica estar comprometida para sempre, como sea vida de uma pessoa estivesse temporariamente interrompida ou compro-metida por causa de uma crise de coluna, de pneumonia, ou uma pernaquebrada; 2. que se uma pessoa deficiente estiver passando por uma situ-

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    ao de isolamento, de impotncia, de desemprego, de pobreza ou viver emum estado social abaixo da mdia, tudo isso se deve nica e inevitavelmentes limitaes biolgicas. O corpo, a psique e a vida social, de fato, sofremmudanas aps uma doena, acidente ou leso, e os profissionais de sadee da biotica atentam, corretamente, vulnerabilidade fsica e psicolgicados pacientes e seus familiares ou amigos na fase aguda da crise. Entretan-to, falham ao concluir que, devido improbabilidade da recuperao fsicaplena, uma pessoa deficiente nunca conseguir reunir os recursos fsicos,psicolgicos e cognitivos para que tenha uma vida satisfatria. Deficinciase doenas crnicas no so equivalentes a doenas agudas ou leses repen-

    tinas, situaes nas quais um processo de doena ativo ou uma mudanainesperada na funo fsica interrompe a rotina de vida. A maioria daspessoas com espinha bfida, acondroplasia, sndrome de Down e outrasleses ligadas mobilidade e aos sentidos se vem como pessoas saudveis,isto , como no doentes, e descrevem suas condies como que inerentess suas vidas: a maneira pela qual interagem com o mundo. O mesmo seaplica para pessoas em condies crnicas, como a fibrose cstica, a diabe-tes, a anemia falciforme, a hemofilia e a distrofia muscular. Essas condiescontam com crises intermitentes que exigem cuidados mdicos e ajustes vida diria. Contudo, tais condies no fazem com que essas pessoas nosejam saudveis, como muitas pessoas, incluindo os profissionais de sade,imaginam.

    Os portadores de deficincia se preocupam com engarrafamentos, comuma discusso com um amigo, sobre qual filme assistir, ou que pas vaiganhar a Copa do Mundo, e no apenas com seus diagnsticos. claro queuma deficincia pode interferir no comportamento da pessoa se certos even-tos vierem a ocorrer, como por exemplo: se dois nibus, um aps o outro,que possuem equipamento prprio para cadeira de rodas no atenderem aosinal de parada de uma pessoa que est sentada em uma cadeira de rodasem um ponto de nibus; se um atendente na bilheteria do cinema insultaruma pessoa com sndrome de Down, por no querer receber o dinheiro deseu ingresso; se uma pessoa com dificuldades auditivas perder o trem porno saber que a mudana na linha foi anunciada.

    A segunda forma pela qual os profissionais da sade e da biotica erram ao enxergar todos os problemas que existem na vida de um portador dedeficincia como conseqncia da condio em si e no de fatores externos.Quando profissionais da tica e da sade pblica e os formadores de pol-ticas pblicas discutem a importncia da assistncia mdica, da preveno

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    de acidentes, da promoo de estilos de vida mais saudveis, eles o fazembaseados na idia de que um certo nvel de sade seria no apenas intrin-secamente desejvel, mas tambm um pr-requisito para uma vida aceitvel.Um comentarista da biotica descreve essa viso consensual sobre os tiposde vida em termos de uma faixa normal de oportunidade: a faixa normalde oportunidade para uma dada sociedade todo o conjunto de planejamen-tos de vida que pessoas comuns constroem, ou podem construir para si. Aateno sade acrescenta que seu propsito manter, restaurar ou for-necer equivalentes funcionais, sempre que possvel, ao funcionamento nor-mal da espcie (Daniels, 1985, p. 33-32).

    De acordo com o paradigma da medicina, a diferena existente entrenveis de educao, de emprego e de renda entre adultos portadores dedeficincia e adultos sem deficincia so inevitveis, uma vez que as lesesprejudicam os estudos ou mesmo limitam o trabalho. O paradigma alterna-tivo, o qual entende as pessoas deficientes em termos sociolgicos, isto ,como uma minoria, analisa como o contexto social (as regras, leis, meios decomunicao, caracterstica dos prdios e sistemas de trnsito, a carga horriaconvencional de oito horas dirias) exclui algumas pessoas da participaoda vida social, escolar, profissional ou cvica. O novo paradigma foi incor-porado na Lei de Educao para a Pessoa Portadora de Deficincia(Individual with Disabilities Education Act) e na Lei Americana dePessoas Portadoras de Deficincia (Americans with Disabilities Act), etambm est implcito na garantia de acesso assistncia mdica por meiodo Medicare e do Medicaid s pessoas com deficincia que estejam tra-balhando. Esse paradigma, mais aceito por pessoas fora da sade e dabiotica, questiona se a diferena entre pessoas com deficincia e pessoassem deficincia realmente inevitvel e imutvel. Em 1999, nove anos apsa aprovao das leis pelo fim da discriminao no emprego, milhes depessoas com deficincia ainda esto fora do mercado de trabalho, apesar desua disposio para trabalhar (Organizao Nacional de Deficincia, 1999),um dado que faz com que o paradigma social questione quais sejam osfatores que impedem as pessoas de se tornarem produtivas. Esses pontoslevantam questes ticas e polticas sobre a existncia ou no de uma

    relao entre sade e as oportunidades abertas s pessoas.Nossos esforos para amenizar as dificuldades provocadas por deficin-

    cias e doenas crnicas, assim como para promover estilos de vida maissaudveis para a populao no devem, necessariamente, levar a umadesvalorizao das pessoas que no se enquadram nessa compreenso

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    convencional da sade. No entanto, as pessoas com deficincia tm sidosistematicamente submetidas segregao e a um tratamento inferior emtodas as reas da vida. possvel apreciar a norma de ter dois braos, semser discriminado por uma mulher com um brao s; entretanto, a cinciasocial, as autobiografias, a legislao e as decises judiciais revelam que aspessoas, tanto com deficincias visveis ou invisveis, perdem oportunida-des de trabalhar, de estudar e de viver onde ou com quem escolhem, departicipar de reunies religiosas e at mesmo de votar (Goffman, 1963;Schneider e Conrad, 1983; Brightman, 1984; Gartner e Joe, 1987;Bickenbach,1993; Hocknberry,1996; Russel,1998).

    A Lei Americana de Pessoas Portadoras de Deficincia, aprovada em1990, um chamado reviso histrica no que diz respeito s pessoasdeficientes:

    O Congresso conclui que (...) (3) a discriminao contra indivduos com

    deficincia persiste em reas crticas, tais como emprego (...) educao,

    diverso (...) servios de sade (...) e acesso aos servios pblicos; (...)(7)

    indivduos com deficincia so uma minoria isolada e segregada que enfrenta

    limitaes e restries; que tem se submetido a uma histria de tratamento

    propositalmente desigual e relegada posio de impotncia poltica (...),

    com base em caractersticas que esto acima do controle de tais indivduos

    e que resultam de suposies estereotipadas que no indicam de maneira real

    a capacidade de cada um de participar e contribuir com a sociedade (LeiAmericana de Pessoas Portadoras de Deficincia, 1990).

