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DIREITO E LITERATURA: O RETRATO DO DIREITO DE FAMÍLIA, NOS CONTOS DE DALTON TREVISAN LAW AND LITERATURE: THE PORTRAIT OF FAMILY LAW, IN THE STORIES OF DALTON TREVISAN Ana cecília Parodi Ricardo reis Messaggi RESUMO Os diálogos entre o Direito e Literatura são fonte de profícua produção para a interpretação interdisciplinar de ambas as áreas do Conhecimento, especialmente emprestando ao Direito, que é um produto social, nova visão, leitura e mesmo compreensão do fato que lhe dá origem, seja para o nascimento das leis ou para o seu revisionamento. Propiciando, assim, pelas diferentes abordagens da interação entre o Direito e a Literatura, novos rumos para a dita Ciência Jurídica, desvinculando-a assim de um sistema estanque e tornando-a interdisciplinar e menos tecnocrática. A Literatura coopera para a revisão normativa, na medida em que retrata a sociedade por seus próprios olhos, ainda que pela visão de um autor, que certamente não é tabula rasa, sendo motivado e inspirado por suas próprias crenças e experiências. A doutrina internacional classifica os diálogos entre o Direito e a Literatura em três maneiras: o Direito na Literatura; o Direito como Literatura e, por fim, o Direito da Literatura, abrangendo a proteção dos direitos autorais das obras literárias, classificação esta também adotada no presente trabalho. Verticalizou-se o tema na abordagem da temática do Direito de Família, no cotejo com os contos da obra A guerra conjugal, do autor curitibano Dalton Trevisan, escritor de destaque no cenário literário, laureado com prêmios inclusive internacionais. Sua obra tem papel fundamental para que se analisem assuntos referentes ao Direito de Família, uma vez que retratava com propriedade sua visão de mundo sobre as relações familiares de seu tempo, na abordagem tanto das relações oficiais, quanto das práticas extraoficiais, advindas do “submundo do amor” no Século XX, o qual já presenciava a implementação de diversas mudanças sócio-estruturais. A obra de Dalton Trevisan, neste contexto, alçou grande importância, por expressar o que se mostrava incômodo e reprovável para a sociedade, mas que era de fundamental importância para as relações jurídicas, merecendo tutelamento; e, construiu sua parcela de contribuição para as mudanças na sociedade e, via de conseqüência, ainda que indiretamente, influenciando às mudanças no Direito. PALAVRAS-CHAVES: Direito e Literatura. Direito de Família. Dalton Trevisan. ABSTRACT The dialogues between Law and Literature are source of fruitful production for the interdisciplinary interpretation of both areas of knowledge, especially lending to the Law, which is a social product, new vision, reading and even understanding of the fact that generates it, either to the birth of the laws or theirs revisionism. Thus, providing the different approaches of the interaction between law and literature, new directions for the said Legal Science, deviating from the well of a sealed system and making it interdisciplinary and less technocratic. Literature cooperates for the regulatory review as it portrays society by its own eyes, even by the vision of one author, who is certainly not a tabula rasa, being motivated and inspired by his own beliefs and experiences.The international doctrine classifies dialogue between law and literature in three ways: Law in Literature, Law as Literature and, eventually, the Law of Literature, covering the copyright protection of literary works. And this classification is also adopted in the current paper. The theme was verticalized in discussing the issue of family law, in comparison with the tales of the work « A guerra conjugal, written by Dalton Trevisan, a writer from Curitiba who is prominent in the literary scene and has been awarded with international prizes. His work has a fundamental utility if one is to examine family law matters, once it properly portrays the author´s overview about family relationships of his own time, facing either the official relations and the unofficial practices resulting from the « underworld of love » in the Twentieth Century, which already witnessed the implementation of various socio-structural changes. The work of Dalton Trevisan, in this context, reached great importance, for expressing what seemed to be uncomfortable and reprehensible to society, but had fundamental importance for the legal relationships, therefore deserving guardianship; and has built its share of contribution to the changes in society and, as a result, even indirectly, influencing changes in the Law. KEYWORDS: Law and Literature. Family Law. Dalton Trevisan. 1 DIREITO E LITERATURA Para que o Direito se desenvolva, é fundamental que suas estruturas sejam formadas por elementos externos a ele. Neste liame, encontram-se as múltiplas áreas do conhecimento, com destaque especial para a Sociologia, Filosofia, Economia, Antropologia, História, Psicanálise e a Literatura, as quais se tornam instrumentos de análise do Direito, da plena hermenêutica jurídica, e tem como objetivo atender às exigências da sociedade, que apresenta constantes transformações. Assim, surge a relação entre o Direito e a Literatura e, com ela, emergem os diversos aspectos em comum entre ambos, ou ainda presentes em um e que ajudam a construir e desenvolver o outro e vice-versa. Ou seja, surge como uma alternativa para a abordagem clássica do Direito, a qual é baseada em idéias do positivismo jurídico, possibilitando uma visão interdisciplinar e diminuindo, assim, as diferenças temporais que existem entre o Direito, consolidado na forma da lei[1] , e a Sociedade, em permanente evolução. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1900

DIREITO E LITERATURA: O RETRATO DO DIREITO DE FAMÍLIA, NOS CONTOS DE DALTON TREVISAN

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Os diálogos entre o Direito e Literatura são fonte de profícua produção para a interpretação interdisciplinarde ambas as áreas do Conhecimento, especialmente emprestando ao Direito, que é um produto social, novavisão, leitura e mesmo compreensão do fato que lhe dá origem, seja para o nascimento das leis ou para o seurevisionamento. Propiciando, assim, pelas diferentes abordagens da interação entre o Direito e a Literatura,novos rumos para a dita Ciência Jurídica, desvinculando-a assim de um sistema estanque e tornando-ainterdisciplinar e menos tecnocrática. A Literatura coopera para a revisão normativa, na medida em queretrata a sociedade por seus próprios olhos, ainda que pela visão de um autor, que certamente não é tabularasa, sendo motivado e inspirado por suas próprias crenças e experiências. A doutrina internacional classificaos diálogos entre o Direito e a Literatura em três maneiras: o Direito na Literatura; o Direito como Literaturae, por fim, o Direito da Literatura, abrangendo a proteção dos direitos autorais das obras literárias,classificação esta também adotada no presente trabalho. Verticalizou-se o tema na abordagem da temática doDireito de Família, no cotejo com os contos da obra A guerra conjugal, do autor curitibano Dalton Trevisan,escritor de destaque no cenário literário, laureado com prêmios inclusive internacionais. Sua obra tem papelfundamental para que se analisem assuntos referentes ao Direito de Família, uma vez que retratava compropriedade sua visão de mundo sobre as relações familiares de seu tempo, na abordagem tanto das relaçõesoficiais, quanto das práticas extraoficiais, advindas do “submundo do amor” no Século XX, o qual jápresenciava a implementação de diversas mudanças sócio-estruturais. A obra de Dalton Trevisan, nestecontexto, alçou grande importância, por expressar o que se mostrava incômodo e reprovável paraasociedade, mas que era de fundamental importância para as relações jurídicas, merecendo tutelamento; e,construiu sua parcela de contribuição para as mudanças na sociedade e, via de conseqüência, ainda queindiretamente, influenciando às mudanças no Direito

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  • DIREITO E LITERATURA: O RETRATO DO DIREITO DE FAMLIA, NOS CONTOS DEDALTON TREVISAN

    LAW AND LITERATURE: THE PORTRAIT OF FAMILY LAW, IN THE STORIES OF DALTONTREVISAN

    Ana ceclia ParodiRicardo reis Messaggi

    RESUMOOs dilogos entre o Direito e Literatura so fonte de profcua produo para a interpretao interdisciplinarde ambas as reas do Conhecimento, especialmente emprestando ao Direito, que um produto social, novaviso, leitura e mesmo compreenso do fato que lhe d origem, seja para o nascimento das leis ou para o seurevisionamento. Propiciando, assim, pelas diferentes abordagens da interao entre o Direito e a Literatura,novos rumos para a dita Cincia Jurdica, desvinculando-a assim de um sistema estanque e tornando-ainterdisciplinar e menos tecnocrtica. A Literatura coopera para a reviso normativa, na medida em queretrata a sociedade por seus prprios olhos, ainda que pela viso de um autor, que certamente no tabularasa, sendo motivado e inspirado por suas prprias crenas e experincias. A doutrina internacional classificaos dilogos entre o Direito e a Literatura em trs maneiras: o Direito na Literatura; o Direito como Literaturae, por fim, o Direito da Literatura, abrangendo a proteo dos direitos autorais das obras literrias,classificao esta tambm adotada no presente trabalho. Verticalizou-se o tema na abordagem da temtica doDireito de Famlia, no cotejo com os contos da obra A guerra conjugal, do autor curitibano Dalton Trevisan,escritor de destaque no cenrio literrio, laureado com prmios inclusive internacionais. Sua obra tem papelfundamental para que se analisem assuntos referentes ao Direito de Famlia, uma vez que retratava compropriedade sua viso de mundo sobre as relaes familiares de seu tempo, na abordagem tanto das relaesoficiais, quanto das prticas extraoficiais, advindas do submundo do amor no Sculo XX, o qual jpresenciava a implementao de diversas mudanas scio-estruturais. A obra de Dalton Trevisan, nestecontexto, alou grande importncia, por expressar o que se mostrava incmodo e reprovvel para asociedade, mas que era de fundamental importncia para as relaes jurdicas, merecendo tutelamento; e,construiu sua parcela de contribuio para as mudanas na sociedade e, via de conseqncia, ainda queindiretamente, influenciando s mudanas no Direito.PALAVRAS-CHAVES: Direito e Literatura. Direito de Famlia. Dalton Trevisan.

