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Mais informação em acabra. net @ JorNAL UNivErsiTÁrio DE coimBrA A maior estadia de José Xavier na Antártida demorou noves meses. O cientista polar do Instituto do Mar da Universidade de Coimbra, fala da sua experiência no meio dos pin- guins, das sete expedições ao conti- nente branco, da adaptação dos animais às alterações climáticas e evolução da ciência polar em Por- tugal. A ligação à Universidade de Cambridge traça o caminho “ideal” para a investigação, sempre com a preocupação de levar a ciência a todos. joSé xavier Quebrar barreiras na ciência polar Pág. 11 Recentemente consagrado com o Pré- mio Universidade de Coimbra 2012, António Pinho Vargas reflete a quali- dade da produção artística em Portu- gal. Desde cedo se fez notar, seja pela participação em movimentos de con- testação estudantil durante o período do Estado Novo, seja pela vasta car- reira musical, que incidiu numa pri- meira fase no jazz e depois num recuo à fase erudita, à música dita clássica. Hoje, é músico benemérito e é consi- derado um intelectual da produção ar- tística na sua contemporaneidade. Prémio UC 2012 Perfil: António Pinho Vargas Pág. 7 A Não Te Prives veio marcar posi- ção perante uma sociedade profun- damente estereotipada e homofóbica. Permanece, porém, a necessidade de lutar pela aplicação do princípio da igualdade em Por- tugal. Moldes sociais, educação tra- dicional e religião constituem alguns dos entraves ao respeito pela diversidade em termos de defesa dos direitos sexuais. Entre avanços e recuos, a minoria ganha força, desbravando mentalidades através das suas vitórias no campo jurídico. não te PriveS 10 anos pela defesa dos direitos sexuais PP. 12 e 13 Uma situação transversal a todos os setores económicos e a toda a po- pulação - o desemprego. O distrito de Coimbra não é exceção no pano- rama nacional e até internacional, sendo o segundo distrito do país com o maior índice de desemprego. Em discurso direto, desemprega- dos da cidade contam como é difícil arranjar emprego na conjuntura atual. deSemPrego Coimbra Distrito é dos mais afetados do país Pág. 15 Arte de Rua Um Salazar coisificado e outros ícones culturais Pescas: “um sistema de quotas pouco equilibrado e com graves defeitos” Pág.17 Um ano dePoiS da eleição “O aumento das propinas é à volta de 30 euros por aluno e não dá, nem de perto nem de longe, para cobrir o corte do Orçamento de Estado” PP. 2 e 3 Pág.8 14 DE fEvErEiro DE 2012 • ANo XXi • N.º 240 • QUiNZENAL GrATUiTo DirETor cAmiLo soLDADo • EDiTorEs-EXEcUTivos iNês AmADo DA siLvA E João GAspAr a cabra felipe grespan Opinião: Representantes dos estudantes no Conselho Geral da UC fazem balanço PP. 22 e 23

Edição 240

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Jornal Universitário de Coimbra A CABRA

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Mais informação em

acabra.net@

JorNAL UNivErsiTÁrio DE coimBrA

A maior estadia de José Xavier na

Antártida demorou noves meses. O

cientista polar do Instituto do Mar

da Universidade de Coimbra, fala

da sua experiência no meio dos pin-

guins, das sete expedições ao conti-

nente branco, da adaptação dos

animais às alterações climáticas e

evolução da ciência polar em Por-

tugal. A ligação à Universidade de

Cambridge traça o caminho “ideal”

para a investigação, sempre com a

preocupação de levar a ciência a

todos.

joSé xavier

Quebrar barreirasna ciência polar

Pág. 11

Recentemente consagrado com o Pré-

mio Universidade de Coimbra 2012,

António Pinho Vargas reflete a quali-

dade da produção artística em Portu-

gal. Desde cedo se fez notar, seja pela

participação em movimentos de con-

testação estudantil durante o período

do Estado Novo, seja pela vasta car-

reira musical, que incidiu numa pri-

meira fase no jazz e depois num recuo

à fase erudita, à música dita clássica.

Hoje, é músico benemérito e é consi-

derado um intelectual da produção ar-

tística na sua contemporaneidade.

Prémio UC 2012

Perfil: AntónioPinho Vargas

Pág. 7

A Não Te Prives veio marcar posi-

ção perante uma sociedade profun-

damente estereotipada e

homofóbica. Permanece, porém, a

necessidade de lutar pela aplicação

do princípio da igualdade em Por-

tugal. Moldes sociais, educação tra-

dicional e religião constituem

alguns dos entraves ao respeito pela

diversidade em termos de defesa

dos direitos sexuais. Entre avanços

e recuos, a minoria ganha força,

desbravando mentalidades através

das suas vitórias no campo jurídico.

não te PriveS

10 anos pela defesados direitos sexuais

PP. 12 e 13

Uma situação transversal a todos os

setores económicos e a toda a po-

pulação - o desemprego. O distrito

de Coimbra não é exceção no pano-

rama nacional e até internacional,

sendo o segundo distrito do país

com o maior índice de desemprego.

Em discurso direto, desemprega-

dos da cidade contam como é difícil

arranjar emprego na conjuntura

atual.

deSemPrego Coimbra

Distrito é dos maisafetados do país

Pág. 15

Arte deRuaUm Salazarcoisificado eoutros íconesculturais

Pescas: “um sistema de quotas pouco

equilibrado e com graves defeitos” Pág.17

Um ano dePoiS da eleição“O aumento das propinas é à volta de 30 euros por aluno e não dá, nem de

perto nem de longe, para cobrir o corte do Orçamento de Estado” PP. 2 e 3

Pág.8

14 DE fEvErEiro DE 2012 • ANo XXi • N.º 240 • QUiNZENAL GrATUiToDirETor cAmiLo soLDADo • EDiTorEs-EXEcUTivos iNês AmADo DA siLvA E João GAspAr

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Opinião: Representantes dos estudantes no

Conselho Geral da UC fazem balanço PP. 22 e 23

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2 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | terça-feira

deStaqUe

“Não disse que ia haver congelamento das propinas”

João Gabriel silva • reitor da universidade de coimbra

Por entre o trabalho que implicam os desafios que a Universidade de Coimbra (UC) enfrenta, durante

pouco mais de meia hora, o reitor da UC faz o balanço do mandato até agora, um ano depois da

eleição a 14 de fevereiro de 2011. Por Inês Balreira e Camilo Soldado

Um ano depois de ser eleito,

que balanço faz do seu man-

dato?

O primeiro ano desenvolveu-se numambiente bastante diferente daquiloque estava previsto. Na altura daeleição a palavra troika não faziaparte do nosso vocabulário, o queacabou por influenciar muito devidoà falta de dinheiro. Fora isso, tem es-tado a decorrer como esperava.Temos feito um trabalho de melho-ria da organização interna da uni-versidade em resultado da grandetransformação que a administraçãosofreu no início do ano passado e umesforço para colocar a criação do co-nhecimento no centro da interven-ção da UC.

Que opinião tem sobre o traba-

lho desenvolvido pelo ministro

Nuno Crato até agora?

Se o trabalho da universidade estácondicionado pela troika, o do mi-nistro da educação e ciência estáainda mais. Algo que me tem agra-dado é o facto de haver um esforçomuito grande para preservar as uni-versidades de muitas das restriçõesque têm surgido por causa das ques-tões orçamentais. Felizmente o go-verno não tem tido, ao contrário doque às vezes acontece, a atitude deque agora vai ser tudo bem feito etudo o que vem de trás é para deitarfora. Tem tentado introduzir altera-ções paulatinas embora, ao nível doensino superior (ES), ainda poucas.É preciso perceber que o governoentrou em funções a meio do anopassado e este é que será o ano emque nós poderemos ver alguma coisamais substancial a aparecer. Estouexpectante.

Quando foi eleito falava da ne-

cessidade de “chegar ao fim do

ano com as contas tão saudá-

veis quanto possível”. Qual

é a situação financeira da

UC neste momento?

Chegámos ao fim do anocom uma situação que nãoé excelente, mas é con-trolada. A minha ex-pectativa é queconsigamos chegarao fim de 2012 semruturas financei-ras, mas com ocinto muito aper-tado. O grandedesafio é conse-guir, com recur-sos tão escassos,

não afetar o essencial. Uma área quetem sido muito falada é o EstádioUniversitário (EU). Não temos di-nheiro para continuar a pagar asdespesas nos termos anteriores, masestamos a trabalhar intensamentecom a AAC para encontrar uma so-lução que não ponha em causa a ati-vidade. A preocupação é essa:encontrar uma forma de fazer omesmo ou melhor com menos di-nheiro.

Disse que não ia atualizar as

propinas à taxa de inflação no

próximo ano letivo. O congela-

mento estará a ser contornado

pelo aumento de propinas de

segundo e terceiro ciclo que

tem sido fixado pelo Conselho

Geral (CG) no último ano?

Aproveito para desfazer aí um equí-voco. Não disse que ia haver conge-lamento das propinas. Disse que nãoíamos obter, através das propi-nas, o dinheiro que tinhasido cortado no orça-mento da UC. O au-mento das propinasé à volta de 30euros por aluno enão dá, nem deperto nem delonge, para cobriro corte do Or-çamento deEstado. Oaumentoteria des e rentre300

a 400 euros para compensar o corte.O que eu disse é que não vamos fazernenhum aumento fora do normalporque o mecanismo de atualizaçãosegundo a inflação vem da lei, sendoque há sempre um curso ou outroonde há um ajuste, que é parte donormal funcionamento da institui-ção. Seria muito difícil explicar a en-tidades financiadoras que estávamosa deitar fora uma coisa que não temum significado por aí além mas dariaum sinal completamente errado.

Em alguns setores do ES já se

fala no debate sobre o modelo

de financiamento do ensino su-

perior. Faz sentido lançar esse

debate?

Faz, embora não se deva ter ilusõesporque o problema é que osaco é curto. É re-levante

que se debata isso porqueem situações comoaquela em que esta-mos, há tendênciapara pagar as con-tas e ponto final. Apartir do mo-mento em que sefaz apenas isso,está a passar-se um sinalque não é po-sitivo. Aque-les que,antes destemomento,se esforça-ram paraobter

Felipe Grespan

Page 3: Edição 240

14 de fevereiro de 2012 | terça-feira | a cabra | 3

deStaqUe

mais financiamento para as ativida-des, mais poupança nos gastos cor-rentes, vão ter apenas o necessáriopara cobrir custos que já estão cui-dadosamente geridos. Aqueles quegeriram à vontade e não se preocu-param vão receber uma dotação quedá para cobrir esses custos que estãoa mais. Nessa medida é importanteque se discuta o modelo de financia-mento para introduzir algum fatorque tenha em conta o desempenho.

Há condições para que, num

futuro próximo, a receita ob-

tida pela cobrança das propi-

nas deixe de ser aplicada em

despesas estruturais?

Não vejo como. Só se houvesse umaumento substancial de financia-mento de outra proveniência. Hácortes no ES em imensos países daUnião Europeia e todos vão olharpara as fontes de financiamento eu-ropeias. A concorrência, que já erafortíssima, é ainda pior. Por isso háalguma perspetiva que se consigaaumentar as fontes de financia-mento, mas não ao ponto de conse-guir libertar as propinas para finsmais interessantes. Tomara eupoder utilizar as receitas de propi-nas para fins de desenvolvimento.

Na primeira entrevista depois

de ser eleito disse que ninguém

o ia ouvir dizer que não há re-

cursos mas já disse que, se

para o ano os cortes forem da

mesma dimensão, a UC fecha

portas. O encerramento é um

cenário irrealista?

Acho que é. Não há nenhum go-verno que ponha a hipótese de fe-char uma instituição com a históriada UC. Quando eu disse que não mevão ouvir dizer que não há recursospara o ES, não é para me desculparpara não fazer coisas. Há muitas queficam limitadas pelo facto de havermenos dinheiro, mas não podemosficar parados. Quando falamos naconstrução de um edifício novo, issoé verdade. Em relação à universi-dade, é importante que tenhamconsciência que estamos no absolutolimite do funcionamento.

Registam-se mais uma vez pro-

blemas no processo de atribui-

ção de bolsas. Nuno Crato

responsabilizou os Serviços de

Ação Social (SAS). Como vê o

processo? A responsabilidade

dos atrasos é do ministério ou

dos SAS?

É partilhada. O regulamento saiumuito tarde e a plataforma informá-tica que está a ser utilizada estevedisponível já muito tardiamente, oque é responsabilidade do governo.No entanto, deve ter-se em contaque o governo tomou posse emjunho, com trabalho por fazer ao

nível do regulamento das bolsas.Esse atraso influenciou tudo nosSAS. Depois há melhorias a fazer noprocesso. Numa altura de grandetransição de regras, os SAS têm deter o cuidado de não cortar o acessoà bolsa a um estudante por questõesprocessuais e têm tido uma preocu-pação grande de, em diálogo com osvários candidatos, conseguir resol-ver os problemas. Também é pro-fundamente negativo que no iníciodo segundo semestre ainda tenha-mos tantas bolsas por decidir. O re-sultado é obviamente negativo eespero que no próximo ano, comoutra estabilidade regulamentar, seconsiga ter o processo concluídomuito mais cedo senão as própriasbolsas perdem sentido. Como é queestamos à espera que as pessoascom mais dificuldades aguentem umsemestre sem esse suporte? É difícil.

Em dois anos letivos há menos

25 mil bolsas de ação social es-

colar atribuídas no ensino su-

perior. Que consequências

poderá ter esta diminuição?

Não tenho números finais. Há al-guma diminuição, não sei se é dessaordem de grandeza. Depois de insis-tência, o ministério entendeu abrirum novo período [de candidatura abolsas] para os recém-chegados aoES e é possível que esse número nãoseja tão alto. A minha expectativa éque não seja tão alto, mas é umafonte de preocupação porque muitasfamílias estão com dificuldades e énesta altura que a ajuda é mais im-portante para manter as pessoas noES. Estar a encurtar a ajuda socialno momento em que ela é mais ne-cessária, não é positivo. Não há nadamais profundo numa sociedade de-mocrática do que a mobilidade so-cial. A partir do momento em que oacesso ao ES é limitado estamos aintroduzir na sociedade tensões quepodem dar muito mau resultado enão são positivas para o desenvolvi-mento do país.

No ano passado dizia que faria

“tudo o que pudesse para se

opor a qualquer tentativa de

redução dos níveis de apoio so-

cial”. O que é que tem feito

para evitar que os estudantes

abandonem a UC?

Continuamos a ser a única universi-dade portuguesa que tem um fundode apoio social e, apesar dos cortes,aumentámos o fundo para contra-balançar o efeito de redução de bol-sas. Só conseguiremos reforçar aação social se a sociedade tiver umanoção muito aguda de que as uni-versidades são a solução para o país.Nós cumprimos uma missão, nãosomos uma elite que vive à conta doEstado. Isso tem muito que ver como esforço enorme que a reitoria tem

feito para mostrar ao país que somosa charneira para a saída da crise epara o desenvolvimento sólido dopaís. Espero que esse esforço tenhaefeito e o governo aumente, se pos-sível, as dotações para as bolsas deação social.

No planeamento estratégico

para a UC há metas muito con-

cretas para cumprir a curto

prazo e volta a realçar nele a

importância da investigação no

papel que a UC pode desempe-

nhar a nível regional. Tendo

em conta o momento que vive-

mos, é realista apontar para

uma melhoria tão significativa

do desempenho da UC a esse

nível?

Isso tem que ver com a questão deninguém me ir ouvir falar que háfalta de recursos. Não há nada piordo que nos deixarmos paralisar pelacrise porque, então, ela será com-pletamente incontornável. Trata-sede um planeamento mas há tantacoisa variável que não podemos con-trolar. Temos que aceitar que o pla-neamento tenha uma incertezadessa ordem de grandeza.

O que é que já foi feito para que

houvesse um maior envolvi-

mento da UC com a região?

Por exemplo, neste momento já estáem construção a aceleradora de em-presas junto ao Instituto PedroNunes (IPN). O IPN tem andado emnegociações e já há colaboraçõescom várias autarquias da região paraque também elas passem a ter al-guma capacidade de empreendedo-rismo. Os centros de investigaçãoestão também em colaboração con-tínua. Um novo polo de desenvolvi-mento, na área da energia, vai surgirem Montemor-o-Velho. Associadoao BIOCANT já se começou a cons-truir um novo edifício para concen-trar investigação na área dabiotecnologia – o UC BIOTEC. Ape-sar da falta de recursos estão imen-sos projetos em andamento.

Como é que está a questão do

EU?

Temos estado a discutir a forma deconseguir manter a atividade e me-lhorá-la se possível, com reduçãodos custos. Essa forma vai passartambém pelo princípio do utiliza-dor-pagador. Estamos a olhar paranovas formas de angariação de re-ceitas. Um exemplo é o regulamentode publicidade que existia no está-dio, que obrigava o reitor a autorizarcada anúncio. Esse regulamento estáem fase final de alteração e as sec-ções vão ter uma capacidade com-pletamente diferente de trabalharcom os seus patrocinadores.

A Secção de Ténis, por exem-

plo, já gastou milhares de

euros na melhoria das infra es-

truturas. Faz sentido cobrar

pela utilização do espaço a um

organismo que já nele inves-

tiu?

Há algumas secções que investiramdinheiro na melhoria das condiçõesdo estádio, mas a quantidade de di-nheiro por elas investida é uma gotade água comparada com a quantiaque a universidade coloca anual-mente no estádio. Quando chegar-mos a um acordo sobre as novasregras de funcionamento vamos terem conta as secções que investirammais, o que não invalida a necessi-dade da contribuição. Chamo a aten-ção para dois aspetos: uma partemuito substancial dos utilizadoresdo estádio não são estudantes uni-versitários. A UC não tem a obriga-ção de subsidiar o desporto dos nãouniversitários. O segundo passa porsituações em que há alugueres de es-paços a terceiros que também deve-rão contribuir para o funcionamentodo estádio. Tem havido um espírito

de, em conjunto, encontrar soluções.Estou bastante otimista.

A UC tem feito grandes investi-

mentos para cumprir os requi-

sitos da candidatura à

UNESCO. Há uma estratégia

para o caso de haver uma nova

reprovação?

Não houve nenhuma reprovação atéao momento. O que houve faz partedo normal decorrer destes proces-sos: a submissão de uma candida-tura provisória para lhe ser feitauma análise prévia por parte daUNESCO. A submissão formal ocor-reu agora e pode, obviamente, aca-bar numa reprovação mas estouconvencido que isso não vai aconte-cer. Pode surgir a necessidade dealgum acerto na candidatura umavez que o nível de exigência daUNESCO para com as candidaturasda Europa e da América do Sul émuito mais exigente relativamenteàs candidaturas de outras partes domundo.

“É importante que sediscuta um modelode financiamento que tenha em conta o desempenho ”

“Chegámos ao fim doano com uma situaçãofinanceira que não éexcelente, mas é controlada”

“Não é positivo estara encurtar a ajuda social no momentoem que ela é mais necessária”

Felipe Grespan

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4 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

EnsInO sUPErIOr

PUBliCiDaDE

A candidatura patrimonial do conhecimento

ecuemos a 2004, ano emque a UC é incluída na listaindicativa pela ComissãoNacional da Organização

das Nações Unidas para a Educação,Ciência e Cultura (UNESCO) comocandidata à classificação de Patrimó-nio Mundial da Humanidade.

Nove anos volvidos, a 20 de janeirode 2012, a assinatura do secretário deEstado da Cultura, Francisco Viegas,em representação do Estado portu-guês, terminou a odisseia da candi-datura. Associando o passado, opresente e o futuro, a candidatura,que inclui a Alta e a Rua da Sofia, en-contra-se condensada num dossier deduas mil páginas, dividido em setevolumes, onde estão incluídos textoscomo “a justificação da candidatura,a descrição da área candidata e o res-petivo plano de gestão”, bem como aexplanação de “vários critérios a queUC é candidata, como a integridade,o bem e a universalidade”, como re-fere a vice-reitora para a cultura e co-municação, Clara Almeida Santos.

Raimundo Mendes da Silva, pró-reitor no mandato do reitor SeabraSantos e responsável pela candida-tura entre 2004 e 2011, conta que“este dossier final é o resultado daatualização do dossier preliminar quefoi entregue em dezembro de 2010” àComissão Nacional da UNESCO.Comparado com o documento entre-gue em 2010 o dossier final difereapenas em “ajustamentos e melho-rias de detalhe que resultam de umprocesso natural de diálogo”, afirmaRaimundo Mendes da Silva, frisandoa dinâmica do processo. A vice-rei-tora para a cultura e comunicação re-vela que “cada vez que é entregueuma versão a UNESCO verifica ocumprimento de vários critérios”.“Na última versão que foi enviadaantes da final havia alguns formulá-rios e questões formais que tinhammudado e tivemos que fazer algumas

adaptações”, conta a vice-reitora.