    Oito anos aps a aprovao da Lei Americana de Pessoas Portadorasde Deficincia, as pessoas deficientes reconhecem algumas melhorias noacesso aos locais pblicos e mudanas em certos aspectos da vida, mas asprincipais diferenas entre as pessoas deficientes e as pessoas no-defici-entes ainda persistem, no que diz respeito renda, ao emprego e partici-pao social. Por exemplo, segundo uma estatstica exageradamente otimistasobre a prevalncia do preconceito e da discriminao social, pouco menosda metade (45%) dos adultos com deficincia afirma que as pessoas geral-mente os tratam de maneira desigual ao saberem que so portadores de

    alguma deficincia (Organizao Nacional de Deficincia, 1999).Estima-se que 54 milhes de pessoas nos Estados Unidos sejam porta-

    doras de deficincia. As mais conhecidas so as leses relativas mobili-dade, audio, viso e ao aprendizado, artrite, fibrose cstica, diabetes,condies cardacas e problemas de coluna (Organizao Nacional de De-

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    ficincia, 1999). Nesse sentido, ao discutir discriminao, preconceito e tra-tamento desigual em relao s pessoas com deficincia, estamos tratandode uma populao que maior que a populao homossexual ou que apopulao negra nos Estados Unidos. Esses nmeros recebem novo signi-ficado ao avaliarmos o fundamento lgico por trs do diagnstico pr-natale do aborto seletivo como uma estratgia para lidar com a deficincia.

    3. Diagnstico Pr-natal para a Preveno da Deficincia

    Se algumas formas de preveno da deficincia so atividades legtimas

    da medicina e da sade pblica, e se os portadores de deficincia utilizamo sistema de sade para melhorar e manter sua prpria sade, pressupe-se que seja porque a deficincia no seja algo desejvel. Muito emboramuitas pessoas na comunidade de deficientes resistam ao diagnstico pr-natal como uma forma de prevenir a deficincia, no h quem se posicionecontrariamente aos esforos para despoluir o meio ambiente, ao uso do cintode segurana, reduo do consumo do lcool e do cigarro e oferta deateno pr-natal a todas as mulheres grvidas. Todas essas atividadeslidam com a sade de seres humanos vivos (ou fetos que viro a nascer)e buscam garantir seu bem-estar. O que diferencia o teste pr-natal seguidode aborto de outras formas de tratamento mdico e preveno da deficincia que a estratgia no tem a inteno de evitar a deficincia ou a doenade um ser humano que j nasceu ou que ir nascer, mas de evitar o nas-cimento de um ser humano que ter uma dessas caractersticas considera-das indesejadas. Ao lembrar os proponentes do Projeto Genoma Humanoque a terapia gentica no ser capaz de curar deficincias em um futuroprximo, James Watson declarou:

    colocamos toda a nossa expectativa na gentica no que se refere aos pro-

    cedimentos diagnsticos antenatais, que, cada vez mais, nos permitir saber

    se o feto possui ou no um gene mutante que poder comprometer seria-

    mente seu eventual desenvolvimento para um ser humano funcional. Ao

    interromper tais gestaes, a ameaa de genes que causam terrveis doenas

    e que contribuem com a frustrao dos planos futuros de muitas famliaspoder ser eliminada (Watson, 1996, p. 19).

    Mas Watson erra ao supor que a tragdia seja inevitvel para a crianae para a famlia. Quando os profissionais de sade e os bioeticistas defen-dem os diagnsticos pr-natais como uma forma de evitar uma futura de-

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    ficincia, eles transformam a deficincia na nica caracterstica a ser con-siderada, a ponto de sugerir que as pessoas que ansiosamente esperam umbeb devam interromper a gravidez para tentarem de novo um beb sau-dvel. Os profissionais so incapazes de reconhecer que, junto s leses quepossam ser diagnosticadas, esto todas as caractersticas de qualquer outracriana. Os profissionais da sade sugerem que uma vez que os futuros paissabem da probabilidade de uma deficincia em seu futuro beb, nada maisse imagina sobre quem ou o que a criana poder ser, pois a deficinciasubverte os sonhos dos pais.

    A preocupao aqui no com a deciso tomada pela mulher grvida ou

    por ela e seu parceiro. Quero analisar como a vida com deficincia comunicada pelo esforo em desenvolver testes pr-natais e pela idia deque todas as mulheres grvidas devam se submeter a eles. Se as autoridadesda sade pblica empenhassem esforos para promover os objetivos dajustia social e da igualdade para as pessoas deficientes, da mesma maneiracomo tm trabalhado para melhorar o status de mulheres, homossexuais emembros de minorias tnicas e raciais, o esforo para promover as tecnologiasde diagnstico pr-natal seria reconsiderado. Se h um compromisso inaba-lvel com essas tecnologias em nome da escolha reprodutiva, deveria serdesenvolvido um trabalho com os mdicos para mudar a maneira como setransmite a informao sobre as leses detectadas no feto.

    4. As Razes para os Testes Pr-Natais

    As profisses mdicas justificam o diagnstico pr-natal e o aborto se-letivo com base nos custos de uma infncia afetada pela deficincia oscustos para a criana, para a famlia e para a sociedade. Alguns cientistase bioeticistas do Projeto Genoma Humano argumentam que, em um mundoonde os recursos so limitados, podemos reduzir os gastos relacionados deficincia se todos os diagnsticos de leses no feto forem seguidos deaborto (Shaw, 1984).

    Tanto do ponto de vista moral quanto emprico, defender o diagnsticopr-natal por razes sociais uma ao perigosa. Somente uma pequena

    parte das deficincias pode ser detectada por meio de teste pr-natal emesmo que a tecnologia venha a determinar a predisposio para doenasmais freqentes na populao, como diabetes, depresso, Alzheimer, doen-as cardacas, artrite ou problemas de coluna, nunca ser possvel detectare evitar a maior parte das deficincias. Como as taxas de deficincia cres-

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    cem com a idade, o aumento na expectativa de vida far com que maiornmero de pessoas, em algum momento de suas vidas, lide com a prpriadeficincia ou de algum prximo a elas. As leis e os servios que prestamsuporte s pessoas deficientes continuaro sendo necessrios, a no ser quea sociedade decida criar uma campanha para eliminar as pessoas deficien-tes, alm de evitar o nascimento daquelas que viriam a ser portadoras dedeficincia. Dessa maneira, a economia de dinheiro ou de recursos humanosseria muito pequena, mesmo diante da determinao mais vigorosa de testarmulheres grvidas e abortar todos os fetos que exibissem algum trao dedeficincia.