    ABSTRACTThe dialogues between Law and Literature are source of fruitful production for the interdisciplinaryinterpretation of both areas of knowledge, especially lending to the Law, which is a social product, newvision, reading and even understanding of the fact that generates it, either to the birth of the laws or theirsrevisionism. Thus, providing the different approaches of the interaction between law and literature, newdirections for the said Legal Science, deviating from the well of a sealed system and making itinterdisciplinary and less technocratic. Literature cooperates for the regulatory review as it portrays societyby its own eyes, even by the vision of one author, who is certainly not a tabula rasa, being motivated andinspired by his own beliefs and experiences.The international doctrine classifies dialogue between law andliterature in three ways: Law in Literature, Law as Literature and, eventually, the Law of Literature, coveringthe copyright protection of literary works. And this classification is also adopted in the current paper. Thetheme was verticalized in discussing the issue of family law, in comparison with the tales of the work Aguerra conjugal, written by Dalton Trevisan, a writer from Curitiba who is prominent in the literary scene andhas been awarded with international prizes. His work has a fundamental utility if one is to examine family lawmatters, once it properly portrays the authors overview about family relationships of his own time, facingeither the official relations and the unofficial practices resulting from the underworld of love in theTwentieth Century, which already witnessed the implementation of various socio-structural changes. Thework of Dalton Trevisan, in this context, reached great importance, for expressing what seemed to beuncomfortable and reprehensible to society, but had fundamental importance for the legal relationships,therefore deserving guardianship; and has built its share of contribution to the changes in society and, as aresult, even indirectly, influencing changes in the Law.KEYWORDS: Law and Literature. Family Law. Dalton Trevisan.

    1 DIREITO E LITERATURA

    Para que o Direito se desenvolva, fundamental que suas estruturas sejam formadas por elementosexternos a ele. Neste liame, encontram-se as mltiplas reas do conhecimento, com destaque especial para aSociologia, Filosofia, Economia, Antropologia, Histria, Psicanlise e a Literatura, as quais se tornaminstrumentos de anlise do Direito, da plena hermenutica jurdica, e tem como objetivo atender s exignciasda sociedade, que apresenta constantes transformaes.

    Assim, surge a relao entre o Direito e a Literatura e, com ela, emergem os diversos aspectos emcomum entre ambos, ou ainda presentes em um e que ajudam a construir e desenvolver o outro e vice-versa.Ou seja, surge como uma alternativa para a abordagem clssica do Direito, a qual baseada em idias dopositivismo jurdico, possibilitando uma viso interdisciplinar e diminuindo, assim, as diferenas temporaisque existem entre o Direito, consolidado na forma da lei[1], e a Sociedade, em permanente evoluo.

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    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1900

  • Neste contexto, pode-se destacar a possibilidade da anlise do Direito por diferentes modos, ouseja, enxergar o Direito a partir da Literatura torna possvel v-lo de forma plural, analisando-o no apenas apartir da letra da lei.

    Na interseco entre o Direito e a Literatura tambm figura a interpretao do prprio fenmenojurdico, donde resta possvel verificar as mudanas ideolgicas que afetam ao Direito, na linha temporalhistrica.

    Outro fruto virtuoso dessa interao a abertura de horizontes do Direito para a realidade social que a verdadeira destinatria no apenas das normas, mas tambm da aplicao delas , distanciando-se umpouco do estrito dogmatismo, porm, no perdendo seu carter cientifico.

    Essa conexo surge como uma nova perspectiva, qual seja, a de mitigar a ratio positivista,agregando o fenmeno jurdico aos demais fenmenos sociais, vencendo assim a teoria kelseniana de umsuposto Direito Puro, sem interveno de outras cincias. Neste diapaso, Plauto Faraco de AZEVEDO[2]preceitua:

    A variante tecnocrtica do positivismo, hoje imperante, atribui absoluta primazia tcnica jurdica,entendendo que dela deve ser apartado tudo que no seja jurdico. Seu atraso metodolgico indiscutvel em relao imensido das questes relativas ao Direito, postas por socilogos,historiadores e economistas, sem que chamem ateno dos juristas e professores de Direito. Essestrabalhos, elaborados principalmente por filsofos, economistas e historiadores situam-se em umaperspectiva epistemolgica e crtica que os torna inaudveis, e, logo, insignificantes para os juristas.Mas certo que a variante tecnocrtica do positivismo aumenta o isolacionismo dos juristas numa pocaem que a fecundidade das investigaes interdisciplinares est na ordem do dia, preciso deixar claro oque significa o qualificativo tecnocrtico. Dizer que hoje positivismo se torna tecnocrtico significa queconsiderando o Direito como uma tcnica superior de regulao social, refinando seus mtodos eaperfeioando seus mecanismos, os juristas colocam-se deliberadamente sombra de um poder, aoservio de um poder que no tem mais ideologia poltica propriamente dita a fazer valer. O fim dasideologias a ideologia tecnocrtica, isto , aquela que se apresenta como no-ideologia; por detrs doacmulo de especialidades, por detrs do acervo confuso de conhecimentos enciclopdicos e eruditospode esconder-se uma orientao poltica que, sem confess-lo, conservadora. Por outras palavras, opositivismo, longe de ser uma garantia de objetividade, torna-se a nova posio de uma classetecnocrtica em um Estado acometido ele prprio desse mal.

    Sendo a Literatura uma ferramenta para retratar diversos aspectos sociais da realidade e possuindo,portanto, um papel importante na relao com o pblico (sociedade), a obra criada a partir da experinciasocial do autor. Assim, pode se entender que ela criada atravs da interrelao do autor com o gruposocial, e que o resultado de diversas prticas, pressupostos, concepes expressas em valores e posturas,reconhecidos enquanto tal, pela coletividade.

    Nessa esteira, quando se contextualiza a situao histrica e social da obra e do autor, definindo olugar onde eram escritas, quais as finalidades das questes levantadas por esses intelectuais perante asociedade, em que veculos eram publicados e a que tipo de pblico o autor se dirigia, tem-se mostra aviso do escritor sobre a sociedade e os debates pblicos mais importantes de sua poca. Compreende-se,ento, o contexto da poca e a lgica da viso de mundo, dos juzos de valor e das opinies polticas, que osescritores elaboram em suas obras. Tem-se em mos toda essa complexidade do objeto literrio e, com isso,desenvolve-se um entendimento sociolgico, apto a captar as caractersticas e peculiaridades intrnsecas naarte literria.

    Os dilogos entre a Literatura e o Direito atraem grandes benefcios para o pblico, especialmentepara os leitores leigos, ou juridicamente no-tcnico, promovendo maior contato social com as normas,com o ordenamento, aproximando a comunidade dos seus direitos e do sistema de aplicao dos mesmos,ainda que tantas vezes repassando ao leitor uma viso distorcida do universo jurdico, cooperando,infelizmente, no para o despertar de um senso crtico o que desejvel, certamente , mas para oreinfirmar dos preconceitos e esteretipos, conforme se abordar a seguir.