Requalificação do patri-mónioPara que os requisitos da UNESCOfossem cumpridos foi necessário pro-ceder à requalificação de vários espa-ços da UC. Esta requalificação,enquadrada num plano de gestão a30 anos, já abrangeu espaços como oLaboratório Chimico, que alberga oMuseu da Ciência, a Casa das Caldei-ras, a Torre da UC, a Via Latina, oPátio das Escolas e as Escadas de Mi-nerva. Contudo, existem ainda espa-ços que fazem parte do projeto queainda não foram requalificados, comoé o caso do Tribunal Universitário Ju-dicial Europeu, a Biblioteca da Facul-dade de Direito da UC, o Centro deInterpretação e Divulgação da UC, aRua da Sofia e o Colégio da Graça que

vai alojar o Centro de Documentação25 de Abril e uma parte do Centro deEstudos Sociais.

O antigo pró-reitor ressalva quedurante a elaboração do dossier finalfoi preciso “adaptar o plano de gestãoem função da política universitária emunicipal, tendo em atenção asatuais limitações da economia nacio-nal que se repercutem no faseamentoe prazos previstos para algumas in-tervenções”.

No que toca a valores “a UC supor-tou os custos de funcionamento dasequipas de especialistas que elabora-ram os planos e produziram o dos-sier”, revela Raimundo Mendes daSilva, contando ainda que “para tal a

universidade teve apoios do BancoSantander Totta”. Parte da investiga-ção foi também financiada “com oapoio de fundos estruturais, nomea-damente o Programa Pós-Conheci-mento, sendo que, em momentosespecíficos do processo, houve outrasentidades a apoiar eventos e realiza-ções, das quais se destacam a CâmaraMunicipal de Coimbra, o Instituto deGestão do Património Arquitectónicoe Arqueológico, o Turismo de Portu-gal e a própria UNESCO”, acrescentaRaimundo Mendes da Silva.

Uma candidatura paraalém dos edifícios Clara Almeida Santos revela que “acandidatura da UC não implica so-mente a requalificação do edificado”.“A candidatura é muito mais que isso:neste caso particular junta o tangívele o intangível, como é o caso da tra-dição de Coimbra, o espírito acadé-mico, a canção de Coimbra, a línguaportuguesa e a importância de Coim-bra na expansão da língua portu-guesa”, afirma a vice-reitora. “Esta éa candidatura do conhecimento”,acrescenta. A vice-reitora frisa ainda que a can-didatura “é um reconhecimento da-quilo que quem conhece a UC jásabe”. “Só quem não conhece a his-tória e o presente da instituição é quetem alguma dúvida quanto ao reco-nhecimento da UC como patrimónioda humanidade”, assevera. Rai-mundo Mendes da Silva consideraque com o reconhecimento, do qualse espera um parecer positivo em2013, “a universidade cumpre commaior segurança e apoio a sua missãocultural”. Clara Almeida Santos sa-lienta ainda “consequências muitoóbvias” deste reconhecimento, comoa “maior capacidade de atração emtermos de turismo mas também deestudantes, sobretudo os de mobili-dade internacional”.

liliana CUnha

O plano de requalificação já abrangeu a Torre da UC e o Páteo das Escolas

Oficializada a 20 de janeiro, a candidatura da Universidade de Coimbra (UC) a património mundial da humanidade assume-se muito para além do património material histórico de Coimbra. É uma pretensãoque associa o passado, presente e futuro nos seus moldes tangíveis e intangíveis. Por Inês Balreira

R

“As limitações da

economia nacional

repercutem-se no

faziamento e prazos

previstos”

Page 5: Edição 240

14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 5

EnsInO sUPErIOr

SASUC impõem contenção de consumos energéticos nas residências residências vão ter quereduzir em 17 por centonos gastos energéticos,mas as condições dosedifícios e equipamentospodem dificultar a aplicação da medida

As reduções de orçamento dasinstituições universitárias torna-ram-se numa constante e a ação so-cial não passa incólume. A 12 dejaneiro, um despacho emitido pelosServiços de Ação Social da Univer-sidade de Coimbra (SASUC) cons-tata uma redução de 17 por cento doorçamento para 2012 em relação aodisponibilizado no ano anterior, noque toca a encargos energéticos das

instalações. Assim sendo, os SASUCtêm menos 123 mil euros para gas-tar em eletricidade, gás e água.

O administrador dos SASUC,Gouveia Monteiro, considera estamedida como “uma contenção pru-dente”, afirmando que, com a pou-pança feita nos primeiros meses deimplementação desta política, po-derá ser adquirido algum equipa-mento que facilite a eficiênciaenergética. Contudo, a própria me-dida, forçada, segundo GouveiaMonteiro, pelo corte no orçamentopor parte do governo, vê algumasdificuldades na sua aplicação devidoao aumento dos impostos no setorenergético.

Para além desse ponto, as pró-prias condições e infraestruturas dealgumas residências poderão levan-tar obstáculos na poupança energé-tica. A delegada da residência SãoSalvador, Nilce Carvalho, verificaque a poupança não “é viável” em

alguns setores energéticos. Commenos 240 euros para gastos emágua no presente orçamento, NilceCarvalho lembra que as residentes“já poupam muito em água”, recor-dando que os próprios cilindrospara o aquecimento de água impe-dem banhos demorados. “Chega-mos a tomar banho juntas paratermos água quente”, afirma.

Dificuldade em atingir ametaTambém o delegado da residênciada Alegria, Eugénio Costa, levantaalguns problemas na aplicação damedida, apesar de se mostrar soli-dário para com a contenção de cus-tos. “É muito difícil, ou atéimpossível, atingir os 17 por centode redução de custos sem investi-mento em equipamento que per-mita uma eficiência energética”,afirma. O delegado recorda que opróprio edifício da residência não

apresenta grandes condições parauma melhoria dessa eficiência, as-severando, também, que os SASUCnão deveriam aplicar o corte damesma forma a todas as residên-cias: “devia haver uma atenção àsespecificidades de cada uma das ha-bitações”.

Patrícia Sousa, residente no Pe-nedo da Saudade, e antiga delegadada mesma habitação, vai ao encon-tro às afirmações de Eugénio Costa,considerando que a “redução deve-ria ser repensada, visto que nãopode ser aplicada de forma uni-forme”. A ex-delegada afirma que “équase impraticável atingir os 17 porcento” na sua residência, consta-tando que existem vários equipa-mentos pouco eficazes no que tocaa consumos de energia. “Nós temostodo o interesse em diminuir osconsumos, contudo preocupa-nos oque pode acontecer se não atingir-mos o patamar pretendido”.

Sobre esse mesmo ponto, GouveiaMonteiro não admite essa possibili-dade: “tenho a certeza que vamosconseguir”, garantindo que as des-pesas na energia serão sempre daresponsabilidade dos SASUC. O ad-ministrador dos serviços consideraque, através da colaboração entrefuncionários, administração e resi-dentes é possível o cumprimento dameta a atingir e que a mesma me-dida “não tem qualquer sentido desancionamento”. “Se conseguirmosreduzir os consumos podemos in-vestir até em algum equipamento ouem melhores condições de con-forto”, afirma Gouveia Monteiro. Omesmo, apesar de considerar que háalguma folga, afirma que esta foi, decerto modo, suprimida pelo “corteabrupto no orçamento”. O adminis-trador acredita que só com medidasdeste tipo é que se vai “conseguirfazer frente a estas políticas desgra-çadas”.

Após a meia-noite, é obrigatório apresentar cartão de estudante paraaceder ao edifício. Depois dohorário de encerramento,apenas os sócios com credenciais podem circular

A partir de hoje, 14, a circulaçãono edifício da Associação Acadé-mica de Coimbra (AAC) vai voltara ser condicionada, à semelhançado que já aconteceu em anos ante-

riores. De acordo com um comu-nicado emitido pela administraçãoda AAC, vai passar a ser “proibidaa entrada no edifício a quem nãose fizer acompanhar do cartão deestudante ou credencial todas asterças, quintas, sextas e sábados,exceto em situações pontuais”.

As credenciais emitidas pela di-reção-geral da AAC (DG/AAC)apenas para as secções e organis-mos vão permitir a entrada eacesso dos sócios aos pisos supe-riores depois da hora do encerra-mento do edifício – quatro damanhã. Por sua vez, o cartão de es-tudante permitirá o acesso dos es-tudantes a partir da meia-noite. Oadministrador da AAC, João Sei-

xas, afirma que esta é uma medidapara “reforçar a segurança no edi-fício”, uma vez que os dias abran-gidos são os de maior afluência aespaços noturnos. O administra-dor acrescenta que “quem se fizeracompanhar de capa e batina oucertificado de matrícula” tambémvai poder entrar no edifício.

Quanto às “situações pontuais”mencionadas no comunicado, oadministrador afirma que essescasos são “o esquecimento de cre-dencial ou cartão de estudante depessoas que frequentam a AACtodos os dias”. Contudo, João Sei-xas ressalva que essas situaçõesvão passar pelo “bom senso dosseguranças”. Relativamente aos

colaboradores das secções que nãopossuam credencial de acesso, oadministrador diz que “quem qui-ser entrar depois da hora tem deter alguma coisa que prove que sãocolaboradores ou entram com al-guém efetivo da secção que tenhacredencial”.

O tesoureiro do Conselho Des-portivo, Miguel Franco, consideraque se esta medida for “bem im-plementada pode aumentar a se-gurança”. Porém, adverte parauma situação: “quando se imple-mentam as credenciais é para fun-cionar do início ao fim, não sepode implementar esta medida edepois o sistema desaparecer”. Porsua vez, João Seixas assegura que

“esta é uma medida que aDG/AAC quer levar até ao fim domandato”, uma vez que a “ideia édiminuir o risco de incidentes noedifício”.

O secretário da comissão execu-tiva do Conselho Cultural, AntónioArnaut, acredita que esta medida“vai aumentar um pouco a segu-rança”. Contudo, António Arnautconsidera que “garantir a segu-rança num local que tem um barque parece uma discoteca à noitepode dificultar a medida”. O se-cretário alerta ainda para outrofator: “não é por haver credenciaisque vai deixar de acontecer al-guma coisa, até porque as creden-ciais são falsificáveis”.

Acesso à AAC volta a ser controlado a partir de hoje

CarlOTa rEBElO

Eugénio Costa considera que é “muito difícil, ou até impossível, atingir os 17 por cento de redução de custos sem investimento em equipamento que permita uma eficiência energética”.

Inês Balreira

João Gaspar

Page 6: Edição 240

CULTUrA6 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

cápor

22FEV

Seminário

SaLa 1, CeS22h00 • entrada Livre

cultura

23FEV

teatro

tagv • 21h304 a 7,5 euroS

Cinema

Cinema FiLa K - amSCav 21h30 • entrada Livre

muSiCa

tagv • 21h3010 a 15 euroS

17 e 18FEV

dança

SaLa grande da omt21h30 • 4 a 10 euroS

Por Ana Duarte

CurSo

CaSa da eSquina

várioS horárioS

55 euroS (Sujeito a inSCrição)

14FEV

muSiCa

taBaCaria da omt • 21h00 5 euroS

muSiCa e outroS

PaviLhão de PortugaL • 21h006,5 a 10 euroS

teatro

tCSB • 18h30 e 21h30•5 a 10 euroS

“O GAbIneTe dO dr. CALIGArI”de rOberT wIene

Cinema

FnaC •21h00entrada Livre

“AdALberTO SILVA SILVA”, de jACInTO

LUCAS PIreS e IVO ALeXAndre

25FEV

“FInAnCIAMenTO de PrOjeTOS CULTUrAIS

ATrAVéS dO PATrOCInIO, MeCenATO e CrOwdFUndInG”

THe UnderdOGS

“PATrIMónIOS, MUSeUS e TrAnSFOrMAçãO

SOCIAL: O CASO dO brASIL”

HyPer nOVA

UTOPIC eMPIre

“AFeTOS (COn)SenTIdOS”

“bOneCOS de SAnTO ALeIXO”

“SeXO, MenTIrAS e VídeO”, de STeVen SOderberGH

THe GIFT

14FEV

11 e 25

15FEV

16FEV

24FEV

Acabar com a exclusão social através do teatro

A Hemisférios Solidáriosune-se ao Grupo de Teatrodo Oprimido num projetode intervenção cívica. O meio escolhido é o teatro, como forma reflexiva e terapêutica

Teatro do oprimido. Método tea-tral que tem como objetivos a demo-cratização dos meios de produçãoteatrais e o acesso das camadas so-ciais menos favorecidas. Em Coim-bra, há um lugar onde tudo isto sepratica. Onde a inibição fica à porta,para que entre o espírito de solida-riedade – através da vertente artís-tica.O Grupo de Teatro do Oprimido,companhia teatral de Coimbra, uniu-se à associação cultural e de inter-venção cívica, HemisfériosSolidários, para dar voz àqueles quenada têm – os sem-abrigo. Todos ossábados, reunido na Andy Warhol’s

Factory (antiga fábrica de porcelanasde Coimbra), o grupo de teatro tra-balha para combater a vulnerabili-dade social.A dirigir este projeto, com cerca deum mês, está Luísa Conceição, que játrabalhou com vários grupos de ex-clusão social, incluindo no Estabele-cimento Prisional de Coimbra. Contaque a ideia surgiu num “encontrocultural que a Hemisférios Solidáriosestava a fazer no Dia Mundial dos Di-reitos Humanos”. “Conversámos umpouco e surgiu essa ideia, de traba-lhar com esse tipo de grupo atravésdo teatro”, acrescenta.O diretor executivo da HemisfériosSolidários, Eduardo Marques, afirmaque os projetos da associação tendema focar-se na intervenção social atra-vés da arte. “Pretendemos conscien-cializar a sociedade e dar voz apessoas que não a têm”, explicaEduardo, “sempre que possível atra-vés de atividades culturais, que pos-sam também ser terapêuticas ereflexivas, como esta”.A adesão ao Grupo de Teatro doOprimido têm sido “bastante boa”,tanto nas palavras de Eduardo Mar-ques, como nas de Luísa Conceição.

Com todas as dificuldades inerentes,e apesar de ainda só se terem reali-zado dois ensaios, a interação revela-se natural e não háconstrangimentos. E fala-se emconstrangimentos, tendo em conta acondição de alguns dos participan-tes: pessoas em situação de rua, mui-tas das vezes privadas de auxílio. Masa intenção é mesmo essa. Reverter asituação de exclusão social, apoiandoe ajudando aqueles que, segundoLuísa, “estão na base dos oprimidos”.Paulo Nogueira, um dos participan-tes, revela que “isto do teatro é por-reiro. Ocupa-nos o tempo eajuda-nos na concentração e a teralgum auto-controlo”.Apesar de tudo, ainda estão numafase de adaptação. E assim será pormais algum tempo, até conseguiremganhar a confiança uns nos outros.“O grupo é um pouco instável, nemsempre vem toda a gente”, lamentaLuísa. Porém, expressa o desejo deque, com o tempo, isso possa mudare que a inibição nunca seja obstáculo.

Teatro solidário vs. VoluntariadoO voluntariado pode ser um conceito

de fácil associação a este trabalho.Contudo, para o que se pretende, éum conceito fechado. Eduardo Mar-ques explica que “as pessoas, ao in-tegrarem esta nova ‘companhia’,transformam-se em atores”, não es-tando a praticar voluntariado na suadefinição etimológica. Mas as rela-ções de amizade vão-se estabele-cendo e o “ambiente no trabalho éótimo”, segundo Paulo Nogueira.Trabalhar o ser humano é o objetivofinal. “Nós não trabalhamos na ver-tente da sopa, das matérias básicas.Trabalhamos, sobretudo, na pessoa,que eu acho que é o mais impor-tante”, revela Luísa Conceição. Essepercurso traduz-se num resgate deconfiança e autoestima que este tipode comunidade foi perdendo. A co-municação entre os elementos é “ho-rizontal, somos todos iguais e não háo peso institucional das regras”, ex-plana Eduardo Marques, que refereainda que este é um dos pontos fortesde “ajudar com o teatro”. A únicaregra, para Eduardo, é “a do com-promisso que nós temos por parti-lhar o mesmo espaço e tentarconstruir futuros de otimismo e deesperança”.

Três anos depois, AntónioFonseca volta à OMT paraapresentar os cantos VIIIe IX d’ “Os Lusíadas”.Pelas 22 horas de hoje,assiste-se “ao dizer” daepopeia de Camões

Para quem ainda pensa que deco-rar e interpretar “Os Lusíadas” deLuís de Camões é impossível, eis que

o ator António Fonseca se lançanessa(s) epopeia(s). Ator profissionaldesde 1997, começou a trabalharneste projeto porque sentiu necessi-dade de “(re)propor esse imaginárioque são ‘Os Lusíadas’, esse patrimó-nio da nossa história”. Assim, estanoite, pelas 22 horas, na Oficina Mu-nicipal de Teatro (OMT), AntónioFonseca apresenta os cantos VIII e IX- um vaguear pelo “vil interesse esede inimiga/ Do dinheiro que a tudonos obriga”, terminando na alegóricaIlha dos Amores.

A relação entre António Fonseca eO Teatrão/OMT não é recente. A atriz

da companhia, Margarida Sousa, re-fere que “o Fonseca é um grandeamigo nosso, já colaborámos muitasvezes”. Deste modo, o acolhimentodo trabalho revela-se inevitável. “Fez-nos esta proposta e achámos muitointeressante. A primeira vez que elediz em público algum dos cantos, fá-lo sempre na OMT”, destaca Marga-rida.

A proposta remonta ao ano de2010, quando António Fonseca apre-sentou em Coimbra os primeiros can-tos da obra de Camões. Mas o atoriniciou o seu trabalho mais cedo: “co-mecei a trabalhar há quatro anos ”. E

a partir daí, com o feedback que re-cebeu, o trabalho continuou. “Sei quenão é nenhum golo do Benfica numafinal da Liga dos Campeões, maspenso que é algo interessante de sefazer e estou muito entusiasmandocom as reações positivas”, acrescenta.

O que se pretende é “fazer os dezcantos em formatos e versões dife-rentes, mexer com a história toda du-rante muito tempo”, explica AntónioFonseca. A realização desta experiên-cia traduz-se, na opinião de Marga-rida Sousa, na “forma como oAntónio trabalha o texto e comunicacom as pessoas”.

Sem truques e técnicas, declama-se Camões na OMT

fotografia cedida por edUardo marqUes

Um dos objetivos fundamentais é a atenuação da vulnerabilidade social dos intervenientes

Ana Duarte

Ana Duarte

FEV

Page 7: Edição 240

14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 7

CULTUrA

“Havia mais mundo para além doque me era dito”António Pinho Vargas, vencedor do Prémio UC 2012, é exemplo do empreendedorismo a que os novos talentos nacionais devem aderir. Imprimir uma assinatura para que seja reconhecida num qualquer lado, porum determinado alguém, é o principal desafio imposto na criação conceptual. Por Liliana Cunha e Ana duarte

lasmar a música nas mãos. Osolo erudito de Vargas, com-pleto na articulação de umas

quaisquer cordas percutidas, é indis-sociável. Indissociável de temposanacrónicos. Estes, aliados à contem-poraneidade. É nesta característicaque reside a particularidade da obrade António Pinho Vargas enquantocompositor. Português, nascido emVila Nova de Gaia há 60 anos, vive ascontrariedades da afirmação da mú-sica portuguesa e da sua cultura auma escala europeia. Este “complexode inferioridade”, como lhe chama,deve-se à ineficácia do regime de tro-cas culturais entre civilizações. Gos-tar da música portuguesa cá dentrosempre foi uma batalha para quemquer viver dela. Mas António não es-colheu viver assim.

Nascer na segunda metade do sé-culo XX implica tocar os momentoshistóricos mais determinantes para opaís: Estado Novo, Salazar, Lisboa. Oentão estudante de Direito rebelou-se contra o sistema dogmático de en-sino, que sempre associou ao poderpolítico, numa forma negativa. Prete-riu a formação académica e foi para a

rua. A extrema esquerda estava con-ferida aos estudantes nos idos anos70 e iam-se formando “as listas”. “Es-tive mais na rua a fugir da polícia doque propriamente a frequentar asaulas”, conta o músico, que na alturapresenciou um dos mais quentes epi-sódios no seio da comunidade estu-dantil – o assassinato docompanheiro de luta Ribeiro Santos,pela PIDE, em 1972.

Direito não avistou bom porto, to-davia, de volta a Gaia, António enve-redou pela História. Gradativamente.Não urgia terminar o bacharelatoporque, entretanto, o piano assumeprotagonismo. Foi no jazz que en-controu a reivindicação que almejava,junto dos seus amigos com quem for-mou grupos. Do outro lado do Atlân-tico, era este o estilo privilegiado paraa intervenção. Era o que Vargas pre-tendia para o seu país e para a suacriação.

Espaço de Vargas na Eu-ropaO primeiro disco foi gravado em

1983. Depois, ruma à Holanda, apósconseguir uma bolsa da FundaçãoCalouste Gulbenkian. Lá, conviveucom outros compositores e aperce-beu-se da importância que o centroda Europa representava no pano-

rama musical da altura. Alemanha,França e Inglaterra eram as referên-cias, sendo que, na periferia, encon-trar-se-iam aqueles que viviam nasua sombra – Holanda, Bélgica e,consequentemente, Portugal.