    Minha oposio moral aos testes pr-natais e ao aborto seletivo parte daconvico de que a vida com deficincia vale a pena ser vivida, alm deacreditar que uma sociedade justa deve apreciar e promover a vida de todasas pessoas, quaisquer que sejam os bens recebidos na loteria da natureza.Acredito nisso pelas inmeras evidncias de que as pessoas deficientespodem resistir e sobreviver mesmo nessa sociedade que longe est de seracolhedora. Alm disso, as pessoas deficientes no s recebem dos outros,tendo muito que oferecer s famlias, aos amigos e economia. A contri-buio das pessoas deficientes no se resume ao fato de serem ou deixaremde ser portadores de deficincia, mas porque, juntamente com sua deficin-cia, esto as outras caractersticas de sua personalidade, talento e humani-dade, que as tornam participantes plenas da comunidade moral e humana.

    5. Implicaes para as Pessoas Deficientes

    As implicaes dos testes pr-natais para crianas e adultos com defi-cincias e para suas famlias um ponto que merece ser considerado.Muitos profissionais proeminentes da biotica afirmam que trazer conscien-temente ao mundo uma criana que viver com uma leso (seja ela, umbrao mirrado, fibrose cstica, surdez ou sndrome de Down) um atoinjusto para a criana, pois a priva do direito a um futuro pleno de possi-bilidades, ao limitar-lhe algumas opes (Feinberg, 1980)4 . As palavras deRonald Green so um exemplo significativo desse argumento:

    na ausncia de fundamentos adequados, age-se equivocadamente comuma criana se ela, de forma negligente, consciente e deliberada, for trazidaao mundo com um estado de sade propenso a resultar em deficinciassignificativas ou em grande sofrimento, ou condies de vida significativa-mente reduzidas em comparao a outras crianas com as quais ela convi-

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    ver (Green,1996, p. 10).Green no est sozinho nessa viso de que trazer ao mundo uma criana

    que tenha alguma deficincia um ato irresponsvel (Purdy, 1995; Davis,1997). A biologia da deficincia pode afetar a vida das pessoas e nem todasas caractersticas da vida com deficincia so determinadas ou mediadassocialmente. Neste momento, as pessoas com fibrose cstica no podemesperar viver at os 70 anos. Pessoas com diabetes tipo 1 devem estarpreparadas para usar insulina e estar contnua e cuidadosamente de dieta,alm de controlarem o repouso e os exerccios fsicos muito mais regular-mente do que as pessoas sedentrias que somente esporadicamente pensam

    sobre o contedo nutricional de seus alimentos. Pessoas que utilizam cadeirade rodas para se locomover certamente no escalaro montanhas, assimcomo as pessoas com sndrome de Down ou sndrome do X frgil no serocapazes de ler este artigo ou mesmo de participar de um debate sobre asqualidades do argumento. Ainda assim, tais limitaes no impedem queessas pessoas experimentem vrias outras coisas, s que em condies oupropores diferentes. Pessoas que se locomovem por meio de uma cadeirade rodas podem no ser capazes de escalar uma montanha, mas podemparticipar de outras atividades desportivas que so desafiadoras e empolgan-tes e que exigem resistncia, agilidade e trabalho de equipe. Da mesmamaneira, pessoas com sndrome de Down ou sndrome do X frgil socapazes de ter outras experincias intelectuais. Elas exercitam capacidadesde reflexo e julgamento, mesmo que no seja no contexto do mundotranscendental ou do argumento verbal abstrato.

    A criana que ter uma deficincia pode ter menos opes para o quechamamos de futuro de possibilidades, aquele que os filsofos e os paissonham para seus filhos. Ainda assim, suspeitamos que a deficincia restrin-ja muito menos as possibilidades do que os membros da comunidade debioeticistas afirmam. O fato de muitos portadores de deficincia acharemsua vida agradvel j foi documentado. Por exemplo, mais da metade daspessoas com leso medular (paraplegia) identificam uma postura mais posi-tiva em relao a si mesmas desde que passaram a ser deficientes (Ray eWest, 1984, p. 83). Da mesma forma, adolescentes canadenses que nasce-

    ram muito abaixo do peso assemelham-se a adolescentes sem deficincia naforma como classificam a qualidade de suas vidas.

    Adolescentes [que nasceram com o peso extremamente baixo] tm maior

    morbidade e classificam sua qualidade de vida em sade significativamente

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    abaixo da qualidade de vida de outros adolescentes. Contudo, a grande

    maioria dos adolescentes que responderam (que nasceram com o peso extre-

    mamente baixo) v sua qualidade de vida em sade como satisfatria, e a

    distino entre eles e os outros adolescentes mnima (Saigal et al., 1996,

    p. 453).

    Os profissionais que tm acesso a essas informaes geralmente asignoram e insistem em dizer que as pessoas deficientes felizes so excees(Tyson e Broyles, 1996). Mais uma vez, James Watson representa o sensocomum quando pergunta:

    o que mais provvel: que essas crianas fiquem para trs na sociedade ouque por meio de sua doena desenvolvam a fora de carter e a firmeza que

    as levaro (...) a ir mais longe que os outros? Aqui, tenho receio de a palavra

    deficiente no poder escapar de sua verdadeira definio, ou seja, estar em

    condio de desvantagem. A partir desta perspectiva, ver o lado bom de ser

    deficiente como exaltar as virtudes de ser extremamente pobre. Com

    certeza, h muitos indivduos que conseguem se reerguer de seu estado de

    degradao, mas, se formos mais realistas, veremos que esta atitude a

    origem de um comportamento anti-social (Watson, 1996, p. 19).

    Gostaria de voltar questo sobre em que medida os supostos limites eproblemas associados deficincia so impostos social ou biologicamente. O

    levantamento sobre pessoas com deficincia feito em 1998, nos EstadosUnidos, conduzido por Louis Harris Associates, encontrou desigualdades naeducao, no emprego, na renda e na participao social entre pessoasdeficientes e pessoas no-deficientes. Percebeu ainda que, ao comparar umgrupo com outro, no que diz respeito extrema satisfao com a vida, oresultado foi que o nmero de pessoas deficientes insatisfeitas foi poucomaior que o de pessoas no-deficientes. As razes para a insatisfao,contudo, no eram inerentes s leses, mas de disparidades no alcance decertos objetivos e nas atividades que no so inevitveis em uma sociedadeque NO leva em conta as necessidades de um sexto de seus membros.Somente 29% dos portadores de necessidades trabalham em tempo integralou parcial; das pessoas entrevistadas que estavam desempregadas, mais de70% prefeririam estar trabalhando e a maioria no via sua deficincia comoum empecilho para a realizao de um trabalho produtivo. O desemprego eos baixos salrios, alm dos problemas nos planos de sade e nos gastosrelacionados deficincia, so o principal empecilho descrito pelas pessoas

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    deficientes como fatores que diminuem a satisfao da vida (NationalOrganization of Disability, 1999).

    Para as crianas cujas leses no causam degenerao precoce, dorincontrolvel e morte precoce, a vida oferece uma gama de interaes como mundo fsico e social. Alguns escritos autobiogrficos e narrativas fami-liares comprovam, de maneira eloqente, a vida plena e futuros ainda maisricos possveis para portadores de deficincia, nos dias de hoje. (Brightman,1984, Turnbull e Turnbull, 1985; Ferguson, Gartner e Lipsky, 2000).