    As pesquisas desenvolvidas sobre a relao entre Direito e Literatura, denominada nos EstadosUnidos como Law and Literature, pode ser estudada de diferentes modos de abordagem, possibilitandoassim as mais diversas construes entre ambas. Via de regra a grande parte dos estudos desenvolvidos, naEuropa e nos Estados Unidos, sobre o assunto se dividem em trs formas de abordagem: o Direito naLiteratura, o Direito como Literatura e o Direito da Literatura[3]. Porm, h autores como o professor daUniversidade de Connecticut THOMAS MORAWETZ, que desde a dcada de 60 estuda assuntos ligados aoDireito, Literatura e Filosofia, acrescenta mais um tipo de abordagem, a Literatura e Reforma Legal. Vejam-se a seguir os enfoques que se pode estabelecer entre ambas, conforme classificao adotada tambm peloProfessor Franois OST:

    1.1 DIREITO NA LITERATURA

    Esse primeiro modo de abordagem caracterizado por desvendar o Direito a partir da Literatura,

    ou seja, como o fenmeno jurdico representado no mundo literrio, tanto no cenrio nacional, quantointernacional, mtodo este que transcende eras. Assim, podem existir inmeras possibilidades de enfoque quesejam pertinentes com a rea jurdica a ser observada. Neste liame GERMANO SCHWARTZ define esta

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  • abordagem com a que estuda as formas sob as quais o Direito representado na Literatura.[4]Primeiramente, pode se analisar como a Literatura expe os processos judiciais, analisando as

    questes de justia; exemplo clssico a obra Mercador de Veneza[5], de William Shakeaspeare, que temcomo tema principal a legitimidade da lei e, principalmente, o abuso de direito.

    Tambm alvo recorrente deste prisma as caractersticas morais dos juristas e da efetividade dasnormas. Em muitos casos, percebe-se o quanto o Direito e seus operadores so criticados, representando osatores juristas como pessoas desonestas e sem moral, ou ainda, apontando a ineficcia das normas ou a suam aplicao, atacando um identificado Direito tecnocrata, conforme lio retro de AZEVEDO, emcontraste com a parca relevncia ou impacto social[6] da norma, na prtica. Erasmo de ROTTERDAM[7],acidamente, faz esta critica ao advogado e ao sistema jurdico, dizendo que:

    Pretendem os advogados levar a palma sobre todos os eruditos e fazem um grande conceito da sua arte.Ora, para vos ser franco, a sua profisso , em uma anlise, um trabalho Ssifo. Com efeito, eles fazemuma poro de leis que no chegam concluso alguma. Que so o digesto, as pandectas, o cdigo? Umamontoado de comentrios, de glosas, de citaes. Com toda essa mixrdia, fazem crer ao vulto que, detodas as cincias, a sua a que requer o mais sublime e laborioso engenho. E, como sempre se acha maisbelo o que difcil, resulta que os tolos tm em alto conceito essa cincia.

    H ainda, o enfoque colocado sobre os direitos dos oprimidos, quanto ao tratamento jurdicoconferido s minorias. Um exemplo muito interessante o livro Estao Carandiru[8], de Druzio Varela,que mostra a realidade da vida no sistema carcerrio brasileiro. Bem como, do incio da presente dcada, obest seller de Vikras Swarup, Sua resposta vale um bilho[9], cuja adaptao para o cinema rendeu-lhe oOscar de Melhor Filme, no ano de 2009. O autor, que diplomata de profisso, aborda no apenas a questodos direitos humanos, mas especialmente, recai a viso do autor sobre o carter discriminatrio do sistemapenal e policial quando destinado aos ainda menos favorecidos ou de raas/religies diversas da dominante,cidados estes de uma sociedade j assolada pela pobreza em sua estrutura, conquanto no seio desta sejamconsiderados menos humanos, sendo posta em xeque, pelas autoridades inclusive por incentivo dosdetentores do poder econmico, a quem interessa diretamente a corrupo e manipulao do sistema legal,em prol da manuteno do status quo , a credibilidade da palavra, a confisso negativa e o prprio carterdesses, que a seu ver so seres humanos de segunda classe.

    Na mesma linha, David Copperfield[10], clssico do autor ingls Charles Dickens, publicado em1850 e que invoca os institucionalizados, legalizados horrores, que eram perpetrados contra os menores, nostempos da I Revoluo Industrial.

    O Direito na Literatura um mtodo que alcana frutos evidentes, vez que se beneficia deelementos integradores, tais como a linguagem, os variados estilos de texto, o apelo artstico sobre o pblicoleitor. 1.2 DIREITO COMO LITERATURA

    Neste modo de abordagem, inicialmente importante destacar a linguagem como pontoconvergente entre o Direito e a Literatura. A partir da, verifica-se que o fenmeno jurdico pode serobservado como, na qualidade de Literatura.

    Partindo disso, percebe-se que uma pea jurdica tambm literria, vez que se vale da narrativa,para contar fatos, elaborada de maneira lgica, contendo personagens e enredo. Narrativa esta cujo impactoe efeitos pode reverberar diretamente no resultado final do processo, influenciando, inclusive, nainterpretao nas decises.

    Diante disso, h a abordagem da questo hermenutica, mais um ponto de semelhana entre oDireito e a Literatura, visto que uma das metas precpuas da interpretao jurdica a identificao dossignificantes dos significados[11], assim como ocorre no mundo literrio, levando tambm valorizao doambiente, para a aplicao da semitica[12]. Afirma Ronald DWORKIN[13]:

    Diz ainda que a interpretao literria tem como objetivo demonstrar como a obra em questo pode servista como a obra de arte mais valiosa, e para isso deve atender para caractersticas formais deidentidade, coerncia e integridade, assim como para consideraes mais substantivas de valor artstico.Uma interpretao plausvel da prtica jurdica tambm deve, de modo semelhante, passar por um testede duas dimenses: deve ajustar-se a essa prtica e demonstrar sua finalidade ou valor. Mas finalidade ouvalor, aqui, no pode significar valor artstico, porque o Direito, ao contrrio da literatura, no umempreendimento artstico. O Direito um empreendimento poltico, cuja finalidade geral, se que temalguma, coordenar o esforo social e individual, ou assegurar a justia entre os cidados e entre eles eseu governo.

    Outro foco em que se vislumbra a abordagem de Direito como Literatura, a visualizao doDireito como exerccio retrico, no sentido de convencer o receptor de que a informao correta, ou seja,o modo como o caso apresentado a fim de conduzir certeza do fato. Juan Antonio GARCIA AMADO[14]explica:

    Quando defendemos em qualquer mbito da atividade jurdica que a interpretao correta da norma x esta ou aquela, ou que o verdadeiro alcance do direito e que o texto constitucional consagra de modo tal

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  • ou distinto, no descrevemos realidades preexistentes ao discurso, sendo que persuadirmos o destinatriodo nosso discurso de que a realidade assim como contamos (t.n.).

    Muitos outros pontos de contato h entre ambas as reas do Conhecimento, que privilegiam aabordagem do Direito como Literatura, a exemplo da retrica, da variao intencional dos estilos narrativosdentro de uma mesma estrutura, com a finalidade de convencimento, etc. Eis a lio de Franois OST[15]:

    Um autor como R. Weisberg no hesita em escrever que ela contribui diretamente para inculcarcompetncias primordiais de nossa disciplina: a capacidade de escuta, a aptido de fazer um discursoque leve em conta a sensibilidade dos ouvintes, o dom de convencer tendo em vista atingir a meta que sefixou. J. B. White, por sua vez, insiste na aprendizagem da traduo: pelo confronto que opera entre orelato dos queixosos e o texto da lei, o juiz esta numa situao comparvel do leitor que, por sualeitura, atualiza um clssico: a tarefa ao mesmo tempo necessria e parcialmente aportica, de modoque o exerccio serve de iniciao funo de integrao inerente ao direito: reconhecer a diversidadedos pontos de vista ao mesmo tempo em que se buscam convergncias e campos de acordo.Do confronto dos futuros juristas com os mtodos e os textos literrios, espera-se portanto a aquisio decompetncias tcnicas (melhoramento do estilo escrito e oral, capacidade de escuta e de dilogo) bemcomo a difuso das capacidades morais necessrias profisso de juristas: a ateno mais fina dirigida diversidade das situaes e, em particular, dos mais marginalizados, o refinamento do senso de justia,a aquisio de um sentido das responsabilidades polticas inerentes s funes de juiz e de advogado.

