Dinâmica Na Fobia e o Caso Do Pequeno Hans

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  • A dinmica da represso na histeria de angstia: o caso clnico

    Pequeno Hans Francisco Bissoli Neto

    [email protected]

    O presente trabalho realiza um estudo sobre a dinmica da represso na histeria

    de angstia, com base na exposio da quarta seo Topografia e dinmica da

    represso do texto O Inconsciente (1915), em que Freud descreve a dinmica da

    represso na histeria de angstia, e utiliza informaes do caso clnico do Pequeno

    Hans, extrado do texto Anlise de uma fobia de uma menino de cinco anos (1909),

    para exemplificar e melhor compreender o processo de represso.

    Esse processo, na histeria de angstia, ocorre em trs fases, conforme a

    exposio de Freud em O Inconsciente (1915, pp. 186-189).

    A primeira fase, que comumente desprezada e passa despercebida, consiste no

    surgimento da angstia sem que o indivduo saiba o que teme. Deve-se supor que

    determinada representao pulsional se encontra reprimida no Ics., e por uma elevao

    da catexia dessa representao, essa exige ser transposta para o sistema Pcs. Mas uma

    anticatexia a ela dirigida, a partir do Pcs., desvincula parte do afeto investido na

    representao da pulso inconsciente. Esse afeto sem representao descarregado sob

    forma de angstia. Por acasio de uma repetio desse processo, d-se o primeiro passo

    no sentido de dominar o desenvolvimento da angstia. Surge, ento, a segunda fase da

    represso: a formao de um substituto, por deslocamento, para o afeto sem

    representao (angstia).

    No caso clnico do Pequeno Hans, sabemos pelos relatos de seu pai, que no

    perodo anterior ao aparecimento da fobia (dos 3 at quase 5 anos de idade), o menino

    apresentava um grande interesse pelo seu wiwimacher, assim como sobre o pipi de

    todos os seres vivos, e especialmente, pelo de sua me. Esse interesse no era

    puramente terico, pois o menino frequentemente mexia em seu pipi, apesar de sentir-

    se muito culpado por isso, devido as repreenses de seus pais. Nesse perodo, temos

    muitas informaes que revelam um estado de elevao da excitao sexual de Hans,

    como por exemplo, suas brincadeiras auto-erticas, suas relaes amorosas com outras

    crianas, sua paixo por uma vizinha, sua vontade de ficar na cama com seus pais, sua

    vontade de ser mimado por sua me, de acompanh-la nas suas idas ao banheiro e nas

    suas trocas de roupa, suas duas tentativas de a seduzir, seu exibicionismo etc. Ainda

    nesse perodo, sua irm Hanna nasce e, devido a isso, Hans recebe uma reduo na

    ateno e cuidados que recebia da sua me e, ao ver Hanna sendo cuidada por ela,

    experimenta uma reanimao dos prazeres que tinha desfrutado quando era cuidado

    como um beb. Como resultado disso, suas necessidades erticas tornam-se

    intensificadas. Alm disso, com quatro anos e meio, exilado do quarto de seus pais, de

    forma que na sua solido, encontra nas fantasias e na masturbao uma forma de

    expressar sua excitabilidade ertica intensificada.

    especialmente importante para o nosso estudo recordar dos registros

    relacionados aos dias antecendentes ao aparecimento da fobia, quando Hans ao sair de

  • casa, com sua bab, sente uma crise de angstia, mas no sabe especificar do que sentia

    medo, apenas tendo quisto voltar para sua casa, para ser mimado por sua me. Nesse

    momento da histria clnica de Hans, temos informaes suficientes para sustentar que

    houve uma elevao na catexia de alguma pulso inconsciente, e de que essa elevao

    foi de tal magnitude que parte desse afeto escapou ao recalque, surgindo no sistema

    Pcs./Cs. como angstia, momento anterior ligao desse afeto a um objeto.

    A segunda etapa da represso na histeria da angstia ocorre quando o afeto

    (angstia) at ento desvinculado de qualquer representao, liga-se a uma

    representao, agora no Pcs./Cs., que se relaciona por associao representao que

    permanece reprimida no Ics. Porm, essa representao escapa represso em vista de

    sua distncia representao pulsional reprimida. Dessa forma, aparece no Cs. um

    objeto para a fobia, o substituto por deslocamento, que passa a desempenhar o papel de

    uma anticatexia para o sistema Pcs./Cs., protegendo-o contra a emergncia da

    representao reprimida (1915, p. 187).