    No nego que a deficincia possa trazer dor fsica, angstia psquica eisolamento social, muito embora grande parte da dor social e psicolgica

    possa ser atribuda antes crueldade humana que condio biolgica.Sendo o aborto possvel, trazer uma criana deficiente ao mundo exige queos futuros pais sejam capazes de dizer criana: Eu quis voc tanto eacreditei tanto em quem voc poderia vir a ser, que senti que voc poderiater uma vida a qual apreciaria, mesmo com as dificuldades que sua defici-ncia venham a lhe causar. Se os pais e os irmos, os membros da famliae os amigos puderem amar e aceitar a criana tal como ela , em vez delamentar o que ela no ; se as creches e berrios, as escolas e os gruposde jovens sempre inclurem crianas deficientes; se os programas de tele-viso, os livros infantis e os brinquedos considerarem as crianas deficientese as inclurem naturalmente em programas e produtos, a criana poder noter que conviver com a angstia e o isolamento que tm afligido a vida degeraes de crianas deficientes.

    6. Implicaes Para a Vida Familiar

    Muitos dos que concordam que as pessoas deficientes podem gozar deuma vida satisfatria, ainda assim argumentam que o custo familiar exigidopara cuidar delas justifica o aborto. As mulheres so vistas como as pessoasque carregam a maior carga pelo baixo retorno de cuidar de crianas de-ficientes. Proponentes do uso da tecnologia que evita o nascimento de cri-anas deficientes insistem que cuidar de uma criana deficiente resume tudoo que as mulheres como mes sempre lutaram para mudar em suas vidas:

    trabalho incessante, o sacrifcio de ter que abrir mo de seu trabalho ouprofisso e de outros interesses da vida adulta, perda de tempo e de atenopara os outros filhos, na medida em que os pais empenham um esforomaior para administrar os recursos para prover criana deficiente o melhorsuporte disponvel e a incerteza das recompensas esperadas de uma relao

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    entre me e filho (Wertz e Fletcher, 1993).Sobre as justificativas para os testes pr-natais, em 1995, Botkin props

    que somente condies que impem uma carga sobre os pais equivalentes condies de uma criana indesejada poderiam justificar o suporte socialdos testes.

    Os danos aos pais so muito diferentes dos danos criana, pois incluem

    dor emocional, perda da criana, perda de oportunidades, de liberdade,

    isolamento, solido, medo, culpa, preconceito e gastos financeiros (...). Al-

    gumas condies que so geralmente consideradas graves podem no estar

    associadas com nenhuma experincia de dano criana. A sndrome de Down

    um exemplo clssico. Os pais no so prejudicados pelo sofrimento da

    criana (...) mas pelo tempo, esforo e dinheiro gastos para dar suporte s

    necessidades especiais de uma pessoa com sndrome de Down. Pode-se

    tambm acrescentar que os pais tambm sofrem por no ter suas expectativas

    preenchidas ao nascer uma criana com leses. Em termos gerais, o argumen-

    to que os pais sofrem um dano que justifica os testes ou diagnsticos pr-

    natais quando a gravidade da condio da criana tamanha que se assemelha

    ao nascimento de uma criana indesejada (...). Os pais de uma criana

    portadora de uma deficincia indesejada tero seus interesses prejudicados e

    afetados pelo tempo, a carga emocional e os gastos, alm da deficincia que

    no existiria se tivessem experimentado o nascimento de uma criana saud-

    vel (Botkin, 1995, p. 36-37).

    Acreditamos que as caracterizaes presentes nas palavras de Wertz eFletcher (1993) e Botkin (1995) so o centro do suporte profissional detestes pr-natais e devem ser analisadas detalhadamente. Nem Wertz, nemFletcher, nem Botkin oferecem citaes da literatura para dar suporte aosseus argumentos do peso familiar, mudana do estilo de vida, expectativasfrustradas ou gastos adicionais, talvez por acreditarem que esses argumentossejam irrefutveis. Para avali-los, entretanto, faz-se necessrio reconheceruma suposio neles implcita: que no h benefcio em colocar na balanaa carga, pois os pais podem esperar vrios tipos de recompensas norelacionamento com uma criana sem deficincia. Essa suposio, que

    permeia grande parte da literatura mdica, biotica e das cincias sociaissobre deficincia em relao vida familiar e s deficincias em geral, sefundamenta em uma noo equivocada. Como h muito tem defendido apsicloga de reabilitao Wright (1983, 1988), as pessoas imaginam que aincapacidade em um aspecto significa incapacidade em tudo: a criana com

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    fibrose cstica est sempre doente e nunca pode brincar; a criana que noconsegue andar no pode participar de jogos de palavras, festas com seuscolegas ou passar a noite na casa de um deles; uma criana cega tambm incapaz de ouvir ou falar. Algum que requer assistncia em uma atividade vista como uma pessoa que precisa de assistncia para tudo o que forfazer e incapaz de contribuir em aspectos sociais, emocionais ou instru-mentais da vida familiar.

    Imaginemos, por um instante, que realmente haja cargas adicionaisassociadas a certos aspectos da criao de uma criana deficiente. Consi-deremos, agora, a carga adicional associada criao de outras crianas:

    por exemplo, as que possuem talento (acima da norma estatstica) paraesportes, msica, artes ou matemtica. Em um livro sobre crianassuperdotadas, Winner sugere:

    (...) a energia da famlia se concentra na criana (...). H duas maneiras de

    as famlias se concentrarem no desenvolvimento da criana dotada: um ou

    ambos os pais gastam uma enorme quantidade de tempo estimulando e

    ensinando a criana, ou os pais fazem sacrifcios para que a criana receba

    treinamento e formao de alto nvel por parte dos melhores professores

    disponveis. Em ambos os casos, a vida da famlia totalmente modificada

    e adaptada para atender s necessidades da criana. Os pais canalizam seus

    interesses para a rea de talento da criana e passam a se envolver profun-

    damente no progresso dela (Winner, 1996, p. 187).

    Os pais e profissionais que trabalham com a famlia, como tambm asociedade, valorizam o talento de um virtuoso violinista, de uma futurapatinadora olmpica, a habilidade de uma criana de se destacar na reacientfica e, quem sabe, um dia descobrir a cura do cncer. Acredita-se quetodo o trabalho e adaptao adicionais associados criao de uma crianacom tais habilidades culminaro no que se espera dos pais: a oportunidadede nos oferecermos a um novo ser que comea com o melhor que podemosoferecer, que vai nos preencher, agradar aos outros, contribuir com o mundoe que nos orgulhar.