“Ouvia-se muita música de PinhoVargas. Sabia a Portugal”. ManuelPires da Rocha, diretor do Conserva-tório de Música de Coimbra, recolheuna música de Vargas o sentimentonacionalista, que evocava enquantoemigrante, e reteve-a na memória,como jovem músico, que encontrou ojazz nas composições de António.Isto, em 1982.

De resto, compor fora do ambientepatriota envolveu uma aproximaçãomais heterodoxa na forma de olhar aarte. As condições estruturais dassalas onde se podia tocar eram consi-deráveis. Pelo contrário, em Portugal,

a falha apontada pelo compositor éessa mesma: “tive que inventar sítiospara tocar, porque não os havia. Pedira amigos e coisas do género”. E naqualidade de professor, tenta trans-mitir o empreendedorismo que ummúsico, em Portugal, tem de ter. Im-preterivelmente. A audácia exige quese gere autonomia no que toca à pro-fissão. Se o músico não tem, procurater.

“Compreender o nossolugar no mundo”Para além do empreendedorismo,Pinho Vargas também transmite aos

seus alunos a problemática do ego naprodução artística. Saber dosear a in-terseção das dicotomias composi-ção/indivíduo (compositor queescreve, em primeiro, para si) e mú-sica/público (repercussão da sua obra

nas massas), é o ideal para uma sim-biose empática.

“Afinal, a minha inquietude emPortugal tinha razão de ser”, justificao compositor. Razão essa encontradana evolução das correntes estilísticasde um modernismo que aumentavaem proporção dos hábitos de povosdiferentes, onde se adquiria umanova forma de olhar o mundo e a pá-tria de onde se proveu. Permanecerno país de origem é redutor e, comotal, Vargas percorreu um sem nú-mero de países intra e intercontinen-tais. Viajou à leva com o seu grupo dejazz e descobriu a amplitude de uma

música contemporânea vasta, e nãocingida àquela que demagogicamentese incutia em Portugal.

Prémio Universidade deCoimbra 2012“A primeira reação foi de surpresa.Nunca pensei que ia receber um pré-mio em Portugal”. A falta de crençanos prémios atribuídos a músicosportugueses, por portugueses, foipreponderante ante a sua perplexi-dade. Contudo, a partir das mostras“de sensibilidade artística, intelectuale de composição musical” que se re-percutiram numa reflexão sobre a so-ciedade atual, José Manuel Pureza,investigador do Centro de EstudosSociais tal como Pinho Vargas, clas-sifica positivamente a decisão da Uni-versidade de Coimbra – “um gesto degrande alcance, de grande saber es-tratégico”.

Em Coimbra, captar a essência dohumano em sociedade torna-se umaquestão de conceitos antropomórfi-cos. Observar a perceção e aptidãopara capturar o sentido musicológicoé tema central da sua tese de douto-ramento, esta em Sociologia da Cul-

tura. Daí vem o afastamento ou atépossível repúdio português em rela-ção à música erudita que, por vezes, éalvo de algum elitismo e de subapro-veitamento das potencialidades doscompositores nacionais.

Fazer. A última etapa da criação re-flete, para o compositor, a produçãoda obra de acordo com a individuali-dade do autor. Mergulhar no pro-blema de produzir é acima dequalquer coisa a dificuldade em de-marcar uma assinatura. “Componhode acordo com as minhas conceçõesdo que deve ser uma peça musical, ecomponho num estado de isola-mento”.

António Pinho Vargas lança o de-safio aos compositores da novaguarda – muitos deles, antigos alu-nos seus – para que deixem sempre oseu carimbo naquilo que produzem.Há que esquecer o preconceito por-tuguês por aquilo que se faz por cá ereinventar novas formas que possamagradar a todos. Porque para valori-zar o outro, é preciso valorizar-se a simesmo. E Vargas é exemplo disso.

P

Perfil • António Pinho VArgAs • Prémio dA uniVersidAde de coimbrA 2012

ilUstração por ana beatriz marqUes

“Afinal, a minha

inquietude em

Portugal tinha razão

de ser”, justifica

o compositor

“Estive mais na rua

a fugir da polícia

do que propriamente

a frequentar as aulas”

Page 8: Edição 240

CULTUrA8 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

A arte de rua dentro da Casa

“Um Precipício no Mar”,

da autoria de Simon

Stephens, é a peça a

estrear dia 16 deste mês,

no TAGV, que conta com

a produção de Jorge Silva

Melo e Artistas Unidos

Sem cenário, sem luzes e comum ator. Um monólogo de in-tensa partilha. Uma história con-tada de forma fria e analítica.Assim é a peça “Um Precipício noMar”, que estreia no Teatro Aca-démico de Gil Vicente (TAGV),quinta feira, pelas 21h30. A pro-dução do espetáculo cabe à com-

panhia Artistas Unidos e a ence-nação conta com o seu diretor,Jorge Silva Melo.

O diretor do TAGV, FernandoMatos de Oliveira, classifica estavinda dos Artistas Unidos a Coim-bra como uma “estratégia de pro-gramação”. “Queremos umprograma que se foque no teatrocontemporâneo” e que também“seja capaz de refletir sobre pro-jetos de teatro emergentes, novascompanhias e novos produtores”,acrescenta. Deste modo, “UmPrecipício no Mar” completa asimbiose que Matos de Oliveiraprocura para a nova programaçãode teatro: da autoria de SimonStephens, famoso na nova dra-maturgia britânica, este é umtexto que conta uma história in-tensa de um pai que, após a morteda filha, tenta procurar um novo

sentido para a sua vida.João Meireles é o protagonista

da peça e, também, o seu únicointerpretante. O monólogo re-vela-se elemento crucial, porque,na opinião do ator “é uma formateatral e muito estimulante, poisa comunicação estabelece-seentre ator e público, de forma di-reta e exclusiva”. Assim, a inten-sidade do drama é transmitida deforma penetrante, através de umahistória contada “olhos nos olhose não apenas a um público cole-tivo”, explica João Meireles.

A ideia de executar esta peça,conta o encenador Jorge SilvaMelo, partiu de dois atores dosArtistas Unidos: “eles foram aoFestival Internacional de Edim-burgo em 2009 e assistiram ao es-petáculo britânico”. O sucessoque “The Sea Wall” (nome origi-

nal) obteve foi tão grande queSilva Melo pediu que lhe trouxes-sem o texto e, quando o leu, JoãoMeireles foi escolha imediata paraa interpretação. “É um dos atoresque está desde a fundação dacompanhia e não tem tido os pa-péis que merece”, comenta.

O diretor do TAGV destaca adupla Jorge Silva Melo e ArtistasUnidos, que, com a qualidade etrabalho que tem mostrado, “po-derá abrir algumas portas e che-gar a um público maisabrangente”. O ator, queaquando da proposta para prota-gonizar “Um Precipício no Mar”revelou algum medo, mostra-seagora confiante, esperando “lota-ção esgotada”. Lança também umconvite ao público para a reflexãosobre a família, o medo, o luto e aperda.

A busca do sentido da vida às escuras

Ana Duarte

Até ao dia 16 de março,

o resultado de uma

residência artística

peculiar, decorrida em

Lagos, visita Coimbra.

A arte de rua dentro da

Casa da Esquina

Numa tela de grandes dimensões,os três pastorinhos surgem pela téc-nica do “stencil”. Estão ao lado deuma Virgem Maria que aparece nãosobre numa nuvem normal, mas defumo de uma explosão, e as cores daroupa que envergam sugerem umaespécie de efeito psicotrópico. Fran-cisco Marto tem um lacinho verme-lho de campanha contra a SIDA nalapela e metralhadora na mão.

Rodeando esta grande tela, estãoduas malas abertas que contam duasmemórias diferentes. Um álbum deMaria Benta, artista de Lagos, parecepersonificar uma das história: os ob-jetos têm tons de vermelho, dou-rado, pérola e pó. Um gira-discosestá na base da mala, forrado por umveludo coçado. “Muitas das coisasfazem parte do espólio dela”, contaa responsável da direção da Casa daEsquina, Filipa Alves. Do ladooposto da sala, uma outra malaconta a história de um barbeiro: ca-belo, pincéis, lâmina enferrujada. Bi-lhetes para o Sporting em 1957.Pequenas imagens de Nossa Se-nhora e do Sagrado Coração deJesus.

A primeira edição do ARTUR –Artistas Unidos em Residência, pro-movida pelo Laboratório de Activi-dades Criativas (LAC), sediado emLagos, foi o mote para a criação des-tas obras de Jorge Pereira. Durante20 dias, no verão de 2011, seis artis-tas convidados estiveram à “desco-berta do espaço urbano como

cenário para a criação artística”, omote da residência, e ocuparam nãosó a antiga cadeia de Lagos comotambém o espaço urbano envol-vente. Explica Filipa Alves que o quefoi feito foi “pegar em celas e dá-lasaos artistas” e “cada um, dentro dasua cela, criou um espaço”.

O melhor que se faz na arte ur-bana está agora para ver em Coim-bra, na Casa da Esquina, até ao dia16 de março. Não deve deixar-se devisitar as obras de alguns dos nomesmais proeminentes da cena mundialda arte de rua – tanto internacionais,como o grego Alexandros Vasmoula-kis e o brasileiro Antonio Bokel,como quatro outros artistas nacio-nais.

ARTUR adaptado à Esquina

Para além de ser um dos artistas emresidência, Jorge Pereira é tambémmembro da direção do LAC. “Traba-lho muito o retrato dos ícones cultu-rais”, admite, como Amália e JoséAfonso, bem lembrados na exposi-ção, e afirma fazê-lo “não tanto porcrítica social”. O artista desmistifica,assim, a associação que é muitasvezes feita da arte de rua à crítica so-cial, assegurando que, atualmente,“muitas das grandes obras que sefazem” nesta área, geralmente co-missariadas ou pagas por institui-ções e câmaras municipais, “sãosimplesmente decorativas ou têmmensagem do artista”.

Por oposição, o trabalho de mais-menos, nome artístico de Miguel Ja-nuário, surge dentro de um espectrode crítica social. Um autoclismo li-gado a uma urna (que remete ime-

diatamente para Marcel Duchamp),uma corda que enforca uma gravata.Uma evocação do Estado Novo atra-vés de um Salazar coisificado no ob-jeto de cozinha. “O trabalho que oMiguel faz na rua, ou seja onde for, éum trabalho de crítica social assu-mido”, aclara Jorge Pereira.

A obra dos outros artistas presen-tes alinha mais com a arte de ruapela forma: tal como Jorge Pereira,Paulo Arraiano e Antonio Bokel uti-lizam madeiras recicladas para ostrabalhos expostos, invocando moti-vos tribais e uma reflexão mais espi-ritual. Por sua vez, a obra deVasmoulakis evoca questões de gé-nero através de uma espécie de umfauvismo contemporâneo, risonho ecínico, expresso em telas a óleo.

“Houve trabalhos feitos direta-mente nas celas”, explica Filipa Gon-

çalves, o que impossibilitou a trans-posição completa da exposição paraCoimbra. Adaptada agora à Casa daEsquina, ela ganha, ainda assim,contornos interessantes. Jorge Pe-reira estava longe de prever que atela com os três pastorinhos iria serexibida na casa ao lado daquela emque a irmã Lúcia terá passado os úl-timos anos da sua vida, no Carmelo.Do lado de fora da Casa, o artistadeixou também repercutidas pelo“stencil” duas noviças, descalças ecom máscaras de gás. “Não tinhanoção da vizinhança”, brinca. É umacrítica? “Acho que ficou bastantebem encaixado: as duas freiras aolharem, porque estão num muro defora e são visíveis das janelas das se-nhoras. Não é nada crítico em rela-ção à igreja, nem a elas próprias,mas são acasos que acontecem”.

Inês Amado da Silva

seis nomes nacionais e internacionais da arte de rua estão na Casa da esquina. para ver até 16 de março.

Felipe GRespanFelipe GRespanFelipe GRespan

Felipe GRespa

D.R.

Page 9: Edição 240

dESPorTo14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 9

VoleIBolCDPoVoa x académica 18h • Pavilhão Gimnodesportivo

FuteBolacadémica-sF x eirense18h • estádio universitário 18

FEV

26FEV

25FEV

25FEV

a g e N d a d e S p o r t I v a

anDeBolacadémica x sIR 1º Maio18h •estádio universitário nº 3

Futsal sC Braga x académica 16h • Pavilhão Desportivo universitário de Gualtar

ão se admire quem assis-tir a uma aula na CáritasDiocesana de Coimbra se

ouvir o “tiro liro”, ou se vinte pes-soas entoarem ordem para “pôraqui o seu pezinho”. Não mais é doque dar música a pessoas que,fruto da idade, precisam dela parase motivarem. Iolanda Fernandes,professora no centro de dia da Cá-ritas, explica a sua fórmula, em quea parte humana adquire uma di-mensão muito grande. No centrode dia Rainha Santa Isabel daSanta Casa da Misericórdia, a pro-fessora congratula-se: “começámoscom sete pessoas e hoje temosvinte e quatro”. Às vezes, explica,“é preciso ir buscar os alunos àtasca. Mas veem”.

É ali, numa sala a meias comuma outra de fisioterapia, na Cári-tas, que decorrem, semanalmente,duas sessões de desporto para pes-soas da terceira idade. Com um es-pelho de vidro e rugas pela frente,não mais do que 20 metros qua-drados servem a Iolanda e a cadaum dos seus alunos para esticarembraços e pernas, prolongamentosda vitalidade no tempo. “São pes-soas mais velhas e teimosas”, ad-mite, mas a atitude tem de serpositiva. Pôr de castigo o utentepor causa de uma conversa que não

acaba, ou por um cantarolar quenão obedece aos pedidos de mode-ração, tem que ser algo feito deforma especial. “Com as criançasmandamos um berro e elas calam-se. Aqui, manda-se de castigo. Masa rir”, entende.

Fustigada pelos onze dias emque esteve em coma e durante osquais perdeu o marido, na sequên-cia de um acidente de viação, autente da Cáritas Maria da Graça

Fernandes mostra a importânciado fator mental. “Por causa do aci-dente, não consigo esticar o braçoesquerdo. Mas este posso”, rejubilao olhar, acompanhado do respetivomovimento. Acima de tudo, explicaIolanda, procura-se proporcionar“satisfação com a vida”.

“Prevenção, controlo etratamento de doenças”A ginástica funcional que decorre

nos centros de dia pretende me-lhorar os movimentos do quoti-diano, contribuindo para aindependência do idoso. “Preven-ção, controlo e tratamento dedoenças” são, para Iolanda, os trêspilares em que assenta este tipo dedispêndio de exercício progra-mado. O objetivo, nas palavras deIolanda, passa por “aumentar a re-sistência cárdio-vascular, a flexibi-lidade, a agilidade e diminuir otempo de reação”, com exercíciosque envolvem a força e a tonifica-ção muscular. Halteres e bolas me-dicinais não são só para jovens.Com um grau de dificuldade pro-gressivo, explica a professora queesses instrumentos podem ser usa-dos para a prevenção de problemasrelacionados com a diabetes e coma hipertensão. “Primeiro a resis-tência, depois a força e, mais tarde,o equilíbrio”, concretiza, realçandoque se procura fazer determinadosexercícios que acompanhem, deforma geral, as variadas maleitasque importunam quem chega aopós sessenta e cinco.

Profissão semelhante tem NoelieSangiovo, função que desempenhano Ateneu de Coimbra, e paraquem é necessário atender às “li-mitações de cada um”. Com a nor-malidade do hábito que faz o

monge, afirma a professora for-mada na Universidade de SantaCatarina, no Brasil, que uma pró-tese de perna lhe faz “mudar oplano do exercício”.

Papel de coesão eintegração socialNuma abordagem sociológica, RuiMachado Gomes, professor da Fa-culdade de Ciências do Desporto eEducação Física da Universidade

de Coimbra, afirma que, pese em-bora o desporto ser “passaportepara a saúde”, existe uma inconsis-tência de estudos que mostra não“haver prova científica de que oexercício físico tenha contribuídopara o aumento da esperançamédia de vida”. No entanto, outrosdados apontam para “relações epi-demiológicas entre atividade físicae a menor prevalência de certo tipo

de doenças”. O exercício poderátambém ser encarado de outromodo. Se a imagem de um homemde cabelos grisalhos a dançar po-derá não ser bem aceite, o profes-sor explica que a arte performativapode ser “usada como meio tera-pêutico”, pelo que, neste âmbito,ela poderá desempenhar um papelimportantíssimo “na coesão e naintegração social” neste ciclo davida.

No que respeita às condições so-ciais do desporto em geral, RuiGomes defende a ideia de que, dehá um tempo a esta parte, os esta-dos sociais se têm vindo a afastarda responsabilidade nessa área,“remetendo para o cidadão indivi-dual a responsabilidade de assumiressa gestão através dos seus estilosde vida”. Noelie Sangiovo conferea tal facto contornos pejorativos,sublinhando a falta de valor que sedá ao exercício físico em idadesavançadas. Por vezes, refere,poder-se-ia investir mais em “pro-jetos que promovam a prevençãode doenças, do que com o trata-mento dessas, muitas das quaissem cura”. “Ainda não é dado o de-vido valor ao desporto”, acrescentaa professora, nomeadamente noque toca às pessoas com idademais avançada.

O desporto a partir dos 65A atividade física na terceira idade contribui para a integração social.

Entre dentes que falham nos sorrisos de alguns, bigodes brancos e olhos polidos, há lugar para

animação. Nos centros de dia que promovem atividades físicas para os idosos, multiplicam-se as

estratégias de cativo dos utentes. Por Fernando Sá Pessoa

“São pessoas mais

velhas e teimosas”,

nas palavras da

professora Iolanda

Fernandes

N

“Faltam projetos

que promovam a

prevenção de

doenças”, afirma

Noelie Sangiovo

ExErcício na tErcEira idadEFoto CeDiDa poR iolanDa FeRnanDes

Page 10: Edição 240

dEsporTo10 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

Prolongamento

BASQUETEBOL

Naquela que

foi a terceira

vitória conse-

cutiva, a Aca-

démica foi a

Barcelos ven-

cer por 70-72, num jogo marcado

pela lesão de Artnett Hallman. A

equipa de Orlando Simões en-

contra-se agora no oitavo posto,

mais seis que o último, a equipa

do Casino Ginásio. A próxima

jornada poderá ser decisiva na

definição da tabela, uma vez que

se defronta com o Vitória Sport

Club, que está a apenas um ponto

da Briosa.

FUTEBOL

No passado do-

mingo, os es-

t u d a n t e s

foram alcançar

três pontos ao

campo do dé-

cimo primeiro classificado, o

Touring, por 1-0, naquele que foi

um regresso às vitórias. Sendo

que apenas o primeiro classifi-

cado terá acesso à seguinte divi-

são e tendo em conta que os

lugares de despromoção estão

também já afastados de hipótese,

a Académica encontra-se num

confortável oitavo lugar.

ANDEBOL

A Académica

foi perder, no

passado sá-

bado, dia 11,

ao Municipal

de Almeirim,

por 22-30, num resultado que

desilude por ser frente ao último

lugar. Assim sendo, a equipa de

Coimbra cai para o sexto lugar, e

vê o primeiro a sete pontos.

Ficam, para já, difíceis as pers-

pectivas de luta pela promoção

na terceira divisão nacional, zona

centro.

VOLE IBOL

A contar para a

segunda divi-

são nacional

de voleibol, a

equipa femi-

nina da AAC

venceu, no passado Domingo, dia

12 de Fevereiro, a equipa do Pa-

cense, com os parciais de 3-1. Na

segunda divisão de seniores, se-

gunda fase, série dos primeiros,

a Académica encontra-se no ter-

ceiro lugar, a apenas dois do pró-

ximo. A subida de divisão

mantém-se, por isso, no hori-

zonte das atletas conimbricenses.

Por Fernando Sá Pessoa

Apesar de o princípio do

utilizador-pagador do

Estádio Universitário

de Coimbra devesse ter

entrado em vigor no

mês de janeiro, tais

pretensões abrandaram

Depois de ter havido um atraso

nas negociações do princípio utili-

zador pagador, as atenções estão

agora focadas num modelo de ges-

tão partilhado, após o Conselho

Desportivo (CD) e as secções des-

portivas da Associação Académica

de Coimbra terem chegado a um

consenso quanto a métodos de ges-

tão eficiente do Estádio Universitá-

rio de Coimbra (EUC). Em relação

à primeira abordagem feita pela

Fundação Cultural da Universidade

de Coimbra (FCUC), o tesoureiro

do CD, Miguel Franco, afirma que

“há pequenos males que veem por

bem”. O que neste momento acon-

tece é uma “grande aproximação

entre o CD e a FCUC, pelo que essas

decisões colocam a DG/AAC no

centro da gestão do estádio”.