    Na interseco entre os relatados dois primeiros mtodos de abordagem do Direito e Literatura,

    figura a obra mais lida e vendida no mundo: a Bblia Sagrada, em sua concepo crist. No mbito do Direitona Literatura, nas mais profundas narrativas e anlises psicolgicas das personagens ali retratadas, fala doDireito e da Justia, aplicados ou negados, por reis e sacerdotes, que exerciam o papel de autoridadesjudicirias, na sociedade israelita do Antigo Testamento. E como esquecer o processo, julgamento,condenao e execuo[16] mais famosos de todos os tempos? O justo e inocente Jesus de Nazar sentenciado por uma autoridade romana que, sem medo, afirmava que nada (de ilcito) havia encontradonele (Jesus), mas, no fim do dia, ainda que atuando contra o seu convencimento jurdico, agia por razespolticas e de Estado.

    No mbito do Direito como Literatura, o declogo tico mais difundido do mundo ocidental (eparte do oriental): Os Dez Mandamentos, escritos pelo "Dedo do Eterno[17] e, sequencialmente,reproduzidos pelo patriarca Moiss, jurista de produo literria profcua, que na Torah, ou Pentateuco[18],com estilo literrio bastante prprio, mescla a prolao de normas e regras de conduta civis, negociais,processuais, trabalhistas, criminais e ambientais, com narrativa histrica, lies morais e religiosas.

    1.3 DIREITO DA LITERATURA

    Esta abordagem se insere nas questes referentes proteo das obras literrias. Assim, disciplinaos direitos autorais e as questes referentes aos delitos em que podem incidir autor e editora quando dapublicao de uma obra, a exemplo da apologia discriminaes e preconceitos, difamaes, calnias einjurias, dentre outros.

    Ainda questes relacionadas liberdade de expresso, garantia constitucionalmente assegurada,conforme o art. 5, inciso IV da Constituio Federal e de hipteses atinentes censura.

    Salienta-se que este mtodo de abordagem figura como ramo mais afeto norma do Direito, vezque regulamenta o exerccio da livre iniciativa (prescrita, balizada e funcionalizada no artigo 170, daConstituio Federal), na atividade literria, prescrevendo regras de conduta para os atores do mercadoliterrio. 1.4 LITERATURA E REFORMA LEGAL (LITERATURE AND LEGAL REFORM) Diferentemente da maioria da doutrina, o professor MORAWETZ cita em sua obra a abordagem daLiteratura como propulsora de Mudanas Jurdicas. Esse mtodo permite compreender como a Literatura, atravs dos seus relatos, influencia as reformasno universo legal. Veja-se como Thomas MORAWETZ[19] relata essa abordagem:

    Da Cabana do Pai Toms e atravs dos romances muckraking[20] de Emile Zola e Upton Sinclair,para a escrita mais recente do Toni Morrison e Nadine Gordimer, a literatura tem sido muitas vezespoliticamente inspirada e tem servido causa da reforma poltica e jurdica. Ao mesmo tempo, os efeitosda literatura e da lei nem sempre foram benignos. Indiscutivelmente, a literatura mais populardesumaniza criminosos, refora esteretipos tnicos e raciais e retrata as exigncias de relaesinternacionais (guerra, espionagem) de maneiras nada realistas. Essas produes literrias tendem amoldar as atitudes populares; essas atitudes, por sua vez podem afetar as abordagens legais para osdireitos processuais dos infratores para o bem-estar social e outras reivindicaes das classes menosfavorecidas e cortes nos direitos individuais em prol da segurana nacional.Assim como se pode investigar os efeitos de restries legais sobre a expresso literria, pode-setambm examinar as maneiras pelas a literatura, especialmente a literatura popular, influenciou o cursodo Direito. Nesta atividade, os interesses e habilidades do escritor e do historiador jurdico unem foras.

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  • Deste modo, verifica-se o grande impacto que a produo literria pode provocar no Direito, que,lembre-se, consiste em um produto social. Possuem os escritores poder de influenciar, mudar e transformar oDireito, verificando-se que essa influncia pode ser tanto de natureza positiva, quanto negativa, como amencionada problemtica da consolidao dos preconceitos e esteretipos[21].2 VIDA E OBRA DE DALTON TREVISAN

    Valendo-se do mtodo de abordagem Direito na Literatura, este trabalho elegeu o autorparanaense Dalton Trevisan como foco de estudos, devido riqueza de elementos presentes em sua obra,confeccionada com base em suas experincias de vida, as quais influenciaram a concepo de seus textos econstruo de fatos narrados e personagens caracterizadas.

    Conhecido como o Vampiro de Curitiba, Dalton Jrson Trevisan nasceu em 1925, na cidade deCuritiba. Formou-se em Direito, pela Universidade Federal do Paran, porm abandonou a prtica forense,pela desiluso que a profisso lhe causou. Recebeu o apelido pelo fato de no gostar de ser fotografado, nemde dar entrevistas; mantendo este carter enigmtico, explicava sua conduta, dizendo que assim agia, poisnada tinha a dizer fora dos livros. E que apenas a sua obra interessava, sendo sempre o conto melhor que ocontista[22]. Dalton Trevisan iniciou sua carreira como contista, na poca em que ainda era estudante nafaculdade de Direito. Suas duas primeiras obras foram Sonatas ao luar, de 1945 e Sete anos de pastor, de1946. Merece destaque o fato de que ambos os livros foram renegados pelo autor, que no os inclua em suabibliografia[23].

    Aps isso, entre 1946 e 1948, Trevisan editou a revista Joaquim (uma homenagem a todos osJoaquins do Brasil). Esta revista se constituiu em um marco, tanto para o autor, como para uma gerao deescritores e ilustradores da poca, tendo esse peridico sido editado por 21 nmeros e projetado o Paran noplano cultural brasileiro, em razo de publicar escritos de diversos autores renomados, a exemplo de poemasde Carlos Drummond de Andrade[24].

    Passada esta fase o, Vampiro de Curitiba tem suas obras reconhecidas pelo pblico e pela crtica.Em 1959, ganha um dos maiores prmios literrios do pas, o Prmio Jabuti, pela obra Novelas nadaexemplares.

    Dalton Trevisan conquistou ainda mais uma srie de prmios, dentre eles o Prmio do Ministrio daCultura de Literatura pelo conjunto de sua obra, no ano de 1993, e, em 2003, o Prmio Portugal Telecom deLiteratura Brasileira, pela obra Pico na Veia.

    A principal forma narrativa adotada pelo autor o conto, tendo publicado apenas um romance,chamado A Polaquinha. As principais caractersticas dos seus contos so a escrita crua, direta,demonstrando de forma clara o cotidiano, com suas culpas, angstias e ressentimentos tipicamentemodernos. As principais inspiraes para a sua obra foram: notcias policiais, frase no ar, bula de remdio,pequeno anncio, bilhete de suicida, o meu fantasma no sto, confidncia de amigo, a leitura dos clssicosetc. O que no me contam, escuto atrs da porta[25]

    Em relao obra que ser analisada no captulo seguinte, a saber, A guerra conjugal, trata-se deum livro que rene trinta contos, sendo que todas as personagens principais se chamam Joo e Maria.Com esta obra, Dalton Trevisan conquistou o primeiro prmio do Concurso Nacional de Contos, institudopelo governo do Estado do Paran. Tais contos mostram uma diversidade de casos e relaes conjugais,mostrando desencontros, desentendimentos, conflitos, dramas, paixes e sofrimentos.

    Nas palavras de Mario da Silva Brito[26], percebe-se que Dalton Trevisan inseriu Curitiba, a capitaldo Paran, de uma vez por todas, no mapa dos cenrios literrios:

    Povoam esse doloroso e pungente universo, verdadeiro campo de concentrao dos desvalidos do amor,maridos trados, mulheres insatisfeitas, criaturas frustradas, bbados e prostitutas, crianas sem afeto,ressentidos e machucados seres humanos, provindo todos da classe mdia, da pequena burguesiadegradada e do proletariado sem rumo. O cenrio Curitiba universalizada, inserida num contextoamplo, que transcende quaisquer limitaes geogrficas ou de regio.

    Suas histrias foram traduzidas, na dcada de 1970, para o ingls, espanhol e at para o alemo.Deste modo, Trevisan constri suas idias com humor cido, sarcstico e ironia, caractersticas

    marcantes de sua obra, retratando o cotidiano de uma forma que engrandece a estria.

    3 O RETRATO DO DIREITO DE FAMLIA, NOS CONTOS DE A GUERRA CONJUGAL

    A obra a ser analisada teve sua primeira publicao realizada em 1969 e consiste em contosdedicados a retratar a intimidade das relaes conjugais da poca, na tica do autor. Conforme retromencionado, composta por 30 contos, onde todas as personagens so nomeadas como Joo e Maria,certamente no intuito de emprestar-lhes um carter comum, generalista, o casal da porta ao lado,construo tpica de Trevisan. A fim de proporcionar ao leitor uma viso panormica, registrem-se algumaslinhas acerca dos principais contos que compem a obra, com sua pertinncia jurdica, passando, ento, auma mais acurada anlise jurdico-temtica.