    Se os profissionais e pais acreditassem que as crianas deficientes pu-

    dessem, de fato, dar aos pais a mesma satisfao que qualquer outra crian-a, em termos de estmulo, amor, companhia, orgulho, prazer em influenciaro crescimento e o desenvolvimento do outro, eles poderiam reavaliar suascrenas em termos sociais, materiais e psicolgicos e perceber que os be-nefcios de criar uma criana deficiente compensam as dificuldades. Uma

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    ampla gama de literatura, narrativas de pais como tambm pesquisas qua-litativas e quantitativas em cincias sociais so elucidativas para comprovaras diferentes recompensas de se ter uma criana com condies que, emtestes pr-natais, so consideradas sujeitas ao aborto, como a sndrome deDown, a hemofilia, a fibrose cstica, entre tantas outras (Massie e Massie,1975; Walker, Ford e Donald, 1987; Van Riper, Ryff e Pridham, 1992; Turnbullet al., 1993; Berube, 1996; Taanila, Kokkonen e Jarvelin, 1996; Beck, 1999;Fegusson, Gartner e Lipsky, 2000). Ainda assim, os profissionais da sadepblica, da biotica e da gentica continuam profunda e escandalosamenteignorantes, desinformados ou negligentes em relao a qualquer informao

    que desafie suas convices de que a deficincia destri as famlias.Dois anos antes de se identificar a mutao gentica responsvel pelamaior parte dos casos de fibrose cstica, Walker e seus colegas publicaramsuas descobertas sobre os efeitos da doena na vida familiar. Descobriramque as mes de crianas com fibrose cstica no se diferenciavam muito dasmes de crianas no afetadas pela doena no que diz respeito a:

    (...) dificuldade de administrar a dependncia da criana, os limites de

    oportunidade na famlia, a desarmonia familiar e a preocupao financeira. A

    diferena entre os dois grupos de mes quase atingiu um patamar significativo

    na 5 subescala, Carga Pessoal, a qual mede o sentimento de responsabilidade

    da mulher no papel de cuidadora (...). As semelhanas entre mes de crianas

    com fibrose cstica e mes de crianas saudveis so mais evidentes que asdiferenas. Mes de crianas portadoras de fibrose cstica no demonstram,

    significativamente, nveis mais altos de estresse do que os apresentados pelo

    grupo de controle de mes de crianas saudveis. Ao contrrio do esperado,

    de que mes de crianas com fibrose cstica se sentem culpadas e incapazes,

    as mes analisadas no estudo apresentaram o mesmo nvel de competncia

    para os cuidados que as mes de crianas saudveis (...) (Walker, Ford e

    Donald, 1987, p. 242-43).

    A literatura sobre a maneira como a deficincia afeta a vida em famlia, para ser precisa, repleta de discusses sobre estresse; descaso dos pro-fissionais de apoio, que deixam de oferecer suporte; preocupao causada

    pela hostilidade de familiares, de vizinhos, de outras pessoas e frustraoquanto enorme quantidade de recursos gastos sem cobertura do plano desade (Massie e Massie, 1975; Lipsky, 1985; Walker, Ford e Donald, 1987;Van Riper, Ryff e Pridham, 1992; Turnbull et al., 1993; Berube, 1996; Taanila,Kokkonen e Jarvelin, 1996; Beck, 1999). Esses e outros autores tentam cada

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    vez mais entender por que e em que circunstncias algumas famlias decrianas deficientes so bem-sucedidas e outras no. Contrariando as cren-as, ainda muito bem aceitas pela medicina, pela biotica e pela sadepblica, o debate mais recente no sugere que, de modo geral, famlias comcrianas deficientes vivenciem mais tenso e rompimento do que qualqueroutra (Ferguson, Gartner e Lipsky, 2000).

    7. Implicaes Para a Prtica Profissional

    Reportando-se ao ano de 1997, em estudo de cinco anos sobre como as

    famlias afetadas pela fibrose cstica e a anemia falciforme entendiam ostestes genticos, Duster e Beeson descobriram, para sua prpria surpresa,que quanto mais prxima fosse a relao com a pessoa deficiente, maisdesconfortvel a pessoa se sentia com os avanos tecnolgicos.

    (...) quanto mais prximas esto as pessoas daqueles que possuem alguma

    doena gentica, mais problemtico e, normalmente, inaceitvel se torna, para

    eles, o teste gentico, sendo esta uma estratgia para se lidar com essas

    questes (...). A experincia de proximidade emocional com algum com uma

    doena gentica reduz, em vez de aumentar, a aceitao de um aborto

    seletivo. Uma relao de proximidade com uma pessoa afetada dificulta

    avaliar o significado ou o valor da vida dessa pessoa somente em termos de

    sua doena gentica. Apesar da deficincia, os membros da famlia soconvictos em afirmar o valor da vida da pessoa e a importncia do convvio

    com a pessoa deficiente, bem como de se deparar com os desafios apresen-

    tados pela doena (...) (Duster e Beeson, 1997, p. 43).

    A descoberta est de acordo com outros relatos de pais de crianasdeficientes que, na maioria das vezes, rejeitam a idia do teste pr-natal edo aborto subseqente, mesmo que o trao gentico para a deficincia sejaidentificado (Evers-Kiebooms, Denayer e Van den Berghe, 1990; Wertz,1992).

    Profissionais responsveis por desenvolver tecnologias, oferecer testes einterpretar resultados devem rever suas crenas e prticas luz da literatura

    a respeito da deficincia e da vida familiar, alm dos dados sobre como asfamlias de deficientes vem a questo do aborto seletivo. Entre as tantasimplicaes dessas informaes, a primeira que a proximidade com adeficincia, sendo esta apenas uma das caractersticas da criana amada,muda o significado da deficincia para os pais que planejam um novo filho.

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    A deficincia, em vez de ser a nica caracterstica da criana, ou mesmoa mais saliente, torna-se apenas uma das caractersticas da criana, assimcomo a aparncia, as atitudes, o temperamento, os interesses e as manias.Uma mulher ou casal tpico, ao discutir sobre testes pr-natais e uma pos-svel interrupo da gravidez, sabe muito pouco a respeito das condies nasquais o teste disponibilizado, muito menos o que essas condies podemsignificar para o dia-a-dia da criana e da famlia. Pessoas que ainda notm um filho deficiente e que esto esperando o teste pr-natal devemaprender consideravelmente mais do que simplesmente os nomes de algu-mas leses tpicas.

    Para que um cuidado reprodutivo responsvel e tico seja fornecido aqualquer pessoa, os prprios profissionais devem saber muito mais do quegeralmente sabem sobre a vida com deficincia. Na verdade, eles devemtransmitir mais informaes, at mesmo informaes diferentes do que nor-malmente fornecem. Depois da exibio de um filme acerca das vidas defamlias com crianas com sndrome de Down, enfermeiras e aconselhado-ras genticas (mas no os pais) descreveram o filme como sendo irreal emuito otimista ao retratar a vida em famlia (Cooley et al., 1990)5 . Noimporta se o clnico que oferece o diagnstico pr-natal para a mulhergrvida um geneticista ou um obstetra (o que cada vez mais comum),questes como tempo, palavras utilizadas e contedo da mensagem devemser rigorosamente reavaliadas.