A respeito desta matéria, a vice

reitora Clara Almeida Santos ad-

mite que, numa fase inicial, terá ha-

vido “algum clima de tensão

motivado pela mudança do histó-

rico de relação”. No entanto, es-

tando as negociações a decorrer

agora em torno de um paradigma

de gestão partilhada do EUC, a vice

reitora congratula-se com o facto

de que “o ambiente, neste mo-

mento, dificilmente poderia ser

melhor”.

Os intentos de um pagamento do

EUC feito pelas secções desportivas

da AAC a partir do dia 1 de janeiro

não tiveram êxito, pelo que a pri-

meira proposta, feita pela FCUC, foi

devolvida pelo CD com uma contra-

proposta. Apesar de “as coisas não

se estarem a desenrolar com a ve-

locidade que se desejava”, também

por causa da recente mudança na

direção da AAC, a vice reitora julga

que, na pior das hipóteses, “a situa-

ção deverá estar resolvida no início

da próxima temporada”.

No âmbito da primeira aborda-

gem por parte da reitoria, que Mi-

guel Franco entende que seria “fatal

para o desporto universitário”, o

documento que veio a público

apontava para cerca de duzentos

mil euros anuais como valor de pa-

gamento a ser comportado pelas

várias secções utentes do EUC.

Quanto às requalificações que

foram realizadas pelas secções des-

portivas ao longo dos anos, Clara

Almeida Santos justifica a sua não

inclusão nas contas por “não serem

exigidos pagamentos retroativos”.

Aumento das receitas depublicidadeNesta senda de propostas que o CD

fez, muitas já começaram a ser pos-

tas em prática. Miguel Franco e

Clara Almeida Santos apontam

como principal medida a revisão do

regulamento de publicidade do

EUC. O tesoureiro do CD critica o

atual regime, apontando-lhe o cariz

excessivamente burocrático. E con-

cretiza que, “se uma secção qui-

sesse um patrocínio de mil euros, o

reitor tinha que autorizar as per-

centagens que iam para o estádio,

para a secção e para os outros sí-

tios”. Outras soluções têm sido

também discutidas e já avançadas.

São os casos da captação de água do

subsolo para consumo próprio,

como banhos. Para Franco, o es-

forço da Faculdade de Medicina da

Universidade de Coimbra tem,

neste sentido, sido “essencial”. A

racionalização da energia é igual-

mente foco de controlo, agora com

a instalação de contadores de luz e

de água em cada pavilhão do EUC,

em detrimento de um contador

geral que, nas palavras do membro

do CD, não permitia “controlar os

gastos”.

Entretanto, está também em

agenda uma eventual campanha

para o EUC celebrar os cinquenta

anos, em 2013, num contexto de re-

qualificação do estádio.

Negociações com CMCDo mesmo modo, numa proposta

que os órgãos gestores do EUC têm,

neste momento, em mãos, e que

pretendem continuar a discutir

entre si, poderá estar uma eventual

fonte de receitas. Em causa está a

construção de novos acessos ao

Convento de São Francisco. Miguel

Franco vê esta situação como uma

hipótese favorável à estratégia de

investimento do EUC. “A única

coisa que a câmara pede é o terreno

junto aos serviços administrativos,

que atualmente é uma estrada”,

adianta. Esses mesmos serviços se-

riam deslocados para outro sítio,

pelo que tais encargos seriam com-

portados pela CMC.

A um ano da apresentação

formal, a organização do

evento depende do

financiamento comunitário

e passa pela melhoria

das condições do

Estádio Universitário

Na XIV Gala Salgado Zenha, o

presidente da direção geral da As-

sociação Académica de Coimbra

(DG/AAC), Ricardo Morgado,

anunciou a intenção de apresentar

uma candidatura aos European

Sports Association (EUSA) Games

de 2016. Para já, não passa mesmo

disso, uma intenção, porque a can-

didatura não depende exclusiva-

mente da vontade da AAC.

A candidatura terá que ser for-

malizada até março de 2013, sendo

que, até outubro, o dossier tem de

estar “muito bem definido”. Ricardo

Morgado acredita que, se a AAC

conseguir cimentar pela terceira vez

a condição de melhor da Europa no

desporto universitário e apresentar

uma candidatura bem estruturada,

“ninguém nos tira” a organização

dos EUSA Games 2016.

O dirigente associativo esclarece

que a candidatura é feita pela Fede-

ração Académica do Desporto Uni-

versitário (FADU), que depois

decidirá localmente. Mas o projeto

passa também pela Secretaria de

Estado do Desporto e Juventude,

pela Câmara Municipal de Coimbra

e pela Universidade de Coimbra,

com quem a DG/AAC já conversou,

tendo obtido luz verde para avan-

çar.

Para organizar um evento que o

presidente da DG/AAC classifica

como o maior acontecimento mul-

tidesportivo em Portugal depois do

Europeu de Futebol de 2004, a aca-

démica terá que fazer algum inves-

timento. Porém, Ricardo Morgado

afirma que grande parte do finan-

ciamento virá “do estado, da União

Europeia, da cidade e também da

universidade”.

Se Coimbra vir aprovada a sua

candidatura, a competição decorre-

ria, maioritariamente, no Estádio

Universitário (EU), que não possui

atualmente condições para albergar

um evento desta envergadura. O

presidente da direção geral encara

os EUSA Games 2016 como “opor-

tunidade para dotar o EU e a cidade

de infra estruturas que fiquem para

a posteridade”, à semelhança do

que foi feito nos Campeonatos Eu-

ropeus de Ténis de 2010.

A primeira edição destes jogos

que decorrem de dois em dois anos

acontece, em 2012, entre 13 e 23 de

julho em Córdoba, onde estarão

presentes atletas da AAC das várias

modalidades. Também a DG/AAC

estará representada na cidade espa-

nhola.

Fernando Sá Pessoa

Pagamento do estádio não é para já

Prosseguem as negociações de gestão do Estádio Universitário de Coimbra

Camilo Soldado

Candidatura aos EUSA Games apresentada em 2013

olga juskiewiczs

Page 11: Edição 240

14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 11

ciência & Tecnologia

José Xavier, cientista polar,é investigador do Institutodo Mar da UC desde 2009 esoma já sete expedições àAntártida. Depois da licen-ciatura em Biologia na Uni-versidade do Algarve, em1997, rumou até Cambridge,onde também é investiga-dor. Procura descobrircomo os animais do polo sulse adaptam às alterações cli-máticas e recebeu, no úl-timo ano, o prémio MarthaT. Muse, o “nobel” para aciência polar. A paixão pelomar e a vontade de levar aciência a todos marcam oseu precurso.

Como foi este percurso até à

Antártida?

Foi um processo relativamente sim-ples, até era mais giro perceber porque é que segui Biologia. Sempregostei muito do mar. Nasci numavila, em Azambuja, que fica a 50quilómetros da praia. Então, ir paraa praia, para mim, era um privilé-gio. Sempre que estava na praia es-tava muito contente: praia,biquínis, ondas, sempre fiz muitodesporto ligado às ondas. Estava deférias. Depois decidi que queriaBiologia, e só a partir do terceiroano de faculdade é que percebi queprecisava de algo mais. Ir às aulasera porreiro, mas faltava algo, nãosabia o que era ser cientista. Seráque quero ser cientista? Será quequero dar aulas no liceu? O que éque eu vou fazer? Meti-me em vá-rios projetos científicos com pro-fessores de que gostava. Passadosdois ou três anos, entrei para está-gio, falei com uma professora no Al-garve e disse-lhe que gostava de daro passo a seguir. No mundo ideal,eu queria trabalhar com o melhordo mundo. Então, havia um colabo-rador dela que estava em Cam-bridge. Já me conhecia há três anos.É raro um professor conhecer umaluno tão bem, já sabia o que eracapaz de fazer, e perguntou-me:“gostavas de ir para Cambridge?”.Fui para Cambridge, acabei o está-gio e gostaram tanto de mim a par-tir daí que trabalhei um ano paraeles dentro do Instituto da Antár-tida, a British Antartic Survey, jáa candidatar-me para doutora-mento, e depois de doutora-mento parapós-doutoramento. Fiqueicomo investigador convi-dado. Estou aqui como in-vestigador e souinvestigador em Cam-bridge. Isto começou em

97, até agora. Em 2005, voltei aPortugal e ajudei a estabelecer o co-mité Português para o Ano PolarInternacional.

Recebeu, no ano passado, o

prémio Martha T. Muse.

Ganhei o prémio da fundação ame-ricana Martha T. Muse, que é oequivalente ao Nobel para a CiênciaPolar. Agora, imagina: dão-te 100mil dólares para a tua conta bancá-ria, não é para a ciência. Tens ame-ricanos, ingleses, franceses quefazem ciência há 200 anos. Nós co-meçámos há cinco anos. O impactoque tivemos foi muito grande. Aciência que se faz aqui, no Institutodo Mar da Universidade de Coim-bra, tem sido de excelência. Estouaqui desde 2009.

Quais os objetivos das expedi-

ções à Antártida?

O projeto tinha como objetivo com-preender como os animais na An-tártida são capazes de se adaptar àsalterações climáticas ou não. O quefui estudar foram duas espéciesde pinguim [Gentoos eChinstrap], que se estão areproduzir ao mesmotempo na pior área doplaneta. São pinguinsadaptados às águasfrias e é ali que aságuas estão a aquecerrapidamente. O quequeríamos ver eracomo é que estavama lidar com isso ecomo é que estavama competir por co-mida.

A que resultados é

que chegaram?

Este ano, concluímosque estavam acomer a mesmacoisa, o quepara nós foisurpreen-d e n t e .N ã o

havia qualquer estudo de dieta na-quelas colónias, Hannah Point eSando Point, em Livingston Island.Estavam a comer a mesma coisa, o“krill”, o camarão do antártico, oelemento mais abundante. O que euesperava, seguindo Darwin, é quese há duas espécies que estão a ocu-par o mesmo habitat e a comer amesma coisa, mais cedo ou maistarde, uma vai desaparecer. Isto é ateoria. O que temos é duas espéciesque se estão a reproduzir, a ocuparo mesmo habitat, a comer a mesmacoisa e os mesmos tamanhos. Estáaqui algo errado. A dinâmica comoexploram o meio ambiente, que nósnão conhecemos, começa a ficar in-teressante. O que queremos perce-ber agora é como estes animaisexploram o meio ambiente quandovão à procura de comida, não sabe-mos isso. É o que queremos fazerno futuro: pôr pequenos “GPS trac-king tags” nas costas deles, parasaber a que profundidade e a queáreas vão.

Como é que se lida com os pin-

guins?

Uma das coisas muito interessantesem relação à Antártida é que os ani-mais não têm medo de nós. É en-graçado: muitos deles, se não temexeres, é que vêm para ao pé de ti.Claro que, se temos de os estudar,temos de ser mais proativos. Temosuma rede, do estilo de apanhar bor-boletas, mas mais rija. Depois, ba-sicamente, é um “sprint” de dezsegundos: agarramos os pinguins,sempre pelas pernas. Tínhamos oJosé Seco, estudante, que os agar-rava contra o peito e, passados dezsegundos, o pinguim relaxava.Agarrávamos o pinguim por cimadas asas, não por baixo, medíamoso bico, retirávamos as penas e san-gue. Era um procedimento de cincoa dez minutos. Marcávamo-los comuma pontinha preta, para não tra-balharmos mais com aquele animal.O pinguim olhava para nós: “o queé que se passou aqui?”. E conti-nuava com a sua vidinha.

Como é viver na Antártida?

Antes de ires para a Antártida,tens de te preparar psicologica-

mente. Há uma preparaçãode vários cenários, como

lidar com pessoal que bebaum bocadinho de mais ou

alguém que tenha umproblema de stress,algo que não tenhas

equacionado. “Estou nofim do mundo, não me

quero adaptar a isto evou entrar em depres-

são”. Se vês um colega teua fazer isso, como vais pro-

ceder? Isto é muito fácil,porque temos um plano de

trabalho muito exigente. Pre-parar esta expedição de-

mora dois ou trêsanos. Estás muito

focado, estásm u i t o

c o n -

centrado com a ciência. O navioabastece e recolhe coisas no início eno fim de cada época com comidapara mais de um ano, para nãohaver problemas. A reciclagem é le-vada ao extremo.

E a alimentação?

Temos uma imagem de junho, dequando passou um navio e trocá-mos garrafas de whisky por umcesto de maçãs. Damos valor aessas coisas muito simples. Depoisde dois ou três meses, passas dasfrutas e dos legumes para os conge-lados e enlatados. Tínhamos de co-zinhar de quatro em quatro dias,limpar a base uma vez por semana.Tínhamos a noite do cinema àsquartas e aos domingos; quem co-zinhasse tinha de fazer uma sobre-mesa e depois víamos um filme acomer pipocas. E quem cozinhapode escolher a música. Ouvíamosa BBC e o relato da bola.

A ligação com Cambridge é

para continuar?

É o ideal. Para sermos dos melho-res temos de trabalhar com os me-lhores. O que queremos, em termosde estratégia, em Portugal, é traba-lhar com os melhores - definimoscomo estratégia trabalhar com oReino Unido, Espanha e Brasil. Es-panha porque é aqui ao lado e já sãobons; o Brasil porque fala a nossalíngua, e o Reino Unido por que édos melhores do mundo. Tenho tra-balhado com eles desde sempre.Eles têm as bases, os navios. Têmuma infraestrutura que nos podeajudar bastante.

Depois dos vários programas

educativos, como o Latitude

60!, acha que há uma maior

recetividade em relação à ciên-

cia?

Essa parte de mostrar o que se fazé o teu dever como cientista. Paraseres pago pelos teus cidadãos tenso direito e o dever de mostrar essesconhecimentos. Se chegasse aqui,há dez anos atrás, nos sentássemos

aqui nesta mesa e dissesse queestudo pinguins na Antártida…

pronto, traz aí mais uma cer-veja que este gajo está bê-

bedo. Era impossível.Quebrámos muitas bar-

reiras psicológicas, mos-trámos que somos

muito jovens masmuito bons. Somosreconhecidos nacio-nalmente e interna-cionalmente, etemos essa preocu-pação educativamuito grande delevar a ciência atodos.

“A ciência que se faz no Instituto doMar da UC tem sido de excelência”

Filipe Furtado

Paulo Sérgio Santos

EntrEvista • José XaviEr, ciEntista polar

felipe grespan

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Não te prives12 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

Dez anosde lutacontra osilêncio e a privação Não Te Prives. Nome e desafio da

associação que desde 14 de fevereiro de

2002 luta por um abrir de olhos da

sociedade face aos direitos sexuais. Dez

anos depois, a legislação progrediu, mas

mantém-se a necessidade de insistir na

defesa do princípio da igualdade. “Quem

precisa de ajuda é uma sociedade que

discrimina”.

Por Ana Francisco e João Gaspar

u achava que era gayporque tinha sido abu-sado, mas depois percebique não e hoje sou ca-

sado com uma mulher e tenho dois fi-lhos”, testemunhava um jovem noinstituto Justiça e Paz, em 2001, aconvite de um pastor evangélico. O tí-tulo do debate já fazia antever a tó-nica do discurso -“Homossexualidade: doença ou pe-cado?”. Perante as convicções homo-fóbicas do pastor, numa das filas, umgrupo de homens, marcou a sua po-sição. Levantaram-se, viraram as cos-tas ao orador e saíram em fila,salientando a sua indignação atravésde uma postura corporal que preten-dia vincar a sua sexualidade. AnaCristina Santos, também presente nopúblico, conta este episódio que des-poletou a vontade de dizer basta.“Acabou-se. Acabou o tempo em queem Coimbra só se fala de homosse-xualidade nestes termos vergonho-sos”. Sem doença nem pecado, surgiuem 2002 a Não Te Prives, grupo dedefesa de direitos sexuais, que pre-tendia uma Coimbra mais diversa,que reconhecesse a diferença, as mi-norias sexuais e os direitos das mu-lheres. Para data de apresentaçãoformal foi escolhido o dia de São Va-lentim, visto como oportunidade paraabalar o pensamento heteronorma-tivo da sociedade. Tudo isto num pa-norama, segundo a presidente daNão Te Prives, Ana Cristina Santos,“bastante desolador”, onde a palavralésbica era tabu e a transexualidadenão aparecia no léxico da sociedade.

Dez anos depois, a Não Te Privesnota diferenças na população portu-guesa. Exemplos pequenos, mas quevão reforçando a abertura à liberdadede escolha de cada indivíduo. CristinaSantos lembra uma funcionária dobanco onde têm a conta do grupoque, depois de pedir informaçõessobre a Não Te Prives, se mostrou“bastante interessada” em conhecermelhor as atividades da associação.“Uma funcionária de um banco! Aquihá uns anos ficaria chocada”. Na re-prografia da Associação Académicade Coimbra (AAC) também fica o re-gisto de evolução: “Fui imprimir car-tazes e os primeiros que estavam na‘pen’ eram logo de uma campanha doDia de São Valentim, com estudantesuniversitários, gays e lésbicas, decapa e batina, aos beijos. A senhoranem piscou o olho”, recorda apresidente da associação.“Tudo isto são sinaismuito positivos demudança. Há vi-tórias todos osdias”, afirma.

A evoluçãolegislativaTambém nosmedia, CristinaSantos vê hoje umdiscurso mais cons-ciente e com uma maior sen-sibilidade: “nota-se uma evoluçãotremenda. As imagens que são esco-lhidas são menos estereotipadas, háuma maior preocupação em escolheros termos corretos e os ativistas sãovistos como fontes de informação”.Ainda assim, é inevitável encontrar,nas marchas do orgulho Lésbicas,

Gays, Bissexuais e Transgénero(LGBT), o estereótipo da transexualcom plumas – “uma imagem muitofestivaleira, de carnaval, que não de-monstra a diversidade das pessoasque participam”.

No plano jurídico também se ob-servaram grandes alterações nos úl-timos dez anos. O aborto foidespenalizado em 2007, o casamentohomossexual foi aprovado em As-sembleia da República em 2010 e, em2011, a Lei de Identidade de Géneropermitiu a mudança de nome e de gé-nero em Portugal. Contudo, segundoa docente da Faculdade de Economiada Universidade de Coimbra (FEUC),Virgínia Ferreira, é necessário que,para além das mudanças legislativas,haja uma consciencialização da so-ciedade para que estas sejam de factoseguidas. Este “processo longo e nãolinear” deve ser uma preocupação po-lítica, que incorpore “uma missão pe-dagógica de, a pouco e pouco, fazercom que as pessoas reconheçam a le-

gitimidade e racionalidadedaquela regulação”.

Apesar de se encon-trar nas leis “um

discurso apa-r e n t e m e n t eprogressista epermissivo”,a sociólogaconsidera que

tal pode não severificar na prá-

tica, classificandoa população portu-

guesa como “conserva-dora”.

Mobilizar a sociedadeEm dez anos de ativismo, CristinaSantos e Mário Dinis destacam doismomentos que consideram “marcan-tes” na história da Não Te Prives. Oprimeiro surge em 2004, na campa-

nha “Fazer Ondas”, em que a asso-ciação, em conjunto com outras três,convidou a Women on Waves paravir a Portugal com o seu barco-clí-nica, disponibilizando-se para admi-nistrar uma pílula abortiva àsmulheres portuguesas, numa alturaem que a lei criminalizava a inter-rupção voluntária da gravidez. Feitoem águas internacionais, vigorava,assim, a lei do país onde o barco es-tava registado, ou seja, a lei holan-desa.

“Teve uma grande repercussãotanto a nível nacional como interna-cional e o tema nunca mais saiu daagenda política até ter sido resolvidoem 2007”, atesta Cristina Santos,destacando o contributo que a Não TePrives deu para a maior campanhamontada em termos de mobilizaçãoda sociedade civil para um tema desaúde reprodutiva em Portugal. Ocaso foi também marcado pelo impe-dimento, por parte do Estado portu-guês, de o barco atracar em territórionacional. “Foi pior emenda que o so-neto, porque acabou por favoreceruma maior ampliação mediática”, ex-plica Mário Dinis. “Houve umagrande quantidade de pessoas que seligaram ao ativismo feminista ouLGBT, que começaram como volun-tários neste projeto”, conta Cristina.

O outro momento surgiu de umsonho, de uma quase “utopia” – or-ganizar uma marcha de orgulhoLGBT em Coimbra. A Não Te Privesjá coorganizava a marcha em Lisboa,desde o seu ano de fundação, con-tudo, em 2010, Coimbra viu as coresdo arco-íris invadir as ruas da cidade.“É comovente perceber-se a quanti-dade e diversidade de pessoas queaparecem na marcha”, afirma Cris-tina, salientando a dimensão cívicado evento que, a 17 de maio, se rea-liza pela terceira vez, em parceriacom outros agentes da cidade.

“E

A Não Te Prives é um grupo de defesa de direitos sexuais, que pretende uma Coimbr

“Há um discursoaparentementeprogressista epermissivo, masa população éconservadora”

d.R.