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    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1904

  • No primeiro conto do livro, O senhor meu marido, mostra o drama vivido pelo esposo Joo,reiteradas vezes trado publicamente por Maria, sempre a perdoando e acolhendo. Adultrio, perdo,depredao de propriedade e danos materiais so temas recorrentes na histria.

    No conto seguinte, Grvida, mas porm virgem, relata o fracasso do noivo, durante a lua-de-mel,em cumprir com o dbito conjugal; contudo, pelos azares da sorte, sua esposa acaba engravidando.Trata o autor de violncia domstica contra a mulher, envolvimento familiar na relao e possvel fecundaoheterloga, pelo risco de fertilizao por eventual amante.

    No terceiro conto da srie, A morte do rei de casa , abordando mais adultrio, Joo sofre com asdesconfianas de sua esposa Maria, mas, de fato, envolve-se com outras mulheres, levando ao repdioconjugal.

    A seguir, no conto O beijo do carrasco, Joo um marido violento, cuja tara o faz impulsionar emesmo coagir a esposa a prestar favores para o amigo, Dr. Andr.

    J no conto Lgrimas de Noiva, a violncia domstica volta cena, marcada por inmerasagresses, separaes de corpos e reconciliaes, seguidas de novas cenas de violncia, culminando com aseparao final do casal, quando a esposa Maria, hospedada na casa de sua me, recebe Joo a tiros e pondo-o em fuga.

    No sexto conto da srie, A partilha, apresentado o caso de, Joo, homem sozinho, que conheceMaria, que j fora casada no religioso por uma vez e que j vivera com outros dois homens, tendo um filhode uma dessas relaes. Joo a convida para morarem juntos. Maria aceita e, como condio, deve cuidardos afazeres domsticos, do amsio quando doente, e do botequim em alguns momentos; em troca recebemoradia, roupa e comida para si e para seu filho. Porm, Joo descobre que Maria esta grvida, forando-a adeixar a casa, visto que Joo rejeitou o filho que no era dele. No momento da partilha recebe alguns objetosreferentes ao tempo em que viveram juntos. Muitos so os tpicos de famlia aqui abordados: o casalamasiado, quando ainda no se cogitava da entidade familiar nos moldes oficiais da unio estvel; a adoode fato, que no se concretiza no direito, entre as famlias advindas de relacionamentos fragmentados e quese unem em novo vnculo; a polmica questo dos servios domsticos prestados; a rejeio da noprogramada pelo casal fecundao heterloga da esposa, levando ao rompimento e conseqente expulsoda mulher, do lar do casal; e, por fim, a partilha de bens, logicamente no procedida na justa proporo demeio a meio sobre os bens adquiridos aps a unio.

    No conto intitulado Tentaes de uma pobre senhora, v-se a estria da esposa Maria quem,decepcionada com as atitudes de Joo, seu esposo, comea a cometer diversos adultrios, deixando suasfilhas pequenas sozinhas em casa, culminando no flagra dado pelo esposo, que j vinha desconfiado,acompanhado da polcia, vez que, aos tempos, a prtica do adultrio era considerada ilcito penal.

    No conto Leito de Espinhos, aps o casamento, Joo desconfia da pureza da esposa,arrependendo-se depois; porm, a relao nunca mais foi mesma, pois Maria cometeu adultrio, de cujainterao se gera um filho, seguindo-se o desprezo ao marido.

    No conto de nmero 10 do livro, O pai, o chefe, o rei, Joo, movido pelo alcoolismo, perpetravaviolncia domstica contra os filhos e a esposa; certa feita, extenuado emocional e psicologicamente, Andr,um dos filhos do casal, quando provocado pelo pai, desfere-lhe um tiro, matando-o. Eis o tratamento,novamente, das questes de violncia contra os membros mais vulnerveis da famlia, ensejando o fatricdio.

    No conto seguinte, O Martrio de Joo da Silva, v-se o caso de Maria, me de famlia quem,irresignada com sua condio de dona de casa, decide se aventurar nos bailes noturnos da cidade, cometendodiversas relaes adulterinas.

    Em Agonias de Virgem, apresentado um casal que se digladiava em agresses mtuas; por fim,tendo a esposa cedido fora fsica do esposo, o casal passa a viver em paz e harmonia.

    No conto A ltima carta, Joo, o esposo, trado pela esposa e por seu prprio irmo, descobrindoo fato por meio das cartas em que ambos demonstram seu afeto recproco.

    No conto final, O esfolado vivo, Joo, aps brigar com sua esposa Maria, abandona-a, mas apsalgum tempo ressente-se de sua falta e de todas as manias que antes lhe desagradavam. Quando lhe vem mente que Maria poderia estar com outro homem, resolve retornar ao lar para viver novamente infeliz parasempre.

    Anote-se que A guerra conjugal foi adaptada para o cinema, em 1975, contando com o suportetcnico na histria e dilogos do prprio Dalton Trevisan, e com roteiro e direo de Joaquim Pedro deAndrade. A pelcula foi laureada com 6 premiaes, inclusive internacionais, tendo sido selecionada para aQuinzena de Realizadores do Festival de Cannes, em 1975. Estrelada por grandes nomes da stima artebrasileira, a exemplo de Lima Duarte, Jofrei Soares e Dirce Migliacio, descrita pelos crticos comocrnicas de psicopatologia amorosa na civilizao do terno-e-gravata, ainda vigente na mitolgica e ubquacidade de Curitiba, onde medram flores de plstico e elefantes vermelhos de loua podem surgir a qualquermomento [27].

    Muitos so os temas de famlia, abordados pelo Vampiro de Curitiba. Mas, pela recorrncia daabordagem dos assuntos adultrio e violncia contra a mulher, por questo didtica, optou-se por

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    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1905

  • concentrar em tais tpicos, a abordagem a seguir.A acidez das relaes maritais retratadas se revela j no primeiro conto, O senhor meu marido, cujo

    ttulo apropriado ao modelo de famlia patriarcal e oitocentista, que ainda prevalecia em 1969, vigendo, noCdigo Civil de 1916, a figura jurdica do poder parental. O foco principal da histria a infidelidade daesposa, levando ao nascimento de filhos ilegtimos, frutos das relaes adulterinas:

    Sendo o senhor meu marido um manso sem-vergonha, fique sabendo que logo venho buscar as meninasque so do meu sangue, digo meu sangue porque voc sabe que do teu no , voc no passa de umestranho para elas e caso o senhor no fique bonzinho eu revelarei o seu verdadeiro pai, no s para elascomo a todos teus colegas do Buraco do Tatu, j cansei de ser apontada como culpada, digo isso paravoc deixar de ser cretino correndo atrs de rabo de saia, s desprezo o que eu sinto por voc, sabesmuito bem que para mim voc no nada.[28]

    As lutas feministas j agitavam a sociedade aos tempos de A guerra conjugal, e o Direito, assimcomo a comunidade nacional, tambm passou por reformas, na dcada seguinte, surgindo a Lei do Divrcio,em 1977, e, com o advento da Constituio Federal de 1988, quase duas dcadas depois, o contrato socialbrasileiro passava a professar a f no modelo de famlia eudemonista, baseado na legitimao da felicidadedos indivduos, em detrimento da Famlia-Instituio. Com a valorizao legal dos laos afetivos, restavaalada a novo plano a unio estvel, bem como sendo vedadas as discriminaes entre os filhos, fossem eleshavidos pela fidelidade e constncia do casamento, ou fossem eles fruto da extraconjugalidade[29].

    Mas, em 1969, data da obra em comento, a realidade social e jurdica era outra. Filhos exprios noherdavam com os filhos legtimos. Mulheres eram espaadas e violentadas no seio conjugal, sem quepudessem se socorrer em remdios jurdicos efetivos, a exemplo da atual Lei Maria da Penha.

    Contudo, mudam-se as eras, mudam-se os costumes. Mas os principais valores humanospermanecem, ainda que ganhem nova roupagem no tempo x espao. Dentre esses valores figura a honra,especialmente a honra masculina, revestida de toda a tipicidade da cultura latina.