    Muitas discusses sobre aconselhamento gentico sugerem que as acon-selhadoras, mesmo aquelas com titulao de mestre em aconselhamentogentico, so insuficientemente treinadas para avaliar a deficincia na soci-edade. A maior parte dos programas de mestrado em aconselhamento ge-ntico no inclui cursos sobre as implicaes sociais da vida com deficinciapara as crianas e suas famlias, assim como no prevem contato fora doambiente clnico entre as futuras aconselhadoras e as crianas e adultosdeficientes. Eles tambm no pem as aconselhadoras a par das leis, dasorganizaes pelos direitos dos deficientes e dos grupos de apoio aos defi-cientes. Freqentemente, se os cursos chegarem a procurar a perspectiva doconsumidor sobre questes genticas, consultaro organizaes que focam

    a pesquisa gentica e a cura. Em geral essas organizaes partem de umaabordagem mdica, em vez de uma social, para melhorar a vida de pessoassob condies genticas. Anlises dos currculos mdicos mostram que osestudantes no recebem instrues formais sobre a vida com deficincia,instrues que os fariam lembrar que as pessoas deficientes dos consultrios

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    tm vida fora desses locais.At que a educao mdica se renove, obstetras, parteiras, enfermeiras

    e geneticistas no podem aconselhar adequadamente os futuros pais. So-mente aps ter sido ampliado o currculo eles estariam aptos a promoverdiscusses com os pacientes, de forma a evitar problemas assinalados porLippman e Wilfond em pesquisa sobre o aconselhamento gentico. Essespesquisadores descobriram que no aconselhamento gentico so fornecidasinformaes mais otimistas sobre sndrome de Down e fibrose cstica aospais que j criam filhos diagnosticados com essas doenas, do que aosfuturos pais que esto decidindo se mantero ou no a gravidez cujo feto

    tenha seja portador de alguma dessas condies:No final das contas, devemos reconhecer que toda descrio sobre uma

    desordem gentica uma histria que contm uma mensagem. A histria

    a maneira pela qual uma informao complexa e volumosa reduzida, para

    facilitar a comunicao entre quem solicita e quem proporciona os cuidados

    em sade. A mensagem moldada na medida em que o narrador seleciona

    o que incluir e excluir, a fim de reduzir a quantidade de informao (...).

    Devemos nos empenhar em contar a mesma histria tanto para as famlias

    que esto pensando em realizar o teste para saber se so portadoras de um

    determinado gene, para as famlias que buscam o diagnstico pr-natal e para

    as famlias que recebem um diagnstico ps-natal? (...) Ser que necessrio

    contar a mesma histria se o nosso objetivo fornecer informao suficientee balanceada que permita aos futuros pais tomar decises sobre o planeja-

    mento familiar de maneira informada? (...) (Lippman e Wilfond, 1992, p.

    936-37).

    Lippman e Wilfond questionam a disparidade na informao fornecida.De minha parte, gostari que houvesse uma mudana que garantisse a todasas pessoas, em especial quelas que se submetam aos testes ou que bus-quem informao sobre gentica ou sobre deficincia diagnosticvel no pr-natal, informao suficiente sobre as possveis dificuldades, possibilidades deapoio ou mesmo sobre as fases da vida com deficincia, tornando-as aptasa avaliar como a deficincia da criana poderia se encaixar em suas expec-

    tativas como pais. Para todos os futuros pais, tais informaes deveriamconter, pelo menos: 1) descrio detalhada das leses fsicas, sensoriais,cognitivas ou psicolgicas relacionadas a cada tipo de deficincia e quaisimplicaes essas desvantagens trazem na vida diria; 2) discusso sobre asleis que regem a educao, os direitos da famlia aos servios de apoio, o

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    acesso arquitetnico e de transporte e a assistncia financeira s crianasdeficientes e sua famlia; 3) literatura de autoria dos familiares de crianasdeficientes ou mesmo das pessoas deficientes.

    Se o teste pr-natal acusar uma anomalia no feto, as seguintes informa-es sobre a deficincia devem ser passadas aos futuros pais: 1) serviosdisponveis em determinada regio para as crianas diagnosticadas comdeficincia e quais desses servios uma criana e sua famlia podero pre-cisar imediatamente aps o nascimento; 2) contato com representante dogrupo de pais de crianas deficientes; 3) contato com grupos de direitos depessoas deficientes ou com centros de vida independente. Alm disso, deve

    ser oferecida aos pais tanto uma visita a uma famlia com uma crianadeficiente quanto uma visita a uma famlia com um adulto com a mesmadeficincia diagnosticada.

    Embora alguns futuros pais venham a rejeitar parte ou toda essa infor-mao e esses contatos, uma prtica responsvel que se preocupe com umadeciso livre e esclarecida e com uma escolha reprodutiva verdadeira deveincluir o acesso a essa informao. Deve haver um lapso de tempo entre ofornecimento dessas informaes e a deciso dos futuros pais, a fim de queos futuros pais possam assimilar as idias gerais da vida com deficinciaantes de se submeterem aos testes, bem como possam ter condies deobter informaes relevantes sobre a deficincia, caso descubram que o feto portador de alguma anomalia. Essas idias podem parecer irreais ou im-praticveis, mas um grande nmero de estudiosos apia verses similaresdesses argumentos como forma de fortalecer a prudncia na tomada dedeciso. Grupos de mulheres, de deficientes ou ainda especializados emquestes de famlia ou de biotica tambm propem modificaes no proces-so de aconselhamento reprodutivo (Rothenberg e Thomson, 1994; Little Peopleof America, 1996; National Down Syndrome Congress, 1994; Parens eAsch, 1999; Disabled Peoples International Europe, 2000).

    Essas proposies podem ser chocantes no contexto de aconselhamentosobre deficincias diagnosticveis no pr-natal ou geneticamente transmiti-das, mas reverberam na recente discusso sobre o parto de mulheresinfectadas com o vrus HIV:

    (...) A primeira tarefa do profissional da sade dever ser envolver a cliente

    em uma discusso sobre as implicaes de ter ou no uma criana. Impli-

    caes para ela, para a famlia e para a criana que poder nascer (...). Os

    profissionais devem ajudar suas clientes a examinar o que o parto significa

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    para elas, bem como ajud-las a compreender certos dados importantes sobre

    o parto (...). Entretanto, o dilogo deve ser mais amplo do que tradicional-

    mente se entende por importantes fatos mdicos. E o rumo dessa conversa

    dever variar dependendo das circunstncias de vida e das prioridades de cada

    pessoa (...) (Faden et al., 1996, p. 453-54 [sem grifos no original]).