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14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 13

Não te prives

O impeditivo das institui-ções religiosasAs instituições religiosas apresentamtambém um entrave social, através deum discurso conservador que pro-move, de forma indireta, a discrimi-nação. Todavia, na Não te Prives,encontramos em dois dos seus fun-dadores, cristãos assumidos. MárioDinis e Cristina Santos frisam a in-fluência da religião no incutir de va-lores e normas adversos àhomossexualidade ou à emancipaçãofeminina. Porém, lembram que tudopassa pela “má educação religiosa”,como explica Mário Dinis: “é umagrande frustração ver que as institui-ções consideram que ser-se homos-sexual é um grande pecado”. “Nãosão os princípios cristãos, nem a bí-blia sequer, que criam impeditivos.Porque não se pode usar uma passa-gem para legitimar o meu precon-ceito, mas ignorar outra passagempor achar que levar chibatadas não écorreto”, exemplifica.

O discurso religioso “não é incom-patível com a liberdade de escolha,mas vários sofrem no silêncio, numahomofobia eternizada”, afirma a pre-sidente. Mário Dinis conta que mui-tas das pessoas tentam “passarcompletamente despercebidas na co-munidade católica”. Porém, a solu-ção, de acordo com Cristina Santos,“passa por combater esse silêncio emostrar diferentes caminhos”.

O contexto académicoEstando sediada em Coimbra, é im-possível afastar a Não Te Prives deum contexto académico, onde as tra-dições têm peso. “Por um lado esta ci-dade tem todo o potencial para seraberta, tendo uma população flu-tuante, mas por outro há uma coisachamada fado, cantado por homens,há a praxe e há dinâmicas de poder ehomofóbicas”, expõe Cristina Santos.

A também investigadora do Centrode Estudos Sociais (CES), apesar deconsiderar que há hoje um trabalhomais profícuo com a AAC, lembra queesta “não pode usar o seu poder sim-bólico só para dar estatuto, mas tam-bém para se envolver numa ótica deresponsabilidade social”.

A presidente do grupo lamenta quetenha havido episódios em que se for-maram “autênticos muros erguidos apartir da AAC” na questãode tentativas de par-ceria entre asduas institui-ções. A atualpres identedo conselhofiscal daNão Te Pri-ves e antigapresidente domesmo grupo,Magda Alves, re-corda situações cons-trangedoras aquando dasua passagem pelo dirigismo associa-tivo na AAC. Em 2004, ajudou a or-ganizar um movimento desolidariedade para com as mulheresque estavam a ser julgadas por teremabortado. Refere a sua ingenuidadeao ter colocado o seu número pessoalnos cartazes de divulgação. “Recebichamadas anónimas a dizer «tu é queés um aborto»”, conta. Já enquantomembro da direção-geral de Fer-nando Gonçalves, Magda promoveuum debate sobre a homofobia na uni-versidade, em que recorda que váriosdos cartazes foram rasgados pelospróprios membros da direção. Ape-sar da evolução positiva no panoramanacional, Magda acredita que, nos úl-timos tempos, “houve um retrocesso”no contexto estudantil: “eu não vejo,hoje, uma AAC a abordar estes temas,muito ou pouco, de forma emancipa-dora e assumindo-os como seus e não

indo a reboque de outras iniciativas”.Embora critique a posição da asso-ciação, enaltece o trabalho conjuntocom a Secção de Defesa dos DireitosHumanos da AAC, numa parceria noâmbito da Plataforma Anti-Transfo-bia e Homofobia.

Com uma população jovem, MagdaAlves vê em Coimbra potencial deabertura, contudo considera que énecessária uma maior componente

reflexiva no seio da academia,tanto em relação ao patri-

mónio histórico, tradi-ção, praxe ou fado.

“Reproduzimos es-tereótipos de gé-nero, lemos ahistória da uni-versidade de uma

d e t e r m i n a d aforma, ocultando

outras, não abrindobandeiras que podiam

ser mais e melhores”.

A sociedade é que precisade ajudaDe quando em quando, encontra-se overbo tolerar agregado a assuntos li-gados com a homossexualidade outransexualidade. Contudo, essemesmo verbo é rejeitado pela Não TePrives: “tolerância é paternalista.Quem tolera não é quem é igual”, as-segura a presidente do grupo. “Nãogostamos dessa palavra. Preferimosrespeito, defesa, aceitação – uma ló-gica de aprendizagem mútua”. ParaCristina Santos a diversidade tem deser reconhecida como valor.

E é nessa mesma lógica que Cris-tina Santos rejeita o rótulo de grupode autoajuda para a Não Te Prives.Daí a presidente deixar algo muitoclaro: “quem precisa de ajuda não sãoas pessoas lésbicas, gays, mulheres,quem precisa de ajuda é uma socie-dade que descrimina”.

oimbra mais diversa, que reconheça a diferença, as minorias sexuais e os direitos das mulheres.

“Tolerância épaternalista.Quem toleranão é quem éigual”

Uma associação que se quer de todos

Em 2001, o projeto começou a ser discutido por umgrupo de pessoas, muitas delas ligadas à academia.“Sentíamos a necessidade de ver espaços diversificadosna cidade, de haver um maior reconhecimento perante adiferença, perante as minorias sexuais, mas também emrelação aos direitos das mulheres”, explica a atual pre-sidente da Não Te Prives, Ana Cristina Santos. A ideiade juntar estes diferentes campos de ação num mesmogrupo de ativismo reside no facto de os processos de dis-criminação serem semelhantes. “O patriarcado, o ma-chismo, o sexismo, estão intimamente relacionados coma estigmatização de gays, lésbicas, bissexuais e transgé-neros”, conta a presidente.

A socióloga Virgínia Ferreira considera que esta asso-ciação “deu um contributo muito relevante para as ques-tões dos direitos sexuais e reprodutivos na cenacoimbrã”. “Foi fraturante o seu desenvolvimento, as suasimagens, as suas iniciativas”, reitera. Das campanhas eeventos organizados pela Não Te Prives, pode-se desta-car mensagens alusivas ao dia dos namorados, ciclos decinema, um debate sobre a presença das mulheres no as-sociativismo estudantil, conferências em torno do femi-nismo, coorganização da marcha do orgulho LGBT emCoimbra desde 2010 e da marcha em Lisboa desde 2002e sensibilização para a despenalização do aborto.

Ana Cristina Santos, sobre a associação a que preside,considera que a mesma “desconstrói o gueto: não temosapenas mulheres a lutar pelo direito ao aborto ou apenasgays e lésbicas a lutar pelo reconhecimento dos direitosdas pessoas LGBT”. Ou seja, sendo “uma questão de di-reitos humanos, diz respeito a todos”.

10 anos em 10 dias

14 a 23 (18h) Inauguração da exposição "Não te prives: 10 anos a mudar Coimbra" (Casa das Artes)

15 (18-20h) Debate 'Ligações Perigosas?' Ativismos eEstudos Feministas e LGBT (Casa das Artes)

16 (12h30) NTP na Rua: distribuição e colagem dematerial

18 (21-23h) NTP na Rua: distribuição de material in-formativo e de prevenção de IST's (Praça da República)

19 (16-18h) De pequenin@ se torce a discriminação:Sessão de contos inclusivos e pinturas faciais; parceriaPAHT (Casa das Artes)

20 (21-23h) NTP na Rua: distribuição de materialinformativo e de prevenção de IST's (Praça da Repú-blica)

21 (22h) Linguagens homo/eróticas e feministas- leituras (Bar Quebra)

23 (17-19h) Seminário sobre Sexualidade Queer eHomonormatividade; parceria Gender Work Series(Centro de Estudos Sociais)

24 (8-13h) Sessões sobre Violência no Namoro e(Des)igualdades de Género (Esc. Sec. José Falcão)

24 (20h) NÃO NOS PRIVAMOS! Jantar de encerra-mento com sorteio de Cabaz de Direitos Sexuais

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Cidade14 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

Rendas “incomportáveis” agravam negócios da BaixaComerciantes da Baixaqueixam-se de “rendasastronómicas” no rés-do-chão. Muitos preferemfixar-se no primeiro andarou fora do centro parafugir aos preços altos

“Rendas incomportáveis” e “pre-ços exorbitantes” - é desta formaque os comerciantes da Baixa da ci-dade classificam as rendas mensaisque pagam aos senhorios. Um pas-seio mais atento por esta zona con-segue denotar as várias montrascom a palavra de ordem “arrenda-se” e com os imensos números detelefone que pedem quantias astro-nómicas a quem queira abrir umnegócio. O presidente da Agênciade Promoção para a Baixa de Coim-bra (APBC), Armindo Gaspar, conta

que “há uns meses as lojas encerra-das representavam dez por cento”do comércio daquela zona. O presi-dente da APBC justifica os encerra-mentos com os preços praticados, oque faz com que os comerciantes“não tenham rentabilidade e porinerência de despesas acabem porfechar o estabelecimento”.

Soluções? Armindo Gaspar ex-plica que já foi feito um trabalho desensibilização com os senhorios,para baixarem ou aumentarem gra-dualmente os preços das rendas.Contudo, a maioria dos proprietá-rios não reside em Coimbra: “mui-tos estão no estrangeiro e nãovivem os problemas da cidade”, cri-tica o presidente da APBC. Outrasolução consensual para os comer-ciantes é o aumento do ImpostoMunicipal sobre Imóveis (IMI) aossenhorios que insistam em pedirvalores elevados e mantenham aslojas fechadas. No entanto, o verea-dor da Habitação da Câmara Muni-cipal de Coimbra (CMC), FranciscoQueirós, considera que “o aumento

do IMI só por si não resolve” estaespeculação. Queirós acrescentaque o agravamento do IMI já é umapenalização para os senhorios quenão fazem obras, mas “não tem sidosuficiente”, assegura o vereador.

Os comerciantes contam queatravés da APBC já fizeram chegar àCMC vários pedidos de ajuda parareavivar o comércio da Baixa.Porém, o vereador da Habitação la-menta que no caso das rendas ele-vadas “a autarquia tem muitopouco poder de intervenção”, vistoque são preços de mercado, relacio-nados com as leis em vigor. “É umaquestão do âmbito do Estado Cen-tral”, lastima Francisco Queirós.Ainda assim, o vereador adiantaque “a CMC tem que resolver rapi-damente as situações da Baixa”.Para tal, sugere que se “comecemde imediato as obras de requalifica-ção, para que Coimbra tenha o seucentro histórico reavivado”.

TestemunhosCom o pronto-a-vestir “Gang of

Four” na rua Visconde da Luz,Francisca Moreira decidiu fixar-seno primeiro andar, uma vez que arenda “ficava a um sexto” do quelhe foi pedido num espaço do rés-do-chão. A jovem comerciante con-testa que “há muita gente que nãoolha para o primeiro andar e não hámesma facilidade de as pessoas en-trarem”. José Alberto, sócio da loja“Festinoivos”, adquiriu um espaçona zona do Arnado e justifica: “nãoestou no centro porque as rendas láeram incomportáveis”. O comer-ciante prefere a descentralizaçãoaos “preços exorbitantes pedidos nocentro histórico que rondavam os5000 euros”.

O proprietário da loja “Casa dosEnxovais”, José Marques, não par-tilha do mesmo problema dos casosanteriores, uma vez que é o pro-prietário do prédio em que se situaa loja. Porém, faz questão de aler-tar para que “a Baixa está comimensos problemas de falta deobras”. Uma das proprietárias doestabelecimento “Rúben”, Cristina

Barreto, apesar de pagar uma rendaantiga, que considera “razoável”,afirma que se nota um “efeito de-gradado e deprimente nas lojas fe-chadas”. Armindo Gaspar lamentao facto de que “vai haver cada vezmais lojas encerradas”. José Mar-ques propõe que se abra de ime-diato esta zona ao trânsito, uma vezque “contribuiu para o melhora-mento do comércio”. Cristina Bar-reto faz também um apelo: “aspessoas tem que ter consciência deque quando vão ao “shopping”estão a enterrar o dinheiro em doisou três grupos grandes e contribuirpara os monopólios que tanto criti-cam”.

Com o Novo Regime do Arrenda-mento Urbano, que entrará emvigor em meados deste ano, o ve-reador da Habitação mostra-sepreocupado não só com o arrenda-mento de espaços comerciais, mastambém com o habitacional. “Temde haver um papel mais forte do Es-tado na regularização do mercadode habitação”, protesta.

Com as alteraçõesintroduzidas nostransportes municipais noinício deste ano, SMTUCreclamam progresso, masutentes queixam-se dealgumas falhas

“É um processo complexo”, afirmao administrador dos Serviços Muni-cipalizados dos Transportes Urba-nos de Coimbra (SMTUC), ManuelCorreia de Oliveira, referindo-se àsnovas alterações, nas tarifas e noscartões, introduzidas no início docorrente ano. Assim, Correia de Oli-veira faz questão de alertar que estáa ser um “processo gradual”, paraque os SMTUC possam informar as

pessoas e “evitar as anomalias quepossam surgir”. O administrador ex-plica que o novo sistema “é a últimapalavra em sistemas de bilhética e éutilizado pela maioria das empresasde transporte da Europa”. No total,este método está implementado em70 países, explica.

As grandes alterações prendem-secom o novo cartão intransmissível“Coimbra ConVIDA”, com o custo de50 cêntimos, que pode ser carregadocom três a 20 viagens. O passe, como mesmo nome e que serve paratodos os perfis, tem o custo inicial deseis euros, para além das mensali-dades de cada escalão. Segundo oadministrador dos SMTUC, estas al-terações servem para “evitar abusose para permitir números mais fiá-veis”.

Quando questionado sobre o au-mento dos transportes de Coimbra,inferior ao do panorama nacional,Manuel Correia de Oliveira res-

ponde: “a Câmara Municipal deCoimbra (CMC) entendeu que os ta-rifários são um dos apoios sociaismais importantes”, tendo subidoeste ano cerca de cinco por cento,valor inferior à média nacional. Cor-reia de Oliveira alerta ainda para ofacto de os SMTUC dependerem ex-clusivamente do município: “não re-cebemos mais nenhum tipo desubsídio ou apoio externo”.

Segundo o administrador aindanão é possível fazer um balanço dosutentes após as novas alterações,uma vez que “a implementação estáa ser feita de forma gradual” – noentanto, “a perceção é de que a pro-cura se mantém”.

Voz de quem viaja nosSMTUCCristina Santos, utilizadora fre-quente dos transportes públicos, dizque “as novas alterações são só para[os utentes] gastarem mais di-

nheiro”, uma vez que é necessáriocomprar o cartão e depois carregá-lo com as senhas. Gabriele Sifeli,também utente dos SMTUC, contaque com o novo cartão passou a sermais “difícil de comprar”, uma vezque antes a maioria das bancas dejornais tinham os antigos cartõesmagnéticos; o novo só pode ser ad-quirido nas lojas SMTUC. Para alémda dificuldade de acesso é tambémapontada por Cristina Santos a falhade os utentes não saberem quantassenhas têm ainda disponíveis. “Ométodo anterior era melhor”, asse-gura Cristina antes de sair apressadaapanhar o autocarro.

Manuel Correia de Oliveira ex-plica que, no caso dos estudantes, asnovas tarifas praticadas são respon-sabilidade da CMC, que contrariou adiretriz do Estado e comparticipa ospasses em mais 25 por cento do queo que se pratica no resto do país. Au-gusto Nunes conta que, ainda assim,

deixou de comprar o passe sénior“porque exageraram no preço”. “Hácada vez menos seniores nos car-ros”, observa.

Reclamações e InovaçãoO administrador dos SMTUC alertatambém para o facto de não se ex-tinguirem autocarros. Correia deOliveira afirma que se procedeu ape-nas a uma “adaptação e racionaliza-ção de horários”. Segundo Correiade Oliveira, é também necessário arenovação de frota – contudo, oapoio, proveniente do Plano de In-vestimento da Administração Cen-tral, não chega há dois anos.Quanto a inovações, os SMTUCapresentam projetos ambiciosos,como o Plano SanusMobilis, umprograma de mobilidade especialpara o Instituto Português de Onco-logia, para o Hospital Pediátrico epara o Centro Hospital Universitá-rio de Coimbra.

Utentes e SMTUC sem consenso quanto às novas alterações

Felipe Grespan

Os preços elevados cobrados pelos senhorios da Baixa, estão a contribuir para o encerramento de vários espaços comerciais da zona

Ana Morais

Ana Morais

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14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 15

Cidade

m junho de 2010, a Poce-ram, fábrica de produtoscerâmicos, enfrentava a li-

quidação. Em 2006, a Ceres, em-presa da mesma área, fechava. Emoutubro de 2001, marcava-se a fa-lência de uma das últimas grandesfábricas de Coimbra, a CerâmicasEstaco. Durante décadas, a cidadealbergou várias empresas da área, ede há 20 anos para cá que Coimbravê perder grande parte da sua in-dústria. Falências que, entre outrosvetores, vêm contribuindo para osnúmeros do desemprego, que asso-lam progressivamente o distrito. Se-gundo dados do Instituto doEmprego e Formação Profissional,Coimbra foi, entre agosto e dezem-bro de 2011, o segundo distrito dopaís que mais viu crescer a sua taxade desemprego em relação aomesmo período do ano anterior. Nú-meros que escondem uma realidadequalitativa ainda mais dramática eque espelham a escalada descen-dente da economia.

Pedro Araújo, investigador doCentro de Estudos Sociais da Uni-versidade de Coimbra, fez do encer-ramento da Estaco um estudo decaso. “Os 45 anos são um ponto deviragem para o recrutamento no tra-balho”, assegura. O investigadorfala, assim, de uma “resignação re-cíproca” por parte dos serviços doEstado e dos trabalhadores no quetoca à reintegração dos desempre-

gados no mercado de trabalho.A mesma realidade repete-se

agora: dos cerca de 7000 desempre-gados só no concelho, 3137 têmentre 35 e 54 anos. O representanteda União dos Sindicatos de Coim-bra, António Moreira, compõe estecenário: “nos últimos 15 a 20 anos,a cidade perdeu 150 empresas de re-ferência, que atiraram para o de-semprego mais de 6000trabalhadores”. E, “por causa dacrise económica”, lamenta PedroAraújo, “os primeiros a sofrer sãosempre os trabalhadores mais ve-lhos”.

Situação transversal naeconomia“Desde cabeleireiras e contabilistasa pequenas oficinas automóveis:todos estão a atravessar uma gravecrise, pois estão associados ao nívelde consumo das famílias”, enumeraPaulo Mendes. Assim, o presidenteda Associação Comercial e Indus-trial de Coimbra não se inibe deapontar o comércio e os serviçoscomo áreas que mais vão atirandotrabalhadores para o desemprego.António Moreira expande a análiseao distrito e não esquece que “o en-cerramento dos estaleiros [navais daFigueira da Foz] foi determinante”.Outra parcela significativa destesnúmeros é preenchida por docentesque não conseguiram colocação eque no último ano fizeram, segundo

Moreira, “disparar” a estatística.

1500 de Coimbra em LisboaNa manifestação nacional do pas-sado dia 11, no Terreiro do Paço, emLisboa, a representação de Coimbra

fez-se sentir, rondando os 1500 par-ticipantes. A presença fez-se, emmaioria, por faixas etárias afastadasentre si, das quais emergem diferen-tes perfis de desempregado. O perfilmais recente desenvolve-se entre osjovens, como lamenta António Mo-reira: “têm qualificações altíssimas,a atividade que desenvolvem não é

compatível com o seu grau de for-mação e são-lhes oferecidos saláriosmuito baixos”. Pedro Araújo re-sume: o desemprego “é uma reali-dade muito complexa. Quando secriam medidas destinadas a um de-terminado perfil de desempregado,quem é que se está a deixar de fora,quem é que se está a incluir?”.

ana MOrais

Transversal à economia, a Coimbra eàs pessoas

Os cartazes e palavras de ordem referentes ao desemprego fizeram-se notar no Terreiro do paço

Desemprego

indústria, comércio, serviços – a crise é transversal a todos os setores económicos. de jovens qualificados adesempregados já à espera da reforma, a cidade torna-se o reflexo da realidade nacional e complexa do desemprego. É pelos seus números que, em 2011, Coimbra se destaca. Por ana Morais e inês amado da Silva

deSeMPregAdoS nA PriMeirA PeSSoA

“estou sem emprego há um ano emeio. Antes de estar nesta situa-ção trabalhava na Marcopolo, umafábrica de carroçarias. A empresaera em eiras, mas fechou emagosto de 2009 e, ao que parece,mudaram a fábrica de sítio. Apesardisso, pagaram-me tudo, não meficaram a dever nada. desde aí játenho procurado emprego, umpouco por todo o lado, duranteeste ano e meio. Procuro sobre-tudo na área da soldadura, que eraonde trabalhava. estou no fundode desemprego, recebo o orde-nado e até já fiz um curso. no en-tanto, continuo à espera, tenhotentado todos os dias. eu em casanão faço nada”.