    Esse substituto atua como um ponto de passagem atravs do Ics para o Cs,

    permitindo liberar a angstia, agora em forma de medo, mas tambm, como uma forma

    auto-suficiente para liberao da angstia.

    Pelas observaes clnicas, em casos de uma criana que sofre de uma fobia

    animal, o medo experimentado sob duas condies: quando sua pulso amorosa

    reprimida se intensifica e quando percebe o animal que teme. A extensa

    preponderncia do sistema Cs. em geral se manifesta no fato de que a primeira dessas

    duas modalidades de excitao do substituto da representao d cada vez mais lugar

    segunda (1915, p. 187). Ou seja, a fobia pelo objeto, representado pelo substituto,

    passa a ser cada vez mais preponderante, em relao aos efeitos da representao

    reprimida no incio da fobia quando havia apenas angstia.

    O mecanismo de formao de um substituto se replica, novos deslocamentos

    surgem e a cadeia de substitutos se amplia. Essa a terceira fase da represso na histeria

    de angstia, cujo objetivo inibir o desenvolvimento da angstia proveniente do

    substituto original. Isto alcanado com catexias em objetos (representaes)

    associados representao substitutiva. A excitao de qualquer representao,

    associada primeira representao substitutiva, leva ao desenvolvimento de angstia

    (medo). Este mecanismo serve para inibir, por meio de uma nova fuga da anticatexia do

    Pcs., o progresso posterior do desenvolvimento da angstia. Quanto mais distantes do

    substituto temido as sensveis e vigilantes anticatexias estiverem situadas, com maior

    preciso poder funcionar o mecanismo destinado a isolar a representao substitutiva e

    a proteg-la de novas excitaes (1915, p. 188).

    As preocupaes e o medo s comeam a atuar at que o substituto tenha

    assumido satisfatoriamente a representao do reprimido, mas, jamais o substituto pode

    dar conta de tudo, sempre havendo algo que retorna da represso e que faz com que a

    cadeia de substitutos por deslocamento se expanda. A cada aumento da excitao

    pulsional, a muralha protetora em torno da representao substitutiva deve ser deslocada

    um pouco mais para fora. totalidade dessa construo, que erigida de forma anloga

    nas demais neuroses denominamos fobia (1915, p. 188).

  • A terceira fase do mecanismo de represso na histeria de angstia, repete a

    segunda fase. Da mesma forma que a segunda fase criou um substituto por

    deslocamento para proteger a representao reprimida, a terceira fase ampliou a cadeia

    de substitutos por deslocamento para proteger o ncleo do substituto da representao

    reprimida. Dessa forma o ego comporta-se como se o perigo de um desenvolvimento

    da angstia o ameaasse, no a partir da direo de uma pulso (interna), mas da direo

    de uma percepo, tornando-se assim capaz de reagir contra esse perigo externo atravs

    das tentivas de fuga representadas por evitaes fbicas (1915, p. 189). A represso

    bem sucedida num ponto particular: a liberao da angstia pode ser represada, ao custo

    de um pesado sacrifcio da liberdade pessoal.

    Dias depois da crise de angstia, Hans revela sua me que tinha medo que um

    cavalo branco o mordesse, sendo esse o primeiro objeto de sua fobia, o substituto por

    deslocamento que de alguma forma estava associado representao pulsional

    inconsciente, mas que escapou represso e deu vaso a angstia - at ento no ligada

    nenhuma representao - mas, que agora ligada ao objeto cavalo, transformara-se em

    medo. Pouco tempo depois, numa crise de angstia em casa, Hans expressou medo de

    que o cavalo entrasse no quarto. Algumas informaes obtidas de anlises de sonhos

    e fantasias de Hans permitem concluir que parte do medo de cavalos provinha de um

    deslocamento do medo que Hans sentia de seu pai, porque ele mesmo nutria desejos

    ciumentos e hostis contra o pai.

    Aps a nica consulta que Hans teve com Freud, na presena de seu pai, Freud

    interpreta o medo de cavalos para o menino e, a partir de ento, novos objetos fbicos

    surgem. A terceira etapa da represso se incia. Hans passa a ter medo no apenas de

    que cavalos o mordam logo silenciou a respeito desse ponto mas tambm de

    carroas, inclusive de carroas de mudanas, de nibus (sua qualidade comum sendo

    que todos estavam pesadamente carregados), de cavalos que comeavam a se mover, de

    cavalos que pareciam grandes e pesados e de cavalos que andavam depressa. Ele tinha

    medo de cavalos caindo, e consequentemente incorporou em sua fobia tudo que

    parecesse provavelmente facilitar a queda destes.