    O processo de aconselhamento para mulheres com HIV planejando amaternidade demonstra que s a informao no suficiente. Como White,Caplan e outros comentaristas sobre o tema do aconselhamento gentico jchamaram a ateno, a norma de no-diretividade, mesmo quando estrita-mente cumprida, pode dificultar o processo de tomada de deciso das pes-

    soas que esto em busca de ajuda, deixando-as confusas e abandonadas(Caplan, 1993; White, 1999). Assim como aqueles que defendem mudanasna forma como os testes pr-natais e o aconselhamento so conduzidos,proponho um dilogo srio entre os futuros pais e os mdicos, sobre o queos pais buscam ao cuidar dos filhos e como a deficincia em geral ou umtipo especfico de leso poderia afetar suas expectativas e desejos para coma maternidade e paternidade. Para algumas pessoas, qualquer leso pode, defato, decepcionar as expectativas dos pais; para outras, pode parecer maisfcil imaginar a deficincia na vida familiar, sem acreditar que o resto desuas vidas ser frustrante.

    Como sugeriram Beeson e Duster, diversos fatores influenciam os cuida-

    dos de uma criana que poder ter uma deficincia, tais como: etnicidade,cultura, posio socioeconmica, as demais circunstncias de vida da mulher(ou do casal) e especialmente o vnculo emocional com algum que possuiuma leso especfica. Deve-se tambm ressaltar que no h uma nica eunnime atitude com relao ao teste pr-natal e ao aborto seletivo, mesmose considerarmos as variveis de etnicidade, classe social ou qualquer outrofator. At o momento, no entanto, os argumentos que dominam as discus-ses profissionais e da mdia sobre os testes pr-natais foram delineadospredominantemente pela elite branca sem experincia em deficincia, emdetrimento de vozes de minorias raciais e tnicas ou de experincias depessoas deficientes (Kaplan, 1994; Rapp, 1999). Stockdale e Terry relatam

    como foi difcil, mesmo para uma pessoa com fibrose cstica, participar deuma conferncia nacional sobre a poltica de exames para a fibrose cstica.Mesmo ciente de sua ausncia na maioria das discusses profissionais, aOrganizao Europia de Pessoas Deficientes solicitou mudanas na for-ma como a sociedade conduzir os debates sobre gentica6 :

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    1.o uso de novas descobertas genticas humanas, tcnicas e prticas devem

    evitar a discriminao, bem como proteger em todas as circunstncias os

    direitos humanos dos deficientes;

    2.o aconselhamento gentico deve ser no-diretivo, fundamentado nos direi-

    tos, abrangente e disponvel para todas as pessoas, e deve refletir a real

    experincia da deficincia;

    3.os pais no devem ser de nenhuma maneira pressionados a realizar testes

    pr-natais ou forados a interromper terapeuticamente as gestaes;

    4.todas as crianas devem ser bem-vindas ao mundo e providas apropriada-

    mente de apoio financeiro, social e prtico;

    5.as organizaes de pessoas deficientes devem ser representadas em todos

    os organismos de regulao e conselhos relacionados gentica humana;

    6.a legislao deve ser revisada para dar fim discriminao com base na

    leso para justificar legalmente o aborto;

    7.deve haver um extenso programa de treinamento para todos os profissi-

    onais de sade e de assistncia social a partir de uma perspectiva de igualdade

    para os deficientes. (Disabled Peoples International Europe, 2000).Inevitavelmente, tais discusses enfrentaro o fato de que toda criana

    diferente dos sonhos de seus pais e que uma relao familiar bem-suce-dida requer uma mistura de formao e de influncias exercidas sobre acriana. Se os futuros pais no podem conceber a idia de apreciar aspossveis divergncias da criana quanto aos caminhos escolhidos por eles,eles estariam aptos a criar atletas se odeiam esportes, violinistas clssicosse apreciam The Grateful Dead7 ? Testes e aborto pouco garantem quaiscuidados e criao a criana receber dos pais. Na era de conhecimentogentico, qualquer famlia pode ser afetada pelas noes exageradas do quedeve se entender por paternidade ou maternidade.

    Profissionais da sade pblica devem fazer muito mais do que estofazendo para mudar a atmosfera na qual os testes pr-natais so ofertados.Imaginemos o que as pessoas diriam se clnicas pr-natais distribussempanfletos dizendo: mulheres pobres e afro-americanas devem se abster dedar luz, porque seus filhos podem nascer igualmente pobres e ter de

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    enfrentar a discriminao, ou ainda, porque podem ser menos saudveis emais suscetveis priso do que os membros da classe mdia ou os brancos.A sade pblica est compromissada com o fim dessas desigualdades, noas endossando, tolerando ou propondo que os futuros pais vivam com elas.No entanto, a atual propaganda de testes pr-natais tolera esse tipo deabordagem sobre a vida com deficincia.

    Profissionais de sade e pessoas responsveis pelas polticas pblicaspodem ampliar a escolha reprodutiva da mulher ou do casal por meio dostestes e do aconselhamento, assim como podem despender energia e recur-sos na mudana da sociedade na qual as famlias aceitam criar seus filhos

    deficientes. Se, atualmente, famlias com crianas deficientes gastam maisdinheiro e energia nos cuidados fora da escola, porque a entrada nosprogramas disponveis e freqentados por seus colegas ou irmos proibida(Freedman, Lichfield e Warfield, 1995).

    A sade pblica pode se juntar a outras foras sociais para garantir queos programas incluam todas as crianas. O princpio da educao paratodos, que est aprimorando a educao pblica para crianas deficientes,deve ser estendido a fim de inserir essas mesmas crianas na rede deservios e apoios disponveis para as outras crianas. Tais programas pre-cisam mudar para englobar as pessoas que j existem no mundo e noalegar que algumas pessoas no deveriam existir porque o mundo no estpreparado para receb-las. Podemos lutar para reformar as prticas deseguro que negam desde o reembolso para o material dos testes para dia-bticos, at dietas especiais para as pessoas deficientes, modificaes no larque proporcionem s crianas deficientes liberdade para explorar seu ambi-ente, ou mesmo modificaes em equipamentos, jogos e brinquedos parapermitir a participao de crianas deficientes em atividades comparveisquelas de seus semelhantes.

    Os profissionais da sade pblica podem lutar para dar fim encruzilhadaque retira subsdios para os servios de assistncia pessoal da vida diria, nomomento em que as pessoas deficientes entram no mercado de trabalho,uma poltica que atua como um forte fator contra o incentivo produtividadee acaba por perpetuar, de maneira desnecessria, a pobreza e a dependn-

    cia8 .Leis como a Lei de Educao para Pessoas Deficientes e a Lei

    Americana de Pessoas Deficientes definem um curso de incluso de pes-soas deficientes de todas as idades9 . Em 1980, Gliedman e Roth, pioneirosno argumento de que os deficientes deveriam ser entendidos como um grupo

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    minoritrio, idia que ainda hoje inquietante para a tecnologia gentica,propuseram um modelo de sociedade inclusiva que deveria ser implementadopelos profissionais da sade pbica:

    (...) Imaginemos que em algum lugar no mundo, em uma sociedade industrial

    avanada, se respeitassem verdadeiramente as necessidades e a humanidade

    dos deficientes. O que um visitante desse pas acharia da posio do defi-

    ciente na vida estadunidense? (...). De incio, o viajante acharia que um

    mercado de milhes de crianas e adultos no poderia ser ignorado. Ele

    imaginaria que muitas indstrias serviriam s necessidades dos deficientes.