Mário vilAS

46 AnoS

“estou à procura do meu primeiroemprego, para que possa pagar aspropinas no próximo ano letivo, oque até agora ainda não consegui.É me impossível pagar as propinasde outra forma, mas temo que senão é possível agora, para o anoseja mais complicado. Procuro emtodas as áreas, tenho enviado cur-rículos para todo o lado, desde‘call centers’ a centros comerciais,tudo o que der. tenho procuradosó na cidade, porque como nãotenho automóvel não me consigodeslocar para a periferia. estamostodos a sentir um grande aperto.Apelo aos nossos governantesque reparem que nós não somosnúmeros, somos pessoas com di-reitos”.

estou desempregada há seis anos,desde que fui dispensada do Hoteldas termas da Curia, depois deestar de licença de maternidade daminha filha mais nova. quando re-gressei, já não me quiserem nomeu posto de trabalho. trabalheilá 17 anos, não tinha folgas e feria-dos e depois de ter a minha filha,fui sacudida. Já procurei mais em-pregos mas não tenho conseguido,porque tenho filhos pequenos e ospatrões querem que esteja sempredisponível para entrar a qualquerhora. Já não recebo o subsídio dofundo de desemprego, o meu ma-rido não recebe desde novembroe tenho que manter 3 filhos. Émuito difícil, o governo devia olharmais às dificuldades das famílias.

CAtArinA Albuquerque

18 AnoS

AldinA SilvA

41 AnoS

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16 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

PAís

A reestruturação da dívida tem vindo a sercontrariada por Portugal.Contudo, perante aameaça de um novo resgate renegociar podeser a solução

Ser um bom aluno implica orga-nizar, ter método e fazer cumprir assuas obrigações. Esta conotaçãotem vindo a aplicar-se a Portugalpara ilustrar a condição em quevive relativamente à sua condiçãoeconómica. A dívida pública e pri-vada portuguesa alimentam o quo-tidiano de milhões de portuguesesque veem ameaçada a segurançaeconómica nacional. Porém, en-

quanto a maioria pensa que a dí-vida deve ser totalmente saldada,outros há que defendem uma rene-gociação desta.“A melhor ferramenta é ir contra osenso comum e combater o mito”,defende a economista MarianaMortágua. O senso comum é aconsciência geral de que é necessá-rio saldar toda a dívida que Portu-gal contraiu e que agora se afrontapelo resgate financeiro onde o cre-dor é uma entidade a que todosapelidam de troika (Banco CentralEuropeu, Fundo Monetário Inter-nacional e Comissão Europeia). Àescala mundial existe a perceção deque “toda a dívida é imoral e preju-dicial ao Estado”; “a austeridadeera inevitável” e “os sacrifícios com-pensam”,no entanto, nas palavrasda economista, a dívida é um ins-trumento para o Estado. “Injetaeconomia quando ninguém o faz”,clarifica e acrescenta que este é o

primeiro mito a desconstruir.A premissa da renegociação da dí-vida ou reajustamento do plano fi-nanceiro aplicado a Portugal chegaporque nem toda a dívida contraídaé explícita. “O que contribui são osfossos das empresas públicas”, de-signa o também economista e in-vestigador do Centro de EstudosSociais da Universidade de Coim-bra (CES), José Castro Caldas. Afalta de transparência na apresen-tação da nascente da dívida levou àcriação de uma comissão para a au-ditoria cidadã à dívida pública por-tuguesa, para segundo o mesmo“dar consciência às pessoas do quede facto temos pela frente”.

Iminência de um novoresgateO contrato entre credor e devedordeve ser legitimado como umacordo de obrigações mútuas. To-davia, os juros praticados pelo em-

préstimo da troika ascendem aquase metade do valor total : 34, 4milhões de euros dos 78 milhõesconcedidos são o pagamento dejuros do mesmo. E daí surge estanecessidade em renegociar o paga-mento, porque “a dívida está a seramortizada por quem beneficiou”,esclarece o economista do CES. Adívida, seja de que índole for, “nãopode conduzir à servidão do deve-dor”, ressalva.“É no plano jurídico e mental que

se desenvolve esta batalha”, justi-fica Castro Caldas. Assim, se seclassifica o não pagamento de umaparte da dívida como uma luta, ocaminho feito até agora “não nosleva ao pagamento da dívida”,acrescenta. Um novo resgate finan-ceiro segundo os entendidos podeestar à porta em 2013 quando oatual acabar: “acaba o dinheiro e sea situação for homóloga os dadosestão lançados”, remata o econo-mista.

m prol da competitivi-dade e produtividade dotrabalho em Portugal. Ainscrição da nova altera-

ção ao código de trabalho presentena proposta de lei 53/2011 pressu-põe mudanças estruturais em ter-mos de causas de despedimento ecompensações remuneratórias.Muitos se debateram por mutaçõesao nível do aumento de uma possí-vel meia hora de trabalho, por umreajustar do salário nacional, e poruma maior transparência nos con-tratos. Colocar o “desenvolvimentodas empresas portuguesas, ao níveldo quadro que muitas das suascongéneres europeias dispõem”,como afirma o dirigente da Confe-deração da Indústria Portuguesa(CIP), Gregório Novo, é o pacto tá-cito desenvolvido num acordo deconcertação social. Este, gerou de

igual modo uma extensa discussãoentre os representantes do execu-tivo e unidades sindicais.“São precisos objetivos realistas,razoáveis para um trabalhadormédio, não para um super

homem”, atenta o professor da fa-culdade de direito da Universidadede Coimbra, João Leal Amado. Àmargem de uma conferência sobreas alterações em matéria jus labo-ral, o docente abordou a temática

dos objetivos a que cada trabalha-dor se sujeitará a cumprir aquandoda sua contratação. E a possibili-dade de despedimento por incum-primento cabe na nova formulaçãoda lei. O mesmo, acredita que osobjetivos fundam “o despedimentoe não uma possível retribuição”. Oempregado aproxima o seu con-trato deste modo a uma possívelprestação de serviços ao concedera fixação ao empregador. “O traba-lhador adere, o empregador fixa”,esclarece Leal Amado.Pela cessação de contrato chega odespedimento. E encontra novoscontornos. A inaptidão ou falta decompetências para corresponderao pretendido são justa causa. No-meia-se a incapacidade tecnológicaou de equipamento para exemplo.“O despedimento objetivo passa asubjetivo”, levanta o docente.

“Facilitismo. Não sei o que isso é”.Gregório Novo vai de encontro àopinião de Leal Amado e não en-contra subjetividade no terreno dodespedimento. Acredita que temde haver uma conjugação de esfor-ços para desenvolver as empresase criar novas. “Não há outra alter-nativa, escusam de andar a inven-tar”, esclarece. Dada a conjunturaatual é preciso ousar e a competi-tividade é condição obrigatória: “senão a tivermos é como se nascêsse-mos para a curto prazo morrer”,conclui o representante da CIP.

Rigidez laboral“O emprego é um bem escasso”, re-pete o docente de direito do traba-lho. Todas as reformas têm emvista o melhoramento e a correçãode desacertos já calculados, sendoque a globalização transforma a lei

de mercado num “mercado deleis”, declara João Leal Amado.Sendo uma imposição, a reformateria obrigatoriamente de ser feitae “é muito mais que as alterações àlegislação laboral”, justifica o re-presentante da CIP. O mesmoadianta que “ainda há muito porfazer”.Esta é a terceira revisão ao códigode trabalho português que data de2003. Vem no momento onde acontenção é a palavra-chave nopaís. Imposta no memorando deentendimento e flexibilizando omercado de trabalho, a mesma au-menta a preocupação no que con-cerne aos contratos a termo, e atémesmo às situações precárias emque milhares vivem: o empregadorresolve não assinar o contrato doassalariado e limita grosso modo asoportunidades de trabalho.

alteração legislativa ao código de trabalho prejudica a criação de emprego

Renegociar a dívida portuguesa pode impedir novo empréstimo

A legislação da reforma laboral deixa delado medidas de criação de emprego

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Liliana Cunha

Inês BaçreIra

Código do Trabalho

Novos contornos laborais são reformulados perante uma obrigação prevista no memorando de entendimentoportuguês. As recentes alterações na causa do despedimento, e a estipulação de objetivos a que o empregado sepredispõe a acatar, colocam a precariedade e a falta de emprego em evidência, mais uma vez. Por Liliana Cunha

E

“Não há outra

alternativa,

escusam de andar

a inventar”

- Gregório Novo

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14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 17

MUNdo

elas nove horas damanhã de quarta-feira, aLota da Figueira da Foz

encontra-se quase deserta. Esta-mos em época baixa da sardinhae os pescadores não andam muitoao mar. Entre dois armazéns,correm-se uns largos metros atéencontrar Paulo David e Fer-nando Santos, ambos pescado-res. Era no entanto entre asamarras e as cordas, em terra,que esperavam o final do seu dia.

Trabalham madrugada fora,pescam consoante as quotas, pes-cam excedentes. Quando é assim“sai borda fora. E peixe jámorto!”, confirma Fernando San-tos. Se o trabalho é desvalori-zado? “Claro. A gente apanha opeixe para depois o deitarmosfora? Há muita gente que precisade comer”. “O trabalho acaba porser desvalorizado porque é ummal que é feito”, acrescenta PauloDavid. “A gente não sabe paraonde é que o peixe vai”. Fer-nando Santos propõe uma solu-ção ao peixe que se encontraainda em condições: “devia-seajudar instituições”. Quanto aprejuízos, Fernando Santos acre-dita que os mesmos se irão sentirnas gerações futuras. “Vamospara o mar e temos de apanhar oque vem à rede”, finaliza o pesca-dor.

Já dizia o ditado: tudo o quevem à rede é peixe. Mesmo o ex-cesso. Mesmo que depois re-gresse ao mar. “Excesso de pesca

há sempre, houve sempre e vaihaver sempre”, começa por afir-mar o professor do Instituto deCiências Biomédicas Abel Salazar(ICBAS) e também diretor da Es-tação Litoral da Aguda (ELA),Mike Weber. Desde logo o pro-fessor alerta para um “futurodramático”, notando que se es-tima que em 2030 a populaçãomundial irá chegar aos oito milmilhões e com isto não haverá sa-tisfação no consumo.

Com uma visão mais otimista,o também professor do ICBAS eespecialista em qualidade de pes-cado, Paulo Vaz Pires, não consi-dera que estejamos atualmente aviver uma sobre-exploração dosoceanos, acreditando que amesma tem sido até, nalgunscasos, menor: “Na maior partedos casos os recursos estão a es-tabilizar”, assevera. Não ex-cluindo que “os desperdícios nãosão aceitáveis”, o professor realçaque devido às tecnologias de ex-tração “apenas os podemos redu-zir”.

Sistema de quotas Para qualquer caso de exploraçãode recursos há regulamentos decontrolo. É então que entra aquestão do atual sistema de quo-tas e de outras medidas de regu-lação de stocks. “O que temosatualmente é o resultado de umaevolução bastante longa quehouve na tentativa de gerir osstocks de pesca existentes”,

expõe o docente do ICBAS, Antó-nio Afonso, que acredita ser a so-lução das quotas a “maisrazoável” apontada ao longo dotempo.

No entanto, são apontados de-feitos e falhas a este sistema. “Éclaro que quando estas regras sãoimpostas e se começa a funcionarcom elas, começa-se a perceberque tem pequenas falhas quedevem ser corrigidas”, constataAntónio Afonso. Paulo Vaz Piresvê o sistema de quotas como“pouco equilibrado e com gravesdefeitos” lembrando, aindaassim, que estas não são as úni-

cas medidas disponíveis: “Tam-bém já temos as redes, as licen-ças, já há o ato de embarcações einspetores na zona dos barcos”.

UE:Política Comum dePescas Posto que não há nenhuma regraque impeça o pescador de voltara deitar o peixe ao mar, sobre osresponsáveis pela PolíticaComum das Pescas, AntónioAfonso remata: “Se a Comuni-dade Europeia, permitir que ve-nham peixes não aceitáveis outamanhos não indicados que pos-sam ser desembarcados, esse

seria o princípio do fim da regu-lação de stocks”. Questionadosobre se deveria haver uma re-forma da Política Comum de Pes-cas, António Afonso é assertivo:“Tem de haver em permanência”.

Numa espécie de apelo, o do-cente dirige-se à ComunidadeEuropeia: “Que continuem a es-tudar a melhores formas de orga-nizar e de criar regras melhorespara que as pescas não sejam umdesastre na altura dos nossos fi-lhos!”

Campanhas e medidascontra o desperdício Em 2010, chega a Portugal umacampanha de sensibilização con-tra a prática de deitar peixe con-sumível ao mar – Fish Fight.Confrontado com a dúvida faceao impacto deste tipo de iniciati-vas de opinião pública, AntónioAfonso determina-as como “es-senciais”, uma vez que “ajudam apressionar as autoridades paraque estas encontrem soluçõesmelhores”.

A participação de programasinternacionais “para garantiruma pesca sustentável”, a erradi-cação da pesca clandestina, a re-visão da pesca e a proibição damesma em determinadas zonas,são algumas das medidas pro-postas pelo diretor da ELA paraatenuar o desperdício. Paulo VazPires acredita na colaboração econcordância dos pescadorescomo “a melhor opção”.

No mundo inteiro, o desperdício de peixe ronda os 27 milhões de toneladas. 23 por cento do peixe capturadonas águas da União Europeia é deitado ao mar já morto, o sistema de regulação de quotas é falível e a reformada Política Comum de Pescas é um processo que deve estar em constante adaptação. Por Maria Garrido

marIa garrIdo

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marIa garrIdomarIa garrIdo

O excesso que vem à redeé peixe

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arTes18 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

filme com mais nomea-ções para a cerimóniade entrega dos Óscares

deste ano foi rodado em 3d, estárepleto de cor e foi realizado porum dos maiores nomes do cinemacontemporâneo. Atrás dele, e comapenas uma nomeação a menos,encontramos um filme mudo, ro-dado a preto e branco e cujo reali-zador é um ilustre desconhecidooriundo de frança. “o Artista” chega-nos da cabeçade michel Hazanavicius e fala-nos, nem de propósito, de umactor que se vê confrontado comos avanços tecnológicos da 7ªarte, sendo completamente mar-ginalizado por uma indústria quevê os actores como meros adere-ços e não como uma parte fulcralpara o sucesso de um filme. Im-porta acrescentar que estamos nomaravilhoso ano de 1927, alturaem que se passou a poder verbali-zar todas as emoções que, atéentão, eram apenas expressascom linguagem corporal e cartões

de texto. Confesso que me encontravaapreensivo, antes de chegar à salade cinema. É que ainda são 111minutos e mesmo os filmes daépoca raramente chegavam a umahora. no entanto cheguei ao fimde ”o Artista” com a verdadeiranoção de ter visto algo de comple-tamente novo, uma reinvenção docinema com um olhar sobre o pas-sado e que realçou a importânciado actor como chave no processode contar histórias. Há um cui-dado minucioso no aspecto cénicoque nos emerge naquele mundoque é assumidamente artificial,mas que não aspira a outra coisa.sentimos uma ligação especialcom cada cena, que a voz não énecessária e porventura até seriavista como intruso. Cada passo decada actor é estudado ao milíme-tro e é impossível não ficar mara-vilhado com a força que umasimples expressão pode carregarquando usada na altura certa.

Grande parte da magia do filmetem que ver com a escolha de Jeandujardin para interpretar a per-sonagem principal. michel Haza-navicius já tinha trabalhado comele na série de filmes “oss 117”,uma espécie de “Get smart” fran-cês, e é fácil perceber a razão daescolha para este papel. um ti-ming cómico exímio que não ficaatrás de Charlie Chaplin ou bus-ter Keaton. Quem surge aquicomo uma surpresa é John Good-man e James Cromwell. Há muitoque pareciam apagados e renas-cem aqui com as interpretaçõesda vida deles. o mesmo não sepode dizer de malcom mcdowell,que continua a ser a incógnita dofilme, com apenas três esquecíveisminutos em ecrã.“o Artista” é um dos melhores fil-mes dos últimos anos, não precisade um enredo complexo nem dediálogos pretensiosos. faz-noslembrar de tempos mais simples,que nos faziam sonhar e quandonada mais importava.

o artista

Cin

em

a

sem palavras

CrítiCa de josé santiago

de

MicheL hazanavicius

Com

Jean DuJarDin

Bérénice BeJo

John GooDMan

2011

ic semper tyran-nis”, grita o re-belde à saída doford theatre - o

presidente foi morto. Redfordaborda aqui um tema sensível,mas não lhe dá a fantasia he-róica que marca este tipo deproduções, trata-se de umimenso drama que opõe a ne-cessidade de um bode expiató-rio e o respeito pelas leis daConstituição.

Apanhada entre um grupo deconspiradores e um tribunalmilitar sedento de vingançaestá mary surrat (RobinWright), dona de uma pequenapensão, palco de diversas reu-niões secretas dos Confedera-dos, entre os quais o seu filho.Lincoln é assassinado, os cri-minosos capturados e imedia-

tamente ligados à sua casa.Para a defender, surrat contacom frederick Aiken (JamesmcAvoy), um herói de guerraque pretende subir no mundoda política. Como a restante co-missão encarregue de julgar osarguidos, Aiken não duvida daculpa de mary surrat no assas-sinato e, só depois de algumconflito interior, se dispõe to-talmente a defendê-la.

o julgamento é todo ele pre-parado, encenado e conduzidopara uma resolução rápida quealivie o povo em luto. A frus-tração acompanha mcAvoy,aqui numa bela actuação, quevê todos os seus passos obs-truídos e a sua vida pessoalafectada. A solução passa porprovar a culpa de John surrat,filho de marry, entretanto fu-

gido. o advogado conseguemesmo obter um novo julga-mento civil para a sua cliente,mas surrat acaba por ser en-forcada, ao passo que o seufilho escapa a semelhante des-tino. bastante acurado em ter-mos históricos e com umelenco que não encanta mastem o seu valor, surpreende afalta de atenção dada pela crí-tica internacional a este filme.

em tempo de guerra, as leissão esquecidas, a películaenche-se de sátira a uma socie-dade que se vê pioneira na de-fesa dos direitos humanos,cumprir as leis passa a ser umaopção na gestão do país. Ironi-camente, Lincoln, o Presidente,enviou milhares para a prisãosem julgamento prévio.

Linchamento formal

a Conspiradora ”

joão Valadão

“ o

“s

ve

r

Artigo disponível na:

filme

De

RobeRt RedfoRd

eDitora

Zon Lusomundo

2011

Page 19: Edição 240

FeiTas14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 19

té hoje, o conceito debanda de Hip-Hop foisempre olhado de sos-

laio pela crítica. ora pela escas-sez de bons exemplos, ora pelainterpretação de banda comosendo uma negação às raízes deum movimento que nasceu,quer queiramos, quer não, dodJ.talvez por isso, the Rootssejam um caso irónico ao sim-bolizarem uma das grandes ex-cepções a esse estigma. Aindaassim, se para muitos the Rootssão sinónimo de inegável quali-dade, não deixa de ser curiosoque, para a grande maioria,ainda se tratam apenas dos“tipos que tocam no programaJimmy fallon”.em dezembro, e praticamenteno fim do seu 24º ano de car-reira, a banda liderada por ?ues-tlove (bateria) e black thought(mC) editou o disco “undun”, o10º da sua já longa carreira. o

título do álbum é retirado do nome de um tema da banda derock canadiana “the Guess Who”. À semelhança do tema quedá nome ao disco, também o mesmo se baseia em alguém que,por circunstâncias quotidianas, foi chegando tarde demais às“boas” escolhas da vida. esse alguém é apelidado de Redfordstephens, numa referência assumida ao tema “Redford” desufjan stevens.este álbum é um regresso àquilo que é a grande essência doRAP: a mensagem. em “undun”, somos presenteados comuma história que poderia perfeitamente ser um argumento,razão pela qual a banda tenha feito uma curta-metragem emjeito de antecipação do álbum. A história de Redford é contada de forma inversa, começandocom o seu fim e acabando no início do sofrimento, numa claratentativa de passar a mensagem de que, por vezes, a morte émenos triste do que as circunstâncias que levam à mesma.Apesar de se tratar de uma personagem pintada no já costu-meiro cenário de drogas, crime e degradação social, não existequalquer tentativa de juízo de valor, mas sim uma vontade demostrar o que Redford vai sentindo no seu constante duelo:vontade de fazer bem Vs falta de opções.A responsabilidade pela base instrumental ficou maioritaria-mente a cargo de ?uestlove. magistralmente planeados e exe-cutados, é notória a presença de estilos tão característicoscomo a soul, o funk, bem como o “boom-bap” clássico do RAP.

arra a lenda de qualquercorporação de mecânicos,suficientemente míserapara no seu iletrismo viver

de lendas, que, no méxico, os merce-des são já vendidos com a garantiadas peças de substituição (uma sin-gularidade local, sobrevinda do paíscom o maior mercado negro de peçasde transportes alemães).