    O adultrio tema recorrente dos contos de Dalton Trevisan, com destaque para A morte do rei dacasa, marcado pelas desconfianas da esposa, corroboradas pelas traies pblicas do marido. O mritojurdico deste conto consiste no retrato da separao de fato, consolidada pela separao de corpos, contudono corroborada legalmente, em razo do grave preconceito social que pesava sobre os casais desquitados.Sem falsas iluses, a edio da Lei do Divrcio em 1977 apenas mitigou, mas no teve o condo de eliminaro preconceito social, que recai especialmente sobre a mulher separada. E mesmo com todos os movimentoslegislativos, prestes a se consolidar, em prol de uma (excessiva, pode-se dizer) facilitao do desvinculoconjugal, ainda assim o preconceito persiste, intrnseco s almas mais tradicionalistas dos grandes centros, asquais sabem disfarar suas retrgradas opinies, conquanto delas no abdiquem; bem ainda, remanesce, demaneira mais sincera (ou menos socialmente hipcrita) e aberta, nas cidades interioranas.

    Em Tentaes de uma pobre senhora abordada uma das conseqncias mais nefastas do adultrio:a sua repercusso criminal, tendo como passagem principal a autuao da esposa, em flagrante delito.[30]

    do corredor outra voz grossa respondeu que era a polcia. Passados cinco minutos, entre rumoresabafados e cochichos, foi aberta a porta: os trs policiais irromperam no quarto e, acendendo as luzes,deram com a senhora sentada na cama, em combinao de sda azul, ali na companhia do amante, essede calas e camiseta, sem sapatos. A cama desarrumada, os lenis revoltos. Debaixo dela, foramrecolhidos como prova diversos papeis.

    Fruto da evoluo social, em que pese ainda consistir em um ilcito civil, o adultrio foi

    descriminalizado em 2005, na reforma do Cdigo Penal[31]. Ainda que seja correto afirmar que taldescriminalizao corrobora o fato de que o Direito um produto social, a reprovao do adultrio pelacomunidade certamente arrefeceu, contudo, no se esvaziou totalmente. Contudo, a evoluo dessesentimento social advm de diversos fatores sociolgicos. Dentre eles, vale destacar que, aos idos tempos de1969, havia uma necessidade maior de se reprimir as relaes extraconjugais, notadamente pelo perigo daconcepo adulterina, no se cogitando das tecnologias de investigao de paternidade das quais hoje sedispe. Graando um modelo de famlia patriarcal, o privilgio social e jurdico era conferido manutenoda sociedade conjugal, Famlia-Instituio, e, assim, em um mundo sequer contava com remdiosjurdicos eficazes para dar tratamento aos desvnculos, o adultrio oferecia ainda maior perigo, no apenaspara as emoes dos envolvidos, mas principalmente para o complexo de bens, os quais, via de regra,naquela poca estavam ligados pelos fortes laos da comunho universal de bens. Tambm relevantedestacar a maior influncia religiosa que a Igreja Catlica exercia sobre a comunidade, elevando no apenas ainfidelidade, mas o divrcio, distinta categoria do pecado. Ainda que a Santa Madre permanea imutvelem seus dogmas, no apenas grande parte da sociedade se emancipou dessa presso religiosa, mas o Estadoconsolidou seu processo de laicizao[32], revendo, portanto, no apenas o contrato, mas o pacto social,conforme a excelente lio de Jonathan Sacks[33].

    Retornando ao vibrante conto inicial, O senhor meu marido, Joo se ressente das traies da esposae isto no apenas emocionalmente, mas sente a vergonha pela exposio pblica dos fatos. Opera-se a umretrato social deveras interessante, mostrando o processo migratrio do marido, que peregrinava de bairro

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    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1906

  • em bairro das regies menos favorecidas de Curitiba[34], impulsionado pelo anseio de integrar umacomunidade em que seu nome no estivesse manchado. Contudo, movido por emoes as quais nocompetem a estes autores analisar, ou mesmo julgar Joo no apenas se mudava; antes, levava Mariaconsigo. E a cada mudana, mais uma filha que no era carne de sua carne. Em um dos momentos maiscrticos, Maria se aventura com o motorista de nibus da linha que ligava seu bairro a uma praa central[35];no bastasse a dor na alma, Joo tem sua casa apedrejada pela esposa do motorista de nibus, quem, sim eobviamente, tambm era casado.

    Salta aos olhos, neste conto, o retrato do prejuzo financeiro que Joo suportava, a cada traio, acada mudana, trazendo baila, o autor, os reflexos financeiros nefastos provocados pelos danos deamor[36].

    Retornando anlise estritamente jurdica, segundo a doutrina Responsabilidade Civil nosRelacionamentos Ps-Modernos, de autoria de Ana Ceclia PARODI[37], por danos de amor secompreendem os danos materiais e morais suportados pelos atores da relao afetiva, seja ela vertical[38] havida entre ascendentes e descendentes, no necessariamente possuidores de laos sanguneos, mas estandopresente a relao afetiva e/ou de autoridade x sujeio ou horizontal, consistindo, esta ltima categoria,nos relacionamentos romnticos por essncia.

    Justifica a autora a necessidade de se produzir uma classificao prpria para os danos de amor, afim de que estes recebam correlato e prprio tratamento jurdico, em razo das dificuldades encontradaspelos atores vitimados, em se verem indenizados pelas leses morais e materiais suportadas. Ajurisprudncia, ainda que se tenha afrouxado o preconceito atualmente, sempre se mostrou bastante reticentequanto ao deferimento de tais demandas, e isto de forma injustificada, atribuindo as denegaes a umsuposto perigo de monetarizao das relaes afetivas, mas, em verdade, omitindo-se de punir no asimples desiluso amorosa, mas casos de grave impacto social, tais como a violncia perpetrada empblico[39] ou o lastimvel estupro conjugal, passando assim, os tribunais de justia, perigosa mensagemde permissibilidade e impunidade, para a sociedade como um todo.

    Progressista, a doutrina de PARODI foi produzida precedente Lei Maria da Penha[40], que emseu contedo acabou por corroborar a existncia dos danos de amor, na descrio especial da ilicitude cvel ecriminal das condutas, pela Lei 11.340/2006, donde se extraem estipulaes prprias para leses ocorridasna senda da relao afetiva:

    Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violncia domstica e familiar contra a mulher qualquer aoou omisso baseada no gnero que lhe cause morte, leso, sofrimento fsico, sexual ou psicolgico edano moral ou patrimonial.Art. 6o A violncia domstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violao dosdireitos humanos.Art. 7o So formas de violncia domstica e familiar contra a mulher, entre outras:I - a violncia fsica, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou sade corporal;II - a violncia psicolgica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional ediminuio da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que visedegradar ou controlar suas aes, comportamentos, crenas e decises, mediante ameaa,constrangimento, humilhao, manipulao, isolamento, vigilncia constante, perseguio contumaz,insulto, chantagem, ridicularizao, explorao e limitao do direito de ir e vir ou qualquer outro meioque lhe cause prejuzo sade psicolgica e autodeterminao;III - a violncia sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou aparticipar de relao sexual no desejada, mediante intimidao, ameaa, coao ou uso da fora; que ainduza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impea de usar qualquermtodo contraceptivo ou que a force ao matrimnio, gravidez, ao aborto ou prostituio, mediantecoao, chantagem, suborno ou manipulao; ou que limite ou anule o exerccio de seus direitos sexuaise reprodutivos;IV - a violncia patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure reteno, subtrao,destruio parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valorese direitos ou recursos econmicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;V - a violncia moral, entendida como qualquer conduta que configure calnia, difamao ou injria.(g.n.)

    Contudo, nem sempre o progresso foi a marca do produto jurdico. E Dalton Trevisan retratou com

    preciso as barbries suportadas pelas mulheres, indefesas e sem qualquer recurso jurdico de peso, do qualse pudessem valer.

    Eis o relato da violncia fsica e moral, extrado do conto Lgrimas de noiva: Instalados na casa,brigava com ela todos os dias (...) Quase a esganou ao dar com a ma janela da sala, espanador na mo eleno vermelho na cabea[41]. Da mesma forma, em Agonias de virgem e O leito de espinho, que abordamtambm a violncia sexual, assim como em Quarto dos horrores[42]: Aquela mesma tarde Joo lhe deusurra to grande que a coitadinha ficou gemendo na cama, enquanto le se divertia na sala a jogar pacincia

    Os tabus sexuais so fatores de perpetuao dos preconceitos, que acabam por influenciar,negativamente, a prestao jurisdicional. Perceba-se que Dalton Trevisan, no af de relatar os piorescomportamentos de alcova, trabalha com elementos como a violncia sexual e a virgindade, palavras usadas,pelo autor, praticamente na mesma sentena, metaforicamente falando.