    Algumas dessas necessidades poderiam ser unicamente mdicas (...) mas

    muitas no seriam. O visitante esperaria encontrar indstrias que produzis-

    sem diariamente aparelhos e eletrodomsticos desenvolvidos para o uso de

    pessoas que no possuem coordenao motora plena (...). Ele pensaria que

    h vrios dispositivos, alguns bem especializados, outros muito simples,

    desenvolvidos para aperfeioar o controle do deficiente sobre seu mundo

    fsico: ferramentas manuais especiais, acessrios de escritrio, abridores de

    latas, talheres e coisas do tipo (...).

    Ao examinar nossos jornais, revistas, publicaes e livros, ir ao cinema,

    assistir programas de televiso e peas de teatro, ele procuraria artigos e

    matrias referentes aos deficientes (...) desenhos animados em programas

    infantis e muitos personagens deficientes nas histrias infantis. Constante-mente, ele esperaria ver comerciais direcionados aos deficientes e esperaria

    encontrar os deficientes em propagandas no necessariamente direcionada a

    eles.

    O viajante visitaria nossas fbricas, acreditando que os deficientes l traba-

    lhassem em proporo ao vasto nmero deles na populao (...). Andaria nas

    ruas de nossas cidades. E onde quer que fosse, esperaria ver muitos defici-

    entes cuidando de suas vidas, saindo de frias, passando o tempo com amigos

    deficientes ou no, ou simplesmente sozinhos (...).

    Ele exploraria o ambiente criado pelas pessoas, prevendo as adaptaes para

    os deficientes que tivessem sido construdas em nossas cidades (...). Espe-raria que os pequenos detalhes de nossas habitaes refletissem o amplo

    nmero deficientes (...).

    Ele presumiria que os deficientes possuem sua prpria parcela de autoridades

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    eleitas ou nomeadas. Esperaria ver que o papel desempenhado pelos deficien-

    tes como um grupo de interesse especial nos nveis local e nacional

    plenamente proporcional ao grande nmero deles (...) (Gliedman e Roth,

    1980, p. 13-15).

    Apesar do desenvolvimento das ultimas dcadas, nossa sociedade atualest longe do ideal descrito por Gliedman e Roth. Um ideal que a comuni-dade de deficientes busca alcanar. Os profissionais da medicina, da bioticae da sade pblica devem empenhar seus esforos para promover tal soci-edade; com tais esforos, a deficincia poderia se tornar algo muito maisfcil de se incorporar no cenrio social e familiar, como as outras diferenas

    respeitadas por essas profisses, as quais tambm afirmam como sendopartes comuns da condio humana. Considerando que mais de 50 milhesde pessoas da populao dos Estados Unidos possuem traos de deficinciae que os testes pr-natais podem ser cada vez mais capazes de detectar umnmero maior de caractersticas, nos confrontamos com o fato de que ostestes podero ser capazes de detectar caractersticas que, at agora, con-sidervamos fatos inevitveis da vida humana, como doenas cardacas, porexemplo.

    Para que os teste e a seleo contra ou a favor da deficincia sejamconsoantes com a melhoria de vida para os que inevitavelmente nascero ouiro adquirir uma deficincia, nossos estabelecimentos clnicos e polticos

    havero de comunicar que to aceitvel viver com a deficincia como o viver sem ela, em uma sociedade que dar suporte e apoio a qualquerpessoa, independentemente de suas caractersticas. Poderemos garantir aosfuturos pais que eles e seus futuros filhos sero bem-vindos, tendo ou notendo uma criana portadora de deficincia. Se essa for a mensagem pro-fissional transmitida, mais futuros pais podero visualizar suas vidas comorecompensadoras, quaisquer que sejam as condies do filho que estejamcriando. Se nossos profissionais perceberem a importncia dessa comunica-o e passarem a incorporar e apreciar os deficientes, a tecnologia pr-natalpoder ajudar as pessoas a tomarem decises sem que esteja implcito queuma deciso especfica seja a correta. Se a criana deficiente no for um

    problema para o mundo e se o mundo no for um problema para a criana,talvez possamos diminuir nosso desejo de realizar testes pr-natais e abortosseletivos e possamos dar suporte e boas-vindas calorosas a todas as crian-as, quaisquer que sejam suas caractersticas.

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    Diagnstico Pr-natal e Aborto Seletivo: Um Desafio...

    PHYSIS: Rev. Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 13(2):49-82, 2003 81

    NOTAS

    1 Artigo originalmente publicado no American Journal of Public Health, v. 89, n. 11, p. 1.649-1.657, novembro 1999. Ttulo original: Prenatal Diagnosis and Selective Abortion: aChallenge to Practice and Policy. Foi traduzido por Debora Diniz e Marcele Castro, comautorizao dos editores.

    2 Professora de Biologia, tica e Polticas de Reproduo Humana do College Wellesley. autorade vrios artigos e livros sobre os temas da gentica e da reproduo assistida. Integra o Grupode Estudos sobre Mapeamento Gentico desde 1995.

    3 N.E.: No Brasil tambm so esses os exames que compem o denominado diagnstico pr-natal.

    4 N.T.: No original em lngua inglesa, right to an open future. Este um conceito largamentediscutido pela biotica.

    5 N.T.: a expresso aconselhadora gentica vem sendo utilizada no gnero feminino naliteratura biotica estadunidense, haja vista que 99% das pessoas que realizam aconselhamentogentico profissional nos Estados Unidos so mulheres.

    6 N.T.: No original: Disabled Peoples International Europe.

    7 N.T.: Grateful Dead um conjunto de rock estadunidense.

    8 N.T.: A autora se refere catch-22, ao invs de encruzilhada. Catch-22 uma expressoem ingls que representa uma situao na qual algum no pode executar uma ao sem antester executado outra, mas a segunda ao pressupe a primeira, o que faz com que o resultadoseja a impossibilidade de se executar qualquer ao. Catch-22 vem sendo uma expressocorrente no debate estadunidense sobre polticas de assistncia para os deficientes.

    9 N.T.: Individuals with Disabil ities Education Act e Americans with Disabilities Act.

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    Adrienne Asch

    PHYSIS: Rev. Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 13(2):49-82, 2003

    ABSTRACT

    Prenatal Diagnosis and Selective Abortion: A Challenge for Practice and

    Policies

    This article contends that the popularization of selective abortion in the

    wake of modern prenatal diagnostic techniques poses a risk to the moral

    integrity of people with disabilities, if it is not accompanied by the

    intensification of policies for the well-being of people with disabilities.

    Keywords: Selective abortion; prenatal diagnosis; genetics.

    Recebido em: 29/09/2003.

    Aprovado em: 14/10/2003.