“Canções mexicanas” é um merce-des, um desses mexicanos, cujos gi-cleurs, estequiómetros e demaispeças impronunciáveis foram repar-tidos pelas diferentes feiras do país.É o turista europeu a quem, depois dedespojarem o mais ínfimo bem ma-terial, desconchavaram o corpo numnúmero infinitivo de partes, dei-xando as miudezas à mercê dos ratosgigantes da Praça de Zócalo. É ummanto de pequenos retalhos narrati-vos, diferentes no seu estilo e na suaabordagem, mas que opera como umcorpo articulado que se move no seutodo.

está longe do registo documentalde “Viva méxico”, da Lucas Coelho,ou do “méxico Insurgente”, do Reed,até porque não é esse o seu propósito.Relaciona-se mais com um exercícioficcional de paradoxos e intersecções,onde Lisboa e a europa se cruzamcom as ruas dos ditadores da Cidadedo méxico. onde se dança para nãomorrer – aquele ponto de equilíbrio

entre a tarantela e a tarântula. ondeprostitutas baratas revelam-se asmaiores devotas de Cristos negros. eonde a desgovernada lei da armamais forte inspira as indagações deanões intelectuais. tudo isto comple-mentado pelas mais variadas refe-rências culturais – como diegoRivera ou Heródoto – e religiosas.

Gonçalo m. tavares é, bom..., Gon-çalo m. tavares. não requere pro-priamente apresentações – daquelasque ilustram marcadores de páginasou as contracapas das edições maismanhosas. e está todo plasmado aolongo das diversas páginas de “Can-ções mexicanas”: a ironia das contra-dições rotineiras, o elogio doantilogismo do pensamento, o impe-rativo da indiferença dos elementos,ou a construção empírica da narra-tiva e do quadro das representações.

no fim, apenas algo subsiste – alinha que perdura pelas diferentescurtas histórias que compõem toda aobra, a loucura que percorre todas aspersonagens e elementos, aquele sen-timento que arremessa o leitor paraum miscigenado de amargura e vaziosufocantes. e um país inteiro – nadamau para quem se propõe a traçá-losem o conhecer – que o autor, no altoda sua frialdade resume a um simplescomponente, a um peso, 100 gramas.500, talvez.

série “uncharted” parece se-guir as modas: copia o tiroteiomilitar de “Gears of War”, a pi-rotécnia feérica de “Call of

duty” e o combate de “Arkham Asylum”.só que ao invés de se inspirar em imagi-nários adolescentes – space ‘marines’brutamontes, romances tom Clancy,‘comic-books’ inconsequentes – prefererecuperar o género da grande aventura,honrando lendas histórico-literárias deheróis como francis drake ou Lawrenceda Arábia, e bebendo inspiração despielberg, com “Indiana Jones” comofoco central. É essa a sua marca de su-perioridade: Amy Hennig (“Jak anddaxter”) tem a coragem de ir buscar re-ferências mais nobres, de dar umas pis-cadelas de olho ao cinéfilo atento, e deesboçar personagens com densidade ecarisma, ao mesmo tempo que discursanum registo popular. onde outros seregem pelo mais primário funcionalismolúdico, vergando-se perante a falta decultura das audiências de massas, Amy ea equipa da naughty dog preferem im-buir toda a experiência numa aura demagia e grande espectáculo que evoca aépoca de ouro do ‘blockbuster’.

mas nada disso é novo; nesta sequela,o grande avanço faz-se no domínio dassequências cénicas, que vão além da ex-citação de montanha russa. embora se

mantenham momentos de acção empol-gante (por exemplo, na magnífica fugade um cruzeiro a afundar-se, em memó-ria do esquecido “septentrion”), tam-bém se tentam capturar sentimentoscomo a fragilidade ou ingenuidade in-fantil. “uncharted 3” agarra o jogador nabase de um leque emocional vasto, de-monstrando um desejo sincero de con-tar histórias juvenis, mas ricas empersonagens de carne e osso e culturagenuína. sente-se no trabalho de inves-tigação que está subjacente às reprodu-ções dos opulentos cenáriosarquitectónicos e naturalistas, repletosde história e mitologia; sente-se na su-perior animação das personagens, comum nível de expressividade emocionalque não se via desde “shadow of the Co-lossus”; e sente-se na banda sonora, quefaz lembrar os tempos mais áureos deJohn Williams. “uncharted 3” quer serentretenimento, mas para isso não ab-dica de ser adulto e sofisticado, pri-mando pelo bom gosto, pela estéticacuidada, pela tecnologia mais progres-sista e pela busca do detalhe narrativomais tocante. e como já não se fazemblockbusters assim - quanto mais video-jogos - restam poucas dúvidas que o fu-turo do entretenimento digital passa poresta série.

oUvir

de

GonçaLo M. Tavares

editora

reLóGio D’ÁGua

2011

de

unDun

editora

DeF JaM

2011

the roots”

Carlos Braz

Artigos disponíveis na:

nCanções mexicanas”

rUi CraVeirinHa

niCole ináCio

Uncharted 3 drake’s deception”

JoGar

a nova Fábricade sonhos

GUerra DaS CaBraS

A evitar

fraco

Podia ser pior

Vale a pena

A Cabra aconselha

A Cabra d’ouro

ler

Por fazer?

A

conturbação detumultos

Plataforma

Ps3

editora

scee

2011

A

Page 20: Edição 240

SolTaS20 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

uma ideia Para o enSino SuPerior

a unIversIdade, os “IndIgnados” e os contrIbuIntes

João SouSa andrade • ProfeSSor de eConomia na feuC;

O nosso sistema do en-sino superior público fun-ciona em auto-gestão e

esta situação dá-lhe característicaspróprias. A experiência generalizadade auto-gestão verificou-se na extintaJugoslávia, sistemas deste tipo subs-tituem a eficiência produtiva pela ma-nutenção do emprego. A primeira

característica da gestão da Uni-

versidade é que esta funciona,em primeiro lugar, para garantir o

emprego dos seus docentes e au-

mentar a influência interna de

grupos de disciplinas, área científi-cas, ou outros tipo de grupos. A se-gunda característica é aradical negação de

que a Univer-

s i d a d e

p o s s a

estar in-

s e r i d a

n u m

m e r -

c a d o .

R e c u -s a re s t ai d e i a ,c o magres-

sividade, é a forma mais prática denegar qualquer papel à procura dosserviços que a Universidade presta.

A caracterização que faço da insti-tuição universitária não invalida a ob-rigação moral que a maioria dosdocentes se atribui, de ensinar e in-vestigar o melhor que pode e ter or-gulho no seu trabalho.

A nova lei da organização do

ensino superior veio dar roupa

nova a um corpo que continua

velho de séculos. A entidade paraacreditação de cursos dos vários ci-clos é certo que racionou o cresci-mento da oferta, mas ela não sedestina a alterar o comportamento

que deriva daquelas característi-cas, continuando a privilegiar

exclusivamente a oferta. Aomesmo tempo, esta nova

lei, ao reduzir a quase

nada os departa-

mentos eliminou o

que havia de revolu-

cionário na Re-

forma Veiga Simão.

O grupo com coerênciacientífica que forma abase da Universidadede investigação, tipo

anglo-saxónica, foi purae simplesmente extinto.Restam os outros grupos

e os seus interesses.As famílias in-

vestem, no mí-nimo, durante

5 anos (1º e2º ciclos) emf o r m a ç ã o

que, porvezes, as o c i e -

dade não reconhece com qualquerutilidade, porque não a tem em abso-luto ou corresponde à acumulação deexcedentes. Os jovens acabam por

descobrir, quando chegam ao

mercado de trabalho, que per-

deram os seus melhores anos e

as famílias, que esbanjaram inu-

tilmente os seus rendimentos.

Entretanto, os contribuintes su-

portam o desperdício finan-

ceiro.

Não compete ao governo,

como representante dos eleito-

res, zelar pela aplicação dos

euros dos contribuintes e infor-

mar os jovens e as famílias do

que poderão ser escolhas desas-

trosas? O governo não o faz no

que respeita à Universidade! E aautonomia universitária? Na vertentecientífica e pedagógica deve ser into-cável. Na vertente financeira lembre-mos que a Universidade não temmandato de soberania sobre o di-nheiro dos contribuintes. Tantoquanto sei é o governo, prestandocontas à Assembleia da República,que o detém. A formação de jo-

vens em áreas sem empregabili-

dade é da responsabilidade da

Universidade e do governo: osprimeiros porque decidiram e os se-gundo porque fingem que nada veem.Os jovens que foram "enganados"com formações inúteis têm o direitode ser ressarcidos e, pelo menos, têmo direito de frequentar de novo, e gra-tuitamente, a Universidade. O mí-nimo que devemos exigir é que asfamílias sejam informadas do que aspode esperar e que os contribuintesvejam que o seu dinheiro é aplicadocom responsabilidade.

maiS que um PraTo

Com ParTeS de PorCoA história não é unânime em atribuir uma data de nasci-

mento ao belo repasto tradicionalmente português, mas pode-mos encontrar a origem deste aparentado da “fabada asturiana”ou do “cassoulet” francês em meados do século XIX, nos ban-quetes das classes mais abastadas (ou pelo menos assim o su-gere essa fonte indubitável que é a Wikipédia). Pitéu que viriamais tarde a ser um orgulhoso contribuinte para pratos como afeijoada brasileira ou a cachupa, tem estado afastada maistempo que o desejável da ementa dos Serviços de Ação Socialdesta centenária instituição. Falamos, claro, da feijoada, que,para os lados de Trás os Montes e Alto Douro, se torna insubsti-tuível no Domingo Gordo.

Por Coimbra, a “feijoada à portuguesa” surge oportunamenteno menu às quartas-feiras ao almoço. Com pequenas alteraçõesà receita transmontana (o tempo é de escassez e quer-se pou-pança em presuntos e afins), a sua composição segue analoga-mente a velha máxima portuguesa segundo a qual todas as

partes do porco são para aproveitar. Orelha de porco, pé de porco, foci-nho de porco, feijão vermelho e, pelo meio, alguns fragmentos de carne.Não se desprezem os pedaços de chouriço e cenoura que dão cor ao queacima a preto e branco está, e uma menção honrosa para o arroz brancoque é já um “habitué” nos restaurantes universitários.

A receita é simples e o povo gosta, à exceção dos mais niquentos quenão se alinham pelos costumes da ancestral cozinha portuguesa, talvezpelo pesado fardo que assenta no estômago minutos depois de deglutidaa iguaria.

Muito mais haveria para falar sobre este prato, sobre o que o antecedeue precedeu (ressalvo apenas a consistência do leite creme que se desejariasempre assim), mas o constrangimento espacial a que estou sujeito ob-riga a que não me alongue mais.

Por Camilo Soldado

Tom

ai e

Co

mei

AnA FRAncisco

arTe.PonTo

título chamou a atenção doleitor? Ótimo. A sensaçãocom que fiquei quando saí

da peça foi essa mesma, que, nestepaís, e nesta cidade em particular,a cultura não chama tanto a aten-ção como uma “Casa dos Segredos”ou a vitória do Benfica sobre o Na-cional. É, aliás, embalada por estejogo, que a peça começa, com anova coqueluche dos encarnados amarcar o 4-1. Uma peça que sechama Jardim e cuja autoria e en-cenação são de Alexej Schipenko.Uma peça cuja temática é recor-rente na companhia do Teatro deBraga e, de igual modo, um íconede Coimbra: Pedro e Inês. Por-tanto, abordar uma história deamor requer sempre uma grandedose de coragem.

Há um ‘casting’. O diretor desse‘casting’ gosta de os fazer no seusofá cor-de-rosa, ‘king size’. A can-didata é brasileira e, com o seu so-taque do outro lado do Atlântico,diz que quer ser Inês de Castro.Acaba por ser um pouco das duas

protagonistas da vida amorosa dePedro, de quem até se diz ter-seperdido por amores também como seu escudeiro. O diretor é Pedro.A partir daí podemos adivinhar oque se segue. A peça desenrola-senum misto entre realidade e ima-ginário, presente e passado. O tra-balho em palco, e por palcosubentenda-se o teatro pratica-mente todo (com o auxílio de vá-rias câmaras, que à vista doespetador só estavam o palco prin-cipal e a cave, por baixo do palco),bem como a caracterização daspersonagens, são muito bons. Avoz-off transporta a audiência parauma biblioteca, com um livro decontos antigos à frente. O espeta-dor mergulha numa narrativa comuma linguagem cuidada, que vaiservindo de guião auditivo ao quese passa diante dos seus olhos.

Esta não é a típica peça com diá-logos estruturados. É antes todauma experiência sensorial, a todosos níveis, onde o espetador é le-vado a observar aquilo que se quer

que observe. Mas, se conseguirdesviar a atenção por breves ins-tantes, muito mais se passa na-quele local de encenação. Ostempos seguintes à morte de Inêssão brilhantemente metaforizadosatravés de uma gravação projetadade um dos melhores jogos de xa-drez de sempre: Fisher contraSpassky, em 1972. É teatro con-vencional, daquele que as pessoasimaginam quando dele falam?Não. Tal como Pedro dar, pelomenos, cinco voltas ao palco numamota. E aqui ficaria bem inseridoo tique nervoso do Padre Agosti-nho. É um teatro diferente mas umteatro que merece ser visto pormais do que as 120 pessoas que porlá passaram em duas noites. Épouco para uma cidade que sequeixa da insuficiente oferta cultu-ral. Se, por acaso, tiverem oportu-nidade de ver a peça, não hesitem.É menos uma noite no Theatrix ouno NB, mas vale bem mais a pena.

Por Paulo Sérgio Santos

Inês, sotaque brasIleIro e uma mota

“Jardim” • TeaTro da CerCa de São Bernardo • 11 de fevereiro

D.R.

O

d.r.

Page 21: Edição 240

anhã e era bem cedo, orealizador e o assistentechegaram ao local das fil-

magens, pararam o carro, comocombinado, antes da curva, deforma a ficar visível para os quechegariam depois, estava frio e umnevoeiro que ninguém sabia sedissiparia, Janeiro, ninguém.

O actor chegaria pelas nove, acâmara já instalada, o local mar-cado. O assistente estendeu umatoalha na areia, onde o rapaz se irádeitar, verificou o calor dos sacosde água quente, as distâncias dacâmara, as duas posições. O rapaze a namorada chegam, no carro deum amigo, está muito frio (“nãofaz mal, sou do norte”), levanta-se o vento do mar, cortante.

A equipa arruma-se, orealizador marca o lugar,o movimento, passa aorapaz os sacos deágua quentecom quep o d eaqueceraareiap o rbaixo docorpo, dá-lhe o roupãoazul.

“É para tirar aroupa já?” , perguntao rapaz .

“Ainda não, vemos pri-meiro a marcação. Estásdeitado, assim, o braço direitomais dobrado, a cara para o nossolado, a perna direita mais dobrada,sim, vamos filmar-te em três esca-

las diferentes, o corpo todo, depoismais perto, pelo rabo, mais pertoainda, pelos ombros, só depoisfazemos a última acção emque te levantas apoiando-teno braço esquerdo, cuidadonão fiques com areia nocorpo e avanças atéonde virmos, frenteà câmara, sim?”

E o rapaz en-saia.

“ T u d obem?”per-

gunta o realizadorao director de fo-tografia, “Podesdespir-te agora.Mas põe os sacos

de água

quentep o r

b a i x o ,está tanto

frio.”O rapaz

d e s p e - s e ,corpo miúdo, en-

xuto, corre para aposição, corrige aperna direita, enterra

na areia o saco de águaquente que quase o quei-

mava.Esplêndido, o seu corpo deitado,

nu.O vento é frio, ao longe um casal

passeia devagar pela praia, muitoao longe.

O rapaz continua deitado, o rea-lizador vai pedindo planos mais

aproximados, menos,“só pelos om-

bros”. E o se-gundo plano

em que o rapazse levanta da

areia e avança atéà câmara, ficando o

seu sexo em primeiroplano, uma vez, duas

vezes, três.“Pronto, já te podes ves-

tir”.E sorrindo, o rapaz res-

ponde “agora tenho de me ha-bituar a passear assim, nu”.Quantos anos, quantos salaza-

res foi preciso esquecer, quantasordens foi preciso deitar abaixo,quanto pudor assassino, quantocrime compensado, quanta hipo-crisia, quanta luta, quanto amor,quanta coragem, quanto desas-sombro para chegarmos assim,agora só, a uma manhã de Janeiroe não ser crime nem porcaria umcorpo nu, um sexo, quanto tive-mos que passar, antes?

O rapaz vestiu-se, ainda se reen-contraram antes de passar aponte, do outro carro lançou umlargo adeus. E voltam a ver-se, devez em quando.

E a lembrar o esplendor do seucorpo sexuado na manhã maisfria.

SolTaS14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 21

nuPor Jorge Silva melo miCro-ConTo

situação na AssociaçãoAcadémica de Coimbra(AAC) começa a roçar orídiculo, e desta vez nin-

guém se demitiu. Quando ouçoas notícias do que se passa noedíficio sede da AAC questiono-me se um dos objectivos conse-cutivamente reiterados pelasDG’s se cumpriu com dema-siada eficácia.

Sempre se discutiu a necessi-dade de trazer mais sócios aoedíficio da associação, com ointuito de os aproximar da aca-demia, das suas iniciativas po-líticas e culturais, mas tambémdas secções e do seu trabalho.Se é verdade que nos últimosanos o número de sócios a fre-quentarem as instalações don.º1 da Padre António Vieira semultiplicaram exponencial-mente, o problema agora é quejá não são apenas os sócios quefrequentam a associação.

Primeiro vieram os demaisestudantes, do politécnico aosecundário, colorir o edíficio.Depois veio a nata coimbrã, dos

betos de Celas aos lenhadoresde Vale de Canas. Seguiu-se aclasse trabalhadora, dos milita-res em licença do quartel aosprofissionais da noite. Eagora... vieram os amigos doalheio e os arruaceiros. Masserá que alguma vez se foramembora?

Tudo isto não deixa de serirónico por vários motivos. Oprimeiro é que, com substan-cialmente mais gente no edífi-cio, a relevância política daAAC definha a olhos vistos, e écada vez mais patente a inépciadas estratégias de comunicaçãoda sua direcção. Segundo, ape-sar de mais pessoas deambula-rem pelo edíficio, as secçõestravam lutas cada vez maisduras para cativarem mais só-cios e sustentarem a sua activi-dade – algumas, acabammesmo por “pagar a factura” departilharem a “casa” com certotipo de maralha (é perguntaraos colegas da fotografia, doGEFAC, ou mesmo o que já sepassou aqui na Secção de Jor-

nalismo com os amigos doalheio).

Mas a ironia suprema de quese revestem os recentes aconte-cimentos que preenchem asnoites na AAC está nacausa/efeito despoletada peloprocesso de reconversão dosjardins em discoteca. A inter-venção nos jardins da AAC tevelugar precisamente com o in-

tuito de desencorajar um con-junto de práticas muito poucodignificantes, e claramente àmargem da lei, que por ali sedesenrolaram e reenrolaramhistóricamente (e aqui não faloobviamente das magnas apo-teoticas dos tempos em quehavia luta estudantil).

Com uma flora verdejante euma fauna mais digna de um

jardim zoológico que de um jar-dim botânico, os jardins pode-riam ter-se tornado numpequeno pedaço terreno doEden, mas deus assim não quis.Preferiu a tal estrutura amoví-vel, janelas a vibrarem até aoalto de Montes Claros ao somdos DJ’s da moda e os convíviosde erasmus sem os mesmos.

Na troca ainda levou paracasa uma facada no abdómen.

JP Gangs styla....Será no entanto possível com-

provar uma relação directaentre largas quantidades de al-cóol, multidões, total ausênciade controlo de entradas numrecinto, violência e criminali-dade? Creio que cientifica-mente esta é uma missãoapenas ao alcance dos mais bri-lhantes pesquisadores do CES.

Há coisas que são demasiadosérias para se brincar. Feliz-mente esta não é uma delas.

monumenTaiS PanadoS SoCiaiSPor doutorando Paulo fernando • facebook.com/paulofernandophd

AD.R.

140% de ProBaBilidade de Correr mal

Quando lhe perguntam se é argu-

mentista, ator, dramaturgo ou encena-

dor, Jorge silva Melo responde “sou

velho”. não querendo assumir nenhum

título, aquele que é considerado o se-

nhor do ar sério, descodifica a chave:

“não sou propriamente um criador, sou

um organizador do trabalho dos ou-

tros”. nascido em agosto de 48, silva

Melo desde cedo se interessou pelo

cinema, muito por influência do pai.

depois da infância e adolescência pas-

sadas em lisboa, percorre várias capi-

tais europeias. Berlim e londres foram

cidades onde expandiu a sua arte. Teve

ainda tempo para viver de perto a re-

volução dos Cravos e esteve ainda li-

gado ao Movimento da esquerda

socialista. Mas hoje confessa não gos-

tar de aparelhos políticos. em 95, volta

a Portugal e cria a companhia “artistas

Unidos”, para não entregar os bons

atores às novelas. Hoje é o seu direc-

tor artístico. recebendo inspiração de

Júlio verne a almeida garret, silva

Melo diz escrever as suas peças de

teatro e de cinema durante a madru-

gada, no silêncio. o artista, que não

consegue estar muito tempo sem

fumar, “gostava de ser lembrado como

alguém que, como os gatos, se pas-

seou”.