    O revogado Cdigo Civil de 1916, ento em vigor aos tempos de A guerra conjugal, prestigiava amoa virgem, alando-a qualidade de mulher honesta e impondo o prvio defloramento como causa deanulao matrimonial.

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    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1907

  • Art. 178. Prescreve: 1o Em 10 (dez) dias, contados do casamento, a ao do marido para anular o matrimnio contradocom a mulher j deflorada (arts. 218, 219, IV, e 220). (Pargrafo alterado pela Lei n 13, de 29.1.1935 erestabelecido pelo Decreto-lei n 5.059, de 8.12.1942)Art. 219. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cnjuge:IV - o defloramento da mulher, ignorado pelo marido.

    Na mesma linha, em suposta atuao isonmica, o mesmo revogado Codex supostamente protegia a

    mulher, prevendo a reparao do mal do defloramento, pelo casamento com o ofensor, ou converso emperdas e danos:

    1.548. A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este no puder ou no quiserreparar o mal pelo casamento, um dote correspondente sua prpria condio e estado: (Redao dadapelo Decreto do Poder Legislativo n 3.725, de 15.1.1919)I - se, virgem e menor, for deflorada.II - se, mulher honesta, for violentada, ou aterrada por ameaas.III - se for seduzida com promessas de casamento.IV - se for raptada.Art. 1.549. Nos demais crimes de violncia sexual, ou ultraje ao pudor, arbitrar-se- judicialmente aindenizao.

    A valorizao da virgindade era um reflexo das balizas sociais do tempo analisado e, de fato,objetivamente, a mulher recebia proteo do Estado, sua condio de intocada. Contudo, ocomportamento estatal reforava o preconceito e estimulava o surgimento de mais violncia, uma vez que, seesmiuadas as letras midas da lei, comunicava sociedade que era dever da mulher manter-se pura,prevendo-se punio objetiva do agente, por meio do casamento, unindo por laos quase indissolveis, oagressor vtima, obrigando esta ao convvio dirio e ininterrupto com o causador do trauma e da leso,restando exposta a novas ocorrncias reiteradas de violncia sexual, agora justificadas pelo matrimnio; ouse reparava a leso em dinheiro, valores estes que certamente seriam destinados poupana dos pais dasmoas, para tentar minorar o prejuzo que teriam em arcar com a filha potencial e provavelmentesolteirona.

    Verdadeira poltica pblica afirmativa se constituiria se o codificador previsse punio para as lesessexuais ocorridas no curso do casamento, o que no se cogitava aos tempos, sendo dever da mulher, aqualquer custo, arcar e cumprir com o dbito conjugal.

    No se cogitava aos tempos ...? Eis que a Lei Maria da Penha data, to somente, do ano de 2006! Esurge como necessria produo legiferada, qui tendo o condo de aplacar a lacuna deixada pelos tribunaisque, no af de se apartarem da m-fama dos artigos 1.548 e 1.549 do CC/1916, passaram a negar, semanlise mais acurada, a pretenso indenizatria dos parceiros romnticos vitimados, como se a fuga eomisso da prestao jurisdicional pudessem apagar um passado de violncias afetivas institucionalizadaspelo Estado. Ao contrrio, a cegueira deliberada da Justia, nestes casos promovem maior violncia, aomanter impune aos agressores e aos abusos de direito cometidos nos desvnculos dos relacionamentos.

    CONSIDERAES FINAIS

    Os dilogos entre o Direito e Literatura so fonte de profcua produo para a interpretao

    interdisciplinar de ambas as reas do Conhecimento, especialmente emprestando ao Direito, que umproduto social, nova viso, leitura e mesmo compreenso do fato que lhe d origem, seja para o nascimentoda norma ou para o seu revisionamento. Propiciando, assim, pelas diferentes abordagens da interao entre oDireito e a Literatura, novos rumos para a dita Cincia Jurdica, desvinculando-a assim de um sistemaestanque e tornando-a interdisciplinar e menos tecnocrtica.

    Importa destacar que a Literatura coopera para a reviso normativa, na medida em que retrata asociedade por seus prprios olhos, ainda que pela viso de um autor, que certamente no tabula rasa, sendomotivado e inspirado por suas prprias crenas e experincias.

    A doutrina internacional classifica os dilogos entre o Direito e a Literatura em trs maneiras: oDireito na Literatura; o Direito como Literatura e, por fim, o Direito da Literatura, abrangendo a proteodos direitos autorais das obras literrias.

    Na verticalizao do tema, destacou-se a vida e obra do autor curitibano, Dalton Trevisan, quecomo seus contos ganhou destaque no cenrio literrio nacional e internacional, tendo sido laureado comprmios inclusive internacionais. Sua obra marcada por contos que mostram a realidade da sociedadecuritibana de classe mdia e baixa, do sculo passado. Neste liame, sua obra A Guerra Conjugal tem papelfundamental para que se analisem assuntos referentes ao Direito de Famlia, uma vez que retratava compropriedade, sua viso de mundo sobre as relaes familiares de seu tempo, tanto ao abordar as relaesoficiais, quanto as prticas da extraoficialidade, do submundo do amor, no Sculo XX, o qual jpresenciava a implementao de diversas mudanas scio-estruturais.

    A obra de Dalton Trevisan, neste contexto, alou grande importncia, por expressar o que semostrava incmodo e reprovvel para a sociedade, mas que era de fundamental importncia para as relaesjurdicas, merecendo tutelamento; e, construiu sua parcela de contribuio para as mudanas na sociedade e,

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    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1908

  • via de conseqncia, ainda que indiretamente, influenciando s mudanas no Direito.

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    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1909

  • TREVISAN, Dalton. A guerra conjugal. Rio de Janeiro: Ed. Civilizao Brasileira. 1969. _________________. Vozes do retrato Quinze histrias de mentiras e verdades. So Paulo: Ed. tica.3. ed. 1993. VARELLA. Drauzio. Estao Carandiru. So Paulo: Cia das Letras. 2. ed. 1999.