    O acontecimento que precedeu imediatamente a ecloso da fobia de Hans e que

    foi a causa precipitadora dessa ecloso foi um passeio que fez com sua me, ocasio em

    que teria visto um cavalo de nibus (grande e pesado) cair e escoecear com suas patas.

    Naquele dia, conforme detalhes da anlise, Hans teve o desejo de que seu pai casse

    daquele mesmo modo e morresse. Ver o cavalo cair fez com que Hans lembrasse de um

    acontecimento, quando ele e seus amigos estavam brincando de cavalo. Fritzl, o

    companheiro de quem ele mais gostava, mas que ao mesmo tempo, era seu rival diante

    das meninas suas amigas, tinha batido o p contra uma pedra e tinha cado, tendo seu p

    sangrado. Ver o cavalo do nibus cair lhe fez lembrar esse acidente.

    interessante notar a maneira como a transformao da libido de Hans em

    angstia foi projetada do principal objeto inconsciente de sua fobia, seu pai, para os

    cavalos. Os cavalos o interessavam mais do que todos os animais grandes, brincar de

    cavalos era a sua brincadeira favorita com outras crianas. A primeira pessoa que serviu

    a Hans como um cavalo devia ter sido o seu pai; e foi isso que o habilitou a encarar

    Fritzl como um substituto para seu pai, quando ele bateu o p. Quando a represso

  • comeou e trouxe consigo uma mudana de sentimento, os cavalos, que at ento

    tinham sido associados a tanto prazer, foram necessariamente transformados em objetos

    de medo.

    Porm, por trs do objeto cavalos pesados e caindo, havia um outro complexo

    inconsciente associado. Hans comea a se preocupar com o simbolismo do lumf,

    coc, e deste passou diretamente para o da sua irm. Esta justaposio permitiu

    reconhecer um simbolismo: Hanna ter nascido como um coc, todos os bebs

    nasciam como cocs. importante ressaltar que desde antes da fobia, Hans havia

    elaborado uma teoria sobre o seres vivos, sendo que o atributo de um ser vivo era

    possuir um pipi, e estava muito ctico sobre a explicao recebida por seu pai, de que

    os bebs eram trazidos por cegonhas. Na realidade ele havia percebido a gravidez de sua

    me, sabia que Hanna havia estado dentro de sua me durante o tempo da gravidez e

    sabia que o assunto do pipi tinha a ver com a gravidez de sua me. Mas no sabia

    exatamente como os bebs eram gerados, nem como nasciam. Presumiu que devia ser

    da mesma forma que os cocs. Portanto, o cavalo pesado e caindo estava associado

    uma representao simblica da sua me no parto.

    Vale lembrar que, ainda associado ao segundo complexo inconsciente, sua me

    no parto, o primeiro medo de Hans foi em relao a um cavalo o morder, e que ele

    havia lembrado de uma advertncia de um senhor sua filha, dizendo para ela no por o

    dedo no cavalo, frmula semelhante a que foi usada pela me de Hans, em tempos

    anteriores ao da fobia, quando ela disse que se ele colocasse o dedo em seu pipi, ela

    chamaria um mdico para cortar seu pipi" fora.

    A essncia da doena de Hans era inteiramente dependente da natureza dos

    componentes pulsionais que tiveram de ser repelidos. O contedo da fobia era tal que

    impunha uma grande medida de restrio sobre sua liberdade de movimento, e este era

    o seu propsito. Tratava-se, portanto, de uma poderosa reao contra os impulsos

    obscuros ao movimento que eram especialmente dirigidos contra sua me, pois os

    cavalos de Hans sempre foram tpicos do prazer no movimento e, j que esse prazer no

    movimento inclua a pulso para copular, a neurose imps uma restrio a este e exaltou

    o cavalo como emblema de terror.

    A fobia de Hans por cavalos era um obstculo sua ida rua e servia como uma

    justificativa a lhe permitir permanecer em casa com sua querida me. Em consequncia

    da sua fobia o amante agarrou-se ao objeto do seu amor apesar de, para se assegurar,

    terem sido tomadas medidas para torn-lo incuo. O verdadeiro carter de um distrbio

    neurtico exibido nesse resultado duplo (1909, p. 124 e 125). Como diria Lacan, esse

    era o seu gozo, seu sintoma.

    Referncias

    FREUD, Sigmund. (1909), Anlise de uma fobia em um menino de cinco anos. In: Obras

    Completas. Rio de Janeiro: Imago, vol. X, 1996. p. 12-133.

    _______________ (1915), O Inconsciente. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, vol.

    XIV, 1996. p. 163-222.