Ana Morais

Jorge silva Melo, 63 anos

M

ilustRAção poR tiAgo Dinis

Page 22: Edição 240

opinião22 | a cabra | 14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira

Em 2011, a Universidade de Coimbra (UC)conheceu uma corrida à reitoria como hámuito não se via. Um ano onde uma eleiçãorenhida deu lugar a uma imagem da UC quepretendia valorizar o “espaço de saber e ini-ciativa”. João Gabriel Silva tornou-se reitorcom a promessa de mudança mas assumindo-se sempre entre a rutura e a continuidade.

Quase um ano inteiro para ouvir e debatercom a comunidade universitária, para cons-truir um plano estratégico para o mandatoreitoral, foi a primeira ação de João GabrielSilva. Seria necessário tanto tempo? É prová-vel que não, já que as linhas gerais já estavamdelineadas. Mas, ao mesmo tempo, o reitormostrou-se ambicioso e sensível às necessi-dades. Foi prova da vontade de João GabrielSilva de ser diferente e englobar todos numaestratégia comum, compilada num docu-mento único e de enorme valor para o futuro.

A universidade foi obrigada a mudar aolongo de 2011. Os sucessivos cortes orçamen-tais levaram a uma redução gigantesca do or-çamento da UC. Os Serviços de Ação Socialda UC (SASUC) são a prova mais visível des-tes cortes: a redução de horários das cantinas,o encerramento de serviços, ou, o mais avas-salador de tudo: o constante e cada vez maiscrítico atraso na atribuição de bolsas aos es-tudantes mais carenciados. É urgente assu-mir este problema como uma prioridade parao futuro. Apesar de salutar o esforço feito namanutenção do fundo de apoio social, espe-ramos que João Gabriel Silva tenha um papelmais ativo neste tópico nos próximos anos.Não queremos que os SASUC sejam mais umassunto tabu, como se tornou a “discussão”

acerca do regime fundacional para a UC. Mas os problemas que afetam a UC não são

apenas do foro financeiro. Cada vez maistemos de assumir a Universidade de Coimbracomo um polo de atratividade. Queremos seruma universidade cada vez mais internacio-nal, cada vez mais uma escolha fora dos gran-des polos nacionais para o Ensino Superior.Queremos ser um marco incontornável naciência e nas inovações tecnológicas e assu-mir-nos como um ponto de paragem obriga-tória também a níveis culturais. Mas, se atécá dentro o caminho é a fuga, como se pre-tende fazer isto? João Gabriel Silva tem de sa-bido responder a algumas destas questões. Oesforço é, mais uma vez, meritório, mas aindahá muito caminho a percorrer. Resta saber sesão os estudantes, mesmo com a sua fraca re-presentação nos órgãos, que vão continuar aassumir o compromisso com a reitoria, e amanter esse esforço.

Um ano depois de tomar as rédeas da maisantiga universidade portuguesa, o reitorainda tem muito a mostrar. A questão daFundação Cultural da UC, por exemplo, é umdos pontos onde é urgente uma resoluçãobreve: os estudantes esperam , ainda hoje,por uma solução para o Estádio Universitá-rio. Melhores da Europa pelo segundo anoconsecutivo em desporto universitário, e semcondições logísticas ou financeiras para pra-ticar desporto. É esta a universidade que que-remos no futuro?

Deixa-se a página em branco para os pró-ximos três anos. Deixam-se no ar as questõese as dúvidas que esperamos virem a ser res-pondidas em breve.

um aNo de eleição do reitor aos olhos dos estudaNtes No coNselho geral

FiliPe jaNuário (rePreseNtaNte 1º e 2º ciclo)

Faz agora um ano que o reitor da Univer-sidade de Coimbra (UC) foi eleito. Querodesde já afirmar que foi para mim umahonra ter tido a oportunidade de votar naeleição do dirigente máximo da UC. Torneipúblico o meu sentido de voto logo após osufrágio. Ainda que a tal não fosse obrigado,o princípio da transparência assim me orien-tou. Porém, a votação não foi, como eraminha intenção, em bloco. Não houve con-senso entre os estudantes sobretudo devidoa alguns pontos cruciais que nos levantaramdúvidas. E não foi uma escolha fácil porqueestávamos perante dois bons candidatos. Éimportante sublinhar que embora nesse diativesse havido uma efectiva divisão entre oscinco estudantes conselheiros, após esse diatodos continuámos a trabalhar juntos nosentido de reivindicar promessas eleitoraise supervisionar a acção do reitor. Uma con-clusão pode por isso retirar-se desta eleição:os estudantes contaram na hora de elegerum reitor, apesar de estarem em número re-duzido no Conselho Geral da UC.

Começou assim o mandato do novo reitorda UC e começou também um ano compli-cado para a reitoria. Entre o arrumar dacasa, os constrangimentos orçamentais parao ensino superior e a própria crise econó-mica que afectam cada um de nós indivi-dualmente, muitas foram as dificuldadesque contribuíram para um arranque desa-fiante para os novos dirigentes da UC. Tenhoa destacar, para surpresa de muitos, agrande proximidade deste reitor com os seusestudantes, o seu optimismo, a sua irreve-rência. A mensagem política do reitor, de

que a solução dos problemas da sociedadepassa pelo conhecimento avançado bemcomo pela correcta e racional utilização dosbens e capitais públicos sob o primado dasustentabilidade, tem sido uma constantenos seus discursos públicos. É uma mensa-gem na qual eu me revejo.

Em relação a conquistas concretas para osestudantes posso referir, pela minha expe-riência no Conselho Geral com o reitor an-terior, que a relação com os estudantes éagora muito mais próxima e aberta. As polí-ticas pedagógicas e científicas orientam-seem torno da qualidade e procura-se incre-mentar uma política internacional ambi-ciosa de efectivo apoio à mobilidade. Étambém de salientar a aprovação de regula-mentos que garantem o acesso a condiçõesespeciais de avaliação para um leque maisalargado de alunos como aqueles que se de-dicam a actividades de âmbito cultural. Enão podia deixar de referir uma das minhaspróprias reivindicações eleitorais, entretantojá cumprida: o acesso gratuito a disciplinasextracurriculares.

Há um ano atrás, o Conselho Geral votounum candidato que apresentava um pro-grama e um perfil de mudança. Conscientedo meu papel de supervisão, eu tenho tidocomo tarefa apreciar os actos do reitor e doConselho de Gestão no sentido de defendero interesse dos estudantes para termos maise melhor universidade. E o meu balanço éfrancamente positivo.

luís rodrigues (rePreseNtaNte 1º e 2º ciclo)

Quando, a 11 de Novembro de 2010, fuieleito membro do Conselho Geral (CG) daUniversidade de Coimbra (UC), tinha a per-feita noção da responsabilidade que assumia eda honra que tal cargo para mim representava.

Esta responsabilidade tornou-se aindamaior no momento em que as nossas primei-ras posições e decisões se relacionaram com aeleição do novo reitor, que viria a suceder aSeabra Santos.

Dos vários candidatos iniciais, chegaram aofim dois: o professor João Gabriel e a profes-sora Cristina Robalo Cordeiro. Pelos currícu-los vastamente conhecidos de ambos, fiqueicom a certeza que ao fazer uma escolha, esta-ria a ser injusto.

Na verdade, a UC teve sorte em ter dois ex-celentes candidatos. Depois de receber a con-firmação de 18 Conselheiros (maioria em 35elementos), foi eleito, para o cargo de reitor, oProfessor João Gabriel, o primeiro a ser eleitopelo Conselho Geral.

Nós, os representantes do Estudantes nomaior Órgão de Governo da UC, encontramossempre, da parte do Senhor Reitor, a maiorabertura possível para nos ouvir e para discu-tir connosco os mais variados assuntos.

Sempre que solicitados, participamos emdiversas iniciativas da equipa Reitoral, semnunca esquecer que só com uma atitude em-penhada poderíamos contribuir para melho-rar a nossa Universidade.

A proximidade que temos ao Senhor Reitorestende-se aos Senhores Vice Reitores. Aolongo deste ano, os Estudantes promoveramalmoços de trabalho nos diversos Restauran-tes Universitários com a equipa Reitoral.

Por nossa iniciativa, o Conselho Geral daUniversidade de Coimbra visitou as instala-ções do Estádio Universitário, com o objectivode tomarem conhecimento das fracas condi-ções que milhares de jovens encontram todosos dias. No final, a opinião foi unânime: é pre-ciso fazer mais e melhor nestas instalações.

Se pudesse resumir em poucas palavras osenhor reitor, eu diria que ele é uma pessoaextremamente bem informada e com um bomsenso acima da média.

Julgo que ele tem a noção de que só com osEstudantes ao seu lado ele sairá vencedor e seele sair vencedor, então a universidade ganha,ou seja, ganhamos todos.

Recordar o discurso do magnífico reitor natomada de posse dos corpos gerentes da AAC2012, é bem demonstrativo disso. Mas nomuito que foi dito (bem, na minha opinião),também muito ficou por dizer ou por salva-guardar.

Numa altura em que os sacrifícios são exi-gidos a todos, não serão os estudantes a que-rer ser a parte privilegiada da equação. Osestudantes certamente que contribuirão, mascontribuirão melhor se forem chamados a dis-cutir esta problemática.

O primeiro ano de mandato do actual reitorfoi positivo e o futuro estará sempre debaixodas nuvens negras da troika. Estou confianteque continuará com um desempenho positivo,até porque nós, na Universidade de Coimbra,somos diferentes. Temos a garra, a ambição eo engenho necessários para darmos a volta porcima. Porque aqui, de piegas não temos nada!

Pedro Pacheco (rePreseNtaNte 1º e 2º ciclo)

Cedo se percebeu que a política de austeri-dade orçamental que afecta Portugal tambémteria um amplo impacto nas instituições deEnsino Superior (IES). Neste enquadra-mento, profundamente desafiador, a equipareitoral apresentou um projecto simultanea-mente ambicioso mas avisado.

Os cortes nas transferências orçamentaisprovenientes do Ministério da Educação,cerca de 8,5 por cento relativamente às trans-ferências do ano passado, tiveram profundasrepercursões na forma como a Universidadede Coimbra (UC) passou a ser governada,tanto ao nível da sua administração corrente,das unidades orgânicas e centros de investi-gação e também dos serviços de acção social.Como solução, mas também opção, para con-tornar estas limitações, as instituições uni-versitárias procuram compensar estes cortescom a captura de receitas próprias.

Colocam-se então à UC dois desafios im-portantíssimos: impedir que esta compensa-ção recaia sobre a contribuição dosestudantes para o orçamento, via propinas,ou aumento do preço de outros serviços pres-tados e evitar que esta compensação, conju-gada com os efeitos das medidas deausteridade na vida das famílias provoqueum aumento no número de desistentes nosgraus superiores de ensino.

Não podemos afirmar que esta tendênciaestá salvaguardada na UC. Apesar dos ins-trumentos inovadores instroduzidos no mo-delo de gestão e de um abrangente processode discussão programática, uma parte rele-vante da compensação orçamental está a serobtida através de um incremento substancial

no valor das propinas da oferta pós-gra-duada, com enfase em particular no terceirociclo - os doutoramentos.

Um aparente desenvolvimento que pode-ria ter contribuido para o progresso das con-dições pedagógias da UC, com a alteração doenquadramento legal da contratação de do-centes, agora possível desde que não ultra-passe o volume salarial orçamentado naexecução anterior, poderá constituir na ver-dade, de acordo com a forma como é prati-cado actualmente, uma precarização dasituação dos docentes em início de carreira,com contratos a prazo, com uma rotatividadequase sazonal, para evitar a transposição doslimites orçamentais e a passagem para osquadros de pessoal. Quando estas operaçõesse revelam insuficentes, as tarefas de docên-cia que têm recaído sobre os estudantes dedoutoramento e os bolseiros de investigaçãotêm progredido a um nível alarmante.

Além das dificuldades inerentes à gestãode uma situação tão delicada como a que aca-bei de descrever, impõe-se à reitoria da UC amissão, no quadro mais abrangente das IESportuguesas, de convencer a tutela que aaposta e o investimento no ES em Portugalrepresenta uma via para a saída da crise, eque, em sentido contrário, as restrições or-çamentais podem significar um golpe fatalnas ambições da construção de uma socie-dade de conhecimento, fundeada na inova-ção e na qualidade.

É assim fundamental que a equipa reitoralesclareça quais são as políticas que decorremdas imposições estruturais e as que consti-tuem opções de fundo.

Pedro NuNes (rePreseNtaNte 3º ciclo)

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OpiniãO14 de fevereiro de 2012 | Terça-feira | a cabra | 23

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editorial

Após um ano, muitos são os mo-mentos que pautaram o mandato danova equipa reitoral. Não seria justoavaliar o seu mandato sem fazermenção ao momento que o paísatravessa e ao corte orçamental quea Universidade de Coimbra (UC) so-freu por parte do Estado no últimoano.

O primeiro momento que naminha óptica merece destaque foi odia do estudante, 24 de Março, ondeo recém-empossado reitor se colo-cou ao lado dos estudantes e da As-sociação Académica de Coimbra(AAC) no boicote às aulas. Tambémdestaco pela positiva o facto de esteter, pela primeira vez, permitido apresença de um estudante no con-selho de gestão da UC, o que se tra-duziu num acréscimo real darepresentatividade dos estudantesnos órgãos de gestão da universi-dade. Mais recentemente, houve aapresentação do primeiro radio fár-maco português que se espera ser aalavanca para uma nova era de co-nhecimento e investigação na UC eque comprova que vale a pena in-vestir no ensino superior em Portu-gal.

Existem, porém, aspectos que nãoposso deixar de salientar comomenos positivos neste primeiro anoda equipa reitoral. A questão do es-tádio universitário, em que a reito-ria equaciona cobrar uma taxa deutilização às secções desportivas daAAC, foi uma das que mais polémicagerou durante este primeiro ano. Seique há uma solução a ser estudada

entre as partes interessadas e esperoque esta não fira de morte o des-porto universitário em Coimbra.Outro ponto no qual ainda não severificou qualquer resultado foramos inquéritos pedagógicos realiza-dos pelos estudantes todos os se-mestres. Gostaria que, em breve, sevejam resultados conclusivos quelevem a uma melhoria efectiva daqualidade de ensino na UC. Mais re-centemente, a questão da lavanda-ria dos SASUC e a abertura tardiadas cantinas durante o período deexames, quando a UC não disponi-biliza mais nenhum espaço de es-tudo aberto durante a noite.

Assim sendo, e um ano volvido,considero prematuro fazer um ba-lanço, quer positivo, quer negativo,visto que muitos dos efeitos das me-didas tomadas só a partir de esteano serão visíveis. Penso que aequipa reitoral da UC, tem uma ta-refa árdua à sua frente da qual de-pende o futuro de muitosestudantes. O anúncio do reitor du-rante a tomada de posse dos novoscorpos gerentes da AAC - de não au-mentar as propinas durante o pró-ximo ano - é mais uma nota positivaque não será esquecida pelos estu-dantes da UC. Enquanto membrodo Conselho Geral gostaria de dei-xar aqui, como sempre o fiz, o meudesejo de trabalhar em conjuntocom a reitoria na procura de solu-ções para os problemas da UC, semnunca esquecer os estudantes, quesão, no fundo, a razão de ser destainstituição.

a mutação do ecossistema

Faz hoje exatamente um ano que o novo reitor da Universidade de Coimbra(UC), João Gabriel Silva, foi eleito. Se, em fevereiro de 2011, as incertezassobre o que estaria para vir eram muitas, algumas dúvidas parecem não estardissipadas.

Num ano, muito mudou. A realidade nacional transformou-se e, com ela, oensino superior (ES). O acordo com a troika foi assinado, caiu um governo eoutro se levantou. Consequentemente, acabou um Ministério da Ciência, Tec-nologia e ES, para ser criado um Ministério da Educação e Ciência que, atéagora, pouco mostrou de ensino superior e é portanto cedo para avaliar se Ma-riano Gago (que foi mau) deixa saudades. Com o novo ministro vem um novoregulamento de atribuição de bolsas, que sai novamente tarde demais para anecessidade daqueles que delas dependem para se manterem no ES. Para alémde moroso, o regulamento ficou aquém das pretensões e reivindicações domovimento nacional reivindicativo.

Em novembro, a discussão do Orçamento de Estado determina um cortesignificativo na dotação a ser disponibilizada para as instituições de ES em2012. Com a metamorfose ministerial, adia-se também a discussão sobre omodelo fundacional, pelo menos para já, pois não se sabe que (des)vantagenspodem daí advir.

Mais recentemente, a propina sobe, atualizada à taxa de inflação, e passalargamente a barreira psicológica dos 1000 euros no próximo ano letivo, tor-nando o ES uma miragem cada vez mais distante para as camadas da popula-ção mais afetadas pelas medidas draconianas do governo.

É neste contexto de profunda mudança que passou um ano desde que o Con-selho Geral escolheu o novo inquilino da Via Latina. Para acrescentar ao quejá se passou, antevê-se uma discussão sobre o modelo de financiamento dasinstituições do ES e, num enquadramento em que a austeridade é palavra sa-crossanta, não se prognostica que a alteração vá no sentido de aumentar o fi-nanciamento.

Esta cadeia de acontecimentos acima referida tem vindo a contribuir paraa degradação do ES e, consequentemente, para a fragilização dos Serviços deAção Social, que se vêm impedidos de prestar a assistência devida aos estu-dantes e delegam neles um peso insuportável, tendo em conta aquilo que é arealidade socioeconómica das famílias portuguesas.

Quer os responsáveis das universidades, quer os dirigentes das associaçõesde estudantes, clamam a severidade de uma asfixia incomportável e reclamammais meios. Não obstante, os apelos desejam-se acompanhados de ações maisefetivas pois sem elas, apesar da contundência de algumas palavras, passampor dóceis aos ouvidos de quem tem mostrado um desnorte quando a sua fun-ção é nortear o ensino superior português.

Por Camilo Soldado

com a metamoforse ministerial, adia-se também a discussão sobre o

modelo fundacional, pois não se sabe que(des)vantagens podem daí advir

Pedro tiago (rePresentante 1º e 2º ciclo)

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Page 24: Edição 240

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Por imposição do memorando datroika, o governo de Passos Coelhoanunciou para este ano um novo au-mento dos preços dos transportespúblicos. Em Coimbra, desde há trêsanos que o município não atualizavaos preços e, em 2012, os SMTUC en-tenderam que era incontornável oaumento das tarifas. Ainda assim, aCâmara Municipal de Coimbra nãosubiu tanto os preços como foi im-posto pelo governo, sendo a dife-rença do apoio comportada pelomunicípio. Tal como afirma o admi-nistrador dos SMTUC, Manuel Cor-reia de Oliveira, a comparticipaçãodos transportes “é um dos apoios so-ciais mais importantes”.

A.M.

Hemisférios Solidários SMTUC UE

Numa altura de grande crise eco-nómica e de valores, ainda há insti-tuições que tentam reverter asituação. No caso da Hemisférios So-lidários, o apoio àqueles que são maiscarenciados faz-se através da arte.Aliando-se ao Grupo de Teatro doOprimido, esta associação promove oauxílio a pessoas em situação de rua.Mas esta atividade não é fechada:qualquer um pode participar, fomen-tando a intervenção cívica e a práticateatral, como forma terapêutica e re-flexiva. O teatro é linguagem humanae, por isso, um dos objetivos princi-pais será o trabalho do ser humano -a entreajuda num grupo composto deheterogeneidade.

A.D.

Entendo que seja difícil para a UEestipular uma regulação perfeita dasquotas piscatórias. No entanto, nãopodemos deixar passar ao lado deduas questões importantes. A pri-meira é a dos excedentes de peixemorto que retorna ao mar e que vai,progressivamente, danificando osecossistemas; a outra diz respeito aopeixe, também em excesso, mas aindaconsumível, que segue o mesmo ca-minho. Uma reforma na PolíticaComum de Pescas é necessária, prin-cipalmente neste sentido: o de evitarfins prejudiciais ao ambiente e o des-respeito por uma população mundialem que muitos passam fome. Esta po-lítica é também um desrespeito pelotrabalho do pescador. M.G.

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Jornal Universitário de Coimbra

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InocêncIa nostálgIca por olga Juśkiewicz e Sérgio Henrique 200x 100Toda a criança nasce inocente, uma

folha em branco, um livro de páginasvazias em espera para serem escritas.Ingénua, sem nenhuma experiência,a criança segue o desejo sem limitenem medo do desconhecido. Essa li-berdade que só acabava com uma vozmaterna ditando o limite. O mundopara descobrir, da coisa mais simplesà mais formidável surpresa.

Depois eles crescem e tornam-seem nós.. Quem não tem saudades dainfância? Todos à nossa maneira..Éramos melhores? Penso que sim-plesmente acreditávamos. Não sabia-mos tanto como hoje e como amatemática e a física nos eram estra-nhas, também as políticas e filosofias.O sentido da vida era a felicidade enão ganância ou ideais.

A certa altura todos temos de pen-sar menos e sentir mais para sermosfelizes porque o amor é só uma emo-ção, sem lógica nem razão.