    [1] Conquanto no se possa reput-lo por ptreo, vez que a sua aplicabilidade, frente ao caso concreto, pode trazer-lhe frescor, desdeque o operador do Direito prime pela hermenutica teleolgica, livre de anacronismos, movido tambm pela conscincia do tempo eespao em que se situa a demanda em tela.[2] AZEVEDO, Plauto Faraco. Crtica dogmtica e hermenutica jurdica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1989, p.22-23.[3] Cf. OST, Franois. Contar a Lei as fontes do imaginrio jurdico. So Leopoldo: Ed. Unisinos. 2005, p.48-59.[4] SCHWARTZ, Germano. Direito e Literatura : proposies iniciais para uma observao de segundo grau do sistemajurdico. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 96, n. Dez/04, p. 125-140, 2004.[5] SHAKESPEARE, Willian. O Mercador de Veneza. Porto: Imprensa Moderna. 1912.[6] Lembrando as palavras do So Paulo, a letra mata, mas o esprito que d vida. II Corntios 3:6[7] ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura. In: Os Pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 92 e 93.[8] VARELLA. Drauzio. Estao Carandiru. So Paulo: Cia das Letras. 2. ed. 1999.[9] SWARUP, Vikas. Sua resposta vale um bilho. So Paulo: Cia das Letras. 2. ed. 2009.[10] DICKENS, Charles. David Copperfield. So Paulo: Rideel. 2003.[11] Conforme lies do Prof. Dr. Luiz Edson Fachin, ministradas oralmente em sala de aula, do Curso de Mestrado em Direito, daPontifcia Universidade Catlica do Paran, no ano de 2008.[12] Conforme a moderna corrente inaugurada por Charles S. Pierce (1839-1914), a semitica a doutrina dos signos, tendo porobjeto o estudo da natureza, tipos e funes de signos. Devido aos desenvolvimentos das ltimas dcadas na lingustica, filosofia dalngua e semitica, o estudo dos signos ganhou uma grande importncia no mbito da teoria da comunicao. Basicamente, um signo qualquer elemento que seja utilizado para exprimir uma dada realidade fsica ou psicolgica; nesta relao, o primeiro funcionacomo significante em relao segunda, que o significado (ou referente); as relaes entre significantes e significados podem serde 2 tipos: denotao e conotao. Disponvel em: http://www.univ-ab.pt/~bidarra/hyperscapes/video-grafias-6.htm . Acesso em: 02de abril de 2010. Ainda emergindo da cientificidade filloga, a Anlise do Discurso, que permite a identificao dos jarges jurdicos,como mecanismo isolacionista e, portanto, discriminador, afastando os destinatrios da norma, do conhecimento pleno dos seusdireitos, motivando, assim, iniciativas de polticas pblicas como a que se disseminou pelo Brasil, com o apoio da Associao dosMagistrados Brasileira,em prol da mitigao do juridiqus, em franco privilgio democratizao do acesso ao efetivo contedo processual. Contudo, eisum tema que remete a questes filosficas de base, estampando parte da hipocrisia que fermenta os setores profissionais do Direito(no que a hipocrisia seja privilgio exclusivo da classe jurdica), afinal, que advogado ser respeitado pela Corte e obter o proveitoprocessual pretendido, se renunciar ao vocabulrio tcnico, em suas peties, ainda que se atenha ao verdadeiro teor do texto e dafigura? Ou que magistrado recebe o respeito de seus pares, quando reduz a sua linguagem a um conjunto simplrio de palavrasmais populares? Alguma virtude, em sentido inverso, tem emanado dos Juizados Especiais, onde prevalece o princpio da Oralidade eda Simplicidade. Mas desejvel que a democratizao do acesso linguagem, ensino e conhecimento jurdicos se opere em carterno discriminatrio, em favor de toda a sociedade.[13] DWORKIN, Ronald. Uma Questo de princpios. So Paulo: Martins Fontes, 2000, p.217.[14] GARCIA AMADO, Juan Antonio. Breve Introduccin sobre Derecho y Literatura. In: _________Ensayos de FilosofaJurdica. Bogot: Temis, 2003. p. 369. Em vernculo: Cuando defendemos em cualquier mbito de la actividade jurdica que lainterpretacin correcta de la norma x esta o aquella, o que el verdadero alcance del derecho y que el texto constitucionalconsagra es de tal modo otal outro, no describimos realidades preexistentes al discurso, sino que tratamos de persuadir aldestinatario de nuestro discurso de que la realidad es as como la contamos.[15] OST, Franois. Contar a Lei as fontes do imaginrio jurdico. So Leopoldo: Ed. Unisinos. 2005. p. 49.[16] Descrito no Novo Testamento nos Evangelhos de Mateus, captulos 26 e 27; Marcos, captulos 14 e 15; Lucas, captulos 22 e 23;e Joo, captulos 18 e 19.[17] Exdo 34:1[18] Conjunto dos cinco primeiros livros da Biblia, a saber: Gneses, xodo, Levtico, Nmeros e Deuteronmio.[19] MORAWETZ, Thomas. Law and Literature. In A Companion to philosophy of law and legal theory. Edited by DennisPatterson. Cambridge: Blackwell Publishing. 1996. p. 453-454. Em vernculo: Just as one can investigate the effects of legalconstrains on literatury expression, one can also examine the ways in which literature, especially popular literature, has influencedthe course of law. In this activity, the interests and skills of the literary and the legal historian join forces. From Uncle Toms Cabitthrough the muckraking novels of Emile Zola and Upton Sinclair to the more recent writing of Toni Morrison and NadineGordimer, literature has ofter been politically inspired and has served the cause of political and legal reform. At the same time, theeffects of literature and law have not always been benign. Arguably, much popular literature dehumanizes criminals, reinforcesracial and ethnic stereotypes, and depicts the exigencies of internacional relations (war, espionages) in unrealistic ways. Suchwritings tend to shape popular attitudes; these attitudes in turn may affect legal approaches to the procedural rights of offenders tothe welfare and other social claims of the underclass, and to curbs on individual rights for the sake of national security.[20] Termo que se refere a jornalistas, reprteres, escritores, crticos e produtores cinematogrficos de ndole investigativa, doperodo compreendido entre 1800 e 1900, ainda designando os mesmos atores de expresso artstica e literria que se identificamcom as prticas de investigao e exposio de fatos de relevncia jurdica e social, a exemplo do notrio caso norte-americanoWatergate, via de regra possuindo, tais profissionais, fortes motivaes polticas, no necessariamente apenas esquerdistas. Umdos maiores expoentes do muckraking contemporneo Michael Moore, laureado com inmeros prmios internacionais epossuindo em seu em seu curriculum um Oscar de Melhor Documentrio (longa-metragem), obtido no ano de 2003, por Bowling forColumbine, traduzido para o Brasil como Tiros em Columbine, onde, a partir de estudo de caso notrio, analisa a fundo a questo daviolncia nas escolas e do direito ao porte de armas. Famoso tambm por seu documentrio 9/11 Farenheit, cida crtica ao GovernoBush e suas motivaes para a Guerra do Iraque.[21] Nesse sentido atuou Nelson Rodrigues, que insistia, no mbito ficcional, em reforar um suposto carter de normalidade nasaberradoras relaes familiares que retratava em muitas de suas obras. A esse respeito: MESSAGGI, R. R. ; POPP, Carlyle. ODireito de Famlia a partir da Literatura Brasileira, nos contos de Nelson Rodrigues. In: XVIII Congresso Nacional doCONPEDI, 2009, So Paulo. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI. Florianpolis/SC: Fundao Boiteux, 2009.[22] TREVISAN, Dalton. Vozes do Retrato Quinze histrias de mentiras e verdades. So Paulo: Ed. tica. 3. ed. 1993, p. 5.[23] Disponvel em: http://www.releituras.com/daltontrevisan_bio.asp. Acesso em 04 de abril de 2010.[24] BRITO, Mrio da Silva. As Batalhas de uma Ilada Domstica. In: TREVISAN, Dalton. A Guerra Conjugal. Rio de Janeiro:Ed. Civilizao Brasileira. 1969, contracapa.[25] TREVISAN, Dalton. Vozes do Retrato Quinze histrias de mentiras e verdades. So Paulo: Ed. tica. 3. ed. 1993, p. 5.[26] BRITO, Mrio da Silva. Ob. cit.[27] Disponvel em: http://www.filmesdoserro.com.br/film_gc.asp. Acesso em: 02 de abril de 2010.[28] TREVISAN, Dalton. A Guerra Conjugal. Rio de Janeiro: Ed. Civilizao Brasileira. 1969. p. 4.[29] Ou mesmo, na Ps-modernidade, frutos do fenmeno Filhos do Ficar. PARODI, Ana Ceclia de Paula-Soares. Manual dosRelacionamentos. Campinas : Russell, 2007.[30] Ob. cit. p. 37.[31] Veja o que o art. 240 do Cdigo Penal prescrevia antes de sua revogao pela Lei 11.106 de 2005: Art. 240 - Cometer adultrio:

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    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1910

  • Pena deteno, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses. 1 - Incorre na mesma pena o co-ru. 2 - A ao penal somente pode ser intentada pelo cnjuge ofendido, e dentro de 1 (um) ms aps o conhecimento do fato. 3 - Aao penal no pode ser intentada: I - pelo cnjuge desquitado; II - pelo cnjuge que consentiu no adultrio ou o perdoou, expressa outacitamente. 4 - O juiz pode deixar de aplicar a pena:I - se havia cessado a vida em comum dos cnjuges; II - se o querelante havia praticado qualquer dos atos previstos no Art. 317, doCdigo Civil.conforme Lei 11.106/2005.[32] A esse respeito, ROSANVALON. Pierre. A Crise no Estado-Providncia. Goinia : Editora da UFG, Braslia. Ed. UNB, 1997.[33] SACKS, Jonathan. A tica da responsabilidade. So Paulo : Sefer, 2008.[34] Atualmente, os bairros citados pelo autor passaram por uma remodelagem do projeto urbanstico. Alguns abrigam a classemdia, mas outros ainda so habitados por maioria composta por pessoas de renda mais baixa e, infelizmente, contando com ndicesaltos de violncia.[35] A qual, at hoje, pea central no sistema virio urbano.[36] PARODI, Ana Ceclia de Paula-Soares. Responsabilidade Civil nos Relacionamentos Afetivos Ps-Modernos. Campinas :Russell. 2006.[37] Publicada pela autora com ineditismo, na obra supra referida (Responsabilidade ...), a qual foi indicada para o Prmio Jabuti,2007.[38] Classificao produzida pela autora, (Responsabilidade ...) Op. Cit.[39] Fato que certamente teria repercusses indenizatrias se ocorresse a briga entre vizinhos, scios comerciais ou simplesdesconhecidos, no trnsito.[40] Conquanto tenha sado do prelo aps a edio da Lei 11.340/2006, vez que a autora inseriu, ao final do livro, anexo abordando atemtica em comento.[41] Ob. cit. p. 26.[42] Ob. cit. p. 133.

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    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1911